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MULHERES A FRENTE: UM ESTUDO DAS PRÁTICAS FEMININAS DE

GESTÃO EM PEQUENAS EMPRESAS FAMILIARES DE NEGÓCIOS


TRADICIONALMENTE MASCULINIZADOS

Caroline Biehl1
Gabriela Gasparin2
Gabriele Mercali3

RESUMO

O presente estudo buscou analisar as práticas de gestão, especialmente gestão de


pessoas, em ramos profissionais masculinizados de empresas familiares da
cidade de Veranópolis a partir de relatos de mulheres inseridas neste meio e
procurou compreender quais as dificuldades e/ou vantagens percebidas pelas
mesmas. Esta pesquisa mostra-se relevante ao oferecer um olhar distinto sobre
as formas de gestão feminina em segmentos específicos, os quais eram ocupados
somente por homens e que ainda traduzem forte influência histórico-cultural.
Utilizou-se uma metodologia qualitativa baseada em entrevistas semi-
estruturadas com 11 gestoras. Conclui-se significante importância da atuação
feminina nestas empresas paradoxalmente a desconfiança e algumas atitudes de
preconceito.

Palavras-chave: gênero; empresa familiar; micro e pequena empresa; cultura;


gestão de pessoas.

INTRODUÇÃO
A conquista da mulher por seu espaço no mercado de trabalho vem ganhando
força em meio a uma sociedade em que tradicionalmente o homem era o único provedor
das necessidades da família, cabendo à esposa pertencer à unidade familiar pelo
casamento e pela responsabilidade de gerar filhos, cuidar da família e do marido
(ANDRADE et al., 2015).
Ao caracterizar o contexto atual é preciso reconhecer esse aumento da
participação feminina, inclusive ocupando cargos de gestão. Apesar do fato, a batalha
parece continuar acirrada, considerando os diversos relatos de dificuldades e diferenças
entre gêneros, seja condizente a características físicas, personalidade, perfil, modo de
ser, de agir e de sentir, mesmo em uma sociedade que se diz moderna.
Homens e mulheres possuem características em comum para conduzirem a
gestão de empresas, contudo as práticas femininas demonstram peculiaridades
especialmente quando relacionadas à gestão de pessoas: elas são vistas como
determinadas, comprometidas com o trabalho, sensíveis no trato com os funcionários e
clientes, mulheres ao mesmo tempo racionais e emocionais (MACHADO, 2006).
Considerando o mercado de trabalho, Dolabela (1999) coloca a pequena empresa
entre as organizações que são responsáveis pelas taxas crescentes de emprego, de
1
Caroline Biehl – Mestranda do Programa de Pós Graduação da Escola de Administração da UFRGS, Área
de Gestão de pessoas.
2
Gabriela Gasparin - Mestranda do Programa de Pós Graduação da Escola de Administração da UFRGS,
Área de Gestão de pessoas.
3
Gabriele Mercali - Mestranda do Programa de Pós Graduação da Escola de Administração da UFRGS,
Área de Gestão de pessoas.

1
inovação tecnológica, de participação no PIB, e é justamente neste cenário que a gestão
feminina atual ganha maior espaço. Embora todas as empresas sejam distintas por suas
particularidades, o modelo familiar se destaca: micro e pequenas empresas familiares
demonstram reflexos do modelo de gestão nas próprias famílias, sofrem influência da
cultura familiar, do segmento de atuação, do porte e região de atuação, ou seja, as
crenças e os valores da organização identificam-se com os da família e da cultura local
(BORNHOLDT, 2005; GEERTZ 1989).
O presente estudo tem como objetivo analisar as práticas de gestão,
especialmente gestão de pessoas, em ramos profissionais masculinizados de empresas
familiares da cidade de Veranópolis a partir de relatos de mulheres inseridas neste meio
e compreender quais as dificuldades e/ou vantagens percebidas pelas mesmas. Esta
pesquisa mostra-se relevante ao oferecer um olhar distinto sobre as formas de gestão
femininas em ramos específicos, os quais eram ocupados somente por homens e que
ainda traduzem forte influencia histórico-cultural.
Para tal, o município de Veranópolis-RS foi escolhido como ideal por ser
composto fundamentalmente por empresas familiares, manter fortes traços culturais
italianos e pelo fácil acesso das pesquisadoras às gestoras das empresas participantes.
No presente estudo considera-se masculinizados os segmentos profissionais que
apresentam atividades tipicamente exercidas por homens ou que sejam
predominantemente frequentados por clientes do sexo masculino.
A partir de um modelo de pesquisa qualitativo-exploratória, optou-se pela
análise qualitativa embasada por entrevistas semi-estruturadas como principal meio de
coleta de dados e levantamento das informações. Participaram do estudo 11 gestoras,
todas de micro e pequenas empresas familiares do município, que exercem funções
administrativas e em alguns casos funções técnicas. Para realizar a análise dos dados,
foram identificadas categorias que balizaram os achados, realizando a seleção prévia das
informações mais frequentes e relevantes para compreensão do fenômeno pesquisado.
O artigo está estruturado a partir de uma revisão bibliográfica dos principais
tópicos abordados, método e contexto da pesquisa e resultados, os quais foram
categorizados em quatro grandes eixos de análise: o primeiro identifica as principais
práticas de gestão de pessoas constatadas nestas empresas; o segundo aborda as
interpretações sobre a predominância de homens nestes ramos; na sequência
apresentam-se as correlações entre a cultura e a participação das mulheres nestes cargos
e, finalmente, mostram-se as percepções das mulheres com relação ao seu trabalho. Por
fim, apresentam-se as considerações finais e sugestões de pesquisas complementares.

1. GESTÃO E RECURSOS HUMANOS EM MICRO E PEQUENAS


EMPRESAS
A nova organização da produção no mundo, segundo Dolabela (1999), coloca a
pequena empresa entre as organizações que são responsáveis pelas taxas crescentes de
emprego, de inovação tecnológica, de participação no PIB e de exportação.
Os pequenos negócios respondem por mais de um quarto do Produto Interno
Bruto (PIB) brasileiro. As, aproximadamente, 9 milhões de micro e pequenas empresas
no País representam juntas 27% do PIB, um resultado que vem crescendo nos últimos
anos. Em valores absolutos, a produção gerada pelas micro e pequenas empresas
quadruplicou em dez anos, saltando de R$ 144 bilhões em 2001 para R$ 599 bilhões em
2011 (SEBRAE, 2014). Ainda segundo esta mesma fonte, as micro e pequenas
empresas são as principais geradoras de riqueza no Comércio no Brasil, pois respondem
por 53,4% do PIB deste setor.

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De acordo com informações do SEBRAE (2016), o que diferencia micro e
pequenas empresas é a receita bruta anual das mesmas. A microempresa “será a
sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade
limitada e o empresário, devidamente registrados nos órgãos competentes, que aufira
em cada ano calendário, a receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00. Se a receita
bruta anual for superior a R$ 360.000,00 e igual ou inferior é R$ 3.600.000,00, a
sociedade será enquadrada como empresa de pequeno porte”.
Bernardes e Martinelli (2003) resumem várias características de pequenas
empresas que foram explanadas por diversos autores. São elas: alta personalização da
gestão (JULIEN, 1997); restrição de recursos (ANDERSON; ATKINS, 2001); forma
estrutural orgânica, pouca burocratização e de relações informais (JULIEN, 1997 &
MARCHESNAY, 1997); e situação de grande dependência face ao ambiente externo,
sendo grande a importância dos stakeholders (MARCHESNAY, 1997 & ANDERSON;
ATKINS, 2001). Percebe-se o vasto consenso na área de que as pequenas e médias
empresas não possuem características semelhantes às grandes empresas, diferindo não
somente em escala; elas se apresentam de forma peculiar e singular com suas próprias
especificidades na sua caracterização e forma de gestão.
Conforme Drucker (1981 apud REIS & ESCRIVÃO FILHO 2003, p.4), as
atividades em pequenas empresas “são exercidas de forma cumulativa por poucas
pessoas - quando não, por uma única pessoa, o empresário”. Em virtude de seu porte, o
planejamento, processo e práticas se dão, muitas vezes, de modo não departamental,
com áreas funcionais não claramente definidas. E ainda:

Cada pequena empresa é um todo, onde as funções são todas


integradas ou pelo menos fortemente ligadas, e onde o proprietário
dirigente controla a maior parte de seus aspectos, dirigindo várias
funções e, em algumas delas, participando diretamente. (REIS &
ESCRIVÃO FILHO, 2003, p.5).

A informalidade é outra característica comum na gestão das micro e pequenas


empresas. A falta de normas e padrões no gerenciamento dos processos e pessoas pode
tanto facilitar o surgimento de problemas de eficiência, por exemplo, quanto em alguns
casos possibilitar a agilidade e resolutividade de situações cotidianas. Processos
enrijecidos e demasiado burocráticos não são comumente encontrados nessas empresas.
As práticas de Recursos Humanos em pequenas empresas demonstram se
apresentar como um dos tipos de informalidade presente neste contexto. A maioria dos
estudos em relação a este tema “aponta para uma estrutura de gerenciamento muito
simples e sem autonomia (operacional) que se utiliza de práticas tradicionais e
praticamente sem incorporação de novas técnicas e atitudes que fazem parte das atuais
preocupações de RH” (REIS & ESCRIVÃO FILHO, 2003, p.5).
No Recrutamento e Seleção de Pessoas também se percebe uma situação
singular nas empresas de pequeno porte. Em seleção de candidatos os métodos
utilizados parecem ser bastante simplificados, de acordo com Leite & Caillods (1985)
apud Gomes & Escrivão Filho (2003, p.529),

a principal forma de seleção nestas empresas é a clássica combinação


‘teste prático mais entrevista’ sendo que quase 50% adotam
simplesmente o teste prático, ou seja, a demonstração no posto de
trabalho do desempenho da tarefa.

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Quando falamos em práticas de Educação, Educação, Treinamento e
Desenvolvimento em Recursos Humanos, um estudo de Leite & Caillods (1985) apud
Reis & Escrivão Filho (2003, p.6) “registrou que o pequeno empresário pouco investe
em treinamento e este quando realizado é em moldes bastante informais”.
Os autores apontam que a forma mais comum de Treinamento e
Desenvolvimento já que se investe pouco nesta prática, é realizada no próprio local de
trabalho, sendo a formação realizada através da transmissão de conhecimento e prática
por um funcionário mais experiente. Seminários ou cursos fora da empresa também são
realizados, porém com menos frequência. A Avaliação de Resultados destes tipos de
treinamento também parece não fugir a regra, são informais e consistem apenas em
constatações, observações pontuais e poucos procedimentos. É importante salientar que
a informalidade nestes processos não necessariamente remete a um resultado pouco
eficiente. Flexibilidade e agilidade encontradas em ambientes informais podem
aumentar a eficiência nos processos e garantir que a especificidade de cada caso em
questão seja levado em consideração. Processos padronizados e generalizações acabam
por ser impedidos de existirem em tais ambientes (GARAND 1997 apud REIS, &
ESCRIVÃO FILHO, 2003).
Uma das formas que representam de maneira significativa a realidade brasileira
das microempresas é a empresa familiar, assunto que será abordado no próximo item.

2. EMPRESA FAMILIAR
Compondo a classificação das empresas, existem as chamadas empresas
familiares. No final dos anos 80 no Brasil, segundo Bernhoeft (1989 apud OLIVEIRA,
2010), de cada dez empresas, nove eram familiares, e seu controle estava com uma ou
mais famílias. No mesmo período, a nível mundial, genericamente 60% das empresas
eram controladas por famílias. Para o autor, essa realidade tem se consolidado ao longo
do tempo.
        Bornholdt (2005) considera uma empresa familiar quando um ou mais traços
podem ser identificados: o controle acionário pertence a uma família/herdeiros; os laços
familiares determinam a sucessão no poder; os parentes se encontram em posições
estratégicas; as crenças e os valores da organização identificam-se com os da família; os
atos dos membros da família repercutem na empresa, não importando se nela atuam; a
ausência de liberdade total ou parcial de vender suas participações.
        Simplificadamente, Oliveira (2010, p.3) expressa que “a empresa familiar
caracteriza-se pela sucessão do poder decisório de maneira hereditária a partir de uma
ou mais famílias”. Vidigal (1996 apud MACEDO, 2002) comenta que as empresas
familiares representam 99% das empresas não estatais brasileiras.
De acordo com o SEBRAE (2016), as empresas familiares possuem uma
estrutura enxuta e apresentam pontos fortes e fracos se comparados com outras formas
de organização. Dentre os pontos fortes estão o comando único e centralizado,
permitindo reações rápidas em situações de emergência; a estrutura administrativa e
operacional compacta; as relações comerciais e sociais importantes devidos a um nome
familiar respeitado; a organização interna realizada pelos próprios proprietários, o que
os torna mais dedicados; a valorização da confiança mútua, não apenas entre os
familiares, mas também entre empregados mais antigos, o que exerce função importante
no desempenho da empresa; a sensibilidade em relação ao bem-estar dos funcionários e
da comunidade onde se encontram; e a disponibilidade de recursos financeiros para
autofinanciamento através de poupança compulsória realizada pela família. Dentre os
pontos fracos, por outro lado, podem-se citar dificuldades em discernir o que é intuitivo,
emocional e racional; a postura de autoritarismo ou paternalismo do fundador; a

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exigência de dedicação excessiva dos familiares, prejudicando o lado da vida pessoal;
os laços afetivos muito fortes, o que pode influenciar decisões e comportamentos; a
expectativa de alta fidelidade dos funcionários; e a valorização do que é antigo acima de
resultados que primam por competência e eficácia.
No que se refere ao processo sucessório de empresas familiares, Grzybovski,
Boscarin e Migott (2002) afirmaram serem os homens os mais cotados para assumirem
a liderança da organização das mesmas. Porém, ao analisarem um estudo realizado com
as empresas familiares da cidade de Passo Fundo, os autores constataram que as
mulheres como empreendedoras utilizam a visão sistêmica para adiantar oportunidades
e riscos, trabalhando com um número maior de informações e planejando estrate-
gicamente e de forma sustentável o futuro da empresa. Apontaram que as mulheres,
como executivas, possuem um estilo de liderança com foco nas pessoas, porém possuem
também orientação para o poder, ou seja, estão propensas a negociar e a fazer poucas
concessões. Essas características desmistificam o fato de que apenas os homens
poderiam assumir a sucessão de empresas familiares.

2.1 O Papel da Esposa na Empresa Familiar


Empresas familiares de sucesso têm demonstrado por experiência que a esposa é
personagem extremamente importante na estrutura da empresa familiar, mesmo em
casos em que ela não participa diretamente do negócio. Com intensidades distintas, elas
participam de decisões importantes uma vez que convivem diariamente com o marido e
com os que o sucederão. (WERNER, 2004)
A habilidade de ouvir destaca-se no papel da mulher, esposa, e faz com que essa
possa encontrar o melhor momento para expressar sua opinião e sensibilizar os sócios
quando suas ações podem arriscar a sobrevivência da própria família, assim como da
empresa. Para Werner (2004, p.20) “De sócia do marido, ela passa a ser parceira e
mediadora entre pais e filhos. É sua experiência de vida que lhe ensina a apartar os
conflitos entre os filhos e sua habilidade que lhe obriga a mediar sem escolher um lado”.
Ainda para o mesmo autor, com o crescimento da participação feminina na vida
empresarial, muitas esposas têm se transformado em sócias efetivas atuando em áreas
de suporte e também aonde falta competência ao empreendedor. Dessa forma, “As
esposas-sócias vêm se tornando uma verdadeira extensão do empreendedor. Maximizam
seu potencial e passam a ser uma peça fundamental para a sobrevivência e consolidação
do negócio”. (WERNER, 2004, p.20)

3. GÊNERO E TRABALHO
O termo “gênero” surgiu na década de 70 e é fruto de discussões iniciadas pelo
movimento feminista (articulado ao florescimento da antropologia, da história das
mentalidades e da história social), sobre dados históricos relacionados ao trabalho
feminino. As feministas tiveram a iniciativa de registrar as experiências de trabalho das
mulheres que eram anteriormente silenciadas. Nesse contexto, durante muitos anos, a
presença feminina foi excluída dos trabalhos acadêmicos e dos registros históricos. A
mulher tinha seu papel condicionado às determinações de sua biologia. Entendia-se que
por ser mais fraca fisicamente, teria também uma menor capacidade intelectual e por
isso era oprimida pela sociedade (MATOS 2009 apud FAGUNDES & SANTOS, 2013).
Para Matos (2009), o entendimento de gênero é algo produzido pela sociedade
onde as diferenças entre “masculino” e “feminino” são expressas, por exemplo, na
divisão sexual do trabalho, nas relações de poder, no âmbito doméstico, na produção e
reprodução. Estudos recentes comprovam que cresce vertiginosamente a inserção de
mulheres em postos de trabalho. Isto já pôde ser observado a partir da década de 1980 e

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validado ainda mais nos últimos anos. Outro aspecto também relevante é o crescimento
de uma maior preocupação das mulheres com seu nível de instrução (BRUSCHINI;
LOMBARDI, 2001).
Segundo Santos (2011), nas últimas décadas foi possível observar importantes
mudanças no âmbito social, demográfico e cultural que influenciaram bastante no
crescimento da participação da mulher com relação ao trabalho. Baseado em dados do
IBGE, observa-se uma redução na taxa de fecundidade e consequentemente uma
diminuição no tamanho e o aumento do número de famílias chefiadas por mulheres. O
modelo de provimento familiar também se alterou e, em muitos casos, a mulher precisa
buscar uma atividade remunerada para sustentar sua família.
Observa-se ainda que as mulheres, majoritariamente, mantém uma dupla jornada
de trabalho mais intensa. De acordo com dados da PNAD (Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios) de 2009, as mulheres investem 26,6 horas semanais em média
nas atividades domésticas enquanto os homens apenas 10,5 horas semanais. Sorj (2004),
D’elia (2009) apud Andrade et al. (2015) entendem que o peso cultural imposto de que
o principal compromisso das mulheres é com a família torna-se “uma das razões que
explicam por que a esfera doméstica é uma das mais resistentes à igualdade de gênero
no Brasil, ainda que não se possam desconsiderar as importantes mudanças estruturais
que causam impacto na tradicional divisão sexual do trabalho na família”. Também a
partir de Santos (2011), alguns motivos que podem justificar a exclusão da mulher no
mercado de trabalho são: os altos custos indiretos relacionados à maternidade,
remuneração baixa com pouca relevância para a renda familiar total e a ideia de que o
mercado de trabalho não gera identidade para as mulheres.
A partir da literatura percebe-se que o nível de trabalho doméstico, grau de
instrução escolar e característica do núcleo familiar influenciam na participação da
mulher no mercado de trabalho. Para Santos (2011), em função das mudanças que vem
ocorrendo, a mulher não é mais responsável, em sua totalidade, pelas atividades da casa
e educação dos filhos, assim sendo, ela consegue dedicar-se mais a própria formação e
ampliar suas oportunidades profissionais.

3.1 Mulher: da vida familiar para o mercado de trabalho


Característica do regime patriarcal, a exploração da mulher pelo homem
predominou por longo tempo no Brasil assim como a forte diferenciação dos sexos: ele
considerado o sexo forte, o nobre; ela o fraco, o belo. (FREYRE, 2004). Nos
primórdios, a família, que é o âmbito primário da reprodução social, foi também
reprodutora da desigualdade (SARACENO, 1995). A mulher pertencer à unidade
familiar pelo casamento e pela responsabilidade de gerar filhos, cuidar da família e do
marido, fator que constitui a “causa” da incapacidade desta ser cidadã (ANDRADE et
al., 2015).
A possibilidade de casamento sempre era motivo para abandonar a vida
profissional caso esta existisse. Até o final do século XIX, o espaço social da mulher era
restrito ao círculo familiar, assim como o trabalho que ocorria praticamente em casa ou
em negócios da família. (ROCHA-COUTINHO, 1994). Para Andrade et al. (2015, p.9)
“A opção pelo trabalho da mulher estava relacionada à premência da necessidade
econômica e nunca à sua realização profissional.”.
Com a Revolução Industrial houve uma ruptura no paradigma da diferenciação
de mundos, masculinos e femininos, ao dar origem a uma mão de obra feminina,
separando lugar de trabalho e domicilio, no qual homens e mulheres trabalham nas
mesmas máquinas, com as mesmas exigências e mesmos ritmos da produção fabril
(OLIVEIRA, 1992). Contudo, as mulheres continuavam a ocupar lugar inferior na

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sociedade. A partir da década de 70, com a expansão econômica e urbanização, a
participação das mulheres no mercado de trabalho no Brasil se intensificou e seguiu
progredindo nas décadas de 80 e 90, a partir da abertura econômica durante o governo
Collor.
Para Oliveira (1992), o fato das mulheres ingressarem no mercado de trabalho e
a desvalorização da vida no lar contribuíram para diminuir a fronteira entre o privado e
o público, entre o feminino e o masculino. Ainda, sucessivas crises econômicas que
ocorreram a partir da década de 80 aumentaram as taxas de desemprego e a incerteza
conduziu a dependência do trabalho de homens e mulheres, um esforço coletivo da
família para garantir a sobrevivência (LEONE, 2000 apud ANDRADE et al., 2015).
Vista por muito tempo como força de trabalho secundária, a mulher agora passa
a conviver com o paradoxo universal, de trabalhar fora de casa, e do particular, o
próprio trabalho doméstico. Esse é o perfil de força de trabalho feminina no Brasil a
partir dos anos 80: são mulheres mais velhas, casadas e mães que trabalham mesmo
quando os filhos são pequenos e com toda a dificuldade para conciliar responsabilidade
doméstica, familiar e profissional (BRUSCHINI, 2007).
Em meio às dificuldades, pode-se considerar que houve a ampliação da atuação
feminina e maior diversificação de papeis neste último século no país. A mulher
predominantemente segue realizando dupla jornada de trabalho, mas considerando
realizar-se pessoalmente, profissionalmente, como mãe, esposa e valorizando sua
independência (ANDRADE et al., 2015).

3.2 Das profissões consideradas femininas à atuação em ramos


masculinizados
Na sociedade patriarcal brasileira o homem surge como o principal sustento
familiar e a mulher como seu principal e natural campo de atividade: reprodutora da
família. No período colonial, a educação feminina era diferente da masculina, as
meninas eram tiradas cedo da escola com o objetivo de casar. Educava-se uma menina
para ser uma boa mulher, ou seja, guardiã̃ da economia doméstica e mentora dos filhos.
Essas aprendiam tarefas como: bordar, ler, escrever e principalmente “exercitavam-se
numa arte difícil e absolutamente necessária à sua condição feminina: a arte de prender
seus maridos e filhos” (SILVA, 1981 apud ANDRADE et al.,2015, p.8).
Ao final do século XIX, surgem as primeiras escolas normais no Brasil, dado
que o magistério era a única profissão aceita pela sociedade para mulheres de classe
média e alta (ANDRADE et al.,2015).
Com o advento da indústria, o trabalho feminino ganha espaço nas fábricas, no
comércio e escritórios (ROCHA-COUTINHO, 1994; BERTOLINI, 2002). Mas, apesar
do fato, as mulheres vão sendo expulsas progressivamente das fábricas a partir do
momento em que ocorre a incorporação da força de trabalho masculina. Além disso, a
desqualificação intelectual, o assédio sexual, a discriminação salarial e a intimidação
física foram barreiras enfrentadas pelas mulheres para participar do mundo dos negócios
nesse período (RAGO, 2001).
Não só no Brasil a força de trabalho feminina era tida como secundária, em
outras regiões do mundo, em tempos de guerra, as mulheres também exerceram tarefas
masculinas em espaços que antes não ocupavam. Dirigiram bondes, táxis, entraram em
usinas, ajustaram peças. Mas, quando a guerra acabava elas eram pressionadas para
voltar ao lar, entendido como dever do papel feminino. (PERROT, 1998).
Essas mulheres, que ajudaram a construir o país estavam alocadas além do chão
de fábrica, como por exemplo, no campo, no interior das casas, como empregadas
domésticas, lavadeiras, cozinheiras, em escolas, escritórios, lojas, hospitais, asilos, ou

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ainda circulando pelas ruas como doceiras, vendedoras de cigarros, entre outras
atividades. Nas classes media e alta, jovens se tornavam professoras, escritoras,
médicas, engenheiras. Aos poucos elas iam ocupando os espaços possíveis de trabalho,
mas ainda em guetos femininos (RAGO, 2001).
Ter uma carreira ainda era inconcebível para a mulher brasileira nos anos 1950 e
início dos 1960. Era inadequado para elas serem superiores em inteligência ou força
física a seus maridos. Levada em grande parte pela culpa e vergonha, era dela a
responsabilidade por tudo que não ia bem com o marido, casa e filhos (ROCHA-
COUTINHO, 1994).
Com o surto industrial em conjunto com o processo de urbanização do Brasil, a
participação feminina no mercado de trabalho começa novamente a engrenar, fato que
provocou mudanças comportamentais e consequente enfraquecimento do modelo de
família patriarcal assim como da dependência da esposa com relação ao marido. A
mulher passa também a exercer tarefas fora do lar e, residindo na cidade, passa a tomar
consciência dos seus direitos (AZZI, 1993 apud ANDRADE et al., 2015).
Transformações aconteceram e podem ser constatadas nas altas taxas de participação
das mulheres instruídas em cargos de comando, profissões de prestigio como a
medicina, advocacia e bons empregos nas instituições financeiras e bancária. É nesse
polo do setor de serviços que ocorreram as mudanças mais significativas (BRUSCHINI;
LOMBARDI; UNBEHAUM, 2006).
Atualmente, as mulheres estão lutando cada vez mais seu espaço no mercado,
independentemente de ser em ramos considerados “femininos” ou “masculinos”.
Segundo Chies (2010), as profissões tradicionais e de maior prestigio na sociedade são
profissões historicamente de origem masculina. Para a autora, essa questão identitária é
uma construção social a qual se naturaliza ideologicamente na sociedade. “Os
estereótipos acerca das profissões são gerados por questões básicas como ‘o que se
espera de uma mulher’ e ‘o que se espera de um homem’” (CHIES, 2010, p.513).

4. OS DESAFIOS DA LIDERANÇA FEMININA


Ao longo de toda a história, sempre existiu uma população de marginalizados
que foram negados de poder participar das principais atividades que geram
reconhecimento e formam o centro econômico das sociedades. As mulheres são parte
dessa população, e, como reflexo, possuem carreiras que se encontram, em muitas
situações, estagnadas em níveis baixos da hierarquia, muito embora tenham
qualificações e habilidades para performarem em áreas seniores de gerência (PRASAD,
P.; D’ABATE C.; PRASAD A., 2007).
As mulheres ingressam no mercado de trabalho quase dois anos depois que os
homens, têm nível de instrução inicial, normalmente, de 0,82 ano de estudo a mais que
eles, porém não estão tão presentes em níveis mais elevados de cargos. Ou seja, as
mulheres têm mais estudo e conhecimento no momento que iniciam suas vidas
profissionais e, mesmo assim, conseguem posições inferiores que os homens. A maioria
continua com este padrão no decorrer de sua trajetória nas empresas (HASENBALG,
2003).
De acordo a revista Harvard Business Review, uma pesquisa de Jack Zenger e
Joseph Folkman (2012) avaliou 7.280 líderes de diferentes empresas e constatou que a
maioria deles (64%) ainda são homens. Os autores confirmaram que quanto mais alto
for o nível gerencial, mais os homens figuram nas posições de alto escalão. No entanto,
apesar das mulheres terem menos chances de chegar a cargos de alta gerência, a
pesquisa revela dados que surpreendem sobre a liderança feminina. Além das
competências de “nutrição”, relacionadas com o desenvolvimento de outras pessoas e

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construção de relacionamentos, elas levaram vantagem quando avaliadas pelos seus
pares, chefes e subordinados diretos como melhores líderes globais do que os homens e
foi constatado que quanto maior o nível na hierarquia, maior essa diferença cresce. Os
autores destacam ainda que elas são mais apreciadas em 15 das 16 competências
avaliadas na pesquisa, ficando atrás dos homens apenas na competência “capacidade de
desenvolver uma perspectiva estratégica”. O estudo mostra que as habilidades de
liderança das mulheres estão fortemente correlacionadas com fatores de sucesso
organizacionais, tais como retenção de funcionários, a satisfação do cliente, o
engajamento dos empregados, e rentabilidade.
A partir de outro estudo, relatado por Machado (2006), que enfoca as
características psicológicas e comportamentais das mulheres empreendedoras, sob a
ótica do gênero, não foi evidenciado que as mulheres sintam tristeza nem pessimismo ao
assumir essa postura nos negócios, o que denota a predominâncias de características
positivas no processo de gestão por parte das empreendedoras. Elas são vistas como
determinadas, comprometidas com o trabalho, sensíveis no trato com os funcionários e
clientes, mulheres ao mesmo tempo racionais e emocionais. No entanto, elas necessitam
estar sempre se auto gerenciando, ou seja, consolidando constantemente as emoções
positivas a fim de construir uma imagem sólida e forte, precisam estar sempre atentas
aos controles de preferências da organização e sua continuidade.

5. PRÁTICAS FEMININAS DE GESTÃO EM PEQUENAS EMPRESAS


FAMILIARES
A gestão em pequenas empresas se apresenta, por si, como um tipo de gestão
peculiar, singular. Quando a gestão passa a ser não somente em pequena empresa, mas
em empresa familiar e ainda, gerida por mulheres, esta peculiaridade parece se
intensificar.
No que tange especificamente a gestão familiar, um aspecto interessante a ser
levado em consideração é a questão do “gerenciar com transparência”. Diferente das
organizações maiores, esta prática leva a um tipo de abalo no poder já instituído e
compartilhamento do patrimônio, não propriamente da gestão (GRZYBOVSKI &
TEDESCO, 2000 apud GRZYBOVSKI, BOSCARIN & MIGOTT, 2002, p.190). De
uma forma ou outra, o ambiente de trabalho e a cultura organizacional estão ligados à
família proprietária. Quando existem conflitos entre os membros da família, os
processos de tomada de decisão são diretamente afetados (LODI, 1999 apud
GRZYBOVSKI, BOSCARIN & MIGOTT, 2002, p.190). Ou seja, as relações familiares
influenciam diretamente nas práticas de gestão da empresa.
Este “gerenciar com transparência” gera um certo estilo politicamente correto de
gerenciar empresas familiares, que por sua vez

implica a necessidade de apresentar, ao mesmo tempo, sensibilidade


para com as necessidades da família, considerando as histórias, os
rituais, os símbolos materiais e a linguagem utilizada, e elevado grau
de percepção das transformações ambientais, que podem
desestabilizar a organização. Ainda, combinar traços de personalidade
que provoquem em todos os funcionários uma sensação de
envolvimento e participação, independentemente dos conflitos
familiares. (GRZYBOVSKI, BOSCARIN & MIGOTT, 2002, p.190).

Pode-se dizer que homens e mulheres apresentam formas distintas de gerir,


porém também possuem características em comum como inteligência, sociabilidade e

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segurança (BURNS, 1978; WOOD, 1997; PETERS, 1998; ROBBINS, 2000 apud
GRZYBOVSKI, BOSCARIN & MIGOTT, 2002, p.186).
Em relação às características próprias da mulher sobre gestão são encontradas:
“humildade, maior estabilidade emocional, objetividade, paciência, auto-renúncia,
disposição para operar em ambientes de contrariedade, negociar fazendo menos
concessões, e inteligência enriquecida pela intuição” (GRZYBOVSKI, BOSCARIN &
MIGOTT, 2002, p.186).
O modelo de gestão que parece mais valorizar os indivíduos como seres
humanos se apresenta no modelo feminino. “As pessoas são tratadas como portadoras
de valores e necessidades individuais; os horários de trabalho são mais flexíveis; o
aprimoramento educacional é incentivado” (ROBINS & COULTER 1998 apud
GRZYBOVSKI, BOSCARIN & MIGOTT, 2002, p.192).
Esta flexibilidade permite a não valorização de certos tipos de oportunismos e
como nestes modelos de organizações onde as relações familiares possuem valores
próprios (intrínsecos a relação, não como meios formais de alcançar objetivos
organizacionais), os relacionamentos são valorizados por si só.
Neste ambiente,

a mulher consegue construir um sentimento de comunidade, por meio


do qual os membros da organização se unem, e aprendem a acreditar e
a cuidar uns dos outros. As informações são compartilhadas e todos os
que serão afetados por uma decisão têm a oportunidade de participar
da tomada desta decisão. (GRZYBOVSKI, BOSCARIN & MIGOTT,
2002, p.190)

Ainda a respeito de algumas características peculiares às mulheres, segundo os


autores, elas atuam em áreas predominantemente humanas como relações públicas,
recursos humanos e comunicações. O curioso é que justamente nestas áreas é raro
presidentes terem se originado. Os homens estão mais disponíveis para dedicação total à
carreira por não terem os compromissos de maternidade, criação de filhos e
administração da casa; gravidez e filhos pequenos favorecem a escolha de trabalho em
tempo parcial, interrupção de carreira ou procura de cargos menos desafiantes (LODI,
1999 apud GRZYBOVSKI, BOSCARIN & MIGOTT, 2002, p.193).
Segundo estudos, a mulher chegaria a cargos máximos nas empresas familiares
não necessariamente devido ao seu desempenho, mas a algum infortúnio como “a morte
do fundador, marido ou pai, ou pela inabilidade dos concorrentes masculinos
familiares” (Grzybovski, Boscarin & Migott, 2002, p.193). Provavelmente a sucessão
estaria ligada mais a capacidade de articulação política, quando os homens se apoiam
nas suas redes de amizades masculinas, do que nos métodos oficiais e formais como na
capacidade de “inteligência, senso prático, intuição, integridade, competência ou grau
de escolaridade” (Grzybovski, Boscarin & Migott, 2002, p.193).

6. MÉTODO E CONTEXTO DA PESQUISA


O problema central desta pesquisa procura analisar formas de gestão,
especialmente gestão de pessoas, realizadas por mulheres em empresas familiares, de
ramos profissionais masculinizados, e também compreender quais as dificuldades e/ou
vantagens percebidas por elas nestes segmentos de atuação. Para tal, foi necessário
conhecer a rotina e as atividades das principais empresas pertencentes ao município de
Veranópolis com estas características.

10
Ponderando a natureza do problema do estudo, optou-se pela pesquisa do tipo
qualitativo-exploratória, ampliando o conhecimento para a área e possibilitando
caminhos para outras investigações. Conforme Roesch (1999), a pesquisa qualitativa
pode ser vista como um meio alternativo de método frente ao predomínio dos estudos
positivistas, enfocando os aspectos mais subjetivos que envolvem as investigações no
campo das ciências sociais.
Considerando a viabilidade da pesquisa, optou-se pela análise qualitativa
embasada por entrevistas semi-estruturadas como principal meio de coleta de dados e
levantamento das informações. A entrevista semi-estruturada é baseada em um roteiro
confeccionado com perguntas principais complementadas por outras questões que
possam vir a surgir diante de circunstâncias momentâneas à entrevista. Este tipo de
entrevista oportuniza o surgimento de informações de forma mais livre e com respostas
não tão influenciadas a um padrão de perguntas fechadas (MANZINI 1990/1991, p.
154).
O município de Veranópolis-RS foi escolhido por ser composto
fundamentalmente por empresas familiares e pelo fácil acesso das pesquisadoras às
gestoras dessas empresas de ramos considerados masculinizados. No presente estudo,
entende-se por masculinizados os segmentos profissionais que apresentam atividades
tipicamente exercidas por homens ou que sejam predominantemente frequentados por
clientes do sexo masculino.
O município com fortes traços culturais italianos possui população de 22.810
habitantes distribuídos por 289,4 km² classificando-se como o 9º melhor Índice de
Desenvolvimento Socioeconômico do Estado segundo a Fundação de Economia e
Estatística do Rio Grande do Sul (FEE). Em Veranópolis, segundo o sistema nacional
de informação de gênero fornecido pelo IBGE, a média do percentual de contribuição
do rendimento das mulheres no rendimento familiar é de 41,1%, índice que evidencia a
predominância da dupla jornada de trabalho. Do percentual de mulheres ocupadas com
16 anos ou mais de idade, 9,9% estão no setor de atividade da agricultura; 29,3% em
atividade de indústria e 60,8% em setor de atividade de serviços.
Participaram do estudo 11 gestoras, todas de empresas familiares, que exercem
funções administrativas e em alguns casos funções técnicas. Do total de entrevistadas, 9
são esposas e 2 são filhas dos sócios fundadores. Em 4 dos casos, o ingresso da mulher
como gestora foi conjunto a fundação da empresa enquanto nos demais ocorreu por
necessidade, principalmente ao que se refere a confiança nas pessoas dentro das
empresas.
Entre os empreendimentos pesquisados, classificados como ramos
masculinizados, 2 são do ramo de autopeças e serviços automotivos; 2 são mecânicas de
veículos pesados; 1 revenda de motocicletas e serviços; 1 revenda de rodas e pneus; 1
casa de som, alarme e acessórios automotivos; 1 loja de materiais de construção, obras e
escavações; 1 loja de ferramentas industriais; 1 casa de carnes e 1 empresa de transporte
de passageiros; envolvendo micro e pequeno porte.
Abaixo segue a tabela/legenda que pode ser utilizada como guia para a leitura
dos resultados. Nela se encontra a sigla de cada entrevistada com seu respectivo ramo
de atuação.

Entrevistada Ramo
E1 Loja de autopeças e serviços automotivos
E2 Loja de autopeças e chapeação
E3 Mecânica de veículos pesados
E4 Mecânica de veículos pesados

11
E5 Revenda de motocicletas e serviços
E6 Revenda de rodas e pneus
E7 Casa de som, alarme e acessórios automotivos
E8 Loja de materiais de construção, obras e escavações
E9 Loja de ferramentas industriais
E10 Casa de carnes
E11 Empresa de transporte de passageiros

Para análise dos dados, foram identificadas categorias que direcionam a análise
qualitativa deste estudo, realizando a seleção prévia das informações mais frequentes e
relevantes das entrevistas semi-estruturadas para compreensão do fenômeno pesquisado.
Foram categorizadas quatro grandes eixos de análise: o primeiro identifica as
principais práticas de gestão de pessoas constatadas nestas empresas; o segundo aborda
as interpretações sobre a predominância de homens nestes ramos; na sequência
apresentam-se as correlações entre a cultura e a participação das mulheres nestes cargos
e por fim as percepções das mulheres com relação ao seu trabalho. Essas categorias
compreendem subitens que agrupam as informações necessárias para entender como as
mulheres percebem o mercado masculinizado em que estão inseridas, as práticas de
gestão envolvidas e toda a cultura que permeia esses ramos.

7. RESULTADOS

Práticas de Gestão de Pessoas


Os temas abordados nesta seção estão relacionados com o modo que as empresas
pesquisadas, a maioria micro e pequeno porte, sendo de constituição familiar, realizam
as práticas de gestão de negócios e de pessoas no dia a dia de trabalho. Todas pertencem
a segmentos institucionalizados masculinos e estão inseridas na cultura italiana da
cidade de Veranópolis.
A prática de diversas tarefas em áreas de funções não nitidamente definidas
realizadas pelas mulheres entrevistadas caracteriza o trabalho não departamental que
elas exercem no cotidiano. De onze entrevistadas, oito se denominaram “faz tudo”,
sendo quatro delas mais focadas, considerando a atividade principal, em áreas
administrativas, como a financeira, e quatro outras na área técnica do negócio, além da
administrativa já mencionada. Pode-se exemplificar através das falas de E1 e E2 a
característica do trabalho multifuncional dessas mulheres: "Eu fazia tudo, limpava chão,
vidro, pegava peça engraxada" (E1). “Tudo. Trabalho, compro, vendo, limpo,
financeiro” (E2)
As práticas relacionadas à seleção, contratação e treinamento também mostram
características peculiares nestes ramos de trabalho predominantemente masculinos e de
pequeno porte. A seleção ocorre por necessidade, sendo conduzida por conversa, quase
sempre informais, e testes práticos de acordo com as atividades da empresa. A
contratação acaba por ser majoritariamente de homens, pois, conforme relatado por sete
entrevistadas, são atividades que exigem força, conhecimentos específicos e que não
despertam o interesse de mulheres. A fala da E1 demonstra que os homens já estão mais
familiarizados com as técnicas utilizadas nessas áreas, pois a maioria deles desde
pequenos estão em contato e se interessam por esses assuntos. No entanto, como
algumas delas trabalham na parte técnica de seus negócios, foi mencionado que quando
uma mulher se propõe a realizar o trabalho, ela domina o conhecimento que, mesmo
desafiador, torna o trabalho bem executado.

12
[...] nunca ouve meninas pra ensinar, já é difícil pro menino, pra
menina pior ainda, a não ser se ela fizesse parte só da parte financeira,
administrativa”. “homem sabe mais por natureza as coisas, mulher não
sabem muito sobre as partes técnicas... mas quando sabe, sabe. (E1).

Nesse sentido, cinco trabalhadoras identificaram o trabalho feminino com sendo


mais detalhista, bem feito, organizado e higiênico. Uma delas relatou acreditar que as
mulheres são mais rápidas quando existe a necessidade de pensar e fazer outras coisas
ao mesmo tempo quando comparado ao homem. Alguns locais de trabalho onde foram
realizadas as entrevistas, nos quais as mulheres transitam, possuem claramente cuidado
com o ambiente, decoração e acomodação dos clientes. O relato das entrevistadas E5 e
E9 confirmam essa percepção:

Muito mais diferença, uma mulher é muito mais detalhista, tem outro
tipo de visão. O [marido] é muito direcionado, é suas motos e é isso.
Mulher não, tu consegue abranger tudo, tu consegue abranger oficina,
tu consegue abranger venda, tudo! (E5).

As vezes o pessoal até requer uma mulher porque ela é mais


cuidadosa. [...] as mulheres são mais detalhistas, mulher lê o manual,
homem não lê o manual, eu sei fazer. (E9).

Os treinamentos realizados pelos funcionários novos, de acordo com as


trabalhadoras de seis empresas, são feitos no dia a dia com a observação da atividade
prática. Em alguns casos, elas mesmas treinam e passam o conhecimento ao
subordinado como é o caso da casa de carnes e da empresa de transporte de passageiros,
ambas as gestoras exercendo funções técnicas: de açougueiro e de motorista. Apenas
duas delas afirmaram fornecer cursos fora do ambiente de trabalho, um deles por se
constituir de um conhecimento bem específico do ramo automobilístico. É importante
ressaltar que todas as empresas possuem baixa rotatividade de seus funcionários, a
relação entre os membros foi relatada, com frequência, como sendo “de família”, e a
contratação de novas pessoas ocorre principalmente por crescimento da empresa.
A maneira como a mulher se porta dentro do empreendimento também constitui
um item analisado nas entrevistas realizadas. Três trabalhadoras acreditam que o jeito
feminino de dar feedback é mais tranquilo e mediador do que a forma feita pelos
homens. Elas se encaixam no modelo soft de gestão, procurando contornar situações de
conflito, buscar soluções mais positivas e valorizar o pessoal. Em quatro relatos
aparecem o desejo das mulheres de não serem vistas como chefes ou donas do negócio,
elas afirmam que preferem se colocar no mesmo nível que os funcionários e assim
evitam confrontos maiores e se sentem mais a vontade, visto que estão tratando com
pessoas que já são muito próximas e consideradas da família.

Eu até prefiro ser chamada de, não misturar as coisas, eu prefiro até
prefiro ser chamada de secretária e não de dona.. sabe. Eu prefiro, sei
la, eu me sinto até melhor.. porque ai eles vem lá ‘-ah, a pessoa é
dona!’ sabe, sei lá, eu não sou assim, eu prefiro ser mais família, é
uma ambiente mais família entende. (E4).

Tenho a impressão que em determinadas situações ajuda, na questão


assim que a gente sugere. ‘-Ah se fosse ver isso, deixa tentar ver se
consigo procurar tal coisa’, as vezes ajuda. As vezes eles batem de
frente entre eles. Principalmente o A. e o B. são irmão, nossa tem dias

13
que um grita de um lado e outro do outro e acabou a conversa o dia
todo né. ‘-Ah deixa tentar ver, entrar na internet, ver se consigo’..
mediadora! É o que eu tento fazer pra manter o dia a dia mais
tranquilo e tal. (E7).

As empresas analisadas neste estudo não possuem um departamento de Recursos


Humanos estruturado em virtude, principalmente, de serem empresas pequenas e
familiares. Assim, as práticas de gestão de pessoas relatadas por todas as entrevistadas
ocorrem concomitantes a outros processos de gestão, por necessidade, baseadas no
senso do que seria mais adequado na percepção dos proprietários no momento, além de
serem compatíveis a condição financeira e estrutural da empresa. A participação das
mulheres contribui de diversas formas, como descrito acima, para a melhoria e
continuidade destas empresas. Elas ingressam nos negócios através do vínculo familiar,
mas estão longe de ser a maioria ou autoridades nestes ramos.

A predominância de homens
Em concordância com os achados na literatura, os segmentos pesquisados são
historicamente masculinos e como pode-se verificar permanecem ainda hoje
predominantemente dominados e frequentados por homens.
Das onze entrevistas realizadas, em sete as gestoras dizem ser as únicas
mulheres presentes no negócio. Considerando as outras empresas, em duas delas, além
da gestora, o quadro de mulheres é todo composto por familiares, enquanto nas duas
outras, as demais mulheres ocupam cargos de apoio administrativo (secretárias).“É
geralmente assim, mais em oficinas grandes, enormes, que tem secretarias que não é da
família, senão a maioria é da família, entende.” disse E4.
A predominância de homens nesses segmentos pode ser comprovada a partir das
falas das entrevistadas, que em maioria reconhecem o fato tanto no convívio com
funcionário quanto com os clientes: “Eu adoro trabalhar com os homens, e até vender
para os homens é muito mais fácil [...] Homem não pega os capacetes e fica analisando
as costuras” (E5); "eu sou uma mulher, mas se fosse um homem aqui faria a mesma
coisa, então eu tenho que pensar dessa forma” (E1); “A maioria que vem comprar carne
é homem” (E10); “Hoje eu faço sozinha isso, trocar o vidro, nesse ramo só tem homens,
clientes também é tudo homem.” (E2).
Algumas dizem que aos poucos essa situação vem se alterando e que inclusive as
mulheres passam a se sentir mais a vontade para frequentar um local considerado
masculino ao serem atendidas por outra mulher: “Mulheres já disseram ‘eu gosto de vir
aqui porque tem as mulheres aqui que atendem’, sabe?” (E8).
Com relação às diferentes formas de trabalho e personalidade de homens e
mulheres, as entrevistadas relatam que com o tempo se acostumam e aprendem a lidar
com as diferenças: “Na verdade eu me criei aqui dentro, eu cresci com isso, fui
convivendo [...] “Vendas não era comigo, mas depois a gente vai acostumando, pegando
o jeito” (E5).
Porém, mesmo que em minoria, algumas reconhecem a dificuldade por serem
mulheres e ocuparem um cargo de gestão em um ramo masculino:

Foi muito difícil os mecânicos aceitarem que eu era chefe por eu ser
mulher e por ser nova. ‘Ai, eu trabalho aqui há quarenta anos, tu quer
mandar em mim’. Ainda falam, ainda é um pouco difícil. ‘Ai o que
que tu sabe? Tu não sabe nada de mecânica’. De mecânica eu não sei,
mas eu aprendi a como se faz um negócio. [...] Teve um cliente de lá

14
que me ameaçou de morte [...] Eu liguei cobrando e ele disse: ‘só pra
eu te avisar que pescoço não brota’. (E3).

Nestas empresas e ramos analisados pode-se perceber que as mulheres ganham


espaço na gestão, e mesmo em tarefas específicas, principalmente em função do vínculo
familiar. No entanto, em casos que não pertencem a este círculo, ocupam cargos
tradicionalmente femininos, como secretárias. A percepção gerada a partir das respostas
das participantes demonstra que estas precisam provar sua competência técnica e
administrativa para serem respeitadas em seus cargos dentro das empresas.

A influência cultural e a participação feminina


A partir dos questionamentos quanto à percepção das participantes sobre a
influência cultural em atividades que elas exercem nos devidos ramos de negócio,
percebemos que a forte cultura italiana local, tradicionalmente paternalista, aparece de
fato como influente na aceitação destas como gestoras, ou mesmo na atuação técnica em
funções que tradicionalmente são executadas por homens.
Em quatro situações as entrevistadas revelam de forma clara que sentem a
predominância de uma cultura machista, preconceituosa, atribuindo tal fato
principalmente a cultura local e também por ser um município pequeno, interiorano.
Essa situação é refletida tanto nas funções administrativas quanto técnicas, como se
comprova em trechos reproduzidos a seguir: “Os mais antigos acham que a mulher tinha
que estar em casa lavando louça, lavando roupa” (E2); “Preconceito já... Tu que vai
cortar carne? Tem certeza? Sim eu vou cortar a carne. Tá mas não tem açougueiro aqui?
To aqui!”(E10);

Muito acontece que eles não querem falar comigo [...] Aí ´mas tu faz o
que na empresa? ’ai eu digo que sou sócia administradora, aí fica
aquele silêncio” [...] Tem preconceito. Mulher tem que estar em casa,
né?” “Tem vários que são muito bom de lidar, que respeitam e tal.
Mas a maioria ainda tem essa ideia de que mulher não tem que estar a
frente das coisas. (E3).

A nossa cidade é muito pequena e eles vêem muito ainda esse lado,
medo que a mulher vá se expandindo, que tomem o lugar deles.
“Estamos no século 21 mas ainda temos pensamento da era arcaica, a
mulher tem que estar atrás do fogão e não em uma loja de ferramentas.
(E9).

Observa-se que, mesmo nos casos em que as entrevistadas não mencionam


explicitamente haver preconceito, a grande maioria em algum momento da entrevista
relata enfrentar desconfiança principalmente por parte dos clientes quanto a sua atuação,
ou seja, um preconceito velado que necessita provas e bons resultados para comprovar
competência. Identificamos na análise das entrevistas alguns elementos em comum
como: comentários receosos, brincadeiras pejorativas, o fato de clientes buscarem
primeiramente o atendimento masculino e necessidade que a confirmação seja feita por
um homem. Em destaque, descrevemos uma situação explicita dessa desconfiança com
relação à atividade técnica:

Eles acham que eu vou ali pra incomodar, sentar no caminhão, aí


quando tu põe a mão eles ficam olhando [...] Na região aqui de
Veranópolis, Nova Prata não tem ninguém né, só eu” .“As vezes tu

15
houve ‘será que é ela que vai fazer’, ai eu vou lá e digo ‘sim sou eu’...
‘o Senhor não acha que a mulher não faz melhor que o homem?’ [...]
Eles falam ‘ah, tudo sabe né, as vezes os homens sabem mais que as
mulheres’, e eu sigo ‘as mulheres também sabem mais’, ’O senhor
fique aqui e veja’. (E2).

Curiosamente, em uma das entrevistas emergiu uma situação atípica de


preconceito pela atuação feminina em uma função tradicionalmente masculina. No
relato, a gestora da empresa de transporte de pessoas, que também atua como motorista,
descreve sofrer maior preconceito por parte das próprias mulheres:

Tem gente que olha com outros olhos...um pouquinho [ainda tem um
pouco disso] mas mais as mulheres, mulheres mesmo, os homens
normal, sabe. Tem lugares que tu chega assim, ‘tu tem certeza.’. Um
dia fui levar 28 mulheres para Bento, minha primeira viagem de
micro, e uma mulher perguntou bem assim: ‘tu tem certeza que vem tu
de motorista? ’eu tinha medo né, eu disse assim ‘tenho certeza sim’
dei aquela tremida, ‘tenho certeza!’. (E11).

Ainda correlacionado a questão cultural e por ser um município pequeno, em


cinco casos as mulheres evidenciam ter enfrentado maior preconceito ao iniciarem suas
trajetórias profissionais nos respectivos segmentos, e relatam que com o passar do
tempo os clientes passam a adquirir confiança e conhecê-las também profissionalmente:
“Um senhor um dia, coitado, ele tropeçou, me deu uma pena, para olhar a van [...] agora
o pessoal já esta mais acostumado, mas não no começo.” (E11).

O mesmo é percebido por parte da relação com os fornecedores:

Já me conhecem, pedem pra falar direto comigo, é automático. No


início não queriam vender, ficavam desconfiados, mas depois foi
acostumando. (E2)

Apesar da predominância cultural paternalista, em seis resultados as mulheres


percebem que isso aos poucos está mudando e que sentem estar ganhando espaço e
também maior respeito. Ainda, pode-se perceber que as gestoras se mostram dispostas a
aprender e a enfrentar essas barreiras.

Relação do trabalho e as mulheres


Esta seção é dedicada à percepção das mulheres em relação ao trabalho que
realizam, a forma como percebem a si mesmas e suas relações com funcionários e
clientes. As entrevistadas, de forma geral, compreendem as peculiaridades dos ramos
em que atuam, enxergam as dificuldades enfrentadas, principalmente no passado,
quando iniciaram em suas funções.
Ao serem questionadas sobre a relação com os clientes e funcionários, partindo
da observação de suas vivências, nove mulheres relataram com relativa tranquilidade e
firmeza que o respeito existe e é consolidado ao longo do tempo. A interação respeitosa
com os subordinados, tratados na maioria dos casos sem a relação hierárquica, se
mostrou muito forte: “Pra mim é maravilhoso, eu adoro trabalhar com eles”. “Acho que
eu nunca chamei a atenção” (E5).

Não, não... não. Uma relação ótima com os funcionários, sempre


tiveram 7, 8 anos aqui“ “Nunca, nenhum dos funcionários

16
[problemas]... não! [...] Eu também sei né, por primeiro pra tu ser
respeitada tu tem que respeitar e vice versa. (E10).

A gente tem uma relação de família lá dentro sabe, a gente tem uma
relação bem assim, vamos se dizer de família, é bem tranquila vamos
se dizer. (E4).

Assim, de respeito sabe, bem tranquila [...] A gente tem, nosso


relacionamento é uma coisa de amizade, não de patrão e funcionários
que nem muita gente, sabe. É mais de, mais próxima [...] eles saem e
voltam né. (E11).

No que se refere aos clientes, a demonstração de receio ocorre, principalmente,


com pessoas que ainda não conhecem o negócio ou os proprietários. À medida que o
tempo passa, os clientes se familiarizam e passam a comprovar a competência da
prestação de um bom serviço.

Nunca tive problemas de desrespeito, mas hesitam em perguntar pra


mim coisas técnicas, perguntam mais para os meninos. Mas sinto
hesitação quanto a pessoas estranhas... eles buscam os meninos,
achando que eu, no caso, estaria fazendo só uma parte financeira ou a
cobrança, que eu não faria a parte técnica.. por telefone,
principalmente. (E1).

Apenas uma das entrevistadas relatou ter muita dificuldade em relação ao


respeito dos funcionários e clientes:
A gente até tem um bom relacionamento. Como é uma empresa
pequena, algumas coisas ficam mais fáceis, mas eu sinto que a questão
do respeito às vezes é difícil. A não ser que eles vejam que tu estás
furiosa [...] Às vezes eu tenho que me alterar, gritar, aí eles ‘opa,
agora ela tá braba mesmo [...] Também é difícil [...] E é muito difícil a
cobrança com clientes, eles não tem muito respeito por ser mulher. ‘o
que que tu quer se impor?’ Eu acho que se tivesse um homem
trabalhando no financeiro seria mais fácil. Quando precisa muito, tu
pede pro meu irmão ligar, tu nota que a conversa é diferente [...] Tu
vai ligando, ligando, ligando e aí chega num ponto em que, tá, é tú
[irmão] que tem que fazer. Aí tu nota que eles vem se explicar. (E3).

A realização com a tarefa e o papel que as gestoras desempenham também foi


um resultado do estudo. Oito delas disseram gostar das atividades que fazem, algumas,
inclusive, não se imaginam voltando para a condição ou profissão anterior. Três delas
enfatizaram a motivação pelo desafio que a área impõe, fato que as fazem se sentirem
bem na situação em que estão. Juntamente com a satisfação, quatro entrevistadas
relataram a admiração por parte dos clientes pelo fato de uma mulher estar
desempenhando um trabalho considerado masculino: "Sou uma pessoa muito realizada
profissionalmente [...] me sinto até lisonjeada por que é até uma situação em que as
pessoas gostariam de fazer o que eu faço” (E1); “A maioria dá parabéns porque nunca
tinha visto uma mulher fazendo isso, este tipo de coisa [...] Eles admiram bastante”
(E2); “Eu gosto de fazer isso aqui. Às vezes eu penso em fechar o açougue e penso, mas
o que que eu vou fazer na vida? Eu gosto” (E10); “É meu melhor passa-tempo, adoro o

17
que eu faço” (E5); “Eu gosto de desafios! Amo desafios, eu sempre fui assim, não tem
uma coisa nova que eu não queira aprender.” (E4).
No item cuidados necessários que as mulheres devem ter ao trabalharem em uma
área frequentada majoritariamente por homens, a preocupação e atenção com o uso de
roupa adequada foi amplamente destacado. Oito entrevistadas relataram se vestirem de
forma mais discreta, evitando o uso de blusas decotadas e saia ou shorts curtos. Três
delas também colocaram a questão do cuidado com a fala, ou seja, o mal entendido que
pode gerar por serem mulheres tratando diretamente com homens.

Sim, tem que ter esses cuidados, a maneira até de tu tratar, de tu


atender, de tu conversar. As vezes cuida o que vai falar, porque tu não
sabe a intenção da outra pessoa.. tem esse cuidado, mas são coisas no
dia-a-dia pra mim é bem tranquilo né. (E7).

Nunca boto nada muito aberto, muito curto... pra não chamar a
atenção [...] Vaidade tem de leve, tem que moderar. No verão tem que
por camiseta, vai se abaixar. (E2).

Cada ambiente requer uma maneira de se vestir, de se portar [...] Ter o


cuidado de ficar mais próximo da linha que está trabalhando [...] As
vezes te vêem só pela figura e não te julgam pela tua capacidade, ali tu
já tem que meio que barrar... ter equilíbrio na maneira de vestir. ‘Tá
lá só pra bonito, mas não faz nada. (E9).

Na verdade eu sempre me vesti assim, não sou muito de querer me


arrumar. Mas é obvio que não vou vir com decote, vestido porque
além dos funcionários que sempre tem um que... né? Tem os clientes
que tu sabe como é. Mesmo tu estando assim tu recebe cantada. ‘Quer
casar comigo? Te dou não sei o que ... Eu tenho 3 caminhões, tu não
quer casar comigo?’ Ou chegam e perguntam “tu não tem namorado?
Tu é casada? E tu não quer casar? (E3).

De uma forma geral, as mulheres deste estudo se sentem felizes e realizadas


desempenhando atividades nessas áreas predominantemente masculinas. Se sentem
respeitadas por seus funcionários e clientes. Casos de desconfiança são relados, mas a
maioria deles se resolve ao passar do tempo e do convívio. Cuidados na forma da
apresentação e da expressão da fala foram registrados como fatores importantes nas
relações de trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo qualitativo através das entrevistas semi-estruturadas realizadas
confirma grande parte da literatura pesquisada. Algumas características marcantes como
a pouca burocratização nas práticas e processos de gestão dentro das empresas
familiares, a não departamentalização das atividades, envolvendo poucas pessoas,
normalmente sendo a mulher responsável por grande parte das tarefas multifuncionais, a
estrutura de gerenciamento simples e com métodos tradicionais, como, por exemplo, a
seleção de funcionários através de processos de conversa apenas e treinamentos no
próprio local de trabalho junto com os colegas mais experientes foram observadas
através da fala das gestoras. As relações informais entre proprietários e funcionários e
até mesmo com os próprios clientes, a confiança excessiva, demonstrando fortes laços
afetivos, também foram pontos de atenção durante o processo.

18
No que se refere ao trabalho específico desempenhado pelas mulheres, notou-se
em concordância com os achados referenciais que elas fazem a diferença no
atendimento ao cliente, demonstrando mais cuidado, atenção, organizando o ambiente
de forma que se torne mais confortável para eles. As mulheres possuem uma
inteligência enriquecida pela intuição e conseguem lidar com situações complicadas
melhor que os homens. Foi constatado, ainda, que a entrada no negócio familiar, em
muitos casos, ocorreu por necessidade e não por desempenho demostrado por elas, a
maioria por questões que envolvem cargos de confiança e uma delas por falecimento do
pai.
Aspectos que são ligados apenas aos relatos das mulheres gestoras e que
merecem destaque estão relacionados ao fato de que elas, em sua maioria, se sentem
respeitadas pelos funcionários e clientes homens que trabalham e frequentam o
estabelecimento do negócio, porém, paradoxalmente, constatam desconfiança quando
realizam tarefas técnicas que são socialmente praticadas por homens. Destes fatos,
conclui-se que, apesar de haver melhora na cultura que oprime as mulheres ao longo dos
anos, ainda percebe-se através de algumas atitudes e falas o preconceito contra elas.
Deve-se levar em consideração neste contexto a cultura local italiana da cidade de
Veranópolis. Mesmo em frente a estas situações, 73% das mulheres do estudo disseram
gostar de seus trabalhos e sentirem felizes em suas posições.
Tendo esta pesquisa abordado aspectos relacionado às práticas e processos de
gestão, especialmente gestão de pessoas, sugerem-se novos estudos em locais com uma
influencia cultural distinta e que possam desvendar aspectos relacionados ao lado
psicológico das relações predominantes masculinas versus femininas.

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