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Prólogo - Fate

Há uma razão para todo o acontecimento, bom ou mau.


Nem mesmo nos piores momentos pude duvidar de que existe algo
cósmico por traz de nossas vidas, da forma como conduzimos nossas
decisões e acreditamos construir nossa própria historia.
Uma palavra apenas, nos coloca onde sempre estaremos e nos inteira de
nossa insignificância diante da roda dos fatos. Destino.
E talvez, a fé. Que ela nasça do medo e da esperança de um destino certo.
Tornando tudo mais fácil. Se inclinar em uma estrada conhecida com
esperança, e, mesmo assim entender que é tudo tão incerto; o futuro, um
diário em branco pronto a lhe acolher.
Sabidamente inevitável, esse destino não deverá assusta-lo. Não será
sempre a liberdade o indicativo de boas escolhas e não será o amor, a
mais fácil das estradas a trilhar, nem mesmo a mais certa ou indolor.
Com certeza é aquela que renderá melhores frutos, que lhe fará os
melhores segundos e os dias mais belos e mesmo no escuro, esses serão
frutos de uma vida plenamente vivida.
No fim será sua coragem ao colocar um pé após o outro que medirá como
você cumpriu o seu destino. Se foi para o bem ou para o mal ou se foi
com felicidade ou amargor, mas certifique-se, em primeiro lugar, que
tenha vivido com amor.
Porque é sempre disso que se trata.
Cap 1 – Runaway

As gotas de chuva atingiam as janelas do ônibus enquanto continuávamos


aquela marcha lenta e torturante pela estadual. Estava a caminho de La
Push em busca de paz, um terreno neutro, longe dos meus monstros.

Meu violão estava apoiado entre minhas pernas e o encosto do próximo


banco, não que eu tivesse vontade de tocar nele. Minha musica estava
aposentada já tinha mais de dois meses.

Supostamente, eu passaria apenas o fim de semana em La Push, de


hospede na casa da minha tia Sue, tio Harry e meus primos Seth e Leah
Clearwather. Nem imaginava como seria no domingo, onde na teoria eu
deveria estar voltando pra Makah, pra casa.

Eu não voltaria. Isso era a única coisa certa, até agora. Daí pra frente era
apostar a favor da minha boa sorte e torcer pra que algum milagre me
atingisse, pois não havia mais um lar pra mim, onde deixei minha mãe,
irmã e sobrinhas.

Fiquei pensando em como as pessoas se definem, pra convencer a si


mesmas de que se conhecem bem. Poderia até rir, mesmo sem alegria, de
como eu supostamente seria definida. Uma opção seria usar a palavra
NADA mas como soava clichê demais, acho que teria que ficar com a
segunda opção: Eu era Emily Young, 17 anos, nativa americana,
compositora amadora e atualmente sem-teto; E, tão pouco, esperava
encontrar resposta ou alento, nas terras Quileute.

− Está servida? - perguntou a gentil senhora sentada ao meu lado,


me estendendo um grande cookie em um guardanapo de papel.

− Não, obrigada! - tentei ser amável com ela, mas minha voz
ainda parecia a voz de uma gralha e emperrada por falta de uso.
− São de canela e chocolate, querida. - ela insistiu me olhando
nos olhos. - Você é jovem demais para estar tão triste. - completou.

Eu peguei o biscoito e agradeci; comi depressa, estava gostoso.

Fui praticamente obrigada a aceitar mais um, porque pelo visto eu parecia
realmente deprimida. Lamentei por isso, mais que lamentava por qualquer
dos meus problemas. Lee, minha prima, me conhecia como a si mesma e
iria me fazer AQUELE interrogatório assim que eu aparecesse em sua
frente com essa minha cara de fracassada, e eu não queria colocar mais
ninguém no meio do meu desamor.

A viagem ainda demoraria mais uma hora, ficaríamos atolados em uma


grande poça no meio de um desvio. Eu chegaria à La Push, além de tudo
mais, muito moída.

(...)

− Lee, você sabe que pode confiar em mim. - eu abracei minha


prima pelos ombros.

Nós estávamos sentadas em sua cama agora. Ela parecia distante e


preocupada e me lembrava um pouco a mim mesma, quando cheguei
naquela rodoviária e vi que apenas o tio Harry estava me esperando.

Leah sabia que eu viria, ela fizera questão de me buscar na rodoviária,


havia confirmado comigo o horário, planejado tudo desde quarta-feira
quando liguei pra ela pedindo pra ir no fim de semana... E então, quando
eu penso que todas as coisas erradas já haviam acontecido comigo, antes
de eu chegar à La Push, Lee nem sequer aparece pra me buscar e, alem
disso, eu só fui vê-la perto da hora do jantar, quando ela entrou em casa
como uma ventania e correu direto para seu quarto sem falar com
ninguém.

− É claro que posso confiar em você, prima. - ela deixou sua


cabeça cair até meu ombro, seus cabelos revoltos e tão sedosos
espalhando-se por meus braços.
− Me conte, talvez eu possa te ajudar. - eu dizia enquanto
afagava seu rosto e limpava uma lagrima.

− Não tenho nada pra contar. - ela choramingou. Eu não insisti. -


Não tenho mesmo, não sei de nada, na verdade. - ela se endireitou e me
encarou num misto de raiva e atordoamento, mesmo com seu
semblante autoritário, ela parecia um bichinho acuado, tão confusa que
eu quase desmontei junto com ela.

− Tudo bem, shhh, tudo bem! - encostei sua cabeça de volta ao


meu ombro.

− ELE não diz nada que faça sentido... eu estou lutando pela
gente. Eu tinha decidido aceitar o pouco que ELE poderia me dizer,
mas ELE parece determinado a me afastar... Eu pensei que isso estava
acabado, mas ELE está cada vez mais estranho. Eu nem sei se me ama
mais, talvez seja tudo um grande truque pra terminar comigo! - ela
murmurava muito depressa e soluçante como se eu nem estivesse ali.
Continuei abraçada a ela.

Eu sabia que quando Leah falava ELE, se referia à Samuel Uley,


namorado de Lee desde que ela começou o colegial, mais velho que ela
um ou dois anos, alto e com alguns traços interessantes... que talvez...
TALVEZ, pudesse ser considerado bonito.

Morava apenas com sua mãe, estava prestes a pedir minha prima em
casamento e eu o vira apenas uma vez de perto, no aniversario de Leah no
ano passado.

Lee tinha um relacionamento estável e muito promissor com Samuel e


pareciam se amar verdadeiramente. Não entendi como a situação pode
chegar àquilo, com Leah tão incerta sobre o futuro dos dois e se
debulhando em lagrimas.
Me penitenciei por não ter estado junto dela quando as coisas de fato
começaram a desandar. Como quando tia Sue ligou pra minha mãe e
avisou do sumiço de Samuel, pedindo ajuda, espalhando cartazes.

Foram duas semanas de intensa movimentação em La Push, Makah e toda


a Olympic; procurando por todos os lados onde se pudesse encontra-lo,
ferido que fosse, mas a salvo.

No fim eu só soube que o acharam, aparentemente sem nenhum dano.

Estava tão absorta em meu próprio pesadelo naquele momento que não
me liguei no que poderia estar acontecendo a Lee. Que ela poderia
precisar de uma amiga, de uma força. Eu precisava de uma amiga e de
uma força, então apenas me resignei a ser egoísta com ela e tentar me
manter inteira.

Dormimos juntas naquela noite de sexta-feira, abraçadas e espremidas na


cama de solteiro da Leah, do mesmo modo que fazíamos quando crianças.
Nem assim meus pesadelos me abandonaram. Acho que os de Lee
também não, ela se mexeu muito.

Pra mim era sempre aquela mesma cena, bastava fechar os meus olhos.

Aquele quarto branco e simples com a cama de casal de alguem que eu


não conhecia. Julian me beijando e eu me sentindo a pessoa mais amada
do mundo, totalmente confiante nele, e aí os beijos ficavam mais ousados
e eu tentava compreende-lo. As mãos dele começavam a apertar o meu
corpo desajeitadas e com uma fome que me assustava e eu então
começava o processo já conhecido de empurra-lo e virar meu rosto contra
o acolchoado para impedir ele de me beijar os lábios, pedindo pra ele
parar e ele fingia não me ouvir.

Eu já tinha dito que não estava preparada para o que ele queria de mim e
era aqui que ele sempre me deixava e começava a brigar, mas pelo menos
me deixava.

As constantes baforadas me faziam sentir cada vez mais o álcool que ele
bebeu naquela festa antes de me levar até aquele quarto. Eu tinha medo de
que ele fosse me odiar se eu começasse a gritar, mas ele não estava
mesmo me obedecendo e eu começava a me assustar de verdade, um
horror crescia em mim enquanto ele me alisava com malicia e eu podia
sentir ele roçando sua excitação em mim.
Comecei a me debater, ele se empolgou mais ainda. O meu primeiro grito
saiu livre, o pegou de surpresa. Da segunda vez eu tentei lutar e gritar
ainda mais ferozmente, decidida a sair dali a qualquer custo, mas ele só
me imprensou ainda mais contra a cama restringindo os meus
movimentos. Gritei de novo, dessa vez por socorro. Isso fez ele virar um
tapa violento em minha face. Eu choraminguei e engoli o filete de sangue
que brotou no canto da boca.

Todo o meu amor, toda a minha dedicação àquela primeira paixão, tudo o
que eu fazia por ele; indo muitas vezes contra o que eu acreditava, só para
estar com ele. Tudo aquilo sendo esmagado em mim e expurgado com o
mais completo pânico.

− Fique quietinha, vai acabar depressa querida. - ele sussurrava


em meu ouvido beijando o canto machucado de minha boca.

− Me deixe ir, por favor Julian, por favor...

− Você vai gostar querida, eu prometo, fique quietinha que você


vai ver. - ele olhava pra mim com olhos insanos.

− Eu não quero, por favor, por favor...

− Emily, Emily... você não achou que eu esperaria a vida inteira,


achou querida? - e voltava a me beijar, dando chupões em meus
ombros a mostra. Me fazendo soluçar violentamente.

Enquanto ele abria meu jeans com uma das mãos eu aproveitei de uma
distração e gritei outra vez, outro tapa, e dessa vez a minha blusa foi junto
em um rasgo só, meus seios saltaram do soutien e ele os tocou daquela
sua forma suja...
Petrificada eu observei a dona da festa e o namorado dela entrarem no
quarto e nos flagrarem deixando Julian ocupado por tempo suficiente para
que eu me afastasse o mais rápido que minhas pernas conseguiam
tropeçar em direção à rua. Correndo e correndo sem nem ao menos
arrumar minhas roupas, no frio cortante que fazia, com toda aquela
desesperança e toda aquela dor, até encontrar uma viatura policial e
convence-los de que eu estava bem o suficiente pra ir para casa.

E toda noite, a dois meses era assim.

Foi quando o meu pesadelo passou a ser real novamente e Julian começou
a aparecer para mim nos lugares onde eu ia, me fazendo ameaças caso eu
o entregasse à policia, eu soube que não poderia ter uma vida ali, ou pelo
menos o resto que me sobrara de vida desde aquela noite onde ele levou
tudo de mim. Onde ele tomou qualquer inocência, mesmo que não tenha
conseguido terminar o que realmente intentava.

(...)

No sábado bem cedo eu me levantei, sentindo o frio que me partia os


ossos no instante em que deixei as cobertas da cama de Leah para traz.
Andei até a cozinha envolta em meu poncho de lã grossa e encontrei tia
Sue preparando panquecas. Tio Harry já devia ter ido trabalhar e Seth,
dava pra perceber pelos roncos ocasionais, ainda estava dormindo.

− Levantou tão cedo, querida! - Sue se virou, me servindo um


prato cheio e uma caneca com leite quente.
− Estou acostumada a estar de pé antes do sol, tia, acho que até
dormi bastante hoje. - eu me sentei na mesa da cozinha e comecei a
comer.

A claridade entrava pela janela deixando tudo muito mais colorido,


mesmo que o sol não estivesse a pino, como alias, nunca estava em La
Push.
− Emily, você se importa de me ajudar na loja hoje? - Ela
perguntou hesitante.
− Claro, Tia. Eu ficaria feliz. - E de fato, não precisei mentir ou
exagerar. Seria muito proveitoso uma mudança de ares e afazeres.
− Obrigado, filha. Leah costumava me ajudar mas... não quero
colocar mais uma carga nos ombros dela! - falou pesarosa.

Concordei com um aceno de cabeça e terminei meu café. Antes de sair


deixei um bilhete para Lee em cima da comoda, ao lado da cama, para
que ela me encontrasse mais tarde na loja. Ela não pareceu.

Estava passando um pano no balcão, polindo a superfície de madeira com


um pouco de exagero movido pelo tédio, quando Seth passou pela porta.

− Mamãe já começou a te escravizar? - ele provocou vindo até


mim com o seu sorriso de moleque. Ele era um garoto franzino nos
seus 12 anos.
− Eu adoraria trabalhar aqui, todos os dias. - confessei
abertamente.
− Se quiser ficar em La Push eu lhe dou o emprego. - Tia Sue
apareceu na conversa de repente. Morri de vergonha por ela ter
percebido o quão serio eu falava.
− Não quero tirar o lugar da Lee. - eu disse, recolhendo o pano e
abaixando minha cabeça.
− A Leah odeia isso aqui. - Seth ergueu uma sobrancelha e rolou
os olhos. Eu ri de sua expressão.
− Então está resolvido. Emily fica. - minha tia deu o ultimato e
passou pelo filho bagunçando seus cabelos já crescidos, pelos ombros.

Não poderia dizer que não estava, no minimo aliviada, porque eu já tinha
a primeira resposta para minhas duvidas: Onde eu iria depois de
domingo? Pelo visto, era por aqui mesmo que eu ficaria.

Quando fechamos a loja eu fui dar uma volta, procurar por Leah que não
dera sinal de vida o dia todo, e procurar também por um pouco de
sobriedade e silencio. Colocar os pensamentos em dia, revolver as
memorias dolorosas e tentar concerta-las, achar um sinal, a velha historia
da luz no final do túnel.
Nem me dei conta de que saia da via principal e acabei em uma ruazinha
de terra tomada pelos dois lados pela floresta.

Sorri sozinha com a possibilidade de estar a caminho da casa da velha


Bruxa onde eu encontraria Joãozinho E Maria e uma construção cheia de
doces. Nunca estivera ali, mas não me sentia perdida e não tive medo,
continuei caminhando e a estrada as vezes parecia quase que
completamente tomada pela floresta selvagem.

Um visão me fez parar. Era uma casa.

Uma casa obviamente abandonada com toda a era que cresceu junto a
varanda e as paredes, uma pintura muito suja e descorada que não
apresentava nenhum resquício da cor original. Flores do campo cresceram
junto ao mato e fizeram da paisagem desolada um misto de beleza e
solidão.

A porta estava apenas escorada. Eu entrei passando por uma teia de


aranha imensa que se infiltrava pelo portal até o chão de madeira ainda
em ótimo estado. Olhei para o teto girando nos calcanhares pra analisar
tudo, as vigas também me pareciam bastante solidas. Ainda havia
salvação para esta casa.

Uma grande faxina e algumas reformas, quem sabe. Me peguei


devaneando sobre onde seria a cozinha, teria que ser muito grande porque
eu gastava o tempo livre em que não compunha, experimentando novas
receitas.

Abri os braços e aspirei o ar que incrivelmente não cheirava a poeira. O


cheiro de mato e flores entrou por minhas narinas e eu experimentei a
liberdade e alegria de estar ali em um lugar que poderia renascer assim
como eu. Perguntaria sobre essa casa quando voltasse para o jantar. Mas
de repente uma vontade se fez mais urgente. Uma vontade que não me
acometia a exatos dois meses. Eu tive vontade de pegar meu violão e
tocar, apenas tocar sem nenhum sentido e sem nenhuma premeditação.

Corri pra busca-lo.


Cap 2 – Unbelievable

− Seth, pra onde está me levando? Sabe como fico nervosa com
surpresas... AU, Seth, tome cuidado! Meu dedão bateu em alguma...

− Era só uma pedrinha Emily! Sem frescura, OK?

− Não era o SEU dedão.

Meu amável primo, que me raptou logo após o jantar e me obrigou a usar
um pano de procedência duvidosa como venda, estava me conduzindo pra
fora da casa de meus tios afim de me fazer uma surpresa como ele mesmo
mencionou enquanto me convencia a ir com ele.

− Quero tirar essa coisa, Seth! Ainda demora?

− Só mais um pouco... - ele me virou espetando minhas costelas,


me encolhi com as cócegas. Ele riu de mim. - Pronto! Tire a venda. -
ele falou, quando paramos em um terreno plano e não muito distante
de casa.

Encostada em uma grande e frondosa arvore de aparência antiga , estava


uma delicada bicicleta de mulher, do tempo em que as bicicletas tinham
cestinhas de metal com flores esculpidas e guidom em forma de U.

Alguém ainda tivera o cuidado de apanhar margaridas e encher a cestinha


com elas deixando a cena parecida com um filme dos anos 50. Com
certeza, Seth.

Virei-me para ele e o abracei jogando-o no chão com o impulso enquanto


ele se debatia para que eu o largasse e eu o beijava como se ele fosse
novamente o garotinho de sete anos a quem eu costumava servir de babá.

− Ai priminho, ela é linda. Obrigada, obrigada...


− Emily, isso é nojento, pare com isso, Emily....

Eu o soltei e ele fechou a cara pra mim.

− Se soubesse que seria molestado eu não teria restaurado ela! -


Ele fez uma cara de traído que só aumentou minha vontade de lhe
apertar as bochechas.

− Venha, me dê um abraço decente, prometo não lhe derrubar


dessa vez. - eu cruzei os dedos em frente a boca em sinal de jura. Ele
veio até mim e se deixou abraçar. - Obrigada, de verdade Seth.

− Você merecia mais Em, que bom que gostou. - ele falou, se
permitindo ser doce como alias sempre fora de sua natureza.

− Olha o assedio sexual! - Leah vinha saindo pela porta da


cozinha que dava para os fundos da casa, onde nos encontrávamos.

Seth me largou fingindo que não concordava com o abraço, eu gargalhei e


dei língua para ela. Lee parecia diferente. Mais feliz, eu diria, no mínimo.

Fiquei contente com a perspectiva de que os problemas dela estivessem se


resolvendo. Ouvimos uma buzina vinda da frente da casa e eu percebi que
Leah estava arrumada demais para tomar um café depois do jantar
informal de sábado dos Clearwater.

Dei uma olhada cúmplice pra ela e seu sorriso cresceu enquanto ela
balançava a cabeça afirmativamente. Então, ela tinha mesmo se acertado
com Uley.

Caminhamos de volta a casa. Leah bem a nossa frente, preocupada em


sair logo, de certo ansiosa para estar a sós e as boas com o namorado.
Seth ficara ali pelos fundos mesmo, conversado com um garoto mais
novo que chegara do terreno vizinho. Collim, era seu nome, se eu bem me
lembrava.
Ouvi a voz grave do rapaz, cumprimentando meus tios de um jeito
amigável. Foi um tanto... Diferente. Não me lembrava de ele ter aquela
voz tão firme e tão majestosa quando fui apresentada à ele um ano antes,
em ocasião do aniversario de Leah.

Ainda na cozinha, a sensação me preenchia, um desejo de ir até a sala,


cumprimentá-lo também, ouvi-lo mais de perto. Juntar a minha memória
de um garoto comum com aquele traquejo novo que eu desconhecia. Será
que eu acabara de achar Samuel Uley... Sexy? ... Apenas por ouvi-lo
falando?

“Tome seus remédios, Emily Young, tome seus remédios!” - eu pensei.

Mesmo assim, já passava, instintivamente pelo portal que dava aceso à


sala. No mesmo instante, Leah fechava a porta.

Ele se fora.

(...)

Deitei-me sedo para amanhecer o domingo. Numa cama de armar na sala


já que minha situação se tornara um tanto permanente e eu não queria
privar Leah do espaço de seu quarto que já era pequeno para ela e não nos
comportaria, as duas, com conforto.

Sei que Lee chegou muito tarde apenas porque acordei com o ranger da
porta da frente e o som de suas risadinhas. Parecia que Uley estava
fazendo-lhe cócegas antes que ela entrasse em casa, o que indicava que
agora estava tudo bem entre eles.

Talvez bons tempos estivessem chegando, com o próximo ciclo da lua, já


que essa era a ultima noite da minguante. Voltei para o meu sono. Não era
um colchão cinco estrelas, mas estava bastante quentinho embaixo das
cobertas que Tia Sue me cedera e eu nunca fui muito de frescuras mesmo.

Foi um sono turbulento. Dessa vez não tive meus pesadelos de sempre,
mas não foi uma noite em branco, tão pouco. Não sabia se agradecia pelo
novo padrão, ou se mais me preocupava com o sonho novo que me
tomava a memória ainda fresco como se eu tivesse vivido ele, realmente.

Era um sonho com a casa que encontrei no fim da trilhazinha. Em sua


maioria, não era nada como um pesadelo e parecia tudo tão certo que até
senti paz, finalmente.

Nele, eu pintava a casa e um homem que não tinha rosto, mas que eu
conhecia e amava, estava a me ajudar. Ele pedia para que eu cantasse para
ele e eu o fazia e nós pintávamos. Tudo era tão cintilante e mágico.

Lee chegava até mim e eu sorria pra ela e estendia uma mão para que ela
me ajudasse com a pintura, mas era aí que a coisa mudava; Ela se negava
a me ajudar, ela só chorava, baixinho, agoniada, e quando eu a abracei ela
gritou comigo e tentou correr e ai explodiu, mas não desapareceu.

Em seu lugar um lobo cinzento surgiu com olhos sentidos e humanos que
me acusavam. Era definitivamente o sonho mais inacreditável que já me
acometeu.

Acordei tremendo, um barulho invadia meus ouvidos semi-bloqueados


pelo sono e os gritos de pânico de meu pesadelo. Só depois de alguns
segundos percebi que batiam à porta e que ninguém veio atender, o que
certamente indicava que eu estava sozinha ali e teria que ir até a porta.

Como as batidas eram urgentes, não deu tempo pra lavar o rosto ou
colocar algo mais apresentável do que o moletom velho e a blusinha
rendada que eu usava pra dormir. Passei as mãos pelos cabelos os
prendendo no elástico que deixava embaixo do travesseiro.

- Um segundo! – falei com a voz rouca e macabra de recém acordada. As


batidas pararam. Abri a porta olhando para frente com os olhos ainda
serrados pela claridade, enxergando parcamente.

E então meus olhos se abriram assustados acompanhando os olhos do


estranho que também saltaram de susto. Foi como uma descarga elétrica
por meu corpo. Eu tremia.
Quem era aquele homem? E por que ele me olhava daquela forma?

Parecia um Deus, esguio e másculo, postado a minha frente com uma


imponência arrasadora. Perdi-me em seus olhos pretos e ele se perdeu nos
meus. Como se finalmente algo a muito perdido fosse encontrado, como
se o tempo parasse e teias me ligassem a ele. Meu, só meu, familiar
demais.

E ao mesmo tempo, como isso era possível se nem ao menos o conhecia?

Porque naquele momento eu jamais o reconheceria como Samuel Uley, o


quase-noivo da minha prima e melhor amiga.

Ele era meu, meu estranho misterioso e perfeito.

Um sorriso se estendeu por meus lábios, pois foi o que aconteceu aos
lábios dele. Nem ao menos me dava conta do que fazia.

Devia estar uma monstra com aquelas roupas e cara amassada, mas ele
me deixava tão confiante, me olhava como se visse o sol pela primeira
vez, como se visse o que havia por dentro do meu corpo, que era só uma
casca inútil diante de todo aquele momento.

Nunca sustentei um olhar daqueles. Estava louca ou estava perdida? Eu


estava apaixonada, a primeira vista. Mais clichê impossível!

Meu homem! Isso não parava de girar em minha mente me fazendo


acreditar que realmente enlouquecera de vez. Seu homem nada ,
desequilibrada, é só um cara que bateu a porta da casa de sua tia.
Controle-se e o receba com educação. Pergunte o que ele deseja.

Abri minha boca na maior dificuldade, tendo calafrios só em imaginar


como seria sua voz.

- Você ME deseja? – Mais que droga era essa? Eu tinha perguntado se ele
ME desejava? ÔOh Emily, ainda está dormindo? Pergunta errada garota,
pergunta muito errada.
- Sim. – Ele respondeu imediatamente, a voz firme com o peito
musculoso arfando. Definitivamente um sonho.

E então, eu reconheci sua voz. A voz que eu já havia admirado. Uma voz
que me atirou para o mundo real. Aquele ali em minha frente por quem eu
estava nutrindo sentimentos estranhos e sem sentido não era MEU e
nunca seria , ele tinha dona, ele era da minha prima Leah. Uma das
pessoas que mais amava na vida.

Abaixei minha cabeça. A vergonha e o horror me dominando. Mãos


muito quentes e grandes acariciaram minha bochecha e me fizeram erguer
novamente a cabeça, fitando-o nos olhos imprevisíveis e tão familiares
que até doía.

- Porque ficou triste, MINHA linda? – havia tanta doçura que eu não pude
me desvencilhar mesmo sabendo de quem se tratava. Continuava não
entendendo nada.

Leah, Leah... Minha mente gritava.

- Qual é o seu nome? – ele perguntou me encarando ainda sem descanso,


parecia hipnotizado, sob o efeito de algum feitiço. Acreditei que ainda
estava sonhando e resolvi não lutar contra todas aquelas forças que me
lançavam para ele. Apenas não era real.

- Emily. – eu falei com uma determinação que nem era minha. – Emily
Young!

- Emily – ele repetiu com adoração, o som de sua voz dizendo meu nome
fez maravilhas comigo. Percebi que ele ainda mantinha uma mão em
minha bochecha. Moveu seu polegar me acarinhando ali. Meneei minha
cabeça para o lado, me aninhando perfeitamente em suas mãos. Tão
perfeito. Nada mais me importava ou parecia fora de lugar.

E de repente tudo mudou. O homem balançou sua cabeça negativamente


como se quisesse expulsar algo que lhe tomava. Seus olhos entraram em
foco. Os cabelos que aparentavam estar crescendo de um corte irregular e
severo se balançavam atormentados. Sua tez era lívida, suas mãos
começaram a tremer.

- Emily Young, Emily.... – ele repetia murmurando desconexo. Suas mãos


se afastaram de mim com muita pressa. Ele se afastou de mim com muita
pressa. A realidade me enchia na proporção em que parecia desperta-lo
também – Você é a prima da Lee! – ele falou como se engasgasse
violentamente.

Meu peito se comprimiu de tal forma que fui obrigada, pelo espasmo, a
colocar minhas duas mãos ali. Sabia que estava fazendo uma sena na
frente de Uley, mas isso não impediu as minhas lagrimas de travarem
uma batalha ferrenha contra o meu ato-controle. Eu não chorava, eu
simplesmente não chorava há muito tempo. Não poderia acontecer agora.
Inaceitável. Os olhos dele se encheram de água também, parecia tão
desolado quanto eu. Como era possível?

Enquanto eu poderia ouvir o “PORQUE?” e o “COMO?” que nossas


mentes gritavam em conjunto, Lee apareceu toda descontraída com um
saco de pão numa das mãos, logo atrás de seu ... Doeu muito pensar na
palavra namorado.

- Amor. – ela o puxou pelo braço. Ele continuava imóvel, as mãos ainda
tremiam regularmente.

- Hei Sam! – ela tentou de novo vindo parar a frente dele. Nem parecia ter
me notado ali, grudada ao batente tentando não desmaiar e forçando ar
nos meus pulmões espremidos com a angustia.

- Eu preciso ir. – ele ladrou seco e autoritário e virou-se em velocidade


para passar pela pequena escadinha que dava na varanda.

Eu vi minha prima congelar com o tom de voz dele e franzir a testa em


completa confusão enquanto eu experimentava um misto de alivio e
desespero ao vê-lo partir.
- O que foi isso? – Ela perguntou com muita magoa, parecia estar
pensando alto, já que se virou em seguida e disse. - Ahhh, que susto Em,
você estava aí?

Eu ainda não conseguia falar e estava perto demais do choro, então


resolvi fazer mais ou menos como ele fizera e me afastei bem depressa
me trancando no banheiro. Não acabou assim, Leah veio atrás. Bateu na
porta.

- Emily, o que aconteceu aqui? – ela perguntava tentando ser gentil


enquanto eu tentava chorar em silencio.

Fiquei muito tempo lá dentro até que ela desistiu de mim. Eu conversaria
com ela depois, ou não conversaria nunca. Na verdade, precisava era sair
dali nem que fosse para o inferno. O que deu em mim pra cobiçar o
namorado de minha prima? O que deu nele para agir daquele jeito como
se também me quisesse? E só em pensar que o certo era nunca mais olhá-
lo nos olhos, meu peito voltava a se incendiar, como se eu me afogasse
com oxigênio.

Tomei um banho frio já que só lavar o meu rosto não me deixou esquecer
o toque ardente dele. Tão quente que ele deveria estar doente. Ninguém
saudável tinha uma temperatura daquelas. Comecei a me preocupar com
sua saúde e me penitenciei por isso. Eu ia esquecê-lo. Era só esquecer ele
e evitá-lo. Eu não precisava abrir mão da quase paz que conseguira aqui.
Evitá-lo e me desculpar com a Lee por ter dado uma de louca psicótica e
corrido para o banheiro.

(...)

Respirei mais aliviada na segunda feira quando fui para a loja com a Tia
Sue e tudo parecia estar indo bem. Leah pareceu aceitar bem a minha
desculpa de que tivera um pesadelo e acordara perturbada e então
atendera a porta e foi ai que ela chegou.
Estava indo de bicicleta, para fazer o almoço de Seth, quando Samuel
Uley surgiu em minha frente, onde há um instante atrás eu só via mato e
eu brequei desajeitada, quase despencando com a bicicleta por cima de
mim.

Ele veio e me amparou para que eu não caísse. Em movimentos muito


fluidos para sua altura e com uma agilidade atlética. Eu devo ter ficado
roxa de vergonha enquanto pregava meus olhos no abdômen todo
definido dele, que estava só com uma ínfima bermuda rasgada.

- Olá – ele me cumprimentou com um sorriso enquanto eu fazia grande


esforço para não dar bandeira de como ele me afetava.

- Ah, oi. – disse embaraçada demais.

- Eu posso te acompanhar? – ele perguntou olhando fundo nos meus


olhos, de onde não desviara o olhar desde que me abordou. Queria que ele
não me olhasse daquele jeito. Já ia falando um “Sim” todo bobo e
alegrinho quando a imagem de Leah me veio à cabeça. Isso seria
estranho, no mínimo.

- Acho melhor não. – Disse de cabeça baixa, sem coragem de negá-lo e


olha-lo nos olhos ao mesmo tempo.

- Claro. – sua voz era desolada, eu não agüentei e voltei a fita-lo.

- È que... Eu estou indo fazer o almoço, sabe. Já to quase chegando e


ficarei ocupada, não seria nada divertido pra você... Ir comigo. – tentei
remediar, emendando uma coisa na outra. Ele olhou pra mim de um jeito
doce e parecia muito feliz por eu ter tentado me justificar.

- Eu a vejo numa outra hora então. – Ele parecia relutante em se afastar de


mim. – Até logo, Emily. – Falou com tanta convicção que soou mais
como um decreto ou uma promessa. Segurei-me para não demonstrar o
quanto fiquei feliz com a possibilidade de vê-lo de novo.

Ele entrou na floresta, o que não era muito lógico, já que havia apenas um
caminho naquela trilha e era a mesma em que eu estava.
Cheguei a tempo de encontrar minha prima de saída.

- Vou à Port Angels, Emily, avise minha mãe se ela perguntar. – Ela disse
toda seca e distante e eu me preocupei se estava tudo bem com ela.

A imagem de Samuel me veio à cabeça e o pânico de eles estarem


brigando de novo me invadiu. E se fosse eu a culpada dessa vez? Então
percebi a loucura que me acometia de imaginar que ele estivesse
realmente interessado em mim quando tinha Leah, muito mais
interessante e bonita e sua namorada, há tantos anos.

- Boa viagem. – eu disse tentando sorrir para ela, sem muito sucesso. Ela
não respondeu e entrou no carro.

Seth estava no sofá jogando vídeo game sozinho.

- E aí, Em, vai uma partida? – ele ofereceu sorrindo pra mim,
convincente.

- Não posso, eu preciso te alimentar. – falei enquanto bagunçava seus


cabelos.

- Se é por isso então retiro o convite, sua comida é muito boa prima e eu
estou faminto. – ele disse todo serio.

Dei um peteleco na cabeça dele que resmungou um pouco e fui para a


cozinha, me focando no trabalho para não devanear a respeito do
turbilhão de novas coisas que me abatiam. Como uma vida pode mudar
em um fim de semana? Eu realmente achava que não encontraria nada por
aqui quando entrei naquele ônibus?

Estava tão enganada.

Cap 3 – Angry
TOM-TOM-TOM... Fazia a goteira, quicando na janela da cozinha em
alto e bom som. Ou talvez, nem tão alto assim.

- O que você espera que eu pense disso Sam? – a voz de Leah, já estava
chorosa e esganiçada.

De onde eu estava, na área de serviço, eu não a via. O que não me


impedia de imaginá-la com clareza, apertando o telefone de encontro à
cabeça e praticamente esmagando o aparelho entre os dedos. Até mesmo
os soluços eu conseguia distinguir entre uma palavra e outra que ela dizia.
E sinceramente, não é como se eu quisesse estar ali ouvindo.

- Eu acho que você me considera uma idiota Sam, é isso que eu penso...
Não, não, é claro que não!

As brigas já duravam duas semanas. Desde aquele episodio extremamente


bizarro na soleira da porta da minha tia, eu tentava me convencer de que
nada acontecera, de fato e que nada mudaria para ninguém. Disposta a
esquecer minha nova atração vergonhosa pelo namorado de minha prima
e seu mais novo interesse em mim.

Eu me sentei nessa casa, escondida de tudo e de todos, o máximo de


tempo que pude, fugindo, na maior. E, mesmo assim eu vi o
relacionamento dela deteriorar a cada instante.

Na minha mente, o pensamento de que EU poderia estar sendo


responsável por isso lutava contra a razão e a realidade de que não
poderia ser por minha causa, afinal, Uley e EU nem nos conhecíamos.
Alem do mais, que tipo de louco era ele para preferir uma garota como eu
no lugar de uma garota perfeita como a Lee?

- O que importa se a Emily está aqui ou não Sam? Não mude de assunto!
– Leah gritou ainda mais alto.

Meu coração gelou, saiu do peito e caiu no chão. Uley não estava
exatamente cooperando com a minha idéia de me afastar e esquecer o
nosso pequeno “problema”.
Ele tentou falar comigo em cada um dos dias dessa semana desde que nos
conhecemos, por assim dizer. Eu o afastei e fugi dele com todas as
desculpas que eu poderia inventar, nunca me permitindo cair na tentação
de estar sozinha com ele.

Mas, mesmo assim, sempre que eu me virava para sair da loja no fim do
expediente, lá estava ele. Como um segurança particular ele me escoltava
pra todo lado e por mais que eu odiasse admitir que estivesse mesmo
acontecendo alguma coisa entre nós, eu sabia que em toda essa semana eu
devo ter visto o namorado de minha prima com mais freqüência do que
ela o viu e isso era visivelmente preocupante.

- Você está fugindo de mim!!!!!!!!!- Minha prima gritou, por fim,


encerrando a ligação com uma batida violenta do telefone de encontro à
base.

Estava tudo tão errado, tão, tão errado.

Minha primeira idéia foi me mudar, claro. Quem sabe eu tentava a casa
de algum parente de meu pai, uns primos no Colorado ou coisa assim.
Apenas pegar a mochila e o violão e cair na estrada como, alias, parecia
ser o primeiro plano no dia em que cheguei aqui.

Mas, eu sabia que não era mais possível; eu tinha muita raiva de mim
mesma e comecei a ter raiva de Sam Uley também, por fazer tudo aquilo
tão complicado e tão desleal e a verdade era que eu não conseguiria
deixá-lo. O máximo que eu conseguia era fingir que nada acontecia, mas
daí a deixá-lo, mudar-me pra outro estado, me livrar dele? Não, apenas
não era possível. Meu estomago recusava a idéia como se recusa comida
estragada. Cada olhar que ele me dava era mais um facho de luz brilhante
no meu “final de túnel”.

Aquele homem fazia por mim, apenas me olhando, preocupando-se


comigo nos momentos mais bobos, com os gestos mais involuntários.....
Ele fazia mais por mim do que todos que estiveram ao meu redor,
tentando me reerguer do meu pesadelo que era viver todos os dias desses
dois meses. Era como uma dose de segurança liquida, simplesmente
irresistível e irrecusável embora eu me mantivesse firme em minha luta.
Era o certo deixá-lo ir, ou mesmo, tentar desacreditá-lo de mim. Era certo
com Lee, com minha tia que me recebeu de braços abertos e que agora
sofria a cada segundo em que via sua filha desolada e irritadiça.

Era o certo, mesmo que certo parecesse me atirar em cima daqueles quase
dois metros de músculos e testosterona e me esquecer do resto.

- Ah, Emily! – Leah entrou na cozinha enxugando suas lagrimas, de certo


surpresa por já me encontrar ali, já que eu entrei pelos fundos, como
sempre fazia agora. Olhei fixamente para a panela que agora eu segurava.
- Eu não agüento mais isso! – ela disse como que se pensasse alto. Eu
continuei calada. A culpa me roendo por dentro como um bando de
vermes.

- Eu sou uma má pessoa em? – ela me perguntou, sentando-se no


banquinho. Sua expressão era resignada. – Eu sou exigente demais? Eu
sou mimada? Seja sincera, prima, por favor. – me olhou com aqueles
olhos amendoados e fartos dos cílios mais belos que já vira. Quase deixei
a panela cair.

- N-âo. – consegui gaguejar ridiculamente.

- Se eu não o amasse tanto eu terminaria com ele. – falou exasperada,


deixando um grande suspiro sacudir-lhe o corpo.

- As vezes nós devemos deixar que as coisas se resolvam sozinhas. –


tentei parecer segura do que dizia embora eu tivesse mais ciência de seus
problemas do que ela mesma.

Ela veio até mim e me abraçou. Eu me senti um tanto pior, se era


possível.

- Ah, Em, é tão bom ter você aqui! Eu odiaria passar por isso sozinha.
Nada faz sentido agora, parece que drogaram aquele garoto, eu não o
reconheço. – ela disse, a voz abafada de encontro a minha nuca.
“É Emily, era você que merecia estar sofrendo, sua traidora!” – uma parte
de mim não teve reservas em gritar.

(...)

Dois dias depois, fez um sol radiante e pouco comum em La Push. O tipo
de sol de verão que leva todos para praia, até mesmo aqueles que não
estão dispostos a encarar as águas ainda muito frias do Pacífico.

Seth virou uma espoleta dentro de casa, super excitado com a perspectiva
de surfar. Eu, como saí da loja mais cedo pra fazer o almoço e quando
voltei para entregar a comida de minha tia, fui prontamente liberada para
aproveitar o bom tempo, peguei meu violão e meu caderno de letras e fui
com meu primo rumo a First
Beach.

Claro, antes, sai pelos fundos da casa e fiz o caminho da melhor maneira
James Bond, afim de não esbarrar com o namorado de minha prima por
quem eu estava apaixonada de uma forma muito esquisita e levemente
psicótica e pelo qual eu parecia ser correspondida no mesmo nível de
estranheza.

Enquanto Seth encontrava outros garotos para acompanhá-lo em seus


propósitos de diversão, eu encontrei uma arvore na orla da floresta que
rodeava a praia. Tinha um lugar extremamente confortável junto ao
tronco onde caberia a minha pessoa sentada e ainda assim eu poderia
descansar meus pés nas grossas raízes que saiam do solo.

Ajeitei o violão no colo, o caderno na perna e expirei o dia perfeito com


contentamento, mesmo no meio do caus.

Não podia dizer que vir a La Push foi uma idéia ruim, mesmo que agora
as coisas estivessem tão fora de rumo. Nesse lugar minha esperança
florescia e era de esperança que eu precisava quando vim pra cá, era
exatamente de esperança que eu precisava pra agir com força e sensatez
em minha vida, mesmo que sensatez tivesse agora tantos significados
diferente para mim.

Antes que pudesse me dar conta, meus dedos já haviam achado o


caminho da melodia e minha voz saia naturalmente a partir do acorde em
que deveria soar o coro. Dando tudo de mim naquela musica, distante das
multidões e com o maravilhoso espaço do silencio, acho que nunca toquei
tão bem e com certeza nunca havia alcançado notas tão altas de uma
forma tão eficaz.

Quando acabei, no entanto, senti meu estomago revirar. Uma salva de


palmas contagiante, vindas de uma pessoa só, preencheu o vazio
acolhedor do silencio.

- Isso foi incrível! – a voz de homem soou aveludada com o tom genuíno
de adoração.

- Obrigada! – eu me virei, sorrindo pra ele contente e envergonhada, sem


poder me frear.

- É serio Emily, você deveria tocar em um lugar onde todos te ouvissem,


você é perfeita! – ele continuava dizendo, olhando no fundo dos meus
olhos como se me consumisse.

“Você é perfeita!” ficava ressoando na minha mente, deixando o alerta


“Ele é namorado da sua prima” cada vez mais baixo.
Se eu não visse tanta sinceridade naquele infeliz, não seria difícil dar-lhe
as costas mas ele estava sendo 100% sincero e eu tinha 100% de certeza.
Esse era um sentimento que meu coração e minha mente gritavam juntos.

- Sou uma compositora, não uma SuperStar! – eu expliquei deixando o


violão apoiado contra o tronco e me escorando na arvore para manter uma
superfície de apoio e ficar longe de um possível e arrasador contato com
ele.

Disposto a me enlouquecer e acabar com toda a minha sanidade, Uley


parecia já ter avançado umas duas passadas em minha direção sem tirar
seus olhos de mim. Como era irritante ele me olhar assim, desconcertante
demais.

- Você poderia ser o que você quisesse ser! – ele falou com aquela voz
autoritária, como se repreendesse uma criança medrosa a fim de ensiná-la.

- Mas eu realmente não almejo o estrelato. – fui mais enfática.

Isso fez ele sorrir, porque parecia que toda a coisa que eu dizia a ele, que
pudesse ser considerada como uma verdade que saia de mim, o fazia mais
e mais feliz. Ele já tinha dado mais uma passada. E aquelas passadas eram
tão imensas que ele já estava a uns trinta centímetros de mim e minha
mente gritava em alerta para o meu corpo estático, preso aquela arvore
estúpida.

- Nós precisamos conversar, Emily! – ele voltou-se de repente serio. Eu


temia esse momento. Eu o evitei por tanto tempo e agora aqui estava eu,
de encontro a uma arvore restritiva, sem respirar direito e não querendo
ter essa conversa, nem que para isso eu tivesse que começar a usar minhas
pernas, e não minha tática falha de evasão, para sair correndo dele.

Antes de eu me virar totalmente, deixando-o falar com a arvore e não


comigo, uma mão grande e quente tomou meu rosto com precisão e uma
delicadeza incomum. Eu estava oficialmente encurralada e eu ouviria o
que nunca poderia ouvir e o que mudaria tudo para sempre.

- Me escute! – ele implorou e minhas pernas não eram mais minhas.

Ofeguei com o tanto de proximidade, que me permitia sentir até mesmo o


cheio dele. Aquele cheiro agradável demais, nem agressivo e nem doce.
Um tanto almiscarado e inebriante. Eu queria muito aquele homem me
tocando, me beijando, me tomando... E a minha mente se tornava cada
vez mais assustada com as reações do meu corpo.

- Eu te amo, Emily. Eu sempre vou te amar e isso não é como nada que eu
um dia senti em minha vida. Não tenho nenhuma comparação forte o
suficiente para te convencer, então... Acredite em mim, linda. Eu
finalmente posso explicar o que está acontecendo conosco. Confie em
mim e venha comigo. – ele estendeu sua mão para que eu a pegasse e eu
ainda não sei como eu permiti isso, mas quando me dei conta do próximo
passo, estávamos andando pela praia de mãos dadas, passando pelo
estacionamento apinhado de gente que poderia nos ver de mãos dadas e
indo de encontro a uma casa que eu reconheci como a residência de Billy
Black, um velho amigo de meu tio.

- Sam, que bom que tomou a decisão de contar a ela. – a voz


impressionantemente firme do homem em uma cadeira de rodas soou
assim que fomos atendidos a porta da casa. – Entrem, por favor.

Eu passei pela soleira, tremula e mais confusa do que imaginava poder


estar um dia, me limitando a ficar calada até que isso se revelasse um de
meus estranhos pesadelos e eu finalmente acordasse em minha caminha
de armar no meio da sala dos Clearwater.

Estava completamente consciente da mão de Sam em minhas costas, me


guiando e me queimando de um desejo que eu recriminava mais a cada
passada.

- Sentem-se. – O Sr. Black disse bondosamente, olhando para mim com


uma expressão animada e um tanto reverente.

Não poderia ficar mais estanho em minha opinião.

- Você é Emily Young, sobrinha de Sue, da reserva Makah, estou certo? –


me perguntou como se quisesse testar minhas faculdades mentais. Eu
sinceramente não o culpava, pois tinha certeza de estar branca como cera.

Um sim, totalmente apático, saiu de minha boca.

- Querida, você já ouviu algumas de nossas lendas? Alguma historia da


tradição Quileute? – ele inquiriu, ainda com muita paciência.

- Não. – eu me sentia mais idiota a cada segundo.

Sam segurou minha mão e eu não o impedi, na verdade eu a apertei.


- Pois bem, o que vou lhe contar agora não é mais uma lenda. É uma
verdade, um segredo passado pelas gerações de anciãos da tribo. Um
segredo do qual você agora faz parte.
Tenho certeza que meus olhos se arregalaram, mas mesmo assim me
mantive presa a cadeira. De uma coisa eu estava certa: Se estávamos ali
na frente daquele senhor, que não era nenhum louco, mas sim um amigo
antigo de meu tio e um membro respeitado da comunidade, eles não
estavam me contando lorotas e não estavam brincando comigo.

E foi ali, sentada no sofá dos Balck que eu ouvi pela primeira vez o
legado dos espíritos guerreiros, dos homens-lobo, protetores da tribo, mas
foi também naquele mesmo sofá que eu ouvi a historia da Terceira Esposa
do lendário chefe da tribo e com ela a, até então, apenas uma lenda, a
historia do “imprinting”.

- Ele irá amá-la por toda a vida e alem dela, irá protegê-la e irá ser para
ela o que ela precisar que ele seja e ela será a lei máxima de seu bando,
porque nenhum lobo poderá macular o imprinting de outro lobo sem que
estes lutem até a morte. – foi como Billy acabou aquele discurso.

Quase meia hora depois quando encontrei minhas cordas vocais ,


novamente, me virei para Uley só para me prender chocada em seu olhar.
Eu acreditei no imprinting porque eu o tinha presenciado desde o
primeiro dia, na soleira da porta de minha tia, no maldito domingo pela
manha.

Eu acreditei que eu havia condenado minha prima ao sofrimento e eu


acreditei que eu estava perpetuamente ligada aquele homem e que eu
nunca teria escolhido melhor, nunca teria podido encontrar um pai mais
perfeito para os meus filhos.

- É verdade. – eu sussurrei sem olhar para nenhum dos dois homens em


particular. Não era uma pergunta.

As lagrimas desceram sem que eu pudesse barrá-las. Eu não tinha


interesse para isso. Me levantei com uma força que nunca esperei ter.

- Com licença senhor. – falei apenas para Billy.


E me virei para passar pela porta. Antes, porem, Uley me segurou pelo
braço. Ele tremia levemente e tinha um olhar desolado e vazio que me fez
chorar um tanto mais. Não era sua culpa também.

- Tudo bem. – eu tentei assegurar. – Eu preciso de um tempo! – falei com


mais sensatez.

Ele me largou ainda com a mesma expressão torturada e passou pela porta
em grande velocidade e graça, mais uma prova para as verdades que eu
ouvira; antes que eu pudesse ir, o que fiz em seguida.

(...)

Naquela mesma noite eu ouvi o choro contido e nervoso de Leah assim


que ela passou pela porta de sua casa. Vi quando ela veio até minha cama
procurar ver se eu dormia. Eu fingi o melhor que pude, tentando controlar
minhas próprias lagrimas covardes. Eu me sentia tão suja, tão indigna de
estar sendo acolhida por aquele teto.

Ouvi quando tia Sue foi até o quarto da filha e quando Leah contou que
Samuel Uley a havia deixado, definitivamente, livrando-se de qualquer
obrigação com ela. O namoro dos dois estava finalmente morto.

Senti o travesseiro encharcar embaixo de mim. Eu me sentia doente com


aquela situação e quando finalmente me joguei no cansaço e dormi, meu
sono foi tormentoso e povoado por criaturas monstruosas me rasgando em
pedaços e tornando a me rasgar enquanto eu via Leah rir da minha dor,
chorando ao mesmo tempo pela dor dela.

Com um grito sufocado, ainda antes do amanhecer, eu acordei e percebi


que não era possível continuar fingindo que nada acontecia. Parece que eu
teria de arrumar minha mochila mais uma vez e cair na estrada mesmo
sem ter um destino certo ou sequer a vontade de continuar.

Fechava os olhos e me lembrava dele, da forma como me olhava, do jeito


fácil com o qual eu reagia a ele, de tudo o que poderia ter sido se ele não
fosse o namorado da minha melhor amiga, minha irmã.

A historia que Billy Black me contara soava em minha mente, resvalando.


O imprinting e tudo o que ele significava, as amarras que me prendiam a
Samuel Uley por essa e outras vidas. O destino havia nos escolhido, nos
talhado exatamente um para o outro e como eu esperava fugir desse
destino?

Eu não sabia, eu apenas deveria tentar. Por consideração a Lee, por


consideração até mesmo à Sam que não escolhera me amar e, por fim,
uma consideração a mim mesma, ao meu livre arbítrio, a minha
capacidade de não corresponde-lo por mais que isso doesse como ferro
quente em minha pele.

Achei melhor sair na surdina, deixaria uma carta explicando alguma


mentira bem fundamentada à tia Sue, pedindo desculpas a todos por não
me despedir. Um pedaço de papel qualquer que alegava um motivo
qualquer: Fui para o Colorado. Uma prima de lá precisou de ajuda com a
mãe doente.

Quando me vi pronta, tudo na mala, a casa silenciosa e sem testemunhas


para minha deserção, passei pela entrada e ainda me virei afim de
contemplar toda a propriedade uma ultima vez. O lugar que tinha sido
para mim o melhor dos refúgios e do qual eu tinha de fugir por não mais
merecê-lo.

Foram alguns passos até a estrada e depois uma caminhada de vinte


minutos até a rodoviária. Estava sedo o suficiente para que ninguém
pudesse me impedir de fazer aquela viagem mesmo que não acreditassem
no que dizia minha carta.

Um sentimento de raiva se apoderava de mim, sentada no banquinho


próximo ao guichê de passagens. Uma raiva que crescia como fogo em
palha, a rebeldia de uma Emily dentro de mim que sabia estar fugindo da
felicidade, da maior chance de sua vida. Um amor destinado, eterno, um
verdadeiro sentimento à velha moda dos contos de fadas.
Subi a bordo as sete horas da manhã. O ônibus estava vazio, a exceção de
eu e duas mulheres de meia idade com uma criança de colo. Uma criança,
como as crianças que eu poderia ter tido quando constituísse a minha
família. Nada disso era mais possível. Eu fugira, essa tinha sido minha
decisão final, era certo e eu me apoiaria nela daqui pra frente.

Com algum balanço o ônibus partiu. Escorei minha cabeça na janela e


deixei as lagrimas me consumirem. Não demorou muito o ônibus parou,
abruptamente, as mulheres se assustaram, ouvi o motorista praguejar e
então as batidas, fortes e violentas na porta.

Comecei a me assustar também. O motorista começou a discutir com


alguém, aparentemente. E foi aí que ele entrou no corredor entre as
fileiras de poltronas. Tudo parecia imensamente diminuto para ele, como
se ele enchesse o lugar melhor que uma multidão.

Os olhos de Sam estavam molhados e sua expressão era desoladora. Uma


parte dele me olhava com raiva enquanto eu via suas mãos tremendo em
espasmos breves. A testa franzida e a tez lívida.

- Você ia me deixar assim? - acusou, em alto e bom som. Nem me dignei


a limpar meu rosto que já estava cheio de choro. Não conseguia dizer
nada. - Não ouviu nada que Billy disse... - ele continuava a ignorar que
tínhamos platéia e que uma viagem deveria estar acontecendo ali. - Você
queria me matar? Como pensou que eu sobreviveria sem você? Como
pensou que sua tia fosse se sentir ao ver sua cama vazia de manha?

- Eu deixei uma carta. - foi a única coisa que minha mente perturbada
alegou em minha defesa. Ele deu uma risada amarga e meio louca.

- Você não sente nada por mim, Emily? Nada mesmo? - perguntou com
aquele brilho intenso no olhar, como quem entrega a alma em palavras.

Eu comecei a chorar sem parar, sem me controlar. Tremia mais que ele,
soluçava. O motorista veio ver o que acontecia, as mulheres estavam de
olhos arregalados.
Sam pareceu considerar isso como uma resposta boa o suficiente, já que
virou-se para o motorista e se encarregou de minhas malas. Pegou-me no
colo e saltou do ônibus comigo enquanto eu ainda chorava, feito uma
criancinha.

Ele era tão quente e seu peito estava coberto por uma camiseta fina
demais e cavada, deixando seu cheiro e sua pele próximos demais de
meus hormônios enlouquecidos.

Eu me abriguei em seu abraço, me deixando conduzir, deixando o choro


me vencer. Eu era dele, eu fui dele desde o momento em que o vi. A
quem eu queria enganar? Eu nunca conseguiria deixá-lo. Mesmo se ele
não tivesse ido atrás de mim daquele jeito, eu nunca mais aceitaria outro
em meu coração. Eu podia sentir a certeza nisso.

(...)

Meu tio Harry foi o único que viu Sam me carregar para dentro de casa.
Eu não sabia onde os outros estavam, mas Leah com certeza não saíra de
seu quarto desde a noite anterior.

Ela estava realmente deprimida e meu tio não olhava para Sam
diretamente. O vi virar a face quando o homem beijou o topo da minha
cabeça e se foi deixando-me inerte no sofá dos Clearwater, com a cara e a
coragem, que eu não tinha.

Como tio Harry era do conselho, ele sabia o que havia acontecido entre
Sam e eu, e, talvez por isso não tenha me feito explicar por nada. Ele
também escondeu minha carta de tia Sue e impediu um desastre maior por
parte de minha fuga.

Um mês se passou enquanto eu vivia com culpa e me exilava cada vez


mais de tudo e todos. Eu não olhava Lee nos olhos e acho que ela
começava a se perguntar o que estaria acontecendo com nós duas.
Felizmente, eu achara um lugar para passar todo o meu tempo extra, que
agora era muito, com a temporada baixa e a loja as moscas.

A casinha que eu encontrara na minha primeira exploração por La Push


tinha se tornado meu santuário sagrado desde que eu a limpara e
começara pequenos concertos nela, mesmo sem saber a quem pertencia.

Costumava me sentar na varanda alquebrada e tocar violão horas a fio,


compondo com certa loucura, pois angustia não me faltava e isso estava
favorecendo minha musica, de certa forma. Também me mantive fria e
distante de Sam Uley, que pareceu perceber que não deveria me procurar
para o próprio bem de nos dois.

Numa tarde de quinta-feira eu cheguei com minha bicicleta colocando-a


de encontro a varanda e então percebi que alguém refizera os degraus que
estavam quebrados. Um frio na espinha me envolveu e procurei por todos
os lados quem poderia estar ali, mas nada me abordou e em dois dias eu
nem mais me lembrava desse fato.

Era um dia frio e chovia muito. Percebi que ficaria presa na casinha até a
tempestade ir embora e me preocupei que tia Sue pudesse sentir minha
falta. Seth me veio a cabeça e fiquei mais descansada: Eu avisara a ele
que viria até aqui e ele na certa iria deixar todos tranqüilos se eu
precisasse passar a noite.

Com o tempo eu trouxe de tudo um pouco para esse lugar, de modo que
eu tinha ali um confortável colchão de casal, que encontrei abandonado
na porta de uma casa em Forks apenas por ter uma de suas pontas
queimada; tinha também uma serie de almofadas fofas que tia Sue me
dera por estarem meio remendadas demais para ficar em exposição no seu
sofá e claro, meu edredom preferido, muito confortável, trazido por mim
de Makah, embora fosse velho e quase nada eficiente contra um frio real.

Me aconcheguei às almofadas me enrolando no edredom e lamentando


por não ter trazido uma parca com a qual me cobriria melhor do vento
gelado que passava por entre as vigas de madeira do chão.
Estava quase pegando no sono, embora ainda fosse claro, quando um
barulho no lado de fora me despertou, me fazendo pular e me encolher,
dessa vez por medo.

Sufoquei um grito.

- Me desculpe, eu não quis te assustar. – a voz de meus sonhos soou


através da porta, tão forte quanto as trovoadas. – Você está bem? – ele
perguntou um tanto agoniado.

Percebi que ele deveria estar plantado lá fora na chuva apenas para não se
mostrar em minha presença. Achei um absurdo e de repente nada era mais
importante do que vê-lo provido dos mesmos confortos a que eu
desfrutava, mesmo que humildemente.

- Entra logo Sam. – disse tentando parecer segura o suficiente.

Acho que nunca me acostumaria com a figura que Sam Uley fazia. Talvez
fosse por estar no momento apenas com aquela bermuda que ele usara
quando me abordara no caminho de casa ao que pareciam séculos atrás,
ou talvez fossem as gotas de chuva por todo o seu torso nu, caindo em
seus olhos vindas dos cabelos molhados. Todos aqueles músculos
brilhantes e definidos, impossíveis a qualquer humano inferior aos astros
do cinema.

Tentei não secá-lo tão descaradamente, mas ele tinha um sorriso contido
nos lábios enquanto me olhava, ali, toda coberta e mesmo assim tremendo
ligeiramente pelo vento gélido.

- Você está com frio. – não era uma pergunta.

- Você é que deve estar congelando. Como ainda não morreu de


hipotermia? – arregalei meus olhos para essa constatação já que ele estava
como que se tomasse apenas um chuvisco de verão quando os quase 2 ºC
de temperatura diziam o contrario.

Uma risada rouca, quase um latido, escapuliu por sua boca larga e
atraente.
- Eu tenho uma temperatura corporal constante de 44ºC desde a primeira
transformação. Não sinto o menor frio. – Ah, sim, eu me esquecera da
historia do Lobo. Ele era então, muito melhor do que os rélis mortais.

Me aconcheguei ainda mais, tentando fazer a sensação térmica melhorar.

- Você está mesmo com frio. – ele balbuciou enquanto se encaminhava


para um dos cômodos da casa e voltava de lá com uma mochila que eu
nunca tinha encontrado por aqui antes. Vi quando ele tirou uma camiseta
de dentro dela e começou a se secar, o que não demorou muito. Notei
também que ele trocara de bermuda.

Ainda estava tentando me acostumar ao efeito de seu corpo seco,


igualmente atraente, quando em uma passada ele alcançou o colchão onde
eu me encolhia e foi se enfiando pelas beiradas solta do meu ninho.

- Ei, o que pensa que está fazendo... – e então eu não pude fazer mais
nada a respeito já que minha tremedeira tinha se transformado no mais
delicioso suspiro, como se me expusesse a um sol de veraneio assim que
aquela pele fervente entrou em contato com a minha. – Obrigada! – fechei
os olhos perdendo alguns sentidos enquanto cada partícula de meu corpo
relaxava.

- Não a de quer! Que tipo de Lobo eu seria se deixasse meu imprinting


morrer de frio? – ele perguntou descontraído, abraçando-me castamente
pelos ombros.

Um calafrio tomou minha espinha com a menção daquela historia, me


afastei um pouco e ele pareceu se dar conta de que estava semi-nu em um
leito ao meu lado, porque também se moveu embaixo das cobertas de
modo a servir apenas como aquecedor humano.

- Porque você anda só de bermuda? Só porque não sente frio? – eu me vi


perguntando super interessada antes que pudesse considerar minhas
palavras.
O sorriso de antes voltou aos seus lábios.

- Minhas roupas explodem quando eu me transformo, então preciso


sempre carregar uma peça de roupa comigo e é mais fácil carregar uma
bermuda porque eu não sou um canguru com toda aquela coisa de bolsa
na barriga ... – ele disse, se escorando numa das almofadas virando de
lado pra mim e me deixando sem pulsação por um segundo.

- Ahh! – eu praticamente babei.

Sério, isso estava bastante vergonhoso.

Um trovão arrasador me pegou de surpresa me fazendo voar na direção de


Sam, meu corpo se chocando com o seu. Nunca tive medo dessas coisas,
mas ultimamente tudo parecia motivo para que eu me acovardasse.

Ele me abraçou instantaneamente, como se estivesse programado a se


mexer no mesmo ritmo que eu. Seus braços fortes e seguros ao redor dos
meus braços finos e frios que eu apertava contra meu peito em ansiedade.

- Você tem um cheiro tão bom! – ele suspirou em meus cabelos, me


deixando completamente arrepiada. – Eu poso senti-lo a muitos metros
agora. – Completou, parecendo nem ao menos realizar o que dizia. Tão
natural.

- Você também cheira muito bem! – eu parecia ter entrado na mesma


viagem lesada.

Sam apenas sorriu baixinho e muito grave de encontro a minha nuca, me


excitando.

“Isso não vai prestar!” – eu pensei já me sentindo totalmente rendida a


presença daquele homem-lobo.

- Emily? – A voz dele estava incerta e vacilante como nunca antes esteve.
- Sim. – eu me virei para fitar-lhe, o que foi um grande erro já que a
primeira coisa a minha frente era aquele seu olhar intenso e arrebatado do
primeiro dia, o olhar por detrás de cada vez que ele me olhou.

Lá estava a adoração, o compromisso e o desejo que eu também sentia


arder em mim. Tudo à que Leah não teve direito – minha mente gritou
com amargor.

- Você acha que um dia poderá me amar? – ele disse humildemente,


quase como quem se lamenta.

- Eu já TE AMO! – me exaltei, quase gritando. Toda a indignação e


impotência que eu sentia perante esse amor, sendo extravasada da
maneira mais irresponsável para o nosso caso: A verdade.

Vi quando os olhos negros de Sam perderam o foco e se arregalaram. Ele


meneou a cabeça parecendo ligeiramente abobalhado.

- O que você disse? – ele quase gaguejou, a voz mais grossa que de
costume.

Se houvesse apenas susto naquela expressão eu teria recuado, armado


uma desculpa, voltado ao plano original de me esconder e evitar, ou
qualquer coisa que me livrasse de confessar o obvio. Foi, com certeza, a
esperança nos olhos dele, o brilho quase insano e letal, a alegria que
tentava se conter para que aquele coração não parasse com o impacto;
tudo isso me venceu.

- Droga Sam! – praguejei, mirando meus olhos no edredom para não


encará-lo. – Eu já te amo! – tentei muito não chorar. - Eu te amei desde o
primeiro momento. – sussurrei tão baixo quanto pude na esperança de ele
não ouvir.

Mas ele me ouviu.

Em um piscar de olhos ele estava em mim, em todo o lugar.


Seus lábios chocando-se com os meus. Minha boca respondendo
automaticamente, impedindo minha mente de trabalhar enquanto meu
corpo exercia os comandos mais inacreditáveis do meu subconsciente.

Eu passeava uma mão pelo tórax exposto de Sam enquanto a outra mão
estava firmemente apoiada em sua nuca, de encontro a seus cabelos
espetados e crescidos.

A língua dele pedia passagem de uma forma doce e ao mesmo tempo


viciante. Minha língua procurava a sua na dança incansável em que nos
movíamos. Minha cintura comprimida pela palma quente demais de sua
mão direita. Ele era firme, mas não me machucava. O aperto de ferro me
fazia querer estar mais perto dele.

Com seu cheiro se mesclando a cada partícula de ar que eu respirava e


sua saliva se fazendo doce de encontro a minha. Sem planos para nos
separarmos, tipo, nunca.

Eu já não sentia frio, em vez da sensação de vazio e medo, uma onda de


calor parecia me subir pela espinha se alojando em meu baixo ventre, os
toques quentes dele eram como o combustível para essa sensação.
Comecei a perder o ar, literalmente.

Sam se afastou de minha boca apenas para que eu respirasse colando sua
testa na minha com um sorriso imenso, que ameaçava rasgar-lhe o rosto
rígido e sério.

- Como eu te amo Emily, eu te amo tanto... Você foi feita pra mim. – ele
atropelava as palavras com sua voz rouca demais e totalmente ofegante.

- VOCÊ foi feito pra mim! – eu retruquei ainda boba pelo beijo.

Pareceu a coisa certa a se dizer já que ele começou a me beijar de novo,


dessa vez com sofreguidão, mordiscou meu lábio inferior me custando
um gemido. Me assustei com o quanto eu o queria, com o quanto me
sentia pronta para ser dele. Não tinha como ser normal.
Separei-me dele, acariciando suas maças do rosto, bem proporcionadas
em sua pele um pouco mais escura que a minha. Seus olhos pareciam dois
ônix lapidados na luz difusa da tempestade.

Levei a mão a barra de meu sweater e o tirei sem nenhum problema


através da cabeça, ficando apenas com uma blusinha branca
semitransparente que usava como roupa de baixo.

- Você vai precisar me guiar. – eu falei, enquanto sentia meu coração


martelar em meu peito e meu ultimo resquício de sanidade me abandonar.

- Você tem certeza? – ele me perguntou em um fio de voz, o desejo


exalando em cada uma de suas silabas.

- S-im. – eu consegui gaguejar enquanto desabotoava a minha jeans e me


deitava de encontro ao colchão.

Eu o vi deitar-se comigo, de lado, e tomar-me em um beijo vacilante


enquanto sua mão despia minha calça jeans percorrendo minhas cochas e
meu quadril, apertando meu bum-bum e me trazendo pra mais junto de si.

Um riso nervoso escapou da minha boca quando o senti contra as minhas


cochas, completamente excitado. Ele beijou meu pescoço dando pequenos
chupões no meu colo e nos meus ombros fazendo mais e mais arrepios
me acertarem.

Me concentrei em explorar os músculos que sempre admirei tanto de


longe, traçando padrões em seu abdômen e agarrando seus braços com
certa fome, enquanto o sentia suspirar quase que inaudível contra minha
orelha.

Ele tirou minha blusa com maestria e expôs meus seios sem pudor,
beijando-os e me fazendo contorcer-me em suas mãos. Mantendo-me
presa pela cintura ele tomou um mamilo em sua boca circulando-o com a
língua, banhando meu corpo em um fogo irreversível enquanto eu o
puxava pra mim, gemendo e implorando com os olhos.
Sam se despiu da bermuda, a única coisa que o separava de mim, além de
minha calcinha pouco adequada de algodão branco, grande e sem graça
que me deixava completamente embaraçada por explicitar o quanto eu
estava molhada.

Beijou meus lábios com um roçar insinuante e se pôs a tirar a ultima


barreira em nosso caminho, distribuindo beijos por minha barriga e meu
sexo, colocando-se entre minhas pernas para me tocar com sua língua em
movimentos lentos e delirantes, fazendo minhas mãos acorrerem a seus
cabelos pedindo por mais.

Quase gritei em protesto quando ele deixou meu sexo em brasa para traz
refazendo o caminho ao longo do meu corpo, chegando até minha boca e
me beijando com mais luxuria do que havia beijado até agora. Se
aconchegando em cima de mim, enquanto eu sentia seus ossos pélvicos
de encontro a minha pele e seu sexo roçava no meu me fazendo fechar os
olhos, gemer e ofegar como uma descontrolada.

- Eu quero que olhe pra mim. – ele ordenou, me prendendo aos seus
olhos. – Você precisa ficar comigo, entendeu?

Eu balancei a cabeça erguendo meu quadril e me oferecendo


instintivamente à ele.

- Apenas fique comigo e confie em mim. – ele pediu com intensidade.

Nada era mais certo, nada parecia mais certo, nada soava mais certo do
que beijá-lo enquanto ele penetrava meu corpo com cuidado, tentando se
acomodar onde não havia espaço para ele.

- Pode morder o meu ombro. – sua voz era ofegante e extremamente


concentrada.

Senti dor, uma resistência muscular, como quando você tenta correr mais
aquele quilometro e suas pernas simplesmente falham.
Segui o conselho dele mordendo-lhe o ombro enquanto a dor aumentava e
começava a se mesclar com uma sensação nova e estranhamente gostosa.
O suor de meu corpo estava frio e me sentia esquisita, mas não era ruim.

- Tudo bem? – ele perguntou e parecia estar sofrendo comigo, seus olhos
apertados.

- Ahan. – eu me surpreendi quando consegui sorrir para ele, deixando-o


mais relaxado.

- Eu vou me mover... Eu posso ir devagar. Eu posso ir muito devagar se


você quiser! – ele começou a sair de mim e meu corpo protestou me
dando a primeira onda de prazer verdadeiro. Gemi em jubilo e ele voltou
empurrando-se contra mim e me beijando.

Me perdi no movimento da língua em minha boca, enquanto o puxava pra


mim, querendo mais do que estava tendo.

Sam obedeceu aos meus gemidos e a minha inquietação e acelerou suas


estocadas, tomando meus seios para si com a boca como se fosse devorá-
los, sugando os mamilos duros até que eu gritasse de prazer, não
conseguisse nem mais ver o que acontecia, não tivesse tempo para
registrar nada a não ser a sensação relaxante e plena na qual eu caia.

O meu primeiro orgasmo, desconcertante e perfeito.

Enquanto meu corpo se acalmava com espasmos, o corpo de Sam também


tremia e um urro delirante saia de si, como se a fera dentro dele também
se deliciasse com o prazer. Labaredas lambiam meu interior e eu sentia
sua satisfação misturar-se a minha em um lampejo de consciência por não
ter usado um preservativo.

Adormeci quase que imediatamente, exausta e feliz, implorando por


apenas esse momento de paz, que fosse.

Pareceu uma eternidade, dormir ali completamente envolvida nos braços


quentes e seguros de Samuel Uley, não fosse um choro baixo a me
despertar. O homem que me tinha cativa pela cintura ressonava pesado,
mas eu escutei com riqueza de detalhes aquele choro.

Tentei me desvencilhar de Sam para ver ao meu redor. Ele me esmagava


agora. Soltei um lamento frustrado que o fez se mexer, acordando
abruptamente e passando as mãos pelos olhos.

No estremo da sala onde eu e ele estávamos deitados em meio a


cobertores enrolados, expondo nossos corpos nus, uma Leah
irreconhecível nos fitava. O nó em minha garganta me fez engasgar e
Sam puxou uma das almofadas para me cobrir, lançando-me um olhar
cúmplice e culpado.

Eu definitivamente não conhecia o inferno, ainda.

4 - Bad Time

Algo em minha traição parece ter feito Leah despertar da inércia em que
vivia desde que Sam acabara seu namoro com ela.

Agora minha prima usava uma abordagem bem mais passional. Ou devo
dizer que: Ela me odiava e não sentia necessidade em esconder isso de
ninguém! La Push inteira já sabia a espécie de VAGABUNDA que eu
era.

Claro, não dava mais pra ficar hospedada na casa de meus tios e nem tão
pouco pagar acomodações no motel a algumas milhas dali, o que me fez
considerar fortemente que eu deveria ir embora e deixar a poeira baixar.

Enquanto eu catava minhas roupas que Leah tão gentilmente jogou na rua
assim que pode sair correndo da casinha onde me encontrou nos braços de
seu ex-namorado, Sam tentava me convencer de que eu deveria deixá-lo
cuidar de tudo.

- Você fica na minha casa! – sua voz era seria e autoritária.


Eu me mantinha temporariamente calada e tinha em mim muito remorso e
um tanto de raiva de me meter tão fundo assim nessa historia de terror e
amor eterno. Se eu fechasse os olhos ainda podia senti-lo em mim, dentro
de mim e por toda parte. Amá-lo de volta estava me deixando louca.
- Eu não vou pra sua casa, Sam. – disse com convicção enquanto fechava
minha mala na calçada mesmo.

- Não vou deixá-la ir embora, sem chance. – ele me puxou pelo braço. O
aperto de ferro me subjugou.

- Está machucando! – eu disse sem olhá-lo. Ele largou imediatamente.

- Desculpa, Emily. – sua voz tinha dor. Me virei para olhá-lo e ele parecia
mais perdido do que eu.

- Tudo bem. – tentei acalmá-lo.

- Eu não posso ficar longe de você, entende? Não posso! – ele disse com a
alma inflamada e eu me resignei a suspirar, afinal, eu também não queria
partir.

(...)

E então eu acabei na casa do velho Quil Ateara, que era membro do


conselho e se condoeu com a minha situação e a de Sam impedindo que
eu voltasse de vez para Makah ou mesmo caísse na estrada como eu teria
feito.

Tia Sue não falava mais comigo então eu entendi que não deveria voltar à
loja. Precisaria arrumar outro emprego depressa, pois meu pouco dinheiro
já acabava e eu não ia ficar na casa dos outros sem poder ajudar nas
despesas, nem tão pouco deixaria Sam pagar tudo como ele gostaria de
fazer.
Me doía muito ver Seth me virar a cara quando eu passava de bicicleta em
frente sua casa e ele estava na varanda com o vizinho. A bicicleta, eu
tentei devolver, mas isso ele recusou dizendo que era um presente e que
não importava o que tivesse acontecido, eu ainda o merecia.

Quase chorei quando ele disse isso e via nos seus olhos que ele não estava
necessariamente me culpando e sim, tentava manifestar apoio à irmã.

Acho que era mesmo isso: As pessoas apoiavam Leah. Era só uma
conseqüência disso, fofocarem pelas minhas costas e se virarem para
outro lado quando eu estava presente. Não me sentia no direito de me
enfurecer com elas; simplesmente acumulava em mim essa revolta.

Sam estava trabalhando todo dia na reforma da casinha que eu encontrei e


que foi o nosso lugar durante aquela maldita e também bendita
tempestade. Ele estava demorando porque não tinha ajuda e só podia se
ocupar disso depois que terminava o experiente de trabalho, mas me
prometeu que Jared, um amigo dele, iria começar a ajudá-lo assim que a
semana de provas da escola acabasse. Logo eu poderia me mudar.

Falei com todos que conhecia e que ainda estavam dispostos a me ouvir
sobre o fato de estar desesperada por um emprego. Quando não achei
nada fui obrigada a ligar pra minha mãe e pedir ajuda. Felizmente, minha
irmã Kelly atendeu ao telefone e me passou um recado valioso: Tamy,
uma amiga de Port Angels estava trabalhando em um clube noturno e eles
precisavam de uma atração para tocar três noites por semana.

Nunca na vida tinha tocado pra uma platéia, mas acabei cedendo, afinal,
se eu não tivesse coragem para fazer isso eu iria acabar comendo pop-
tards para sempre e só isso.

Sam não gostou nada de me ver a caminho de Port Angels e acabou


insistindo tanto que eu deixei que ele me levasse em vez de ir com a
carona que Tamy havia arranjado pra mim. Depois da primeira
apresentação eu parecia bem mais calma e capaz de me apresentar
normalmente dali pra frente e foi o que eu fiz por duas semanas,
conseguindo uma paz que em La Push eu não tinha.
Sam e eu também tínhamos momentos valiosos depois que ele me
pegava, no final da noite. Era uma oportunidade de nos conhecermos e
conversarmos tudo o que deveríamos saber um do outro sem toda aquela
nevoa de mentira e vergonha que pairava sobre nossas cabeças desde que
nossa situação se tornou publica. Lembro de ter tirado fotos em uma
cabine e nós éramos como dois adolescentes bobos demais.

Cada coisa nova que eu descobria dele era como outra característica que
eu já aprendia em seguida a admirar; seus defeitos me eram muito
toleráveis e eu entendia toda sua linguagem corporal.

Seu bom coração em cima de todos aqueles músculos era o que mais me
comovia.

Ele era realmente um ótimo rapaz, como diria minha mãe, e, acreditar que
fomos feitos um para o outro era mais do que fácil, longe de nossos
problemas e dentro de nossa própria bolha de felicidade.

No entanto, era a moto de Sam fazer a curva da rua principal da reserva e


toda a minha esperança se esvaia como se tivessem aberto o ralo. Não me
sentia no direito de tocá-lo, de olhá-lo com o carinho que sentia, com o
amor que já me consumia. Eu era só aquela vagabunda, que mesmo sem
muita responsabilidade sobre a tragédia geral, acabei roubando o homem
da vida da minha prima, melhor amiga, quase uma irmã. Era eu a
responsável pelas lagrimas de Leah e como diabos eu poderia viver um
amor assim? Como supostamente eu deveria sorrir para Sam enquanto ela
se fechava para todos dentro de seu quarto?

(...)

Era uma quinta feira chuvosa, quando eu precisei pegar carona para ir ao
bar onde me apresentava por que pela primeira vez Sam não estava livre
para me levar, já que prometera alguma coisa à sua mãe.

Entrei no carro do Mark, o bar-man, e minha jaqueta estava toda


encharcada, o que fez ele me ceder gentilmente a sua quando eu comecei
a tremer de frio. Agradeci e me aconcheguei na roupa seca desejando que
Sam pudesse ter me levado e aquecido todo o meu caminho com sua
temperatura sempre muito alta.

Assim que acabei de tocar a ultima musica eu comecei a juntar as minhas


coisas, colocar o violão na capa e pretendia ligar pra Sam me buscar,
então fui andando até a parte da frente, perto do estacionamento onde
tinha um orelhão.

- Vejam só... – a voz aterrorizante e totalmente conhecida de Julian me


fez derrubar o telefone. Me virei respirando fundo e tentando não entrar
em pânico.

- Sai de perto de mim. – eu falei tentando colocar toda a minha confiança,


mesmo com vontade de gritar por ajuda.

- Você ta muito bonita, garota! Vai me dizer que achou outro homem que
te domasse? - ele avançou outro passo em minha direção e eu cambaleei
me apoiando num poste próximo.

- Acho melhor me deixar em paz, pro seu próprio bem. – eu avisei me


enchendo com um pouco mais de coragem quando me lembrei do que
Sam poderia fazer com ele se ao menos soubesse o que o desgraçado me
fez.

- Achou mesmo que eu não te encontraria? – ele não pareceu nenhum


pouco intimidado, ainda avançando a passos calculados em minha
direção.

Graças aos céus a porta do bar se abriu e o Mark, que tinha me dado
carona mais cedo veio até mim com o semblante sério e os punhos
serrados.

- Algum problema por aqui, Emily? – ele era levemente maior do que
Julian e seus ombros eram mais largos.

O cretino, que um dia eu tive o desprazer de namorar, deixou um


sorrisinho esperto alargar seus lábios finos e foi se afastando.
- Vejo você depois, Emily. – e já de costas, virando apenas a cabeça,
completou:
- Isso ainda não acabou!

E assim que ele sumiu de vista, eu senti os soluços me tomarem e abracei


Mark apertado tentando controlar o meu desespero. Mark retribuiu o
abraço e tentava me confortar, mas eu ainda tremia como vara verde,
completamente desequilibrada. Não era daquele abraço que eu precisava
por mais amigável que ele fosse. Eu precisava de Sam, ali comigo. O seu
calor e a segurança que eu sentia com ele.

Como se minhas preces fossem finalmente atendidas, alguém limpou a


garganta próximo demais ao local onde eu ainda abraçava o bar-man. Eu
já era capaz de reconhecer todos os sons que ele fazia e me virei depressa
para vê-lo.

Mas o semblante de Sam estava carregado e as mãos estavam em punho,


tremendo ocasionalmente.

- Atrapalho alguma coisa? – a voz dele era sombria.

Eu queria gritar: “É claro que não!” e “Do que você está falando?”, mas
tudo o que consegui foi dar dois passos que me distanciavam de Mark e
dizer para ele:

- Muito obrigada! Vejo você amanha. – e ele entrou outra vez no bar.

- Eu vim te buscar. – Sam continuava distante e ainda mantinha as mãos


em punho.

- Isso é muito bom! – eu tentei passar todo contentamento em minha voz,


mas ela estava trêmula ainda. Saiu como um lamento.

- Essa jaqueta não é sua. – ele observou.

- O Mark me emprestou, mais cedo quando eu peguei carona com ele. –


expliquei.
- Eu quero que você devolva! – ele foi enfático.

Eu ia começar a discutir, mas me lembrei que não devia irritá-lo e mesmo


magoada com toda aquela atitude idiota dele, eu apenas tirei a jaqueta e
me virei pra devolvê-la.

Na volta pra La Push havia só o silencio das palavras não ditas e o bolo
que crescia dentro de cada um de nós, sendo perigosamente alimentado
por toda a conspiração que havia contra nossa felicidade.

(...)

O encontro com Julian tinha reacendido em mim a chama do medo. Os


pesadelos voltaram, e também, as tremedeiras e os ataques de pânico
durante a noite. Como raramente Sam e eu podíamos dormir juntos
devido a minha situação de hospede na cada do Sr. Ateara, minhas noites
não me rendiam descanso algum, e eu estava um caco.

Como se não bastasse, o cretino voltou a me procurar em La Push e Sam


viu ele me intimidando. Felizmente, eu estava tentando passar
despercebida e consegui distraí-lo o suficiente. Mas não antes de Sam dar
uma boa olhada nele, no carro em que ele entrara e que parecia alugado.

Era tão difícil. Eu não conseguia contar tudo para ele. Não conseguia me
abrir e tirar o peso da minha consciência e isso criava uma enorme
desconfiança entre nós e era minha culpa.

Eu tinha uma mistura de vergonha por ter me envolvido com Julian,


sendo tão boba e ingênua, além da certeza de que Sam agiria guiado por
sua raiva e acabaria com ele.

Mesmo que Julian fosse um cretino eu não queria o sangue dele em


minhas mãos e Billy concordou comigo quando tive que me aconselhar
com ele a respeito disso, me explicando que os Lobos, quando jovens, são
realmente, muito volúveis.
Claro, ainda havia Leah e sua nova postura diante de tudo. Tentou se
aproximar de Sam e reconquistá-lo. E ele teve que me contar porque disse
que não suportaria mentir pra mim, quando ele ficou com pena dela e se
deixou beijar.

Meu ciúme me corroia e eu o odiei por sua sinceridade e seus olhos


apaixonados que me diziam que aquilo foi, realmente, por pena e por
culpa. E, pensando bem, quem era eu para dizer alguma coisa sobre
Leah? Quando fui eu mesma que dormi com o namorado dela de anos,
mesmo que eles estivessem separados na epoca, assim que uma boa
oportunidade surgiu.

Hoje eu tentaria passar uma noite agradável, pelo menos. Já tinha avisado
a todos que não dormiria em casa e estava à espera de Sam, com saudades
de ficar a sós com ele, de me entregar em seus braços pra deixar o nosso
desejo nublar os nossos problemas.

Sentei-me na varanda da casinha e senti o ar fresco e dotado de certo


mormaço, típico do inicio do outono. Tentava me manter firme, porque eu
não estava protegendo Julian de nada, eu estava protegendo o meu Sam
de se tronar um assassino.

Ele apareceu por entre as arvores, ainda ajeitando sua bermuda no corpo
másculo e torneado, sempre tão exposto. O sorriso quando me viu foi
imediato e carinhoso, fazendo-o parecer erroneamente inofensivo, e eu
senti o meu sorriso de resposta sem que eu pudesse pensar em qualquer
outra forma de agir.

Nós nos amávamos. Estávamos enfrentando tudo isso, ainda com aquele
sentimento dentro de nós, que só crescia. O sentimento de posse um pelo
outro. Aquela força poderosa que nos atava ao mesmo nó.

Isso era tão obvio e quando estávamos sozinhos era como viver em outra
dimensão, uma dimensão de alegria e paz.

Não ter de voltar ao mundo real seria ótimo. Tão mais fácil.
- A minha garota não vai trabalhar hoje? – ele enlaçou minha cintura e me
ergueu até sua altura.

- Não. A sua garota está de folga para ter um tempo a sós com o
namorado, sempre tão ocupado! – disse, jogando meus braços em seu
pescoço e capturando seu lábio inferior com os dentes, de leve.

- Ah, Emily! – ele suspirou e me pegou no colo abruptamente, me


carregando pra dentro e me fazendo rir de sua pressa. – Não precisa dizer
mais nada. – completou com um sorriso sacana me jogando no colchão.

- Ei! Calma ai garotão... – falei fingindo autoridade, com o dedo apontado


para seu rosto. – Você comprou camisinha? – perguntei, já descrente.

- Dessa vez sim! – ele sorriu brilhantemente e pegou um pacotinho no


bolso da bermuda.

- Muito bom! – aprovei.

- Você não quer carregar o meu filho, Em? – ele perguntou de


brincadeira, mordendo minha orelha e sussurrando. Eu tremi, como
sempre.

- Experimente me pedir em casamento primeiro, seu folgado! – eu


consegui recuperar o fôlego pra dizer, assim que ele se afastou o
suficiente do meu pescoço.

- Considere-se pedida em casamento desde a primeira vez que eu pus os


olhos em você! – ele pegou minhas duas mãos com uma só e prendeu
meus braços acima da minha cabeça.

Ele sorria e seu aperto era quase nulo, mas eu congelei. Foi naquela
posição que Julian me segurou. Eu soava de nervoso e sentia meu ataque
de pânico bem próximo.

Sam percebeu imediatamente meus olhos arregalados e meu medo. Isso


fez ele me soltar e recuar, me olhando quase tão assustado quanto eu. E
então, sem mais poder segurar tudo dentro de mim, eu me levantei
tropeçando e comecei a correr pra longe dali pra que ele não visse minhas
lagrimas de desespero e eu não fosse obrigada a lhe contar o que tanto
escondi.

Entrei na orla da floresta e o crepúsculo descia sobre mim. Sam estava me


chamando e eu sabia que ele não queria me pegar a força.

- Me diga o que aconteceu Emily, você sabe que isso não é justo! – ele
disse magoado, de uma boa distancia.

Mas eu já estava descontrolada, passando por aquela experiência horrível


outra vez. Relembrando tudo como se ainda estivesse lá.

Sam fala...

Eu sabia que Emily me escondia alguma coisa importante, alguma


coisa que fazia seus olhos caramelados, sempre tão doces, se turvarem
e enegrecerem sempre que nós estávamos próximos da verdade.

A imagem daquele cara falando com ela na praia, no outro dia, não me
saíra da cabeça por alguma razão. Ele a olhava como um predador e
por mais que não passasse de um humano insignificante, ele a
assustava, como eu bem percebi.

Tratei de sentir bem seu rastro e me informar sobre o sujeito, só por


precaução.

Mas dessa vez ela foi longe demais. Não tinha ninguém além de nós
dois em toda aquela área e ela estava transtornada, de repente. Parecia
ter visto o próprio Diabo em sua frente e depois correu de mim daquele
jeito maluco, delirante. Eu precisei segui-la pra ter certeza de que não
se perderia na mata.

Com minha audição de Lobo, mesmo estando longe, eu a ouvia


balbuciar: “Por favor não... Por favor não, Julian!” – O nome de
homem me deu um calafrio agourento. Aquele sujeito me vindo a
mente com mais clareza.

E então eu já a tinha alcançado, a pegando pelo braço.

- Quem é Julian? – eu exigi saber enquanto possibilidade atrás de


possibilidade passava por minha mente e eu tentava parar com a
tremedeira, porque estava perto demais dela.

Ela desabou nos meus braços, as pernas cedendo enquanto caia num
choro inconsolável.

- É ELE? É ele? Emily... É o homem da praia?- gritei.

- Me desculpe, eu não podia... eu não... – ela mal conseguia passar de


uma palavra a outra.

- Quem é Julian Emily? Me responda! – eu a pressionei, mantendo-a


comigo.

- Eu não posso... não posso... Sam! – e ela olhava pra mim com carinho
nos olhos e um pedido de clemência. Era ele! Eu poderia apostar pelos
olhos dela que tinha acertado na mosca.

Comecei a refazer tudo mentalmente. O que poderia ter despertado esse


seu comportamento? Se ela não me contaria eu teria de descobrir. Me
lembrei de a ter beijado, de tê-la levado pro colchão no meu colo. Nada
fazia sentido, ela ainda sorria pra mim... E aí eu a segurei mais firme, a
imobilizei, colocando seus braços pra cima...deixando ela sem
escapatória.

O click na minha mente quase deu pra ser ouvido. Se era isso que a
assustou, esse tal de Julian só poderia ter...

E então eu não era mais responsável por meus atos quando o calor
enfiou-se por minha espinha me dilacerando e eu me afastei três
passadas dela, para estar longe quando explodisse, porque eu sabia
onde encontrar o desgraçado e a minha risada foi histérica e macabra
por ter feito o dever de casa. “ Eu vou matá-lo!” – Grunhi, entrando em
fase... Mas não foi isso que aconteceu!

- Eu não posso... não posso... Sam! – eu tentei dizer, mesmo que as coisas
não me parecessem certas enquanto minha cabeça latejava e eu estava
entre duas realidades, no meio de minhas ilusões e da mata já
praticamente escurecida.

Eu pude vê-lo se afastando, entendendo sem que eu precisasse contar. Sua


risada macabra, quando ele disse que o mataria com tanta propriedade que
eu tive certeza que ele saberia onde encontrá-lo.

E então, era agora. Era agora que ele se transformava e me deixava ali.
Era agora que ele se tornava um assassino. O homem da minha vida,
marcado pra sempre por um erro do meu passado. Minha culpa!

Fui em sua direção e encurtei a distancia. Ele gritou: - Pra traz! – e havia
tanta raiva em sua voz, tanto ódio que me machucou e atingiu. Eu não
podia perde-lo assim. Não podia deixá-lo fazer isso.

Eu continuei avançando, como se desconhecesse o perigo, que eu não


desconhecia.

Seus olhos perderam o foco no mesmo momento em que eu o abracei e


isso foi tudo.

Em um segundo eu abraçava o meu Sam e implorava para que ele parasse


e no outro, a dor física era lacerante.

A fera me jogou pra longe me acertando com suas garras tão afiadas
quanto uma navalha.

O gosto enferrujado de meu próprio sangue tomando a minha boca,


enchendo-a e me fazendo engasgar. Nunca sentira nada parecido com
aquilo. Nunca sonhara em me ferir tanto. Em suportar tais provações.
Mas eu estava enganada, porque quando eu o ouvi... quando ouvi seu uivo
enlouquecido e claro como um grito humano. Aquele lamento de
consciência, torturado pelo que tinha me feito...

Nenhuma daqueles talhos abertos na minha carne doeu mais do que saber
QUEM havia me atingido e com certeza nada conseguiria ser mais
penoso do que fato de que eu agonizava, sabendo que, mesmo assim, eu
ainda o amava.

Desmaiei, sendo jogada na completa inconsciência, e então, nada mais


importava!

5 – Forgiveness

O frio e o escuro me pareceram agouros de morte quando aos poucos fui


recobrando a consciência.

A princípio, meus olhos pesados e minha boca seca eram tudo o que
sentia, mas logo fui tomando nota de outras sensações, como uma
ardência característica de cortes recém costurados e uma pressão
inconveniente em quase todos os músculos de meu corpo.

Com um traço de pânico reconheci onde a ardência estava alojada. Meu


rosto despertou dolorido e ofeguei tomada por medo quando meu olho
direito não quis abrir. Imediatamente repuxei meus lábios em uma careta
e os senti protestar, também.

Uma mão afagou meus cabelos e eu me esforcei um pouco mais para


enxergar. Luzes brancas machucaram minhas pupilas e ficou obvio que
eu estava deitada em um quarto genérico de hospital.

- Oi querida! – minha Tia Sue me olhava e sua voz estava embargada


como se ela estivesse prestes a chorar. Tinha um sorriso tão grande que eu
me perguntei, realmente o quão perto eu estive de morrer.

- O que... – eu tentei perguntar sobre como cheguei ali, mas ela me


impediu vendo que minha voz não era nada alem de um grunhido de
agonia.
- Não tente falar Em, os machucados ainda são recentes demais e você
pode abrir os pontos se fizer muito esforço.

A voz de Tia Sue parecia calma, mas eu detectei a ponta de histeria que
guiava seu discurso.

- Você precisa descansar meu bem! – ela continuava dizendo enquanto


arrumava meus travesseiros compulsivamente, tentando me acomodar
melhor. – Vou avisar Sam que você acordou. O pobre garoto não come e
não dorme desde que te trouxe e vai fazer bem a ele ver que você parece
bem melhor. – tagarelou.

Quando a Tia disse o nome dele a lembrança do grande mostro negro me


atacando na floresta me atingiu como num flash. Senti que algumas
lágrimas caiam e pinicavam as feridas em minha carne.

- Ohhh, querida. – minha tia afagou minha bochecha esquerda com


cuidado. – Agora está tudo bem, o pior já passou. – ela me afagava
repetidamente. - Se não fosse Sam te encontrar a tempo e te trazer pro
hospital, talvez aquele urso... – ela parou de falar. – Não quero nem
pensar nisso! – exclamou.

Ela falou de um urso... Pareciam já ter arrumado uma explicação para


meus machucados e, sinceramente, eu ficava feliz de não precisar
inventar eu mesma alguma desculpa.

Não me importava de Sam ter encoberto a si mesmo com a história do


urso, mantendo seu segredo sobrenatural. Isso também me indicava que
ele estava bem, já que minha tia estava ansiosa em dar noticias a ele me
afirmando que ele ficara ali o tempo todo enquanto eu dormia.

Quis ter forças para me levantar e dizer que o perdoava antes de qualquer
outra coisa. Dizer que ele tentou me afastar, e eu, enlouquecida pelo
medo de perdê-lo me agarrei nele sabendo o perigo que corria. Sabia que
meu amor não me apunhalou por que decidiu fazê-lo.
A última coisa de que me lembro claramente antes que a dor me cegasse,
foi ouvir aquele uivo humano demais, agoniado e louco pelo que me tinha
feito. A dor dele me fazia sofrer e eu precisava encontrá-lo o quanto antes
para aliviar esse peso de seus ombros.

Precisava mesmo vê-lo.

- Sam... – eu chamei implorando.

Minha Tia não me entendeu e eu devia ter parecido bem transtornada já


que ela chamou imediatamente a enfermeira e eu só a ouvi dizendo que
estava preocupada com minha agitação e a mulher mexeu em um dos
muitos fios conectados ao meu corpo.

Depois disso, dormi outra vez.

(...)

Na segunda vez que acordei já estava mais calma e menos confusa, me


lembrava de tudo. Sabia que não era só um pesadelo e estava lidando bem
com a situação, afinal, estar em uma cama de hospital era melhor do que
estar a sete palmos da terra e minha Tia mesmo havia deixado claro que
eu passara bem perto do pior.

Uma enfermeira loira e gorducha veio trazendo uma bandeja de comida


pouco tempo depois de eu fitar o quarto e encontrá-lo vazio a não ser por
mim mesma.

- Bom dia, dorminhoca! – a mulher disse maternalmente. – Vamos tentar


comer um pouco hoje? – perguntou enquanto apoiava a bandeja e mexia
na cama para me colocar sentada.

Passei as mãos em meu rosto e notei que haviam enfaixado o lado direito.
Achei curioso, mas não me foquei nisso.
- Tem um moço muito bonito morando nas cadeiras da recepção desde
que você chegou... – a enfermeira gracejou enquanto empurrava a bandeja
sobre o suporte da cama de onde eu devia comer. – Ele ficou muito tempo
esperando você acordar, mas não quis entrar quando eu falei que
poderia... – a mulher franziu um pouco a testa. – Acho que ele é tímido. –
concluiu.

As palavras dela surtiram um efeito imediato em mim. Sam não queria


me ver. Ele se preocupava e com certeza estava se culpando, mas não
queria me ver e aquilo de repente me fez perceber que talvez o pior não
tivesse passado como Tia Sue disse antes. Talvez ainda houvesse alguns
sustos a tomar. Pensei no rosto enfaixado imediatamente.

- Porque enfaixaram meu rosto? – eu perguntei, falando com clareza


mesmo que isso fizesse doer.

A enfermeira ficou branca e desviou o olhar me perguntando se eu


preferia gelatina de morango ou limão, pois ela trouxera os dois. Estava
desconversando e eu não era burra.

- Porque me enfaixaram? – eu voltei a perguntar mais exigente fitando-a


com medo e reprovação.

- Querida, eu não acho que deva...

Mas eu já estava arrancando aquelas faixas com minhas próprias mãos e


sentindo a pele arder por baixo dos curativos.

- Não faça isso, criança, não... – a enfermeira tentou me impedir, mas era
tarde.

Eu olhei pra baixo no mesmo momento em que ela tentava me


desvencilhar de meus propósitos e a bandeja de comida era feita de
alumínio.

Aquela não era eu.


No reflexo pouco já era gritante a diferença entre meu rosto de antes e...
Aquilo.

Comecei a chorar de desespero enquanto meu novo rosto inchado, roxo e


mutilado ficava evidente para mim. Uma onda de pavor me tomando
enquanto um redemoinho de diferentes pensamentos se instaurava. Senti
raiva, senti inveja e senti dor, mas não era só a dor da carne. Era como
uma dor do espírito.

Meu choro crescia e eu soluçava e nada que a pobre enfermeira fizesse


me consolaria até que a porta se abriu e ele entrou a passos largos
ignorando a mulher e me tomando no abraço quente e seguro, tão
familiar.

Ele chorava quase tanto quanto eu.

Sam tinha olheiras muito negras na pele vermelha e parecia mais magro
também. Como um homem que havia sofrido dias sem água em pleno
deserto. Mas nada era pior do que o horror em seus olhos quando ele me
tomou nos braços e chorou no meu ouvido um lamento de desculpas mal
pronunciadas.

Nem percebi quando a enfermeira se retirou e me deixou com ele e, de


repente, eu não estava mais sofrendo por minha face arruinada. Eu estava
consolando aquele homem enorme que se entregava como um garotinho
nos braços de sua mãe e me clamava perdão como o maior dos pecadores.

- Shi... – eu disse tomando seus cabelos em um carinho. – Shiii, meu


amor. Eu te perdôo... È claro que eu perdôo... Esqueça isso!

Mas ele não esqueceu. E eu duvidei de que um dia ele fosse esquecer.

Naquele momento, ao menos, ele cedeu aos meus afagos e se acalmou e


quando eu perguntei por que não me visitara antes ele escondeu seu rosto
nas mãos envergonhado e disse que não teve coragem de me olhar cara a
cara porque acreditou que eu fosse repudiar ele pra sempre, coisa que eu
prometi que nunca faria e isso não era nada mais que a verdade.
Porque quando você ama alguém... Quando você realmente AMA, há
muita pouca coisa que você não possa perdoar.

(...)

Dias depois eu já estava agoniada de permanecer naquele hospital e


evitava qualquer superfície plana e reflexiva que me pudesse trazer
imagens que, por enquanto, estavam melhores, soterradas no meu
inconsciente.

Sam continuou muito deprimido e era difícil convencê-lo de que eu


estava bem. Tão difícil que eu me acostumei realmente a me sentir
melhor com tudo aquilo para que ele visse verdade suficiente em meus
olhos. Ao ajudar ele eu me ajudei. Tudo o que eu realmente queria agora
era ir pra casa.

Encostei a cabeça no travesseiro e fechei os olhos sentindo aquele cheiro


de limpeza e medicação, típicos de hospital.

Ouvi a porta bater, mas continuei de olhos fechados.

Alguém se aproximou e eu pensei que era alguma das enfermeiras então


resolvi fingir que cochilava, mas a pessoa soltou um gritinho de pânico e
começou a chorar baixinho e eu reconheci aquele choro abrindo meus
olhos instantaneamente.

Minha prima Leah me olhava aturdida e quando viu que eu a fitava,


desperta, sua face se contorceu ainda mais.

- Lee... – eu tentei falar com ela, mas não adiantou nada.

Num segundo Leah estava ali contemplando meus machucados grotescos


e parecendo sentir uma enorme pena e no outro já havia corrido como se
houvesse alguém em seu encalço.
Sam passou pela porta como quem acabou de levar um encontrão e eu
acreditei que esbarrara nela, no corredor do hospital.

- Aquela era Leah! – não foi uma pergunta.

- Acho que ela veio ver com os próprios olhos o que eu recebi por fazê-la
sofrer tanto. – eu falei sem pensar.

E imediatamente me arrependi quando vi meu Sam perder a cor e me


lançar um olhar morto, o mesmo que me lançara quando pediu perdão
pela primeira vez.

- Você sabe que falei por falar... – tentei remediar.

- Eu nunca vou me perdoar Emily. – disse. - Acho justo sofrer um terço


do que você deve estar passando. – completou taciturno.

- Quem disse que estou sofrendo? – falei tentando ao máximo sorrir de


forma natural mesmo que um lado de minha boca se recusasse a fazê-lo. –
Vou ter de aprender a pentear o cabelo de lado, nada de mais. – dei de
ombros.

E mesmo assim eu sabia que não o convenci, mas fiquei verdadeiramente


alegre quando soube que Sam viera para me dizer que eu recebera alta e
nós estávamos indo embora, não se esquecendo de mencionar que ele
tinha uma surpresa para mim.

(...)

- Sam, onde é que você está me levando? – eu perguntei curiosa enquanto


ele me carregava no colo. Pelas minhas contas já estávamos bem distantes
do carro a essa altura.

- Se eu disser não seria uma surpresa Emily. Agüente só mais um pouco.


– pediu.
Eu bufei como uma criança mimada e ele apenas riu.

Minha chegada à casa do velho Sr. Quil Ateara foi bem movimentada já
que o conselho todo estava a minha espera, bem como meu primo Seth
que ainda acreditava na historia do urso e o amigo de Sam, Jared, que
junto com a minha Tia Sue compunham o núcleo de pessoas
sensibilizadas pelo meu infortunado ataque por animal selvagem. Eu não
vi Leah e não acreditei que a veria desde sua saída repentina do hospital.
Talvez estivesse se culpando por ter me desejado mal, ou talvez estivesse
comemorando a minha desgraça. Eu realmente, não fazia idéia.

Em todo o tempo eu evitei pensar no meu rosto e no meu novo reflexo no


espelho porque isso me deprimia e transtornava Sam de tal forma que me
corroia o coração bem mais vê-lo daquela forma do que assumir que eu
me parecia agora muito mais com uma vilã de desenho animado.

- Vamos lá Em, abra os olhos! – ele sussurrou no meu ouvido mandando


um caloroso arrepio por minha espinha.

Eu certamente não estava preparada para isso, bem mais do que não
estava preparada para tudo que me aconteceu desde que cheguei em La
Push.

À minha frente, a casinha que descobri nas minhas primeiras andanças


por aqui, estava completamente mudada e reformada. Fora pintada de
amarelo e branco, com as tabuas de madeira avermelhada cheias de um
verniz brilhante. Havia agora um enorme portal que conduzia para o seu
interior, diretamente da varanda que ganhara altura e largura tornando-se
um recanto ideal, cheio de flores em pequenos vasos.

Meus olhos se encheram de lagrimas de alegria e admiração e eu nem


podia acreditar que aquela ali era a minha casa. Tão cuidadosamente
planejada, parecia ter saído diretamente de dentro de um dos meus
sonhos.

- Sam, você... – eu nem tinha palavras, mas precisava agradecê-lo por se


lembrar de cada mínima coisa que eu tinha lhe contado que faria ali e das
quais ele não esqueceu, obviamente.
- Todos ajudaram... Sua Tia trouxe as flores e cortinas. Praticamente
todos os caras da reserva fizeram um mutirão para terminar os cômodos
que faltavam. – ele explicou sem jeito perante a minha inércia. – Billy
Black e o filho lhe fizeram armários entalhados, ficou muito bonito,
vamos entrar! – ele me segurou pelo braço me guiando porque eu estava
com as pernas definitivamente bambas e isso já não tinha nada haver com
meu acidente.

Os moveis eram simples e eu reconheci a mesa que minha Tia mantinha


na garagem com uma perna quebrada e que agora estava de pé outra vez,
mas nada teria pagado o cuidado com que eles eram dispostos e eu vi os
armários de que Sam falara com os olhos ainda mais arregalados do que
vira a fachada de minha casa. - “MINHA CASA” - essa verdade
reverberava em minha mente fazendo-me tão feliz que não havia lugar
pra mais nada.

Enquanto Sam me levava para conhecer o resto, já que muita coisa havia
mudado, eu ficava olhando seu rosto leve e despreocupado a cada vez que
eu pirava com um novo aspecto da reforma, ele parecia ganhar ainda mais
vida.

E foi no seu sorriso, sempre em sincronia com o meu, que entendi onde
realmente eu chegara em minha vida. Eu estava definindo as linhas do
meu “pra sempre”.

Acredito que todos, somos capazes de perceber quando chegamos a esse


nível: Quando conhecemos um oficio que vai nos acompanhar até o final,
ou quando conhecemos um amigo que nos será caro pelos anos a fio e
mesmo nas raras e maravilhosas ocasiões onde encontramos o homem a
quem pertenceremos até que nossa ultima respiração seja ouvida.

Meu coração e minha mente, em conjunto, aceitavam o meu destino. Eles


reconheciam Samuel Uley como à outra metade do meu todo e eu percebi
que magoas poderiam ser transpostas e que dificuldades serviram para
nos unir ainda mais, e, quando ele parou de frente ao maior dos três
quartos ,e ele ficou sem graça ao dizer que aquele era o “nosso” quarto,
eu realmente não me importei com meus machucados ainda recentes e
com minha nova aparência de vilã e me joguei nele com tudo, agarrando
sua nuca e fazendo com que me beijasse com tanta vontade quanto eu o
beijava.

Separamos-nos ofegantes, e, Sam me olhou com olhos negros profundos e


compenetrados.

- Eu lhe juro Emily, que eu vou amar você, viver por você e cuidar de
você até as minhas ultimas forças se esvaírem e eu nunca mais irei
machucá-la seja aqui – e ele colocou a palma da mão onde batia o meu
frenético coração. – ou em qualquer outro lugar! – ele segurou minhas
bochechas com carinho e plantou um beijo tímido em minhas cicatrizes.

Eu olhei pra ele com a mesma devoção apaixonada e também prometi.

- Eu lhe juro Samuel, que vou amar você, vou viver por você e vou cuidar
de você até as minhas ultimas forças se esvaírem e eu prometo nuca mais
te esconder nada e nunca mais duvidar de que nós somos certos, juntos!

E foi a vez dele ignorar tudo e me beijar com carinho e com cuidado, mas
apertando a minha cintura com a mesma fome que sempre marcou os
nossos beijos.

(...)

Três meses depois de eu me mudar para o fim da trilha, na pequena casa


que agora era conhecida em toda a reserva como a casa de Emily Young,
tudo parecia estar, não igual, mas melhor.

Sam me confidenciara que, assim que soube que eu estava fora de perigo,
foi até Julian e cuidou dele assegurando-se de que nunca mais esse
fantasma voltaria a nos assombrar.

Ele me jurou que não fez nada realmente grave e nem de perto tão grave
quanto teria gostado de fazer e eu fiquei mesmo agradecida por ter me
livrado desse horror que me perseguira por tanto tempo.
As pessoas que antes me apontavam na rua e falavam mal de mim por ter
roubado o noivo de minha prima, não mais tinham coragem de julgar a
pobre garota que fora atacada pelo urso e agora tinha metade do rosto
desfigurado.

E eu não me importava tanto assim com a pena alheia quando eles


estavam finalmente me deixando em paz. Claro, uma pessoa ainda não
me perdoara.

Leah não mais me envergonhava em publico e não mais me intimidava,


contudo, fingia agora que eu simplesmente não existia e não sei se
preferia sua total indiferença à sua raiva.

Não podia tirar-lhe a razão mesmo que eu já estivesse em paz com minha
escolha e eu escolhera Sam, definitivamente.

Minha mãe e minha irmã me visitaram algumas vezes e também


acreditaram facilmente na historia do acidente com o urso. Elas ficaram
totalmente encantadas com Sam, com a casa e com a minha nova
popularidade entre os conselheiros Quileute.

Tirei as batatas do forno e acrescentei um pouco de azeite de oliva. O


cheiro parecia confirmar que a receita fora feita com sucesso.

Sam passou pela porta da cozinha no mesmo instante em que eu colocava


seu prato a mesa. Ele parecia ter desenvolvido um radar especial para a
hora do almoço e sua mãe já queria minha cabeça em uma lança por eu
manter o filho dela longe de casa em cada uma das refeições e na maioria
das noites, também.

- A minha mulher é a melhor! – ele falou enquanto comia a quinta batata


recheada e olha que eu tinha comprado só as maiores.

- Namorada Sam, namorada... – eu corrigi. – Não estamos no tempo das


cavernas! – disse.
Sam gargalhou e comeu mais um pouco. Eu ficava feliz que ele gostasse
tanto da minha comida já que cozinhar, pra mim, era um roby e um gosto.

- Sabe que me caso com você assim que você me aceitar! – ele retrucou. –
Não é como se eu já não tivesse pedido.

Eu fiz careta porque ele realmente já me aparecera com um lindo anel


trançado cuidadosamente à mão como mandava a tradição Quileute. Eu
disse sim, é claro, mas fiz ele prometer que não iríamos nos precipitar
porque Leah ainda me preocupava.

Ainda estava em minha mente o sofrimento que vi em seus olhos quando


ele terminou com ela, na noite em que a ouvi chorar agoniada enquanto
eu ainda me corroia em culpa por amá-lo.

E foi nesse compasso que levávamos nossa vida. Os meses viraram


bimestres, semestres, anos...

O bando cresceu. Primeiro com Jared e depois Paul. Sam estava sempre
preocupado com os garotos tentando dar a eles toda a ajuda que ele não
teve no início de sua transformação.

Eu tentava ajudá-lo como podia. Sempre com uma comida quentinha a


mão, alguns pontos em uma bermuda puída, ou mesmo um lugar pra eles
tirarem uma soneca entre uma ronda e outra.

Era magnífico cuidar de todos eles, como se fossem meus filhos grandes
demais e sempre que meu Sam passava pela porta da cozinha, mesmo que
estivesse cansado e com seus olhos caídos eu via o meu sol brilhar acima
das nuvens da Olympic e eu tinha certeza de que sentia muito por Leah e
sentia muito pelo jeito que o destino nos guiou, mas não conseguia sentir
muito por tudo o que eu tinha. Eu era agradecida.

Nesse meio tempo eu compunha e cuidava de casa. Depois de lutar muito


contra Sam eu acabei desistindo e deixando com que ele arcasse com as
despesas, afinal, meu pouco dinheiro de economia já havia acabado há
muito tempo e eu não tocara no bar em Port Angels desde o acidente.
Já fazia dois anos que estávamos juntos, era uma tarde bonita, tranqüila
até, quando Sam passou pela porta parecendo outro homem. Branco como
papel e completamente concentrado.

Fiquei com medo do que poderia acontecer já que eles estavam caçando
uma fria ruiva que matara em Olympic e que já lhes fugira varias vezes.

Comecei a formar quadros mentais horríveis enquanto considerava cada


um dos garotos e o que poderia ter lhes acontecido de tão ruim, mas Sam
olhou na minha direção e entendendo meu pânico mexeu a cabeça
negativamente como se pudesse ler o que eu estava pensando e quisesse
me tranqüilizar.

Pensei então em Jacob Black, que havia entrado para o bando mais
recentemente trazendo alguns problemas quando revelara o segredo à
Bella, filha do Chefe Swan e ex-namorada de um daqueles frios que não
tomavam sangue humano, os Cullen, com quem nós tínhamos um pacto
de não-agressão mutua.

Mas isso já estava remediado e a garota se provou de confiança. Os lobos


não eram a única coisa sobrenatural que ela conhecia.

Me perdi em um mar de curiosidade e esperei que ele se recuperasse para


me contar, o que levou um bom tempo. Sentei-me a seu lado no sofá onde
ele tinha as mãos na cabeça e olhava pra baixo.

- Leah sabe de tudo! – foi o que ele disse apático, sem introduzir o
assunto. Fiquei calada esperando o resto. Eu acreditava que seria algo
como: “Um dos garotos conseguiu burlar a injunção e contou a ela” ou no
máximo, “ Ela descobriu sozinha”.

Porque desde a morte recente de meu Tio Harry, devido a um enfarto,


Leah tinha estado mais arredia e desconfiada do que nunca e fazia cada
vez muitas perguntas sobre “A turma de Sam Uley” alegando que seu pai
vivia de conversa com Sam antes de morrer e ele sempre parecia mais
preocupado e mais tenso depois dessas reuniões.
O que, claro, se devia ao fato de os lobos estarem saindo em missão atrás
da tal fria perigosa, que acabaram descobrindo, queria a cabeça de Bella
Swan em uma bandeja por uma vingança contra o Cullen, ex-namorado
da garota que nem estava morando mais por aqui. Uma confusão total.

E tudo aquilo me arrepiava de pavor, mas eu tentava não dar nenhum


escândalo e não fazer nenhum piti porque sabia que Sam cuidaria de mim
antes mesmo de cuidar de seu bando e não era justo com os meninos, já
que ele tinha responsabilidades como alfa.

Mas ele não confirmou nenhuma das minhas duas pobres suposições
quando em uma respiração só disse:

- Ela se transformou Emily! Leah agora é um de nós.

E eu abri tanto a minha boca que fiquei com medo de que ela não se
fechasse mais.

Leah fala...

Não eram só os meus músculos, meus sentimentos e minha cabeça que


doíam. Era meu orgulho, minha feminilidade e toda a minha esperança
no futuro.

Eu era um monstro, uma aberração. E ainda por cima eu era rara, a


única na historia. A primeira loba Quileute, como se eu quisesse essa
grande honra.

Sam podia ficar com ela, meu inocente e impressionável irmão podia
ficar com ela e todos aqueles garotos idiotas da reserva que agora me
olhavam em pânico enquanto eu voltava ao normal, nua em pelo sem
poder me esconder, me defender dos olhares curiosos. Naquele chão
cheio de folhas com toda aquela informação invadindo minha
consciência. Toda a verdade por traz da traição de Sam, dos estranhos
fenômenos ligados à sua turma e ainda, mesmo que indiretamente, os
problemas por traz do enfarte de meu pai.

Acho que preferia não saber, preferia não existir e não conseguia
pensar nada com clareza. IMPRINTING... Foi onde meus pensamentos
me levaram assim que adquiri uma mínima coerência.

No fim, parece que Sam não teve realmente uma escolha ao me deixar.
Ele precisou fazê-lo assim como agora precisamos perseguir essa fria
que está na mente de todos eles, que está matando em nossas terras.
Mas, espera aí... Eu disse PRECISAMOS? Precisamos coisa nenhuma.
ELES precisam e eu tenho é que arrumar uma maneira de sumir, fugir
disso e retomar a minha dignidade que era tudo o que eu tinha antes, e
que além de todo resto, me foi tirado à força.

Uma imagem tinha ficado gravada em mim assim que consegui me por
de pé. Era um anel de noivado, trançado a mão como mandava a mais
antiga tradição Quileute. E aquele anel nunca seria meu.

Sam tentou me emprestar uma bermuda, mas eu recusei e me neguei a


chorar na frente de todos aqueles idiotas, que tentavam sem sucesso
não me secar enquanto eu abraçava os seios e espremia as pernas.

Emily, ela fora a escolhida. A ela foi dada toda a vida que eu queria
para mim. Uma vida que eu tinha até ela me tomar e agora descubro
que ela realmente não planejou nada. Não seduziu meu namorado em
minhas costas. Não flertou com ele enquanto me consolava. Ela apenas
não resistiu a um homem que lhe jurou amor eterno...

Não interessa, eu a odiava mesmo assim.

E nunca iria perdoá-la por me fazer sentir assim tão pequena e incapaz
e tão errada. Por querer ser como ela para não ser assim como eu. Mas
havia uma coisa que eu faria para meu próprio bem e isso era ter uma
conversa bem franca com minha prima para mandá-la enfiar sua pena
onde o sol não bate e se casar logo com aquele estrupício do Uley, já
que ficou bem obvio pelos pensamentos dele que apenas a pobre Leah
os detinha.

Passado o choque inicial ao saber que minha prima agora era uma
mulher-lobo, eu tive outras coisas bem mais banais com que me
preocupar. Afinal, Leah era linda e tinha aquele corpo esguio e magnífico
que só manequins de passarela conseguiam manter enquanto eu ficava
com meus quadris largos e minha altura medíocre. Ela não iria envelhecer
enquanto eu já achava que meus vinte anos me fazia parecer bem mais
velha do que deveriam.

Era obvio para mim que nenhum homem ficaria imune ao charme de
minha prima se ela decidisse investir duro nisso e toda aquela coisa de
bando, nenhuma roupa e pensamentos em comum me tirou o sono varias
vezes enquanto eu questionava o quanto o imprinting teria sido crucial
para meu amor acontecer e o quanto Sam de fato me pertencia, por mim
mesma e não por aquela velha injunção de lobos.

Eu estava sentada na varanda dedilhando meu violão quando vi uma


sombra se aproximar e percebi ser um dos garotos. Já ia me levantando e
oferecendo alguma coisa para o recém chegado quando a voz de Leah
soou clara e provocativa.

- Oi priminha! – ela estava muito diferente com aquele cabelo curto e as


roupas largas de homem, sem nenhuma maquiagem e nada parecida com
a Leah que eu sempre conheci.

- Leah. – eu cumprimentei me controlando para não abaixar minha


cabeça. Dizendo a mim mesma que aquela ali era minha casa e fora ela
quem me procurara.

- Eu não vou me demorar aqui, bem porque eu estou aqui escondida do


seu querido noivo... – eu percebi a palavra que ela usou para definir meu
relacionamento com Sam e já ia abrindo a boca pra contestar quando ela
me fulminou com os olhos e eu me calei. – Não adianta mais mentir
quando eu posso ver cada uma das coisas que ele pensa sobre você. – ela
argumentou falsamente entediada. – Continuando... – ela retomou. – Vim
aqui em paz e pra falar justamente que você pode começar a costurar o
seu vestidinho de casamento e fazer os seus preparativos que a Leah não
vai amaldiçoar ninguém nem estragar seu casamento, bem porque isso
não mais me interessa! – e então ela sorriu falsamente. – Não é como se
fosse uma escolha dele, não é mesmo? Um imprinting... – senti meu
corpo gelar e minhas mãos tremerem com a verdade dura. Ela parece ter
percebido porque seu sorriso cresceu.

- Seja muito feliz. – disse com desaso e então foi embora sem me deixar
dizer nada.

E quer saber? Isso já era um começo.

Mesmo que eu não reconhecesse aquela figura sarcástica e quebrada


como minha melhor amiga e minha irmã eu já podia divisar um pouco de
reação em suas feições e eu acreditei que Leah iria superar seu próprio
infortúnio. Talvez não por agora, não imediatamente, mas um dia. E pra
quem tinha a eternidade já era o bastante.

Se ela precisava me culpar pra ter forças que ela fizesse. Eu


definitivamente preferia assim à que ela me ignorasse.

E quer saber mais... Ela estava se divertindo tanto enquanto abria as


minhas feridas, que talvez eu a chamasse para ser minha madrinha bem
na frente da Tia Sue para que ela não pudesse recusar e então estaríamos
quites.

Quando Sam me encontrou naquela tarde, perguntando se estava tudo


bem e tentando se certificar de que Leah não me machucara, eu aceitei
seu pedido oficialmente e fiz o que ela me mandou fazer.

Coloquei meu anel no dedo e não tiraria mais.

Eu vim pra La Push como uma fugitiva, eu cheguei aqui vazia e sem
nada, acreditando que historias de terror eram só historias de terror e
contos de fadas eram lucrativos para a Disney. Eu acreditava no livre
arbítrio e achava que casamento não era tão importante, embora desde
sempre desejasse uma família grande e secretamente esperasse um
homem forte e amoroso que pudesse cuidar de mim.

Eu mudei, eu amadureci, eu vi e vejo coisas que ainda parecem frutos de


imaginação. Encontrei meu caminho em um encontro marcado pelo
destino com um homem que as estrelas escolheram para mim e pelo qual
eu me apaixonei a primeira vista e aos poucos. De quem recebi um amor
igualmente verdadeiro e com o qual passei por momentos difíceis e
cruciais.

Achei a felicidade dentro de mim e ela se espalhou a minha volta. Como


as minhas margaridas, reluzentes e adoráveis durante toda a primavera.

E, sinceramente, não me parece mais tão importante poder escolher nada


a essa altura da vida quando vejo que de uma forma ou de outra é sempre
a vida quem irá escolher por nós.

Eu sou Emily Young, 20 anos, nativa americana, compositora amadora,


residente em La Push – Washington; noiva de Samuel Uley e muito,
muito satisfeita com tudo o que eu tenho.
EPILOGO

O céu cinzento e opressor não diminuía a sensação de paz e felicidade


que invadia o ar naquela manha de setembro, na península Olympic.

Os corpos grandes e quentes dos membros da alcatéia de lobos Quileute


deixavam a pequena capela e seu estreito altar ainda mais abarrotados que
o esperado.

O quadro geral pendia para a esquerda comicamente. O lado do noivo


parecia todo tomado pelos padrinhos gigantes enquanto as garotas esguias
e a criança que ocupavam o lado da noiva não precisavam de tanto
espaço.

A pequena Claire Young entrara pelas portas de madeira da capela


segurando uma almofada de cetim onde repousavam as alianças douradas.
Ela encabeçava a fila de damas de honra que ia da miúda Kimberly até a
alta e poderosa Leah Clearwater, que seria a madrinha da noiva mesmo
que preferisse estar mastigando o próprio braço.

Sam Uley era um noivo que exalava confiança e seus olhos negros de
ônix estavam visivelmente emocionados. Ele fazia uma boa figura ali,
ereto diante do padre e maior que todos os seus padrinhos com exceção
de Jacob Black para quem perdia em cinco ou sete centímetros de altura.

Um sorriso singelo estava eternizado em sua expressão e mesmo que seu


rosto aparentasse estar sempre serio e compenetrado, ele trazia tanto
contentamento dentro do peito que poderíamos dizer que ele era grande
responsável pela nevoa de alegria que encobria as nuvens agourentas.

A musica da noiva começou. Era moderna, não como uma marcha


nupcial nem nada do gênero. Uma pequena banda estava alojada em um
canto no fundo e o vocalista tinha uma voz doce, mas incisiva.

“I'm gonna give all my secrets away - Eu estou me desfazendo


de todos os meus segredos.
My God, amazing how we got this far - Meu Deus, é incrível
como chegamos a esse ponto.
It's like we were chasing all those stars - Parece que estávamos
tocando todas aquelas estrelas.
Whose driver shining big black cars - Cujo condutor eram
grandes carros pretos e brilhantes ...” (Secrets – OneRepublic)

Emily caminhou devagar pelo centro do tapete vermelho. Os cabelos lisos


traziam algumas ondas e pareciam maravilhosamente revoltos enquanto
pequenas margaridas adornavam pontos estratégicos. A maquiagem e a
simetria do penteado permitiram-na ocultar praticamente toda a cicatriz
que jazia em seu rosto. Ela tinha uma luz especial enquanto fluía na
musica de encontro a Sam. Como se as pregas suaves e enviesadas do
vestido marfim lhe conferissem leveza suficiente para alçar vôo.

Leah olhou a prima e admitiu sua beleza, tanto quanto admitia pra si
mesma que aquele ali não era mais o seu lugar. Não se sentiu tão mal
quanto considerou que se sentiria, ali, obrigada a ver de camarote o que
sua vida poderia ter sido.

Agora que conhecia Sam tão bem a ponto de dividir pensamentos,


concluiu que eles poderiam ter tido muitos problemas com o gênio dele e
a mania dela de não abaixar nunca a cabeça.

No final, mesmo que não fosse admitir isso pra ninguém, Emily parecia
mais certa para ele. – “Mais mosca morta” – pensou com uma risadinha.
Mas nem esse pensamento era maldoso, de fato, já que continuou a
observar a prima e ainda assim a achava muito bela naquele vestido.

A cerimônia não foi longa, os votos foram simples e comuns, mas a noiva
tinha uma surpresa que guardou até o ultimo momento e quando era a sua
vez de jurar amor eterno, ela não fez um juramento apenas por si.

- Nós te recebemos Sam... – ela começou a dizer enquanto sua mão direita
pousou sobre sua barriga. – Como marido e PAI... – e engasgou um
pouco quando percebeu o olhar atônito dele. – E prometemos ser fieis a
você e a nossa pequena família, para amar-te e respeitar-te, na alegria e na
tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida e além dela. –
afirmou.

E fez-se um minuto de silencio em que os lobos tentaram constatar se o


companheiro de matilha ainda respirava porque Sam assumiu um olhar
vago e surpreso, completamente chocado. Mas não foi necessário cutucá-
lo outra vez porque em pouco tempo a igreja inteira aplaudiu e caiu em
algazarra.

Quando o noivo não esperou que o padre dissesse mais nada e levantou
Emily do chão, girando-a, beijando-a e abraçando-a completamente
embebido em felicidade com a notícia de que teriam um filho e que
estavam finalmente casados.

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