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FUNDAMENTOS SOCIOLÓGICOS

E ANTROPOLÓGICOS DA
EDUCAÇÃO

PROFESSORAS
Me. Daiany Cris Silva
Me. Milena Cristina Belançon
ACESSE AQUI
O SEU LIVRO
NA VERSÃO
DIGITAL!
EXPEDIENTE

DIREÇÃO UNICESUMAR
Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de
Matos Silva Filho Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Pró-Reitor de Ensino
de EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi

NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


Diretoria Executiva Chrystiano Mincoff, James Prestes, Tiago Stachon Diretoria de Graduação e Pós-graduação
Kátia Coelho Diretoria de Cursos Híbridos Fabricio Ricardo Lazilha Diretoria de Permanência Leonardo Spaine Head
de Graduação Marcia de Souza Head de Metodologias Ativas Thuinie Medeiros Vilela Daros Head de Tecnologia e
Planejamento Educacional Tania C. Yoshie Fukushima Head de Recursos Digitais e Multimídias Franklin Portela
Correia Gerência de Planejamento e Design Educacional Jislaine Cristina da Silva Gerência de Produção Digital
Diogo Ribeiro Garcia Gerência de Recursos Educacionais Digitais Daniel Fuverki Hey Supervisora de Design
Educacional e Curadoria Yasminn T. Tavares Zagonel Supervisora de Produção Digital Daniele Correia

FICHA CATALOGRÁFICA
Coordenador(a) de Conteúdo
Roney de Carvalho Luiz
C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ.
Projeto Gráfico e Capa
Núcleo de Educação a Distância. SILVA, Daiany Cris; BELANÇON,
Arthur Cantareli, Jhonny Coelho Milena Cristina.
e Thayla Guimarães
Fundamentos Sociológicos e Antropológicos da Educação.
Editoração Daiany Cris Silva; Milena Cristina Belançon.
Arthur Cantareli Silva
Design Educacional Maringá - PR.: UniCesumar, 2020. Reimpresso em 2021.
Jociane Karise Benedett 184p.
Revisão Textual “Graduação - EaD”.
Meyre A. P. Barbosa 1. Fundamentos 2. Sociológicos 3. Antropológicos 4. Educação.
Ilustração EaD. I. Título.
Produção de Materiais
Fotos
Shutterstock CDD - 22 ed. 370.1
CIP - NBR 12899 - AACR/2
Impresso por:
ISBN 978-65-5615-224-0

Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679

NEAD - Núcleo de Educação a Distância


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www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360
BOAS-VINDAS

Neste mundo globalizado e dinâmico, nós tra-


balhamos com princípios éticos e profissiona-
lismo, não somente para oferecer educação de Tudo isso para honrarmos a nossa mis-

qualidade, como, acima de tudo, gerar a con- são, que é promover a educação de qua-

versão integral das pessoas ao conhecimento. lidade nas diferentes áreas do conheci-

Baseamo-nos em 4 pilares: intelectual, profis- mento, formando profissionais cidadãos

sional, emocional e espiritual. que contribuam para o desenvolvimento


de uma sociedade justa e solidária.
Assim, iniciamos a Unicesumar em 1990, com
dois cursos de graduação e 180 alunos. Hoje,
temos mais de 100 mil estudantes espalhados
em todo o Brasil, nos quatro campi presenciais
(Maringá, Londrina, Curitiba e Ponta Grossa) e
em mais de 500 polos de educação a distância
espalhados por todos os estados do Brasil e,
também, no exterior, com dezenas de cursos
de graduação e pós-graduação. Por ano, pro-
duzimos e revisamos 500 livros e distribuímos
mais de 500 mil exemplares. Somos reconhe-
cidos pelo MEC como uma instituição de exce-
lência, com IGC 4 por sete anos consecutivos
e estamos entre os 10 maiores grupos educa-
cionais do Brasil.

A rapidez do mundo moderno exige dos edu-


cadores soluções inteligentes para as neces-
sidades de todos. Para continuar relevante, a
instituição de educação precisa ter, pelo menos,
três virtudes: inovação, coragem e compromis-
so com a qualidade. Por isso, desenvolvemos,
para os cursos de Engenharia, metodologias ati-
vas, as quais visam reunir o melhor do ensino
presencial e a distância.

Reitor
Wilson de Matos Silva
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL

Me. Daiany Cris Silva


Cientista Social com Mestrado e Licenciatura em Ciências Sociais pela Universidade
Estadual de Maringá (UEM). É especialista em Estudos Geracionais, realiza pesquisas
sobre a participação social e política de jovens e idosos, utilizando como principal
abordagem teórica e metodológica a antropologia. Possui experiência com políticas
públicas para a juventude, em razão do trabalho realizado no setor responsável por
essa temática, na Prefeitura Municipal de Maringá, entre os anos de 2015 a 2017.
Atua, desde o ano de 2018, como Professora de Sociologia no Ensino Médio Regular
e na Educação de Jovens e Adultos da Rede Básica de Educação do Estado do Paraná.

http://lattes.cnpq.br/9836626816148868

Me. Milena Cristina Belançon


Mestra em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá (2020) e também
bacharela (2017) e licenciada (2016) em Ciências Sociais, pela mesma universida-
de. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisas em Participação Política (NUPPOL/UEM),
possui experiência com pesquisas em políticas públicas para mulheres e realiza,
também, pesquisas sobre participação política, repertórios de ação política e mo-
vimentos sociais, utilizando como principal abordagem teórica e metodológica a
Ciência Política.

http://lattes.cnpq.br/6653565063142893
A P R E S E N TA Ç Ã O DA DISCIPLINA

FUNDAMENTOS SOCIOLÓGICOS E
ANTROPOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO

Seja bem-vindo(a), caro(a) estudante, a discussão sobre os Fundamentos Sociológicos e An-


tropológicos da Educação tange conceitos e métodos de pesquisa que produzem interpreta-
ções sobre o mundo moderno, por isso, fornecem aparato científico para a prática e didática
pedagógica cotidiana. O estudo das sociedades humanas promove o desenvolvimento de
concepções atentas às diversas expressões culturais e políticas das relações sociais. E para
dimensionar estas dinâmicas, este livro retrata temas centrais de duas das principais áreas
das Ciências Sociais: a Sociologia e a Antropologia.

O nosso intuito é oferecer um panorama básico sobre teorias, correntes de pensamento


e metodologias clássicas e contemporâneas da Sociologia e Antropologia, que contribuem
para a orientação e qualificação de profissionais da educação. Para isso, apresentamos, na
Unidade 1, o contexto de surgimento das Ciências Sociais como um campo de investigação
que emergiu dos processos de transformação social da modernidade.

Nas Unidades 2 e 3 abordaremos as correntes de pensamento da Sociologia, ciência que


trata das relações humanas e suas instituições sociais. Na primeira, apresentamos o tripé da
Sociologia clássica, Émilie Durkheim, Max Weber e Karl Marx, autores que orientaram a disci-
plina em sua consolidação e influenciam muitas discussões na atualidade, discussões essas
que serão abordadas na unidade posterior, que trata não só da Sociologia contemporânea
como da sua difusão no Brasil. Em ambas as unidades buscamos demonstrar a importância
das discussões sociológicas para as questões escolares atuais.

Nas unidades seguintes, tratamos da Antropologia, ciência que possui como principal objeto
de estudo as culturas humanas. Na Unidade 4, buscamos apresentar as principais caracte-
rísticas da disciplina, suas diferentes correntes teóricas e seu principal método de pesquisa,
a etnografia. Quanto à presença da disciplina no Brasil e suas reflexões sobre temas da
sociedade contemporânea, discutimos na Unidade 5, abordando a pluralidade de vivências
na urbanidade. Destacamos nessas duas unidades como a antropologia pode contribuir na
compreensão da realidade social do ambiente escolar.

Esperamos que nossas discussões possam colaborar para a sua formação na prática
educacional.

Bons Estudos!
ÍCONES
pensando juntos

Ao longo do livro, você será convidado(a) a refletir, questionar e


transformar. Aproveite este momento!

explorando ideias

Neste elemento, você fará uma pausa para conhecer um pouco


mais sobre o assunto em estudo e aprenderá novos conceitos.

quadro-resumo

No fim da unidade, o tema em estudo aparecerá de forma resumida


para ajudar você a fixar e a memorizar melhor os conceitos aprendidos.

conceituando

Sabe aquela palavra ou aquele termo que você não conhece? Este ele-
mento ajudará você a conceituá-la(o) melhor da maneira mais simples.

conecte-se

Enquanto estuda, você encontrará conteúdos relevantes


online e aprenderá de maneira interativa usando a tecno-
logia a seu favor.

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CONTEÚDO

PROGRAMÁTICO
UNIDADE 01
8 UNIDADE 02
40
INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS
CIÊNCIAS SOCIAIS SOCIOLÓGICAS COMO
E SUA RELAÇÃO COM A INSTRUMENTOS
EDUCAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO

UNIDADE 03
73 UNIDADE 04
101
SOCIOLOGIA E PERSPECTIVAS
EDUCAÇÃO NA ANTROPOLÓGICAS
CONTEMPORANEIDADE COMO INSTRUMENTOS
PARA EDUCAÇÃO

UNIDADE 05
137 FECHAMENTO
173
ANTROPOLOGIA CONCLUSÃO GERAL
E EDUCAÇÃO NA
CONTEMPORANEIDADE
1
INTRODUÇÃO ÀS
CIÊNCIAS SOCIAIS
e sua relação com a educação

PROFESSORAS
Me. Daiany Cris Silva
Me. Milena Cristina Belançon

PLANO DE ESTUDO
A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: • As Ciências Sociais como um
campo de estudos que emerge de uma sociedade em transformação • Sociologia e Antropologia:
produzindo um olhar orientado sobre a vida em sociedade • As ciências sociais e as diretrizes nacio-
nais da Educação Básica.

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
• Compreender o surgimento da sociologia como resultado das transformações sociais ocorridas com as
Revoluções Industrial e Francesa. Conhecer a perspectiva de Auguste Comte, ao criar a física social para
demonstrar sua preocupação em racionalizar as mudanças ocorridas no período • Analisar a Sociologia
e a Antropologia como ferramentas de se localizar, socialmente, buscando a compreensão da socieda-
de em que vivemos e percebendo a interferência das estruturas sociais na vida cotidiana • Entender a
relação das ciências sociais com as diretrizes nacionais de Educação Básica, pontuando em que medida
a disciplina pode contribuir para o alcance dos objetivos da política educacional brasileira.
INTRODUÇÃO

Prezado(a) estudante, a sociologia e a antropologia são áreas do saber que


estão inclusas na grande área das humanidades, focadas em compreender
as diferentes sociedades, suas relações, diversidade, entre tantos outros as-
suntos que buscaremos abordar ao longo desta unidade.
A educação está presente em todas as sociedades e, por isso, é um objeto
de análise muito importante para essas áreas há muito tempo. Eixos de tra-
dição clássica e contemporânea buscam responder uma série de questões
que ligam sociedade e educação, compreendendo que essas relações se auto
alimentam, ou seja, a educação impacta nas práticas sociais, assim como
as práticas sociais impactam a educação. Desse modo, pensar a educação
na perspectiva sociológica e antropológica, nos faz refletir sobre processos
de socialização contidos em sistemas simbólicos e culturais, ou seja, em
dimensões das sociedades que organizam e “regularizam” os processos de
reprodução da vida, a qual a educação está contida.
Para iniciarmos este caminho cujo objetivo é nos aproximar das refle-
xões sociológicas e antropológicas da educação, traremos, nesta unidade,
três grandes tópicos que nos farão compreender melhor os fundamentos
dessas áreas e em que elas podem ajudar na prática escolar: as ciências
sociais como um campo de estudos que emerge de uma sociedade em
transformação; sociologia e antropologia, produzindo um olhar orientado
sobre a vida em sociedade; e, as ciências sociais e as diretrizes nacionais da
Educação Básica.
Desse modo, apresentaremos a você um breve histórico do surgimen-
to dessas ciências, introduzindo sua aplicabilidade e, também, indicando
a relação destas com a educação. Nosso objetivo é que esta unidade possa
aproximá-lo da Sociologia e da Antropologia, enxergando, nesse caminho, as
possibilidades de moldar-se enquanto profissional da educação. Bons estudos!
1
AS CIÊNCIAS
UNIDADE 1

SOCIAIS COMO UM
CAMPO DE ESTUDOS
que emerge de uma sociedade
em transformação

Prezado(a) aluno(a), buscaremos compreender o surgimento da Sociologia, contex-


tualizando-a como resultado de transformações sociais. Para tanto, apresentaremos a
perspectiva do autor conhecido como fundador desta ciência, Auguste Comte (1798-
1857), e sua preocupação em racionalizar as mudanças ocorridas neste cenário.
Desde já, gostaríamos de pontuar que as Ciências Sociais subdividem-se em três
grandes áreas: a sociologia, a antropologia e a ciência política. Porém este grande
campo surge com o nome de Sociologia e, posteriormente, é subdivido entre as
áreas específicas, em todos eles o conhecimento gerado é sobre a sociedade, porém
cada área parte de um viés particular. Desse modo, esta seção trata da sociologia,
todavia entendendo que a antropologia também está contida neste histórico.

10
UNICESUMAR
pensando juntos

Tente você, aluno(a), imaginar-se nesse contexto enquanto um artesão independente que
vê a chegada das máquinas e todas as mudanças que esse fato acarreta.

O século XVIII marcou o mundo por contar com duas grandes Revoluções, a
Industrial (1780-1860) e a Francesa (1789-1799). Estas marcaram, definitiva-
mente, a instalação da sociedade capitalista e desencadearam acontecimentos
que tornaram possível o que entendemos por criação da sociologia.
A revolução industrial, iniciada na Inglaterra, modificou os métodos pro-
dutivos que, até então, eram, em grande parte, manuais, introduzindo a máqui-
na a vapor e seus sucessivos aperfeiçoamentos. Dessa forma, progressivamente,
poucas pessoas foram acumulando os novos
meios de produção, as máquinas, e convertendo
muitas pessoas em seus empregados. Portanto,
esse momento concatena a consolidação da so-
ciedade capitalista, e disto decorre uma série de
mudanças nos costumes e nas instituições até
então existentes, sendo necessárias novas formas
de organização da vida social.
Os artesãos tiveram que se adaptar, pois o
seu produto não era mais competitivo tanto pelo
trabalho manual despendido quanto pelo tem-
po usado na produção. Dessa forma, todo o país
se modificou, reunindo a população, até então,
predominantemente rural, em grandes cidades
no entorno das indústrias. Nessa realidade, mui-
tos tiveram suas formas habituais de vida, radi-
calmente alteradas tanto pela necessidade de se
mudar para a cidade quanto pelas rígidas regras
de trabalho impostas, inclusive, às crianças.
Com isso, podemos imaginar o quanto essas
cidades cresceram, demograficamente, e muito
rápido. Este crescimento não foi acompanhado
por uma estrutura adequada de moradia e saúde,
11
UNIDADE 1

o que tornou o cenário propício para que as cidades industriais passassem a abrigar
altos índices de suicídio, alcoolismo, criminalidade, violência, surtos de epidemia etc.
Nos anos seguintes, registraram-se os efeitos desta realidade em manifestações
de revolta dos trabalhadores, como a destruição de máquinas, atos de sabotagem e
a organização destes operários em associações que enfrentavam os proprietários
dos instrumentos de trabalho em busca de melhores condições de vida.
Em toda essa efervescência de mudanças e rearranjos, a sociedade passou a ser
um problema que precisava ser investigado e analisado. E estas digressões começa-
ram a ser feitas por pessoas que desejavam modificar essa realidade caótica. Estas
pessoas já estavam fazendo sociologia, ainda que este termo não fosse empregado.
Outra circunstância que engrossou o caldo para o surgimento da sociologia foi
a mudança que ocorria nas formas de pensamento. Com as mudanças econômicas
ocorridas, desde o século XVI, a visão sobrenatural para explicar os fenômenos
foi dando lugar ao uso da racionalidade. O desenvolvimento de métodos de ob-
servação da natureza fez com que os seres humanos pudessem, cada vez mais,
dominá-la e controlá-la. Desse modo, o pensamento filosófico e científico pôde se
aprimorar e abrir espaço para o uso da razão, em oposição ao controle teológico.
Nessa perspectiva, no século XVIII, destacam-se os pensadores franceses,
chamados iluministas. Estes se ocuparam em atacar os fundamentos da socie-
dade feudal em busca de uma transformação da sociedade. Em suas análises, os
iluministas indicavam que as instituições existentes iam contra a natureza de
liberdade e igualdade presente nas pessoas, e, por isso, reivindicavam a liberação
do indivíduo de todos os laços sociais tradicionais.
Munida desta perspectiva é que a burguesia toma o poder, na França, em
1798, o que ficou conhecido como Revolução Francesa. A partir daí, desenrola-se
uma grande mudança de regime, que impactou, também, o modo de organização
da sociedade francesa. Toda essa mudança foi objeto de estudos de muitos pen-
sadores, que questionaram cada vez mais a ordem e a racionalização.
Dessa forma, a sociologia surge com interesses práticos, de propor soluções
para os problemas da industrialização e suas consequências, para analisar e discu-
tir sobre a “ordem social”. Uma série de pensadores cedeu ao mundo suas digres-
sões usadas na formação do saber sociológico, desse modo, não há um criador a
quem se endereça a criação dessa ciência, mas, sim, um conjunto destes. Dentre
estes, destacamos o filósofo Auguste Comte.
12
UNICESUMAR
Auguste Comte foi um filósofo francês
que viveu entre 1798 e 1857. O autor de-
senvolveu a teoria positivista, que consi-
dera a ideia de que o conhecimento verda-
deiro é dado por meio da experimentação
e do aferimento científico. Dessa forma,
o que autor chamava de física social (que
agora chamamos de sociologia) deveria
orientar-se em direção ao conhecimento
das leis imutáveis da vida social. Segundo
as palavras de Comte, na obra “Conceitos
Gerais e Surgimento da Sociologia”:


Entendo por física social a ciência que tem por objeto próprio o
estudo dos fenômenos sociais, segundo o mesmo espírito com que
são considerados os fenômenos astronômicos, físicos, químicos e
fisiológicos, isto é, submetidos a leis invariáveis, cuja descoberta é
o objetivo de suas pesquisas. Assim, ela se propõe diretamente a
explicar, com a maior precisão possível, o grande fenômeno do de-
senvolvimento da espécie humana, visto em todas as suas partes
essenciais (COMTE, 1972, p. 86).

Desse modo, podemos compreender os motivos de Comte chamar essa nova


ciência de “física social”, já que ele expressava o desejo de construí-la aos moldes
das ciências naturais. Por sugerir este método e molde é que a criação da socio-
logia é, muitas vezes, atribuída ao positivismo de Comte, pois foi assim que esta
ciência começou a se oficializar.
O positivismo é uma corrente teórica que defendia a disciplina e a ordem como
fatores essenciais para o progresso social. Nesse sentido, a função do pensamento
social deveria ser a de orientar a indústria e a produção, acreditando que o progresso
econômico acabaria com os conflitos sociais e traria segurança para as pessoas. Des-
sa maneira, a ciência, para os autores dessa corrente, poderia desempenhar a mesma
função que a religião desempenhava no período feudal quanto à conservação social.
Com isso, compreendemos que a sociologia surgiu num momento de grande
expansão do capitalismo e efervescência de conflitos e lutas em que se envolviam
13
as classes sociais. Nesse cenário, um conjunto de pensadores faziam duras críticas
UNIDADE 1

à modernidade, urbanização, industrialização, ficando conhecidos como “Profe-


tas do passado”, pelo apego que mantinham com as instituições feudais, religiosas
e aristocráticas. Esses profetas estavam preocupados com a coesão social, a ordem
e os valores morais da tradição. Essas ideias influenciaram, também, a forma de
pensar dos pioneiros da sociologia, que estavam preocupados com a preservação
da nova ordem econômica e política.
Comte analisava que as ideias religiosas haviam perdido sua força na condu-
ção das pessoas e, por isso, não era mais suficiente para organizar a nova socie-
dade. Porém o autor também discordava dos iluministas, pois acreditava que a
propagação dessas ideias pela sociedade só traria mais desunião. Segundo Comte
(1972), era necessário restabelecer a ordem nas ideias e nos conhecimentos, a
partir de uma nova maneira de conhecer a realidade. Para tanto, o autor partia da
ciência e de seus avanços em diversas áreas e, principalmente, da visão positiva da
realidade, reforçando a necessidade de se analisar a sociedade usando os mesmos
métodos das demais ciências. Dessa forma, a sociologia deveria dedicar-se à busca
dos acontecimentos constantes e repetitivos da natureza.

conceituando

A escolha de Comte pela palavra “positiva” para qualificar sua filosofia tinha a intenção de
diferenciar da filosofia do século dezoito, que era negativa, ou seja, contestava as institui-
ções sociais que ameaçavam a liberdade das pessoas. Desse modo, sua filosofia positiva
não possuía caráter destrutivo, apenas de organizador da realidade.
Fonte: as autoras.

Auguste Comte formulou a lei dos três estados, que, segundo ele, rege o modo
de pensar da humanidade. Segundo essa lei, as concepções da história humana
passam por três fases: teológica, metafísica e positiva. O estado teológico seria
aquele em que as respostas para os fenômenos sociais e naturais são buscadas
no sobrenatural, na ação divina, ou seja, sem uso da racionalidade. O estado
metafísico seria um estágio de transição entre o estado teológico e o positivo,
em que o sobrenatural é substituído por forças abstratas personificadas. Desse
modo, a razão começa a se preparar para o exercício científico, mas ainda
não está solidificada. Portanto, o estado positivo é o estado científico cujos
fenômenos não são mais explicados de forma sobrenatural, mas, sim, pela
14
observação e atestação via método. Sendo assim, este seria o último estágio

UNICESUMAR
da evolução mental da razão humana.
Dessa forma, Comte fundava-se na “ordem” e no “progresso” como agentes
de atuação mútua na nova sociedade. Enquanto para ele, os iluministas se preo-
cupavam só com a ordem, os revolucionários somente com o progresso, insistia
na necessidade de uma ação mútua desses dois fatores.

explorando Ideias

Notou alguma familiaridade nestes con-


ceitos? Isso mesmo, é do positivismo de
Auguste Comte que veio a escrita “Ordem
e Progresso”, na bandeira do Brasil. Os
ideais positivistas de “evolução organiza-
da” impulsionaram a mudança de regime
ocorrida com a Proclamação da Repúbli-
ca e acabaram por ser homenageados na
nova bandeira nacional, que é a que co-
nhecemos hoje.

Nesse sentido, podemos concluir que o positivismo foi um movimento intelectual


e político que influenciou, fortemente, governos e, também, sistemas educacio-
nais, a exemplo da Reforma Educativa Brasileira, de 1891.
A Reforma Educativa de 1891 foi impulsionada por Benjamin Constant (1833
– 1891), chefe do Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos – órgão
que se ocupava com assuntos educacionais em nível nacional, na época , inspirado
em Comte, promoveu uma série de mudanças na tradição do currículo jesuítico.
Constant propôs substituir o ensino acadêmico por um conjunto mais amplo de
matérias, que incluíam disciplinas científicas, como proposto pelo positivismo.
A partir de então, uma série de pensadores se dedicaram cada vez mais a
compreender a sociedade e tecer constatações sobre esta, tendo em vista que
com o desenvolvimento da sociedade e do pensamento surgia, também, a ne-
cessidade de novas explicações e formulações. Como apresentamos até aqui, a
Sociologia é resultado das transformações sociais que vivemos entre os séculos
XVIII e XIX. A modernização e a industrialização da nossa sociedade trouxeram
muitas mudanças para a convivência social, suscitando questões relacionadas
às desigualdades sociais, que se tornaram determinantes para influenciar a ma-
15
neira com que as pessoas se relacionam, coletivamente. Em outras palavras, as
UNIDADE 1

relações sociais mudaram e, como consequência disso, a organização política e


a forma com que construímos significados sobre a vida em sociedade também
se modificaram. Para compreender estas mudanças, as ciências naturais e exatas
não seriam suficientes, portanto, sentiu-se a necessidade de criar uma ciência que
pensa a coletividade e sua forma de organização, uma Ciência Social.

2
SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA:
PRODUZINDO UM
OLHAR ORIENTADO
sobre a vida em sociedade

pensando juntos

O indivíduo só pode compreender sua própria experiência e avaliar o seu próprio destino
localizando-se dentro de seu período; só pode conhecer suas possibilidades na vida tor-
nando-se cônscio das possibilidades de todas as pessoas, nas mesmas circunstâncias que
ele. Sob muitos aspectos, é uma missão terrível, sob muitos outros, magnífica.
(Wright Mills)

Dizer que é preciso se tornar cônscio, lúcido das nossas próprias possibilidades
de vida e de quem nos cerca é a maneira encontrada pelo Sociólogo Wright
Mills (1975) para nos provocar a olhar o mundo a nossa volta e compreendê-lo
16
para além do que já nos acostumamos como preestabelecido, desenvolvendo

UNICESUMAR
nossas próprias percepções e, o mais importante, localizando-se dentro de uma
sociedade que possui a ordem e a estrutura que precisam ser reveladas a quem
vive sob suas influências.
Considerando o papel social da Sociologia de construir concepções sobre a
forma como funcionamos e nos organizamos, coletivamente, Wright Mills (1975)
diria-nos que nos tornar conscientes da sociedade em que vivemos é o passo
inicial para que nós e todos que estão à nossa volta compreendamos melhor a
própria experiência neste mundo. Por esse motivo é que toda essa contextuali-
zação histórica do surgimento da Sociologia como conhecimento científico é
essencial, pois, a partir desse movimento, entendemos como as Ciências Sociais
se relacionam com a realidade cotidiana.
É preciso ter em mente, portanto, assim como discutimos na seção anterior,
que a modernidade modificou a maneira como nos relacionamos no nosso dia
a dia, deixamos de ser donos do nosso próprio trabalho e passamos a vendê-lo
para os donos das fábricas, trocamos os comandados de reis e rainhas, a monar-
quia, por uma organização política em que a maior parcela da população possui
direito de escolha e influência. O que conhecemos hoje como estado democráti-
co, diminui-se a importância dos conhecimentos de senso comum, aqueles que
aprendemos com a experiência, ou que ouvimos de familiares e vizinhos, lendas
e crendices populares, em favor da ciência, que tomou um lugar de destaque e de
razão absoluta. Todas essas mudanças proporcionaram nova maneira de pensar
e agir, coletivamente, pois a vida em sociedade já havia se transformado.
O desemprego, a fome, os problemas da vida urbana, como a falta de habita-
ção para todos(as), são novas questões, a própria urbanização e o surgimento das
cidades tornam-se novidade. E a pergunta que insistia em rodear os pensamentos
de quem vivia esse momento de grandes transformações sociais era: Como po-
demos explicar todos esses acontecimentos? As Ciências Sociais seriam, então,
uma possível resposta ou, pelo menos, um campo científico que poderia indicar
bons caminhos para se lidar com todas essas situações.
Cabe evidenciar que há maior destaque para a Sociologia, pois, como apre-
sentamos no tópico anterior, foi esta disciplina que inaugurou os estudos sobre
as questões sociais, tendo como seu pioneiro Auguste Comte e sua ciência posi-
tivista. Mas como é possível perceber na nossa vivência cotidiana, muitos temas
estão presentes na estrutura de uma sociedade, e entre esses temas estão a cultura
e a política, dimensões que são tratadas, respectivamente, pela Antropologia e a
17
Ciência Política, campos científicos que desenvolveram teorias e técnicas espe-
UNIDADE 1

cíficas para tratar destas temáticas. Para que você, caro(a) aluno(a), compreenda
melhor estas subdivisões das Ciências Sociais, trataremos, brevemente, sobre
cada uma de suas áreas.
“A Sociologia é o estudo da vida e do comportamento social, sobretudo em
relação a sistemas sociais, como eles funcionam, como mudam, as consequências
que produzem e sua relação complexa com a vida” (JOHNSON, 1997, p. 217). A
Sociologia é uma ciência que analisa nossas relações interpessoais: família, relacio-
namentos, grupos sociais e nossas relações com a vida pública: escola, trabalho, re-
ligião, estado, justiça, entre outros meios sociais com que convivemos, diariamente.
Já a Antropologia, definida, essencialmente, como o estudo da humanidade,
concentrou-se, inicialmente, em investigar sociedades primitivas, com organiza-
ção simples, restritas a ilhas e localizações distantes, que tiveram pouco contato
com sociedades ocidentais, e que por serem “qualificadas como ‘simples’, em con-
sequência, elas irão permitir a compreensão, como numa situação de laboratório,
da organização ‘complexa’ de nossas próprias sociedades” (LAPLANTINE, 2003,
p. 8). Desse modo, o estudo antropológico se concentra no entendimento da
racionalidade humana em sua coletividade, como a humanidade produz signifi-
cados e simbolismos, ou seja, o que é cultura e como ela se constrói. O olhar an-
tropológico mostra-nos que, ao conhecer o outro, sociedades distintas da nossa,
conhecemos a nossa própria realidade.
Quanto à Ciência Política, podemos compreendê-la, mais amplamente, como
o conjunto de “estudos sobre os fenômenos e as estruturas políticas, conduzido
sistematicamente e com rigor, apoiado num amplo e cuidadoso exame dos fatos
expostos com argumentos racionais” (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO,
1998, p. 164). O que isso significa? Estudar os fenômenos e estruturas políticas é
verificar tendências de comportamento político, determinados grupos tendem a
se identificar com quais posições políticas? Realizar uma leitura orientada sobre
dados eleitorais, fazer pesquisas de intenção de votos, mapear as ações do estado,
ou avaliar políticas públicas. Este é o âmbito das Ciências Sociais que investiga
nossas ações com relação às instâncias de poder, às estruturas políticas do estado
e suas instituições.
Com essa breve explicação sobre as três áreas das Ciências Sociais, é possível
diagnosticar que não há uma divisão bem clara entre uma área e outra, todos os
temas se entrelaçam. Isso é muito construtivo para a consolidação das Ciências
Sociais como campo de estudos, pois possibilita a produção de um conhecimen-
18
to científico comprometido com a realidade social que, por sua vez, é diversa e

UNICESUMAR
dinâmica e, por isso, não pode ser lida por meio de uma única perspectiva.
Como o próprio nome dessa disciplina nos diz, nesta seção, daremos mais
ênfase à Sociologia e à Antropologia por entender que estes campos científicos
proporcionam instrumentos de leitura da realidade social muito profícuos a pro-
fissionais da educação, que são pessoas que estão em contato diário com questões
emergentes da nossa organização social, além de considerar a grande influência
que essas duas disciplinas possuem sobre a construção de teorias educacionais,
tema que trataremos com mais profundidade nos capítulos seguintes.
Então, quer dizer que a Ciência Política
é um campo de estudos dispensável para se
pensar a educação? De maneira alguma, lem-
bra de quando dissemos que todas as áreas
de estudo das Ciências Sociais estão, de certa
maneira, interligadas? Pois é, embora a Ciên-
cia Política não seja o nosso foco principal,
ela fará parte de nossas discussões, dado que
não há como discutir educação sem tocar em
questões políticas, as próprias diretrizes curri-
culares, as legislações e o sistema educacional
que fazem parte das estruturas políticas. No
entanto esta dimensão macroestrutural não é
o principal ponto nesta disciplina, o que nos
interessa, no momento, é discutir como utili-
zar as Ciências Sociais como ferramenta para
atuação prática na política educacional.
A produção de conhecimento socio-
lógico e antropológico, especificamente,
fornecem suporte teórico e metodológico
à implementação de políticas educacionais
à prática docente e à organização pedagógi-
ca, e é esse contexto que buscamos abordar
nesta unidade. Sob esta perspectiva, você,
caro(a) leitor(a), poderia nos questionar:
Como, afinal, a Sociologia e a Antropolo-
gia contribuem para a produção deste olhar
19
orientado sobre a vida em sociedade? Ou melhor, o que significa esse olhar orien-
UNIDADE 1

tado? Bom, a nossa proposta, aqui, é demonstrar como é possível fazer do conhe-
cimento sociológico e antropológico uma ação e fornecer conhecimento básico
sobre este campo de estudos, uma das formas de proporcionar meios para que
você possa realizar interpretações conscientes sobre a realidade em que vive.
São estas interpretações conscientes sobre a realidade que chamamos de olhar
orientado pela Sociologia e a Antropologia, que se caracteriza por uma análise
atenta ao contexto social em que estamos inseridos.
Assim como afirma Florestan Fernandes (FERNANDES apud FORACHI;
MARTINS, 2008), o modo de agir, a capacidade de decisão e o julgamento depen-
dem do grau de consciência dos indivíduos sobre as ações dos outros ou os efeitos
das possíveis alterações da estrutura e do funcionamento das instituições. Desse
modo, compreender as relações estabelecidas em seu entorno e possuir o enten-
dimento sobre como as instituições sociais e as estruturas políticas desenvolvem
interferências sobre a nossa vida cotidiana são conhecimentos que proporcionam
mais capacidade de ação efetiva na sociedade e fazem com que um profissional da
educação, por exemplo, se depare com problemas sociais e possa interpretá-los de
maneira consciente e, por meio de sua análise, tomar decisões fundamentadas.
Nosso objetivo é, portanto, nos distanciar do senso comum, dessas leituras
preestabelecidas que temos sobre o mundo em que vivemos e que estão a salvo
de questionamento, pois temos a plena certeza de que estão corretas por expe-
riência. O senso comum pode ser traduzido em frases, como: “sempre pensei
dessa forma” ou “eu sempre fiz assim porque é o certo a se fazer”, porém, frases
como essas são acompanhadas de ações pouco avaliadas em que o contexto
social é desconsiderado.
Com toda certeza, nossa experiência pode e deve orientar nossas ações, afi-
nal, é no convívio cotidiano que aprendemos muito sobre como nos relacionar,
socialmente. No entanto há questões em que a experiência não pode dizer por
si mesma a maneira de agir mais conveniente, pois não vivemos em todos os
meios sociais existentes e, muito menos, passamos por todas as situações que
viver nessa sociedade pode nos proporcionar, o que significa que não podemos
ter conhecimento sobre tudo apenas por experiência prévia.
Citamos como exemplo a seguinte situação: uma professora possui anos de
experiência no ensino privado cuja ênfase do trabalho está no preparo para ves-

20
tibulares e avaliações seletivas. Essa professora é aprovada em um concurso da

UNICESUMAR
rede pública e planeja replicar seu método de ensino no novo local de trabalho.
Ao assumir suas turmas em um bairro periférico, percebe que há uma série de
defasagens no processo de aprendizagem e entende que isso é resultado da falta de
esforço dos alunos(as). Então, a professora decide que é preciso ser mais rígida e
cobrar mais empenho dos(as) alunos(as), e o resultado não foi satisfatório. Depois
de um tempo maior convivendo com as turmas, após trocar experiências com
outros(as) professores(as) de sua área, receber orientações da equipe pedagógica
e ao conhecer, realmente, a realidade do colégio em que trabalhava, a professora
compreendeu, aos poucos, que a dificuldade de aprendizado dos alunos era con-
sequência de fatores externos ao empenho de cada um. Assim, decide rever a sua
metodologia de ensino para se adequar à linguagem cotidiana dos(as) discentes,
e a nova metodologia surtiu melhor efeito.
Percebe que a professora precisou realizar uma análise mais aprofundada
sobre a realidade de seu público-alvo? Se esse momento de análise de contexto
fosse ignorado, e a professora insistisse em replicar o método de ensino que uti-
lizava na rede privada na rede pública, a grande possibilidade é que o processo
de ensino e aprendizagem fosse um fracasso, durante todo o ano letivo.
Realizar análises sociais é um exercício que aprendemos com os estudos das
Ciências Sociais, e utilizar este conhecimento como meio de lidar com situações
como a citada anteriormente é extremamente importante para a atuação no meio
educacional. Segundo Florestan Fernandes, esse exercício é um elemento típico
dos estudos sobre a sociedade:


Visto que as Ciências Sociais exige de nós, como requisito essencial,
um estado de espírito que permite entender a vida em sociedade
como estando submetida a uma ordem, produzida pelo próprio
concurso das condições, fatores e produtos da vida social (FER-
NANDES apud FORACHI; MARTINS, 2008, p. 10-11).

Dessa forma, entende-se que compreender qual é a ordem estabelecida e como


ela funciona é essencial para que possamos agir de maneira acertada com relação
às questões que podem surgir durante a nossa atuação profissional.

21
UNIDADE 1

pensando juntos

Toma-se Auguste Comte como referência. Suas indagações correspondiam a questões


que não poderiam ser formuladas e respondidas no âmbito do conhecimento do senso
comum ou da filosofia pré-científica: O que é ordem social? Como ela se constitui? Como
ela se mantém? Como ela se transforma? Em outras palavras, com o aparecimento da
Sociologia não só se amplia o sistema das ciências, como se descobrem meios intelectuais
plenamente adequados às necessidades de desenvolvimento criador ou construtivo dos
modos secularizados de perceber e de explicar o mundo.
( Florestan Fernandes)

O destaque nesta perspectiva do sociólogo Florestan Fernandes (2008) dá-se na


capacidade das Ciências Sociais de construir concepções de mundo e maneiras
de interpretar a realidade. Considerando esta possibilidade que essa ciência no
trás, cabe a nós exercitar o desprendimento das nossas concepções de mundo
que já estão cristalizadas e preestabelecidas, as de senso comum e construir novas
formas de compreender a vida em sociedade.
Para que esse exercício seja possível, será preciso relembrar Wright Mills
(1975). O sociólogo aponta que o processo de conscientização só é possível quan-
do nos disponibilizamos a avaliar a própria experiência. Parece contraditório
dizer isso neste momento, pois não deveríamos deixar de lado o senso comum e o
conhecimento adquirido por experiência? Em parte sim, principalmente quanto
a pré-noções, aquelas que não são questionadas, cotidianamente, e são apenas
reproduções inconscientes. Porém a experiência diz respeito, também, a como
nos relacionamos com o mundo em que vivemos.
Retomemos o caso da professora, por experiência, ela tinha plena certeza de
que o método de ensino que foi, comprovadamente, funcional na rede privada, era
efetivo, mas, ao tentar replicar os mesmos métodos na rede pública, percebe que o
resultado não foi o mesmo. A experiência de anos de ensino na rede privada diria
que seu método é que estava correto, portanto, o problema estava na participação
dos(as) estudantes que não se empenhavam o suficiente nos estudos. Contudo a
sua pré-concepção de que um bom método de ensino poderia ser aplicado com
igual resultado em qualquer realidade a impediu de ter bons resultados. Para re-
verter esta situação, foi necessário realizar uma avaliação detida sobre a situação.
Tendo em vista ocasiões como a dessa professora, é possível perceber que avaliar
a própria experiência no sentido que provoca Wright Mills (1975) é ponderar deci-
22
sões e agir de maneira consciente. Para aquela professora avaliar a própria experiên-

UNICESUMAR
cia, seria preciso admitir que lecionar para jovens de grupos privilegiados é ensinar
pessoas que possuem mais intimidade com o conhecimento formal, pois possuem
mais acesso à informação e a materiais de ensino de mais qualidade, se comparadas
a jovens da rede pública que, junto ao seu histórico escolar, possuem uma série de
questões sociais com que precisam lidar, muitas delas intensificadas pela sua condição
de classe social e pelas desigualdades sociais que vivenciam, diariamente.
Para Mills (1975), este movimento de avaliar a própria experiência, ponderar
decisões e agir de maneira consciente, considerando os contextos sociais, chama-
-se imaginação sociológica, termo criado pelo autor para conceituar o exercício
de questionamento sobre a realidade social. Segundo o sociólogo, para exercitar a
imaginação sociológica, é necessário realizar um conjunto de três séries de questões:


1) Qual a estrutura dessa sociedade como um todo? Quais seus
componentes essenciais, e como se correlacionam? Como difere
de outras variedades de ordem social? Dentro dela, qual o sentido
de qualquer característica particular para a sua continuação e para
a sua transformação?

2) Qual a posição dessa sociedade na história humana? Qual a


mecânica que a faz modificar-se? Qual é seu lugar no desenvol-
vimento da humanidade como um todo, e que sentido tem para
esse desenvolvimento? Como qualquer característica particular que
examinemos afeta o período histórico em que existe, e como é por
ele afetada? Como difere de outros períodos? Quais seus processos
característicos de fazer a história?

3) Que variedades de homens predominam nessa sociedade e nesse


período? E que variedades irão predominar? De que formas são
selecionadas, formadas, liberadas e reprimidas, tornadas sensíveis
ou impermeáveis? Que tipos de “natureza humana” se revelam na
conduta e caráter que observamos nessa sociedade, nesse período?
E qual é o sentido que para a “natureza humana” tem cada uma das
características da sociedade que examinamos? (MILLS, 1975, p. 13).

Ufa! Quantas questões não é mesmo? Mas calma, o intuito não é responder com-
pletamente cada uma dessas questões, o que desejamos é provocar reflexão. Após
a leitura de todos esses questionamentos, você se sentiu incentivado a pensar
23
melhor sobre o mundo em que vive? Ou, até mesmo, buscou responder algumas
UNIDADE 1

dessas questões? E aquelas perguntas com que você se sentiu inábil para respon-
dê-las, provocaram curiosidade sobre suas possíveis respostas? É esse exercício de
instigar curiosidades sobre o mundo a nossa volta que buscamos realizar, e é por
isso que destacamos, na íntegra, esse conjunto de questões propostas por Mills
(1975), para que compreendam o movimento de questionamento à realidade que
Cientistas Sociais utilizam para investigar a vida em sociedade.
A imaginação sociológica, no entanto, não é uma exclusividade de pesquisa-
dores, ela é possível para todas as pessoas que se dispõem a desenvolver a razão
a fim de perceber, com lucidez, o que está ocorrendo no mundo e o que pode
estar acontecendo dentro de si mesmo (MILLS, 1975). Isso significa que imaginar,
sociologicamente, é interpretar os acontecimentos sociais e ter o discernimento
sobre como eles influenciam suas próprias decisões, e essa capacidade de inter-
pretação é possível para todas as pessoas.
Se restringirmos as nossas respostas a cada uma daquela série de questões
a um tema central, o sistema capitalista e suas relações econômicas, percebere-
mos que cada questão e sua respectiva resposta revelam instâncias da vida em
sociedade que podemos sentir em nossa vida cotidiana. Sintetizando de uma
maneira muito simplória as possíveis respostas a todo este conjunto de ques-
tões propostas por Mills (1975), podemos dizer que vivemos em uma sociedade
que passou por um processo de industrialização, o que transformou a maneira
de produzir e constituiu o sistema capitalista. As consequências disso em nosso
dia a dia podem ser vistas em nossas relações de trabalho, no acesso desigual a
direitos básicos. A simplificação é sintomática nos exercícios que realizamos nas
ciências sociais pois, nossos modelos sempre serão simplificações grosseiras da
realidade (FONSECA, 1999) pela simples impossibilidade de descrever em sua
totalidade a realidade social.
É notável, quando analisamos o público em geral da educação pública, por
exemplo, que possui pouco poder econômico, o que é determinante para muitos
comportamentos, principalmente, no processo de ensino-aprendizagem. No caso da
professora que citamos anteriormente, muitos diriam que aluno é aluno, não importa
de onde é e como é, mas a prática pedagógica demonstra que a realidade possui uma
lógica diferente. Isso nos mostra que não é possível planejar uma atuação profissional
efetiva se não analisarmos todas as condições de vida de nossos(as) estudantes.
Embora todas aquelas três questões sejam reveladoras, em muitos sentidos,
uma dimensão específica foi deixada de lado, propositalmente. Como a nossa
24
organização social difere de outras variedades de ordem social? Essa pergunta

UNICESUMAR
está na primeira série de questões proposta por Wright Mills (1975) e revela uma
preocupação do autor, que é recorrente a muitos outros autores(as) das Ciências
Sociais: quais são as nossas aproximações e nossos distanciamentos com relação
a outras sociedades? O que o conhecimento sobre outras estruturas sociais pode
revelar sobre a nossa própria organização? A intenção de tratar dessa dimensão de
maneira mais aprofundada, separadamente, diz respeito a qual campo de estudos
esses questionamentos reflete mais força, a Antropologia, outra área das Ciências
Sociais que nos ajudará a orientar o nosso olhar sobre a realidade em que vivemos.
Vamos pensar a educação como um processo de comunicação, que, geralmen-
te, se constitui, também, como um processo de orientação. Para se comunicar, é
necessário ter domínio da língua do outro, saber expressões, se fazer compreensí-
vel. Então, imagine você, como podemos desenvolver esses conhecimentos de lin-
guagem? Concordamos que conhecer o terreno onde estamos nos comunicando
é essencial, certo? Logo, conhecer com quem buscamos conversar é, igualmente,
importante. É nesse sentido que a antropologia nos ajuda na atuação educativa:
“o sucesso do contato educativo depende do diálogo estabelecido entre o agente
e seu interlocutor, e é nessa área de comunicação que o método etnográfico atua”
(FONSECA, 1998, p. 59). Etnográfico? O que é isso? Calma.
O método etnográfico, mais conhecido como etnografia, “é uma explicação
descritiva da vida social e da cultura de um dado sistema social, baseado na ob-
servação detalhada do que as pessoas de fato fazem” (JOHNSON, 1997, p. 101).
Essa é uma metodologia criada por antropólogos para investigar sociedades não
ocidentais. Com a riqueza de detalhes que esta técnica proporciona, é possível
realizar análises aprofundadas sobre a organização e o funcionamento das mais
variadas sociedades.
Ressaltamos, veementemente, que esta tradição da antropologia de estudar
sociedades não ocidentais foi inicial. É importante destacar que essa característica
de formação da disciplina construiu um modo de conhecimento característico,
apoiado na riqueza de detalhes e na construção de percepções sobre o outro.
No entanto de acordo com o que afirma Laplantine (2003, p. 12), “se o campo
de investigação da antropologia consistisse, apenas, no estudo das sociedades
preservadas do contato com o Ocidente, ela se encontraria hoje sem objeto”.
Ao se reinventar e expandir seu campo de pesquisa às configurações de nossa
própria sociedade, a antropologia contribuiu para que as Ciências Sociais de-
senvolvessem uma postura de investigação mediada pela observação direta e
25
interação lenta e contínua com pequenos grupos humanos. Este posicionamento
UNIDADE 1

metodológico, representado pelo olhar etnográfico, “além de ser um instrumento


importante para a compreensão intelectual de nosso mundo, também pode ter
uma utilidade prática” (FONSECA, 1998, p. 59) por proporcionar o entendimento
da diversidade de vivências humanas.
Em contexto escolar, conhecer o método de pesquisa da antropologia, a et-
nografia, possibilita a compreensão das diferenças entre os comunicadores no
processo de ensino-aprendizagem, professor(a) e aluno(a). Para isso, é preciso
realizar um movimento crucial: tornar familiar o que é estranho e tornar estranho
o que nos é familiar (FONSECA, 1998). Isso é o que chamamos na antropologia
de estranhamento, esta postura motiva-nos a conhecer histórias, maneiras de
agir e pensar, que são novas para nós, as quais não temos explicações prévias, ou
problematizar situações que parecem possuir soluções evidentes, mas que, com
uma análise detida, se mostram de difícil resolução.
Por um lado deve haver um movimento de aproximação a ser realizado de
maneira cautelosa e atenta, para que todos os novos elementos sejam mapeados
e conhecidos. De outro lado, quando se trata do que nos é familiar, o movimento
deve ser inverso, um desprendimento de conhecimentos prévios e a busca por
maneiras imprevistas de se olhar e compreender uma situação.

26
A atitude de estranhamento mostra-nos que nada é inato, todas as ações e

UNICESUMAR
comportamentos são escolhas culturais, além disso, permite-nos descobrir que:
aquilo que tomávamos por natural em nós mesmos é, de fato, cultural; aquilo que
era evidente é infinitamente problemático (LAPLANTINE, 2003). Esse termo
é muito utilizado na antropologia, e ele só é possível em razão do contexto de
surgimento da disciplina. Contudo o estranhamento é uma das etapas do mé-
todo etnográfico, que, segundo a antropóloga Cláudia Fonseca (2003), pode se
desdobrar em cinco: “1) Estranhamento; 2) Esquematização; 3) Desconstrução;
4) Comparação e 5) Sistematização do material em modelos alternativos” (FON-
SECA, 1998, p. 66). Abordaremos cada uma dessas fases buscando exemplificar
com uma situação do dia a dia da escola.
Imagine que você é coordenador(a) pedagógico(a) de uma escola e recebe
reclamações de professores das mais diversas áreas sobre o comportamento de
um aluno. As reclamações retratam atitudes de agitamento durante as aulas e
posturas inconvenientes em momentos inoportunos. Alguns dos(as) docentes,
ao tratar sobre o aluno, logo indicam que aquele seria um caso de indisciplina e
desrespeito à autoridade e, por isso, o aluno deveria ser tratado com rigor e com
as punições devidas. Porém, ao ouvir, atentamente, todos os relatos, você percebeu
que existiam indícios de que aquele comportamento possuía outra explicação,
menos óbvia, dado que os(as) professores(as) relataram que era caracte-
rístico daquele aluno a falta de concentração em uma única atividade,
a fácil distração com elementos externos e atrasos no cumprimento de
suas tarefas em comparação aos seus colegas. Percebendo essa situação,
você, prontamente, buscou mais informações sobre o aluno, conversou,
pessoalmente, com ele, consultou outros profissionais sobre a situação e,
então, contatou a família para que um laudo médico fosse feito, pois tudo
indicava que havia um fator inexplicado que seria determinante para o mau
comportamento daquele aluno. A família acatou o pedido e, como resultado
da avaliação médica, o aluno foi diagnosticado com hiperatividade, um
transtorno neurológico cujas características são: desatenção, agitação e
impulsividade, entre outros comportamentos que poderiam ser, facil-
mente, confundidos com pura indisciplina e desobediência. O problema,
claramente, não poderia ser resolvido apenas com a constatação do qua-
dro médico do aluno, ainda seria necessária uma boa orientação de modo
a propor mudanças na abordagem pedagógica em sala de aula.

27
Perceba que, nesta situação, foi preciso ativar uma postura de estranhamento
UNIDADE 1

com relação às informações que recebeu, assim, houve a necessidade de se refuta-


rem as explicações de fácil acesso e analisar a situação com mais afinco. Isso só foi
possível, por meio de uma esquematização, um mapeamento das informações que
chegaram até você, que, por sua vez, precisaram ser desconstruídas e vistas, por
meio de uma nova lente, repensada e analisada, mais detidamente, de acordo com
uma nova hipótese, seguido de análise comparativa ao desenvolvimento comum
de outros(as) estudantes. Todo este caminho percorrido foi necessário para se
compreender que a situação do aluno era, de fato, uma questão de hiperatividade
e não poderia ser lida de maneira tão óbvia como indisciplina.
Constata-se que, de alguma maneira, todos os passos do método etnográfico
foram utilizados nesta situação hipotética, e quanto à última etapa, sistematização
do material em modelo alternativo, está aqui, no relato desse caso, que serve como
referencial para que se possa analisar situações semelhantes.

conecte-se

Uma maneira interessante de sistematizar e referenciar as situações que


enfrentamos no dia a dia escolar é a leitura de publicações acadêmicas. Ex-
perimente acessar a coletânea de estudos de caso, organizada pelo Departa-
mento de Educação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC
Minas). Nesta coleção, há uma série de situações que precisaram contar com
uma análise detida do contexto de cada discente.
Fonte: as autoras.

Embora tenhamos traduzido o método etnográfico de maneira prática e apro-


ximada ao cotidiano, “a etnografia não é tão aberta, pois faz parte das Ciências
Sociais e precisa de enquadramento (político e histórico) do comportamento
humano” (FONSECA, 1998, p. 62). Esta objetividade de centrar um método es-
pecífico para investigar as maneiras de ser e agir da humanidade em suas diversas
expressões culturais é uma das principais características da Antropologia.

28
A disciplina foi criada após o movimento intelectual do século XVIII que

UNICESUMAR
tornou a humanidade objeto de estudo científico, tomando o lugar da natureza,
porém replicando métodos e técnicas de pesquisa das ciências naturais. Esse é
o movimento responsável pelo surgimento do Positivismo de Auguste Comte,
citado no início desta unidade. A antropologia, seguindo esse fluxo de mudan-
ças no pensamento social, surge com um objeto e um método de investigação
específicos: “as sociedades então ditas “primitivas”, ou seja, exteriores às áreas de
civilização européias ou norte-americanas (LAPLANTINE, 2003, p. 7 - 8).
O encontro com sociedades que possuem formas de organização social com
lógicas tão distintas da nossa proporciona às Ciências Humanas como um todo
um novo olhar científico, que só foi possível, por meio da história de formação
da antropologia como disciplina e sua imersão em sociedades não-ocidentais.
Ao possibilitar o entendimento de outras culturas, o debate antropológico
permite notar, com a maior proximidade possível, que as formas de compor-
tamento e de vida em sociedade que tomávamos todos, espontaneamente, por
“inatas (nossas maneiras de andar, dormir, nos encontrar, nos emocionar, come-
morar os eventos de nossa existência...) são, na realidade, o produto de escolhas
culturais” (LAPLANTINE, 2003, p. 13). Este contexto possibilitou a criação do
termo estranhamento sobre o qual discutimos anteriormente.
O saber antropológico é, portanto, o conhecimento do plural, da diversidade
de escolhas que a humanidade possui. Por meio dessa característica da disciplina,
o campo de estudos da educação se motivou a adotar posicionamentos teóricos,
também plurais, que consideram a diversidade de vivências que compartilham
o espaço escolar.
Em um âmbito geral, a Sociologia e a Antropologia contribuem para que
os(as) profissionais da educação construam uma atuação profissional contex-
tualizada, considerando os diversos âmbitos da vida em sociedade, economia,
cultura e política, como elementos determinantes e formadores de seres sociais.
Orientar o nosso olhar por meio da Sociologia e a Antropologia é essencial para
que a prática na política educacional tenha a análise social como norteadora de
suas ações e, por meio disso, possa contextualizar histórias individuais. Em sín-
tese, a reflexão que os olhares que essas duas ciências constroem trabalham com
uma lente multifuncional, que não isola a individualidade de sua origem social.

29
3
AS CIÊNCIAS SOCIAIS
UNIDADE 1

E AS DIRETRIZES
NACIONAIS DA
educação básica

Buscamos mostrar, na seção anterior, que as Ciências Sociais, como um campo de


estudos mais amplo, proporciona, por meio do estudo científico, a produção de um
olhar mais orientado sobre a realidade em que vivemos. A sociologia colabora para
que sejamos mais curiosos e atentos com relação às explicações sobre como nos
organizamos, coletivamente, e a antropologia revela que existem inúmeros signifi-
cados para as maneiras de agir, ser e pensar da humanidade, assim como há diversas
possibilidades de se estabelecer a convivência social. Essa capacidade de produzir
percepções sobre o mundo pode ocasionar um lugar de privilégio a esta ciência
na articulação de políticas educacionais, e é sobre este tema que trata esta seção.
Segundo do Artigo 205, da Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988 (BRASIL, 1988, on-line):


A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando
ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício
da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Vista como direito social básico, a educação possuía um papel central no processo
de redemocratização do estado brasileiro. No final do século XX, a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394/1996), que institui a necessidade
de orientar os currículos dos sistemas e redes de ensino brasileiras de maneira
30
uniforme, para que se possa garantir o direito de educação a todos, de maneira

UNICESUMAR
igualitária e formativa, foi um importante passo para alcançar esse objetivo de uma
educação para o exercício da cidadania e qualificação para o mercado de trabalho.
O texto da LDB serviu de amparo para a consolidação da Base Nacional
Comum Curricular (BNCC), que é como se chama o documento que foi desen-
volvido para estabelecer competências, habilidades e conhecimentos a serem
desenvolvidas nos estudantes brasileiros. O que se destaca no processo de cons-
trução das políticas curriculares no Brasil é que ele se deu em um contexto de
configuração de nossa Democracia e de disputa de pautas políticas, que versam
sobre o direito à aprendizagem e ao desenvolvimento da população brasileira
(SILVA; NETO; VICENTE, 2015).
A BNCC, assim como os principais documentos que norteiam o sistema edu-
cacional brasileiro, reconhece que a educação tem um compromisso com “a for-
mação e o desenvolvimento humano global, em suas dimensões intelectual, física,
afetiva, social, ética, moral e simbólica” (BNCC, 2018, p. 16). Isso significa que a
consolidação das diretrizes curriculares do estado brasileiro segue, em grande
medida, os propósitos de desenvolvimento social que foi tão cara ao surgimento
da Sociologia, e como consequência, as Ciências Sociais de forma mais abrangen-
te. Essa relação pode ser vista, principalmente, no Brasil, quando relacionamos à
consolidação das investigações sobre educação e das Ciências Sociais.
Segundo Henriques (1998), o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Edu-
cacionais Anísio Teixeira (INEP) teve um importante papel na formação de um
campo de estudos da educação como uma ciência. Entre as décadas de 50 e
60, Anísio Teixeira, o então diretor do INEP, firmou parcerias com instituições,
como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO), para lançar programas de pesquisa no âmbito educacional. Nesse
momento, o INEP enfatizava o objetivo de “aplicar a pesquisa sociológica à po-
lítica educacional, dentro de uma perspectiva de uso das Ciências Sociais para
a solução dos problemas da educação no Brasil” (HENRIQUES, 1998, p. 83).
Caro(a) aluno(a), você se lembra de que pontuamos, na primeira seção, que o
movimento positivista, aquele criado por Auguste Comte, o precursor da Socio-
logia, influenciou o poder político do Brasil República, contribuindo na reforma
educativa de 1891? Qual era mesmo o intuito do positivismo? Conhecer a ordem
da sociedade para estabelecer o progresso social, certo? Vejamos, aqui, mais um
momento em que a Sociologia é utilizada para buscar o avanço social por meio
do conhecimento científico. A postura do INEP, autarquia que, durante o Jusce-
31
lino Kubitschek (JK), manteve-se sob a direção de Anísio Teixeira, fomentava
UNIDADE 1

pesquisas educacionais, tinha como objetivo explorar os resultados de pesquisas


das ciências sociais sobre a temática para ajustar o sistema educacional às condi-
ções existentes e às exigências do desenvolvimento econômico, social e cultural
das diversas regiões do nosso país (HENRIQUES, 1998, p. 83). Dessa maneira, o
projeto desenvolvimentista de “50 anos em 5” de JK estaria mais próximo.
Esse contexto de fomento à consolidação da educação como campo cientí-
fico deu-se junto da estruturação das Ciências Sociais no Brasil. Percebe-se esse
movimento ao constatar que grandes pesquisadores da área desenvolveram pes-
quisas junto ao Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), Florestan
Fernandes é um deles (HENRIQUES, 1998).
Perceba que buscar o apoio do olhar científico das ciências sociais foi, nes-
se contexto de fortalecimento das pesquisas educacionais, primordial para as
organizações que estavam à frente deste movimento. Os propósitos do uso de
uma ciência como a Sociologia para se pensar as políticas educacionais são es-
tratégicos para as estruturas de poder se pensamos no seu uso de uma maneira
positivista, avaliando a vida em sociedade para estabelecer formas de regulação
social. Em contrapartida, quando a relação entre a educação e as Ciências Sociais
é promovida a fim de estabelecer vínculos democráticos, veremos a construção
de estratégias que culminam em iniciativas, como a criação da BNCC, que possui
valores democráticos e inclusivos.

32
CONSIDERAÇÕES FINAIS

UNICESUMAR
Estimado(a) aluno(a), nesta unidade, percebemos como as Ciências Sociais, des-
de seu surgimento com a corrente positivista, estiveram, intimamente, ligadas
com a questão da educação e da busca por conhecimento. Além disso, pudemos
conhecer um pouco mais sobre a área da sociologia e da antropologia, produ-
zindo reflexões sobre a sociedade e suas instituições.
A necessidade de produzir conhecimento sobre o mundo acompanha a hu-
manidade desde o seu surgimento, e as mudanças nos modos de produção e nas
formas de governo impactam, diretamente, na organização da sociedade e no
modo como levamos a vida.
Desse modo, essas mudanças geram impacto também na forma como a escola
se organiza, como a educação é manipulada pela sociedade e como podemos
interpretar esses novos modelos de socialização. Assim, pudemos compreender
que a sociologia e a antropologia influenciam à educação e ao mesmo tempo são
por ela impactada, fazendo com que os modelos de análise e observação sejam
constantemente repensados.
O olhar orientado, que a Sociologia e a Antropologia buscam desenvolver,
auxiliam, portanto, nas interpretações conscientes sobre a realidade com atenção
ao contexto social em que estamos inseridos. Dessa forma, estas áreas contribuem
para que os(as) profissionais da educação construam uma atuação profissional
contextualizada, ou seja, considerem os diversos âmbitos da vida em sociedade
como elementos determinantes e formadores de seres sociais. Assim, estas inter-
pretações conscientes são essenciais para a prática na política educacional e au-
xiliam na construção de uma sociedade mais justa, por meio de suas ferramentas
de compreensão da realidade.
Nas próximas unidades, vamos nos aprofundar ainda mais nestes campos
do conhecimento. Esperamos que você tenha um bom caminho com as teorias
sociais e antropológicas.

33
na prática

1. “[...] o desenvolvimento do sistema das ciências se tem processado sob o influxo de


duas ordens e fatores. Uma, de natureza especificamente positivo-racional, ligada
com as exigências da própria marcha das investigações científicas. Outra, de natu-
reza ultracientífica, constituída pelo conjunto de necessidades práticas (econômicas,
culturais e sociais), que podem ou precisam ser satisfeitas, de modo direto ou indi-
reto, mediante a descoberta ou a utilização de conhecimentos científicos. Algumas
disciplinas como Química, emergiram graças à concorrência de fatores das duas
ordens. Outras, como a Sociologia, nasceram da conjugação dos efeitos das crises
sociais com os da revolução da mentalidade, produzida pelo advento do pensamento
científico” (FERNANDES, 2008, p. 10).

FERNANDES, F. A herança intelectual da sociologia. In: FORACHI, M. M.; MARTINS, J. de


S. Sociologia e Sociedade: leituras de introdução à sociologia. Rio de Janeiro: LTC, 2008.

A partir da leitura do excerto, analise as afirmativas:

I - Apenas os avanços no pensamento científico devem ser considerados quando


se trata do desenvolvimento das ciências na modernidade. Fatores de natureza
ultracientífica, que possuem relação com a economia, a cultura e o contexto
social, não influencia sob o advento científico.
II - O campo de estudos das ciências naturais, representado pela Química, é tão
influenciado por fatores sociais quanto a Sociologia, assim como, também, se
desenvolveram em razão dos avanços do pensamento positivo-racional.
III - O autor desconsidera que o surgimento das ciências possa estar relacionado a
condições sociais, econômicas e culturais.
IV - A Sociologia é uma ciência que emerge das transformações sociais, dessa ma-
neira, os efeitos das crises sociais são determinantes para o surgimento desta
disciplina.

É correto o que se afirma em:

a) IV apenas.
b) I e III apenas.
c) I e IV apenas.
d) II e IV apenas.
e) I, II, III e IV.
34
na prática

2. “O Positivismo influenciou, de maneira considerável, a sociedade, nos séculos XIX


e XX. Tendo em vista que a Educação é uma atividade social, também foi marcada
por esta influência. Nas escolas, a influência do positivismo se fez sentir com força,
devido à influência da Psicologia e da Sociologia, ciências auxiliares da Educação. O
positivismo esteve presente de forma marcante no ideário das escolas e na luta a
favor do ensino leigo das ciências e contra a escola tradicional humanista religiosa.
O currículo multidisciplinar – fragmentado – é fruto da influência positivista” (ISKAN-
DAR; LEAL, 2002, p. 89).

ISKANDAR, J. I.; LEAL, M. R. Sobre positivismo e educação. Revista Diálogo Educacional,


Curitiba, v. 3, n. 7, p. 89-94, 2002.

Com base no texto apresentado e nos conhecimentos adquiridos, avalie as afirma-


ções a seguir:
I - O positivismo defendia a ideia de que o ensino nas escolas devia seguir as tra-
dições religiosas e os preceitos da fé cristã.
II - Segundo o positivismo, o progresso social seria alcançado, por meio da disciplina
e da ordem.
III - Os pensadores positivistas, que, posteriormente, ficaram conhecidos como fun-
dadores da sociologia, acreditavam que a ciência deveria substituir a religião na
função de elemento de conservação social.
IV - A corrente positivista foi criada a partir de um projeto que buscava mudanças na
educação, porém suas ideias foram rechaçadas, e não houve aplicação prática.

As afirmações I, II, III e IV são respectivamente:

a) V, V, F, F.
b) F, V, V, F.
c) V, F, V, F.
d) F, F, F, V.
e) V, F, V, V.

3. “A reflexão do homem sobre o homem e sua sociedade, e a elaboração de um saber


são, portanto, tão antigos quanto a humanidade, e se deram tanto na Ásia como na
África, na América, na Oceania ou na Europa. Mas o projeto de fundar uma ciência do

35
na prática

homem – uma antropologia – e, ao contrário, muito recente. De fato, apenas no final


do século XVIII é que começa a se constituir um saber científico (ou pretensamente
científico) que toma o homem como objeto de conhecimento, e não mais a natureza;
apenas nessa época é que o espírito científico pensa, pela primeira vez, em aplicar
ao próprio homem os métodos até então utilizados na área física ou da biologia”.

LAPLANTINE, F. Introdução: o campo e a abordagem antropológicos. In: LAPLAN-


TINE, F. Aprender Antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2003.

Considerando a leitura do texto apresentado e seus conhecimentos sobre o surgi-


mento da Sociologia e Antropologia, considere as afirmações a seguir:

I - Tanto na Ásia como na África, na América, na Oceania ou na Europa, desde o


século XVIII, os conhecimentos sobre o funcionamento da sociedade são dis-
pensáveis.
II - O pensamento antropológico permite conhecer e aceitar a diversidade cultural
e, por meio do conhecimento das culturas, construir um olhar atento sobre a
realidade social em que vivemos.
III - O conhecimento sociológico é um possibilitador para que a humanidade conhe-
ça melhor a si própria e suas construções coletivas.
IV - A Antropologia, assim como a Sociologia, faz parte do movimento na ciência
que deixa de lado as explicações sobre a humanidade, por meio exclusivo dos
fenômenos naturais. A vida humana, com suas características sociais, políticas
e culturais tornam-se objeto científico.
V - Não há aplicabilidade prática dos fundamentos teóricos da Sociologia e Antro-
pologia na educação.

É correto o que se afirma em:

a) I, II e III, apenas.
b) I, II, III e IV, apenas.
c) II, III e IV, apenas.
d) II, III, IV e V, apenas.
e) I, II, III, IV e V.

36
na prática

4. Anísio Teixeira (1971) via o sistema educacional como um reflexo da vida social do
país. Para ele, as transformações da sociedade eram essenciais às modificações
pretendidas para a educação brasileira, desde o início do século XX. A experiência
educacional e a vida em coletividade deveriam interagir de modo real para que todos
os talentos individuais fossem valorizados.

BORTOLOTI, K. F. da S. Anísio Teixeira e as Ciências Sociais. Revista História e Cul-


tura, v. 3, n.3, p. 135-154, dez. 2014.

Considerando a relação das ciências Sociais com a educação, indique a alternativa


correta.

a) Não é possível associar as pesquisas sobre educação às Ciências Sociais.


b) A experiência educacional e a vida coletiva em sociedade não possuem relação
direta.
c) Anísio Teixeira acreditava que era preciso dissociar a educação das Ciências
Sociais.
d) Anísio Teixeira foi um importante articulador da política educacional no Brasil,
responsável pela consolidação da educação como uma ciência. Ele acreditava
que experiência educacional deve considerar a vida coletiva em sociedade.
e) Determinar políticas educacionais com base na realidade social só desvaloriza
os talentos individuais.

5. Antonio Paim afirma algo que muito importa ao conhecimento pleno da instau-
ração do sistema republicano no Brasil: — A influência política do comtismo,
é fenômeno posterior à República. E cita José Veríssimo, para quem muitas das
ideias cuja paternidade os positivistas “a posteriori” reclamaram, faziam parte
do acervo comum aos espíritos liberais da época em que surgiram. Tais, por
exemplo, as idéias relativas ao casamento civil, à separação Igreja-Estado,
à federação e ao regime presidencial.

LIMA FILHO, A. V. O positivismo e a República. Revista da Faculdade de Direito,


Universidade de São Paulo, n. 99. p. 3-33, 2004.

Com base no excerto apresentado e seus conhecimentos sobre a corrente positivis-


ta, contextualize a influência do positivismo na Proclamação da República brasileira.

37
aprimore-se

Se, na experiência de minha formação, que deve ser permanente, começo por aceitar
que o formador é o sujeito em relação a quem me considero o objeto por ele formado,
me considero como um paciente que recebe os conhecimentos-conteúdos-acumula-
dos pelo sujeito que sabe e são a mim transferidos. Nesta forma de compreender e
de viver o processo formador, eu, objeto agora, terei a possibilidade, amanhã, de me
tornar o falso sujeito da “formação” do futuro objeto de meu ato formador.
É preciso que, pelo contrário, desde os começos do processo, vá ficando cada
vez mais claro que, embora diferentes entre si, quem forma se forma e re-forma ao
formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado. É neste sentido que
ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos nem formar é ação pela qual um
sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado. Não há
docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças
que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina
aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Quem ensina ensina al-
guma coisa a alguém. Por isso é que, do ponto de vista gramatical, o verbo ensinar
é um verbo transitivo-relativo. Verbo que pede um objeto direto - alguma coisa - e
um objeto indireto - a alguém. Do ponto de vista democrático em que me situo, mas
também do ponto de vista da radicalidade metafísica em que me coloco e de que
decorre minha compreensão do homem e da mulher como seres históricos e inaca-
bados e sobre que se funda a minha inteligência do processo de conhecer, ensinar é
algo mais que um verbo transitivo-relativo. Ensinar inexiste sem aprender e vice-ver-
sa e foi aprendendo socialmente que, historicamente, mulheres e homens descobri-
ram que era possível ensinar. Foi assim, socialmente aprendendo, que ao longo dos
tempos mulheres e homens perceberam que era possível - depois, preciso - traba-
lhar maneiras, caminhos, métodos de ensinar. Aprender precedeu ensinar ou, em
outras palavras, ensinar se diluía na experiência realmente fundante de aprender.
Não temo dizer que inexiste validade do ensino de que não resulta um aprendizado
em que o aprendiz não se tornou capaz de recriar ou de refazer o ensinado, em que
o ensinado que não foi apreendido não pode realmente aprendido pelo aprendiz
Fonte: Freire (2019, p. 24-25).

38
eu recomendo!

livro

Antropologia para quem não vai ser Antropólogo


Autor: Rafael José Dos Santos
Editora: Tomo Editorial
Sinopse: neste livro, o autor introduz a Antropologia para aque-
les que não se interessam em se tornar profissionais da área,
mas que possuem a curiosidade de conhecer a disciplina e suas reflexões sobre
a cultura e suas construções humanas. Com uma linguagem acessível, sem pecar
com a simplificação das questões complexas do debate antropológico, Rafael José
Dos Santos apresenta-nos os principais elementos da Antropologia.

livro

O que é Sociologia?
Autor: Carlos Benedito Martins
Editora: Brasiliense
Sinopse: o título faz parte da Coleção Primeiros Passos da edito-
ra Brasiliense, o selo possui o objetivo de introduzir importantes
temas das ciências humanas. Escrito por Carlos Benedito Martins, este livro con-
vida-nos a compreender como os diferentes posicionamentos teóricos da Socio-
logia podem ser compreendidos, debatendo a dimensão política dessa ciência
quanto à sua relação com a sociedade.

filme

O menino e o mundo
Ano: 2014
Sinopse: em busca do pai, um menino deixa a sua casa em uma
comunidade distante e se aventura pelo mundo descobrindo
uma sociedade dominada por máquinas-bichos e seres estra-
nhos. A história toca-nos por se tratar de uma animação que retrata as questões
do mundo moderno pelo olhar de uma criança. Por meio de cores e sons muito
vivos, a história sensibiliza o nosso olhar sobre a relação, muitas vezes, custosa da
humanidade com o mundo do trabalho e a lógica de produção capitalista.

39
2
TEORIAS
SOCIOLÓGICAS COMO
INSTRUMENTOS
para a educação

PROFESSORAS
Me. Daiany Cris Silva
Me. Milena Cristina Belançon

PLANO DE ESTUDO
A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: • A educação enquanto fato social
• A racionalização dos processos pedagógicos • Pensando a educação na sociedade de classes.

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
• Compreender a concepção de sociedade para Émile Durkheim, a partir da visão do autor sobre a
educação e a importância dos processos educativos na socialização dos indivíduos, tratando a escola
enquanto instituição privilegiada de inserção do indivíduo no espaço público • Entender a concepção
de sociedade para Max Weber e sua teoria em relação à burocratização da educação moderna, assim
como seus ideais da relação entre educação e democracia. Com isso, compreender também a “neutra-
lidade” do professor para Weber • Analisar a concepção de sociedade para Karl Marx, compreendendo
sua teoria sobre tópicos importantes para a educação, como, estratificação social, o papel da educação
na construção da hegemonia e os limites da educação na sociedade capitalista.
INTRODUÇÃO

Prezado(a) estudante, na unidade anterior, tivemos um primeiro contato


com as Ciências Sociais, conhecendo um pouco do surgimento da socio-
logia, a sua divisão posterior em antropologia, ciência política e sociolo-
gia. Tivemos contato, também, com a teoria positivista, tomando ciência
de seu principal autor, Auguste Comte. Nesta unidade, portanto, daremos
continuidade na busca pelo conhecimento das teorias sociológicas, desta-
cando seus principais autores e enfatizando as contribuições destes para a
educação. Tendo em vista que o objeto da Sociologia é a sociedade, temas,
como a educação, a escola, os alunos, a prática docente estão contidos nas
teorias que aqui estudaremos.
Dividimos esta unidade em três tópicos e, em cada um deles, aborda-
remos as teorias e as concepções de três autores que são conhecidos como
clássicos da Sociologia, ganhando, inclusive, o apelido de “três porquinhos”,
são eles: Émile Durkheim, e a teoria do fato social; Max Weber, e sua vi-
são sobre a burocracia e racionalidade; e Karl Marx, que desenvolveu seu
método crítico ao capitalismo e à sociedade de classes. Estes autores se
destacaram por construírem teorias acerca da sociedade moderna que sur-
gia com o advento das novas formas de produção e o momento histórico
da sociedade, deixando um legado de conhecimento que movimenta as
Ciências Sociais até hoje.
Muitos estudiosos buscam deduzir da teoria social dos clássicos da
sociologia elementos para pensar o processo educativo, e é isso que bus-
caremos fazer nesta unidade. Compete a nós, agora, explorar conceitos e
concepções que nos auxiliarão a entender ainda mais a relação entre so-
ciologia e educação, pontuando sempre a necessidade de se levar em conta
o contexto macro social e político. Bons estudos! Esperamos que seja uma
boa jornada, vamos lá!
1
A EDUCAÇÃO ENQUANTO
UNIDADE 2

FATO SOCIAL

Estimado(a) estudante, nesta seção, trabalharemos com a perspectiva de Émile


Durkheim (1858-1917) sobre a sociedade e a educação. Dessa forma, buscaremos
desenhar uma breve biografia do autor para entender o contexto e o local de onde
partiam suas análises e teorias.
Émile Durkheim nasceu na Alsácia, França, em 1858. Suas obras mais conhe-
cidas são “O Suicídio”,“As regras do método sociológico” e “Da divisão do trabalho
social”. Durkheim é conhecido como fundador da Sociologia Moderna, e, assim
como Auguste Comte, fazia parte da corrente positivista.
Émile Durkheim presenciou o nascimento
da Terceira República da França, que aconteceu
em 1875, após acirradas lutas entre republica-
nos e monarquistas. Nesse contexto, a expansão
do capitalismo industrial choca-se com uma
tomada de consciência cada vez mais aguda das
classes operárias, que passaram a se organizar
de forma mais intensa. Ainda jovem, Durkheim
decidiu seguir a carreira de professor e, a par-
tir de então, passou a dedicar-se com avidez a
explorar de que forma poderia contribuir com
o futuro da sociedade por meio da educação. Fonte: Wikimedia (2017, on-line).
42
Uma das teorias mais conhecidas de Durkheim, e que conheceremos, mais

UNICESUMAR
detidamente, nesta unidade, diz respeito ao fato social. Para o autor, os seres hu-
manos defrontam-se com regras e costumes na vida social que não foram criados
por ele, mas, ainda assim, devem seguir para que a vida coletiva tenha sucesso.
Dessa forma, o autor buscava analisar o fato social como “coisas”, à semelhança
dos fenômenos naturais, que são independentes das consciências individuais.
Os fatos sociais, portanto, seria aquele conjunto de regras que seguimos mes-
mo que não estejam descritas em lugar nenhum, que já existem antes de nascer-
mos e que continuarão a existir depois que morrermos. Você, aluno(a), já se per-
guntou por que nos sentamos para assistir aulas presenciais? Por que a disposição
da sala de aula é sempre a mesma, com o professor à frente, e os(as) alunos(as)
dispostos em filas e fileiras? A disposição dos locais de cada um em uma sala de
aula, portanto, seria um fato social. Porém, não é qualquer “coisa” que pode ser
considerada um fato social, pois existem alguns requisitos a cumprir, são eles:
1. Coercitividade: diz respeito à força que os fatos sociais exercem sobre
os membros de uma sociedade. Dessa forma, as pessoas são impelidas a cum-
prir normas e regras sociais, independentemente, de sua vontade, e, caso não
cumprirem, estão sujeitas a punições legais ou não (espontâneas). Entendemos
por punições legais aquelas que estão descritas em códigos de leis, portanto, diz
respeito aos crimes e às demais infrações que podem ser modificadas, mas não
individualmente, já que as leis são formuladas e debatidas por muitas pessoas e
passadas de geração em geração. Por outro lado, as sanções que não são legais,
chamadas espontâneas, não estão descritas em documentos, dizem respeito mais
aos costumes e hábitos de uma sociedade e, nesse tipo de situação, as sanções são
aplicadas pelas demais pessoas. Por exemplo, se durante uma aula presencial to-
dos os alunos estão sentados, e apenas um deles se mantém em pé, sem nenhum
motivo aparente, causará estranhamento e questionamento por parte dos outros
colegas sobre aquele comportamento.
2. Generalidade: diz respeito à repetição dos atos, constantemente, entre
os indivíduos de uma sociedade. Dessa forma, o fato social torna-se comum e
coletivo. É comum em nossa sociedade que as aulas sejam ministradas da forma
que estamos analisando, se você for a uma escola no Rio Grande do Sul ou no
Acre, será encontrado o mesmo formato.
3. Exterioridade: trata de como o indivíduo absorve os valores, as regras e as
normas da sociedade em que está inserido, independentemente de sua vontade.
Ou seja, o indivíduo não é consultado se quer, ou não, cumprir aqueles costumes,
43
mas é impelido a cumpri-los. Por exemplo, desde a sua primeira ida à escola, o
UNIDADE 2

aluno já se depara com a distribuição de carteiras e deve ocupar uma delas. Certas
dinâmicas podem alterar esse formato, porém sabemos que o comum e a “regra”
é a organização clássica da sala de aula, e o aluno não é consultado sobre isso,
apenas deve escolher o seu lugar.

Conhecemos, portanto, as três características principais que Durkheim asso-


ciou ao fato social. E você sabe qual foi um dos exemplos abordados pelo autor
para tratar desse tema? A educação. Isso porque, para Durkheim, a educação
desempenha um papel muito importante por transmitir essa série de regras de
comportamento social. Dessa forma, o autor dividia a educação em dois tipos,
a informal, que seria aquela transmitida pela família, em casa, e a formal, obtida
na prática escolar.
A partir do contexto das transformações sociais da Europa, o autor dedi-
cou-se a desenvolver a Ciência da Educação e, assim, ficou conhecido por ser o
primeiro a teorizar e escrever uma obra sobre a Sociologia da Educação. O autor
foi responsável, também, por incluir a disciplina “Sociologia da Educação” no
currículo acadêmico de formação de professores. A proximidade que Durkheim
notou entre a sociologia e a educação pode ser resumida no seguinte trecho:


Como a vida escolar não é senão o germe da vida social e como esta
não é senão o desenvolvimento daquela – os principais processos
pelos quais uma funciona devem ser encontrados na outra. Pode-se,
pois, esperar que a sociologia, ciência das instituições sociais, nos
auxilie a compreender melhor o que são as instituições pedagógi-
cas e a conjeturar o que devam ser elas, para melhor resultado do
próprio trabalho (FILLOUX, 2010, p. 85).

44
Assim, podemos notar como a educação e a sociedade andam juntos na concep-

UNICESUMAR
ção durkheimiana.
Para Durkheim, somos compostos de duas dimensões, uma individual, que
diz respeito apenas a nós mesmos e aos acontecimentos da nossa vida pessoal,
e outra coletiva, composta por um sistema de ideias, sentimentos e hábitos que
exprimem aquilo que aprendemos no grupo ao qual fazemos parte.

O objetivo da educação seria, portanto, constituir o ser social em cada um de


nós. A prova disso para o autor é a construção da civilização em detrimento da
constituição primitiva dos seres humanos:


Este ser social […] não se encontra já pronto na constituição primi-
tiva do homem [...] Foi a própria sociedade que, à medida que ia se
formando e se consolidando, tirou do seu seio estas grandes forças
morais […] Ao entrar na vida, a criança traz apenas a sua natureza
de indivíduo (DURKHEIM, 2011, p. 11).

Essa constatação,no entanto, que parece bastante óbvia para Durkheim, que ele
chega a chamar de “axioma fundamental”, foi bastante questionada. As críticas
feitas ao autor foram feitas por pensadores de uma corrente mais individualista,
que não consideravam o meio social e o contexto onde essa educação seria pro-
pagada. Estes questionam a teoria do autor, acusando-a de promover um apaga-
mento da individualidade, o que é, duramente, negado por seus seguidores, que
afirmam que a teoria de Durkheim mostra ser possível “individualizar sociali-
45
zando” (DURKHEIM, 2011, p. 15), ou seja, que a construção da individualidade
UNIDADE 2

se dê a partir da vida em interação social.

conceituando

Axioma é um termo usado na filosofia para indicar que uma premissa é, necessariamen-
te, evidente e verdadeira, ainda que indemonstrável, originada, segundo a tradição racio-
nalista, de princípios inatos da consciência ou, segundo os empiristas, de generalizações
da observação empírica.
Fonte: as autoras.

Durkheim explicita a retroalimentação entre a sociedade e a educação, e o papel


fundamental de uma e de outra em sua constituição, como no trecho a seguir:


A sociedade não somente eleva o tipo humano à dignidade de
modelo para o educador reproduzir, como também o constrói, e
o constrói de acordo com suas necessidades. […] O homem que a
educação deve realizar em nós não é o homem tal como a natureza o
criou, mas sim tal como a sociedade quer que ele seja (DURKHEIM,
2011, p. 107).

Émile Durkheim bebe, também, da fonte positivista, aquela corrente teórica em


que busca-se analisar a sociedade a partir do modelo das ciências naturais, ou
seja, da ideia de que o conhecimento verdadeiro é dado através da experimen-
tação e aferimento científico. Dessa forma, o autor aprofunda a necessidade de
refletir sobre um dado, uma realidade observável, o que ele chama de “coisa”.
Por isso, a educação para ele é uma dessas “coisas”, que carecem de observação,
descrição, análise e explicação.
Ao lecionar pedagogia, Durkheim apresentava um caráter bastante prático,
buscando responder às dificuldades práticas que o educador público encontrava
na França contemporânea. Nesse sentido, o autor deixou registrada na obra “O
ensino da moral na Escola Primária” um curso, em que define como tarefa moral
do professor Francês da época dar uma educação laica e racionalista a seus alunos.
A moral foi um tema importante para o autor justamente por abordar o que se
trata do bem e do dever, conceitos que estão, intimamente, ligados à sua visão da
educação enquanto parte fundamental do processo de socialização. A educação
46
moral desempenharia, assim, “o papel de iniciar a criança aos diversos deveres e

UNICESUMAR
de suscitar virtudes específicas” (DURKHEIM, 2011, p. 24), além de desenvolver a
aptidão geral à moralidade, ou seja, aos princípios do que o meio social considera
bem e dever dos indivíduos.
Uma vez que Durkheim acreditava na educação moral laica, ele buscava se-
parar a moral da religião e operacionalizá-la com uso da razão. Mesmo reco-
nhecendo que a religião exprime, em muitos casos, verdades, o autor aponta
que estas precisam ser reinterpretadas de forma racional e objetiva em vez de
simbólica. Desse modo, propunha que a análise moral tornasse-se sociológica.
Neste ínterim, o autor acreditava, também, que a ciência seria importante para a
formação do espírito de autonomia das crianças, ensinando a reconhecer o que
é fundamentado na natureza das coisas, o que é normal, modificável e os limites
da ação para melhorar essa natureza. Assim, todo ensino tem um destino moral
para Durkheim e, dessa forma, a educação teria um papel importante de ensinar
o que são as sociedades, como se formam e se transformam, o que exercem sobre
o indivíduo e o papel que o indivíduo desempenha nelas (DURKHEIM, 2011).
A obra de Émile Durkheim dedicou-se à educação na escola primária e, nesta
seara, pautou a noção do ensino em disciplinas que deveriam servir à constituição
do entendimento, conforme exposto no trecho a seguir:


Cada uma das disciplinas fundamentais implica uma filosofia latente,
ou seja, um sistema de noções cardeais, que resumem os aspectos
mais gerais das coisas, tais como nós as concebemos, e que coman-
dam a interpretação delas. É esta filosofia, fruto do trabalho acumu-
lado por gerações, que se deve transmitir à criança, pois ela constitui
o próprio esqueleto da inteligência (DURKHEIM, 2011, p. 34).

Em resumo, a educação forma o ser social, tendo por objetivo “substituir o ser
egoísta e associal que acaba de nascer por um outro capaz de levar uma vida moral e
social” (DURKHEIM, 2011, p. 55). Podemos expandir este conceito pensando nos
outros níveis de educação, que possuiriam, portanto, a capacidade para aprimorar
essa adaptação à vida em sociedade e conformá-la. Desse modo, a educação é vista
como a criadora de um novo ser, e é isso que diferencia a “educação” dos animais.
Enquanto estes apenas são treinados para facilitar o movimento das funções na-
turais, a educação humana é capaz de iniciar uma nova vida, nessa perspectiva.
Isso porque os animais vivem em sociedades simples, que funcionam com base
47
em instintos, enquanto os humanos vivem em sociedades complexas, em que a
UNIDADE 2

necessidade da vida social criou essa série de regras que precisam ser apreendidas.


Como já dizia Rousseau, para satisfazer às necessidades vitais, a sensa-
ção, a experiência e o instinto podiam bastar para o homem assim como
para o animal. Se o homem não tivesse sentido outras necessidades
além daquelas, bastante simples, cujas raízes provêm de sua constituição
individual, ele não teria corrido atrás da ciência; ainda mais que ela não
foi obtida sem laboriosos e dolorosos esforços. Ele só sentiu a sede do
saber quando a sociedade a provocou nele, e a sociedade só a provocou
quando ela mesma sentiu esta necessidade. Isto aconteceu quando a
vida social, sob todas as suas formas, tornou-se complexa demais para
poder funcionar de outra forma a não ser com base na reflexão, ou seja,
no pensamento iluminado pela ciência. A cultura científica se tornou
então indispensável, e é por isto que a sociedade a exige de seus mem-
bros e a impõe como um dever (DURKHEIM, 2011, p. 57).

Com isso podemos ver com mais clareza ainda como a educação é parte funda-
mental da compreensão da sociedade para Durkheim. Além disso, Durkheim
dedicou-se também à ciência da educação, nesse sentido, o autor diferencia a
educação da pedagogia.
Para o autor, a educação seria “a ação exercida nas crianças pelos pais e professo-
res” (DURKHEIM, 2011, p. 75), sendo ela constante e geral, já a pedagogia “consiste
não em ação, mas sim em teorias [que] explicitam as maneiras de conceber a edu-
cação, e não de praticá-la” (DURKHEIM, 2011, p. 75). Nesse sentido, o autor conclui
que a Pedagogia seria uma maneira de refletir sobre as questões relativas à educação.


[…] para poder acomodar com discernimento as práticas educativas
à variedade de casos particulares, é preciso saber quais são as suas
tendências, as razões dos diferentes processos que as compõem e os
efeitos que elas produzem em diferentes circunstâncias; em suma, é
preciso submetê-las à reflexão pedagógica (DURKHEIM, 2011, p. 89).

Portanto, Durkheim considerava a educação como formadora de valores impres-


cindíveis para o ser social cuja ação “garantiria a transmissão e a preservação do
arcabouço cultural produzido histórica e socialmente pelos humanos” (SOUZA;
CAMPOS, 2016, p. 19).
48
2
A RACIONALIZAÇÃO

UNICESUMAR
DOS PROCESSOS
PEDAGÓGICOS

Prezado(a) estudante, nesta seção, conheceremos as contribuições de Max We-


ber (1864-1920) para a compreensão da sociedade e da educação. Para tanto,
trazemos uma breve biografia do autor, conhecendo o contexto e o local de onde
partiam suas análises e teorias.
Max Weber foi um autor alemão,
que, além da profissão jurídica, es-
tudou filosofia, teologia, história,
economia e política. Com isso, ele é
considerado também um dos funda-
dores da Sociologia Clássica. Em sua
trajetória, o autor desenvolveu um
amplo conhecimento sobre as so-
ciedades e, particularmente, sobre as
religiões mundiais, concluindo que
a modernidade é caracterizada pela
racionalização da cultura e da socie-
dade. Como veremos, Weber cons-
truiu sua teoria sociológica com base
no sujeito, trabalhando o indivíduo
para o meio social, podendo ser um
49
transformador, tomando suas próprias decisões. Suas principais obras são “A ética
UNIDADE 2

protestante e o espírito do capitalismo” (1905) e “Economia e Sociedade” (1922).


Para entendermos a perspectiva de Weber, devemos primeiro conhecer o
contexto de sua formação, levando em conta que seu objetivo foi entender os ca-
minhos percorridos pela sociedade ocidental até o período moderno, na tentativa
de construir um conjunto de modelos teóricos que ajudariam na compreensão
de diversos aspectos sociais de sua época.
A Alemanha, país em que vivia o autor, surgiu, tardiamente, enquanto nação, tendo
em vista os demais países europeus.Weber acompanhou essa formação e evolução eco-
nômica do país com grande interesse. De partida, o autor passou a rejeitar o positivismo,
já que ele não era afeito a analisar particularidades individuais, mas sim a estrutura da
sociedade de forma geral. Para o autor, não era possível usar os métodos das ciências
naturais nas ciências sociais, já que nestas os acontecimentos são dependentes da pos-
tura e da própria ação do investigador, ao contrário das primeiras, que são bastante
independentes. Ou seja, para ele, importa o olhar que se dá para os acontecimentos,
que pode variar a depender do observador e de seus próprios valores.
O autor era adepto do método compreensivo, que busca entender o sentido
das ações de um indivíduo, e não apenas a aparência destas. Para isso, Weber fez
um esforço interpretativo do passado a fim de compreender mudanças posteriores.
Se, para os positivistas a ordem social sobrepõe-se aos indivíduos, Weber
apontava que as ações individuais, levando em conta os demais membros, é que
movem a sociedade. Portanto, seu método compreensivo levava em conta que o
comportamento social não é individual, e a sociedade é concebida pela soma de
suas relações interpessoais.
A perspectiva weberiana compreende, portanto, que cada indivíduo age levado
por uma razão ou motivo e, dessa forma, as regras sociais só se tornam regras ao
serem admitidas pelo membro de uma sociedade sob forma de motivação. Assim,
os valores seriam socializados e internalizados de formas diferentes, dependendo da
relação do indivíduo com o meio social. Em um mundo cada vez mais racional, com
escassez e os agentes sociais interessados em satisfazer suas necessidades, há uma
tensão implícita, não existem condições para que todos satisfaçam suas necessida-
des, por isso, a sociedade moderna para Weber é tensionada, racional e previsível.
E, justamente por isso, se faz necessária a internalização de normas de convivência.
Para compreender as relações sociais e a sociedade, Weber usou o conceito
ação social, que diz respeito às ações que os indivíduos exercem, orientando-se
pela ação dos outros. O autor acreditava que toda ação social do indivíduo teria
50 como princípio a liberdade.

A ação social pode ser orientada para as ações passadas, presentes

UNICESUMAR
ou futuras de outros. Assim, pode ser causada por sentimentos de
vingança de males do passado, defesa contra perigos do presente
ou contra ataques futuros. Os “outros” podem ser indivíduos co-
nhecidos ou desconhecidos, ou podem constituir uma quantidade
indefinida (WEBER, 2002, p. 37).

Esta ‘ação’ diria respeito a um comportamento compreensível, isto é, um compor-


tamento orientado por um sentido, ainda que não de forma consciente. Dessa
forma, tal comportamento estaria relacionado ao sentido subjetivo com refe-
rência ao comportamento dos outros, estando, portanto, co-determinado por
esta referência e, podendo ser explicado pela compreensão a partir deste sentido
mental (subjetivo) (RODRIGUES, 2001).

Ou seja, uma vez que pautamos nossa ação na racionalidade, esperamos que os demais
indivíduos também o façam. Portanto, a ação social tem como componente a expectativa
de que os outros deem determinado peso a certos valores e crenças, de que se comportem
de um modo regular etc., fundando, assim, as normas sociais.
A motivação dessa ação para Weber poderia ser dada pela tradição, pela emo-
ção ou por interesses racionais (que se dividem em relação a valores e em relação
a fins), da seguinte maneira:
■ A ação orientada pela tradição é aquela determinada por um costume ou
hábito. Ex: Ir à escola porque é o que se espera que todos façam.
■ A ação orientada pelo afeto diz respeito às emoções e aos sentimentos,
atuando de forma irracional. Exemplo: Ir à escola para encontrar os amigos. 51
■ A ação orientada por interesses racionais em relação a valores manifes-
UNIDADE 2

ta-se pela convicção consciente de um valor, daqueles familiares ou in-


corporados à nossa hierarquia. Ex: Ir à escola porque a família deposita
grande valor a este ato.
■ A ação orientada por interesses racionais em relação a fins é determina-
da pelo objetivo claro e direto, praticada como investimento e, portanto,
usando a razão para determinar um fim. Ex: Ir para escola com o objetivo
de ter uma qualificação e ganhar dinheiro.

Com estes simples exemplos podemos considerar que não optamos por apenas
um tipo de ação nas situações que vivemos, elas estão, constantemente, mistu-
radas. O que Weber buscou fazer em seus estudos foi isolar esses tipos para que
sirvam de referência em seu método.

Portanto, os “Tipos Ideais Puros” são parte fundamental da metodologia we-


beriana. Estes tipos ideais são entendidos como ponto a ser alcançado, não
baseado em um modelo de realidade, mas sim enxergado como um instru-
mento guia. É o ponto final de uma estrada que não acaba uma vez que o
conhecimento, já que é criado pelos seres humanos, sempre será parcial, in-
completo e tendo ao infinito.

52
O tipo ideal constitui uma metodologia para Weber, onde se faz uma constru-

UNICESUMAR
ção mental do aspecto que se observa, criando uma ideia de perfeição sobre ele,
que não será atingida. A partir disso, o autor propõe fazer uma comparação entre
este tipo ideal/perfeito e a realidade encontrada. É preciso pontuar que este tipo
‘ideal’ não quer dizer desejado uma vez que à medida que se descreve o quanto a
realidade se aproxima, ou se distancia do tipo ideal construído mentalmente, essa
realidade se apresenta a você e se revela em seu caráter mais complexo, assim, os
comportamentos vêm à luz revelando a racionalidade e a irracionalidade que os
tornou possíveis (RODRIGUES, 2001).
Além de levar em conta o comportamento dos outros para exercer as ações,
Weber lembra também que os indivíduos precisam lidar com as normas sociais.
Para o autor, essas normas advêm da própria ação dos indivíduos ao longo do
tempo, funcionando como uma espécie de condensação de expectativas recí-
procas, ou seja, são construídas a partir da própria experiência da vida em so-
ciedade. Por outro lado, as regras e normas também fazem com que seja mais
fácil prevermos as ações das outras pessoas, pois são guias do que se deve fazer.
Neste ínterim, Weber trata das associações, indicando como a mais abrangente
de todas o próprio Estado, onde, inclusive, a própria filiação não é voluntária.
Desse modo Weber pontua que as regras não dependem de mim ou de você
uma vez que já estavam criadas quando nascemos, porém lembra que estas são
como são por conta de outros indivíduos e o futuro delas depende também de
como esta é operacionalizada por nós e por todos os outros indivíduos da socie-
dade. Lembrando que não nos referimos aqui apenas às normas formais, como as
leis, mas a toda ação que praticamos em sociedade com base no que é esperado
por ela. Estas regras, para Weber, são construídas de forma racional, ou seja, com
fins específicos, e são distribuídas por um tipo de imposição.
A sociologia weberiana baseia-se na dominação, para isso, Weber discute
desde a dominação da natureza por meio da técnica – o trabalho. Com a do-
minação da natureza pelo Homem, aprendendo a controlar e entender o fogo,
por exemplo, perde-se a capacidade de representação daquilo que antes não era
controlado. Se antes o Homem explicava o fogo como um atributo de algum
Deus, depois que o dominou por meio da técnica, este se tornou uma reação
entre dióxido de carbono e a água.

53
UNIDADE 2

explorando Ideias

Para o autor, tudo o que o Homem moderno não consegue controlar, ou seja, racionalizar,
ou dominar, por meio de métodos para efetivar uma ação, leva-o à apatia e ao medo. O
Homem moderno emerge em meio a esta racionalização, não controla nem o princípio
nem do fim de sua vida, por isso, teme a morte – pois está fora de seu controle.
Fonte: as autoras.

Do mesmo modo, para Weber, a obediência às regras é garantida por meio do


processo de dominação e poder, em que o autor destaca três tipos:
■ Dominação Tradicional: para garantir a aceitação, baseia-se na tradição,
nos costumes e nos hábitos.
■ Dominação Carismática: a devoção é garantida pelo poder de um líder
que possui carisma.
■ Dominação Legal: é o caso das sociedades modernas cuja dominação é
mitigada por base legal, em leis, estatutos, regulamentações.

A dominação legal carece, portanto, de uma legislação racional, e nesse sentido Weber
enfatiza dois aspectos importantes da racionalização. O primeiro deles seria a cons-
tituição do Estado pautada no Direito Racional (dizendo respeito ao processo de ra-
cionalização da vida), e o outro a constituição da Administração Racional (embasada
no modelo burocrático). Estes aspectos demonstram a difusão dos fundamentos da
racionalidade nas sociedades modernas, que transformaram os modos informais e
tradicionais de dominação por instituições organizadas e legitimadas.
Dessa forma, acompanhando a racionalização da sociedade, a Educação para
Weber não abarca mais o intuito de uma formação integral, que buscava levar os in-
divíduos a compreenderem seu papel no contexto social. Nas sociedades modernas,
a Educação funciona como uma espécie de treinamento para habilitar o indivíduo
a realizar tarefas específicas em estratos sociais, buscando apenas privilégios sociais.
Para conceituar a educação, portanto, Weber baseia-se na razão como método.
Na visão do autor, tanto a escola como a família seriam responsáveis pela educação,
que possui um caráter socializador, responsável por formar indivíduos e manter a
ordem social, fornecendo a preparação necessária para o exercício de atividades
exigidas pelas mudanças ocasionadas pela racionalização social. Dessa maneira, o
autor possuía uma perspectiva bastante pessimista de que a educação não estava
formando o Homem, mas simplesmente preparando-o para desempenhar tarefas.
54
Weber constatou, portan-

UNICESUMAR
to, que os tipos de Educação
variam de acordo com o con-
texto da época e a forma de
dominação existente. Dessa
forma o autor via dois pólos
opostos no campo das finali-
dades educacionais, sendo um
deles com fins de despertar o
carisma, e o outro, transmitir
o conhecimento especializado
(WEBER, 1982). Despertar o
carisma, para Weber, referia-se ao ascetismo mágico e aos heróis, e não a pes-
soas comuns. Já o tipo de finalidade preocupado em transmitir conhecimentos
especializados, Weber chamou de pedagogia do treinamento cujo objetivo seria
preparar o indivíduo para tarefas.
Como Weber acompanhou a formação dos Estados nacionais e a ascensão
do modelo capitalista, ele pode concluir que educar, na forma da racionalização,
tornou-se essencial para o Estado e para o capitalismo, uma vez que foi necessário
se respaldar no Direito nacional e na burocracia, fornecendo profissionais espe-
cializados para que as empresas capitalistas, pudessem cumprir o seu fundamento
de lucrar. Segundo o autor, portanto, o capitalismo moderno e o Estado foram
responsáveis por conceber o Homem racional, um Homem desencantado do
mundo, que não se guiaria mais pelos desígnios de Deus e de imperadores, mas
se orienta pela lei e pela razão. Tal desencantamento ocorreu, portanto, pelo des-
vencilhamento de costumes e crenças baseados em tradições herdadas ou apren-
didas que se apoiavam nos pilares fixos das religiões ou da magia, uma vez que as
explicações e questionamentos passaram a basear-se nos fundamentos da razão.
Weber constatou que “os títulos educacionais representam ‘prestígio social’
e são usados quase sempre como proveito econômico” (WEBER, 1982, p. 278).
Assim, a Educação auxilia na formação de uma classe privilegiada, por vantagens
econômicas e também sociais. Essa Educação racionalizada funcionaria, então,
como mecanismo de ascensão social e de consecução de status pessoal, e, assim,
tornou-se um amontoado de “conteúdos direcionados para a qualificação de pes-
soas que demonstrassem reais possibilidades de gerenciar o Estado, as empresas
e a política, de maneira ‘racional’” (SILVA; AMORIM, 2012, p. 104).
55
UNIDADE 2

explorando Ideias

“[…] o desencantamento do mundo envolve a substituição de uma visão mágica do mun-


do, substituindo a visão de um mundo guiado por forças misteriosas para uma distinta
representação da realidade. É o que ilustra sua primeira aparição na Consideração Inter-
mediária: ‘A tensão entre a religião e o conhecimento intelectual destaca-se com clareza
sempre que o conhecimento racional, empírico, funcionou coerentemente através do de-
sencantamento do mundo e sua transformação num mecanismo causal’ (WEBER, 1982,
p. 401). Atente-se, neste trecho, para a expressão “mecanismo casual”. Ela nos aponta,
diretamente, para o leitmotiv da tese weberiana: na visão de mundo proposta pela ciên-
cia, forças mágicas ou mesmo o sentido último da realidade (metafísica) são substituídos
por uma interpretação que se limita a descrever a dinâmica causal e contingente que rege
a relação entre os fenômenos”.
Fonte: adaptado de Sell (2012).

Em textos sobre a educação na universidade, por exemplo, o autor comparou


o modelo chinês e o americano, destacando o quanto o modelo americano
caminhava para uma educação em que os princípios administrativos se so-
brepunham aos princípios pedagógicos, o que ele chamou de pedagogia do
treinamento. Sua crítica se pautava na busca por títulos e qualificação formal,
que, segundo ele, seriam geradas por tal burocratização. Já os chineses, man-
tinham o que Weber chamou de pedagogia do cultivo, pois era centrada no
conhecimento clássico, em literatura e artes.
Weber tinha uma ampla abordagem da educação, pensando para além da
escola e dos pais e considerando também a educação religiosa, a educação caris-

56
mática, a educação filosófica, a educação literária, a educação política e a educa-

UNICESUMAR
ção especializada, além, é claro, da educação nos espaços formais. Na sociedade
burocratizada, a dominação exercida pela escola e pelos pais não se basta apenas
ao conteúdo formal, segundo Weber, estendendo-se também para outros meios,
compondo a formação do caráter dos indivíduos/alunos. É por isso que o autor
expressa sua crítica ao capitalismo, por ver que tudo se foi reduzido à busca por
riqueza material e ascensão social. Neste ínterim a educação funcionaria como
um meio de manutenção de uma situação de dominação.
Weber criticava esses processos de racionalização, por ver que estes apri-
sionam os indivíduos em processos técnicos sofisticados, mas com o fim em si
mesmos, fazendo que com o tempo os indivíduos se tornassem máquinas cen-
tradas em sua própria reprodução. Este processo foi notado pelo autor em várias
instituições sociais, entre elas as escolas e os processos pedagógicos.
Em Weber observa-se que a pedagogia do treinamento é imposta pela racio-
nalização da vida, com a finalidade de criar diversas possibilidades de desenvol-
vimento de competências e habilidades para a obtenção de poder e dinheiro. A
racionalização, segundo o autor, é implacável e impossível de ser vencida bem
como a Educação especializada e a lógica do treinamento. Weber é conhecido
pelo seu pessimismo ao afirmar que esse cenário representa o fim da possibilidade
de desenvolver o talento do ser humano.
Segundo Weber, a racionalização da educação tem propósito de restringir a
oferta de pessoal para determinadas ocupações, como vemos no trecho abaixo:


Quando ouvimos, de todos os lados, a exigência de uma adoção
de currículos regulares e exames especiais, a razão disso é, decerto,
não uma ‘sede de educação’, surgida subitamente, mas o desejo de
restringir a oferta dessas posições e sua monopolização pelos donos
dos títulos educacionais (WEBER, 1982, p. 232).

Por produzir esse grupo privilegiado, a racionalização entra em contradição com


a democracia. Desse modo, Weber aponta a existência de certa ambiguidade en-
tre democracia e burocracia, uma vez que a burocracia carece do treinamento
especializado, porém, a limitação das oportunidades torna esta antidemocrática.
Sobre a prática professoral, Weber foi defensor da neutralidade. Partindo
de uma análise sobre o pesquisador da sociedade, o autor sugere que os estudos
sejam feitos de forma sistemática e de modo que suas conclusões possam ser
57
aceitas ou refutadas considerado apenas o método empregado na análise. Em
UNIDADE 2

continuidade, Weber demonstra que não há, em matéria política e de convivên-


cia social, um ponto de vista privilegiado que pudesse justificar a superioridade
do professor em relação aos alunos. Portanto, o autor sugere que ao falar para
seus alunos, um professor deveria ter sempre o cuidado de explicitar quais de
seus argumentos são puramente lógicos ou empíricos e aqueles que têm caráter
valorativo, ou seja, partem de uma opinião pessoal. Segundo Weber:


O verdadeiro professor evitará impor, de sua cátedra, uma tomada
de posição qualquer, seja abertamente, seja por sugestão – pois a
maneira mais desleal é evidentemente a que consiste em ‘deixar os
fatos falarem’ (WEBER, 2011, p. 46).

Portanto, o autor afirma a completa impossibilidade de fazer do exercício da


docência uma profissão de fé ou um palanque político. Para o autor, esse tipo de
atitude transforma o professor em profeta e, o que é pior, em um profeta que se
pronuncia em nome da ciência utilizando meios subjetivos (WEISS, 2014). Weber
defende esse ponto de vista uma vez que reconhece que a posição do professor
é privilegiada, no sentido de incutir nos alunos suas próprias concepções, e isto
deve ser, severamente, repudiado.
É importante, porém, contextualizar a crítica de Weber. Na época em que o
autor escrevia, a educação alemã era dominada por uma visão do mundo em que
o valor máximo era a obediência, sem possibilidade de crítica ou reflexão e in-
fluenciada pelo antissemitismo e racismo, que possibilitou ao nazismo conquistar
boa parte da população. Por isso, Weber defende a neutralidade, pois apresentadas
todas as teorias, o aluno poderia ser capaz de construir um pensamento crítico
sobre o que era apresentado e ser capaz de discriminar um discurso tendencioso
e um discurso com base no conhecimento científico. Assim, este aluno estaria
longe de poder ser doutrinado (QUINTILIANO, 2016).

58
3
PENSANDO A EDUCAÇÃO

UNICESUMAR
NA SOCIEDADE
DE CLASSES

Caro(a) estudante, a terceira seção desta unidade é reservada para que conheça-
mos a teoria e obra de Karl Marx (1818-1883), desse modo fecharemos o estudo
sobre os três grandes clássicos da Sociologia. Estamos quase lá!
Karl Marx nasceu em 1818, na Alemanha, acompanhou a evolução do indus-
trialismo e das teorias sociais, assim como a internacionalização industrial, a ex-
ploração de continentes e a consequente proliferação da desigualdade econômica.
Neste processo, Marx percebeu que os sinais aparentes de miséria e sofrimento
dos trabalhadores não eram casos isolados, mas faziam parte de um processo
histórico que levava a burguesia à condição de classe dominante. Dessa forma
Marx dedicou toda sua obra à compreensão e crítica ao Sistema Capitalista, e,
por isso, mesmo não sendo um sociólogo de carreira, é considerado um autor
clássico da Sociologia. O autor cursou Direito, era doutor em Filosofia e também
exerceu a profissão de jornalista. SSubstituir por: Sua principal obra intitulada O
Capital (1867), lembrando que seus estudos foram fruto de uma grande parceria
com Friederich Engels (1820-1895).
Marx estudou a sociedade com muito afinco, colaborando, assim, para o de-
senvolvimento da sociologia. O autor desenvolveu o que se conhece por Sociologia
Materialista, adotando uma posição crítica na formação social capitalista. A inten-
ção do autor com essas críticas não era apenas contribuir para o desenvolvimento
da Ciência, mas propor uma ampla transformação política, econômica e social.
59
Dessa forma, Carlos Sell (2017)
UNIDADE 2

aponta o quanto Marx se esforçou para


unificar sua teoria com a prática, assim,
iniciamos pontuando o quanto a práti-
ca era parte indispensável das análises
feitas pelo alemão.
Assim como os demais clássicos
da sociologia, o estudo de Marx foi
construído, devido às práticas e às ne-
cessidades políticas da sociedade de
sua época, mas isso não impediu que
este, posteriormente, fosse (e ainda é)
frequentemente adaptado por outros
autores para estudos de diversas realidades e contextos.
Para compreender a sociedade capitalista, Marx achou por certo necessário
desvendar o funcionamento da história humana desde os primórdios da civi-
lização. Nesta investigação, a autor conclui que o motor da história é a luta de
classes. Marx entendeu, portanto, o trabalho como central no desenvolvimento
da sociedade, funcionando como intermediador nas relações entre o Homem e
a natureza e também dos Homens entre si.
Desde o desenvolvimento de instrumentos de trabalho e a domesticação de
animais, Marx notou como o trabalho atuou sempre no sentido da dominação
do Homem sobre a natureza, o que ele chamou de desenvolvimento de forças
produtivas. Também, para o autor, a união de vários indivíduos para o trabalho
e a divisão destes em diferentes ‘setores’ foi responsável por moldar característi-
cas muito importantes da sociedade. Outro fator que é somado nesta seara diz
respeito às relações de propriedade, nesse sentido o autor observou que “nem
sempre os homens que possuem os meios para realizar o trabalho trabalharam e
nem sempre os que trabalham possuem esses meios” (RODRIGUES, 2001, p. 39).
Assim, concluiu que a possibilidade de vender mão-de-obra (força de trabalho)
por aqueles que não possuem os meios de produção funda a base da desigualdade
uma vez que possibilita a dominação de um pelo outro.
Desta forma, Marx notou que “as grandes transformações pelas quais passou
a história da humanidade foram as transformações de um modo de produção
a outro” (RODRIGUES, 2001, p. 40), iniciando pelo escravista, passando pelo

60
feudal e chegando ao capitalista. De acordo com Marx, esses diferentes modos

UNICESUMAR
de produção abarcavam, também, diferentes modelos de sociedade, que sempre
carregam classes com diferentes relações de propriedade (uma dominada e a
outra dominante). Desse modo, constituiria-se a estratificação social.
A obra do filósofo alemão George Friederich Hegel (1770-1831) exerceu
grande influência sobre a teoria desenvolvida por Marx, principalmente
sua concepção de dialética, conceito fundamental para a compreensão
da teoria de Marx.
A intenção de Hegel, ao apresentar
seu método dialético, era entender
a história como ‘movimento’,
ao contrário do método me-
tafísico que acreditava que
a essência das coisas não se
modifica. Para este filóso-
fo, as coisas estão em con-
tínua transformação (mo-
vimento) porque todo ser é,
intrinsecamente, contraditório,
ou seja, há um movimento de
ideias, causado pela oposição ou
contradição das ideias entre si. Hegel
vai chamar esta ideia de princípio da con-
tradição. Há, portanto, uma ideia (Tese) e
a contradição desta (Antítese). Toda con-
tradição, por sua vez, gera a necessidade de
ser superada pela síntese (SELL, 2017). Esta é
a base do idealismo dialético de Hegel.
Marx, por sua vez, promoveu uma crítica
ao método dialético de Hegel, mostrando mais uma vez como sua crença era
pela prática, pela realidade e pela materialidade. Segundo Marx, as bases do
pensamento filosófico, no método de Hegel, seriam ideológicas (ou seja, ba-
seadas em falsas representações do real). Portanto, Marx desejava fundar seu
pensamento em pressupostos reais. Com isso, o autor afirmava que é a matéria
que determina a consciência (ou o pensamento), invertendo o sistema hegeliano.

61
UNIDADE 2

conceituando

O método de Marx funda-se na materialidade para interpretar a realidade. Trata-se de


descobrir, pelo movimento do pensamento, as leis que definem a forma organizativa das
sociedades ao longo da história. Espera, desta forma, que a realidade aparente seja supe-
rada, buscando-se a realidade concreta.
Fonte: as autoras.

Ainda assim, Marx não deixou de lado o mundo das ideias. O autor tentou expli-
car a consciência dos indivíduos a respeito do modo de vida e das relações entre
as classes na sociedade em que viviam. Afirmando que a consciência estaria ligada
às condições materiais de vida, Marx expandiu esse pensamento, afirmou que tais
ideias e concepções não seriam reais, mas sim frutos de representações feitas a res-
peito da vida a partir de como as relações aparecem na experiência cotidiana, não
captando, assim, a essência das relações às quais os indivíduos estão submetidos.
Vamos pensar sobre o que significa isso na prática? Um ótimo exemplo é
dado por Rodrigues (2001):


Quando se estabelece na história uma determinada forma de di-
visão do trabalho, quando ela se torna dominante e generalizada
dentro de uma sociedade, ela estabelece o lugar de cada um dentro
do processo produtivo. Assim, as relações de propriedade vigentes,
o poder político de certos grupos sobre outros e as formas de ex-
ploração do trabalho que uma determinada classe social consegue
implantar numa determinada época histórica, estabelecem e deter-
minam o que cada indivíduo está obrigado a fazer, o modo como
está obrigado a trabalhar e viver (RODRIGUES, 2001, p. 42).

Dessa forma, no modo de produção capitalista existem os burgueses, que pos-


suem os meios de produção, e o proletariado, aqueles que não possuem alternativa
a não ser vender sua força de trabalho para os burgueses em troca de um salário.
Assim, no plano das ideias, isso é enxergado pela sociedade como natural, como
única forma possível de viver.
Já para Marx, essa sociedade foi, historicamente, construída pela luta de clas-
ses. Na luta de classes, portanto, o indivíduo não é espontâneo, mas influenciado
pela sociedade, melhor dizendo, por uma parte (classe) da sociedade sobre a
62
outra. Dessa forma, Marx acredita que as relações de dominação são, socialmen-

UNICESUMAR
te, construídas, ou seja, não estão presentes desde que o mundo é mundo, e sim
foram criadas pela luta de classes.
Marx percebe que os indi-
víduos não possuem cons-
ciência real da dominação
que sofrem, pois aprendem
do nascer ao morrer que se
deve trabalhar para receber
o salário e viver. É por isso
que o autor afirma que os
indivíduos só têm acesso às
aparências, e não ao proces-
so histórico real, uma vez que
desconhecem sua própria
dominação. Esta aparência
seria imposta pela classe do-
minante por meio de uma ideologia, ou seja, a classe dominada é vítima de uma
coerção tão bem arquitetada que parece, para esta, como natural.
Esta é a grande diferença do modo de produção capitalista, para Marx, en-
quanto no modo escravista e no feudal a classe dominada sabia que estava sendo
dominada, no capitalismo essa dinâmica é percebida como natural e justa. Para
Marx, o modo de produção capitalista haveria de ser superado como foram os
outros, dando lugar a um sistema em que não haveria mais classes sociais, pois a
divisão do trabalho seria abolida.
Toda esta apresentação sobre a teoria de Marx é necessária para compreen-
dermos a sua contribuição para a educação uma vez que o tema não ocupou um
lugar central em sua obra, mas aparece articulado com o horizonte das relações
socioeconômicas. Dessa forma, Marx não formulou uma teoria da educação,
descrevendo métodos e diretrizes para o processo ensino-aprendizagem, ainda
assim, contribui com a discussão sobre o tema uma vez que remete a grandes
reflexões sobre a sociedade e suas relações.
A educação, na sociedade capitalista, seria, segundo Marx, um elemento de
manutenção da hierarquia social. Portanto, o ensino operaria em um paradoxo, já
que seria necessário um sistema educacional adequado para construir as mudan-
ças sociais tão necessárias à sociedade capitalista, porém o sistema educacional só
63
poderia ser adequado para este fim caso existissem mudanças sociais de forma
UNIDADE 2

geral na sociedade.
O que isso quer dizer? Que a educação seria uma grande aliada da constru-
ção de uma sociedade emancipada da dominação, mas, por estar contida neste
sistema não é capaz de produzir este resultado. O autor percebeu que o trabalho
na sociedade capitalista transforma os indivíduos em seres unilaterais, ou seja,
não possuem a oportunidade de desenvolver potencialidades intelectuais. Isso
por conta do cotidiano difícil, da necessidade de trabalhar incansavelmente e
repetitivamente para sobreviver materialmente.
Assim como as classes sociais, a educação no capitalismo é dividida. Já na épo-
ca das observações de Marx a burguesia guardava seus privilégios educacionais,
enquanto os trabalhadores recebiam uma educação parcial de disciplinamento
para as fábricas.

pensando juntos

Caro(a) estudante, você consegue estabelecer um paralelo com a sociedade da época de


Marx e a nossa? Imagine, aqui, as diferenças encontradas em termos de ofertas educacio-
nais entre as classes mais abastadas e as menos favorecidas.

Marx defendia a educação nas fábricas, pois via na conciliação entre o trabalho
manual e intelectual um grande avanço para a sociedade da época. Porém pre-
zava pela educação politécnica, como uma forma de superar a unilateralidade
dos trabalhadores e possibilitar que estes tivessem uma formação mais completa.
Em 1866, Marx redigiu um documento para os delegados do Conselho Central
Provisório do I Congresso da Associação Internacional dos Trabalhadores. Neste
documento, o autor apontou sua sugestão para os conteúdos educacionais, que
deveriam contemplar três dimensões:


Primeiramente: Instrução intelectual.
Segundo: Educação física, tal como é dada em escolas de ginástica
e pelo exercício militar.
Terceiro: Instrução politécnica, que transmite os princípios gerais de
todos os processos de produção e, simultaneamente, inicia a criança
e o jovem no uso prático e manejo dos instrumentos elementares
de todos os ofícios (MARX, 1982, s.p).

64
Marx acreditava, dessa forma, ser necessário romper com o indivíduo parcial,

UNICESUMAR
ou seja, transformar o indivíduo em um ser desenvolvido integralmente, unindo
trabalho produtivo remunerado, formação intelectual, exercício físico e instrução
politécnica, como forma de impulsionar a classe operária.
Como já enfatizamos, a educação não foi tema central da obra de Karl Marx,
deste modo, o que existem são muitas interpretações e alguns autores que se ins-
piraram nas teorias de Marx para compor suas próprias obras. O que é importan-
te enfatizar da leitura da sociedade feita por Marx neste contexto que estudamos
é que, segundo sua célebre frase “[...] toda ciência seria supérflua se a forma de
aparecimento e a essência das coisas coincidissem imediatamente” (MARX, 1985,
p. 271). Dessa forma, podemos rememorar o que o autor considerava aparência,
a representação que faz com que os do-
minados não enxerguem a dominação.
Portanto, podemos considerar que, para
Marx, a ciência poderia auxiliar na supera-
ção de tal aparência e expor a realidade.
Um bom exemplo de autor que se aprofun-
dou na obra de Marx para compor suas digres-
sões sobre a educação é Louis Althusser (1918-
1990). O autor analisa a educação enquanto um
dos aparelhos ideológicos do Estado capitalista,
responsável, portanto, por reproduzir as relações
de produção. Dessa forma, a aprendizagem repas-
saria aos alunos a ideologia da classe dominante.
Outro autor marxista muito importante nos
estudos sobre educação foi Antonio Gramsci
(1891-1937), que via a escola enquanto um ins-
trumento fundamental de disputa por hegemonia, já que
esta seria a formadora de hábitos e continuadora da adaptação do indivíduo aos
interesses da sociedade. Dessa forma, o autor partia da proposta de que a escola
fosse além de seus objetivos primeiros e se relacionasse à luta pela igualdade
social para superar as divisões de classe.
Nesse sentido, o autor defendia que as classes subalternas não abrissem mão
da educação formal já que, para enfrentar a luta pela hegemonia, precisariam
entender as formas de dominação a que estão submetidos, e isso só seria possível
pelo acesso ao conhecimento historicamente produzido (SCHLESENER, 2016).
65
CONSIDERAÇÕES FINAIS
UNIDADE 2

Caro(a) estudante, nesta unidade, estivemos em contato com as principais re-


ferências da Sociologia Clássica. Esperamos que você possa ter compreendido
a importância destes autores na construção de uma série de interpretações da
sociedade e suas relações com o tema da educação.
Os autores clássicos, Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx, são muito
necessários, primeiro por terem se destacado já há muito tempo em suas teo-
rias sobre a sociedade, e em segundo lugar, por terem inspirado tantas autoras e
autores, até hoje, a produzirem interpretações sobre o mundo em que vivemos.
Ao tratar a educação moderna enquanto um fato social, um fruto da racio-
nalização ou um instrumento de manutenção ideológica, notamos que ela é um
componente fundamental na constituição da sociedade. Cabe, ainda, analisar que
a educação tanto constrói a sociedade, quanto, ao mesmo tempo, é construída
por essa mesma.
Os diferentes conceitos e as teorias aqui abordados pretendem fornecer uma
base firme para a sua realidade enquanto educador tanto na compreensão crítica
das relações sociais quanto na formação humanizadora, tão necessária para uma
sociedade. Além disso, podemos aprender com eles, mais uma vez, a necessidade
em se contextualizar as obras de cada autor, assim como contextualizar também
a nossa prática docente. Por isso, o conhecimento sociológico se faz fundamental
para a formação dos educadores.
Todos os temas abordados pelos autores clássicos que aqui buscamos elen-
car são ainda muito frutíferos na investigação do papel da escola e da educação,
como você verá no decorrer deste livro. Assim, esperamos que os conteúdos aqui
abordados também possam auxiliá-lo(a) na construção de métodos educacionais
que busquem superar as dificuldades impostas pela prática escolar.
Nas próximas unidades, conheceremos um pouco sobre as interpretações
contemporâneas dos fenômenos sociais, agregando novas contribuições socio-
lógicas à sua prática.

66
na prática

1. Durkheim parte da noção de dualidade do ser humano. Na perspectiva durkheimia-


na, existe em cada um de nós dois seres. Um constituído de estados mentais que
não se relacionam senão conosco: é o ser individual. O outro, expressão de ideias,
hábitos e sentimentos coletivos: é o ser social. Se aquele é natural, este só pode se
desenvolver em sociedade, sendo a educação responsável por edificar esse novo ser.
Todavia a educação não se reduz ao mero adestramento, pois não se trata simples-
mente do “desenvolvimento de certos instintos adormecidos”, mas de um processo
de criação cujo objetivo é gerar um ser totalmente novo (VARES, 2011, p. 32).

Com base no texto apresentado e nos conhecimentos adquiridos, avalie as afirma-


ções a seguir, atribuindo V para o que julgar verdadeiro e F para o que que julgar
falso:

( ) Durkheim contrariava qualquer dogma pregado pelas religiões, considerando


que todos seus ensinamentos deveriam ser descartados em favor da ciência e da
moral racional.

( ) O objetivo da educação seria, para Durkheim, excluir todas as características do


ser individual, moldando todos com os mesmos métodos a fim de que se tornem
seres sociais.

( ) A teoria durkheimiana acredita em que a necessidade em se moldar o ser social


dá-se pelo fato de que humanos vivem em sociedades complexas, em que a vida
social só é possível se cumpridas as normas determinadas.

Assinale a alternativa correta.

a) V, V, F.
b) F, F, V.
c) V, F, V.
d) F, F, F.
e) V, V, V.

67
na prática

2. “Se em Marx a educação pode oprimir ou emancipar o indivíduo (no sentido de ‘li-
bertação’); em Durkheim, a educação é o mecanismo pelo qual ele se torna membro
de uma sociedade (se torna ‘um ser novo’). Weber vai mais longe: a educação é fator
de seleção e de estratificação sociais” (LOPES, [s. d.]).

Considerando as diferenças entre os três autores clássicos da Sociologia, descreva,


brevemente, qual é o centro da teoria sociológica de cada um deles.

3. “O ensino aparece como instrumento para a reprodução do conhecimento mas


também na possibilidade de colocá-lo a serviço da transformação da sociedade e
do mundo. Eis o aspecto de seu caráter revolucionário. A abolição da divisão do
trabalho visava em Marx, romper com um tipo de educação que reproduza esta
divisão, como a formação pelo treino, pelo trabalho produtivo, do conformismo e
de uma pedagogia da obediência” (SILVA, 2011).

Com base no excerto apresentado e seus conhecimentos sobre a teoria de Karl


Marx, assinale a alternativa correta

a) A estratificação, segundo Karl Marx, seria benéfica para a sociedade uma vez que,
assim, os indivíduos podem desempenhar sua função natural na vida
b) Como retratado no trecho apresentado, Marx era contra o trabalho nas fábricas,
desse modo o autor defendia que a educação para a classe trabalhadora fosse
apenas intelectual
c) Para Karl Marx, a sociedade capitalista tem a escola como grande inimiga, uma
vez que esta opera em uma lógica diferente do resto do sistema e possui com-
promisso com a ideologia dos dominados
d) A divisão da educação, constatada por Marx, não faz mais sentido atualmente
uma vez que todas as classes têm acesso igual às oportunidades e à educação
e) De acordo com a teoria marxista, a educação na sociedade capitalista tende a
reproduzir as relações sociais e as ideologias da classe dominante.

68
na prática

4. “A burocratização do capitalismo, com sua exigência de técnicos, funcionários, pre-


parados com especialização etc., generalizou o sistema de exames por todo o mun-
do. Acima de tudo, a evolução é muito estimulada pelo prestígio social dos títulos
educacionais, adquiridos através desses exames. É ainda mais o caso quando o título
educacional é usado com vantagem econômica” (WEBER, 1982, p. 278).

De acordo com o trecho apresentado e os conhecimentos adquiridos sobre Max


Weber, analise as proposições a seguir:

I - Para Weber, nas sociedades modernas, a Educação funciona como uma espécie
de treinamento para habilitar o indivíduo a realizar tarefas específicas.
II - Segundo Max Weber, a sociedade moderna baseia seu sistema educacional em
crenças e tradições que remetem à religião, num processo chamado burocra-
tização.
III - A racionalização da educação, descrita por Weber, seria uma ameaça para a
manutenção do capitalismo.
IV - Na pedagogia do treinamento, descrita por Weber, o objetivo da educação seria
a busca por títulos e qualificação formal.

É correto o que se afirma em:

a) I e II, apenas.
b) I e IV, apenas.
c) IV, apenas.
d) II, III e IV, apenas.
e) I, II e III, apenas.

69
na prática

5. A suspensão das provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em razão


do estado de calamidade pública, provocado pela pandemia do coronavírus, foi
aprovada nesta terça-feira (19), no Plenário virtual do Senado, por 75 votos a 1.
A matéria segue, agora para análise da Câmara dos Deputados. […] Para Daniella
Ribeiro, senadora responsável pela proposta, o adiamento do Enem 2020 impedirá
a concorrência desleal entre candidatos que não têm as mesmas oportunidades
de acesso à internet, especialmente entre estudantes das redes pública e privada
de ensino (AGÊNCIA SENADO, 2020).

Considerando o exposto, no que se refere a adiamento do Enem 2020 em função da


pandemia do coronavírus (Covid-19), avalie as alternativas, no que que se refere as
possíveis análises e reflexões dos autores clássicos da sociologia e assinale a correta:

a) Uma vez que a educação, para Durkheim, é um fato social que obedece ao
requisito da generalidade, ou seja, ser direito geral de todos, sua teoria poderia
ter sido usada para defender o não adiamento do Enem 2020.
b) Em um ponto de vista diferente da autora da proposta no Senado, seria possível
fazer uso da teoria de Karl Marx para defender o adiamento do Enem 2020,
uma vez que, para o autor, a educação formal deveria ser abolida.
c) Weber poderia ser acionado pela autora da proposta de adiamento do Enem
2020, já que, para o autor, a educação auxilia na formação de uma classe privi-
legiada por vantagens econômicas e sociais, em consonância com o argumento
usado pela senadora.
d) Usando um argumento weberiano, poderia se dizer que, a decisão do adiamen-
to ou não do Enem 2020 deveria ser tomada pelos professores, já que estes
detêm conhecimento e poder legítimo para sobrepor a opinião dos alunos.
e) Não é possível aplicar a teoria dos autores clássicos da sociologia nesse caso,
pois eles são muito antigos e suas teses já foram todas descartadas.

70
aprimore-se

A ESCOLA PROMOTORA DE DESIGUALDADES

A escola promove, sim, desigualdades e as promove por não refletir as contradições


da sociedade, porque não agarra com unhas e dentes – e não espalha – o conheci-
mento mais desenvolvido e rico que a humanidade já produziu, histórica, cultural e
cientificamente, pelo conjunto dos homens. A escola promove desigualdades por-
que não se atém ao saber objetivo.
Precisamos de uma escola que produza mudanças na vida dos indivíduos a partir
de noções mais elevadas, de novas necessidades, fundamentalmente, mais importan-
tes do que aquelas geradas pelo mercado consumidor; de uma escola que promova o
desenvolvimento de formas de linguagens desconhecidas, não naturais, daquelas que
façam com que os alunos avancem na direção do desconhecido. O trato com a lingua-
gem rudimentar não fomenta o domínio da língua materna; promove, dirige e aprisiona
os futuros em senzalas repletas de troncos cujas raízes fincadas em glebas privadas, de
somente alguns, fazem nascer dias tristes, torpes, pobres e, pior, eternos presentes.
Há um caráter destrutivo e amoral próprio do capitalismo, promovido quando
do estímulo ao carecimento egoísta de bens, não tão bons, o que tem sido instigado
pela escola quando esta se posiciona em favor dos direitos egoístas dos homens
privados e à comercialização da humanidade dos indivíduos. E se posiciona porque
a nada se opõe. A escola que, ao ensinar a seus alunos o convívio fraterno e toleran-
te com a pobreza da cultura, com a miséria da filosofia, com a negação da ciência e
com a ignorância sobre o valor da arte, corrobora com um estado de plena subser-
viência aos ditames daquele tomado como um só e único senhor: o capital.
Precisamos não de uma escola que ensine a comemoração e o aplauso à lógica
estritamente econômica, mas de uma que eleve a formação humana a compreen-
sões que superem estados patéticos de alienação e de egoísmo. Entre dramas, tra-
gédias, comédias e tramas, é preciso ter clareza de que: A luta popular hoje deve ser
anticapitalista (FONTES, 2009), porque o que não se transforma no presente não se
objetiva no futuro uma vez que “[...] novas relações de produção mais adiantadas
jamais tomarão o lugar, antes que suas condições materiais de existência tenham
sido geradas no seio mesmo da velha sociedade” (MARX, 1978, p. 130).
Fonte: adaptado de Scalcon (2012).

71
eu recomendo!

livro

Sociologia Clássica: Marx, Durkheim e Weber


Autor: Carlos Eduardo Sell
Editora: Vozes
Sinopse: este livro apresenta o pensamento dos fundadores da
sociologia a partir de três eixos básicos - teoria sociológica; teoria
da modernidade; teoria política - problemas e desafios da reali-
dade social. Este método, além de permitir uma análise compara-
tiva das teorias de Marx, Durkheim e Weber, possibilita também a compreensão
da sociologia enquanto ciência e a reflexão sobre a natureza e as perspectivas da
vida social em tempos modernos.
Comentário: o livro trata dos três autores que abordamos nesta unidade com
maior riqueza de detalhes. É um ótimo material para se aprofundar nas questões
sociológicas que buscamos elencar aqui.

filme

Entre os muros da escola


Ano: 2009
Sinopse: o filme retrata a saga de um professor de língua fran-
cesa, em uma escola de Ensino Médio, localizada na periferia de
Paris. Ele e seus colegas de ensino buscam apoio mútuo na difícil
tarefa de fazer com que os alunos aprendam algo, ao longo do
ano letivo. A luta por estimular seus alunos é grande, mas o des-
caso e a falta de educação são grandes complicadores.
Comentário: os debates suscitados pelo personagem principal, o professor Ma-
rin, permitem-nos analisar as teorias sociológicas da educação que estudamos
nesta unidade. Por meio do olhar crítico do professor sobre a realidade dos alu-
nos e suas ambições, observamos a construção da moral nos alunos e, sobretudo,
a importância da escola na formação da sociedade.

72
3
SOCIOLOGIA E
EDUCAÇÃO
na contemporaneidade

PROFESSORAS
Me. Daiany Cris Silva
Me. Milena Cristina Belançon

PLANO DE ESTUDO
A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: • Educação e cidadania • A relevância
da sociologia para questões escolares atuais • Sociologia da educação no Brasil.

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
• Apresentar debates relevantes sobre a importância da educação para a cidadania e instrumentos para
esta aproximação, pensando a educação enquanto um direito fundamental • Colocar em pauta ques-
tões atuais do dia a dia escolar, como, bullying, racismo, preconceito e influência da mídia, apresentando
autores da sociologia que contribuam para tais discussões • Versar sobre o desenvolvimento do campo
científico da sociologia da educação no Brasil, iniciando com o manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova. Buscando autores brasileiros que trataram da sociologia da educação para o nosso contexto,
iremos selecionar temas relevantes para o nosso país, como, desigualdade social e diferenças culturais.
INTRODUÇÃO

Prezado(a) estudante, agora que já conhecemos um pouco das teorias


clássicas da sociologia, seus principais autores e métodos, partimos para
concepções contemporâneas das Ciências Sociais. Os estudos contemporâ-
neos são, mais facilmente, assimilados uma vez que estão mais próximos da
nossa vivência e experiência, porém notaremos que os autores que aborda-
remos aqui, muitas vezes, beberam da fonte dos clássicos para atualizarem
os conhecimentos sobre educação em diferentes contextos.
Ao longo desta unidade, desenvolveremos o conhecimento sociológico
por temas e traremos também diferentes autores que podem nos ajudar nesse
caminho. Para tanto, dividimos esta unidade em três tópicos que se comple-
mentam. Temas salutares em nossa sociedade e em nosso fazer escolar, como
cidadania, democracia, desigualdades, preconceito e bullying, serão tratados
nas duas primeiras seções da unidade, em que buscaremos fornecer o conhe-
cimento da Sociologia para aprimorar a sua prática enquanto educador(a).
Já na última seção, conheceremos os principais aspectos da realidade da
Sociologia da educação em nosso país, um pouco de seu histórico, principais
autores e referências que contribuem para a nossa compreensão sociológica
da educação em um contexto próprio, que é o brasileiro.
Os temas tratados nesta unidade nos mostram o quanto o fazer socio-
lógico e a Educação andam juntos e são dependentes um do outro já que
a escola faz parte da sociedade ao mesmo tempo que fornece conteúdos
para a vida em sociedade também. A compreensão desta sociedade faz com
que possamos desenvolver habilidades para lidar com a realidade escolar,
que é múltipla e diversa.
Esperamos que as discussões travadas nesta unidade o ajudem a ser um
instrumento de educação justa no cotidiano escolar, para isso, confiamos
nas teorias sociológicas da educação e em sua dedicação.

Bons estudos!
1
EDUCAÇÃO E

UNICESUMAR
CIDADANIA

Estimado(a) estudante, você saberia definir o que é cidadania? Palavra bastante


simples, que usamos, vez ou outra, no nosso dia a dia, porém defini-la é um pouco
mais complicado. A concepção de cidadania foi construída, historicamente, e está
ligada à ideia de pertencimento e à participação em direitos e deveres políticos,
civis e sociais. A cidadania está em constante mudança e num processo de inten-
sas lutas, críticas, discussões sobre a vida, sobrevivência, pertencimento social e
à vida em comum na sociedade.
Jaime Pinsky (2003) aponta que


Ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualda-
de perante a lei; é, em resumo, ter direito civis. É também participar
no destino da sociedade, votar, ser votado, ter direitos políticos. Os
direitos civis e políticos não asseguram a democracia sem os direi-
tos sociais, aqueles que garantem a participação do indivíduo na
riqueza coletiva: o direito à educação, ao trabalho, ao salário justo,
à saúde, a uma velhice tranquila (PINSKY, 2003, p. 10).

Historicamente, a palavra “cidadania” já passou por diversas concepções. Se for-


mos pensar, por exemplo, na antiguidade, Aristóteles respondeu à pergunta “O
que é ser cidadão?” da seguinte forma: “aqueles a quem se concedeu o direito à
cidadania”. Tal conceito de cidadania estava ligado, profundamente, com a parti-
75
cipação na vida política, que, na época, não abarcava as crianças, nem os velhos,
UNIDADE 3

nem os infames, nem os condenados ao exílio além de mulheres e estrangeiros.


Dessa forma, de partida, podemos questionar como a categoria “cidadão” abriga
diferentes personagens ao longo da história.
Para os pensadores da constituição do Estado moderno, a questão da cida-
dania é observada por outro ângulo, estando contida no contexto no Estado
Nacional, que carece de igualdade e liberdade. Nesse cenário, a fim de fundar
uma nova ordem social, foi preciso construir novos códigos para substituir a
relação que existia, até então, na sociedade feudal, entre senhores e servos. Desse
modo, forjou-se a figura do cidadão para compor as novas regras da sociedade,
tal como suas leis e papéis sociais. Ainda assim, a cidadania ficou restrita a certos
grupos. O papel das mulheres enquanto cidadãs neste cenário, por exemplo, era,
praticamente, inexistente se comparado ao dos homens já que elas não tinham
direito ao voto, que é a representação máxima da cidadania.
No período pós-guerra, a cidadania passou a associar-se a direitos sociais. Foi
quando vigorou o que ficou conhecido por Estado social ”Welfare State”, período
em que se ampliou o conteúdo das políticas de bem-estar e o número de pessoas
por elas atingido. Posteriormente, com o avanço do pensamento neoliberal, esses
direitos passaram a ser vendidos, expondo a questão da cidadania.
Na democracia liberal, que vivemos hoje em dia, cidadania está ligada a um
conjunto de liberdades individuais (direitos civis), que, com o passar do tempo
e das reivindicações, passaram a admitir, também, outros tipos de direitos, como
os direitos trabalhistas, direito à educação, saúde, seguridade e previdência.
Thomas Humphrey Marshall foi um sociólogo britânico que ficou bastante
conhecido por conceitualizar a cidadania. O autor entendia a cidadania como a
participação integral do indivíduo na comunidade, enfatizando o quanto estes
cidadãos seriam iguais com respeito aos seus direitos e obrigações. Como pode-
mos constatar no excerto a seguir:


A cidadania é um status concedido àqueles que são membros inte-
grais de uma comunidade. Todos aqueles que possuem o status são
iguais com respeito aos direitos e obrigações pertinentes ao status.
Não há nenhum princípio universal que determine o que estes di-
reitos e obrigações serão, mas as sociedades nas quais a cidadania
é uma instituição em desenvolvimento criam uma imagem de uma
cidadania ideal em relação à qual o sucesso pode ser medido e em re-
lação à qual a aspiração pode ser dirigida (MARSHALL, 1967, p. 76).
76
Desta forma, podemos considerar que a cidadania, para o autor, é algo passível de

UNICESUMAR
diversas transformações, a depender do caminho e do contexto em que está inserida.
No Brasil, temos como grande marco da expressão da cidadania a Constituição Fede-
ral de 1988, que, inclusive, foi apelidada de “Constituição Cidadã”. O apelido foi dado
uma vez que o documento define como princípio fundamental do Estado brasileiro,
“a cidadania”, e considerar cidadãos, todos os natos e naturalizados, sem qualquer
discriminação, com iguais deveres e direitos civis, políticos e sociais (BRASIL, 1988).
Devemos lembrar de que a Constituição de 1988 inaugurou o período de
redemocratização brasileira, conquistada após 21 anos de ditadura militar. A
partir desse momento, o termo “cidadania” ganhou cada vez mais importância
em nossa realidade, sendo acionado em diversos momentos e muitas situações.
Desse modo, podemos considerar que os conceitos de cidadania e democracia
caminham bastante juntos, apesar de não serem sinônimos.

Pinsky (2003, p.10) resume que “cidadania é a expressão concreta do exercício


da democracia”. No mesmo caminho, Marilena Chauí (2008) acredita que a ci-
dadania se define pelos princípios da democracia, significando, necessariamente,
conquista e consolidação social e política.


Podemos dizer que a democracia propicia, pelo modo mesmo do
seu enraizamento, uma cultura da cidadania à medida que só é pos-
sível a sua realização através do cultivo dos cidadãos. Se podemos
pensar numa cidadania cultural, podemos ter certeza de que ela só
é possível através de uma cultura da cidadania, viável apenas numa
democracia (CHAUÍ, 2008, p. 76).
77
A democracia, por sua vez, é um termo que vem do grego demokratía, resultado
UNIDADE 3

da junção de demos, que significa “povo” e kratía, que significa “poder”. Desse
modo, podemos concluir que a democracia está ligada à forma como o povo se
organiza para viver em sociedade. Em sua origem, a democracia era praticada em
diálogos públicos entre os cidadãos, que tinham, democraticamente, os mesmos
direitos de impor a palavra. Porém, como já dissemos, nem todas as pessoas eram
consideradas cidadãs.
Dessa forma, podemos notar que, mesmo hoje em dia, a cidadania não está
disponível para todos, visto que esta não alcança a todos os indivíduos de maneira
justa e igualitária. Por mais que, legalmente, os direitos sejam universais, a nossa
sociedade mostra que o acesso aos direitos ainda ocorre de maneira muito desi-
gual, tornando uns mais cidadãos que outros. Ou seja, notamos que certos grupos
da sociedade não têm acesso a todos os direitos que deveria, como a população
pobre e moradora de periferia, que está cerceada de uma série de restrições ao
usufruto de seus direitos.
Nesse sentido, a cidadania é dada a
um indivíduo, o cidadão, o qual vive em
sociedade. A educação serve, portanto,
para formar cidadãos para viver numa
sociedade. Assim, sendo um direito bá-
sico, a educação compõe o arcabouço da
cidadania, ao mesmo tempo em que cria
os cidadãos dessa sociedade.
Você pode pesquisar em quase
todos os documentos oficiais que tra-
tam sobre o objetivo da educação que
encontrará entre eles o de “formar ci-
dadãos”. A Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, por exemplo,
aponta que a educação tem “por fina-
lidade o pleno desenvolvimento do
educando, seu preparo para o exercício
da cidadania e sua qualificação para o
trabalho” (BRASIL, 1996). Mas qual é,
então, o papel do/a educador/a na for-
mação destes cidadãos?
78
Para Arroyo (1987), educar cidadãos significa voltar-se para a conscientização e

UNICESUMAR
o amadurecimento político. Desse modo, objetiva-se a valorização da participação
social e da liberdade para o bom curso da cidadania. Porém o próprio autor reconhe-
ce que esta perspectiva possui um grande obstáculo. Os determinantes da desigual-
dade em termos de cidadania são sociais e econômicos e, como já nos mostraram os
autores clássicos da sociologia, estão, profundamente, espalhados pelo tecido social,
tornando esta uma realidade tão naturalizada que os indivíduos já não a percebem
mais. A questão central para Arroyo é, portanto, expor aos educadores e à sociedade
os verdadeiros determinantes sociais e econômicos para a exclusão da cidadania.
Um autor muito conhecido na área da educação e nas discussões de sua
relação com a cidadania foi Paulo Freire. Para entender o que o autor tem a nos
apresentar sobre o tema, precisamos partir do entendimento que a educação
para ele extrapola a ação de ensinar e aprender, sendo também um instrumento
de transformação social. Freire foi um grande entusiasta da educação enquan-
to motor de transformação
dos indivíduos e do mundo.
Nesse sentido, um dos gran-
des focos da educação para o
autor seria a conscientização,
que nada mais é que se apro-
priar da realidade. O ato de
conscientizar-se, para o autor,
levaria à cidadania.
Freire (2014) faz uma crí-
tica ao que ele chama de “con-
cepção bancária da educação”,
que ele conceitua como aquela
que é regida por relações nar-
radoras e dissertadoras. O que
o autor entende por isso é a grande separação que se estabelece entre educador e
educando, em que o primeiro só fala, e o segundo apenas escuta. Dessa forma o
autor vê a educação nessa concepção como um ato de depositar, em que os edu-
candos são os depósitos e o educador, o depositante. Seu ideal de educação seria
constituído pela superação da lógica bancária de tal maneira que essa separação
entre educando e educador não existe mais, e sim um compartilhamento das duas
funções entre todos, o que ele chamou de educação libertadora.
79
A educação bancária, que conceitua Freire, forma cidadãos que não se apro-
UNIDADE 3

priam de suas condições históricas, formando sujeitos oprimidos, silenciados,


que só obedecem às normas e às regras sem se perguntar o motivo. Já a educação
libertadora formaria cidadãos atentos e participantes da sociedade, sempre abar-
cando uma dimensão de diálogo com o mundo e com seus semelhantes.


O que não percebem os que executam a educação ‘bancária’, delibera-
damente ou não (porque há um sem-número de educadores de boa
vontade, que apenas não se sabem a serviço da desumanização ao
praticarem o “bancarismo”) é que nos próprios “depósitos”, se encon-
tram as contradições, apenas revestidas por uma exterioridade que as
oculta. E que, cedo ou tarde, os próprios “depósitos” podem provocar
um confronto com a realidade em devenir e despertar os educandos,
até então passivos, contra a sua “domesticação” (FREIRE, 2014, p. 50).

É a partir do método de Paulo Freire, de “conscientizar”, que os indivíduos podem


desenvolver a capacidade de agir com o intuito de transformar, modificar e alterar
a sociedade e suas estruturas. Dessa forma, segundo Freire, aliando liberdade e
transformação social, a educação caminharia rumo à cidadania. Podemos re-
sumir, portanto, a cidadania enquanto consolidação da ação dos indivíduos no
espaço público enquanto iguais.

80
A cidadania almejada pela educação libertadora teria, portanto, características

UNICESUMAR
democráticas, construindo-se em comunidade e tornando todos e todas cida-
dãos. Nesta perspectiva, a educação não se basta à sala de aula, mas se expande
para a vida em sociedade e suas responsabilidades. A proposta de Freire é bastan-
te válida se pensarmos que não basta ensinar para os alunos o que é cidadania, é
preciso educar de forma cidadã. Isso porque a escola tem um papel fundamental
na formação do cidadão, por ser uma das instituições sociais, mais diretamente,
envolvida em nossa vida.

conceituando

Instituições Sociais diz respeito a um conceito da sociologia que trata do conjunto de


regras e procedimentos aceitos pela sociedade, e que possui um enorme valor social. A
escola é uma dessas instituições, responsável por introjetar no indivíduo tais regras que
ele deve levar para o resto da vida, além de prepará-lo para as etapas seguintes da vida
em sociedade.
Fonte: as autoras.

As legislações nacionais sobre educação abarcam essa mesma perspectiva da


responsabilidade da escola com a formação cidadã, cujos educandos são incenti-
vados a se posicionarem sobre as coisas da vida e do mundo. Dessa forma, temas
como o papel e a função do Estado, assim como, a regulamentação da sociedade
de modo a erradicar as marginalidades e efetivar direitos sociais, auxiliam na
formação do cidadão.
Para tanto, é preciso que tenhamos ciência de que cidadão não é só o mo-
rador da cidade, que mal conhece seus direitos e apenas cumpre a obrigação
de votar. Ao contrário, o cidadão participa da vida democrática por diferentes
meios, conhece seus direitos e deveres o suficiente para reivindicá-los e, sobre-
tudo, contribui para a superação das desigualdades encontradas na sociedade.
Isso implica sair de uma situação de cidadão passivo e passar para um cidadão
ativo. Com essa perspectiva, podemos tomar o papel de formação do cidadão
como um dever de todos os educadores, e não apenas daqueles envolvidos com
disciplinas de humanidades.

81
2
A RELEVÂNCIA DA
UNIDADE 3

SOCIOLOGIA
para questões
escolares atuais

Estimado(a) estudante, esperamos que, durante este momento de aprendizado


sobre os fundamentos sociológicos e antropológicos da educação você tenha per-
cebido que estamos envolvidos na sociedade, querendo ou não, influenciando-a
ao mesmo tempo que somos por ela influenciados.
A preocupação com a educação é uma questão marcante e recorrente nas
Ciências Sociais e, com o auxílio desta área do conhecimento,
podemos compreender melhor a dinâmica escolar e sua
inserção na realidade maior, que é a vida em socie-
dade. O estudo de diferentes grupos sociais oferece
ferramentas importantes nesta análise.
A educação, como um dos meios mais impor-
tantes do processo de transformação da sociedade,
precisa implicar uma visão atual da sociedade e das
desigualdades nela contidas, até porque esses fenô-
menos chegam também até a sala de aula. Des-
se modo, nesta seção, direcionaremos nossas
lentes para estes fenômenos atuais, elencando
meios de desconstruir, alimentar e direcionar
uma transformação do pensamento e das ideias.

82
Pierre Bourdieu (1930-2002) foi um sociólogo francês, considerado também

UNICESUMAR
grande pensador da Educação e pode nos auxiliar nesta seção. Responsável pela
teoria da reprodução, o autor acreditava que a escola tem a função de transmitir a
cultura da classe dominante, impondo-a como cultura legítima. Ou seja, a escola
apresenta-se como um ambiente de transmissão dos saberes, representações,
valores e linguagens sociais de determinado grupo.
Desse modo, aqueles estudantes que estão fora desse grupo e, portanto, não
atendem aos padrões, comportamentos e valores transmitidos pela escola, sejam
excluídos. Esta passa a ser um espaço de exclusão e desigualdades. É nesse con-
texto que se entende a escola enquanto reprodutora de uma estrutura social.

conceituando

O conceito de estrutura social para Pierre Bourdieu diz respeito a um sistema hierarqui-
zado de poder e privilégio, determinado por relações materiais e/ou econômicas (referin-
do-se a aspectos financeiros), pelas relações simbólicas (referentes ao status social) e/ou
relações culturais (que dizem respeito à escolarização) entre os indivíduos. Dessa forma,
a diferente localização dos grupos nesta estrutura social deriva da desigual distribuição de
recursos e, consequentemente, poderes de cada um.
Fonte: as autoras.

Tendo a escola como instituição de poder, Bourdieu associou a ela o conceito de violên-
cia simbólica. E por que este nome? Porque a violência simbólica é uma violência exer-
cida, sutilmente, muitas vezes, não sendo percebida como tal. Dessa forma, a violência
simbólica presente na escola seria um mecanismo para reproduzir as estruturas sociais.
Como acontece isso? Segundo Bourdieu, ao reproduzir uma cultura dominante, de
forma naturalizada e sútil, as culturas dos grupos que não fazem parte dos dominantes
permanecem suprimidas. Nesse sentido, a cultura da classe dominada permanece
excluída e desvalorizada, e, assim, a violência simbólica possui a função de naturalizar
as relações de dominação e naturalizar as formas estabelecidas de estratificação.
Muitos outros autores, porém, discordam de Bourdieu, ao afirmar, também,
que a escola possui um papel mais emancipador e com capacidade de transfor-
mação social. Portanto, o debate do papel da escola frente à sociedade é uma
constante no debate sociológico. O olhar sociológico enfatiza tanto a formas de
reprodução constantes na escola, como também chama a atenção para o fato de
que, como uma estrutura de socialização, há margem para mudanças.
83
Entre estas perspectivas, é irrefutável que neste ambiente de disputas sobre
UNIDADE 3

diferentes valores e perspectivas de como devemos viver surge a necessidade


urgente em lidar com os fenômenos emergentes dessas disputas nas interações
sociais. Entre esses fenômenos, podemos citar o bullying como grande preocu-
pação atual no fazer escolar. Segundo Ristum (2010):


[…] de modo geral, conceitua-se bullying como abuso de poder físi-
co ou psicológico entre pares, envolvendo dominação, prepotência,
por um lado, e submissão, humilhação, conformismo e sentimentos
de impotência, raiva e medo, por outro. As ações abrangem for-
mas diversas, como colocar apelidos, humilhar, discriminar, bater,
roubar, aterrorizar, excluir, divulgar comentários maldosos, excluir
socialmente, dentre outras (RISTUM, 2010, p. 96).

Partindo para uma discussão sociológica, podemos associar a ocorrência do


bullying às disputas de poder. Afinal, fazemos parte de uma sociedade comple-
xa, que possui múltiplas hierarquias econômicas, sociais e políticas. No olhar
sociológico sobre o bullying, destacam-se suas relações com as desigualdades
na sociedade, como sua ocorrência muitas vezes, estabelece-se em contexto de
tentativa de imposição de ordens hegemônicas. Dessa forma, a perspectiva so-
ciológica sobre o bullying não se atém às características individuais, mas se volta
para perceber uma lógica de poder realizada de forma quase imperceptível.
Pense você, caro(a) estudante, quais são os principais temas envolvidos no
bullying? Em muitos casos encontraremos relação com algum tipo de preconcei-
to que encontramos facilmente também em outros locais da sociedade, por exem-
plo, o racismo, a homofobia,
o machismo, a gordofobia,
entre outros.
Dessa forma, propomos,
aqui, pensar o bullying fora
de uma perspectiva mera-
mente individual, mas sim
enquanto fenômeno coleti-
vo, contido dentro do amplo
espectro da sociedade.

84
UNICESUMAR
conecte-se

O Portal Idea é o site do Indicador de Desigualdades e Aprendizagem, um


instrumento que permite medir a realidade das desigualdades educacionais
presentes no Brasil. Acesse para saber mais: https://portalidea.org.br/

Na situação escolar, muitas ocorrências de bullying têm a ver com a criação de


um estigma. Erving Goffman (1922-1982), cientista social canadense, em sua
obra “Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada” (2004)
trata do estigma enquanto atributo daquele que não corresponde aos padrões e às
expectativas estabelecidos em uma sociedade. Dessa forma, o conceito associa-se
à identidade social dos sujeitos e dos grupos, e, normalmente, se atribui também
diferentes graus de hierarquia de um grupo em relação aos demais.
Atribuir um estigma, nesse sentido, relaciona-se a preconceitos e estereótipos
que são construídos sobre grupos subalternos. O grande perigo é que este estigma
pode ser absorvido de tal forma pelo grupo, que passa a naturalizar o que é dito
sobre ele e aceitar o jogo de poder e inferioridade ao qual está submetido.


O termo estigma, portanto, será usado em referência a um atributo
profundamente depreciativo, mas o que é preciso, na realidade, é
uma linguagem de relações e não de atributos. Um atributo que
estigmatiza alguém pode confirmar a normalidade de outrem,
portanto ele não é, em si mesmo, nem horroroso nem desonroso
(GOFFMAN, 2004, p. 32).

A contribuição da sociologia para pensar o bullying no ambiente escolar dá-se,


portanto, no sentido de discutir conceitos que podem gerar esse fenômeno, como
o estigma, o preconceito e os estereótipos, por serem conceitos que promovem e
naturalizam ações violentas a grupos da sociedade. É importante enfatizar aqui
que, por “ações violentas” tratamos não só a violência física mas também a psi-
cológica e moral, debochar do colega, desprezar, ironizar etc.
Pascoe (2018) sugere, inclusive, a mobilização de uma “sociologia do bullying”,
que, segundo a autora, poderia abarcar a discussão mais ampla, como ela explica
no excerto a seguir.

85

[…] uma sociologia do bullying poderia reorientar a abordagem
UNIDADE 3

de questões como interações sexistas, comentários racistas e humi-


lhação por forma física, como modos de reprodução interacional
de desigualdades estruturais e culturais (PASCOE, 2018, p. 298).

Desse modo, a autora considera que a perspectiva sociológica pode enquadrar o


bullying como “reprodução interacional de desigualdades raciais, corporais, se-
xuais e de gênero mais amplas” (PASCOE, 2018, p. 298). O que a autora pretende
com essa proposta é tirar o bullying do mundo infantojuvenil e contextualizá-lo
em uma perspectiva mais ampla, do mundo dos adultos, onde essas desigualda-
des estão presentes igualmente - ou mais - violenta.
Elencamos a seguir, rapidamente, algumas desigualdades presentes na socie-
dade e as formas como são reproduzidas no cotidiano escola.
a) Racismo: é caracterizado pelo preconceito, devido à etnia de um grupo. Sabe-se
que a população negra possui uma triste história em nosso território, iniciada
pela escravidão, que deixou marcas em nossa sociedade até os dias atuais. No-
tamos sua presença na escola mediante o preconceito com os traços físicos,
cabelo e cor da pele.
b) Machismo: diz respeito a atitudes preconceituosas com as mulheres. Essa
característica é encontrada em nossa sociedade há muito tempo e ainda se
faz presente. Podemos notar, pelos altos índices de violência contra a
mulher, sua baixa representação nas instâncias de poder e di-
ferenças salariais. Na escola, esta lógica é reproduzida,
muitas vezes, por meio de piadas, subjugação e
reforço dos papéis das meninas na so-
ciedade enquanto cuidado-
ras, mães etc.

86
c) Homofobia: trata do preconceito com pessoas não-heterossexuais, ou que pos-

UNICESUMAR
suam qualquer desvio do que é entendido, consensualmente, como comporta-
mento de menino ou de menina. Na esfera social, gera violência, desigualdade
de oportunidades e cerceamento das liberdades. Na escola, é muito encontrada
em forma de piadas, principalmente àqueles que não performam o papel de
menino ou menina com o rigor que a sociedade considera padrão.

Estes foram apenas alguns dos exemplos de desigualdades que ocorrem na socie-
dade e são reproduzidas no cotidiano escolar. Em consonância com o que apren-
demos sobre cidadania, podemos pensar a prática do bullying como o caminho
avesso à prática cidadã, pois, uma vez que a cidadania busca incluir todos no
espaço público, o bullying promove o afastamento de grupos subalternos. E nesse
sentido, a escola pode tanto representar uma via de acesso ao exercício da cida-
dania, como, um mecanismo de exclusão social (SILVA, 2006). Silva propõe que:


[…] a reversão e a alternativa à violência passa pelo resgate e de-
volução do direito à palavra, pela oportunidade da expressão das
necessidades e reivindicações dos sujeitos, pela criação de espaços
coletivos de discussão, pela sadia busca do dissenso e do respeito à
diferença (SILVA, 2006, p. 59).

As diferenças entre os grupos sociais devem ser conhecidas pelos alunos e profes-
sores, não de um modo hierárquico, e, sim, reconhecendo a necessidade de superar
estigmas e preconceitos. Paulo Freire (1996) enfatiza, ainda, a necessidade do diálo-
go para superação das desigualdades, como podemos conferir no trecho a seguir:


O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo
ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros.
(...) É nesse sentido também que a dialogicidade verdadeira, em que
os sujeitos dialógicos aprendem e crescem na diferença, sobretudo,
no respeito a ela, é a forma de estar sendo coerentemente exigida por
seres que, inacabados, assumindo-se como tais, se tornam radical-
mente éticos. É preciso deixar claro que a transgressão da eticidade
jamais pode ser vista como virtude, mas como ruptura com a decên-
cia. O que quero dizer é o seguinte: que alguém se torne machista,
racista, classista, sei lá o quê, mas se assuma como transgressor da

87
natureza humana. Não me venha com justificativas genéticas, so-
UNIDADE 3

ciológicas ou históricas ou filosóficas para explicar a superioridade


da branquitude sobre a negritude, dos homens sobre as mulheres,
dos patrões sobre os empregados. Qualquer discriminação é imoral
e lutar contra ela é um dever por mais que se reconheça a força dos
condicionamentos a enfrentar (FREIRE, 1996, p. 72).

O desenvolvimento de estratégias de intervenção ao bullying nas escolas requer,


portanto, que se reconheça a existência desse conflito mais amplo na sociedade
e, sobretudo, adquira-se consciência de seus prejuízos para a personalidade e o
desenvolvimento socioeducacional dos alunos. Quanto aos educadores, é pre-
ciso avaliar se as relações e práticas no dia a dia escolar não estão, implícita ou
explicitamente, reproduzindo formas de violência, de reforço às desigualdades,
de excesso de poder etc.
Nosso papel, enquanto profissionais da educação, é ajudar esses estudantes a
tomarem consciência dos seus próprios atos e de suas consequências acerca das
relações sociais presentes na sociedade e também com o exercício da cidadania.

88
3
SOCIOLOGIA DA

UNICESUMAR
EDUCAÇÃO
no Brasil

Os problemas da educação no Brasil não surgiram no início do período repu-


blicano, mas foi nessa época que os primeiros esforços de sistematização, por
uma educação de qualidade, começaram a ganhar corpo, em muito, graças ao
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932.
Na época, o poder político estava no Estado e na Igreja Católica, e o Manifesto,
proposto por Fernando de Azevedo e outros 26 intelectuais, provocou diversas
mudanças na educação e fez surgir, também, a Sociologia da Educação. O Mani-
festo, considera-se a primeira obra sobre sociologia de educação no Brasil, muito
inspirado por Émile Durkheim.


O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932 foi o movi-
mento da declaração pública do inconformismo de um grupo de
educadores e intelectuais da época, que estavam injuriados com
o contexto de precariedade da educação no Brasil e com a quase
nula oportunidade de estudo apresentada à população em idade
escolar. Seus organizadores defendiam a instalação de um sistema
de educação visando aos princípios de uma educação pública, laica,
gratuita e obrigatória (SILVEIRA; SANTOS; FAJARDO, 2013, p. 12).

Os autores que assinavam o Manifesto acreditavam que a escola seria o início de


uma nova compreensão de sociedade, com interações mais humanas e demo-
89
cráticas. Assim, podemos ver a nítida aproximação proposta entre sociologia e
UNIDADE 3

educação, ou seja, o manifesto propõe um olhar sociológico sobre o problema


da educação no Brasil. E, além disso, explora a consciência sociológica do bra-
sileiro em sua concepção enquanto “povo” (AZEVEDO, 2010). O Manifesto dos
Pioneiros aprofundou, portanto, a ideia que o brasileiro faz de si mesmo para
contextualizar as necessidades de nossa educação. Para tanto, os autores propu-
seram um estudo sobre a constituição do Brasil, considerando seu meio social, o
clima, a heterogeneidade de raças e o processo histórico.

explorando Ideias

O educador, como o sociólogo, tem necessidade de uma cultura múltipla e bem diversa.
As alturas e as profundidades da vida humana e da vida social não devem estender-se
além de seu raio visual, ele deve ter o conhecimento dos Homens e da sociedade em cada
uma de suas fases para perceber além do aparente e do efêmero, “o jogo poderoso das
grandes leis que dominam a evolução social”, e a posição que tem a escola, e a função
que representa, na diversidade e pluralidade das forças sociais que cooperam na obra da
civilização. Se há essa cultura geral, que lhe permite organizar uma doutrina de vida e am-
pliar seu horizonte mental, poderá ver o problema educacional em conjunto, de um ponto
de vista mais largo para subordinar o problema pedagógico ou dos métodos ao problema
filosófico ou dos fins da educação; se tiver um espírito científico, empregará os métodos
comuns a todo gênero de investigação científica, podendo recorrer a técnicas mais ou
menos elaboradas e dominar a situação, realizando experiências e medindo os resultados
de toda e qualquer modificação nos processos e nas técnicas, que se desenvolveram sob
o impulso dos trabalhos científicos na administração dos serviços escolares.
Fonte: Azevedo et al. (2010, p. 35).

Dois anos depois, no texto constitucional de 1934, promulgado após a Revolução


Constitucionalista de 1932 no contexto da Era Vargas no Brasil, mencionava-se
pela primeira vez a necessidade de um Plano Nacional de Educação, que já incu-
tiu algumas mudanças sobre a forma como a educação era administrada no país.
Nesse cenário, o Estado assume as responsabilidades pela educação, e também a
proposta de escola única como uma possível forma de superação de desigualdades
(FERREIRA, 2013).
Também, após o Manifesto, Fernando Azevedo introduziu a disciplina So-
ciologia da Educação no currículo das escolas normais do estado de São Paulo.
Uma de suas características marcantes era a inspiração em Émile Durkheim,
visto por alguns como seu “herdeiro intelectual”. E, mostrando a importância dos
90
clássicos da Sociologia que estudamos neste livro, considera-se que por meio de

UNICESUMAR
Durkheim que Fernando de Azevedo pôde aprofundar seus argumentos sobre
a importância da disciplina de Sociologia da Educação, nos cursos de formação
de professores. Em 1941, por exemplo, Fernando Azevedo produziu a obra “So-
ciologia Educacional”, que faz uma leitura da realidade educacional, baseada nas
ideias de Durkheim.

Sobre a importância da Sociologia para a educação, os autores do Manifesto


apontam que:


[...] ao mesmo tempo em que os progressos da psicologia aplicada à
criança começaram a dar à educação bases científicas, os estudos so-
ciológicos, definindo a posição da escola em face da vida, nos trouxe-
ram uma consciência mais nítida da sua função social e da estreiteza
relativa de seu círculo de ação. Compreende-se, à luz desses estudos,
que a escola, campo específico de educação, não é um elemento es-
tranho à sociedade humana, um elemento separado, mas “uma ins-
tituição social”, um órgão feliz e vivo, no conjunto das instituições
necessárias à vida, o lugar onde vivem a criança, a adolescência e a
mocidade, de conformidade com os interesses e as alegrias profun-

91
das de sua natureza. A educação, porém, não se faz somente pela
UNIDADE 3

escola, cuja ação é favorecida ou contrariada, ampliada ou reduzida


pelo jogo de forças inumeráveis que concorrem ao movimento das
sociedades modernas (AZEVEDO et al., 2010, p. 60-61).

Outras mudanças significativas e herdadas do Manifesto dos Pioneiros foram legi-


timadas na Constituição de 1937, que também faz parte do contexto histórico da
Era Vargas no Brasil, simbolizando sua última fase: o Estado Novo. Essa Constitui-
ção foi outorgada, ou seja, imposta. Caracterizando assim, esse período ditatorial
da história do Brasil. Já na redemocratização, em 1988, após a ditadura militar no
Brasil (1964 - 1985), por fim, uma série de dispositivos foram criados para balizar a
educação brasileira, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB
(Lei n. 9.394/96) (BRASIL, 1996).
Após a grande expectativa gerada com o Manifesto dos Pioneiros pela Edu-
cação Nova, a Sociologia passou por problemas por não conseguir transpor seu
discurso para as políticas educacionais. Ao mesmo tempo, tal processo acarretou
uma cisão entre estes dois campos do conhecimento – a educação e a sociologia
– fazendo com que se consolidasse o campo da Sociologia da Educação.
Nesse sentido, destacamos a produção de Florestan Fernandes (1920 – 1995),
sociólogo brasileiro que se dedicou, entre outros temas da realidade social, à edu-
cação com muita dedicação. O pensamento de Florestan Fernandes a respeito do
ensino foi desenvolvido a partir da observação sistemática do contexto político e
social do mundo e, principalmente, do Brasil, interpretando cada fenômeno em
suas diferentes circunstâncias. Suas primeiras reflexões em relação à educação
brasileira estão em “Mudanças Sociais no Brasil”, publicado pela primeira vez, em
1960, mas sua obra sobre o tema é consolidada em “Educação e Sociedade no
Brasil” (1966), composta de diversos artigos escritos entre 1946 e 1963. Na obra
de 1966, Florestan encara a educação como objeto de análise científica e também
como campo de intervenção prática, acionando a contribuição do sociólogo e sua
colaboração com os educadores na obra de reconstrução do sistema educacional
brasileiro (SAVIANI, 1996).


A educação constitui um meio de atingir vários fins, preponderando
entre eles a socialização dos indivíduos, a formação do horizonte
cultural dos seres humanos e o aperfeiçoamento da inteligência”
(FERNANDES, 1966, p. 40).
92
Florestan foi um grande defensor do ensino público, para o autor, a educação de-

UNICESUMAR
veria ser responsabilidade do Estado e visar ao aprimoramento da democracia, o
que traria como consequência o crescimento econômico e o desenvolvimento da
sociedade. Ele almejava que a sociologia pudesse cumprir metodologias empíricas,
e ele mesmo fez estudos utilizando dados sobre a estrutura da educação brasileira,
apontando as desigualdades entre as regiões. Com isso, destacou a necessidade em
“ajustar o sistema de ensino ao padrão de integração e à ordem nacional de forma
que elas preenchessem as funções psico-sociais, socioeconômicas e socioculturais
da educação escolarizada que a civilização moderna requer” (ARAÚJO, 2006, p. 32).
Para além das discussões teóricas, Florestan exerceu, também, um papel prá-
tico na educação brasileira. Isso porque o autor teve papel significativo em torno
das discussões sobre as leis de diretrizes e bases do ensino (LDB), participando,
inclusive, da “Campanha de Defesa da Escola Pública” (1960-1961).
A Campanha foi um movimento de reação a uma proposta feita à Câmara
dos Deputados, em 1958, que ameaçava os princípios democráticos da educação,
conforme seus participantes. Segundo as convicções de Florestan sociólogo, esse
projeto carregava uma filosofia educacional que não condizia com o sistema
político almejado pela nação. Porém Florestan notou, graças a seus estudos de
contexto e formação do Brasil, que a colonização impôs ao Brasil uma educa-
ção elitista e desigual, gerando indivíduos alheios aos problemas sociais, e, desse
modo, incapazes de pressionar o Estado no sentido das reformas necessárias
para o aperfeiçoamento das instituições de ensino (FERNANDES, 1966, p. 348).


Muitos brasileiros ainda não se colocaram as opções que precisa-
mos arrostar em nossa época, entre o atraso e o progresso, entre
o mandonismo e a liberdade, entre a ignorância e a instrução. No
comportamento político desses senadores não devemos enxergar o
temor da coação ou o cálculo frio, ditado pela aritmética eleitoral.
Há, vigoroso e ostensivo, o apego a uma mentalidade que desdenha
da educação popular, teme a democratização do ensino e se opõe à
expansão da rede de escolas públicas.

E, ainda, Florestan Fernandes foi deputado constituinte, participando da elabo-


ração dos projetos de leis que comporiam a Carta Magna que regeria a Nova
República do Brasil. Dessa forma, o autor colocou em prática sua teoria de que
uma nação democrática e justa se constrói a partir do exercício da cidadania,
93
ou seja, com o engajamento político da sociedade civil nos assuntos de grande
UNIDADE 3

interesse social. Florestan lutou para a inclusão de pautas que seguiam o que suas
pesquisas apontavam, a importância da educação para a democracia.


[...] a educação é o mais grave dilema social brasileiro. A sua falta
prejudica da mesma forma que a fome e a miséria, ou até mais, pois
priva os famintos e miseráveis dos meios que os possibilitem a to-
mar consciência da sua condição, dos meios de aprender e resistir
a essa situação (FERNANDES, 1989, p. 126).

Observamos, portanto, o quanto Florestan se preocupava em situar seu discurso


sobre a educação brasileira, que possui características diferentes dos outros países.
Servindo, assim, de grande exemplo do fazer sociológico da educação, que se preo-
cupa em contextualizar as realidades e, a partir deste instrumento, pensar a educação.
Atualmente, a compreensão dos problemas educacionais brasileiros, extrapolou o
âmbito da Sociologia, seu campo de origem, para se tornar também objeto de interes-
se de outras áreas das Ciências Humanas e Sociais. Porém, ainda assim, a Sociologia
da Educação continua sendo um amplo campo de debate que se faz muito importante
para a compreensão da educação, agindo, também, de forma interdisciplinar.

94
CONSIDERAÇÕES FINAIS

UNICESUMAR
Caro(a) estudante, nesta unidade, nós nos aproximamos mais de questões con-
temporâneas da Educação e da Sociedade. Dessa forma, buscamos mostrar o
quanto a Sociologia é importante para se pensar a prática educacional uma vez
que é um ramo indispensável para se pensar a Sociedade.
As discussões sobre Cidadania, Democracia, Desigualdades levam-nos à ne-
cessidade de pensar a realidade social em um contexto que extrapola os muros da
escola e, dessa forma, repensar o que conhecemos, habitualmente, pela prática do
bullying. Esperamos que os autores elencados possam ter contribuído para o seu
entendimento da responsabilidade da escola enquanto motor de transformação
social, mas também para entender o quanto a escola, muitas vezes, reproduz as
desigualdades encontradas na sociedade por ser uma instituição social contida
nessa estrutura maior.
Os debates travados ao longo da unidade nos mostram que as diferentes dis-
ciplinas do currículo escolar podem e devem estar comprometidas com a ideia
de uma educação situada, conhecendo a realidade dos alunos e atendendo às
suas diferentes necessidades. Dessa forma, faz-se necessária uma compreensão
crítica das relações sociais, com o objetivo de a escola ser comprometida com
a formação humanizadora, assim como pedem nossos documentos oficiais que
regulam a educação no Brasil.
Conhecer um pouco do caminho da Sociologia da Educação no Brasil reforça
ainda mais a ideia da necessidade de se situar. Assim, compreendemos com a
última seção da unidade que diferentes contextos pedem uma reflexão diferente,
e é a isso que devemos estar sempre atentos. Além disso, conhecemos a necessi-
dade de se historicizar a educação, compreendendo os caminhos que fizeram-na
chegar até aqui. Esperamos que esta unidade o tenha ajudado a compreender e a
se adaptar a essas diferenças, promovendo sempre uma educação justa.

95
na prática

1. “Um em cada dez estudantes brasileiros é vítima de bullying – anglicismo que se re-
fere a atos de intimidação e violência física ou psicológica, geralmente, em ambiente
escolar. O dado foi divulgado esta semana pelo Programa Internacional de Avaliação
de Estudantes (Pisa) 2015. Especialistas, como a professora de psicologia Ciomara
Shcneider, psicanalista de crianças e adolescentes, defendem que pais e escola
devem estar atentos ao comportamento dos jovens e manter sempre abertos os
canais de comunicação com eles. Para ela, o diálogo continua a ser a melhor arma
contra esse tipo de violência, que pode causar efeitos devastadores em crianças e
adolescentes. A Lei n. 13.185, em vigor desde 2016, classifica o bullying como intimi-
dação sistemática, quando há violência física ou psicológica em atos de humilhação
ou discriminação. A classificação também inclui ataques físicos, insultos, ameaças,
comentários e apelidos pejorativos, entre outros.

BRASIL. Ministério da Educação. Bullying: especialistas indicam formas de com-


bate a atos de intimidação. Brasília, DF: MEC, 20 abr. 2017. Disponível em: http://
portal.mec.gov.br/ultimas-noticias/211-218175739/47721-especialistas-indicam-
-formas-de-combate-a-atos-de-intimidacao. Acesso em: 13 out. 2020.

Com base no texto apresentado e nos conhecimentos adquiridos sobre o tema do


bullying, analise as afirmações a seguir:

I - Para o sociólogo Pierre Bordieu, o bullying não é considerado uma forma de


violência já que é apenas a reprodução de um comportamento já presente na
sociedade.
II - A sociologia do Bullying, proposta por Pascoe (2018), busca enquadrar essa
prática presente nas escolas a desigualdades sociais mais amplas, tirando do
âmbito, meramente, individual do fenômeno.
III - O racismo, o machismo e a homofobia são exemplos de desigualdade sociais
que, muitas vezes, são reproduzidas em práticas de bullying.
As afirmações I, II e III são, respectivamente:

a) V, V, F.
b) F, V, V.
c) V, F, V.
d) F, F, F.
e) V, V, V.

96
na prática

2. Levando em conta a perspectiva sociológica do bullying, descreva, brevemente, uma


proposta de projeto a ser aplicado na escola, embasando sua ideia de acordo com
a perspectiva abordada na unidade.

3. Segundo (FERNANDES, 1966, p. 351): “Tais países [subdesenvolvidos] precisam da


educação para mobilizar o elemento humano e inseri-lo no sistema de produção
nacional; precisam da educação para alargar o horizonte cultural do homem, adap-
tando-o ao presente e a uma complicada teia de aspirações, que dão sentido e
continuidade às tendências de desenvolvimento econômico e progresso social; e
precisam da educação para formar novos tipos de personalidade, fomentar novos
estilos de vida e incentivar novas formas de relações sociais, requeridos ou impostos
pela gradual expansão da ordem democrática”.

FERNANDES, F. Educação e sociedade no Brasil. São Paulo: Dôminus, 1966.

Sobre Florestan Fernandes e a Sociologia da Educação no Brasil, é correto afirmar que:

a) Florestan Fernandes era a favor do pensamento universalizado sobre a educação,


portanto, segundo o autor, a educação do Brasil é a mesma dos demais países,
não se fazendo necessária uma investigação própria.
b) Florestan Fernandes se reconhecia enquanto um teórico da educação, não pro-
duzindo soluções práticas nem atuando de forma direta em questões relacio-
nadas ao tema.
c) Uma das grandes contribuições de Florestan Fernandes à sociologia da educação
no Brasil se deu por sua preocupação em estudar, detidamente, os processos de
formação do Brasil e suas implicações para a educação no país.
d) Florestan Fernandes fez parte da “Campanha de Defesa da Escola Pública”, em
que se defendia um projeto dirigido à Câmara dos Deputados que agradava o
projeto de nação encapado por Florestan e seus demais companheiros.
e) Florestan Fernandes defendia que o Brasil desse continuidade à política educa-
cional da época da Colônia, pois, para ele, este seria o caminho para se tornar
um país desenvolvido.

4. Após nossos estudos percebemos a importância de conceitos como “cidadania”


para nossa sociedade e educação. De acordo com o dicionário Priberam da Língua
Portuguesa (2020), definimos: ci·da·da·ni·a (cidadão + -ia). Qualidade de cidadão.

97
na prática

DICIONÁRIO PRIBERAM DA LÍNGUA PORTUGUESA, [2020], on-line)1.


De acordo com o que aprendemos, nesta unidade, sobre a cidadania, analise as
afirmativas a seguir:

I - A cidadania é imutável, portanto, não há possibilidade de que sua concepção


se altere ao longo do tempo.
II - Segundo a legislação brasileira, formar cidadãos é dever, exclusivo, da família,
por isso, a escola deve se abster de qualquer ensinamento cívico.
III - A cidadania diz respeito ao cidadão no sentido restrito de “morador da cidade”.
IV - Uma concepção moderna de cidadania associa o conceito à consolidação da
ação dos indivíduos no espaço público enquanto iguais.

É correto que se afirma em:

a) I e III, apenas.
b) I e IV, apenas.
c) IV, apenas.
d) II, III e IV, apenas.
e) I, II e III, apenas.

5. Segundo (FREIRE, 2000, p. 67): “Se a educação sozinha não transforma a sociedade,
sem ela tampouco a sociedade muda” FREIRE P. Pedagogia da indignação: cartas
pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Editora UNESP, 2000.

Sobre a proposta de cidadania feita por Paulo Freire, pode-se afirmar:

a) Para Paulo Freire, a cidadania deveria ser uma disciplina a constar no currículo
da escola uma vez que o aprendizado está reservado a esta instituição.
b) Um dos grandes focos da educação para Paulo Freire seria a conscientização, e
o ato de conscientizar-se levaria à cidadania.
c) Para Paulo Freire, a divisão existente entre educador e educando é essencial para
o bom curso do aprendizado cidadão.
d) A conscientização, segundo Paulo Freire, levaria os educandos a absorver me-
lhor as regras e normas da sociedade, fazendo com que assim houvesse menos
conflitos sociais.
e) A cidadania para Paulo Freire se daria com a consolidação da educação bancária
cujos lucros são da sociedade.

98
aprimore-se

EDUCAÇÃO COMO AÇÃO CONTRA AS DESIGUALDADES

Durante os anos de transição da Ditadura Militar para o Regime Democrático, evi-


denciou-se o papel da Educação como ferramenta de transformação de uma so-
ciedade marcada por profundas desigualdades sociais. Estava claro que cabia a
nós, cidadãos brasileiros, refletir e agir para mudar aquele cenário no quadro da
nascente democracia.
Inicialmente, discutiu-se a importância de acabar com o analfabetismo adulto. De-
pois, houve a preocupação com a formação dos professores. Mas ações emergenciais
adotadas naquele contexto acabaram prejudicando soluções realmente abrangentes
para aqueles graves problemas. A pressa foi inimiga da perfeição e, hoje, é preciso
realinhar o ensino brasileiro com metas iguais para condições desiguais.
Para reduzir a distorção na oferta de ensino de qualidade, essas ações necessitam
de incentivos federais ou estaduais. É importante frisar também que a qualidade de
ensino no Brasil é avaliada por exames padronizados que não consideram as dife-
renças culturais, muito menos as multiplicidades que cada região do país apresenta.
Sem dúvida, a educação escolar é a ferramenta que gera a cidadania e que é ca-
paz de mudar destinos. Sem dúvida, é por meio da educação que uma nação se tor-
na desenvolvida. Mas não se pode exigir que a educação seja a grande responsável por
tudo aquilo que as políticas públicas não fizeram: gerar condições de desenvolvimento
pessoal pleno e em todos os sentidos.
Não podemos tratar os desiguais como iguais, como se as diferenças não
existissem. Para combater as discrepâncias sociais, é preciso uma educação de qualidade
com iguais oportunidades para todos, dentro dos parâmetros de universalização do
ensino defendido pelo Plano Nacional de Educação. É necessário mais do que isso.
A educação pode, sim, modificar toda a nossa sociedade e nos dar melhores con-
dições de vida, mas, enfatizo, se em seus parâmetros as desigualdades sociais não
forem consideradas, a educação não dará o seu grande salto.

Fonte: adaptado de Ribeiro (2017).

99
eu recomendo!

livro

Mulheres, Raça e Classe


Autor: Angela Davis
Editora: Boitempo
Sinopse: obra fundamental para se entender as nuances das
opressões. Começar o livro tratando da escravidão e de seus efei-
tos, da forma pela qual a mulher negra foi desumanizada dá-nos
a dimensão da impossibilidade de se pensar um projeto de nação
que desconsidere a centralidade da questão racial, já que as sociedades escravo-
cratas foram fundadas no racismo. Nessa construção, para ela, cabe às mulheres
negras um papel essencial, por se tratar do grupo que, sendo, fundamentalmen-
te, o mais atingido pelas consequências de uma sociedade capitalista, foi obriga-
do a compreender para além de suas opressões, a opressão de outros grupos.

filme

Preciosa - Uma história de esperança


Ano: 2009
Sinopse: o filme conta a trajetória de Claireece “Preciosa” Jones,
uma garota negra que sofre diversas dificuldades. Quando crian-
ça, é abusada e violentada pelos pais. Cresce pobre e passa por
uma série de discriminações por ser analfabeta e estar acima
do peso. Após muita insistência pessoal e com a ajuda de uma
educadora que muito acredita na sua possibilidade de mudança,
Preciosa dá a volta por cima.

100
4
PERSPECTIVAS
ANTROPOLÓGICAS
como instrumentos
para a educação

PROFESSORAS
Me. Daiany Cris Silva
Me. Milena Cristina Belançon

PLANO DE ESTUDO
A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: • A antropologia e o olhar sobre
o outro • A importância da etnografia para a compreensão da realidade social • A prática docente
orientada pelo fazer etnográfico.

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
• Dimensionar o histórico de surgimento da antropologia e a definição do seu objeto de estudo, a cultura
• Apresentar as principais correntes de pensamento teórico clássico que consolidaram a antropologia
como ciência • Demonstrar como a antropologia pode contribuir para o entendimento do outro, sua
cultura e estilo de vida • Definir a etnografia, principal ferramenta metodológica da antropologia, como
uma maneira de compreensão da realidade social que pode colaborar na atuação educacional • Propor
o olhar antropológico como um instrumentos de planejamento didático que pode orientar uma prática
docente comprometida com a realidade concreta da realidade escolar..
INTRODUÇÃO

Prezado(a) estudante, o surgimento da antropologia como ciência é re-


sultado das reflexões incentivadas por uma sociedade que buscava com-
preender melhor a si mesma e as suas possibilidades como uma constru-
ção coletiva. Tendo em vista esse movimento da investigação científica de
meados do século 19 e início do século 20, apresentaremos nessa unidade
o contexto de consolidação da antropologia como disciplina.
Primeiramente, na Aula 3, propomos um debate sobre o conceito de
cultura, o objeto de estudo da antropologia, suas definições e, até mesmo,
os equívocos que realizamos no senso comum ao associar a cultura a so-
fisticação e erudição. Ao desmistificar a cultura como um elemento per-
tencente a classes com maior destaque social, buscamos incentivar a você,
futuro(a) professor(a), a pensar na riqueza de expressões culturais que a
nossa sociedade nos proporciona, que é acessível a toda e qualquer pessoa.
Discutimos na Aula 2 as principais correntes teóricas da antropolo-
gia e os primeiros estudos que se consolidaram nesse campo de pesquisa,
seguido de uma breve discussão sobre as correntes teóricas clássicas da
disciplina: o relativismo cultural, o funcionalismo e o estruturalismo, além
disso, na segunda aula nos concentramos em apresentar o principal méto-
do de pesquisa antropológica, a etnografia, que é o trabalho de observação
intensa e descritiva que possibilita as análises do trabalho antropológico.
E, por fim, na aula 3, propomos um debate sobre como o fazer etnográ-
fico pode contribuir na prática docente, o nosso objetivo é demonstrar que
desnaturalizar noções cristalizadas sobre o comportamento das pessoas,
principalmente de nossos educandos, é uma iniciativa essencial para es-
tabelecer um bom diálogo no ambiente escolar e consequentemente obter
uma prática pedagógica atenta a realidade social. Bons Estudos!
1
A ANTROPOLOGIA E O

UNICESUMAR
OLHAR SOBRE
o outro

Caro(a) estudante, nesta aula dimensionaremos o histórico do surgimento da


antropologia e a definição do seu objeto de estudo, a cultura. Por meio disso,
compreenderemos como as principais correntes de pensamento teórico clássico,
que consolidaram a antropologia como ciência, incentivam-nos a pensar o ou-
tro, aqueles que vivem sob uma lógica de vida diferente da nossa por possuírem
outros hábitos e costumes culturais.
O que é cultura? Como a cultura se constrói entre as nações humanas? Quais
são as diferentes formas de significar a vida em sociedade? Poderíamos apon-
tar essas questões como as que, primordialmente, conduziram o surgimento e a
consolidação da antropologia como uma ciência sobre a humanidade que, ini-
cialmente, ao centrar o seu objeto de estudo em sociedades ditas primitivas. Com
organização “simples” e localizadas em ilhas “exóticas”, a Antropologia despertou
uma nova maneira de pensar a ciência sobre as relações humanas, definiu que
poderíamos melhor compreender o funcionamento de nossa própria sociedade
se tomássemos contato com povos que vivem sob uma lógica distinta da nossa.
Para que esta compreensão fosse passível, definir um conceito de cultura e es-
tabelecer metodologias para estudá-la se tornaria, então, o passo inicial para o
desenvolvimento de teorias antropológicas. Na atualidade, este campo de estudos
se concentra em estudar todas as sociedades humanas, incluindo a que vivemos,
com sistemas sociais mais complexos.
103
Esta diferenciação entre sociedades “simples” e “complexas” é a herança que os
UNIDADE 4

primórdios da antropologia nos deixou para classificar as diferentes expressões


culturais. Talvez, seja por isso a recorrência ao tratar a cultura como um sinônimo
de eruditismo, sendo o conhecimento formal relativo a possuir mais “cultura”.
Você, caro(a) estudante, já deve ter se referido, ou ouviu alguém se referir a uma
pessoa que possui hábitos qualificados como refinados pela nossa sociedade,
como o gosto por música clássica, conhecimento sobre iguarias gastronômicas
ou leitores de filosofia e literatura estrangeira, como pessoas que possuem cultu-
ra? Pois é, muitos relacionam cultura à sofisticação. Mas será que é isso mesmo?
O antropólogo brasileiro Roberto Damatta (1981) ressalta que tendemos a utili-
zar a palavra cultura como forma de discriminação e distinção de vivências humanas:


Cultura é uma palavra usada para classificar as pessoas e, às vezes,
grupos sociais, servindo como uma arma discriminatória contra
algum sexo, idade (‘as gerações mais novas são incultas’), etnia (‘os
pretos não tem cultura’) ou mesmo sociedades inteiras, quando se
diz que ‘os franceses são cultos e civilizados’ em oposição aos ame-
ricanos que são ‘ignorantes e grosseiros’ (DAMATTA, 1981, p. 1).

Nesse sentido, a cultura seria um categorizador de hábitos mais ou menos civi-


lizados, o que significa que há pessoas que possuem mais cultura do que outras.
Isso poderia nos levar a pensar que os mais ricos são mais cultos do que os mais
pobres, por exemplo, logo, devem permanecer dominantes nas instâncias de po-
der por possuírem conhecimentos mais racionais.
Perceba que, no senso comum, o uso do termo cultura é classificatório, por-
tanto, colabora na distribuição de poder entre as diferentes condições humanas.
Porém o que os estudos antropológicos nos mostram é que, quando falamos de
cultura, nos referimos a um conceito que interpreta a vida social. Portanto, para
nós, antropólogos(as), possuir cultura não é estabelecer hierarquias de civilidade,
mas compreender o modo de vivência coletiva entre grupos, povos e nações, e
essa compreensão não deve estabelecer qualificações que consideram determi-
nadas culturas mais desenvolvidas que outras.
Compreende-se, portanto, que investigar quais são “as regras que formam a
cultura (ou a cultura como regra) é algo que permite relacionar indivíduos entre si e
o próprio grupo com o ambiente onde vivem” (DAMATTA, 1981, p. 2). Ou seja, se
conseguimos captar como a cultura de determinado grupo/povo/nação se constrói
104
e como as pessoas que fazem parte de sua construção significam os acontecimentos

UNICESUMAR
em sua vida os processos sociais, temos a possibilidade de avaliar as relações esta-
belecidas nessa sociedade que se solidificam em torno desse conjunto de regras.

pensando juntos

Cultura é, em Antropologia Social e Sociologia, um mapa, um receituário, um código atra-


vés do qual as pessoas de um dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam o
mundo e a si mesmas.
(Roberto Damatta)

Perceba, caro(a) estudante, que utilizamos muitas aspas na escrita deste texto, faze-
mos isso pois, quando falamos de antropologia não devemos lidar com ideias gene-
ralistas, como a noção de “civilidade” ou a expressão “possuir cultura”, muito menos
podemos afirmar que há sociedades mais “simples” e outras mais “complexas” como
se houvesse hierarquias entre os diferentes sistemas sociais. Realizar afirmações
como essas nos colocaria em posição contraditória e incoerente em detrimento do
olhar orientado sobre o outro que as teorias antropológicas pretendem nos ensinar.
Retomemos o conceito de cultura cunhado pela antropologia. A questão
que se coloca neste momento é: Como se faz possível uma ciência que se dedica
a estudar fenômenos tão complexos, variáveis e imprevisíveis? Pois, diferente-
mente das ciências naturais em que a matéria-prima de seus estudos são eventos
isoláveis e fatos simples, recorrentes e passíveis de reprodução em situações de
laboratório, por exemplo, em que se pode comprovar e repetir um mesmo teste
inúmeras vezes, nas ciências sociais não podemos controlar as ações humanas
nem mesmo conseguimos reproduzi-las a fim de testá-las.
Os elementos da cultura de uma dada sociedade, relações de parentesco,
hierarquias sociais e instâncias de poder, religiosidade, rituais, mitos e ditos po-
pulares, entre outros eventos que estão bem perto de nós, que nos pertencem,
integralmente, como sociedade, são o objeto de estudo da antropologia e o pro-
blema não está no fato de que não conseguimos reproduzi-los ou testá-los, mas
como devemos observá-los (DAMATTA, 1987).
Para entender a maneira que a antropologia encontrou para se obser-
var as culturas e todos os seus elementos, faremos o mesmo caminho que o
antropólogo brasileiro Roberto Damatta propôs em um texto introdutório
clássico das Ciências Sociais que se chama “Relativizando: uma introdução
105
à antropologia social” (DAMATTA, 1987), somando considerações sobre os
UNIDADE 4

principais movimentos teóricos da disciplina. O autor destaca que há três


grandes “antropologias” no caminho de consolidação científica desta área
de estudo, a primeira é a Antropologia Biológica ou Física, que estabelece
classificações entre as “raças humanas” baseadas na natureza; seguida da An-
tropologia Geral, que pode ser representada pela Arqueologia e os estudos de
sociedades do passado e; a Antropologia Social (ou Cultural), que também
pode ser chamada de Etnologia, é a versão moderna da disciplina, em que se
considera que a humanidade não é só produto de cultura, mas que também
a produz. Esse campo de estudos nos permite compreender a visão humana
sobre o conjunto de regras e costumes que nos orientam socialmente.

A Antropologia Biológica (ou Física)

A Antropologia Biológica trata das relações da natureza com o desenvolvimento


da vida humana. Nesse campo de estudos, o natural é anterior ao biológico e ao
social, o que significa que existe uma ordem de evolução que é, previamente,
estabelecida pela natureza. Desta forma, a nossa biologia é constituída por essa
ordem natural que acaba por determinar a nossa organização social. Esta lógica
científica pode dar a entender que há uma natureza humana que é universal.


O estudo da Antropologia Biológica, situa a questão de uma cons-
ciência física do estudo do Homem. Ela remete aos parâmetros
biológicos de nossa existência, revelando como estamos ligados
ao mundo animal e aos mecanismos básicos da vida no planeta
(DAMATTA, 1987, p. 35).
106
O movimento intelectual que pode representar esse campo da antropologia é

UNICESUMAR
o das teorias evolucionistas, que possuem uma perspectiva muito simplista da
evolução da humanidade, evolução esta que se daria em etapas, primeiro pelo
desenvolvimento físico, depois o desenvolvimento social, “primeiro grito, depois
a fala. Primeiro o indivíduo, depois o grupo” (DAMATTA, 1987, p. 34).
Lewis Henry Morgan (1818-1881), Edward Burnett Tylor (1832-1917) e James
George Frazer (1854-1941) são os principais autores das teorias evolucionistas, que
também podem ser nomeados como os “fundadores” da antropologia, dado que
os primeiros estudos de grande relevância na área foram de sua responsabilidade.
A pesquisa de Morgan sobre as linhas de parentesco entre povos originários
da América, publicada em 1871, chama-se “Sistemas de consanguinidade e afini-
dade da família humana” e marcou os estudos acerca dos sistemas de parentesco
na antropologia. Nessa obra, Morgan conclui que haveria apenas “dois sistemas
de terminologia de parentesco, fundamentalmente, diferentes: um descritivo (do
hemisfério sul, tropical e claramente não-europeu) e outro classificatório (da
Europa e do noroeste asiático)” (CASTRO, 2005, p. 6).
Morgan acreditava que nos “sistemas classificatórios, que eram, de um lado,
característicos de povos não civilizados e, por outro lado, eram mais artificiais,
mais elaborados e mais distantes da natureza da descendência do que os siste-
mas descritivos dos povos ‘civilizados’” (ALMEIDA, 2010, p. 311). Em síntese, as
contribuições de Morgan versavam sobre o desenvolvimento da luta pela sobre-
vivência da humanidade. O autor destacou um processo progressivo de evolução
que passava por, basicamente, três estágios: selvageria, barbárie e civilização. Veja,
no quadro a seguir, apresentado pelo autor para entender como cada estágio se
localiza no processo de evolução da humanidade:

Períodos Condições

Período inicial Status inferior Da infância da raça humana até o co-


de selvageria de selvageria meço do próximo período.

Período Status Da aquisição de uma dieta de subsistên-


intermediário de Intermediário cia à base de peixes de um conhecimen-
Selvageria de Selvageria to do uso do foto até etc.

Período final Status superior


Da invenção do arco-e-flecha até etc.
de selvageria de selvageria

Período inicial Status inferior


Da invenção da arte da cerâmica até etc.
da barbárie de Barbárie

107
Períodos Condições
UNIDADE 4

Da domesticação de animais no hemis-


Período Status
fério oriental e, no ocidental, do cultivo
intermediário intermediário
irrigado de milho e plantas, com o uso
da Barbárie da Barbárie
de tijolos de adobe e pedras, até etc.

Da invenção do processo de fundir


Período final Status superior
minério de ferro, com o uso de ferra-
da barbárie da barbárie
mentas de ferro, até etc.

Status de Status de Da invenção do alfabeto fonético, com


civilização civilização o uso da escrita, até o tempo presente.

Quadro 1- Quadro de recapitulação do processo de evolução progressiva formulado por Le-


wis Henry Morgan em sua obra “A SOCIEDADE ANTIGA: ou investigações sobre as linhas do
progresso humano desde a selvageria, através da barbárie, até a civilização”, publicada em
1877 / Fonte: Castro (2005, p. 28).

Em síntese, a selvageria trata das descobertas tecnológicas para a alimentação,


o manuseio do fogo e a criação de instrumentos e ferramentas. Já a barbárie se
refere ao momento em que a humanidade constitui a agricultura, moradias fi-
xas, utensílios de cerâmica e a domesticação de animais e, por fim, a civilização,
fase que vivenciamos na atualidade, surge da criação da linguagem e escrita que
constitui novos moldes de relação social e proporciona a criação de mecanismos
de organização social e proteção da propriedade privada, o que constitui o estado
moderno, as instituições sociais e outros elementos mais “sofisticados” da cultura.

explorando Ideias

A obra de Charles Darwin (1809-1882) “Sobre a origem das espécies por meio da seleção
natural”, publicada em 1872, foi uma importante influência para as teorias evolucionistas
na antropologia. Os antropólogos evolucionistas, ao passo que buscavam compreender
as descobertas tecnológicas da humanidade, analisavam o surgimento das primeiras or-
ganizações e instituições sociais.
Fonte: as autoras.

E o nosso outro autor evolucionista, Tylor, com o objetivo de organizar as des-


cobertas da humanidade, durante a evolução, por meio da leitura de pesquisas
arqueológicas da pré-história, publicou, em 1865, a obra “Pesquisas sobre a antiga
história da humanidade e o desenvolvimento da civilização”. Esse texto culminou
108
em seu trabalho mais relevante: “Cultura primitiva: pesquisas sobre o desenvol-

UNICESUMAR
vimento da mitologia, filosofia, religião, linguagem, arte e costume”, publicado
em 1871, no qual o autor deu-nos a primeira definição antropológica de cultura:


Cultura ou Civilização, tomada em seu mais amplo sentido etno-
gráfico, é aquele todo complexo que inclui conhecimento, crença,
arte, moral, lei, costume e quaisquer outras capacidades e hábitos
adquiridos pelo homem na condição de membro da sociedade.
(CASTRO, 2005, p. 8).

Usando os termos cultura e civilização como sinônimos, Tylor defendia que ha-
veria um “descompasso entre configurações culturais avançadas e atrasadas, con-
vivendo numa mesma sociedade, que dentro de uma linha de continuidade do
processo de civilização, se apresentam como sobrevivências” (MATIAS, 2008, p. 5).

conceituando

Etnocentrismo: a teoria evolucionista contribuiu muito para que uma visão etnocêntrica
de cultura fosse erradicada pelo mundo, o etnocentrismo que em um sentido mais amplo
pode possuir dois sentidos, um primeiro que se faz em uma certa “cegueira para diferen-
ças culturais, a tendência de pensar e agir como se elas não existissem. No segundo sen-
tido, refere-se aos julgamentos negativos que membros de uma cultura tendem a fazer
sobre todas as demais” (JOHNSON, 1997, p. 102).

Quanto a James Frazer, a sua obra de destaque é “O ramo de ouro”, publicada em


1890. O autor tinha como objetivo compreender um tema da mitologia clássica
“[…] a regra para a sucessão do sacerdócio no templo do bosque de Nemi, perto
de Roma” (CASTRO, 2005, p. 10). Por meio da análise desse tema e tantos outros
que versavam seus estudos sobre religiosidade, a proposta do antropólogo possui
um caráter processual de análise, apresentando semelhanças as teorias de Morgan
e Tylor. Frazer, “[...] visa descobrir as leis gerais que regulavam a história humana
no passado e que, se a natureza for realmente uniforme, é de se esperar que a
regulem no futuro” (FRAZER, 1908 apud CASTRO, 2005, p. 104).
Frazer, Tylor e Morgan têm em comum a perspectiva de que o desenvolvi-
mento das sociedades humanas possui um fluxo processual e por meio da análise
do nosso desenvolvimento em diferentes momentos da história e em sua diver-
109
sidade de regiões e manifestações culturais, a humanidade constrói a evolução
UNIDADE 4

dos processos sociais. Em síntese, a teoria evolucionista nos diz que há uma
espécie humana que é universal em todo o mundo, tanto quanto à organização
econômica quanto em aspectos culturais e sociais. Isso significa que, ao redor
do mundo, a humanidade se desenvolve “em ritmos desiguais, de acordo com as
populações, passando pelas mesmas etapas, para alcançar o nível final que é o da
‘civilização’” (LAPLANTINE, 2003, p. 49).
No Brasil, as teorias evolucionistas também surtiram alguma repercussão, e
o antropólogo maranhense Raimundo Nina Rodrigues pode ser apontado como
o principal representante desta influência evolucionista na ciência brasileira. Ele
possui entre as suas principais obras “Os africanos no Brasil”, publicada em 1932,
e “As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil”, publicada em 1894. Em
uma considerável produção sobre a formação da sociedade brasileira o antropó-
logo cunhou o que chamamos de teoria das três raças, pois acreditava que seria
preciso definir e diferenciar as raças puras primitivas: a branca, a negra e a ver-
melha, das raças cruzadas, as mestiças. O autor acrescenta, ainda, que nenhuma
raça mestiça poderia figurar ao lado delas, pois se encontravam em transição e
até poderiam desaparecer (NEVES, 2008, p. 246). O desejo pelo desaparecimento
da mestiçagem configura o teor eugenista da obra de Nina Rodrigues.

conceituando

Eugenia: segundo Neves(2008), o termo Eugenia foi cunhado por Francis Galton, primo
de Charles Darwin, em 1883. Seria para ele a ciência do melhoramento da hereditarie-
dade humana, ou seja, para estudiosos eugenistas existe uma raça humana superior, e
pela ciência seria possível uma “purificação das raças” para manter esse gene superior
como majoritário.
Fonte: adaptado de Neves (2008).

Nina Rodrigues foi um importante referencial na medicina legal brasileira, no


início do século XX, e colaborou na construção da visão que considera a inferio-
ridade de algumas raças sobre outras, no caso, entre brancos e negros. O autor
colocava-se desfavorável à mestiçagem no Brasil:

110

Nina Rodrigues considerava algumas raças inferiores a outras e era

UNICESUMAR
contra a mestiçagem que, em suas próprias palavras, apenas “retar-
dava a eliminação do sangue branco”. Embora, de um modo geral,
considerasse a raça negra inferior à branca e nociva como elemento
étnico na formação do povo brasileiro, admitia que essa nocividade
poderia se manifestar em diferentes graus, conforme a procedência
dos africanos (NEVES, 2008, p. 257).

A antropóloga Marilyn Strathern (2014), ao analisar a obra de James Frazer, pro-


põe a seguinte reflexão sobre a teoria do autor, que acreditamos que pode ser
estendida em alguma medida para compreender a contribuição da teoria evolu-
cionista como um todo na antropologia. Segundo a autora:


Frazer não se referia à comparação entre sistemas sociais, mas à reu-
nião de diversos costumes de modo a lançar luz sobre um conjunto
particular deles. Pode-se lançar luz a partir de qualquer direção – as
crenças e práticas de qualquer lugar do mundo iluminarão as que
estiverem sendo estudadas e mostrarão possíveis antecedentes ou
uma tendência de que as pessoas pensem da mesma forma em todos
os lugares” (STRATHERN, 2014, p. 168).

O que a antropóloga busca ressaltar é que, apesar das teorias evolucionistas


possuírem certa influência na disseminação de ideias racistas e etnocêntricas,
em suma, o seu fazer antropológico deu-nos um roteiro de análise que é muito
importante para a antropologia até os dias atuais, que é o de lançar luz sobre a
diversidade de vivências culturais e, por meio disso, compreender como nos
construímos como pessoas em qualquer lugar do mundo.

A Antropologia Geral ou
Arqueologia

Você, caro(a) estudante, já se perguntou se


para haver cultura é preciso haver socie-
dade? Claramente, em algum momento,
alguma organização social deverá existir
para que se forme um sistema cultural,
o que não significa que quando houver a
111
UNIDADE 4

extinção de uma dada sociedade o seu material cultural é, automaticamente,


extinguido. A arqueologia é o campo de estudos na antropologia que nos mostra
como isso é possível.


A Antropologia Geral diz respeito ao estudo do homem no tempo,
através dos monumentos restos de moradas, documentos, armas,
obras de arte e realizações técnicas que foi deixando no seu cami-
nho enquanto civilizações davam lugar a outras no curso da his-
tória. Essa esfera do trabalho é conhecida como arqueologia […]
(DAMATTA, 1987, p. 28).

Ao desencavar e colecionar artefatos, instrumentos, ferramentas e objetos ma-


teriais que datam milhares de anos, os arqueólogos possuem em suas mãos
bens culturais que contam a história de um sistema social já desaparecido. Por
meio da análise e catalogação desses elementos, a arqueologia consegue nos
contar quais eram as características da cultura de determinado povo que já
não existe mais na atualidade.

112
UNICESUMAR
Machu Picchu, a cidade dos Incas no Peru, é um dos grandes exemplos de como
a cultura pode permanecer presente mesmo que sua sociedade já não exista mais.
Próximo de Cusco, a antiga capital do império Inca, Machu Picchu, testemunha a
existência dos Incas, que perdurou entre 1200 e 1550. Esse sítio arqueológico reve-
la nuances da organização política, econômica e cultural de toda uma civilização.
A arqueologia é um grande instrumento para os estudos antropológicos, uma
vez que nos permite conhecer nossas manifestações culturais do passado, o que é
uma boa maneira de avaliar como a humanidade se comporta em todas as suas
dimensões, períodos da história e contextos sociais.

A Antropologia Social (ou Cultural)/Etnologia

A Antropologia Social (ou Cultural) caracteriza-se pelo “estudo da humanidade


como produtora e transformadora da natureza. E muito mais que isso: a visão
humana enquanto membro de uma sociedade e de um dado sistema de valores”
(DAMATTA, 1987, p. 32). Esse campo de estudos se diferencia dos demais por
reconhecer que o âmbito social e cultural possuem impactos significativos e são
dotados de realidade, regras e possuem uma dinâmica própria, que não é tão
codependente da natureza, como durante anos se acreditou.

Fonte: Wikimedia Commons

113
Na Antropologia Social ou Cultural, nossos estudos são baseados em textos descri-
UNIDADE 4

tivos, que possuem detalhes da organização social de um grupo/ povo/nação. Cha-


mamos, também, a ciência que produz esse material de etnologia, que é o estudo da
cultura, que só é possível por meio da principal técnica de pesquisa na antropologia,
a etnografia. Por meio da etnografia, convivemos com as sociedades que estudamos,
escrevemos sobre as suas culturas e registramos em textos acadêmicos nossas análises
acerca dos temas que nos dedicamos a estudar. Esse texto final de apresentação dos
resultados de pesquisa é um estudo etnológico, que se constitui do processo de análise
científica e mobilização de conceitos teóricos da antropologia. Há muitos estudiosos
que nos diferenciam das outras áreas das ciências sociais, por meio desse método,
pois os antropólogos(as) seguem esse roteiro básico de pesquisa, convive-se com as
culturas que se estuda, descrevem-se e interpretam-se o que se observa em campo,
o que chamamos de realizar uma etnografia e, depois, ao registrarmos nossas inter-
pretações em textos acadêmicos, chamamos de estudos etnológicos.

conceituando

Etnografia: um trabalho etnográfico é uma explicação descritiva da vida social e da


CULTURA em um dado SISTEMA SOCIAL, baseada em observação detalhada do que as
pessoas de fato fazem. Constitui um método de pesquisa associado principalmente a
estudos antropológicos de sociedades tribais, mas é também muito usado por soció-
logos, sobretudo em relação a grupos, organizações e comunidades que são parte de
sociedades maiores e mais complexas tais como hospitais, bairros étnicos, gangues ur-
banas e cultos religiosos (JOHNSON, 1997, p. 101).

O que todas essas “antropologias” nos informam, ao indicar os caminhos de con-


solidação teórica da disciplina, é que a “antropologia ocupa-se dos seres humanos
como produtos da vida em sociedade” (BENEDICT, 1983, p. 13), o que significa
que nenhuma de nossas percepções, nossas crenças e nossos valores são naturais,
mas sim construções sociais e culturais muito bem solidificados pelas gerações.
Em síntese, este campo de estudos incentiva-nos a abrir o nosso olhar sobre a di-
versidade de vivências que existem ao redor do mundo e, diante disso, nos possibilita
que percebamos que o “outro” e o “desconhecido” pode nos informar sobre como a
vida humana é plural em possibilidades e, até mesmo, por meio disso, elaborar novas
concepções de mundo, diminuir preconceitos e produzir melhor compreensão sobre
as pessoas que estão a nossa volta e sobre a nossa própria vida cotidiana.
114
2
A IMPORTÂNCIA DA

UNICESUMAR
ETNOGRAFIA
para a compreensão
da realidade social

Caro(a) estudante, nesta seção, conheceremos as correntes de pensamento na


antropologia e a maneira com que o principal conjunto de autores clássicos da
disciplina contribuem para que compreendamos melhor a nossa realidade social,
em sua diversidade de culturas pelo mundo, principalmente, quanto às primeiras
investigações antropológicas entre os povos originários da américa e oceania.
A antropologia, desde as suas primeiras tentativas de explicar as nossas cons-
truções culturais, contribuiu, significativamente, para que pudéssemos com-
preender melhor a nossa realidade social. Até mesmo as teorias evolucionistas,
que, embora tenham colaborado para reafirmar visões de mundo racializadas
e hierárquicas, ainda assim, contribuíram para que as ciências como um todo
se atentassem para o quanto o estudo das complexidades do desenvolvimen-
to humano, no sentido abstrato de suas subjetivações e colaborações coletivas,
são importantes de serem considerados, cientificamente. A cultura e a sociedade
passam, nesse momento, a se legitimar como meios constitutivos da vida junto
da natureza, que já não é mais um elemento único para se pensar a humanidade.
Por ser tão complexa e plural, consideramos, que há diversas correntes teóri-
cas na antropologia que contribuíram para que esse olhar atento à realidade social
possa ser consolidado. Primordialmente, surgem a antropologia cultural e a an-
tropologia social que, em contraposição ao evolucionismo, buscam questionar as
determinações hierarquizadas impostas sobre a análise antropológica até então.
115
E como esses campos de estudos nos proporcionaram esses questionamentos?
UNIDADE 4

Há uma palavra muito importante para a antropologia que é relativizar. A relati-


vização nos estudos antropológicos é quando consideramos os contextos que a
cultura possui para a sua construção. Este movimento de relativização é essencial
para que haja uma valorização genuína das mais diversas expressões culturais.
Relativizar, em antropologia, é estar atento às diversidades e peculiaridades que
cada cultura possui, e este olhar relativizado para a cultura do outro pode evitar
a uniformização etnocêntrica das características culturais nas relações humanas,
em diferentes regiões do mundo.
A relativização é um conceito significativo para a antropologia e nos ensina
muito sobre como podemos lidar com diversas situações na nossa vida cotidiana,
como docentes, por exemplo. Relativizar pode favorecer para que o nosso tra-
balho seja orientado pela diversidade de possibilidades que o corpo discente e a
comunidade escolar pode nos proporcionar. Saber relativizar na escola, ou seja,
levar em conta diferentes perspectivas e seus contextos, possibilita um trabalho
que objetiva a ação educacional situada à realidade social.
Para que você, caro(a) estudante, compreenda melhor como esse e outros
conceitos da antropologia, principalmente em sua metodologia, a etnografia,
pode colaborar para melhor dimensionar a realidade social que estamos imersos,
apresentaremos as principais correntes teóricas e os trabalhos etnográficos que
marcaram a antropologia clássica.
A Antropologia Cultural é corrente teórica que cunhou o movimento de
relativização na antropologia, o que nós chamamos de relativismo cultural ou cul-
turalismo. Como um dos maiores representantes desse campo de estudos temos
o seu precursor Franz Boas (1858-1942), antropólogo que desenvolveu estudos
sobre povos originários nos Estados Unidos. O autor é um grande crítico do evo-
lucionismo, vertente teórica relevante para os trabalhos iniciais na consolidação
da teoria antropológica.
Em 1931, em conferência pela American Association for the Advancement of
Science, Boas critica os evolucionistas, exemplificando em seu discurso chamado
“Raça e Progresso” o caráter racista de suas pesquisas (BOAS, 2004). A princi-
pal crítica do autor é que não se poderia classificar e diferenciar as populações
humanas por meio de características biológicas e unificar o desenvolvimento
da humanidade como se houvesse uma única maneira para que ele acontecesse.
Como proposta de superação desse modelo de análise, Boas sugere que as dife-
renças que se pode observar nas mais diversas populações são de origem social e,
116
para compreender como cada grupo/povo/nação se constituem, culturalmente,

UNICESUMAR
é preciso contextualizar, historicamente, o seu desenvolvimento.
Para que haja essa contextualização histórica em conjunto com a boa per-
cepção do meio social em que vive as populações que estudamos, Boas sugere
que é preciso observá-las de perto com variedade de detalhes. Nesse momento,
a antropologia começa a disseminar a sua principal característica metodológica,
o trabalho de campo. Este ocorre quando o antropólogo convive, diariamente,
com a população que pretende estudar, e, na convivência diária com essas popu-
lações, o antropólogo deve observar e registrar tudo o que achar relevante para
a compreensão da sociedade em que está imerso.
Inspiradas pela obra de Franz Boas, Ruth Benedict e Margareth Mead são as
principais referências nos estudos da antropologia cultural. Ambas as autoras se
dedicaram ao trabalho de campo e à perspectiva de relativização por meio de um
conhecimento detido e contextualizado das culturas que estudam.
Margareth Mead em sua obra mais conhecida sobre sociedades de Papua-Nova
Guiné, “Sexo e Temperamento”, publicada em 1931, analisa que as características
associadas aos sexos não são inatas a determinações biológicas, como, geralmente,
se acreditava, mas, sim, condicionadas pelos aprendizados culturais (MEAD, 2000).
Se fizermos o movimento de relativização nesse caso, perceberemos que, ao
contrário de como é em nossa sociedade ocidental, em que homens cumprem
um papel de virilidade e força, entre os Arapesh, sociedade estudada por MEAD
(2000), este comportamento masculino é inexistente, dado a construção cultural
característica daquela população. Colocar a nossa sociedade e a deles em compa-
ração nos permite perceber que a cultura molda as nossas ações sociais em uma
gama de possibilidades que é variada, e não homogênea. Essa concepção questio-
na teorias universalizantes sobre o comportamento humano muito erradicadas
até o surgimento do relativismo cultural na antropologia.
Observações, como as dessa antropóloga, são provenientes do trabalho de cam-
po detalhado e atento, porém, enquanto Mead imergia na sociedade de Papua -
Nova Guiné, Ruth Benedict demonstrou que o estudo etnográfico também pode ser
realizado a distância, caso o antropólogo seja impossibilitado de realizar o trabalho
de campo pessoalmente e possua um bom material descritivo sobre a sociedade
que estuda, por meio de relatos e reconstituição de memórias. E foi o que ela fez na
sua obra “O Crisântemo e a espada”, publicada em 1946 (BENEDICT, 2006).
Nessa etnografia, Benedict analisa a sociedade japonesa fazendo comparações
à sociedade estadunidense e avalia que a extrema hierarquização da sociedade
117
japonesa faz com que a obediência às autoridades e a autodisciplina são pre-
UNIDADE 4

ceitos que moldam o comportamento da população do país. O imperador, por


exercer um considerável domínio moral sobre os soldados japoneses, durante
a segunda guerra mundial, obtinha como resultado uma dedicação inabalável
durante os embates. Atitude que não era recorrente aos soldados dos EUA, que
fazem parte de uma construção cultural não tão submissa à autoridade e que não
exime críticas a ninguém. Diagnosticar os padrões de comportamento da socie-
dade japonesa e revelar que o imperador era uma autoridade intocável durante a
guerra fez com que o estudo da antropóloga fosse importante para condução da
Segunda Guerra Mundial em seus embates entre EUA e Japão, até mesmo porque
esse estudo foi feito sob encomenda para o serviço de inteligência estadunidense.
No Brasil, nós temos uma obra significativa que, sob a influência da antropo-
logia cultural, buscou delinear as relações entre as pessoas escravizadas, a senzala,
e seus exploradores, a casa grande, nessa obra publicada em 1933, que se chama
“Casa Grande e Senzala”, do antropólogo brasileiro Gilberto Freyre, há uma análi-
se que valoriza a miscigenação racial, a produção de açúcar no nordeste brasileiro
e as relações políticas estabelecidas neste contexto.
Os estudos de Boas, Benedict, Mead e Freyre possuem um alinhamento me-
todológico que é muito caro à antropologia, em todos as suas correntes teóricas,
o texto etnográfico. Como já destacamos, a etnografia é uma explicação descritiva
da vida social e da cultura de um dado sistema social, baseado na observação de-
talhada do que as pessoas de fato fazem (JOHNSON, 1997, p. 101). Para os cultu-
ralistas comparar as lógicas de diversas culturas, recolher materiais de qualidade
e em detalhes sobre a sociedade que se estuda, seja no trabalho de campo, seja por
meio de estudos arqueológicos, textos históricos ou relatos de memórias, todas
estas formas de construir um conteúdo de análise são válidas para que o texto
etnográfico contribua, significativamente, para as ciências das humanidades.
Quando a antropóloga Marilyn Strathern indaga-nos: “O faz o etnógrafo?
- ele escreve” (STRAHTHERN, 1986 apud STRAHTHERN, 2014, p. 165), ela
quer demonstrar que é ao observar a escrita e a maneira com que descrevemos
nossos estudos é que podemos compreender a prática etnográfica. No entanto,
para o antropólogo Bronislaw Malinowski, responsável por consolidar a etno-
grafia como uma metodologia especificamente antropológica, a escrita vinda
da “antropologia de gabinete”, expressão utilizada pelo autor para nominar os
estudiosos que não realizavam trabalho de campo pessoalmente, não bastava
para que uma etnografia apresentasse uma análise concisa da sociedade que es-
118
tuda, ou seja, a escrita e a revisão bibliográfica são importantes,pois iluminam as

UNICESUMAR
análises e registram nossas percepções, mas, para Malinowski, sem a vivência da
observação participante, o estar lá, junto deles, não há etnografia.
Para o antropólogo polonês, para se realizar uma boa etnografia, nós preci-
samos imergir na cultura nativa e se tornar um nativo na medida em que convi-
vemos com a sociedade que estudamos. Nativo é uma denominação às pessoas
que são naturais de uma dada sociedade, aqueles que nasceram e foram criados
nessa sociedade, e apenas essas pessoas possuem o total conhecimento sobre a
sua cultura. Por isso, para Malinowski seria necessário se tornar um deles, parte
da sociedade em que vivem para que possamos compreender a lógica que rege as
suas vidas, só assim a sociedade poderia ser estudada enquanto uma totalidade, tal
como funciona no momento mesmo onde a observamos (LAPLANTINE, 2003).
Para nos orientar nesta jornada, Malinowski escreveu-nos uma espécie de
manual sobre como realizar uma boa etnografia no texto introdutório da obra
“Argonautas do Pacífico Ocidental”, publicada em 1922. Nela, o autor adverte que
realizar uma etnografia, que se configura como uma observação participante da
sociedade que estudamos, não deve ser uma tentativa de traduzir os costumes
de outra cultura para a nossa compreensão, e sim captar o sentido que aquele
povo/grupo/nação denota aos seus hábitos e costume. Para isso, o antropólogo
precisa estar presente e participar de todos os processos sociais daquela cultura.

Fonte: Wikimedia Commons.

119
A concepção de etnografia de Malinowski considera como regra principal do
UNIDADE 4

trabalho de campo, que é preciso haver “a documentação estatística por evidência


concreta, a atenção aos imponderáveis da vida real e a elaboração de um corpus
inscriptorum” (GIUMBELLI, 2002, p. 97). Isso significa que é preciso uma imer-
são tamanha que o antropólogo consegue captar os significados verdadeiros dos
modos de vida da população que estuda e, isso só é possível, por meio da descri-
ção e da documentação detalhada dos fatos observados em campo.
Essa imersão no campo de pesquisa deve seguir as seguintes etapas: 1) uma
boa revisão bibliográfica da teoria antropológica; 2) Observação atenta aos de-
talhes e sentidos dos hábitos e costumes da cultura que estuda; 3) Descrição
detalhada em diários de campo; e 4) O registro etnográfico, a etnologia, que com-
põe toda descrição da cultura estudada, análises dos processos observados e a
contribuição teórica do trabalho de campo.

explorando Ideias

DIÁRIO DE CAMPO: com as instruções de Malinowski, um meio de registro muito impor-


tante na antropologia é o diário de campo. Nele, nós registramos todos os acontecimen-
tos da observação participante e, além de relatar todos os fatos que achamos relevantes,
podemos também registrar nossas impressões e pensamentos. Este material é somado
às revisões bibliográficas que realizamos anteriormente à imersão no campo e, posterior-
mente, no momento de escrita da etnologia. Experimente você, caro(a) estudante, escre-
ver um diário de campo de sua prática docente, isso mesmo, pegue um caderno e anote
tudo o que achar relevante sobre o dia a dia do meio educacional, seja em seu estágio
acadêmico seja sob regência na sala de aula. Todas essas observações registradas podem
servir como horizonte para que você analise suas ações e de seus alunos e possa planejar
melhor sua atuação profissional.
Fonte: as autoras.

Além de orientar o que nós conhecemos como etnografia na atualidade, Malino-


wski é representante de um movimento intelectual que chamamos, atualmente,
de antropologia funcionalista. Ao analisar o kula, sistema de trocas intertribais de
ilhas de Nova Guiné da comunidade Trobriandesa, em “Os Argonautas do Pacífi-
co Ocidental”, o autor avalia como as instituições sociais são determinantes para
o estabelecimento das relações sociais e o próprio funcionamento da sociedade.
Segundo Castro (2005), os culturalistas e funcionalistas na antropologia fo-
ram “dois outros marcos de ruptura com a tradição evolucionista, tanto em seus
120
aspectos teóricos quanto práticos, foram as obras de Franz Boas (1858-1942) e

UNICESUMAR
de Bronislaw Malinowski (1884-1942)” (CASTRO, 2005, p. 14), justamente por
considerarem que a sociedade e a cultura são elementos constitutivos do com-
portamento humano.
Outro Antropólogo conhecido por sua antropologia funcionalista é Marcel
Mauss (1872-1950), sobrinho e companheiro de pesquisas de Émilie Durkheim
(1858-1917), o teórico fundador da sociologia como ciência ganhou o título de
pioneiro das teorias funcionalistas. Marcel Mauss e Émilie Durkheim trabalha-
ram juntos na construção de estudos muito importantes para as Ciências sociais.
Durkheim, inclusive, faz algumas notas sobre a metodologia etnográfica em sua
famosa obra “As regras do Método Sociológico”, publicada em 1895, em que o au-
tor inaugura uma metodologia específica para se estudar a sociedade. No entanto
quem realizou uma discussão antropológica aprofundada foi Marcel Mauss, e sua
principal obra é “Ensaio sobre a dádiva”, publicada no início da década de 1920,
a qual muitos consideram como um estudo de aplicação do método sociológico
de Durkheim, pois o autor busca analisar fatos sociais e avaliar a função social
que eles possuem na vida da nossa sociedade.
Em “Ensaio sobre a Dádiva”, Mauss mostra-nos que sistemas de trocas podem
possuir valores morais que extrapolam a relação econômica e estruturam a ma-
neira com que as pessoas se relacionam em uma dada sociedade. O autor estudou
diferentes sistemas de trocas nas sociedades da Polinésia, Melanésia e noroeste
americano e, ao analisar a circulação de bens que cada uma das populações des-
sas regiões realizavam, Mauss percebeu que as coisas possuem um valor social
e moral e se ligam a quem doa. Portanto, quem recebe algo, também, recebe um
pedaço do outro e, por isso, é obrigado a retribuir com um pouco de si. Dessa
maneira, o sistema de troca deve seguir a lógica de dar, receber e retribuir.
A grande descoberta de Marcel Mauss foi que quando as coisas ultrapassam a
esfera econômica e se tornam presentes, materialmente, na vida em sociedade, os
processos sociais que envolvem a circulação desses bens torna-se um fato social
total, ou seja, esse sistema de trocas interfere em como as pessoas estabelecem
suas relações. Um equivalente a essa lógica que Mauss revela é quando, em nossa
sociedade, nós trocamos presentes. Você, caro(a) estudante, já passou pela situa-
ção de receber um bom presente de alguém muito próximo e se pegou pensando
que deve retribuir com um presente tão bom quanto ou melhor? Esse sentimento
de obrigação de realizar algo para manter uma relação social bem estabelecida é
o que chamamos de lógica da dádiva (MAUSS, 2003).
121
Para além do movimento funcionalista, protagonizado por Malinowski e
UNIDADE 4

Mauss, temos mais um marco teórico muito importante no debate antropoló-


gico clássico, a antropologia estruturalista do antropólogo francês Levi Strauss.
Inspirado pelo método estrutural da linguística. Para o antropólogo, é a comuni-
cação que conecta os indivíduos de uma sociedade, portanto, para que possamos
compreender os fenômenos culturais devemos mapear a lógica da linguagem nas
relações sociais. O autor desenvolve este argumento em “Antropologia Estrutural”,
obra publicada em 1958.
Desde as controvérsias da antropologia evolucionista e suas rupturas com
o surgimento do culturalismo, funcionalismo e estruturalismo, o que a conso-
lidação da disciplina pode nos ensinar é que os hábitos e os costumes culturais,
principalmente os de culturas não ocidentais, não são apenas acontecimentos
exóticos que devemos considerar como curiosidades. Muito pelo contrário,
antropólogos não colecionam descrições de situações curiosas, nós apresen-
tamos o sentido que as ações e interações humanas carregam em sua coletivi-
dade, demonstrando que, em qualquer lugar do mundo, seja qual for a cultura,
a racionalidade é uma característica de todas as pessoas, e não há hierarquias
no modo como a mobilizamos.

122
3
A PRÁTICA

UNICESUMAR
DOCENTE
orientada pelo
fazer etnográfico

Caro(a), estudante, o fazer etnográfico, o ato de pesquisar e analisar culturas,


permite-nos perceber muitas nuances em nossa vida cotidiana, portanto, convi-
do você a buscar mobilizar essa percepção que a antropologia proporciona para
desenvolver alternativas de atuação docente. Essa seção demonstrará como a
prática pedagógica pode ser orientada pela etnografia.
O processo educativo é um movimento de diálogo constante e, na educação, é
preciso se comunicar, acima de tudo. A gestão escolar deve estar em diálogo com a
comunidade a qual presta serviços, a estrutura curricular deve dialogar com os co-
nhecimentos culturais do corpo discente e as práticas pedagógicas devem aproximar
o conhecimento científico dos educandos buscando, ainda, instrumentalizar essa vi-
vência escolar para a convivência no mundo cotidiano. Todas as instâncias da atuação
educacional são possibilitadas por meio da comunicação, nós comunicamos o que
queremos ensinar e precisamos estar atentos ao que nos comunica quem aprende.
É nesse sentido que a antropologia pode colaborar na ação educativa, o su-
cesso do contato educativo depende do diálogo estabelecido entre o agente e seu
interlocutor, e é nessa área de comunicação que o método etnográfico atua (FON-
SECA, 1999, p. 59). Segundo Damatta (1987), a possibilidade de diálogo com o
outro, que estabelecemos no estudo antropológico nos permite “ultrapassar o pla-
no das conveniências preconceituosas interessadas em desmoralizar o <outro>”
(DAMATTA, 1987, p. 2). O que nós propomos, ao pensar o fazer etnográfico
como meio de desenvolver possibilidades de diálogo e comunicação, é propor-
123
cionar um posicionamento de relativização cotidiano. Quando nos depararmos
UNIDADE 4

com a realidade escolar, devemos nos destituir de pré-noções e construir análises


reflexivas dos fatos com que convivemos, diariamente, no ambiente escolar.
Seguem alguns recortes das considerações finais da tese de doutorado “A
maior zoeira: experiências juvenis na periferia de São Paulo”, defendida em 2010
pelo Antropólogo brasileiro Alexandre Barbosa Pereira, no Programa Pós-Gra-
duação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo (USP), para que
possamos discutir como o fazer etnográfico pode contribuir para uma prática
docente melhor orientada, centrada no movimento de diálogo e comunicação:


[…] uma etnografia de uma escola específica ou de um grupo especí-
fico de estudantes, tentei experienciar etnograficamente a experiência
escolar. […] Desse modo, a etnografia suscitou principalmente os se-
guintes temas: tecnologias, gênero, corporalidade, violência, crimi-
nalidade, ludicidade e jocosidade. Desses, as tecnologias e as relações
lúdicas e jocosas empreendidas pelos jovens foram percebidas como
aspectos centrais das experiências juvenis e escolares observadas em
campo. Contudo, o enfoque sobre as ludicidades e as tecnologias não
me levou a desprezar os demais elementos que me foram apresenta-
dos pelos atores em suas práticas cotidianas. […] Nessa dinâmica de
apreensão das múltiplas associações entre os temas ou termos sus-
citados pela pesquisa de campo, evidenciou-se como cada um, con-
forme a perspectiva, modificava e era modificado pelo outro. Dessa
maneira, se a escola possibilita a configuração de uma experiência
juvenil específica, sendo uma das agências responsáveis pela definição
contemporânea de juventude, essa, em sua experiência escolar, não
apenas reinventa a escola, como, a partir do processo de reprodução
das estruturas sociais instituído pela escola, passa também a reprodu-
zir as formas como se dá essa experiência escolar, por meio de deses-
tabilização de regras e objetivos institucionais. Dessa forma, os estu-
dantes também estabelecem as suas relações com a instituição escolar
e com os professores, a partir da influência de aspectos hegemônicos
das maneiras de classificar o mundo, muitas vezes, pautadas por con-
teúdos estigmatizantes que reforçam visões reificadas da realidade e
legitimadoras de desigualdades sociais (PEREIRA, 2010, p. 244-246).

124
Este é um trecho de uma etnografia em uma escola de periferia de São Paulo, e

UNICESUMAR
nele contém algumas análises do autor sobre sua experiência de campo. Perceba
que nessa pequena análise que o autor faz sobre o seu trabalho de incursão etno-
gráfica na escola ele conseguiu destacar temas muito relevantes para a vivência
escolar, tanto para alunos quanto para professores. Primeiramente, o antropólogo
demonstra que as tecnologias estão muito presentes na vida escolar, assim como
há a presença da ludicidade e jocosidade, o que podemos traduzir como as brin-
cadeiras cotidianas em sala de aula. Pereira (2010) destaca que o corpo discente
não é passivo e receptor de nossas ações e, sim, possui influência sobre como as
relações sociais dentro do âmbito escolar são estabelecidas.

conecte-se

Se você se interessar em conhecer como seria uma boa incursão etnográfica na


escola, acesse a tese de Alexandre Pereira Barbosa na biblioteca digital da USP:

Pereira (2010) demonstra, em sua etnografia, que é preciso desenvolver um olhar


mais atento às dinâmicas das relações na escola, pois as indisciplinas do cotidia-
no escolar, as brincadeiras, que em grande maioria são violentas e se configuram
como bulling, são reproduções das desigualdades sociais que vivenciamos no
nosso dia a dia. Essa análise só foi possível, por meio de uma experimentação
etnográfica do ambiente escolar, e é esse exercício que propomos aqui. Clara-
mente, você, como futuro(a) professor(a) não deverá realizar uma etnografia em
cada classe de alunos em que trabalhará, porém o convite que fazemos é para que
você experiencie a prática docente diante das lentes da antropologia, também,
para além dos métodos pedagógicos que a pedagogia possa nos ensinar.
Provavelmente, uma das perguntas que podem rondar seus pensamentos
ao ler a nossa proposta é: Como seria possível transformar um conhecimento
que, pelo menos inicialmente, foi todo consolidado com estudos de sociedades
diferentes da nossa em algo aplicável no meu cotidiano? A questão é que para
nós, antropólogos, o fazer etnográfico não é apenas um método científico é,
também, uma maneira de se perceber o mundo.

125
UNIDADE 4

pensando juntos

Fazer etnografia supõe uma vocação de desenraizamento, uma formação para ver o mun-
do de maneira descentrada, uma preparação teórica para entender o “campo” que que-
remos pesquisar, um “se jogar de cabeça” no mundo que pretendemos desvendar, um
tempo prolongado dialogando com as pessoas que pretendemos entender, um “levar a
sério” a sua palavra, um encontrar uma ordem nas coisas e, depois, um colocar as coisas
em ordem mediante uma escrita realista, polifônica e inter-subjetiva.
(Urpi Montoya Uriarte)

Se retomarmos o movimento de desnaturalização que os antropólogos da teoria


clássica tiveram que realizar para compreender as sociedades que estudavam,
perceberemos que desnaturalizar, o que significa que devemos desconsiderar que
haja comportamentos e formas de interação que são inatas da natureza humana,
é essencial para o pensamento antropológico. Malinowski, se não tivesse se des-
prendido ao máximo de suas pré-concepções sobre os trobriandeses, população
que o autor se dedicou a estudar em Papua-Nova Guiné, não teria conseguido
nos propor uma metodologia que traduziria tão bem os sentidos e significados
que aquela sociedade denota às suas relações sociais.

A desnaturalização é primordial para o pensamento antropológico, assim como é


essencial para a prática pedagógica. Se a nossa prática é baseada na comunicação,
como poderemos estabelecer um bom diálogo com o corpo discente se não nos
desprendermos de todas as nossas pré-concepções sobre eles e estarmos abertos
126
a ouvir, ver e observar o que eles nos comunicam? Aguçar os nossos sentidos

UNICESUMAR
para compreender a realidade a nossa volta é o que chamamos na antropologia
de “tornar o estranho familiar e o familiar estranho”.
Segundo o antropólogo brasileiro Gilberto Velho (1977, p. 132), “o familiar
com todas estas necessárias relativizações é cada vez mais objeto relevante de
investigação para uma antropologia preocupada em perceber a mudança so-
cial” tanto em nossas grandes construções históricas como nas nossas interações
cotidianas. Estranhar o familiar significa que o nosso olhar deve estar atento
às construções sociais que solidificam ações que reproduzem as desigualdades
sociais, até mesmo em nossas ações.
“O processo de estranhar o familiar torna-se possível quando somos capazes
de confrontar, intelectualmente, e, mesmo emocionalmente, diferentes versões e
interpretações existentes a respeito de fatos, situações” (VELHO, 1977, p. 132),
reavaliar acontecimentos e ações cotidianas é o que o processo de estranhamento
pode nos proporcionar.
Como aponta o antropólogo Pereira (2010), a jocosidade, as brincadeiras na
sala de aula, revelam muitos dos preconceitos e das violências que estão presentes
em nossa vida em sociedade. Quando conseguimos captar como a reprodução
desses problemas sociais estão inseridos em nosso espaço de trabalho, podemos
planejar ações mais efetivas para a resolução de alguns conflitos. Assim, como em
qualquer ambiente da vida em sociedade, as violências nem sempre são escan-
caradas, o racismo, por exemplo, principalmente na sociedade brasileira, é uma
violência que se manifesta de maneira muito singela.
Em uma avaliação breve sobre as nossas próprias ações como professores,
quantas vezes não priorizamos aquele(a) aluno(a) branco(a) sentado(a) na pri-
meira carteira e que faz perguntas sobre tudo em detrimento de alunos que ficam
calados e acuados no fundo da sala? Muitas vezes, confundimos a indisciplina e o
desinteresse com a falta de atenção que damos às necessidades de alunos que não
conseguiram, ainda, desenvolver todo o seu potencial de participação e interesse,
se comparado aos nossos queridinhos da primeira carteira. Quando refletimos
sobre as nossas ações e as ações dos estudantes que ensinamos, principalmente
quando esta reflexão é acompanhada da contextualização da realidade do corpo
discente, percebemos que pequenas atitudes, como descentrar a participação da
classe, dirigir questões para pessoas que parecem mais distantes, atitudes que
desnaturalizam a ação recorrente de professores, podem colaborar para que com-
portamentos excludentes não se fortalecem no cotidiano escolar.
127
CONSIDERAÇÕES FINAIS
UNIDADE 4

Caro(a) estudante, nesta unidade, discutimos os principais conceitos e referen-


ciais teóricos da antropologia clássica, compreendemos que há muitas maneiras
de se pensar o conceito de cultura, mas destacamos que estudar manifestações
culturais é muito mais complexo do que relacioná-la à sofisticação e ao erudi-
tismo. Entende-se, portanto, que a antropologia pode revelar nuances da vida
cotidiana que são importantes para avaliarmos nossas ações em sociedade.
Ao embarcar em expedições a ilhas “exóticas” na Oceania e na América, os
primeiros antropólogos nos mostraram que para se compreender e analisar o
comportamento humano é preciso um desprendimento de todas as nossas con-
cepções preestabelecidas. Quando exercitamos esse desprendimento temos a
possibilidade de olhar o outro de uma maneira mais reflexiva e compreensiva.
Nesse sentido, o relativismo cultural nos dá a oportunidade de ver o outro por si
mesmo, evitando encaixá-lo em nossas próprias percepções de mundo.
Nesse sentido, o estudo das culturas nos mostra que as nossas relações so-
ciais são dotadas de sentidos e significados que expressam a complexidade do
desenvolvimento humano durante a história em todos as regiões do mundo, o
que nos prova que conhecer realidades distantes da nossa podem nos ensinar
muito sobre a nossa própria realidade.
Compreender o outro é estar por perto e é isso que o fazer etnográfico nos
incentiva, a exercitar um olhar cuidadoso as construções de nossa sociedade. Essas
reflexões que a antropologia nos oferece podem ser instrumentos de ação no coti-
diano escolar, evitando com que você, futuro(a) professor (a), reproduza atitudes
violentas e excludentes ou, até mesmo, possa intervir em situações de conflito.
Esperamos que as nossas contribuições sirvam para que você possa desen-
volver uma boa prática educacional.

128
na prática

1. “Não há ninguém que veja o mundo com uma visão pura de preconceitos. Vê-o, sim,
com o espírito condicionado por um conjunto definido de costumes e instituições,
e modos de pensar” (BENEDICT, 1983).

Com base na leitura do trecho apresentado, analise as afirmações que seguem:

I - A antropóloga Ruth Benedict é da vertente culturalista na antropologia, por


isso, acredita que as nossas percepções sobre o mundo são condicionadas por
nossos costumes e nossas instituições, pela nossa cultura.
II - Nossa maneira de pensar e agir, assim como destaca Ruth Benedict, são condi-
cionadas pela nossa cultura.
III - Todas as pessoas são livres de preconceito, desde que nasceram.
IV - Os preconceitos estão presentes na visão de mundo de qualquer pessoa que
esteja submetida à determinada cultura, e eles podem ser desfeitos na medida
em que aprendemos sobre outras culturas.
V - Quando a antropóloga diz que não há ninguém que não veja o mundo com
uma visão pura de preconceitos, ela quer dizer que a nossa maneira de pensar
é moldada, culturalmente, por isso, não é pura.
É correto o que se afirma em:

a) I, II e III, apenas.
b) II, III e IV, apenas.
c) III, IV e V, apenas.
d) I, II, IV, e V, apenas.
e) II, III, IV e V, apenas.

2. “A integração de todos os detalhes observados bem como a síntese sociológica dos


diversos indícios importantes são tarefas do etnógrafo. Antes de mais nada, ele precisa
descobrir o significado de certas atividades que, de início parecem incoerentes e não
correlacionadas. A seguir, ele precisa distinguir, nessas atividades, o que é constante e
relevante do que é acidental e de pouca importância, isto é, o etnógrafo deve procurar
descobrir as leis e regras de todas as transações. A ele cabe construir o quadro ou
esquema total da grande instituição, da mesma forma que o cientista formula toda a
sua teoria baseado em dados experimentais que, embora sempre ao alcance de todos,
precisam de interpretação coerente e organizada” (MALINOWSKI 1998).

129
na prática

A partir da leitura do texto, analise as afirmações seguintes:

I - O trecho transcrito orienta sobre a postura que um antropólogo deve ter ao


analisar as situações em trabalho de campo.
II - Malinowski chama atenção para a necessidade de manter um olhar atento e
investigativo ao se observar as ações das pessoas que compõem a sociedade
que se estuda.
III - Compreender o sistema total da instituição social mais importante da sociedade
que estuda é uma das grandes características da antropologia funcionalista de
Malinowski.
IV - Segundo o que relata o autor não é importante estar presente no campo e
observar de maneira participante a sociedade que estuda.

É correto o que se afirma em:

a) IV, apenas.
b) I, II, III e IV.
c) I, II e III, apenas.
d) II, III e IV, apenas.
e) I e III, apenas.

3. “Por sorte, as monografias antropológicas não pretendem possuir ‘valor jornalístico’,


no sentido de uma exposição factual, mas sim contribuir para o desenvolvimento de
cospus de deduções fundamentadas a respeito dos princípios que regem a interação
humana em diferentes épocas e lugares” (EVANS-PRITCHARD, 2005).

Sobre as contribuições da teoria antropológica para se pensar as culturas pelo mun-


do, indique a afirmativa correta.

a) A antropologia não é uma ciência relevante para as Ciências Sociais.


b) Embora o evolucionismo tenha contribuído para visões racistas nas ciências hu-
manas, o campo de estudos inaugurou o debate antropológico e mostrou que
o social não deve ser considerado nos estudos da humanidade.
c) Os primeiros estudos antropológicos provaram que o desenvolvimento social
não é, unicamente, biológico, as construções culturais também determinam boa
parte do nosso comportamento em sociedade.

130
na prática

d) O relativismo cultural considera o desenvolvimento progressivo da humanidade,


assim como as teorias evolucionistas.
e) A Antropologia considera que a cultura é sinônimo de sofisticação.

4. Sobre as teorias evolucionistas no início da consolidação da antropologia e as pos-


teriores críticas do relativismo cultural na disciplina, Analise as afirmações a seguir:

I - As teorias evolucionistas defendidas por autores, como James Frazer e Franz Boas,
dizem que a humanidade possui um desenvolvimento progressivo e universal.
II - O Antropólogo Franz Boas era um crítico assíduo do evolucionismo cultural e
defendia que todas as culturas possuem um desenvolvimento próprio que deve
ser contextualizado pelas suas construções históricas.
III - Lewis Morgan defendia que a espécie humana possui três estágios de desen-
volvimento: a selvageria, a barbárie e a civilização.
IV - Para alguns teóricos evolucionistas, poderíamos classificar algumas culturas
como mais civilizadas que outras.

As afirmações I, II, III e IV são respectivamente.

a) F, V, V, V.
b) V, V, V, V.
c) V, F, F, F.
d) V, F, F, V.
e) V, V, F, F.

5. De fato, quando um antropólogo social fala em “cultura”, ele usa a palavra como
um conceito chave para a interpretação da vida social. Porque para nós ‘’cultura”
não é simplesmente um referente que marca uma hierarquia de “civilização”, mas
a maneira de viver total de um grupo, sociedade, país ou pessoa. Cultura é, em An-
tropologia Social e Sociologia, um mapa, um receituário, um código através do qual
as pessoas de um dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam o mundo
e a si mesmas (DAMATTA, 1981).

Com base em seus conhecimentos sobre o conceito de cultura, considere as afir-


mações a seguir:

131
na prática

I - Para a antropologia, cultura são hábitos, costumes e construções sociais que


são significadas, coletivamente, em uma dada sociedade.
II - Cultura é hierárquica e sinônimo de civilidade.
III - Para se interpretar a vida em sociedade, é preciso conhecer a sua cultura.
IV - O conceito de cultura, na antropologia, é muito amplo e abrange situações da
vida cotidiana, como relações de parentesco, casamento e vestimenta.
V - As construções culturais de uma sociedade moldam a maneira de ser, agir e
pensar das pessoas que nela estão imersas.
É correto apenas o que se afirma em:

a) I, II e III.
b) II, III e IV.
c) III, IV e V.
d) I, III, IV e V.
e) II, III, IV e V.

132
aprimore-se

A CIÊNCIA DO COSTUME

Costumes e Comportamento
A antropologia ocupa-se dos seres humanos como produtos da vida em sociedade.
Fixa a sua atenção nas características físicas e nas técnicas industriais, nas conven-
ções e valores que distinguem uma comunidade de todas as outras que pertencem
a uma tradição diferente.
O que distingue a antropologia das outras ciências sociais é o ela incluir no seu
campo, para se estudar cuidadosamente, Sociedades que não são a nossa socieda-
de. Para os seus fins qualquer norma social de casamento e de reprodução tem tan-
to significado como aquelas que nos são próprias, mesmo que seja a dos Dyaks do
Mar, e não tem qualquer possível relação histórica com a da nossa civilização. Para
o antropologista, os nossos costumes e os de uma tribo da Nova Guiné são dois es-
quemas sociais possíveis, que tratam do mesmo problema, e cumpre ao antropolo-
gista enquanto antropologista, evitar toda e qualquer apreciação de um em favor do
outro. Interessa-o a conduta humana, não como é modelada por uma certa tradição,
a nossa tradição, mas como o foi por qualquer tradição, seja ela qual for. Interessa-o
a vasta gama de costumes que existe em culturas diferentes, e o seu objetivo é com-
preender o modo como essas culturas se transformam e se diferenciam, as formas
diferentes por que se exprimem, e a maneira como os costumes de quaisquer povos
funcionam nas vidas dos indivíduos que os compõem.
Ora o costume não tem sido considerado assunto de grande importância. O fun-
cionamento íntimo do nosso cérebro, eis o que nos parece constituir a única coisa
digna de estudo: o costume, temos tendência para pensar, é conduta na sua forma
mais vulgar. De facto, o contrário é que é verdade. O costume tradicional, considera-
do pelo mundo em geral, é uma massa de conduta pormenorizada mais espantosa
do que o que qualquer pessoa pode jamais revelar nas ações individuais, por mais
aberrantes. E, no entanto, isto é um aspecto um tanto trivial da questão. O que é,
verdadeiramente, importante é o papel predominante que o costume desempenha
no que se experimenta na vida diária e no que se crê, e as verdadeiramente grandes
variedades sob que pode manifestar-se.
Fonte: Benedict (1993).

133
eu recomendo!

livro

Relativizando: Uma introdução à antropologia social


Autor: Roberto DaMatta
Editora: Rocco
Sinopse: um clássico da antropologia brasileira, o manual que
todo estudante de antropologia já leu. Neste livro, o antropólogo
brasileiro Roberto DaMatta introduz as discussões fundamentais
da Antropologia Social em todas as suas nuances e contradições.

livro

Textos Básicos de Antropologia


Autor: Celso de Castro (organizador)
Editora: Zahar
Sinopse: uma coletânea que possui textos centrais da disciplina
de seus autores mais importantes, como Boas, Malinowski e Le-
vi-Strauss.

134
eu recomendo!

filme

Do meu lado
Ano: 2014
Sinopse: as vidas de duas vizinhas, de religiões diferentes, se cru-
zam quando um buraco se abre na parede que divide suas casas.
Comentário: este curta metragem traduz muito bem o que é a an-
tropologia sob o olhar de perto dos acontecimentos a nossa volta,
quando uma das personagens descobre que os sentimentos e as angústias que
sua vizinha possui são uma razão compreensível até para ela cuja religiosidade é
tão diferente da dela, e uma aproximação torna-se possível.

conecte-se

Estranhos no Exterior (Strangers Abroad) é uma série de seis episódios realizada


e distribuída, na década de 1980, pela Royal Anthropological Institute. Cada epi-
sódio trata de cada um dos primeiros antropólogos a viverem entre os povos que
estudavam, são eles: Spencer, Rivers, Boas, Malinowski, Mead e Evans-Pritchard.
Reconstruindo as memórias de campo desses antropólogos a série busca mostrar
como a antropologia social contribuiu para o pensamento moderno.
https://editorialdeantropologia.weebly.com/suportes-visuais/estranhos-no-exterior

135
anotações



































5
ANTROPOLOGIA E
EDUCAÇÃO
na contemporaneidade

PROFESSORAS
Me. Daiany Cris Silva
Me. Milena Cristina Belançon

PLANO DE ESTUDO
A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: • Etnologia brasileira: compreen-
dendo o Brasil e sua diversidade cultural • A pluralidade cultural de uma vida urbana • Por uma an-
tropologia da educação na educação

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
• Apresentar autores que consolidaram a antropologia no Brasil • Destacar questões centrais da an-
tropologia no Brasil • Dimensionar a diversidade cultural brasileira como um elemento de reflexão e
análise da teoria antropológica • Pontuar os elementos contemporâneos de estudo da antropologia
• Destacar as questões de pesquisa da antropologia urbana no Brasil • Estabelecer um diálogo entre a
antropologia contemporânea e a prática educacional.
INTRODUÇÃO

Prezado(a) estudante, a antropologia é uma ciência que, desde as suas primei-


ras produções teóricas, teve como seu principal desafio interpretar as socieda-
des humanas e suas produções culturais, compreender o sentido de costumes,
hábitos e regras sociais para a organização social de um povo, grupo ou nação.
No Brasil, essa disciplina também produziu contribuições científicas muito
válidas, e é sobre essas contribuições que trataremos nesta unidade.
A etnologia indígena brasileira revela que a formação cultural do nosso
país é forjada por processos de exploração e escravização de povos que
permanecem segregados no sistema social do nosso país, são eles indígenas,
pessoas negras, pobres e trabalhadores rurais. Sobre este tema, trataremos
na primeira seção da unidade que, por meio da apresentação de estudos
etnológicos brasileiros, incentiva um debate sobre a construção de alteri-
dade que a disciplina propõe para o estudo das culturas.
Na seção dois da unidade, trataremos da antropologia na contempo-
raneidade, que se consolida, principalmente, no Brasil, pelos estudos dos
centros urbanos, consolidando os pressupostos do que chamamos de so-
ciologia das sociedades complexas. De modo a demarcar as influências
do debate antropológico mais recente, demonstraremos como o modo de
fazer antropologia à brasileira incentiva um debate sobre os deslocamentos
do objeto de estudo, que passaram do estudo centrado no outro para o es-
tudo de grupos e culturas pertencentes a mesma sociedade em que vivem
os (as) antropólogos (as) que o estudam.
Por fim, na seção três, trataremos das relações que podem ser estabe-
lecidas entre a educação e a antropologia cujo objetivo é apontar como a
busca da interdisciplinaridade entre essas duas temáticas pode colaborar
para a construção de um ensino mais democrático e atento às necessidades
de um mundo multicultural.
Esperamos que nossas colocações sobre o debate antropológico sobre a
realidade brasileira façam você refletir sobre as peculiaridades da formação
cultural do nosso país. Bons Estudos!
1
ETNOLOGIA BRASILEIRA:

UNICESUMAR
COMPREENDENDO
O BRASIL
e sua diversidade cultural

A escola é um dos espaços da nossa sociedade responsável por processos de so-


cialização determinantes para a vida cotidiana, portanto, é na escola que o embate
entre os aprendizados que acumulamos no seio familiar e em nossos grupos de
origem é mais potente. Esse embate pode colaborar para que crianças e adolescen-
tes agreguem conhecimentos amplos e fortuitos para a convivência em sociedade,
porém o ambiente escolar pode provocar situações de sufocamento e exclusão
de características culturais essenciais aos educandos. Quando desconsideramos
a origem étnica, os condicionantes raciais e de classe, ou quando cooperamos
para a reafirmação de estereótipos e desqualificações pejorativas de determinados
grupos sociais, construímos um ambiente que segrega pessoas que expressam
um modo de ser não normativo e padrão. E nosso objetivo, aqui, é apresentar
uma visão cuidadosa sobre as diferenças humanas expressas na cultura brasileira.
Embora tenhamos como abertura dessa aula a imagem de crianças indígenas
sorrindo, acreditamos na importância de destacar as problemáticas de processos
excludentes que podem ocorrer na prática educacional. Assim, poderemos nos
atentar à responsabilidade do papel do(a) educador(a) na superação dessas desi-
gualdades e, então, fazer com que os sorrisos sejam constantes em um ambiente
escolar mais democrático e inclusivo. Para que pessoas indígenas, quilombolas,
pantaneiras, ribeirinhas, do meio rural ou das periferias urbanas se sintam parte

139
integrante da escola, nós, educadores devemos nos colocar à frente do enfrenta-
UNIDADE 5

mento de situações que reiteram as desigualdades sociais do mundo que vivemos.


Considerando esta perspectiva, apresentamos a você, caro(a) estudante, as
contribuições da antropologia brasileira para se pensar a diversidade cultural do
nosso país. O estudo das culturas no Brasil, a etnologia brasileira, concentrou-se,
em meados do século XX, em conhecer os povos originários do território nacio-
nal, construindo uma antropologia indígena bastante respeitada no mundo todo,
posteriormente conduziu pesquisas no meio rural, ressaltando o modo de vida
no campo. Ao demonstrar o processo de consolidação da disciplina no Brasil,
buscaremos dimensionar como a antropologia contribui para a compreensão da
diversidade de vivências compartilhadas no nosso país.

conecte-se

Existem índios no Brasil? Sobre o uso do termo indígena, o filósofo Daniel


Munduruku alega: “Eu não sou índio, não existem índios no Brasil”, o estu-
dioso e militante do movimento indígena no Brasil defende que a palavra
“índio” possui uma carga simbólica negativa. O “índio” pode ser relacionado
à preguiça, ao atraso, a quem mora no mato e caça, como questionamento
dessa generalização, Daniel Munduruku defende que a terminologia correta
é indígena. Para saber mais sobre o posicionamento do estudioso leia sua
entrevista para o blog O Nonada – Jornalismo Travessia.

Apesar de admitirmos que a antropologia possui alguns equívocos no seu pro-


cesso de consolidação e, até mesmo, em sua aplicação na atualidade, que tange


relações de poder desigual entre pesquisadores e seus então ‘nati-
vos’ no início da disciplina, o suposto exotismo dos ‘primitivos’, a
fabricação dos ‘especialistas’ regionais (africanistas, americanistas,
oceanistas etc.), o financiamento politicamente direcionado (PEI-
RANO, 2004, p. 5)

Devemos destacar, também, que há muitas qualidades principalmente quanto a


reconhecer a diversidade de culturas “e, mais importante, o resultado fundamen-
tal da pesquisa de campo: o despertar de realidades/agências desconhecidas no

140
senso comum, especialmente no senso comum acadêmico” (PEIRANO, 2004, p.

UNICESUMAR
5). Esse despertar é o novo olhar que a antropologia pode nos proporcionar, um
olhar atento sobre o outro.
A perspectiva do olhar o outro, conhecer as diferenças e avaliá-las é um dos
fundamentos da antropologia. Podemos chamar essa perspectiva de alterida-
de, segundo Peirano (1999, p. 2), “o Brasil é um caso etnográfico privilegiado”
quando se trata de alteridade, pois até a década de 50, quando os antropólogos
brasileiros se ativeram a conhecer as comunidades indígenas do território nacio-
nal, fundamos uma espécie de alteridade radical, investigando povos indígenas
totalmente desconhecidos. Nos anos posteriores, as alteridades foram “ameni-
zadas”, deslocando os espaços de pesquisas para o meio rural e urbano, de modo
a avaliar as relações da população indígena com outros grupos sociais. Nos anos
1980, o debate sobre as diferenças se torna uma alteridade mínima, contextua-
lizou a antropologia no Brasil de modo que “a alteridade deslizou territorial e
ideologicamente, em um processo dominado pela incorporação de novas temá-
ticas e ampliação do universo pesquisado” (PEIRANO, 1999, p. 3), concentrando
pesquisas sobre as dinâmicas da urbanidade e, concomitantemente, buscando re-
fletir sobre o papel do Cientista Social na construção dos estudos sobre a cultura.
Peirano (1999) destaca, ainda, que essas diferentes formas de alteridades sa-
lientam a necessidade que a antropologia brasileira construiu, desde o seu início,
em consolidar uma antropologia no plural. A análise da antropóloga sobre o
contexto das alteridades na antropologia brasileira demonstra que investigar dife-
renças é um elemento fundamental da disciplina no nosso país. E muito distante
do que possa parecer, este debate trata as diferenças não como um marcador de
distâncias e exclusões, mas o seu fundamento é que, ao conhecer o outro, pos-
samos reconhecer a nós mesmos e compreender que a pluralidade de vivências
é um elemento a ser valorizado e compreendido em uma cultura como a nossa.

conceituando

ALTERIDADE: tida como sinônimo do termo sociológico “outro”, que pode ser “um concei-
to no estudo da vida social através do qual definimos relacionamentos” (JOHNSON,1997,
p. 165) e investigamos como as interações sociais entre as mais diversas pessoas de ori-
gens e expressões culturais distintas estabelecem suas relações sociais.
Fonte: as autoras.

141
UNIDADE 5

Estabelecer relações de alteridade é um passo importante para construir vínculos


democráticos e inclusivos, quando olhamos para as diferenças não como um
exotismo, e sim como um elemento constituído, socialmente, com significados e
símbolos dotados de sentido, assim, percebemos que não há distâncias, segrega-
ções e exclusões sociais justificáveis em uma sociedade como a brasileira.
Nesse sentido, a


diferença ou o exotismo divergem: se todo exotismo é um tipo de
diferença, nem toda diferença é exótica. Por outro lado, a ênfase na
diferença tem como dimensão intrínseca a comparação; já a ênfase
no exotismo dispensa contrastes. (PEIRANO, 1999, p. 5).

Isso significa que, quando percebemos o outro como diferente e não exótico,
temos a possibilidade de nos colocar em diálogo, comparando experiências e tro-
cando vivências. O lugar exótico estabelece uma relação desigual de inferioridade
ou de hierarquia que é questionada pelos estudos antropológicos, na atualidade.
Ao escolher essa perspectiva da alteridade, de olhar o outro sob suas próprias
perspectivas, a antropologia entra em um paradoxo, pois, “quando procuramos
diferenças, muitas vezes acabamos por encontrar uma suposta singularidade (que
é ‘brasileira’)” (PEIRANO, 1999, p. 17) e, assim como afirmou Florestan Fernandes
(1958), “a sociedade brasileira é um imenso cadinho de raças e culturas”(FER-
NANDES, 1958, p. 30), ou seja, o que nos caracteriza como nação são os encontros
das diferenças e a multiplicidade de expressões culturais.
Iniciamos essa discussão sobre alteridade para destacar a importância da an-
tropologia indígena no Brasil nessa construção de uma visão plural da sociedade
brasileira. Assim como o problema da população negra

142

o problema da população indígena foi uma questão social signi-

UNICESUMAR
ficativa para o estado desde as lutas pela independência do Brasil,
bem como problemas ligados a imigrantes, distribuição de terras e
a industrialização. (FERNANDES, 1958, p. 28).

A antropologia indígena, no Brasil, possui uma forte relação com a política de


proteção a essa população. Florestan (1958) destaca que o Serviço de Proteção aos
índios, órgão criado em 1910, que operou em um amparo financeiro a pesquisas
etnológicas significativo, como também trabalhou em diferentes frentes até o ano
de 1967, quando foi transformado na Fundação Nacional do Índio (Funai) em
atividade atualmente.

conecte-se

Acesse o site da FUNAI para conhecer o trabalho que é realizado no Brasil,


hoje, com relação à população Indígena. Lá você encontrará a legislação da
política de direitos aos indígenas brasileiros, a localização dos territórios de-
marcados e as leituras sobre as diversas populações existentes no nosso
país atualmente.

Nesse contexto de estudos de populações indígenas, dois trabalhos de antropó-


logos brasileiros merecem destaque, são eles: as obras sobre o povo Tupinambá
de Florestan Fernandes, organizados em dois livros “A Organização Social dos
Tupinambá” e “A Função Social da Guerra na Sociedade Tupinambá”, publicados,
respectivamente, em 1949 e 1951, como resultado de sua tese de doutorado, e “O
povo Brasileiro”, editado em 1995 e escrito por Darcy Ribeiro, como resultado
de um trabalho de pesquisa de 30 anos. Trataremos, brevemente, de cada uma
dessas obras e as perspectivas de seus respectivos autores a seguir.
O trabalho de Florestan sobre os Tupinambás pode ter sido negligenciado por
muitos nas Ciências Sociais e caracterizado como uma fase de formação do autor
(PEIRANO, 1984), no entanto, assim como afirma Mariza Peirano (1984) em seu
artigo intitulado “A Antropologia Esquecida de Florestan Fernandes: os Tupinam-
bá”, a leitura cuidadosa dos trabalhos sobre os Tupinambá faz-nos redescobrir Flo-
restan Fernandes, “reavaliar a contribuição analítica e interpretativa dos livros vis-
-à-vis os desenvolvimentos recentes da antropologia” (PEIRANO, 1984, p. 15-16).

143
Em seus estudos sobre os Tupinambás,
UNIDADE 5

Florestan Fernandes analisa a organiza-


ção social dessa população e a função so-
cial da guerra de um dos grupos indíge-
nas pertencentes à língua tupi, com base
em uma reconstrução histórica de fon-
tes quinhentistas e seiscentistas, assim
como a xilogravura acima, de dois Che-
fes Tupinambás com os Corpos Adorna-
dos por Plumas, ilustrado e publicado no
livro “Duas Viagens ao Brasil”, de Hans
Staden (1557). A pesquisa foi realizada
pelo autor entre 1945 e 1952.
Na obra “A Organização Social dos Tupinambá” o autor faz uma análise do
sistema de parentesco, político e sobre a religiosidade desse povo, compreenden-
do a organização social como “o conjunto de atividades, de ações e de relações
humanas, de caráter adaptativo ou integrativo, ordenadas em uma configura-
ção social de vida” (FERNANDES, 1963 apud PEIRANO, 1984, p. 21). Neste
trabalho, Florestan Fernandes busca reconstruir como a sociedade Tupinambá
constrói um sistema “como um organismo integrado de várias instâncias, enfati-
zando, contudo, que uma delas domina, ou ‘repercute’ nas demais, e esta é a esfera
religiosa” (PEIRANO, 1984, p. 12). Esta boa articulação da organização social
dos Tupinambá está, diretamente, influenciada pela guerra, objeto de estudo de
Florestan em “A Função Social da Guerra na Sociedade Tupinambá”.


Na sociedade Tupinambá a guerra se desencadeava a partir da
morte de um membro da sociedade e da determinação, por parte
de seus parentes, da necessidade de um sacrifício em memória ao
seu “ espírito” . Um antepassado ou um ancestral mítico também
podiam desencadear um sacrifício. Reunia- -se, então, o conselho
de chefes e ouvia-se o xamã, quando, então, se deliberava o início
da guerra. A seguir, realizavam-se ritos para a preparação do ma-
terial a ser utilizado e, enfatizando-se o caráter mágico-religioso
da guerra, instruíam-se os guerreiros. Era então que se realizava a
incursão guerreira e o choque armado, quando se capturavam os
prisioneiros antes da volta para a tribo de origem. Lá, o prisioneiro
(ou prisioneiros) passava por ritos de purificação, renomava-se o
144
sacrificante e se ingeria, cerimonialmente, a carne da vítima. Nesta

UNICESUMAR
cadeia, a “necessidade” do sacrifício e a “ consumação” do sacrifício
aparecem como os dois extremos (PEIRANO, 1984, p. 25).

Em síntese, os valores e as atividades em função da guerra moldavam a estrutura


do sistema social, os guerreiros eram parte integrante do meio social e influen-
ciavam nos processos internos da tribo.


Florestan não impôs uma teoria a priori a documentação Tupinam-
bá: a análise resulta de uma convergência de postulados teóricos e
dados etnográficos que levam e contribuem para a reconstrução de
um sistema social. (PEIRANO, 1984, p. 29),

Assim como demandam os pressupostos de uma boa teoria funcionalista. Ins-


pirado pelas teorias de Émilie Durkheim e Marcel Mauss, o sociólogo brasileiro
estudou a guerra Tupinambá como um “fato social total”: na medida em que se
privilegia a reconstrução da totalidade de uma sociedade, esta totalidade se trans-
forma no contexto maior dentro do qual se pode compreender fenômenos como a
guerra, ou mesmo instâncias como economia, política e religião (PEIRANO, 1984).
A contribuição do trabalho etnológico de Florestan Fernandes, autor que se de-
dicou a pesquisar outras questões importantes para a sociedade brasileira, como a
população negra, classes sociais e desenvolvimento, é dado pela percepção de que nas


sociedades modernas contemporâneas a ideia de nação funciona
como modelo ideológico privilegiado para representar o “todo so-
cial”, e que ela, se não determina, pelo menos fornece importantes
parâmetros para a aceitação ou rejeição de teorias sociais em dife-
rentes momentos” (PEIRANO, 1984, p. 17).

Influenciado, também, por discussões clássicas da antropologia, há quem diga


que a obra de Darcy Ribeiro possui aspectos evolucionistas (MATIAS, 2008)
principalmente no trabalho do antropólogo intitulado “O Processo Civilizatório”,
publicado em 1968 Nela, a crítica recorrente é que na adesão de Darcy Ribeiro
ao evolucionismo cultural, estaria sua postura “eurocêntrica de análise, que pro-
jetaria um ideal de sociedade como etapa final do percurso evolutivo humano,
baseado na experiência civilizatória europeia” (MATIAS, 2008, p. 7).
145
Na publicação de 1995, “O Povo Brasileiro”, no entanto, Darcy Ribeiro de-
UNIDADE 5

monstra uma postura diferente, ele busca fazer um retrato da multiplicidade


étnica e cultural brasileira que foi forjada por um processo de colonização cruel,
repressivo e genocida das populações de indígenas e africanos escravizados. Se-
gundo o autor: “O povo‐nação não surge no Brasil da evolução de formas anterio-
res de sociabilidade, em que grupos humanos se estruturam em classes opostas,
mas se conjugam para atender às suas necessidades de sobrevivência e progresso"
(RIBEIRO, 1995, p. 23). Portanto, o autor critica o modelo de civilização eurocen-
trado e propõe uma perspectiva que busca ser, genuinamente, brasileira.

conceituando

ETNIA: nomenclatura que advém do conceito etnicidade que “se refere a uma cultura e
estilo de vida comuns. Especialmente da forma refletida na linguagem, maneiras de agir,
formas institucionais religiosas e de outros tipos, na cultura material, como roupas ali-
mento, e produtos culturais como música, literatura e arte”.
Fonte: Johnson (1997, p. 100).

Assim afirma o antropólogo brasileiro em sua introdução a “O povo brasilei-


ro”: “O Brasil e os brasileiros, sua gestação como povo, é o que trataremos de
reconstituir e compreender” (RIBEIRO, 1995, p. 19). Dessa maneira, é possível
definir sua obra antropológica como um esforço de analisar o processo de for-
mação da multiplicidade étnica brasileira que constitui o povo brasileiro, que,
em sua diversidade regional e ecológica, fundou modos de ser singulares em
suas particularidades, mas que, ainda assim, unificou-se como nação. Apesar de
considerar que há uma nação brasileira bem consolidada, culturalmente, o autor
critica “o sistema institucional, notadamente a propriedade fundiária e o regime
de trabalho ‐ no âmbito do qual o povo brasileiro surgiu e cresceu, constrangido
e deformado” (RIBEIRO, 1995, p. 26).


Mais que uma simples etnia, porém, o Brasil é uma etnia nacional,
um povo‐nação, assentado num território próprio e enquadrado
dentro de um mesmo Estado para nele viver seu destino. Ao con-
trário da Espanha, na Europa, ou da Guatemala, na América, por
exemplo, que são sociedades multiétnicas regidas por Estados uni-
tários e, por isso mesmo, dilaceradas por conflitos interétnicos, os
brasileiros se integram em uma única etnia nacional, constituindo
146
assim um só povo incorporado em uma nação unificada, num Esta-

UNICESUMAR
do uni‐étnico. A única exceção são as múltiplas microetnias tribais,
tão imponderáveis que sua existência não afeta o destino nacional.
(RIBEIRO, 1995, p. 22)

A produção de Darcy Ribeiro contribui para uma reflexão sobre a formação da


sociedade Brasileira e sua uniformidade cultural. Percebamos que, subjacente a
esse contexto, há um grande distanciamento social que gera estratificação e se-
gregação entre diferentes classes, etnias e raças, “gerada pelo tipo de estratificação
que o próprio processo de formação nacional produziu” (RIBEIRO, 1995, p. 23).

conecte-se

A Empresa Brasil de Comunicação fez um memorial chamado “20 anos sem


Darcy Ribeiro”, acesse o QR Codde para conhecer melhor a trajetória do autor.

Florestan Fernandes e Darcy Ribeiro são estudiosos que apresentam os resultados


da consolidação das Ciências Sociais no Brasil, dado que entre os anos 1950 e 1960
o país abraçava, em certa medida, uma perspectiva que visava ao fortalecimento da
ciência e da educação pública como um projeto nacional (RIBEIRO, 2017; HEN-
RIQUES, 1958). Darcy Ribeiro, por exemplo, defendia que a universidade pública
era uma possibilidade de se refundar a nação. Constata-se sua aposta reiterada na
educação como promotora de um ethos coletivo e solidário (RIBEIRO, 2017).
As universidades públicas brasileiras tiveram um papel crucial no fortaleci-
mento das pesquisas antropológicas e na formação de suas linhas de pesquisa.
Um dos centros mais importantes da disciplina do nosso país é o Museu Nacional,
administrado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Inicialmente,
em seu programa de pós-graduação em Antropologia Social, o Museu Nacional
concentrou três grandes áreas de estudo e pesquisa: Etnologia, Sociedades Cam-
ponesas e Antropologia urbana, temas de estudos que marcam os processos de
consolidação da antropologia brasileira, que, em um primeiro momento, como
buscamos apresentar até aqui, dedicou-se a estudar sociedades indígenas e si-
tuações de contato e, posteriormente, “a problemática das frentes de expansão
e campesinato logo foram assumindo importante espaço e destaque” (VELHO,
2011, p. 169), formando o que chamamos de Antropologia do Campo.
147
UNIDADE 5

conceituando

CAMPESINATO: termo relativo à atividade dos camponeses, agricultores “que produzem


principalmente em unidades familiares para consumo próprio. Em geral estão sujeitos a
algum grau de controle e têm obrigações com um poder externo, tal como um senhorio”
(JOHNSON, 1997, p. 28).
Fonte: as autoras.

Um dos grandes representantes da Antropologia do Campo no Brasil é o antropó-


logo Moacir Palmeira, professor titular do Museu Nacional – UFRJ, responsável
por um estudo referencial sobre trabalhadores rurais da área açucareira na Zona da
Mata de Pernambuco. Segundo Moacir Palmeira, o seu trabalho tinha como objeti-
vo dimensionar as relações entre trabalhadores rurais e latifundiários, e, mesmo se
tratando de uma relação de trabalho, no final dos anos 1960 e início dos anos 1970,
havia descompassos entre essas duas classes que remetiam a um sistema feudal:


Na pesquisa (em Pernambuco) fui entender melhor isso. Os que
moravam na rua do engenho não tinham uma roça ou ela era muito
precária, diferentemente daqueles que tinham uma casa mais dis-
tante da sede (do engenho) e que conseguiam manter seu roçado ou
de um foreiro que era mais autônomo, embora ambos tivessem que
dar alguns dias de trabalho gratuito ao proprietário. Os que viviam
simplesmente do trabalho na cana dependiam, para se abastecer,
basicamente, do barracão do engenho. Era um esquema de endivi-
damento, na hora em que iam receber o salário, não tinham dinheiro
suficiente para pagar (suas dívidas). Se a dívida era, periodicamente,
renegociada, isso ia mantendo eles presos àquela fazenda, àquele
engenho (CRUZ, 2015, p. 5-6).

Em sua pesquisa, Moacir Palmeira diagnosticou que essa situação era superada,
em certa medida, quando os pequenos agricultores começaram a vender suas
produções e feiras livres, o que, segundo autor, era o local em que buscavam
consumir os novos trabalhadores urbanos que, anteriormente, foram expulsos
do meio rural. Parte dos seus estudos sobre as relações de trabalho e produção
no meio rural brasileiro foram publicados, em 1971, e a defesa de sua tese de
doutorado, defendida em Paris, é intitulada “Latifúndio e Capitalismo no Brasil:
leitura crítica de um debate”.
148
Como é possível perceber pela discussão que travamos até o momento, a so-

UNICESUMAR
ciedade brasileira é resultado de uma série de construções históricas e sociais. O
processo de colonização do nosso país fez com que muitas culturas se encontrassem
nesse território e, de uma maneira não muito amena, buscasse formas de construir
uma identidade nacional. Embora, como é destacado pelos estudos dos autores ci-
tados, principalmente de Darcy Ribeiro e Moacir Palmeira, esses processos sociais
formaram uma sociedade fundamentada em muitas desigualdades com relação à
distribuição de riquezas e à segregação social de determinadas populações.
Quando, porém, nos atentamos a diversidades de expressões culturais que
todo esse processo de formação da nação brasileira nos apresenta, percebemos
que, apesar de os problemas sociais que ainda devemos enfrentar em nosso país, a
nossa riqueza de vivências é singular. Essa pluralidade cultural pode ser percebida
nas festas populares espalhadas por todas as regiões do país, sotaques, diversi-
dades de fazeres culinários, entre outras características da cultura brasileira que
estão espalhadas por um território de povos plurais.
Muitas são as iniciativas que o estado brasileiro construiu ao longo dos anos para
atender às mais diversas realidades dos(as) brasileiros(as), principalmente quanto
à educação de jovens, adolescentes e crianças brasileiras. A LDB, Lei de Diretrizes
e Bases da Educação (Lei n. 9.394, 20/12/1996), diante do processo de universali-
zação do Ensino Básico no Brasil, dispõe uma série de iniciativas que ampliam o
atendimento para as mais diversas demandas da população brasileira. A LDB trata
da institucionalização da Educação de Jovens e Adultos, da Educação Profissional
e Tecnológica e da Educação Especial bem como institui, em seu Art. 32, § 4º, que
o ensino da História do Brasil deve levar em conta as contribuições das diferentes
culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes
indígena e africana. Além disso, a LDB regulamenta o ensino bilíngue e intercultural
aos povos indígenas, propõe a possibilidade de uma organização escolar própria ao
meio rural, considerando fases do ciclo agrícola e as condições climáticas.
Os ganhos do processo de universalização do Ensino Básico no Brasil, pro-
movido pela redemocratização do nosso país, nos anos 1980, demonstram que
conhecer as necessidades de uma nação é um passo importante para instituir
leis e políticas pertinentes ao que o seu povo necessita. Nesse sentido, quanto
à nossa atuação no cotidiano escolar, cabe a nós mobilizar esses mecanismos
institucionais de modo ativo em nosso ambiente de trabalho em ações, como a
real efetividade de um ensino de história do Brasil que considere outras origens
culturais para além das europeias.
149
Ademais, uma dimensão crucial que o(a) educador(a) brasileiro(a) deve se
UNIDADE 5

ater é em relacionar as vivências dos(das) discentes aos conteúdos formais de


ensino, principalmente quando tratamos de realidades como as citadas anterior-
mente. O cuidado com o respeito às origens culturais é essencial em situações,
como no ensino da língua portuguesa padrão, se considerarmos que muitos bra-
sileiros falam de maneira incorreta ou, até mesmo, falam outras línguas, como as
de origem tupi, o ensino deve ser coerente para não constranger expressões de
vocabulário que não são o padrão formal da língua.
A antropóloga brasileira Lélia Gonzales (1984) defende que no Brasil nós
falamos o “pretuguês”, expressão utilizada pela autora para apontar que a lingua-
gem considerada coloquial e errada, no ensino formal, é originada em línguas de
matrizes africanas, portanto, por ser um construto social, dizer “tá” no lugar de
“estar” não seria um erro. É interessante a perspectiva da antropóloga, pois con-
sidera a formação cultural de um elemento como a linguagem, desconstruindo
hierarquizações na fala de diferentes grupos sociais.

pensando juntos

É engraçado como eles gozam da gente quando a gente diz que é Framengo. Chamam a
gente de ignorante dizendo que a gente fala errado. E de repente ignoram que a presença
desse r no lugar do l, nada mais é que a marca linguística de um idioma africano, no qual
o l inexiste. Afinal, quem que é o ignorante? Ao mesmo tempo, acham o maior barato a
fala dita brasileira, que corta os erres dos infinitivos verbais, que condensa você em cê, o
está em tá e por aí afora. Não sacam que tão falando pretuguês.
(Lélia Gonzalez)

Ter como horizonte perspectivas como a de Lélia Gonzales e tantas outras antro-
pólogas e antropólogos brasileiros que revelam as estruturas e sistematizações de
nossa sociedade permite-nos construir um olhar atinado as diversidades culturais.
Assim como nos ensinou Paulo Freire (1996), ensinar não é um ato de depositar
conteúdos, e sim, um construto coletivo de diálogo e troca de experiências, para que
esse movimento seja passível no ambiente escolar “torna-se absolutamente urgente
a revisão dos conceitos de ensinar e aprender, até então baseados em uma relação
hierárquica de transferência do "conhecimento" (CRUZ, 2015, p. 491).

150
Nesse sentido, o nosso papel como educadores está em manter uma atenção

UNICESUMAR
diária às singularidades de nossos(as) estudantes e ao conhecimento das teorias
antropológicas, à perspectiva da alteridade e desnaturalização das desigualdades
sociais presentes na sociedade brasileira. Este é o passo inicial para construir
uma prática educacional mais democrática pautada no respeito às diferenças e
às diversidades culturais.

2
A PLURALIDADE
CULTURAL
de uma vida urbana

A antropologia brasileira passou por alguns deslocamentos no modo de fazer


pesquisa e na escolha de seus objetos de estudo, primeiramente, quando se con-
centrou em estudos de populações indígenas em situações de contato com os
colonizadores e outros grupos sociais. A etnografia, nos moldes clássicos, predo-
minou nas pesquisas antropológicas, posteriormente, com a adesão de novos te-
mas de pesquisas, nos trabalhos com populações do campo e dos centros urbanos
e novos temas de investigação somaram-se aos interesses dos(as) antropólogos
(as) brasileiros(as). Um exemplo desse deslocamento foi “quando Florestan Fer-
nandes transferiu suas preocupações dos Tupinambá para as relações raciais nos
centros urbanos, esse movimento representou uma guinada na direção da Escola
de Chicago” (PEIRANO, 1999, p. 4), que representa uma tradição de estudos
urbanos na antropologia referencial no mundo todo.
151
Para entender melhor esse novo movimento de estudos sobre a vida urbana,
UNIDADE 5

retomaremos o que é esta chamada Escola de Chicago. Seu marco inicial deu-se
nos anos de 1920, quando antropólogos estadunidenses se interessaram em “pro-
blemas relacionados à instalação de imigrantes nos guetos de Chicago” (GOLD-
MAN, 1995, p. 129), centro urbano mais conhecido pelas guerras de gangsters
nos Estados Unidos.
A escola estadunidense de produção sociológica sobre teorias da cidade de-
monstra um grande avanço nos estudos sobre a realidade urbana, pois propõe
novas chaves investigativas baseadas nos trânsitos e nas rupturas das estruturas
sociais que moldam a feição das cidades. Como aponta Freitag (2008), os pen-
sadores estadunidenses, ao considerar os desenvolvimentos macroestruturais
do século XX e XXI, puderam contribuir para a construção de um novo mo-
delo urbano, influenciando cidades da América do Latina, Ásia e África do Sul
(FREITAG, 2008, p. 121), o que colabora para a produção de um conhecimento
baseado nas transformações emergentes em países não-europeus com uma rea-
lidade social de cidades forjadas na modernidade.
Além disso, a escola de pensadores estadunidenses priorizou uma constru-
ção teórica baseada em pessoas, considerando que a cidade é formada por gente
plural e produtora de costumes, hábitos e bens culturais. Para conhecer a cidade,
é preciso ouvir, percorrer os caminhos da população urbana, compreender seus
trânsitos e desvios, avaliar, sociologicamente, a distribuição espacial, a organi-
zação política, econômica e cultural. Nesse sentido, a observação participante
destaca-se como principal método de pesquisa.
Portanto, ao tomar contato com as obras de Park, Wirth, Foote Whyte, Becker
e Wacquant, principais representantes desse movimento intelectual, vemos um
conjunto de autores que criam teorias sobre as cidades em um caráter de orga-
nismo vivo, submetido a uma constante construção formada pela capacidade
criadora da vida urbana, expressando a heterogeneidade dos indivíduos urbanos
em suas formações de grupos sociais. Para esses estudiosos, o empirismo é essen-
cial e, se somado a boas questões de pesquisa, orienta análises fundamentadas
em processos constituídos pela vivência social.
O que a escola de Chicago nos ensina é que nossas questões investigativas
devem buscar descobrir os caminhos percorridos pelas pessoas e o resultado
de suas escolhas e atitudes no seu cotidiano, e esse objetivo é desenvolvido por
Foote Whyte (2008), grande precursor da observação participante nos estudos
sobre a vida urbana.
152
Ao estudar Corneville e sua gente, Foote Whyte (2008) discorre, em “Socie-

UNICESUMAR
dade de Esquina”, sobre o cotidiano de imigrantes italianos que vivem em uma
área periférica de Boston (EUA), mais especificamente, o autor trata dos guetos
formados por gangsters que possuíam forte apelo político e organizacional para
a sua comunidade de origem. Em seu estudo da comunidade de Corneville, o
autor relata suas decisões metodológicas e demonstra uma escrita sociológica
que extrapola a descrição de fatos e narra a ação social de indivíduos no ato de
moldar um sistema social bem estruturado.
Foote Whyte defendeu que só seria possível examinar a estrutura social sob a
observação das pessoas em ação (WHYTE, 2005, p. 289), dessa forma, o sociólogo
investiu no mais clássico dos métodos das ciências sociais, a observação participante.
O autor buscou se inserir na comunidade de Cornville e, após equívocos e acertos,
encontrou Doc, um importante líder de um dos guetos da região que abriu muitas
portas para Foote Whyte. Ele até relata que Doc foi quase como um coautor de sua
obra, pois contribuiu não só com informações sobre a organização da sociedade de
esquina como também colaborou na reflexão sobre questões importantes da pesquisa.
Na obra de Foote Whyte, temos uma contribuição significativa sobre cami-
nhos metodológicos que proporcionam a visualização de um meio urbano, cons-
tantemente, moldado pelo trânsito de pessoas e suas escolhas em suas trajetórias
de vida. Trajetórias particulares, em tramas e ações conjuntas, o que movia os
interesses do autor.
A escola sociológica de Chicago influenciou a construção de um campo de
saber que chamamos de antropologia das sociedades complexas, que considera
que “micro-estudos de subgrupos no interior de sociedades de larga escala res-
pondem, portanto, a macro-análises das características globais de culturas com-
plexas” (GOLDMAN, 1995, p. 92). Essa perspectiva pressupõe que, ao analisar
pequenos recortes, podemos revelar fenômenos da sociedade como um todo. A
principal característica da antropologia das sociedades complexas é que estuda-
mos o nosso próprio meio social, periferias urbanas, subgrupos e subculturas
que destoam dos padrões sociais, minorias políticas etc.
Segundo Velho (2011), a classificação de sociedade complexa seria proble-
mática por relembrar preceitos do evolucionismo cultural que determina que
há sociedades mais simples e outras mais complexas, a primeira sendo inferior à
segunda “mas procurou-se entender que a ideia de complexidade remete a uma
combinação de dimensão, presença do Estado, heterogeneidade sociocultural e
diferenciação social marcante” (VELHO, 2011, p. 164).
153
A antropologia das sociedades complexas representa uma das rupturas epis-
UNIDADE 5

temológicas, com relação às tradições do pensamento antropológico. A primeira


ruptura, segundo Goldman (1995), foi na antropologia francesa de Levi-Strauss, na
década de 40. O antropólogo, ao recusar a pesquisa exclusivamente determinada
pelo empiricismo, o experimento de campo e a observação participante, inaugurou
um precedente para estudos que consideram que há como realizar investigações
com o “isolamento de certas estruturas mentais invariantes que permeariam as
sociedades e culturas em todas as épocas e lugares” (GOLDMAN, 1995, p. 119).
Outra ruptura epistemológica na antropologia foi nos anos 1980 com o pós-
-modernismo em que se “contestava os privilégios de discurso efetivos, das re-
lações concretas ou das práticas” (GOLDMAN, 1995, p. 96). Em “Interpretação
das culturas”, obra publicada pelo antropólogo estadunidense Clifford Geertz, em
1973, estão presentes importantes contribuições para a antropologia pós-mo-
derna. Inspirado pela sociologia interpretativa de Marx Weber, Geertz (2008)
cunhou um conceito de cultura baseado na teia de relações tecida pela produ-
ção de significados e simbolismos das relações sociais. O papel do antropólogo,
segundo o autor, seria, portanto, buscar a análise da vida social “não como uma
ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa à
procura do significado. É “justamente uma explicação que eu procuro, ao cons-
truir expressões sociais, enigmáticas na sua superfície” (GEERTZ, 2008, p. 15).

conceituando

PÓS-MODERNISMO: o movimento pós-modernista surge em contraposição as ideias mo-


dernistas, que fundamentam uma visão cientificista e iluminista de direcionamento da
vida social. Na perspectiva pós-moderna “a vida social não é uma realidade objetiva, à
espera que se descubra como funciona". Em vez disso, o que experimentamos como vida
social é, na verdade, apenas a maneira como nela pensamo e há muitas e mutáveis for-
mas de fazer isso.
Fonte: Johnson (1997, p. 152).

Clifford Geertz e sua antropologia interpretativa colaboraram muito para


uma perspectiva antropológica que considera a cultura como um conjunto de
construções coletivas que são significadas por pessoas em seus trânsitos co-
tidianos, tanto o pós-modernismo como as discussões da Escola de Chicago,
principalmente a segunda, participaram da consolidação de uma maneira a
154
brasileira de se fazer antropologia, fundamentada na perspectiva dos agentes

UNICESUMAR
de pesquisa, e não de quem os investiga apenas.
O questionamento parte dos grandes esquemas e das teorias que dominaram
o fazer antropológico, no início do século XX, nos anos 1970, quando antropólo-
gos (as) do Brasil começam a realizar pesquisas nos centros urbanos (PEIRANO,
1999) com o intuito de “relacionar indivíduo, biografia e sociedade constituiu-se
em referência recorrente nos autores ligados a essas tradições" (VELHO, 2011, p.
171). A principal característica de autores da antropologia das sociedades com-
plexas é a aproximação de perspectivas sociológicas e antropológicas, movimento
de análise muito utilizado por pesquisadores brasileiros na época.
O precursor desse movimento intelectual no Brasil e, poderíamos assim di-
zer, o maior incentivador de sua consolidação, é o antropólogo Gilberto Velho,
figura determinante para a estruturação de uma antropologia urbana brasileira.
O autor realizou um estudo pioneiro de observação participante em um prédio
de conjugados de Copacabana, local em que Gilberto Velho residia.

Por mais que Gilberto Velho tenha se beneficiado dos questionamentos à tra-
dição antropológica, o trabalho de campo e pela observação participante ainda
foram cruciais para o seu trabalho, já que seu estudo foi baseado, totalmente, na
observação participante, mas que agora se tratava de um estudo do próprio nativo
sobre o seu meio social.
155
UNIDADE 5

pensando juntos

Na antropologia urbana, assumimos o estudo de nosso meio, de nossas vidas, como algo
relevante para a antropologia que, por sua vez, contribuiria de modo significativo para
uma compreensão mais rica e sutil da sociedade em que vivíamos.
(Gilberto Velho)

Com a escola de Chicago, principal fonte de inspiração teórica e metodológica de


Gilberto Velho, por meio da antropologia urbana “abriu-se a possibilidade de pes-
quisar temas urbanos sensíveis, que vão de estilos de vida da classe média a hábitos
culturais do psiquismo, consumo de drogas e violência" (PEIRANO, 1999, p. 11). A
novidade que esse campo de estudos proporcionou à antropologia está no local do(a)
pesquisador(a), que não mais se ateria a estudar apenas sociedades distintas da nossa,
e sim a sua própria sociedade e, até mesmo, o próprio ambiente em que está inserido,
assim como foi o caso de Gilberto Velho, que estudou o prédio em que morava.
Ainda que o estudo do próprio meio social, de nossa sociedade complexa,
fosse uma nova abordagem, a alteridade e a percepção sobre o outro continuaram
como um horizonte para a antropologia, só que agora esse outro são pessoas,
grupos e culturas que podem ser consideradas desviantes e estabelecem fronteiras
e conflitos aos valores morais e as regras sociais. O estudo de trajetórias desvian-
tes pretendia “buscar, através da identificação do interditado, do que não pode,
os padrões dominantes e sua eficácia em determinado quadro sócio-histórico"
(VELHO, 2011, p. 165), ou seja, ao conhecer o diferente pode-se estabelecer qual
é a ordem vigente na organização social.
Essa postura proporciona um “despertar sensibilidades e levantar pistas sobre
subjetividade, trajetórias e redes sociais” (VELHO, 2011, p. 166) elementos caros
a uma antropologia que pretende revelar a estrutura social e suas repercussões
na vida cotidiana.


[…] crítica sobre cultura e vida social, pudéssemos comparar não
só diferentes sociedades mas, no nosso caso, tentar desvendar as
diferenças internas das sociedades complexas moderno-contem-
porâneas, como a brasileira. Nesse sentido, a própria problemática
do desvio e das acusações poderia ser analisada, levando em con-
ta, de um modo mais sistemático, linguagem, códigos e redes de
significado. Portanto, de algum modo, retomava o ponto de vista

156
de relativismo cultural, procurando estabelecer vínculos com um

UNICESUMAR
pensamento mais crítico-sociológico. A partir desta perspectiva,
mais uma vez, o diálogo entre antropologia e história constituiu-se
em referência básica (VELHO, 2011, p. 175).

Esse estímulo para essas novas preocupações refina o olhar antropológico para
visualizar narrativas da vida social que poderiam estar encobertas pelos padrões
dominantes da sociedade, assim como contribui “para o levantamento de temáti-
cas relevantes, sobretudo, aquelas em que as biografias individuais cruzavam-se
e expressavam situações históricas e contextos sociais favoráveis a uma análise
antropológica” (VELHO, 2011, p. 167).
O ganho metodológico que a difusão dos estudos urbanos proporcionou à antro-
pologia brasileira é significativo, permitiu que “de uma maneira única, a importância
da memória como organizadora da subjetividade e das relações entre os indivíduos"
(VELHO, 2011, p. 173) já que, além do trabalho de observação participante, métodos
de pesquisa qualitativa, como histórias de vida, relatos de trajetórias e entrevistas em
profundidade foram somadas ao processo de investigação antropológica.
Persiste até os dias atuais esta ampliação dos limites da antropologia,“em um qua-
dro onde convivem, no mesmo meio acadêmico, uma antropologia feita no Brasil e
uma antropologia do Brasil. Para além da pesquisa indígena propriamente dita, uma
antropologia feita no/do Brasil é uma aspiração comum" (PEIRANO, 1999, p. 4).
As contribuições da antropologia urbana para se pensar a realidade social
brasileira articula uma reflexão sobre as diferenças e suas implicações à vida
social, dimensão de pensamento que pode colaborar para que você, futuro pro-
fessor(a), visualize o quão importante é a construção de uma relação atenta à
interdisciplinaridade entre antropologia e educação, principalmente, quando
“determinadas pautas, que visam justamente fornecer repertórios e dispositivos
para a construção de uma escola mais atenta à diversidade social de seus alunos,
começaram a ser discutidas mais seriamente no Brasil” (PEREIRA, 2017, p. 170).
Visando à construção de uma escola mais democrática e sem preconceitos, o
conhecimento sobre a diversidade cultural brasileira, por meio de reflexões teóricas
e uma discussão pública sobre as implicações da convivência de diferentes vivências
humanas, principalmente quanto à expressão cultural, “pode proporcionar uma
aproximação crítica às realidades do corpo discente e da comunidade escolar, consi-
derando as práticas culturais juvenis e suas singularidades” (PEREIRA, 2017, p. 170).

157
3
POR UMA
UNIDADE 5

ANTROPOLOGIA
da educação na educação

O fazer etnográfico não é só um método é, também, teoria e prática social, e assim


afirma Peirano (2014, p. 389), que todos os


etnógrafos fomos/somos ávidos em conhecer o mundo em que vive-
mos, nunca nos conformamos com predefinições, estamos sempre
dispostos a nos expor ao imprevisível, a questionar certezas e ver-
dades estabelecidas e a nos vulnerar por novas surpresas.

Essa dimensão do trabalho antropológico é de grande valia para quem está dis-
posto a expandir seus conhecimentos sobre o mundo que vive e pretende, ainda,
compartilhá-los com o próximo. Nesse sentido, para que você, futuro(a) profes-
sor (a), possa encampar um projeto de educação que considere uma perspectiva
como essa, será preciso que você passe a perceber visões de mundo que podem
não ser as suas.


Com efeito, mais uma vez ressalta Freire (1996), se é inevitável que
o professor trabalhe com certas generalizações, que isso seja feito
o máximo possível a partir do saber nativo – aquele do aluno, das
classes populares, vinculado, por seu turno, a experiências de socia-
lização prévias ao ingresso na sala de aula (SOUZA, 2006, p. 492).

158
Percebe alguma semelhança entre este pressuposto de Freire (1996) e a constru-

UNICESUMAR
ção antropológica do saber sobre o outro, a alteridade? O princípio norteador que
“imortalizou tanto a pedagogia de Freire quanto à antropologia malinowskiana: o
respeito à realidade própria do outro” (SOUZA, 2006, p. 489) é o que aproxima a
teoria antropológica da prática educacional. Ao propor interdisciplinaridade entre
a perspectiva antropológica e a educação, incentivamos que o processo de ensino e
aprendizagem possua como base principal as experiências de seu público-alvo, pois
consideramos que cultura e ensino estão interligados, significativamente.
A relação entre antropologia e educação se inicia “ainda na transição do século
XIX ao XX, com os antropólogos analisando os contextos culturais da aprendiza-
gem e os efeitos das diferenças entre os povos no desenvolvimento da infância e da
adolescência" (SOUZA, 2006, p. 487). Um exemplo dessas investigações é o tra-
balho de Margaret Mead (apud CASTRO, 2015), intitulado “Adolescência, sexo e
cultura em Samoa” (1928), em que a antropóloga relata que seria preciso conhecer
o contexto de formação social em que vivem os adolescentes de uma determinada
sociedade para definir suas características de sua personalidade como geração.
A antropóloga culturalista destaca uma visão ampla sobre os processos de
construção social que permeiam nosso comportamento em sociedade, princi-
palmente na formação de grupos que estão em faixas etárias de aprendizado
dos códigos e regras sociais. Essas construções sociais se expressam na nossa
vivência cotidiana e ocupam os espaços sociais de maneira plural, formando o
que chamamos de multiculturalismo.


Apesar de o multiculturalismo estar atualmente em foco em nossa
sociedade, especialmente na educação, não há, nem de longe, dis-
cussões práticas suficientes acerca de como o contexto da sala de
aula pode ser transformado de modo a fazer do aprendizado uma
experiência de inclusão. Para que o esforço de respeitar e honrar a
realidade social e a experiência de grupos não brancos possa se refle-
tir num processo pedagógico, nós, como professores – em todos os
níveis, do ensino fundamental à universidade -, temos de reconhecer
que nosso estilo de ensino tem de mudar. Vamos encarar a realidade:
a maioria de nós frequentamos escolas onde o estilo de ensino refle-
tia a noção de uma única norma de pensamento e experiência, a qual
éramos encorajados a crer que fosse universal. Isso vale tanto para os

159
professores não brancos quanto para os brancos, A maioria de nós
UNIDADE 5

aprendemos a ensinar imitando esse modelo. Como consequência,


muitos professores se perturbam com as implicações políticas de
uma educação multicultural, pois têm medo de perder o controle
da turma caso não haja um modo único de abordar um tema, mas
sim modos múltiplos e referências múltiplas (HOOKS, 2013, p. 51).

Bell Hooks (2013), escritora estadunidense estudiosa da prática educacional, afirma


no trecho apresentado, que, embora a diversidade cultural esteja no horizonte dos
estudos científicos da atualidade, o processo de ensino e a escola não se comportam
de maneira a acolher todas as diferenças e singularidades que estudantes de todos
os níveis representam. A autora salienta que as exclusões raciais devem ser pensadas
não só por quem sofre com essa problemática, mas sim pelas pessoas que convivem
nos mesmos espaços excludentes, mesmo que não sejam elas as excluídas, são essas
pessoas os brancos, principalmente os privilegiados por classe social.
Portanto, se o educador, que possui a posição de poder e autoridade no pro-
cesso de ensino se dispõe a trabalhar no sentido buscar estratégias de construção
de um ambiente escolar multicultural e acolhedor a todas expressões culturais,
é necessário que este profissional conheça diferentes códigos culturais para mo-
bilizá-los (HOOKS, 2013).
A alternativa apresentada por Bell Hooks
(2013) para pôr à prova esse projeto de educação
multicultural, é construir um sentimento comuni-
tário em sala de aula, que, segundo o que relata a
autora, “um dos jeitos de construir a comunidade
na sala de aula é reconhecer o valor de cada voz
individual" (HOOKS, 2013 p. 58). A preocupação
sobre o multiculturalismo na educação é desen-
volvida, e um dos capítulos do livro “Ensinando
a Transgredir: educação como prática para a li-
berdade”, de Bell Hooks (2013), possui influência
significativa do pedagogo brasileiro Paulo Freire
(1996) e discute como a construção de um conhe-
cimento ativo, baseado em experiências cotidianas
e nas trajetórias dos educandos, pode intensificar a
capacidade intelectual dos mesmos e proporcionar
um ambiente escolar plural, e não segregacionista.
160
Segundo a escritora estadunidense, “quando nós, como educadores, deixa-

UNICESUMAR
mos que nossa pedagogia seja radicalmente transformada pelo reconhecimento
da multiculturalidade do mundo, podemos dar aos alunos a educação que eles
desejam e merecem" (HOOKS, 2013, p. 63). Diante dessa perspectiva, para a
construção de um processo educativo transformador e potencializador para
os educandos em uma dimensão multicultural, é preciso estabelecer diálogo
entre as mais diversas vozes.
Nesse sentido, é preciso que


o olhar do educador se estenda para além dos muros da escola,
contemplando as construções sociais que, diretamente associadas a
relações de poder e exclusão, orientam tanto os diferentes modos de
pensar e agir do alunado quanto a própria prática docente (SOUZA,
2006, p. 495).

Conhecer a pluralidade de construções culturais, personalidades, hábitos, cos-


tumes, linguagens, entre outros elementos da cultura da sociedade em que vive
pode ser uma iniciativa essencial para a prática docente seja transformadora.

161
CONSIDERAÇÕES FINAIS
UNIDADE 5

Prezado(a) aluno(a), nesta unidade, aprendemos que, inspirados pelo debate


antropológico clássico, pesquisadores brasileiros constituíram uma etnologia
indígena singular e significativa que contribui para definições de metodologia
características do contexto brasileiro. Ademais, as formulações teóricas sobre a
formação da sociedade brasileira demonstram que a estrutura que sedimenta o
nosso sistema social provoca uma série de desigualdades sociais fundamentadas
em hierarquias culturais racializadas.
Definir como se formou a nação brasileira foi um desafio para muitos es-
tudiosos, em nosso país, que se dedicaram a investigar nossas origens étnicas e
culturais, sua organização social e, como é o caso da antropologia do campo, as
relações de trabalho e produção que constituem nossas relações sociais.
Em estudos sobre populações indígenas, do campo ou da cidade, a consoli-
dação da antropologia brasileira demonstra o impacto do debate contemporâneo
da disciplina na formulação de novas epistemologias. Percebe-se este movimento,
principalmente, na antropologia urbana que, no Brasil, tornou-se referencial de
uma nova abordagem de métodos e objetos de pesquisa, deslocando o estudo
de culturas “exóticas” para o estudo do meio social dos próprios pesquisadores.
As teorias desenvolvidas por antropólogas e antropólogos brasileiros revelam
as estruturas e as sistematizações de nossa sociedade, permitindo a construção
de um olhar atinado às diversidades culturais. Esse olhar é importante para a
formação de educadores no sentido de proporcionar um referencial teórico capaz
de questionar práticas docentes excludentes e pouco democráticas.
Sobretudo, tratamos, nesta unidade, de temas e conceitos que podem possibi-
litar a você, estudante, reflexões cruciais sobre a formação da sociedade brasileira.
Nosso objetivo é demonstrar que a sala de aula pode agregar um processo de
construção de conhecimento coletivo que respeita as singularidades culturais
dos educandos e as valoriza.
Esperamos que nossas reflexões contribuam para a sua formação. Boa Sorte!

162
na prática

1. “O espantoso é que os brasileiros, orgulhosos de sua tão proclamada, como falsa,


“democracia racial”, raramente percebem os profundos abismos que aqui separam
os estratos sociais. O mais grave é que esse abismo não conduz a conflitos tenden-
tes a transpô-lo, porque se cristalizam num modus vivendi que aparta os ricos dos
pobres, como se fossem castas e guetos. Os privilegiados simplesmente se isolam
numa barreira de indiferença para com a sina dos pobres, cuja miséria repugnante
procuram ignorar ou ocultar numa espécie de miopia social, que perpetua a al-
ternidade. O povo-massa, sofrido e perplexo, vê a ordem social como um sistema
sagrado que privilegia uma minoria contemplada por Deus, à qual tudo é consentido
e concedido. Inclusive o dom de serem, às vezes, dadivosos, mas sempre frios e
perversos e, invariavelmente, imprevisíveis” (RIBEIRO, 1995, p. 24).

Após a leitura do texto apresentado e com base nos seus conhecimentos sobre as
contribuições da Antropologia Brasileira para a compreensão da diversidade cultural
do Brasil, indique a alternativa correta.

a) A sociedade brasileira é igualitária em razão da democracia racial instituída no


país, que faz com que povos de diferentes culturas convivam entre si de maneira
harmônica.
b) As pessoas que ocupam classes dominantes no Brasil são solidários e usam de
compaixão com as minorias políticas do nosso país, negros, pobres e entre outros
grupos sociais marginalizados.
c) A formação da sociedade brasileira foi forjada na exploração e escravização de
pessoas indígenas e africanas, e esta condição de exploração repercute até os
dias atuais, por meio da segregação racial, a má distribuição de riquezas e a
consolidação de um sistema social desigual.
d) A ordem social estabelecida na sociedade brasileira não privilegia uma minoria
da população desse país.
e) Deus contemplou uma pequena parcela da população brasileira com privilégios
sociais, pois elas possuem o dom de ser e estar onde estão, ocupando cargos
de poder e papéis dominantes na sociedade brasileira.

2. Quando aqueles estrangeiros entravam em nossa habitação, minha mãe me es-


condia debaixo de um grande cesto de cipó, no fundo de nossa casa. Ela me dizia
então: “Não tenha medo! Não diga uma palavra!”, e eu ficava assim, tremendo sob

163
na prática

meu cesto, sem dizer nada. Eu me lembro, no entanto devia ser realmente muito
pequeno, senão não teria cabido debaixo daquele cesto! Minha mãe me escondia
pois também temia que os brancos me levassem com eles, como tinham roubado
aquelas crianças, da primeira vez. Era também para me acalmar, pois eu estava ater-
rorizado e só parava de chorar quando estava escondido. Todos os bens dos brancos
me assustavam também: tinha medo de seus motores, de suas lâmpadas elétricas,
de seus sapatos, de seus óculos e de seus relógios. Tinha medo da fumaça de seus
cigarros, do cheiro de sua gasolina. Tudo me assustava, porque nunca vira nada de
semelhante e ainda era pequeno! Mas, quando seus aviões nos sobrevoavam, eu não
era o único a ficar assustado, os adultos também tinham medo; alguns chegavam
mesmo a romper em soluços, e todo mundo fugia para a mata vizinha! Nós somos
habitantes da floresta, não conhecíamos os aviões e estávamos aterrorizados. Pen-
sávamos que eram seres sobrenaturais voadores que iam cair sobre nós e queimar
todos. Todos tínhamos muito medo de morrer! Eu me lembro que também tinha
medo das vozes que saíam dos rádios e da explosão dos fuzis que matavam a caça.
Perguntava-me o que todas aquelas coisas que pareciam sobrenaturais poderiam
ser! Perguntava-me também por que aquelas pessoas tinham vindo até nossa casa.

Mais tarde, realmente comecei a crescer e a pensar direito, mas continuei a me


perguntar: “O que os brancos vêm fazer aqui? Porque abrem caminhos em nossa
floresta?”. Os mais velhos me respondiam: “Eles vêm sem dúvida visitar nossa terra
para habitar aqui conosco mais tarde!”. Mas eles não compreendiam nada da língua
dos brancos; foi por isso que os deixaram penetrar em suas terras dessa maneira
amistosa. Se tivessem compreendido suas palavras, acho que os teriam expulsado
(YANOMAMI, 1998, on-line).

O relato do Líder indígena Davi Kopenawa Yanomami retrata a perspectiva dos povos
originários do Brasil com relação ao contato com os colonizadores europeus. No
trecho apresentado, é possível perceber um modo de perceber a vida em sociedade
muito diferente do que estamos acostumados. Analise o trecho e, considerando seus
conhecimentos sobre a etnologia brasileira, analise as afirmações a seguir:

I - Assim como Florestan Fernandes demonstrou em seus estudos sobre os Tu-


pinambás, as comunidades indígenas possuem uma organização social bem
estabelecida e com sentido próprio, em que as esferas políticas, econômicas e

164
na prática

religiosas se articulam entre si, como qualquer sistema social. Isso mostra que,
embora a lógica de vida dessa população seja diferente, eles possuem socieda-
des tão organizadas como a nossa.
II - O líder Yanomami revela, em seu relato, um ponto de vista diferente do que
conhecemos na historiografia tradicional, sua perspectiva nos alerta sobre os
equívocos da exploração e domínio de territórios que o processo de colonização
desenvolveu.
III - Darcy Ribeiro, em sua publicação sobre a formação da sociedade brasileira,
demonstra que a multiplicidade étnica e cultural brasileira foi forjada por um pro-
cesso de colonização cruel, repressivo e genocida das populações de indígenas
e africanos escravizados, contexto que repercute nos dias atuais na segregação
e exclusão dessas populações em nossa sociedade.
IV - A colonização e a exploração do território brasileiro não foi um processo violen-
to e trouxe muitos ganhos para a nossa nação. O Brasil só é um país cheio de
riquezas dado aos avanços que os europeus trouxeram.
V - Diferente da lógica capitalista de exploração das riquezas naturais, as comuni-
dades indígenas possuem uma relação com a natureza que respeita seus limites
e conserva a suas riquezas.
a) II, apenas.
b) II e III, apenas.
c) I, III, IV e V, apenas.
d) IV, apenas.
e) I, II, III, IV e V.

3. “Três mulheres vivem um horror para o qual será preciso inventar um nome. Elas são
Sanöma, um grupo da etnia Yanomami, e sua aldeia, Auaris, fica no que os brancos
chamam de Roraima, na fronteira do Brasil com a Venezuela. Elas não compreendem
a ideia de fronteira, para elas a terra é uma só e não tem cercas. Elas não falam
português, elas falam a sua língua. Em maio, essas mulheres e seus bebês foram
levados para Boa Vista, capital de Roraima, com suspeitas de pneumonia. Nos hos-
pitais, as crianças teriam sido contaminadas por covid-19. E lá morreram. E então
seus pequenos corpos desapareceram, possivelmente enterrados no cemitério da
cidade. Duas das mães estão com covid-19, amontoadas na Casa de Saúde Indígena

165
na prática

(CASAI), abarrotada de doentes. Lá, corroídas pelo vírus, elas imploram pelos seus
bebês” (EL PAÍS, 2020, on-line).

A notícia do jornal El País retrata a realidade preocupante da população Yanomami


no Brasil, etnia assolada por uma série de epidemias trazidas pelo contato com os
brancos que exploram terras amazônicas, como a malária, a pneumonia e, atual-
mente, o covid-19. Por meio de uma ação contraditória e violenta, o hospital de Boa
Vista enterra os corpos de bebês Yanomami sem a permissão de suas mães, que
se encontram desesperadas por uma resposta sobre o paradeiro de seus filhos.
Este acontecimento retrata o desrespeito pela cultura indígena no nosso país e a
condição de desigualdade que essa população vivencia, diariamente.

Reflita sobre essa situação das mães Yanomami e proponha qual ação deveria ser
a mais correta nesse caso, considerando uma relação de alteridade e respeito a
cultura indígena.

4. “O multiculturalismo obriga os educadores a reconhecer as estreitas fronteiras


que moldaram o modo como o conhecimento é partilhado na sala de aula. Obriga
todos nós a reconhecer nossa cumplicidade na aceitação e perpetuação de to-
dos os tipos de parcialidade e preconceito. Os alunos estão ansiosos para derru-
bar os obstáculos ao saber. Estão dispostos a se render ao maravilhamento de
aprender e reaprender novas maneiras de conhecer que são contra a corrente.
Quando nós, como educadores, deixamos que nossa pedagogia seja radicalmen-
te transformada pelo reconhecimento da multiculturalidade do mundo, pode-
mos dar aos alunos a educação que eles desejam e merece. Podemos ensinar de
um jeito que transforma a consciência criando um clima de livre expressão que
é a essência de uma educação em artes liberais verdadeiramente libertadora".

HOOKS, B. Abraçar a mudança: ensinando em um multicultural. In: HOOKS, B. Ensi-


nando a Transgredir. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2013.

Considerando a perspectiva da educação multicultural proposta pela escritora es-


tadunidense Bell Hooks, analise as afirmativas a seguir:

I - A perspectiva multicultural na educação contribui para que o ambiente escolar


seja um espaço que agregue diferentes vivências sociais de maneira democrática

166
na prática

e igualitária, valorizando a livre expressão e a construção de um conhecimento


crítico sobre o mundo em que vivemos.
II - Bell Hooks, por meio de sua perspectiva multicultural, incentiva o fim das dis-
tâncias sociais impostas entre diferentes grupos sociais, que segregam pessoas
brancas e negras e suprimem expressões culturais não hegemônicas.
III - Para que o multiculturalismo esteja presente no ambiente escolar, e não su-
primido por modelos de ensino que usam a autoridade para silenciar vozes
dissonantes, é preciso que haja um esforço do educador em proporcionar um
processo de ensino e aprendizagem em que haja o reconhecimento de cada
voz individual.
IV - Multiculturalismo apenas reafirma as diferenças culturais de modo a distanciar
os educandos do conhecimento formal, neste caso, deve-se uniformizar o pro-
cesso de ensino de modo a oportunizar direitos iguais a todos.

É correto o que se afirma em:

a) I, apenas.
b) III, apenas.
c) II, III e IV, apenas.
d) I, II e III, apenas.
e) I, II, III e IV.

5. Leia atentamente os dois excertos que seguem:

I
“O padrão geral de vida social é importante, mas só pode ser compreendido por meio da
observarão dos indivíduos cujas ações configuram esse padrão” (WHYTE, 2008, p. 15-49).
II
“Assumimos o estudo de nosso meio, de nossas vidas, como algo relevante para
a antropologia que, por sua vez, contribuiria de modo significativo para uma com-
preensão mais rica e sutil da sociedade em que vivíamos” (VELHO, 2011, 161-185).

VELHO, G. Antropologia Urbana: interdisciplinaridade e fronteiras do conhecimento.


Mana. [Online], v. 17, n. 1, p. 161-185, 2011.

WHYTE, W. F. Sociedade de Esquina. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

167
na prática

De acordo com as contribuições da antropologia urbana, o objeto de estudo da


antropologia também pode estar em nossas sociedades complexas. Sobre este
tema, analise os trechos apresentados e os relacione as alternativas a seguir. A única
alternativa que não se enquadra na interpretação correta dos trechos é:

a) Os trechos I e II apresentam uma concepção de fazer etnográfico que considera


as trajetórias individuais dos agentes sociais e sua relação com o sistema social.
b) Para a antropologia urbana, as trajetórias individuais não contribuem, significa-
tivamente, para o entendimento das estruturas sociais, isso seria apenas por
meio de estudos amplos e gerais sobre a sociedade que se pretende investigar.
c) A antropologia urbana propõe que investigar pequenos grupos e subculturas,
micro-estudos pode proporcionar o entendimento da sociedade como um todo
em macro-análises.
d) O meio social que antropologia urbana pretende investigar é o das sociedades
complexas, caracterizadas pela presença do Estado e a diversidade sociocultural.
e) Nos estudos antropológicos da vida urbana, o antropólogo estuda o próprio meio
social, tornando-se nativo e pesquisador ao mesmo tempo. Esta é uma condição
de pesquisa muito presente nas pesquisas da antropologia contemporânea.

168
aprimore-se

ANTROPOLOGIA EDUCACIONAL: NOVO OLHAR SOBRE A PRÁTICA EDUCATIVA

Diante do atual debate a respeito das transformações sociais e da percepção da


crescente ênfase na centralidade da cultura como base para a análise deste mo-
mento histórico, a antropologia adquire uma importância fundamental, devido a
sua contribuição na discussão sobre a contradição entre a função social da escola
na sociedade contemporânea, como formadora para a inserção em um mercado de
trabalho marcado pela preocupação com o imediatismo das respostas às demandas
provindas de diversos setores e obcecado pelo acúmulo de capital, e a formação dos
cidadãos voltada para uma inserção crítica na vida pública, de forma a contribuir
com a transformação das desigualdades que habitam esta sociedade democrática.
As atuais desigualdades caminham em direção a algo drástico: os seres humanos es-
tão cada vez menos semelhantes, não por conta da riqueza da sua multiplicidade cultural,
mas, sim, pela diferença no acesso aos bens e serviços engendrados na modernidade.
Essas questões se ampliam quando se focaliza a formação de nossas crianças,
adolescentes e jovens. Sendo a escola um espaço de longa jornada de convivência,
que busca melhor compreender a realidade, formar para o presente e o futuro, ques-
tiona-se qual contribuição vem auferindo para a caminhada histórica da humanidade.
Os diversos grupos culturais que até recentemente se encontravam alheados da
escola ou não eram nela reconhecidos, nela adentraram-se. Contribui, sobremanei-
ra, para ressignificar a educação e a escola, o reconhecimento da presença escolar
de outros grupos identitários historicamente sem poder, tais como, as mulheres
(meninas), as diversas sexualidades e diversidades de gênero, as minorias étnicas
(negros e indígenas) e religiosas (as religiões afro-brasileiras), os desfavorecidos
economicamente, sem falar nas sub culturas que caracterizam a juventude (o movi-
mento hip-hop, por exemplo).
As diferenças culturais manifestam-se intensamente no interior da escola. Neste
contexto, a antropologia tem um papel inquestionável no processo de mudança pa-
radigmática, ganhando importância para os fundamentos da educação, ampliando
o campo a ser investigado, notadamente no diálogo entre cultura e educação.

169
aprimore-se

O que objetivamos não é a realização de estudos etnográficos sobre a escola,


simplesmente, mas de uma mudança de olhar sobre ela, privilegiando os saberes
locais, a diversidade étnico-cultural, as complexidades e as subjetividades do coti-
diano social, portanto, trata-se de um novo olhar sobre a prática educativa.
Sendo a cultura este trajeto entre um “núcleo duro” e os diversos polos que bor-
bulham, este circuito dialético entre a repetição/diferença e o desejo/horizonte his-
tórico, as “histórias” (de cada pessoa, de cada escola) não serão as mesmas, tampou-
co as reações ou entendimentos advindos do seu contexto não serão semelhantes
para os diferentes sujeitos.
Mas, nem sempre foi assim, nem sempre foi este o entendimento sobre cultura.
Por isso, destaco a importância de se conhecer as principais escolas da antropolo-
gia, com seus principais pensadores e as interpretações dadas por eles à questão da
diversidade humana, nos aspectos biológico (diferenças genéticas) e social (as orga-
nizações de parentesco, as instituições sociais e políticas, os sistemas simbólicos, reli-
giosos e de comportamento), o que nos possibilitará desenvolver uma educação com
respeito às diferenças étnicas e culturais e que promova a eliminação das diferenças
econômico-sociais e, com isso, possibilitar que nos tornemos, mais, humanos.

Fonte: Oliveira (2017, on-line)2.

170
eu recomendo!

livro

O que faz o brasil, Brasil?


Autor: Roberto Damatta
Editora: Rocco
Sinopse: em “O que faz do brasil, Brasil?”, o antropólogo Roberto
da Matta buscar fazer uma exposição e uma análise da diversida-
de de manifestações culturais que formam a identidade da nação
brasileira.

livro

Ensinando a Transgredir: educação como prática para a


liberdade
Autor: Bell Hooks
Editora: Wmf Martins Fontes
Sinopse: em ‘Ensinando a transgredir’, Bell Hooks propõe uma
nova forma de pensar o ensino, uma educação como prática de
liberdade. Ensinar a transgredir para a escritora estadunidense é
associar o conhecimento prático da sala de aula as vivências cotidianas. Segundo
Bell Hooks, “a educação como prática da liberdade é um jeito de ensinar que qual-
quer um pode aprender”.

conecte-se

O projeto “Cineastas Indígenas para Crianças e Adolescentes” é patrocinada pela


"Convenção sobre a proteção e promoção da diversidade das expressões cultu-
rais", da UNESCO. A produção de 6 filmes voltados para o público infanto-juvenil
que apresenta lendas de suas comunidades, sua cultura e seus costumes, contou
com a participação dos povos Wajãpi, Ikpeng, Panará, Ashaninka, Mbya-Guarani e
Kisêdjê. O material conta com um guia didático para uso em sala de aula.
https://vimeo.com/showcase/2352920

171
eu recomendo!

filme

Como era gostoso o meu francês.


Ano: 1972
Sinopse: o filme dirigido por Nelson Pereira dos Santos conta
a história do aventureiro que consegue escapar nadando até o
continente, onde se depara com índios tupiniquins. A história de
um membro da colônia francesa que foi preso por indígenas tu-
pinambá, que o aprisionam e o condenam à morte. O filme ba-
seia-se em relatos de práticas canibais realizadas por índios tupis,
descritas em crônicas e cartas de viajantes europeus que estiveram no Brasil, no
século XVI, como o soldado alemão Hans Staden (1510-1576).
Comentário: a produção brasileira apresenta um pouco dos costumes dessa po-
pulação do povo Tupinambá, população estudada por Florestan Fernandes, e o
filme ajuda a compreender o contexto da obra do autor.

filme

O Irlandês
Ano: 2019
Sinopse: o filme “O Irlandês” foi dirigido por Martin Scorsese e
com Robert De Niro, Al Pacino, Joe Pesci e Harvey Keitel no elen-
co, estreou e foi distribuído pela Netflix. A história é sobre um
veterano de guerra conhecido como "O Irlandês", que se torna
um matador de aluguel para uma máfia estadunidense.
Comentário: o cenário dessa produção se assemelha, em alguma
medida, ao meio urbano pesquisado pela escola de Chicago, movimento intelec-
tual que influenciou as produções da antropologia urbana no Brasil.

172
conclusão geral

conclusão geral

Prezado(a) estudante, chegamos ao fim desta jornada nos Fundamentos Sociológi-


cos e Antropológicos da Educação. Foi um prazer dividir estes conhecimentos com
vocês. Esperamos que as distintas compreensões da sociedade e dos métodos para
explorá-la tenha lhe despertado para o amplo campo que temos a explorar. Que as
diversas expressões culturais e políticas das relações sociais, retratadas pela Socio-
logia e pela Antropologia, contribuam para sua prática docente e, também, para sua
vida enquanto educador(a).
Desde a Unidade 1, prezamos pelo entendimento de um saber situado, ou seja,
de contextualizar nossa sociedade, histórica, contextual e culturalmente, a fim de
trazer luz à questão educacional na sociedade.
Em seguida, nas Unidades 2 e 3, nossa lente enquadrou, mais detidamente, o
enfoque da Sociologia, partindo dos autores considerados clássicos, que fundaram
esta Ciência, até autores contemporâneos. Nestas unidades, conhecemos um pouco
do pensamento de autores que dedicaram boa parte de suas vidas para compreen-
der a relação entre Sociologia e Educação, aprimorando métodos e construindo fer-
ramentas para uma educação mais justa e democrática.
Já nas Unidades 4 e 5, o enfoque deu-se com as lentes da Antropologia, e nos
aventuramos, então, pelas diferentes metodologias e ferramentas para o conheci-
mento das distintas culturas humanas. O fazer etnográfico foi-nos indicado como
principal método de investigação, que conhecemos, também, na prática pelos estu-
dos de urbanidade.
Nosso principal objetivo com este livro foi aproximar o saber sociológico e antro-
pológico de sua futura prática enquanto educador(a), indicando, desta forma, como
a Sociologia e Antropologia fornecem ferramentas essenciais para a compreensão
da realidade social e escolar.
Esperamos que você tenha aproveitado os debates e busque, cada vez mais,
conhecer sua realidade e aplicar o saber sociológico e antropológico. Até a próxima!

173
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1 Em: https://dicionario.priberam.org/CIDADANIA. Acesso em: 3 nov. 2020.

2 Em: https://www.geledes.org.br/antropologia-educacional-novo-olhar-sobre-pratica-educa-
tiva/. Acesso em: 3 nov. 2020.

179
gabarito

UNIDADE 1 de debates, eventos que valorizem as


diferentes culturas/etnias/raças, exibi-
1. D. ção de filmes com debate sobre desi-
gualdades.
2. B..
3. C.
3. C.
4. C.
4. D
5. B.
5. Os princípios republicanos encontra-
ram consonâncias com os princípios
positivistas, principalmente, quanto à UNIDADE 4
“evolução organizada”, almejada por
ambos. Além disso, os republicanos 1. E.
rejeitavam a Monarquia, modo de go-
2. C.
verno operado até então no Brasil por
meio de sua máxima do poder instituí- 3. C.
do por Deus, o que encontra, também,
4. A.
familiaridade com a característica laica
do positivismo. 5. B.

UNIDADE 2 UNIDADE 5

1. B. 1. C.

2. Marx e Durkheim centraram suas teo- 2. D.


rias no poder das forças externas ao
3. Se considerarmos uma postura de alte-
indivíduo. Já Weber, centra-se na ca-
ridade, em que buscamos compreen-
pacidade de ação do indivíduo sobre o
der a perspectiva do outro pela sua pró-
exterior.
pria ótica, no caso das mães Yanomami,
3. E. deveria haver um protocolo de atendi-
mento específico para a população in-
4. B.
dígena com o objetivo de conhecer as
5. C. necessidades dessa população e lidar
com os pacientes indígenas de modo a
respeitar as suas singularidades e a se-
UNIDADE 3 guridade de direitos.

1. B. 4. D.

2. Resposta aberta. Exemplos: promoção 5. B.

180
anotações



































anotações



































anotações



































anotações




































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