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“PUTA FALTA DE SACANAGEM”: Os “Spoofs” do YouTube e o

pastiche na cultura contemporânea.

Luzo Vinicius Pedroso Reis1

Resumo: As novas tecnologias digitais e a internet aumentaram os processos de


virtualização da ação humana. Algumas das atualizações que presenciamos
correspondem a proliferação das produções do que Robert Stam e outros autores
consideram como a expressão estética mais típica da pós-modernidade: o pastiche. A
proposta desse artigo é evidenciar uma das práticas atuais, a saber os “Spoofs” do site
Youtube – partindo das considerações de Erick Felinto, como pertencentes a essa
estética pós-moderna e fundamentais para as análises sobre cultura contemporânea.

Palavras-chave: Virtualização; pastiche; pos-modernidade.

Abstract: The new technologies and the internet increases the processes of
virtualization in the human action. Some of the updates we see are about what Robert
Stam considered the most common aesthetic expression: the pastiche. The proposal of
this article is evidence one of the current practices, the spoofs from YouTube – taking
the considerations from Erick Felinto, as an example of this post-modern aesthetic, and
as fundamental aspect to the studies of contemporaneous culture.

Keywords: virtualization, pastiche, post-modernity

1
Mestrando em estudos de cultura contemporânea, Universidade Federal de Mato Grosso. E-mail:
luzoreis@gmail.com
Desde a inserção da internet e das tecnologias digitais no conjunto de aparatos
da vida moderna, temos acompanhado o crescimento de práticas e apropriações que
ocorrem dessas ferramentas. A tecnologia digital, barateando os custos de produção, e a
internet, facilitando a distribuição das mesmas, trouxe às pessoas “comuns” as
condições para se expressarem e serem ouvidas em escala global. Nesse sentido, essas
tecnologias não apenas aumentam as possibilidades de atuação humana, mas também
virtualizam essas possibilidades (LEVY, 1996). Não se trata apenas de um aumento de
possibilidades de expressão através de textos, vídeos e sons que são postados em uma
rede de acesso global, mas dos problemas que surgem nesse processo e que demandam
novas respostas, novas atualizações.
Com a criação do site YouTube em 2005 um novo vetor de virtualização surgiu
na internet. As atualizações feitas dessa ferramenta a partir de então podem ser
agrupadas como: postagens de vídeos tutoriais, que são espécies de vídeo-aula;
compartilhamento de trechos de filmes, séries e demais produções audiovisuais,
geralmente extraídos da televisão; postagem de vídeos autorais, em geral curta
metragens; e o que Felinto chama de Spoofs, o autor usa o termo para designar no
YouTube as produções paródicas ou imitações de um vídeo (FELINTO, 2008).
Os spoofs são verdadeiros fenômenos do site. Vídeos dessa natureza são
produzidos geralmente com poucos recursos técnicos e tem como objetivo satirizar uma
situação cotidiana ou outro vídeo. A quantidade de material dessa natureza disponível
no site é enorme e pode ser observado pela lógica de organização do site que se
assemelha a constituição de uma rede: um vídeo se conecta ao outro através de suas
palavras chave. Felinto faz seus comentários sobre o fenômeno com base no canal do
YouTube “lonelygirl15”, supostamente criado e mantido por uma jovem para postar
seus vídeos pessoais. Na época, 2008, o canal já tinha sido assistido por mais de 2,5
milhões de pessoas. Apesar de Felinto não fazer o registro da quantidade de spoofs
produzidos a partir desse canal, se utilizarmos o sistema de busca do site encontraremos
aproximadamente 7.080 vídeos que se relacionam de alguma forma com a referencia
lonelygirl15.
Recentemente o video entitulado “puta falta de sacanagem” está na pauta dos
videomakers. Da mesma forma que em “lonelygirl15”, este vídeo já conta com uma
série de spoofs em circulação. O interessante nesse caso é observar como uma situação
do cotidiano é resignificada nesse espaço. O vídeo original é uma matéria jornalística
sobre o desespero de jovens que não conseguiram entrar no show da banda Restart. A
apropriação da matéria nos spoofs se dá quase que exclusivamente no ponto em que
uma garota chorando diz que aquilo – não conseguir entrar no show - era uma “puta
falta de sacanagem”. Fica claro, portanto, a motivação satírica dessas produções.
Na produção dos spoofs os videomakers utilizam diversos recursos de imagem e
som. Geralmente inserem pedaços de outras produções, usando a edição para causar
uma naturalidade na seqüência. Com o som, fazem trilhas sonoras, utilizam efeitos,
como o back to back dos dj’s. Outro recurso muito utilizado é a inserção de caracteres
no vídeo, em geral são legendas que se aproveitam da falta de definição do áudio
original para traduzir o que foi dito e ridicularizá-lo. Os spoofs também podem ser feitos
através do uso de outros materiais que não se relacionam, a primeira vista, com o
original, como no vídeo “Hitler também não foi ao show do restart”. Aqui o produtor
legendou uma cena do filme “A queda – As ultimas horas de Hitler” para fazer sua
censura jocosa, a idéia aqui foi criar uma cena para satirizar ao mesmo tempo o vídeo
“puta falta de sacanagem” e a cena do filme sobre o líder nazista. Hitler seria o chefe
emo2 do fãnclube da banda Restart que estaria organizando uma estratégia para se
defender dos insultos que estava recebendo nas páginas das redes sociais na internet, as
frases principais, “puta falta de sacanagem” inclusive, aparecem nos diálogos do chefe
nazista e de seus comandados.
Uma característica interessante dessa prática é o que Felinto chama de princípio
viral. Segundo esse princípio, utilizado em algumas promoções publicitárias para
potencializar a difusão da campanha em redes sociais, os spoofs se reproduzem através
do seu desdobramento em outras produções. Aliado a essa característica, está implícita
uma regra onde o desprestígio do vídeo significa seu valor enquanto material de
apropriação dos usuários, como Felinto afirma “o êxito de um vídeo pode ser atestado
pela quantidade de spoofs que ele gera”. Sobre a proliferação a partir do principio viral
o autor diz ainda que “também é possível produzir spoofs a partir de outros spoofs,
formando-se cadeias de imitações que se desdobram indefinidamente”. Outro aspecto
desses vídeos elencado por Felinto é o inacabamento da obra. Essas produções carregam
consigo uma margem para novas criações paródicas. Uma das conseqüências dessa
prática é a aproximação entre público e obra, pois esta sempre deixa um convite para
sua participação, seja produzindo outro vídeo, avaliando, comentando ou simplesmente
aumentando a estatística de acesso no site YouTube.

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Tipo de produção musical que mistura a estrutura musical do estilo rock com letras de aspecto
sentimental
Robert Stam (STAM, 2008) e outros autores, como Barbero (BARBERO, 2008),
dizem que o caráter paródico das produções populares estão presentes nestas há muito
tempo. Stam remete essa herança da cultura popular a obras como Dom Quixote de
Cervantes. No entanto o autor observa que na pós-modernidade há uma “abordagem
alterada da paródia”. Enquanto obras como Dom Quixote trabalha com a paródia e a
sátira para expor a realidade social, produções pós modernas como os spoofs do
YouTube fazem parte da expressão estética do pastiche, que segundo Stam é a mais
típica do pós-modernismo. O autor comenta sobre o pastiche como “prática neutra e
vazia da mímica”, como uma composição feita com “elementos mortos”. Stam cita
como exemplos programas de televisão como beavis and butthead e The daily show
onde o que ocorre é a reflexidade auto-referente, que “não expõe nada além de seus
próprios recursos” e que “partem de atitudes irônicas, avessas a qualquer tomada de
posição”.
Ao contrário do que ocorre na adaptação, que faz uma leitura da obra original,
usando-a como base para criação e reflexão, o pastiche pós-moderno apenas compõe
uma reflexidade auto-referente vazia. Stam se refere a primeira como forma libertadora
da paródia e a segunda como sua forma regressiva. Felinto é mais pessimista com
relação ao fenômeno, apesar de considerar um objeto digno de estudo, se refere a ele
como “lixo cultural”, apesar de ver nele uma “redenção cultural” por permitir a
participação do público através do convite à participação deixado pelo inacabamento da
obra.
De qualquer maneira o que parece importante ressaltar é que tais fenômenos da
pós-modernidade estão presentes e nos cercam a todo o momento. É preciso que as
análises os percebam como integrantes da cultura contemporânea. Essas práticas
evidenciam, antes, as características da pós modernidade presentes nos conceitos de
socialidade de Michel Maffesoli, e de cibersocialidade de André Lemos. Segundo esses
autores as práticas pós modernas revelam uma retribalização do mundo. Ao contrário do
discurso moderno de uso utilitário da técnica, o que ocorre na pós modernidade é seu
uso dionisíaco e seu objetivo é agregar os indivíduos. Tal lógica estabelece, segundo
Maffesoli, uma Ética da estética, pois o que se percebe é o que está dado, são as
materialidades que dizem sobre o sujeito e não mais sua essência. Nesse sentido,
práticas contemporâneas como os spoofs podem ser entendidas como exemplos dessa
proposta de socialidade. No entanto, tais fenômenos ainda carecem de maiores estudos e
teorias. Como Felinto diz, necessitamos de “teorias capazes de ultrapassar nossa
preocupação com o conteúdo, o significado e a interpretação de modo a considerar os
aspectos materiais, as superfícies significantes das obras e tecnologias, bem como seus
ritmos e performances”.
Referências

FELINTO, Erick. Videotrash: O you tube a cultura do “spoof” na internet. Revista


Galáxia, São Paulo, n.16, p.33-42, dez. 20082

LEMOS, André. Cibercultura. 4° Ed. Porto Alegre: Editora Sulina, 2008.

LEVY, Pierre. O que é o virtual. 1º Ed. São Paulo: Editora 34, 1996.

MAFFESOLI, Michel. Transfiguraçao do politico, a tribalizaçao do mundo. 1º Ed.


Porto Alegre: Editora Sulina, 1997.

MARTIN-BARBERO, Jesus. Dos Meios as mediações: comunicação, cultura e


hegemonia. 5º ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2008.

STAM, Robert. A literatura Através do cinema: realismo, magia e a arte da adaptação.


1º ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.

Referências eletrônicas

YOU TUBE. Sitio Eletrônico YOU TUBE. Disponível em <http//:www.youtube.com>,


acessado em 14/05/2010.

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