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GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ

CAMILO Sobreira de SANTANA


GOVERNADOR DO ESTADO DO CEARÁ

SECRETARIA DA SEGURANÇA PÚBLICA E DEFESA SOCIAL - SSPDS

SANDRO Luciano CARON de Moraes - DPF


SECRETÁRIO DA SSPDS

ACADEMIA ESTADUAL DE SEGURANÇA PÚBLICA DO CEARÁ – AESP|CE

Antônio CLAIRTON Alves de Abreu – CEL PM


DIRETOR-GERAL DA AESP|CE

NARTAN da Costa Andrade - DPC


DIRETOR DE PLANEJAMENTO E GESTÃO INTERNA DA AESP|CE

HUMBERTO Rodrigues Dias – CEL BM


COORDENADOR DE ENSINO E INSTRUÇÃO DA AESP|CE

José ROBERTO de Moura Correia – TC PM


COORDENADOR ACADÊMICO PEDAGÓGICO DA AESP|CE

Francisca ADEIRLA Freitas da Silva – CAP PM


SECRETÁRIA ACADÊMICA DA AESP|CE

ALANA Dutra do Carmo


ORIENTADORA DA CÉLULA DE ENSINO A DISTÂNCIA DA AESP|CE

CURSO DE HABILITAÇÃO A SARGENTO POLICIAL MILITAR - CHS PM/2022

DISCIPLINA
DIREITOS HUMANOS

CONTEUDISTAS
Telma Maria Melo Nazareth (Conteudista)
Daniel Ferreira do Rêgo (Revisor)

FORMATAÇÃO
JOELSON Pimentel da Silva – 1º SGT PM

• 2022 •
SUMÁRIO

DIREITOS HUMANOS .......................................................................................................... 1


APRESENTAÇÃO.................................................................................................................. 1
MÓDULO 1 ......................................................................................................................... 2
1. CONCEITOS E DEFINIÇÕES: ............................................................................................. 2
1.1 Direito ........................................................................................................................ 2
1.2 Direito Internacional .................................................................................................. 3
1.3 Poder de Polícia ......................................................................................................... 4
1.4 Direitos Humanos ...................................................................................................... 4
1.5 Violação de Direitos Humanos ................................................................................... 5
2. CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS ................................................................. 6
3. FUNDAMENTOS DOS DIREITOS HUMANOS .................................................................... 7
4. TEORIA DAS GERAÇÕES/DIMENSÕES DE DIREITOS HUMANOS ....................................... 9
MÓDULO 2 ....................................................................................................................... 11
1. A CARTA MAGNA DE 1988 ............................................................................................ 11
2. A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS E SEU DESDOBRAMENTO NO
ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO ............................................................... 12
História .......................................................................................................................... 13
MÓDULO 3 ....................................................................................................................... 28
1. TORTURA ...................................................................................................................... 28
2. DEFINIÇÃO DE TORTURA NO DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS ...... 29
3. DEFINIÇÃO DE TORTURA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA ................................................. 31
MÓDULO 4: ...................................................................................................................... 34
1. PROTOCOLO DE ISTAMBUL ........................................................................................... 34
2. EXEMPLOS DE LESÕES E RESPECTIVOS INSTRUMENTOS, IMPORTANTE COLABORAÇÃO
DOS PERITOS FORENSES NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL NOS CASOS DE TORTURA............ 36
MÓDULO 5 ....................................................................................................................... 42
1. ESTUDO DE CASO ......................................................................................................... 42
MÓDULO 6 ....................................................................................................................... 43
1. DIREITO À MOTIVAÇÃO SOBRE ATOS ADMINISTRATIVOS .............................................. 43
MÓDULO 7 ....................................................................................................................... 45
1. USO DA FORÇA POR AGENTES DE SEGURANÇA PÚBLICA. ............................................ 45
1.1 Introdução ............................................................................................................... 45
1.2 O Uso da Força e a Legalidade .................................................................................. 46
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 50
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 51
DIREITOS HUMANOS

APRESENTAÇÃO

O presente trabalho é resultante de pesquisas em obras que abordam o tema


“Direitos Humanos” e trabalhos científicos e objetivos fortalecerem a doutrina e a prática
dos direitos humanos, tendo em vista que o correto posicionamento do profissional de
Segurança Pública dentro dos valores universais dos Direitos Humanos é a garantia de
uma segurança pública cada vez mais acreditada pelo cidadão e cada vez mais prestigiada
pelo poder político da sociedade.
O conteúdo programático desta apostila foi desenvolvido especialmente para o
Curso de Habilitação a Sargento Policial Militar - CHST PM. Não tem a pretensão de
esgotar o tema, mas fornecer subsídios ao futuro profissional de segurança pública a
desenvolver suas atividades conscientes da importância do assunto.
A apostila está dividida em módulos para facilitar a compreensão do assunto, no
final de cada módulo o professor dispõe de um vídeo relacionado com o tema proposto
para ser discutido com os alunos, ajudando a uma maior reflexão e interação com o
grupo. A participação do aluno nas aulas, interagindo e enriquecendo o debate, é
imprescindível para o desenvolvimento do aprendizado.
A par de reforçar o conhecimento dos alunos com noções básicas e intermediárias
da matéria, a apostila aspira fomentar a discussão sobre temas de ordem prática ligados
ao relevante mister profissional exercido pelo Policial no ordenamento jurídico brasileiro,
no que tange à tutela dos Direitos Humanos e um Estado Democrático de Direito.
Desejamos um excelente aprendizado e desempenho na atuação profissional.

O CONTEUDISTA

1
MÓDULO 1

“Direitos humanos são aqueles direitos fundamentais... Que decorrem do


reconhecimento da dignidade de todo ser humano, sem qualquer distinção...”
(Maria Victória Benevides)

1. CONCEITOS E DEFINIÇÕES:

1.1 Direito

Direito é uma palavra que vem do latim directum, cujo significado remete a retidão,
adequação, certo, correto. Etimologicamente, Direito define-se como a “qualidade
daquilo que é regra”.
Nos sistemas jurídicos romano-germânicos, diferente do que ocorre nos sistemas
anglo-saxões, a palavra “direito” não apresenta sentido unífoco, denotando tanto o
sentido de direito objetivo quanto o sentido de direito subjetivo.
Se por um lado, no sistema anglo-saxão, a exemplo do Direito estadunidense, a
expressão law represente o direito objetivo, ou seja, o ordenamento jurídico – o conjunto
de normas jurídicas; por outro lado a palavra right aponta para o direito subjetivo que é a
prerrogativa de exigir o usufruto do conteúdo previsto nas normas.
Miguel Reale (Curso de Filosofia do Direito, 6.ed. São Paulo: Saraiva, 1972.v. 2, p.
617), menciona que o direito é “a vinculação bilateral atributiva da conduta para a
realização ordenada dos valores de convivência”.
Direito é o conjunto de princípios, de regras e de instituições destinado a regular a
vida humana em sociedade.

2
1.2 Direito Internacional

O direito Internacional consiste em normas que governam as relações entre os


Estados, mas compreendem também normas relacionadas ao funcionamento de
instituições ou organizações internacionais, a relação entre elas e a relação delas com o
Estado e os indivíduos.
O direito internacional, entre outras diretrizes, estabelece normas relativas aos
direitos territoriais dos Estados (com respeito aos territórios terrestre, marítimo e
espacial), a proteção internacional do meio ambiente, o comércio internacional e as
relações comerciais, o uso da força pelos Estados, os direitos humanos e o direito
internacional humanitário.
O Direito Internacional dos Direitos Humanos estabelece as obrigações dos
governos de agirem de determinadas maneiras ou de se absterem de certos atos, a fim de
promover e proteger os direitos humanos e as liberdades de grupos ou indivíduos.
Desde o estabelecimento das Nações Unidas, em 1945 – em meio ao forte lembrete
sobre a barbárie da Segunda Guerra Mundial –, um de seus objetivos fundamentais tem
sido promover e encorajar o respeito aos direitos humanos para todos, conforme
estipulado na Carta das Nações Unidas:

“Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da


ONU, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do
ser humano e na igualdade de direitos entre homens e mulheres, e que
decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma
liberdade mais ampla,… a Assembleia Geral proclama a presente Declaração
Universal dos Diretos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os
povos e todas as nações…”Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, 1948

A evolução do Direito Internacional tem desenvolvido a importância da figura do


indivíduo como sujeito do direito internacional. Destarte, mais do que ser um sujeito de
direito no âmbito interno do Estado, o indivíduo tem sido visto como um sujeito de
direitos no âmbito internacional, digno de tutela por parte da comunidade internacional.

3
1.3 Poder de Polícia

Poder de polícia é a competência institucional que a administração pública tem para


impor restrições a certas atividades privadas e obrigar ou proibir determinadas formas de
utilização das coisas, tendo em vista o bem comum.
Consiste numa limitação do exercício da liberdade e da propriedade dos indivíduos
para que, no uso delas, os membros da coletividade se mantenham ajustados a padrões
compatíveis com os objetivos sociais. O Estado cumpre sua missão de defensor e
propagador dos interesses gerais, coibindo os excessos e prevenindo as perturbações à
ordem jurídico-social. (MEIRELLES 1997, p. 115).
Deve-se usar o poder de polícia de forma discricionária, onde através de critérios
técnicos, de oportunidade e de justiça, pode fazer-se cumprir sua ordem.
Como o poder conferido é discricionário, e jamais arbitrário, o policial deve manter
suas ações exatamente dentro dos limites legais.

1.4 Direitos Humanos

Direitos Humanos disciplina umbilicalmente correlata ao direito internacional


público, representa o direito (subjetivo e objetivo) que ostenta o ser humano enquanto
sujeito às normas e à jurisdição internacionais.
Os Direitos Humanos são universais, inalienáveis e igualitários, deriva da dignidade e
do valor inerente a pessoa humana. São inerentes a cada ser humano, não podem ser
tirados ou alienados, significando que todos têm os direitos humanos em igual medida -
independente do critério de raça, cor, sexo, idioma, religião, nacionalidade ou origem
social, propriedades, nascimento ou outro status qualquer. Logo, são essenciais na vida
social de cada um, principalmente nos aspectos ligados ao cotidiano e as resoluções para
os conflitos desenvolvidos no decorrer dos dias.

Conforme relato do autor José Luis Bolzan de Morais:

[...] os direitos humanos, como conjunto de valores históricos básicos e


fundamentais, que dizem respeito à vida digna jurídico-político-psíquico-
econômico-física e afetiva dos seres e de seu habitat, tanto daqueles do

4
presente quanto daqueles do porvir, surgem sempre como condição fundante
da vida (MORAIS, 2002, p.64).

A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU define os direitos humanos


como:

“garantias jurídicas universais que protegem indivíduos e grupos contra ações


ou omissões dos governos que atentem contra a dignidade humana”.

Os direitos humanos são aqueles princípios ou valores que permitem a uma pessoa
afirmar sua condição humana e participar plenamente da vida. Tais direitos fazem com
que o indivíduo possa vivenciar plenamente sua condição biológica, psicológica,
econômica, social cultural e política. Os direitos humanos se aplicam a todos os homens e
servem para proteger a pessoa de tudo que possa negar sua condição humana. Com isso,
eles aparecem como um instrumento de proteção do sujeito contra todo tipo de
violência.
Os direitos humanos servem, assim, para assegurar ao homem o exercício da
liberdade, a preservação da dignidade e a proteção da sua existência. Trata-se, portanto,
daqueles direitos considerados fundamentais, que tornam os homens iguais,
independentemente do sexo, nacionalidade, etnia, classe social, profissão, opção política,
crença religiosa, convicção moral, orientação sexual e identidade de gênero. Eles são
essenciais à conquista de uma vida digna, daí serem considerados fundamentais à nossa
existência.

1.5 Violação de Direitos Humanos1

Segundo RALPH CRAWSHAW, estudioso britânico de Direitos Humanos, a violação de


direitos humanos somente pode ser cometida por uma pessoa com a autoridade e poder
conferida pelo Estado e a exercê-la em seu nome. Nenhum criminoso ou terrorista tem
essa dignidade ou esse poder. Quando criminosos ou terroristas ferem ou matam pessoas
eles cometem atos criminosos, mas não cometem violações de direitos humanos. Isto não
reduz o mal que fizeram e devem ser punidos pela lei pelos crimes cometidos.

1
Texto disponível na internet para pesquisa em 13/07/2015 - https://www.algosobre.com.br/nocoes-basicas-pm/direitos-humanos-e-
policia-perguntas-e-respostas.html

5
Este ponto também pode ser ilustrado considerando-se a ação de um policial. Se
este policial, durante seu trabalho, agride fisicamente um suspeito durante uma
entrevista ou depoimento, intimidando essa pessoa a confessar um crime, essa ação seria
considerada criminosa (lesão corporal ou tortura), mas também seria uma violação aos
direitos humanos (proibição de tratamento degradante ou tortura). Mas, se por outro
lado um policial não estando de serviço, agindo por conta própria venha a agredir
alguém, esta ação seria criminosa, mas não uma violação dos direitos humanos.
Em ambos os casos apresentados o policial deverá ser punido pela lei criminal de seu
país, mas, no primeiro exemplo, a vítima tem o direito de proteção e indenização do
Estado.
Portanto, as violações dos direitos humanos são violações das normas pertinentes
do direito penal (âmbito nacional) e/ou Direito Internacional dos Direitos Humanos. Num
sentido legal restrito, os direitos humanos são violados somente quando o ato ou
omissão é imputável ao Estado.
A razão principal dos direitos humanos é lidar com um tipo específico de violação –
o abuso de poder pelo Estado. Os padrões internacionais de direitos humanos têm o
objetivo de prevenir que as pessoas se tornem vítimas desse abuso, assegurá-las e
protegê-las caso isto aconteça. Algumas violações de direitos humanos são atos
criminosos por si só – tortura, por exemplo, e execuções ilegais por funcionários do
Estado.
Os criminosos também têm direitos humanos, por exemplo, têm direito a um
julgamento justo e a um tratamento humano quando detidos. Uma vez sentenciados por
uma corte de justiça pelo cometimento de uma ofensa criminal, eles perderão o direito à
liberdade durante o tempo de cumprimento da sentença.

2. CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS

Conforme Milton Ângelo2, as principais características dos direitos humanos dizem


respeito à sua:
a) inviolabilidade - não podendo ser desrespeitados por ninguém.
b) irrenunciabilidade – não pode o titular de direitos humanos deles renunciar.

2
Ângelo, M. Direitos humanos. São Paulo: Editora de Direito, 1998, p. 18 e s.

6
c) imprescritibilidade - não desaparecem ou se extinguem com o decurso do tempo;
d) inalienabilidade - são intransferíveis, a título oneroso ou gratuito;
e) universalidade - destinados a todos, indistintamente. Não se exige uma
característica especial para ser titular de direitos humanos.
f) efetividade - devendo ser garantidos materialmente;
g) interdependência - de forma que há interatividade com os preceitos
constitucionais que dizem respeito aos direitos humanos e os demais ramos do Direito;
h) complementariedade - os direitos humanos deverão ser interpretados de forma
plurilateral, em concordância com princípios de direito público e privado, tanto a nível
nacional quanto internacionalmente.
i) historicidade – decorrem de um longo processo de conquista e positivação.
j) função contra majoritária – servem como uma autolimitação para que a vontade
da maioria não oprima os direitos das minorias.

3. FUNDAMENTOS DOS DIREITOS HUMANOS3

O fundamento dos direitos humanos está baseado na ideia de dignidade da pessoa


humana. A dignidade é a qualidade que define a essência da pessoa humana, ou ainda é
o valor que confere humanidade ao sujeito. Trata-se daquilo que existe no ser humano
pelo simples fato de ele ser humano. Cada homem traz consigo a forma inteira da
condição humana, afirmava o filósofo francês Montaigne (2000), ao se referir a esse
elemento que nos define em nossa condição própria de ser. A ideia de dignidade deve,
pois, garantir a liberdade e a autonomia do sujeito. Tal noção nos permite afirmar que
todo ser humano tem um valor primordial, independentemente de sua vida particular ou
de sua posição social. Eis por que o homem deve ser considerado como um fim em si
mesmo, jamais como um meio ou instrumento para a realização de algo (Kant, 1980).
O homem é um ser cuja existência constitui um valor absoluto, ou seja, nada do que
existe no mundo lhe é superior ou equivalente. A dignidade é um valor incondicional (ela
deve existir independentemente de qualquer coisa), incomensurável (não se pode medir
ou avaliar sua extensão), insubstituível (nada pode ocupar seu lugar de importância na
3
Utilizado como referência o trabalho de Marconi Pequeno* Pós-doutor em Filosofia pela Universidade de Montreal (Canadá). Docente do
Programa de Pós-Graduação em Filosofia e membro do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Universidade Federal da Paraíba,
disponível http://www.cchla.ufpb.br/redhbrasil/wp-content/uploads/2014/04/O-FUNDAMENTO-DOS-DIREITOS-HUMANOS.pdf , acesso em
02/08/2015.

7
nossa vida), e não admite equivalente (ela está acima de qualquer outro princípio ou
ideia). Trata-se de algo que possui uma dimensão qualitativa, jamais quantitativa. A
dignidade possui um valor intrínseco, por isso uma pessoa não pode ter mais dignidade
do que outra.
A dignidade é o conceito que unifica toda a raça humana: independentemente de
sua origem, cor, etnia, sexo, idade, condição social, religião, crença política, situação
penal e outras características individuais e sociais, todos os seres humanos possuem a
mesma dignidade e, por isso, devem ser igualmente respeitados. É isto o que declara
expressamente o artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos do Homem: "Todas as
pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos."
Para Flávia Piovesan: “Os direitos humanos são inerentes à existência humana e
objeto de regulação internacional.” (PIOVESAN, 1996).
Na perspectiva da mesma autora, o fundamento base dos direitos humanos é a
dignidade, visto que se trata de uma qualidade que define a essência da pessoa humana,
um valor que confere humanidade ao sujeito. Em suas palavras:

“A dignidade da pessoa humana, (...) está erigida como princípio matriz da


Constituição, imprimindo-lhe unidade de sentido, condicionando a
interpretação das suas normas e revelando-se, ao lado dos Direitos e Garantias
Fundamentais, como cânone constitucional que incorpora “as exigências de
justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema
jurídico brasileiro.” (PIOVESAN, 2000, p. 54).

Diz ainda:

“É no valor da dignidade da pessoa humana que a ordem jurídica encontra seu


próprio sentido, sendo seu ponto de partida e seu ponto de chegada, na tarefa
de interpretação normativa. Consagra-se, assim, dignidade da pessoa humana
como verdadeiro super princípio a orientar o Direito Internacional e o interno.”
(PIOVESAN, 2004, p. 92)

Necessário mencionar que a dignidade possui também outros enfoques, quais


sejam: o teológico, o racionalista e o contemporâneo.

8
Enfoque teleológico: Fundamentado na imagem e semelhança de Deus.

Nesse sentido, pontua André de Carvalho Ramos:

“Com São Tomás de Aquino, há o reconhecimento da dignidade humana,


qualidade inerente a todos os seres humanos, que nos separa dos demais seres
e objetos. São Tomás de Aquino defende o conceito de que a pessoa é uma
substância individual de natureza racional, centro da criação pelo fato de serem
imagem e semelhança de Deus.” (RAMOS, 2018, p. 83).

Enfoque racionalista: Fundamentado no movimento iluminista, em que se privilegia


a natureza racional do ser humano.

Enfoque contemporâneo: Trata-se da noção de autonomia, ou seja, nas normas


construídas pelo próprio sujeito. Enfoque idealizado por Immanuel Kant, traduzido na
capacidade de viver através de regras estabelecidas por si mesmo. Immanuel Kant
afirmava que o direito só é legítimo quando existe para garantir nossa liberdade.
Liberdade essa que se traduz na dignidade, que por sua vez, pode ser convertida em
autonomia, que é fundamento do Direito.

4. TEORIA DAS GERAÇÕES/DIMENSÕES DE DIREITOS


HUMANOS4

A teoria das gerações tem como paradigma a evolução histórica dos direitos
humanos na ordem jurídica supra estatal e nas Constituições dos Estados
contemporâneos. Preconiza que o processo de criação de direitos humanos é contínuo e
inesgotável. Os defensores dessa teoria vinculam cada etapa civilizatória a valores
relevantes para a vida social. Sob a inspiração de determinado elemento axiológico,
surgem direitos com o mesmo perfil. Os direitos humanos não são estanques ou
incomunicáveis, mas complementares e conexos: integram-se uns aos outros para realizar
o ideal de dignidade humana.

4
Fonte:http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13317&revista_caderno=29

9
Alguns autores preferem utilizar a nomenclatura “dimensões” de direitos humanos
por entenderem que a expressão gerações poderia transmitir a falsa ideia de superação
da geração anterior.
Seja como for, é importante pontuar que os direitos são complementares,
indivisíveis, interdependentes. Desta forma, assegurar o direito à vida (de primeira
geração) e sonegar o direito à saúde (de segunda geração), por exemplo, constitui
contradição haja vista que, sem saúde, o direito à vida resta violado.
A divisão em gerações tem origem didática. Apresentada por Karel Vasak na
conferência na conferência de Estrasburgo, em 1979, este se inspirou no lema da
revolução francesa, ao estabelecer a divisão. Destarte, direitos de primeira geração
apontam para a liberdade; os direitos de segunda geração para a igualdade e os de
terceira geração para a fraternidade. (MAZZUOLI, 2018, p. 51).

Podemos esquematizar as gerações de direitos humanos da seguinte forma:

1ª geração:

Ligados à liberdade, são os direitos civis e políticos – também chamados de


liberdades negativas. Fruto das revoluções liberais contra o absolutismo, são direitos de
defesa contra o arbítrio do Estado, reclamam prestações negativas. Exemplos: Vida,
liberdade de ir e vir, liberdade de opinião, privacidade, intimidade (Direitos individuais).

2ª geração:

Ligados à igualdade – São os direitos econômicos, sociais e culturais. Buscam uma


igualdade material – isonomia. Exige prestação positiva por parte do Estado. Podem ser
citados como momentos históricos a revolução industrial; a constituição de Weimar de
1919; a constituição mexicana de 1917. Exemplos: Direitos trabalhistas, direito à saúde,
educação, transporte público.

10
3ª geração:

Ligados à fraternidade/solidariedade; São de titularidade coletiva (direitos difusos);


Exemplos: Direitos do consumidor, do meio ambiente.

Como forma de promover reflexão e debate,disponibilizamos o vídeo 1 - “Opinião


Livre – Violação dos Direitos Humanos”
Foto em: http://noticias.cancaonova.com/bispos-pedem-a-ue-acao-contra-violacao-dos-direitos-humanos/

MÓDULO 2

1. A CARTA MAGNA DE 1988

A Carta Magna de 1988 institui o Estado Democrático de Direito, trazendo como


princípios fundamentais à soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, a
crença nos valore sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º).
Os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, dispostos no art. 3º,
são: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional;
erradicara pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação.
A Constituição de 1988 institucionaliza a instauração de um regime político
democrático no Brasil e proporciona um avanço na consolidação legislativa das garantias
e direitos fundamentais. A atual Constituição Federal é muito avançada em direitos
sociais e civis, e, também, de forma consciente, protege os direitos políticos democráticos

11
ante qualquer interferência autoritária.
O artigo 4º da Constituição Federal de 1988 declara que, sobre qualquer lei nacional,
prevalecem os direitos humanos.
A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos
seguintes princípios:
I – independência nacional;
II – prevalência dos direitos humanos;
III – autodeterminação dos povos;
IV – não intervenção;
V – igualdade entre os Estados
VI – defesa da paz;
VII – solução pacífica dos conflitos;
VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo;
IX – cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
X – concessão de asilo político

Com a constituição de 1988 os direitos humanos ganham importância nunca antes


verificada no âmbito do governo federal.

2. A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS E SEU


DESDOBRAMENTO NO ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL
BRASILEIRO

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) foi aprovada em 1948 na


Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). O documento é a base da
luta universal contra a opressão e a discriminação, defende a igualdade e a dignidade das
pessoas e reconhece que os direitos humanos e as liberdades fundamentais devem ser
aplicados a cada cidadão do planeta.
Os direitos humanos são os direitos essenciais a todos os seres humanos, sem que
haja discriminação por raça, cor, gênero, idioma, nacionalidade ou por qualquer outro
motivo (como religião e opinião política). Eles podem ser civis ou políticos, como o direito
à vida, à igualdade perante a lei e à liberdade de expressão. Podem também ser

12
econômicos, sociais e culturais, como o direito ao trabalho e à educação e coletivos,
como o direito ao desenvolvimento. A garantia dos direitos humanos universais é feita
por lei, na forma de tratados e de leis internacionais, por exemplo.

História5

Quando a Declaração Universal dos Direitos Humanos começou a ser pensada, o


mundo ainda sentia os efeitos da Segunda Guerra Mundial, encerrada em 1945.
Outros documentos já haviam sido redigidos em reação a tratamentos desumanos e
injustiças, como a Declaração de Direitos Inglesa (elaborada em 1689, após as Guerras
Civis Inglesas, para pregar a democracia) e a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão (redigida em 1789, após a Revolução Francesa, a fim de proclamar a igualdade
para todos).
Depois da Segunda Guerra e da criação da Organização das Nações Unidas (também
em 1945), líderes mundiais decidiram complementar a promessa da comunidade
internacional de nunca mais permitir atrocidades como as que haviam sido vistas na
guerra. Assim, elaboraram um guia para garantir os direitos de todas as pessoas e em
todos os lugares do globo.
O documento foi apresentado na primeira Assembleia Geral da ONU em 1946 e
repassado à Comissão de Direitos Humanos para que fosse usado na preparação de uma
declaração internacional de direitos. Na primeira sessão da comissão em 1947, seus
membros foram autorizados a elaborar o que foi chamado de “esboço preliminar da
Declaração Internacional dos Direitos Humanos”.
Um comitê formado por membros de oito países recebeu a declaração e se reuniu
pela primeira vez em 1947. Ele foi presidido por Eleanor Roosevelt, viúva do presidente
americano Franklin D. Roosevelt. O responsável pelo primeiro esboço da declaração, o
francês René Cassin, também participou.
O primeiro rascunho da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que contou com
a participação de mais de 50 países na redação, foi apresentado em setembro de 1948 e
teve seu texto final redigido em menos de dois anos.

5
Fonte: Ministério da Justiça

13
A Declaração Universal dos Direitos Humanos tem um importante desdobramento
no ordenamento constitucional brasileiro.

Obs. Aprofundando o tema estudado, anexamos um paralelo entre a Declaração


Universal dos Direitos Humanos e seu desdobramento no ordenamento constitucional
brasileiro.

Fonte de pesquisa:Valéria Getúlio - Conselheira do Regional Centro-Oeste do MNDH,


disponível na internet,
http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/valeriabrito/valeria.html e
http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf

Art.10. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São
dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de
fraternidade.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

Art. 2ºI) Todo o ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades
estabelecidos nesta Declaração sem distinção de qualquer espécie, sejaraça, cor, sexo,
idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social,
riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
II) Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica
ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um
território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra
limitação de soberania.

Art. 5º.
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta
Constituição;

14
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de
convicção filosófica ou política, (...)

Art. 3º. Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança
e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

Art. 4º. Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico


de escravos serão proibidos em todas as suas formas.

Art. 5º.
II - Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude
de lei.
XLVII - não haverá penas:
c) de trabalhos forçados:
e) cruéis.

Art. 5º. Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel,
desumano ou degradante.

Art. 5º.
III. Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante

Art. 6º. Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido
como pessoa perante a lei.

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do
direito à vida, á liberdade, à segurança e á propriedade, nos termos seguintes: (...)

15
Art. 7º. Todos são iguais perante a lei e tem direito, sem qualquer distinção, a igual
proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que
viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos Termos desta
Constituição.

Art. 8º Todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais
competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe
sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.

Art. 5º.
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse
particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei (...);
XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
o direito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade
ou abuso de poder;
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito

Art. 9º. Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.

Art. 5º.
LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime
comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico
ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei:
LII - não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião.

16
Art. 10.
Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública
por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e
deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.

Art. 5º
XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe dera lei,
assegurados:
a) a plenitude de defesa:
b) o sigilo das votações:
c) a soberania das vereditos:
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida

Art. 11.
I) Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido
inocente até que sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em
julgamento público no qual lhe tenham sido assegurada todas as garantias necessárias a
sua defesa.
II) Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que no momento,
não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Também não será
imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao
ato delituoso.

Art. 5º.
XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação
legal:
XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu:
LVII: ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória.

17
Art. 12.
Ninguém será sujeito a interferências em sua vida privada, em sua família, em seu
lar ou em sua correspondência, nem a ataques á sua honra e reputação. Todo ser
humano tem direito á proteção da lei contra tais interferências ou ataques.

Art. 5º.
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação:
XI - a casa é o asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem
consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar
socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial:
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de
dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, (...)

Art. 13.
I)Todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das
fronteiras de cada Estado.
II)Todo homem tem direito de deixar qualquer pais, inclusive o próprio, e a este
regressar.

Art. 5º.
XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer
pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;

Art. 14.
I) Toda pessoa, vitima de perseguição, tem o direito de procurar e gozar de asilo
em outros países.
II) Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente
motivada por crimes de direito comum ou atos contrários aos objetivos e princípios das
Nações Unidas.

18
Art. 4º.
X - concessão de asilo político.
Art. 5º § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais
em que a Republica Federativa do Brasil seja parte.

Art. 15.
I) Todo ser humano tem direito a uma nacionalidade.
II) Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de
mudar de nacionalidade.

Art. 12
São brasileiros;
I – natos: (...)
II – naturalizados: (...)
§ 2º A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados,
salvo nos casos previstos nesta Constituição.

Art. 16.
I) Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça,
nacionalidade ou religião, têm direito de contrair matrimônio e fundar uma família.
Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução.
II) O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos
nubentes.
III) A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem o direito à
proteção da sociedade e do Estado.

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado


§ 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o
homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em

19
casamento.
§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por
qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º - Os direitos e deveres referentes á sociedade conjugal são exercidos igualmente
pelo homem e pela mulher
§ 6º - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.
§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade
responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado
propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada
qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
§ 8º - O Estado assegurará a assistência á família na pessoa de cada um dos que a
integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

Art. 17.
I) Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com os outros.
II) Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.

Art. 5º.
XXII - e garantido o direito de propriedade;
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou
utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em
dinheiro, ressalvada os casos previstos nesta Constituição.

Art. 18.
Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião;
este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de
manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela
observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.

20
Art. 5º.
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização
por dano material, moral ou à imagem;
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre
exercício dos cultos religiosos e garantia, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e
suas liturgias.

Art. 19.
Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito
incluía liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir
informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação


independentemente de censura ou licença.

Art. 20.
I) Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação pacifica.
II) Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.

Art. 5º.
XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público,
independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião
anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso a
autoridade competente;
XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter
paramilitar;
XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de
autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento,
XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;
XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade
para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente

21
Art. 21.
I) Todo ser humano tem direito de tomar parte no governo de seu país
diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.
II)Todo ser humano tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.
III) A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será
expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou
processo equivalente que assegure a liberdade de voto.

Art. 1º. Parágrafo Único.


Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição.

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto
e secreto, com valor igual para todos e, nos termos da lei, mediante:
I - plebiscito;
II - referendo;
III - iniciativa popular

Art. 22.
Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, e a
realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a
organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais
indispensáveis á sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.

Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre


iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da
justiça social, observados os seguintes princípios (...)

22
Art. 23.
I) Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a
condições justas e favoráveis de trabalho e á proteção contra o desemprego.
II) Todo ser humano, sem qualquer distinção tem direito a igual remuneração por
igual trabalho.
III) Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e
satisfatória, que lhe assegure, assim como á sua família, uma existência compatível com
a dignidade humana, e a que se acrescentará se necessário, outros meios de proteção
social.
IV) Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para
proteção de seus interesses.

Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social:
I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa,
nos termos da lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros
direitos;

IV – salário mínimo, fixado por lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas
necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação,
saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos
que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

Art. 8º - É livre a associação profissional ou sindical, observando o seguinte: (...)

Art. 24.
Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive à limitação razoável de
horas de trabalho e férias periódicas remuneradas.

Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a


moradia, o lazer (...)

23
Art. 7º.
XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e
quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante
acordo ou convenção coletiva de trabalho:
XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de
revezamento, salvo negociação coletiva;
XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o
salário normal;

Art. 25.
I) Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua
família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados
médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de
desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de
subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
II) A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas
as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma assistência social.

Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a


moradia o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância,
a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre


iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os difamem da
justiça social observada os seguintes princípios (...)

Art. 7º
XXV - assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até cinco
anos de idade em creches e pré-escolas;
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar á criança e ao
adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito á vida, à saúde, á alimentação,
à educação, ao lazer á profissionalização, á cultura, à dignidade, ao respeito, á liberdade e

24
á convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 1º - O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do
adolescente e do jovem admitida a participação de entidades não governamentais,
mediante políticas específicas e obedecendo os seguintes preceitos: I, II, 2º, 3º, 4º

Art. 229 - Os pais têm o dever de assistir e educar os filhos menores, e os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

Art. 230 - A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas


idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-
estar e garantindo-lhes o direito á vida.

Art. 26.
I) Todo ser humano tem direito á instrução. A instrução será gratuita, pelo menos
nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A
instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior,
esta baseada no mérito.
II)A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da
personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pela
liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância, e a
amizade entre todas as nações raciais ou religiosas, e coadjuvará as atividades das
Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
III) Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será
ministrado aos seus filhos.

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será


promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho.

25
Art. 206 - O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o
saber;
III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições
públicas e privadas de ensino;
IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; (...)
Art. 208 - O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de
idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso
na idade própria;
II - progressiva universalização do ensino médio gratuito
V- acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística,
segundo a capacidade de cada um:
VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de
programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e
assistência á saúde.

Art. 27.
I) Todo ser humano tem direito de participar livremente da vida cultural da
comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e de seus
benefícios.
II)Todo ser humano tem direito à proteção dos interesses morais e materiais
decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor.

Art. 5º.
XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou
reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;
XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:
a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da
imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;

26
b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou
de que participarem aos criadores, aos intérpretes e ás respectivas representações
sindicais e associativas.

Art. 28. Todo ser humano tem direito a uma ordem social e internacional em que
os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente
realizados.

Art. 5º.
§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais
em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Art. 29.
I) Todo ser humano tem deveres para com a comunidade, na qual o livre
desenvolvimento de sua personalidade é possível.
II) No exercício de seus direitos e liberdades, todo homem estará sujeito apenas ás
limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido
reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem a satisfazer às justas
exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.
III) Estes direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos
contrariamente aos objetivos e princípios das Nações Unidas.

Art. 5º.
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta
Constituição;
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude
de lei.

Art. 30. Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o
reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer
atividade ou praticar ato destinado á destruição de quaisquer dos direitos e liberdades
aqui estabelecidas.

27
Art. 5º
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada.

Objetivando a promoção da reflexão e debate, disponibilizamos o vídeo: 1 –“Os


Piores Presídios do Brasil” e o vídeo 2 – “Agentes Penitenciários torturam presos em
cadeia”.

Foto: http://www.pco.org.br/estados/presidios-da-paraiba-sao-denunciados-por-violacao-aos-direitos-humanos/zyiy,a.html

MÓDULO 3

1. TORTURA

A tortura é violação dos direitos humanos que atinge diretamente a pessoa humana,
em sua integridade física e psicológica.

Foto em:http://www.historiadigital.org/curiosidades/10-torturas-da-ditadura-militar/

28
Tortura é tudo aquilo que deliberadamente uma pessoa possa fazer a outra,
produzindo dor, pânico, desgaste moral ou desequilíbrio psíquico, provocando lesão,
contusão, funcionamento anormal do corpo ou das faculdades mentais, bem como
prejuízo à moral. (ARNS, 1985, p. 282).
A tortura constitui uma das violações mais flagrantes dos direitos fundamentais dos
seres humanos. Destrói a dignidade das pessoas, degradando seu corpo e abrindo feridas,
muitas vezes irreparáveis, em sua mente e em seu espírito. As conseqüências nefastas
dessa terrível violação dos direitos humanos estendem-se à família das vítimas e a seu
círculo social. Com a prática da tortura os valores e princípios sobre os quais se assentam
a democracia e toda a forma de convivência humana perdem seu significado6.
A proibição de tortura é encontrada em vários tratados internacionais de direitos
humanos e tratados humanitários internacionais; também é considerado um princípio do
direito internacional geral. A proibição da tortura é encontrada no Artigo 5º da
Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e em vários outros tratados
internacionais e regionais de direitos humanos.7

2. DEFINIÇÃO DE TORTURA NO DIREITO INTERNACIONAL DOS


DIREITOS HUMANOS8

No direito internacional, a definição de tortura mais aceita é aquela que aparece no


Artigo 1 da Convenção contra a Tortura9.
A Convenção contra a Tortura foi adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas
em 10 de dezembro de 1984 e entrou vigor em 26 de junho de 1987. É o único
instrumento universal juridicamente vinculado consagrado exclusivamente à erradicação
da tortura.

"Para fins da presente Convenção, o termo “tortura” designa qualquer ato pelo
qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais são infligidos
intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa,
informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa
6
Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou
Degradantes – Um Manual para a prevenção, Instituto Interamericano de Direitos Humanos IIDH, 2004, p. 11.
7
Combate à Tortura – Manual para Magistrados e Membros do Ministério Público, Conor Foley
8
Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou
Degradantes – Um Manual para a prevenção, Instituto Interamericano de Direitos Humanos IIDH, 2004.
9
Contida na resolução A/RES/39/46, de 10 de dezembro de 1984, que entrou em vigor no dia 26 de junho de 1987.

29
tenha cometido, ou seja, suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta
pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação
de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um
funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, por sua
instigação, ou com seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará
como tortura as dores ou sofrimentos que sejam consequência unicamente de
sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram “10.

Há, nesse artigo, três elementos fundamentais para a definição de tortura:

1- a ocorrência de dores ou sofrimentos agudos, físicos ou psicológicos;


2- a existência de uma intenção deliberada;
3- o fato de tais dores ou sofrimentos serem infligidos por funcionário público ou
pessoa no exercício de função pública, ou por sua instigação ou com seu consentimento
ou aquiescência.

Embora haja diversas definições de tortura nos níveis internacional e regional, esses
elementos distintivos essenciais que aparecem na CCT são comuns a todas elas. O
enfoque adotado pelo direito internacional tem sido justamente evitar a elaboração de
uma lista exaustiva dos atos que podem ser considerados tortura, por conta do risco de
que essa lista se revele muito limitada no seu campo de abrangência e não seja capaz de
responder adequadamente aos avanços tecnológicos e valorativos das sociedades
democráticas.
A Convenção estabelece uma série de obrigações aos Estados Partes destinadas a
proibir e prevenir a tortura. Ela é importante, sobretudo porque contém uma definição de
tortura internacionalmente reconhecida e porque exige dos Estados Partes que sua
legislação nacional considere crime de tortura11. Estipula que o direito de não ser
torturado é inderrogável, o que significa que a proibição da tortura prevalece sob
quaisquer circunstâncias.

10
Ressalte-se que um ato não se torna uma sanção legítima somente pelo fato de estar previsto na legislação nacional, devendo guardar
consonância com os padrões internacionais.
11
A Convenção também estipula que os Estados Partes têm a obrigação de permitir o exercício da jurisdição universal relativa à punição da
tortura (Artigos 5 a 8). Quando esses crimes ocorrem, portanto, os tribunais nacionais gozam de plena jurisdição sobre a matéria,
independentemente do lugar onde se produziram os fatos, da nacionalidade dos réus ou da vítima. Por trás desses dispositivos está a ideia
de que alguns crimes, inclusive a tortura, são tão graves que seus autores devem ser julgados onde quer que estejam e não devem
encontrar esconderijo em nenhum canto do mundo.

30
Além disso, a Convenção obriga os Estados Partes a adotar medidas efetivas para
prevenir a tortura e outras formas de tratamento ou pena cruel, desumano ou
degradante. Nesse sentido, refere-se explicitamente à revisão dos métodos de
interrogatório, à garantia de investigações imediatas e imparciais, à garantia de que as
declarações obtidas sob tortura não tenham valor probatório, ao direito de obter
reparação e indenização, entre outros.

3. DEFINIÇÃO DE TORTURA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

O Brasil, signatário da Declaração Universal dos Direitos do Homem, do Pacto


Internacional para a Defesa de Direitos Civis e Políticos, da Convenção Contra a Tortura e
Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes – ONU, da Convenção
Interamericana Para Prevenir e Punir a Tortura e da Convenção Americana de Direitos
Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).
A tortura é absolutamente proibida pela Constituição Brasileira, que afirma
“ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (Artigo
5º, III, Constituição Federa) e que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física
e moral.” (Idem, Artigo 5º, XLIX). A Constituição também afirma que a tortura está entre
os crimes mais graves no Brasil e que a lei a considerará como sendo crime inafiançável e
insuscetível de graça ou anistia, por ele respondendo os mandantes, os executores e os
que, podendo evitá-lo, omitirem-se. (Idem, Artigo 5º, XLIII).
O preceito constitucional contra a tortura está regulado pela lei 9.455/97, que define
o crime de tortura. Em função das características dos atores em geral do crime de tortura,
importante citar a Lei 9.807/99, que trata da organização e manutenção de programas
especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas. O Brasil, além de obrigado a
prevenir e punir a tortura, não pode se valer de declarações obtidas sob tortura.

NOTA: O crime de tortura foi tipificado em 1997, através da Lei n. 9.445. A lei
brasileira, pois, ampliou o conceito de tortura trazido pela ONU na Convenção de 1984.
De acordo com ela, a tortura é crime comum, não exige a figura do funcionário público
como sujeito ativo.

31
"Art. 1º
Constitui crime de tortura:
I- constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe
sofrimento físico ou mental:
a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira
pessoa;
b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
c) em razão de discriminação racial ou religiosa;

II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de


violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar
castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.

§ 1º. - “Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de
segurança, a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto
em lei ou não resultante de medida legal”.

Caso No. 0002.00.04985 9-00, Vara 19, Fórum Criminal de São Paulo, 15 de agosto
de 2002 (Brasil)12
Dois homens foram detidos em 10 de janeiro de 2000, acusados de porte ilegal de
armas. Foram levados para o Jardim Ranieri, base da polícia militar recém-inaugurada na
zona sul da cidade de São Paulo, onde também foram indagados sobre um roubo durante
o qual um segurança havia sido morto.O segurança também era policial e trabalhava para
uma empresa privada durante suas folgas. Os policiais que investigavam o assassinato
receberam informações de que os dois homens detidos estavam envolvidos no roubo.
Passaram a interrogá-los a fim de obter uma confissão de culpa ou os nomes dos
responsáveis pela morte de seu colega.
As vítimas disseram que enquanto estiveram detidas no Jardim Ranieri elas foram
submetidas a várias torturas. Disseram que foram furadas e chutadas e sufocadas com

12
Combate à Tortura – Manual para Magistrados e Membros do Ministério Público, Conor Foley

32
sacos plásticos colocados em suas cabeças. Uma delas também foi submetida a choques
elétricos com um fio exposto, conectado várias vezes a seu dedo anelar.
Subsequentemente, a vítima veio a perder esse dedo. Laudos médicos indicaram que as
lesões sofridas pelos homens eram coerentes com suas denúncias de haverem sido
torturados. Como resultado da tortura, as vítimas apontaram outro homem, apelidado de
‘Pezinho’ como envolvido no roubo no qual o segurança havia sido morto. ‘Pezinho’ foi
levado à delegacia do Jardim Ranieri sem ter sido formalmente preso. Ele, por sua vez,
apontou outro homem apelidado de ‘Alemão’, que teria sido o autor direto do
assassinato. ‘Alemão’ foi posteriormente morto a tiros pela polícia ‘enquanto resistia à
prisão’. Esses fatos vieram à luz quando o Governador de São Paulo foi convidado a
inaugurar a nova base policial do Jardim Ranieri, mais ou menos na mesma época. Após
ouvir boatos sobre o que havia acontecido, ele ordenou uma investigação completa, que
acabou resultando no processo judicial contra os policiais responsáveis. Dois policiais
foram condenados por terem diretamente realizado a tortura – e receberam penas de
oito e nove anos de reclusão, respectivamente. Um terceiro, o Chefe de Polícia da
Delegacia, foi condenado por não impedir ou investigar o crime e foi sentenciado a dois
anos de prisão. O juiz decidiu que ele havia deixado de cumprir seu dever de investigar as
ações de seus subordinados, apesar das inúmeras irregularidades envolvendo o caso e
que deveriam ser de seu conhecimento. Os dois policiais condenados pelos atos de
tortura também ficaram impedidos de assumir cargos públicos por um período após
haverem cumprido suas penas.

Contribuindo com o a reflexão e debate sobre TORTURA, assistir o vídeos 4 - Assalto


a Ônibus no Rio - Médica volta para socorrer bandido e o vídeo 5 –Flagrante Policiais
tentam afogar assaltantes na Praia.

Foto em: http://digabahia.com.br/corpo-de-adolescente-e-encontrado-com-sinais-de-tortura/

33
Percebam que a Tortura pode estar presente em todos os ambientes, por se tratar
de uma forma violenta e cruel de maltratar o ser humano. Sob um olhar mais amplo e
retirando o viés da estrita terminologia legal, podemos destacar ações tão cruéis com a
tortura, por exemplo, quando praticadas por grupos criminosos, quando praticada nos
ambientes familiares, quando praticada nas escolas, quando praticada enfim, nos diversos
ambientes de “convivência humana”.
Apesar de ainda existir casos de tortura praticados, infelizmente por agentes
governamentais, o fato é que, cada vez mais se têm focado na formação humanitária dos
servidores públicos, na necessidade de obediência a legalidade e a legitimidade.
De outra parte, não podemos jamais deixar que casos isolados de desvio de conduta
de servidores públicos (Policiais – Peritos – Agentes Penitenciários – Juízes, etc.) possam
macular a credibilidade e identidade Institucional.
Uma coisa é o agente outra é a Instituição e, para que esta seja preservada deve
muitas vezes como já vem acontecendo, cortar na própria carne expulsando de suas
fileiras estes “pseudo profissionais”.
O vídeo não tem o condão de forma alguma de denegrir imagem de Instituições ou
de seus agentes, muito pelo contrário, serve de alerta para que, na condição de futuros
profissionais busquemos com nossos atos preservar os Direitos Humanos, Denunciar
atrocidades e, desta forma, fazer cumprir o nosso papel de cidadãos.

MÓDULO 4:

APROFUNDAMENTO DO TEMA13

1. PROTOCOLO DE ISTAMBUL

O Protocolo de Istambul, denominado “Manual para Investigação e Documentação


Eficazes da Tortura e de outras Formas Cruéis, Desumanas ou Degradantes de Castigo ou
Punição”, apresentado ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos

13
Os exemplos de lesões e respectivos instrumentos são oriundos da Monografia “A Perícia Médico Legal como Instrumento de Prevenção
e Punição da Tortura”, Universidade de Brasília, aluno: Malthus Fonseca Galvão, Curso de Graduação em Direito, disponível na internet.
Acesso em 08/11/2014
http://www.malthus.com.br/rw/forense/Pericia_em_Casos_de_Tortura_monografia_malthus.pdf

34
Humanos, em 9 de agosto de 1999, consiste no documento mais completo que subsidia
os examinadores forenses sobre como devem proceder para identificação, caracterização
e elucidação do crime de tortura.

O Protocolo de Istambul foi instituído visando os seguintes objetivos:

a) Esclarecimento dos fatos, bem como o estabelecimento e reconhecimento da


responsabilidade individual e estadual perante as vítimas e suas famílias;
b) Identificação das medidas necessárias para evitar que os fatos se repitam;
c) Facilitar o exercício da ação penal ou, sendo caso disso, a aplicação de sanções
disciplinares, contra as pessoas cuja responsabilidade se tenha apurado na sequência do
inquérito, e demonstrar a necessidade de plena reparação e ressarcimento por parte do
Estado, incluindo a necessidade de atribuir uma indenização justa e adequada e de
disponibilizar os meios necessários ao tratamento médico e à reabilitação.
No Brasil o Protocolo Brasileiro de Perícia Forense no Crime de Tortura é uma
adaptação à realidade do país sobre as normas, regras e orientações do Protocolo de
Istambul aos peritos forenses, servidores policiais, ouvidores e corregedores de polícia,
advogados, Delegados de Polícia, membros do Ministério Público, da Defensoria Pública e
do Poder Judiciário.
Este protocolo contém orientações e regras a serem respeitadas pelos órgãos
periciais, peritos e profissionais de perícia forense, e foram elaboradas como resultado do
Grupo de Trabalho “Tortura e Perícia Forense” instituído pela Portaria de junho de 2003,
da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República.

35
2. EXEMPLOS DE LESÕES E RESPECTIVOS INSTRUMENTOS,
IMPORTANTE COLABORAÇÃO DOS PERITOS FORENSES NA
INVESTIGAÇÃO CRIMINAL NOS CASOS DE TORTURA.

Mão

Unhas

Soco

36
Mordida

Corda

Chinelo

Taco de Sinuca

37
Cano de ferro

Cabo de aço

Escada

Cubículo de Camburão

38
Chicote

Cacetete

Brasa de cigarro

39
CaceteteTonfa

Choque Elétrico

Mordaça

40
Projetil de arma de fogo

Produtos químicos14

“Havia vários produtos químicos que eram comprovadamente utilizados como


método de tortura. Para fazer o acusado confessar, era aplicado soro de pentatotal,
substância que fazia a pessoa falar, em estado de sonolência. Em alguns casos, ácido era
jogado no rosto da vítima, o que podia causar inchaço ou mesmo deformação
permanente”.

14
RESENHAS E RESUMOS - A TORTURA NA DITADURA MILITAR
http://terracota-ju.blogspot.com.br/2012/09/a-tortura-na-ditadura-militar_274.html, acesso em 10/11/2014

41
MÓDULO 5

1. ESTUDO DE CASO15

Vídeo 6 – Vídeo O Estopim – Caso Amarildo Dias de Sousa – Favela da Rocinha –


Rio de Janeiro

Foto em: http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2015/06/22/ministerio-publico-investiga-se-bope-esta-envolvido-no-


sumico-de-amarildo.htm

O assassinato do ajudante de pedreiro Amarildo, após uma sessão de tortura por


parte de policiais da UPP da Rocinha em julho de 2013, trouxe à tona fundamental
discussão sobre a política de segurança pública do Rio de Janeiro.
Com cenas de ficção vividas pelo ator Bruno Rodrigues na pele do Amarildo, o
documentário tem como fio condutor o líder comunitário da Rocinha Carlos Eduardo
Barbosa, o Duda, amigo da família do ajudante de pedreiro.
Meses antes do desaparecimento de Amarildo, no dia 14 de julho de 2013, Duda já
havia denunciado ao Ministério Público os abusos policiais na comunidade. Até hoje, ele
luta para que outros casos como este não voltem a acontecer.
A história de vida e coragem do líder comunitário foi o que motivou Rodrigo Mac
Niven, diretor e roteirista, a fazer o filme. “A coragem da família e dos amigos de
Amarildo se transformou em símbolo de resistência e luta da sociedade civil contra a
violência do Estado”.

15
Fonte de pesquisa: https://mamapress.wordpress.com/2015/05/07/o-estopim-um-filme-que-comeca-com-amarildo-e-ainda-nao-
terminou/ Disponível para pesquisa em 14 de julho de 2015.

42
MÓDULO 6

1. DIREITO À MOTIVAÇÃO SOBRE ATOS ADMINISTRATIVOS

Os atos de polícia judiciária ensejam uma série de restrições aos direitos


fundamentais da pessoa humana. Como exemplo, podemos citar a decisão do Delegado
de Policia que ratifica a prisão captura, determinando o recolhimento do conduzido; a
decisão de apreensão de bens; a requisição de documentos e informações por parte do
Delegado de Polícia, etc.
Existe acesa controvérsia na doutrina administrativista sobre a obrigatoriedade de
motivação dos atos administrativos.

1ª corrente: Hely Lopes Meireles. Segundo Hely, apenas os atos administrativos


discricionários devem ser obrigatoriamente motivados. Os atos administrativos
vinculados, por outro lado, seriam de motivação facultativa.
2ª corrente: Oswaldo Aranha bandeira de Mello. Em posição oposta à primeira, o
autor defende a necessidade de motivação dos atos administrativos discricionários, com o
objetivo de controlar a liberdade do administrador e entende facultativa a motivação dos
atos vinculados.
3ª corrente: Maria Sylvia Zanella Di Pietro e Celso Antônio Bandeira de Mello
defendem a motivação de todos os atos administrativos, seja qual for a sua natureza.
4ª corrente: José dos Santos Carvalho Filho, entende que apenas com disposição
expressa em lei é o administrador obrigado a motivar o ato administrativo exarado.
5ª corrente: Diogo de Figueiredo Moreira Neto, por outro lado, entende pela
necessidade de motivação dos atos administrativos decisórios, de modo a facilitar o
controle do ato. (OLIVEIRA, 2013, p. 274).

Em âmbito federal, a lei do processo administrativo federal exige motivação nos


seguintes casos:

43
CAPÍTULO XII
DA MOTIVAÇÃO
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos
e dos fundamentos jurídicos, quando:
I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
III - decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;
IV - dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;
V - decidam recursos administrativos;
VI - decorram de reexame de ofício;
VII - deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de
pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;
VIII - importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato
administrativo.
§ 1o A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em
declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres,
informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do
ato.
§ 2o Na solução de vários assuntos da mesma natureza, pode ser utilizado meio
mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que não
prejudique direito ou garantia dos interessados.
§ 3o A motivação das decisões de órgãos colegiados e comissões ou de decisões
orais constará da respectiva ata ou de termo escrito.

Como dito, os atos administrativos exarados pela Autoridade Policial apresentam


expressiva restrição de direitos fundamentais, dentre eles a prisão. Nesse sentido, as
normas internacionais de proteção dos direitos humanos não deixam dúvidas sobre a
necessidade de fundamentação da prisão.

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS


Art. 9 Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.

PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

ARTIGO 9
1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais. Ninguém poderá
ser preso ou encarcerado arbitrariamente. Ninguém poderá ser privado de
liberdade, salvo pelos motivos previstos em lei e em conformidade com os
procedimentos nela estabelecidos.
2. Qualquer pessoa, ao ser presa, deverá ser informada das razões da prisão e

44
notificada, sem demora, das acusações formuladas contra ela.
ARTIGO 14
3. Toda pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualmente, a, pelo
menos, as seguintes garantias:
a) De ser informado, sem demora, numa língua que compreenda e de forma
minuciosa, da natureza e dos motivos da acusação contra ela formulada;

PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA


Artigo 7º - Direito à liberdade pessoal
4. Toda pessoa detida ou retida deve ser informada das razões da detenção e
notificada, sem demora, da acusação ou das acusações formuladas contra ela.

Em suma, a importância e a juridicidade do cargo de Delegado de Polícia (ver Art.


183 da Constituição do Estado do Ceará) implicam na necessidade de fundamentação
jurídica dos atos praticados, mormente aqueles que restrinjam a liberdade de pessoa
investigada. Uma formal fundamentação jurídica, a par de ser garantia do cidadão,
representa embasamento para a legítima atuação estatal.

MÓDULO 7

1. USO DA FORÇA POR AGENTES DE SEGURANÇA PÚBLICA.

1.1 Introdução

O uso da força tem aplicações distintas em tempo de guerra e tempo de paz. Em


casos de conflitos armados internacionais, o uso da força se destina a neutralizar o
exército inimigo, repelindo agressões injustas. Em tempo de paz, o uso da força objetiva
afirma a validade da lei, pilar do Estado democrático de direito.
Como se sabe, a soberania se expressa pela igualdade e independência no âmbito
internacional e poder de legislar normas e exigir o seu cumprimento no âmbito interno
(sujeição de todo e qualquer poder à lei). No Brasil, o titular da soberania é o povo, o qual
edita normas, por meio dos seus representantes, na forma do Art. 1º parágrafo único da
Constituição da República Federativa do Brasil. (FERRAJOLLI, 2007, p. 09).

45
Art. 1º [...]
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Assim como nas demais instituições da sociedade que utilizam normas para regular
as relações, a exemplo da família, das empresas, dos órgãos públicos, etc. no Estado não é
diferente, é necessário que, a par de existirem normas, essas normas possuam cogência,
ou seja, sejam vinculantes, cuja não observância possa implicar em sanção.
Desta forma, da mesma forma que no âmbito do poder familiar, a criança que não
realiza a tarefa escolar pode sofrer alguma reprimenda dos pais, no âmbito da sociedade,
o não cumprimento das normas pode ensejar punição.
Exemplificando, imagine que Caio, munido de uma arma de fogo do tipo pistola,
inconformado com o resultado da partida de futebol do seu time, realize disparos de
arma de fogo contra Tício, nesse cenário, caso capturado, ele será, caso a Autoridade
Policial com atribuição assim decida, preso em flagrante. Indiciado, denunciado,
pronunciado e, ao final, condenado, poderá sofrer a reprimenda de prisão.
O caso acima expõe um exemplo de exercício do poder estatal, poder este destinado
a fazer valer o cumprimento da lei (em sentido amplo), como forma de afirmação da
soberania estatal. Dentro desse contexto se encontra o agente de segurança pública,
autoridade erigida pela própria lei para assegurar o seu cumprimento.

1.2 O Uso da Força e a Legalidade

Como compreendido, a lei funciona como forma de expressão da soberania e o uso


da força por parte dos agentes de segurança pública, servidores públicos vocacionados a
assegurar o cumprimento da própria lei, por conseguinte, funcionam como garantidores
da manutenção da soberania estatal interna.
Nessa toada, o uso da força pode ser legal, caso revestido de amparo jurídico ou
ilegal, caso transborde o poder autorizado pela lei. Como se sabe, o Princípio da
legalidade não apresenta feição unívoca para o particular e para a administração pública.
Se por um lado o particular pode fazer tudo àquilo que a lei não proíbe, ao agente público
é dado fazer apenas aquilo que a lei permite (reserva de lei – positive bindung) (OLIVEIRA,
Rafael, 2013, pg. 26)

46
Sobre a necessária observância da lei, assevera o Art. 9º I do Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos:

PIDCP, artigo 9(1)


“Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais. Ninguém poderá
ser preso ou encarcerado arbitrariamente. Ninguém poderá ser privado de
liberdade, salvo pelos motivos previstos em lei e em conformidade com os
procedimentos nela estabelecidos”.

Nas palavras de Cees de Rover, no livro Servir e Proteger – direitos humanos e direito
internacional humanitário para forças policiais e de segurança editado pela Cruz
Vermelha,
“uso da força é qualquer restrição física imposta sobre uma pessoa para obter o
respeito à ordem (legal). O escopo é muito amplo, incluindo simplesmente o ato de tocar
um a pessoa; o uso de meios de restrição, como algemas,; métodos mais violentos, como
bater em uma pessoa; meios técnicos como o gás lacrimogênio e armas de choque
elétrico (conhecidas como tasers; até o uso de armas de fogo” (ROVER, pg. 261)
Com o objetivo de regular o uso da força, alguns dispositivos possuem importância
no cenário internacional, podendo exemplificar: 1) Código de conduta para os
funcionários responsáveis pela aplicação da Lei (Resolução 34/169 da ONU). 2) Princípios
básicos sobre o uso da força e armas de fogo pelos funcionários responsáveis pela
aplicação da Lei. 3) Portaria interministerial MJ/SDH 4.2262020. 4) Lei 13.060/2014; 5)
Súmula vinculante 11 do STF.
Dentro desse contexto, não obstante a importância de se proceder à análise
completa de todas essas normas, alguns artigos serão analisados nesta apostila.
Aduz o Art. 3º do código de conduta para os encarregados de aplicação da lei:

Art. 3º “Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei só podem empregar


a força quando tal se afigure estritamente necessário e na medida exigida para
o cumprimento do seu dever;”

Como visto, o uso da força se reserva aos casos estritamente necessários, na medida
exigida para o cumprimento do dever. Desta forma, imagine que em operação de
patrulhamento a polícia aviste pessoa foragida. Realizado acompanhamento e captura,

47
não havendo resistência por parte do agente, agressões posteriores não se apresentam
legítimas.
Alguns pontos relevantes podem ser extraídos da leitura dos Princípios básicos sobre
o uso da força e armas de fogo pelos funcionários responsáveis pela aplicação da lei:
Proteção à vida, liberdade e segurança. Importância da qualificação dos
encarregados de aplicação da lei (Preâmbulo).
Ameaças aos encarregados de aplicação da lei são consideradas ameaças à
sociedade em geral.
Dever de equipar os encarregados de aplicação da lei com vários tipos de armas.
Dever de recorrer a meios não violentos antes da arma de fogo.

 Sempre que o uso legítimo da força e armas de fogo for inevitável, os


responsáveis pela aplicação da lei deverão:
 Exercer moderação no uso de tais recursos e agir na proporção da gravidade
da infração e do objetivo legítimo a ser alcançado;
 Minimizar danos e ferimentos, e respeitar e preservar a vida humana;
 Assegurar que qualquer indivíduo ferido ou afetado receba assistência e
cuidados médicos o mais rápido possível.
 Garantir que os familiares ou amigos íntimos da pessoa ferida ou afetada
sejam notificados o mais depressa possível.

São dignos de transcrição os princípios 9 e 10 que tratam diretamente sobre o uso


de arma de fogo, in verbis.

Princípio 9. Os responsáveis pela aplicação da lei não usarão armas de fogo contra
pessoas, exceto em casos de legítima defesa própria ou de outrem contra ameaça
iminente de morte ou ferimento grave; para impedir a perpetração de crime
particularmente grave que envolva séria ameaça à vida; para efetuar a prisão de alguém
que represente tal risco e resista à autoridade; ou para impedir a fuga de tal indivíduo, e
isso apenas nos casos em que outros meios menos extremados revelem-se insuficientes
para atingir tais objetivos. Em qualquer caso, o uso letal intencional de armas de fogo só
poderá ser feito quando estritamente inevitável à proteção da vida.

48
Princípio 10. Nas circunstâncias previstas no Princípio 9, os responsáveis pela
aplicação da lei deverão identificar-se como tais e avisar prévia e claramente a respeito da
sua intenção de recorrer ao uso de armas de fogo.

A portaria interministerial do Ministério da Justiça 4.226/2020 inovou no Brasil,


quanto ao tema estabelecendo os seguintes princípios para o uso da força, a saber,
legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência.
Prossegue a portaria asseverando que os agentes de segurança pública não
deverão disparar armas de fogo contra pessoas, exceto em casos de legítima defesa
própria ou de terceiro contra perigo iminente de morte ou lesão grave.
Algumas vedações podem ser extraídas da referida portaria, a seguir
esquematizadas:

Não é legítimo o uso de armas de fogo contra:


 Pessoa em fuga;
 Pessoa desarmada;
 Pessoa com arma, mas que não represente risco imediato de morte ou de
lesão grave;
 Veículo que desrespeite o bloqueio policial em via pública, a não ser que
represente risco;
 Disparos de advertência;
 Apontar arma de fogo contra pessoa durante procedimento de abordagem.

Importa destacar que as vedações acima expostas não são incólumes a críticas visto
que buscam prever de forma abstrata vedações ao uso da arma por parte do policial.
Como se sabe, a atividade policial guarda extrema complexidade e somente uma análise
do caso concreto pode permitir às autoridades, Delegado de Polícia, Promotor de Justiça
e Magistrado uma decisão sobre a conveniência de indiciamento; denúncia e sentença,
respectivamente.
A lei 13.060/2014 disciplina o uso dos instrumentos de menor potencial ofensivo
pelos agentes de segurança pública. A própria lei conceitua instrumentos de menor
potencial ofensivo como: ”Aqueles projetados especificamente para, com baixa
probabilidade de causar mortes ou lesões permanentes, conter, debilitar ou incapacitar

49
temporariamente pessoas”.
Desta vez, sob a forma legal, preceitua a referida lei o dever de observância aos
princípios da legalidade, necessidade, razoabilidade e proporcionalidade. Prossegue,
afirmando em seu art. 2º:

Art. 2º [...]
Parágrafo único: Não é legítimo o uso de arma de fogo. I – Contra pessoa em
fuga que esteja desarmada ou que não represente risco imediato de morte ou
de lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros; II – Contra veículo
que desrespeite o bloqueio policial em via pública, exceto quando o ato
represente risco de morte ou lesão aos agentes de segurança ou a terceiros.

Por fim, a súmula vinculante 11 do Supremo Tribunal Federal também trata de


matéria atinente ao labor policial quando afirma:
Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou
de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros,
justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e
penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se
refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.
Em suma, é necessário que o agente de segurança pública compreenda a
importância do uso da força para cumprimento da lei, sendo imprescindível o estudo das
normas que regulam o seu uso, com vistas a sustentar o exercício legítimo da atuação
policial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Finalizando a presente apostila, concitamos os colegas ao empenho permanente na


busca pelo conhecimento e pela técnica policial. A complexidade do cargo, que reúne a
dogmática jurídica à técnica policial, reclama uma atualização contínua por parte da
Autoridade Policial, de modo a honrar a instituição a que pertence e à sociedade. Vá e
vença!

O conteudista.

50
REFERÊNCIAS

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ARNS, Dom Paulo Evaristo. Brasil: nunca mais. 4 ed. Petrópolis: Vozes,1985.
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– 2ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2007.
MONTAIGNE, Michel de. Os ensaios. Livro II. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
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MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.
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OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método,
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PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 4ed. São
Paulo: Max Limonad, 2000.
Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e outros
Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes – Um Manual para a
prevenção, Instituto Interamericano de Direitos Humanos IIDH, 2004.
A Perícia Médico Legal como Instrumento de Prevenção e Punição da Tortura, monografia
disponível na internet, Universidade de Brasília, aluno: Malthus Fonseca Galvão, Curso de
Graduação em Direito.
http://www.malthus.com.br/rw/forense/Pericia_em_Casos_de_Tortura_monografia_mal
thus.pdf

51
A Constituição Brasileira de 1988 e os Direitos Humanos: Garantias Fundamentais e
Políticas de Memória, publicação na internet, disponível para pesquisa em 07/11/2014.
http://revistacientifica.facmais.com.br/wp-content/uploads/2012/10/6.A-
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KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo: Abril, 1980
(Coleção Os Pensadores)

52

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