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Caroline Biehl1
Gabriela Gasparin2
Gabriele Mercali3
RESUMO
INTRODUÇÃO
A conquista da mulher por seu espaço no mercado de trabalho vem ganhando
força em meio a uma sociedade em que tradicionalmente o homem era o único provedor
das necessidades da família, cabendo à esposa pertencer à unidade familiar pelo
casamento e pela responsabilidade de gerar filhos, cuidar da família e do marido
(ANDRADE et al., 2015).
Ao caracterizar o contexto atual é preciso reconhecer esse aumento da
participação feminina, inclusive ocupando cargos de gestão. Apesar do fato, a batalha
parece continuar acirrada, considerando os diversos relatos de dificuldades e diferenças
entre gêneros, seja condizente a características físicas, personalidade, perfil, modo de
ser, de agir e de sentir, mesmo em uma sociedade que se diz moderna.
Homens e mulheres possuem características em comum para conduzirem a
gestão de empresas, contudo as práticas femininas demonstram peculiaridades
especialmente quando relacionadas à gestão de pessoas: elas são vistas como
determinadas, comprometidas com o trabalho, sensíveis no trato com os funcionários e
clientes, mulheres ao mesmo tempo racionais e emocionais (MACHADO, 2006).
Considerando o mercado de trabalho, Dolabela (1999) coloca a pequena empresa
entre as organizações que são responsáveis pelas taxas crescentes de emprego, de
1
Caroline Biehl – Mestranda do Programa de Pós Graduação da Escola de Administração da UFRGS, Área
de Gestão de pessoas.
2
Gabriela Gasparin - Mestranda do Programa de Pós Graduação da Escola de Administração da UFRGS,
Área de Gestão de pessoas.
3
Gabriele Mercali - Mestranda do Programa de Pós Graduação da Escola de Administração da UFRGS,
Área de Gestão de pessoas.
1
inovação tecnológica, de participação no PIB, e é justamente neste cenário que a gestão
feminina atual ganha maior espaço. Embora todas as empresas sejam distintas por suas
particularidades, o modelo familiar se destaca: micro e pequenas empresas familiares
demonstram reflexos do modelo de gestão nas próprias famílias, sofrem influência da
cultura familiar, do segmento de atuação, do porte e região de atuação, ou seja, as
crenças e os valores da organização identificam-se com os da família e da cultura local
(BORNHOLDT, 2005; GEERTZ 1989).
O presente estudo tem como objetivo analisar as práticas de gestão,
especialmente gestão de pessoas, em ramos profissionais masculinizados de empresas
familiares da cidade de Veranópolis a partir de relatos de mulheres inseridas neste meio
e compreender quais as dificuldades e/ou vantagens percebidas pelas mesmas. Esta
pesquisa mostra-se relevante ao oferecer um olhar distinto sobre as formas de gestão
femininas em ramos específicos, os quais eram ocupados somente por homens e que
ainda traduzem forte influencia histórico-cultural.
Para tal, o município de Veranópolis-RS foi escolhido como ideal por ser
composto fundamentalmente por empresas familiares, manter fortes traços culturais
italianos e pelo fácil acesso das pesquisadoras às gestoras das empresas participantes.
No presente estudo considera-se masculinizados os segmentos profissionais que
apresentam atividades tipicamente exercidas por homens ou que sejam
predominantemente frequentados por clientes do sexo masculino.
A partir de um modelo de pesquisa qualitativo-exploratória, optou-se pela
análise qualitativa embasada por entrevistas semi-estruturadas como principal meio de
coleta de dados e levantamento das informações. Participaram do estudo 11 gestoras,
todas de micro e pequenas empresas familiares do município, que exercem funções
administrativas e em alguns casos funções técnicas. Para realizar a análise dos dados,
foram identificadas categorias que balizaram os achados, realizando a seleção prévia das
informações mais frequentes e relevantes para compreensão do fenômeno pesquisado.
O artigo está estruturado a partir de uma revisão bibliográfica dos principais
tópicos abordados, método e contexto da pesquisa e resultados, os quais foram
categorizados em quatro grandes eixos de análise: o primeiro identifica as principais
práticas de gestão de pessoas constatadas nestas empresas; o segundo aborda as
interpretações sobre a predominância de homens nestes ramos; na sequência
apresentam-se as correlações entre a cultura e a participação das mulheres nestes cargos
e, finalmente, mostram-se as percepções das mulheres com relação ao seu trabalho. Por
fim, apresentam-se as considerações finais e sugestões de pesquisas complementares.
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De acordo com informações do SEBRAE (2016), o que diferencia micro e
pequenas empresas é a receita bruta anual das mesmas. A microempresa “será a
sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade
limitada e o empresário, devidamente registrados nos órgãos competentes, que aufira
em cada ano calendário, a receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00. Se a receita
bruta anual for superior a R$ 360.000,00 e igual ou inferior é R$ 3.600.000,00, a
sociedade será enquadrada como empresa de pequeno porte”.
Bernardes e Martinelli (2003) resumem várias características de pequenas
empresas que foram explanadas por diversos autores. São elas: alta personalização da
gestão (JULIEN, 1997); restrição de recursos (ANDERSON; ATKINS, 2001); forma
estrutural orgânica, pouca burocratização e de relações informais (JULIEN, 1997 &
MARCHESNAY, 1997); e situação de grande dependência face ao ambiente externo,
sendo grande a importância dos stakeholders (MARCHESNAY, 1997 & ANDERSON;
ATKINS, 2001). Percebe-se o vasto consenso na área de que as pequenas e médias
empresas não possuem características semelhantes às grandes empresas, diferindo não
somente em escala; elas se apresentam de forma peculiar e singular com suas próprias
especificidades na sua caracterização e forma de gestão.
Conforme Drucker (1981 apud REIS & ESCRIVÃO FILHO 2003, p.4), as
atividades em pequenas empresas “são exercidas de forma cumulativa por poucas
pessoas - quando não, por uma única pessoa, o empresário”. Em virtude de seu porte, o
planejamento, processo e práticas se dão, muitas vezes, de modo não departamental,
com áreas funcionais não claramente definidas. E ainda:
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Quando falamos em práticas de Educação, Educação, Treinamento e
Desenvolvimento em Recursos Humanos, um estudo de Leite & Caillods (1985) apud
Reis & Escrivão Filho (2003, p.6) “registrou que o pequeno empresário pouco investe
em treinamento e este quando realizado é em moldes bastante informais”.
Os autores apontam que a forma mais comum de Treinamento e
Desenvolvimento já que se investe pouco nesta prática, é realizada no próprio local de
trabalho, sendo a formação realizada através da transmissão de conhecimento e prática
por um funcionário mais experiente. Seminários ou cursos fora da empresa também são
realizados, porém com menos frequência. A Avaliação de Resultados destes tipos de
treinamento também parece não fugir a regra, são informais e consistem apenas em
constatações, observações pontuais e poucos procedimentos. É importante salientar que
a informalidade nestes processos não necessariamente remete a um resultado pouco
eficiente. Flexibilidade e agilidade encontradas em ambientes informais podem
aumentar a eficiência nos processos e garantir que a especificidade de cada caso em
questão seja levado em consideração. Processos padronizados e generalizações acabam
por ser impedidos de existirem em tais ambientes (GARAND 1997 apud REIS, &
ESCRIVÃO FILHO, 2003).
Uma das formas que representam de maneira significativa a realidade brasileira
das microempresas é a empresa familiar, assunto que será abordado no próximo item.
2. EMPRESA FAMILIAR
Compondo a classificação das empresas, existem as chamadas empresas
familiares. No final dos anos 80 no Brasil, segundo Bernhoeft (1989 apud OLIVEIRA,
2010), de cada dez empresas, nove eram familiares, e seu controle estava com uma ou
mais famílias. No mesmo período, a nível mundial, genericamente 60% das empresas
eram controladas por famílias. Para o autor, essa realidade tem se consolidado ao longo
do tempo.
Bornholdt (2005) considera uma empresa familiar quando um ou mais traços
podem ser identificados: o controle acionário pertence a uma família/herdeiros; os laços
familiares determinam a sucessão no poder; os parentes se encontram em posições
estratégicas; as crenças e os valores da organização identificam-se com os da família; os
atos dos membros da família repercutem na empresa, não importando se nela atuam; a
ausência de liberdade total ou parcial de vender suas participações.
Simplificadamente, Oliveira (2010, p.3) expressa que “a empresa familiar
caracteriza-se pela sucessão do poder decisório de maneira hereditária a partir de uma
ou mais famílias”. Vidigal (1996 apud MACEDO, 2002) comenta que as empresas
familiares representam 99% das empresas não estatais brasileiras.
De acordo com o SEBRAE (2016), as empresas familiares possuem uma
estrutura enxuta e apresentam pontos fortes e fracos se comparados com outras formas
de organização. Dentre os pontos fortes estão o comando único e centralizado,
permitindo reações rápidas em situações de emergência; a estrutura administrativa e
operacional compacta; as relações comerciais e sociais importantes devidos a um nome
familiar respeitado; a organização interna realizada pelos próprios proprietários, o que
os torna mais dedicados; a valorização da confiança mútua, não apenas entre os
familiares, mas também entre empregados mais antigos, o que exerce função importante
no desempenho da empresa; a sensibilidade em relação ao bem-estar dos funcionários e
da comunidade onde se encontram; e a disponibilidade de recursos financeiros para
autofinanciamento através de poupança compulsória realizada pela família. Dentre os
pontos fracos, por outro lado, podem-se citar dificuldades em discernir o que é intuitivo,
emocional e racional; a postura de autoritarismo ou paternalismo do fundador; a
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exigência de dedicação excessiva dos familiares, prejudicando o lado da vida pessoal;
os laços afetivos muito fortes, o que pode influenciar decisões e comportamentos; a
expectativa de alta fidelidade dos funcionários; e a valorização do que é antigo acima de
resultados que primam por competência e eficácia.
No que se refere ao processo sucessório de empresas familiares, Grzybovski,
Boscarin e Migott (2002) afirmaram serem os homens os mais cotados para assumirem
a liderança da organização das mesmas. Porém, ao analisarem um estudo realizado com
as empresas familiares da cidade de Passo Fundo, os autores constataram que as
mulheres como empreendedoras utilizam a visão sistêmica para adiantar oportunidades
e riscos, trabalhando com um número maior de informações e planejando estrate-
gicamente e de forma sustentável o futuro da empresa. Apontaram que as mulheres,
como executivas, possuem um estilo de liderança com foco nas pessoas, porém possuem
também orientação para o poder, ou seja, estão propensas a negociar e a fazer poucas
concessões. Essas características desmistificam o fato de que apenas os homens
poderiam assumir a sucessão de empresas familiares.
3. GÊNERO E TRABALHO
O termo “gênero” surgiu na década de 70 e é fruto de discussões iniciadas pelo
movimento feminista (articulado ao florescimento da antropologia, da história das
mentalidades e da história social), sobre dados históricos relacionados ao trabalho
feminino. As feministas tiveram a iniciativa de registrar as experiências de trabalho das
mulheres que eram anteriormente silenciadas. Nesse contexto, durante muitos anos, a
presença feminina foi excluída dos trabalhos acadêmicos e dos registros históricos. A
mulher tinha seu papel condicionado às determinações de sua biologia. Entendia-se que
por ser mais fraca fisicamente, teria também uma menor capacidade intelectual e por
isso era oprimida pela sociedade (MATOS 2009 apud FAGUNDES & SANTOS, 2013).
Para Matos (2009), o entendimento de gênero é algo produzido pela sociedade
onde as diferenças entre “masculino” e “feminino” são expressas, por exemplo, na
divisão sexual do trabalho, nas relações de poder, no âmbito doméstico, na produção e
reprodução. Estudos recentes comprovam que cresce vertiginosamente a inserção de
mulheres em postos de trabalho. Isto já pôde ser observado a partir da década de 1980 e
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validado ainda mais nos últimos anos. Outro aspecto também relevante é o crescimento
de uma maior preocupação das mulheres com seu nível de instrução (BRUSCHINI;
LOMBARDI, 2001).
Segundo Santos (2011), nas últimas décadas foi possível observar importantes
mudanças no âmbito social, demográfico e cultural que influenciaram bastante no
crescimento da participação da mulher com relação ao trabalho. Baseado em dados do
IBGE, observa-se uma redução na taxa de fecundidade e consequentemente uma
diminuição no tamanho e o aumento do número de famílias chefiadas por mulheres. O
modelo de provimento familiar também se alterou e, em muitos casos, a mulher precisa
buscar uma atividade remunerada para sustentar sua família.
Observa-se ainda que as mulheres, majoritariamente, mantém uma dupla jornada
de trabalho mais intensa. De acordo com dados da PNAD (Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios) de 2009, as mulheres investem 26,6 horas semanais em média
nas atividades domésticas enquanto os homens apenas 10,5 horas semanais. Sorj (2004),
D’elia (2009) apud Andrade et al. (2015) entendem que o peso cultural imposto de que
o principal compromisso das mulheres é com a família torna-se “uma das razões que
explicam por que a esfera doméstica é uma das mais resistentes à igualdade de gênero
no Brasil, ainda que não se possam desconsiderar as importantes mudanças estruturais
que causam impacto na tradicional divisão sexual do trabalho na família”. Também a
partir de Santos (2011), alguns motivos que podem justificar a exclusão da mulher no
mercado de trabalho são: os altos custos indiretos relacionados à maternidade,
remuneração baixa com pouca relevância para a renda familiar total e a ideia de que o
mercado de trabalho não gera identidade para as mulheres.
A partir da literatura percebe-se que o nível de trabalho doméstico, grau de
instrução escolar e característica do núcleo familiar influenciam na participação da
mulher no mercado de trabalho. Para Santos (2011), em função das mudanças que vem
ocorrendo, a mulher não é mais responsável, em sua totalidade, pelas atividades da casa
e educação dos filhos, assim sendo, ela consegue dedicar-se mais a própria formação e
ampliar suas oportunidades profissionais.
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sociedade. A partir da década de 70, com a expansão econômica e urbanização, a
participação das mulheres no mercado de trabalho no Brasil se intensificou e seguiu
progredindo nas décadas de 80 e 90, a partir da abertura econômica durante o governo
Collor.
Para Oliveira (1992), o fato das mulheres ingressarem no mercado de trabalho e
a desvalorização da vida no lar contribuíram para diminuir a fronteira entre o privado e
o público, entre o feminino e o masculino. Ainda, sucessivas crises econômicas que
ocorreram a partir da década de 80 aumentaram as taxas de desemprego e a incerteza
conduziu a dependência do trabalho de homens e mulheres, um esforço coletivo da
família para garantir a sobrevivência (LEONE, 2000 apud ANDRADE et al., 2015).
Vista por muito tempo como força de trabalho secundária, a mulher agora passa
a conviver com o paradoxo universal, de trabalhar fora de casa, e do particular, o
próprio trabalho doméstico. Esse é o perfil de força de trabalho feminina no Brasil a
partir dos anos 80: são mulheres mais velhas, casadas e mães que trabalham mesmo
quando os filhos são pequenos e com toda a dificuldade para conciliar responsabilidade
doméstica, familiar e profissional (BRUSCHINI, 2007).
Em meio às dificuldades, pode-se considerar que houve a ampliação da atuação
feminina e maior diversificação de papeis neste último século no país. A mulher
predominantemente segue realizando dupla jornada de trabalho, mas considerando
realizar-se pessoalmente, profissionalmente, como mãe, esposa e valorizando sua
independência (ANDRADE et al., 2015).
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ainda circulando pelas ruas como doceiras, vendedoras de cigarros, entre outras
atividades. Nas classes media e alta, jovens se tornavam professoras, escritoras,
médicas, engenheiras. Aos poucos elas iam ocupando os espaços possíveis de trabalho,
mas ainda em guetos femininos (RAGO, 2001).
Ter uma carreira ainda era inconcebível para a mulher brasileira nos anos 1950 e
início dos 1960. Era inadequado para elas serem superiores em inteligência ou força
física a seus maridos. Levada em grande parte pela culpa e vergonha, era dela a
responsabilidade por tudo que não ia bem com o marido, casa e filhos (ROCHA-
COUTINHO, 1994).
Com o surto industrial em conjunto com o processo de urbanização do Brasil, a
participação feminina no mercado de trabalho começa novamente a engrenar, fato que
provocou mudanças comportamentais e consequente enfraquecimento do modelo de
família patriarcal assim como da dependência da esposa com relação ao marido. A
mulher passa também a exercer tarefas fora do lar e, residindo na cidade, passa a tomar
consciência dos seus direitos (AZZI, 1993 apud ANDRADE et al., 2015).
Transformações aconteceram e podem ser constatadas nas altas taxas de participação
das mulheres instruídas em cargos de comando, profissões de prestigio como a
medicina, advocacia e bons empregos nas instituições financeiras e bancária. É nesse
polo do setor de serviços que ocorreram as mudanças mais significativas (BRUSCHINI;
LOMBARDI; UNBEHAUM, 2006).
Atualmente, as mulheres estão lutando cada vez mais seu espaço no mercado,
independentemente de ser em ramos considerados “femininos” ou “masculinos”.
Segundo Chies (2010), as profissões tradicionais e de maior prestigio na sociedade são
profissões historicamente de origem masculina. Para a autora, essa questão identitária é
uma construção social a qual se naturaliza ideologicamente na sociedade. “Os
estereótipos acerca das profissões são gerados por questões básicas como ‘o que se
espera de uma mulher’ e ‘o que se espera de um homem’” (CHIES, 2010, p.513).
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construção de relacionamentos, elas levaram vantagem quando avaliadas pelos seus
pares, chefes e subordinados diretos como melhores líderes globais do que os homens e
foi constatado que quanto maior o nível na hierarquia, maior essa diferença cresce. Os
autores destacam ainda que elas são mais apreciadas em 15 das 16 competências
avaliadas na pesquisa, ficando atrás dos homens apenas na competência “capacidade de
desenvolver uma perspectiva estratégica”. O estudo mostra que as habilidades de
liderança das mulheres estão fortemente correlacionadas com fatores de sucesso
organizacionais, tais como retenção de funcionários, a satisfação do cliente, o
engajamento dos empregados, e rentabilidade.
A partir de outro estudo, relatado por Machado (2006), que enfoca as
características psicológicas e comportamentais das mulheres empreendedoras, sob a
ótica do gênero, não foi evidenciado que as mulheres sintam tristeza nem pessimismo ao
assumir essa postura nos negócios, o que denota a predominâncias de características
positivas no processo de gestão por parte das empreendedoras. Elas são vistas como
determinadas, comprometidas com o trabalho, sensíveis no trato com os funcionários e
clientes, mulheres ao mesmo tempo racionais e emocionais. No entanto, elas necessitam
estar sempre se auto gerenciando, ou seja, consolidando constantemente as emoções
positivas a fim de construir uma imagem sólida e forte, precisam estar sempre atentas
aos controles de preferências da organização e sua continuidade.
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segurança (BURNS, 1978; WOOD, 1997; PETERS, 1998; ROBBINS, 2000 apud
GRZYBOVSKI, BOSCARIN & MIGOTT, 2002, p.186).
Em relação às características próprias da mulher sobre gestão são encontradas:
“humildade, maior estabilidade emocional, objetividade, paciência, auto-renúncia,
disposição para operar em ambientes de contrariedade, negociar fazendo menos
concessões, e inteligência enriquecida pela intuição” (GRZYBOVSKI, BOSCARIN &
MIGOTT, 2002, p.186).
O modelo de gestão que parece mais valorizar os indivíduos como seres
humanos se apresenta no modelo feminino. “As pessoas são tratadas como portadoras
de valores e necessidades individuais; os horários de trabalho são mais flexíveis; o
aprimoramento educacional é incentivado” (ROBINS & COULTER 1998 apud
GRZYBOVSKI, BOSCARIN & MIGOTT, 2002, p.192).
Esta flexibilidade permite a não valorização de certos tipos de oportunismos e
como nestes modelos de organizações onde as relações familiares possuem valores
próprios (intrínsecos a relação, não como meios formais de alcançar objetivos
organizacionais), os relacionamentos são valorizados por si só.
Neste ambiente,
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Ponderando a natureza do problema do estudo, optou-se pela pesquisa do tipo
qualitativo-exploratória, ampliando o conhecimento para a área e possibilitando
caminhos para outras investigações. Conforme Roesch (1999), a pesquisa qualitativa
pode ser vista como um meio alternativo de método frente ao predomínio dos estudos
positivistas, enfocando os aspectos mais subjetivos que envolvem as investigações no
campo das ciências sociais.
Considerando a viabilidade da pesquisa, optou-se pela análise qualitativa
embasada por entrevistas semi-estruturadas como principal meio de coleta de dados e
levantamento das informações. A entrevista semi-estruturada é baseada em um roteiro
confeccionado com perguntas principais complementadas por outras questões que
possam vir a surgir diante de circunstâncias momentâneas à entrevista. Este tipo de
entrevista oportuniza o surgimento de informações de forma mais livre e com respostas
não tão influenciadas a um padrão de perguntas fechadas (MANZINI 1990/1991, p.
154).
O município de Veranópolis-RS foi escolhido por ser composto
fundamentalmente por empresas familiares e pelo fácil acesso das pesquisadoras às
gestoras dessas empresas de ramos considerados masculinizados. No presente estudo,
entende-se por masculinizados os segmentos profissionais que apresentam atividades
tipicamente exercidas por homens ou que sejam predominantemente frequentados por
clientes do sexo masculino.
O município com fortes traços culturais italianos possui população de 22.810
habitantes distribuídos por 289,4 km² classificando-se como o 9º melhor Índice de
Desenvolvimento Socioeconômico do Estado segundo a Fundação de Economia e
Estatística do Rio Grande do Sul (FEE). Em Veranópolis, segundo o sistema nacional
de informação de gênero fornecido pelo IBGE, a média do percentual de contribuição
do rendimento das mulheres no rendimento familiar é de 41,1%, índice que evidencia a
predominância da dupla jornada de trabalho. Do percentual de mulheres ocupadas com
16 anos ou mais de idade, 9,9% estão no setor de atividade da agricultura; 29,3% em
atividade de indústria e 60,8% em setor de atividade de serviços.
Participaram do estudo 11 gestoras, todas de empresas familiares, que exercem
funções administrativas e em alguns casos funções técnicas. Do total de entrevistadas, 9
são esposas e 2 são filhas dos sócios fundadores. Em 4 dos casos, o ingresso da mulher
como gestora foi conjunto a fundação da empresa enquanto nos demais ocorreu por
necessidade, principalmente ao que se refere a confiança nas pessoas dentro das
empresas.
Entre os empreendimentos pesquisados, classificados como ramos
masculinizados, 2 são do ramo de autopeças e serviços automotivos; 2 são mecânicas de
veículos pesados; 1 revenda de motocicletas e serviços; 1 revenda de rodas e pneus; 1
casa de som, alarme e acessórios automotivos; 1 loja de materiais de construção, obras e
escavações; 1 loja de ferramentas industriais; 1 casa de carnes e 1 empresa de transporte
de passageiros; envolvendo micro e pequeno porte.
Abaixo segue a tabela/legenda que pode ser utilizada como guia para a leitura
dos resultados. Nela se encontra a sigla de cada entrevistada com seu respectivo ramo
de atuação.
Entrevistada Ramo
E1 Loja de autopeças e serviços automotivos
E2 Loja de autopeças e chapeação
E3 Mecânica de veículos pesados
E4 Mecânica de veículos pesados
11
E5 Revenda de motocicletas e serviços
E6 Revenda de rodas e pneus
E7 Casa de som, alarme e acessórios automotivos
E8 Loja de materiais de construção, obras e escavações
E9 Loja de ferramentas industriais
E10 Casa de carnes
E11 Empresa de transporte de passageiros
Para análise dos dados, foram identificadas categorias que direcionam a análise
qualitativa deste estudo, realizando a seleção prévia das informações mais frequentes e
relevantes das entrevistas semi-estruturadas para compreensão do fenômeno pesquisado.
Foram categorizadas quatro grandes eixos de análise: o primeiro identifica as
principais práticas de gestão de pessoas constatadas nestas empresas; o segundo aborda
as interpretações sobre a predominância de homens nestes ramos; na sequência
apresentam-se as correlações entre a cultura e a participação das mulheres nestes cargos
e por fim as percepções das mulheres com relação ao seu trabalho. Essas categorias
compreendem subitens que agrupam as informações necessárias para entender como as
mulheres percebem o mercado masculinizado em que estão inseridas, as práticas de
gestão envolvidas e toda a cultura que permeia esses ramos.
7. RESULTADOS
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[...] nunca ouve meninas pra ensinar, já é difícil pro menino, pra
menina pior ainda, a não ser se ela fizesse parte só da parte financeira,
administrativa”. “homem sabe mais por natureza as coisas, mulher não
sabem muito sobre as partes técnicas... mas quando sabe, sabe. (E1).
Muito mais diferença, uma mulher é muito mais detalhista, tem outro
tipo de visão. O [marido] é muito direcionado, é suas motos e é isso.
Mulher não, tu consegue abranger tudo, tu consegue abranger oficina,
tu consegue abranger venda, tudo! (E5).
Eu até prefiro ser chamada de, não misturar as coisas, eu prefiro até
prefiro ser chamada de secretária e não de dona.. sabe. Eu prefiro, sei
la, eu me sinto até melhor.. porque ai eles vem lá ‘-ah, a pessoa é
dona!’ sabe, sei lá, eu não sou assim, eu prefiro ser mais família, é
uma ambiente mais família entende. (E4).
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que um grita de um lado e outro do outro e acabou a conversa o dia
todo né. ‘-Ah deixa tentar ver, entrar na internet, ver se consigo’..
mediadora! É o que eu tento fazer pra manter o dia a dia mais
tranquilo e tal. (E7).
A predominância de homens
Em concordância com os achados na literatura, os segmentos pesquisados são
historicamente masculinos e como pode-se verificar permanecem ainda hoje
predominantemente dominados e frequentados por homens.
Das onze entrevistas realizadas, em sete as gestoras dizem ser as únicas
mulheres presentes no negócio. Considerando as outras empresas, em duas delas, além
da gestora, o quadro de mulheres é todo composto por familiares, enquanto nas duas
outras, as demais mulheres ocupam cargos de apoio administrativo (secretárias).“É
geralmente assim, mais em oficinas grandes, enormes, que tem secretarias que não é da
família, senão a maioria é da família, entende.” disse E4.
A predominância de homens nesses segmentos pode ser comprovada a partir das
falas das entrevistadas, que em maioria reconhecem o fato tanto no convívio com
funcionário quanto com os clientes: “Eu adoro trabalhar com os homens, e até vender
para os homens é muito mais fácil [...] Homem não pega os capacetes e fica analisando
as costuras” (E5); "eu sou uma mulher, mas se fosse um homem aqui faria a mesma
coisa, então eu tenho que pensar dessa forma” (E1); “A maioria que vem comprar carne
é homem” (E10); “Hoje eu faço sozinha isso, trocar o vidro, nesse ramo só tem homens,
clientes também é tudo homem.” (E2).
Algumas dizem que aos poucos essa situação vem se alterando e que inclusive as
mulheres passam a se sentir mais a vontade para frequentar um local considerado
masculino ao serem atendidas por outra mulher: “Mulheres já disseram ‘eu gosto de vir
aqui porque tem as mulheres aqui que atendem’, sabe?” (E8).
Com relação às diferentes formas de trabalho e personalidade de homens e
mulheres, as entrevistadas relatam que com o tempo se acostumam e aprendem a lidar
com as diferenças: “Na verdade eu me criei aqui dentro, eu cresci com isso, fui
convivendo [...] “Vendas não era comigo, mas depois a gente vai acostumando, pegando
o jeito” (E5).
Porém, mesmo que em minoria, algumas reconhecem a dificuldade por serem
mulheres e ocuparem um cargo de gestão em um ramo masculino:
Foi muito difícil os mecânicos aceitarem que eu era chefe por eu ser
mulher e por ser nova. ‘Ai, eu trabalho aqui há quarenta anos, tu quer
mandar em mim’. Ainda falam, ainda é um pouco difícil. ‘Ai o que
que tu sabe? Tu não sabe nada de mecânica’. De mecânica eu não sei,
mas eu aprendi a como se faz um negócio. [...] Teve um cliente de lá
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que me ameaçou de morte [...] Eu liguei cobrando e ele disse: ‘só pra
eu te avisar que pescoço não brota’. (E3).
Muito acontece que eles não querem falar comigo [...] Aí ´mas tu faz o
que na empresa? ’ai eu digo que sou sócia administradora, aí fica
aquele silêncio” [...] Tem preconceito. Mulher tem que estar em casa,
né?” “Tem vários que são muito bom de lidar, que respeitam e tal.
Mas a maioria ainda tem essa ideia de que mulher não tem que estar a
frente das coisas. (E3).
A nossa cidade é muito pequena e eles vêem muito ainda esse lado,
medo que a mulher vá se expandindo, que tomem o lugar deles.
“Estamos no século 21 mas ainda temos pensamento da era arcaica, a
mulher tem que estar atrás do fogão e não em uma loja de ferramentas.
(E9).
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houve ‘será que é ela que vai fazer’, ai eu vou lá e digo ‘sim sou eu’...
‘o Senhor não acha que a mulher não faz melhor que o homem?’ [...]
Eles falam ‘ah, tudo sabe né, as vezes os homens sabem mais que as
mulheres’, e eu sigo ‘as mulheres também sabem mais’, ’O senhor
fique aqui e veja’. (E2).
Tem gente que olha com outros olhos...um pouquinho [ainda tem um
pouco disso] mas mais as mulheres, mulheres mesmo, os homens
normal, sabe. Tem lugares que tu chega assim, ‘tu tem certeza.’. Um
dia fui levar 28 mulheres para Bento, minha primeira viagem de
micro, e uma mulher perguntou bem assim: ‘tu tem certeza que vem tu
de motorista? ’eu tinha medo né, eu disse assim ‘tenho certeza sim’
dei aquela tremida, ‘tenho certeza!’. (E11).
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[problemas]... não! [...] Eu também sei né, por primeiro pra tu ser
respeitada tu tem que respeitar e vice versa. (E10).
A gente tem uma relação de família lá dentro sabe, a gente tem uma
relação bem assim, vamos se dizer de família, é bem tranquila vamos
se dizer. (E4).
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que eu faço” (E5); “Eu gosto de desafios! Amo desafios, eu sempre fui assim, não tem
uma coisa nova que eu não queira aprender.” (E4).
No item cuidados necessários que as mulheres devem ter ao trabalharem em uma
área frequentada majoritariamente por homens, a preocupação e atenção com o uso de
roupa adequada foi amplamente destacado. Oito entrevistadas relataram se vestirem de
forma mais discreta, evitando o uso de blusas decotadas e saia ou shorts curtos. Três
delas também colocaram a questão do cuidado com a fala, ou seja, o mal entendido que
pode gerar por serem mulheres tratando diretamente com homens.
Nunca boto nada muito aberto, muito curto... pra não chamar a
atenção [...] Vaidade tem de leve, tem que moderar. No verão tem que
por camiseta, vai se abaixar. (E2).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo qualitativo através das entrevistas semi-estruturadas realizadas
confirma grande parte da literatura pesquisada. Algumas características marcantes como
a pouca burocratização nas práticas e processos de gestão dentro das empresas
familiares, a não departamentalização das atividades, envolvendo poucas pessoas,
normalmente sendo a mulher responsável por grande parte das tarefas multifuncionais, a
estrutura de gerenciamento simples e com métodos tradicionais, como, por exemplo, a
seleção de funcionários através de processos de conversa apenas e treinamentos no
próprio local de trabalho junto com os colegas mais experientes foram observadas
através da fala das gestoras. As relações informais entre proprietários e funcionários e
até mesmo com os próprios clientes, a confiança excessiva, demonstrando fortes laços
afetivos, também foram pontos de atenção durante o processo.
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No que se refere ao trabalho específico desempenhado pelas mulheres, notou-se
em concordância com os achados referenciais que elas fazem a diferença no
atendimento ao cliente, demonstrando mais cuidado, atenção, organizando o ambiente
de forma que se torne mais confortável para eles. As mulheres possuem uma
inteligência enriquecida pela intuição e conseguem lidar com situações complicadas
melhor que os homens. Foi constatado, ainda, que a entrada no negócio familiar, em
muitos casos, ocorreu por necessidade e não por desempenho demostrado por elas, a
maioria por questões que envolvem cargos de confiança e uma delas por falecimento do
pai.
Aspectos que são ligados apenas aos relatos das mulheres gestoras e que
merecem destaque estão relacionados ao fato de que elas, em sua maioria, se sentem
respeitadas pelos funcionários e clientes homens que trabalham e frequentam o
estabelecimento do negócio, porém, paradoxalmente, constatam desconfiança quando
realizam tarefas técnicas que são socialmente praticadas por homens. Destes fatos,
conclui-se que, apesar de haver melhora na cultura que oprime as mulheres ao longo dos
anos, ainda percebe-se através de algumas atitudes e falas o preconceito contra elas.
Deve-se levar em consideração neste contexto a cultura local italiana da cidade de
Veranópolis. Mesmo em frente a estas situações, 73% das mulheres do estudo disseram
gostar de seus trabalhos e sentirem felizes em suas posições.
Tendo esta pesquisa abordado aspectos relacionado às práticas e processos de
gestão, especialmente gestão de pessoas, sugerem-se novos estudos em locais com uma
influencia cultural distinta e que possam desvendar aspectos relacionados ao lado
psicológico das relações predominantes masculinas versus femininas.
REFERÊNCIAS
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Estudos sob Diferentes Abordagens, 1ª edição. Atlas, 03/2015. Vital Source
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