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Nei Kung:

A Trilha Iniciática das


Artes Marciais
Michel Echenique Isasa
Talal H. Husseini
Fabiano Camilo

Nei Kung:
A Trilha Iniciática das Artes
Marciais

Belo Horizonte
Edições Nova Acrópole
2008
Coordenação Geral: Luís Eduardo Wexell Machado
Capa: Samuel Sebben Plentz
Editoração e Formatação: Silvana Perri Paoluzzi Dias
Revisão: Marcelle Barros Soares

Fundação Biblioteca Nacional


Departamento Nacional do Livro
Agência Brasileira do ISBN

176

Isasa, Michel Echenique & Husseini, Tala l & Camilo, Fabiano


Nei Kung: a trilha iniciática das artes marciais
Belo Horizonte: Nova Acrópole, 2008.

1. Artes marciais. I. Título.


CDD-796.8

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS PARA:

E D IÇ Õ E S N O V A A C R Ó P O L E L T D A
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Sumário

Prefácio 04

PARTE I
Introdução 07
1) Elementos Fundamentais das Artes Marciais 11
2) A Magia 14
3) A Estratégia 15
4) A Tática 16
5) A Técnica 17

Capítulo I 19
1) Fundamentos Filosóficos das Artes Marciais 19
2) Adenda ao Estudo da Tática 35
3) Filosofia Interna das Artes Marciais 45
4) A Estrutura de uma Escola Tradicional de Artes Marciais 58
5) A Doutrina da Guerra 68
6) Adenda à Estratégia 81

Capítulo II 88
1) Estudo de Probabilidades: o provável e o improvável 88
2) Bases Científicas Para Uma Teoria do Poder nas Artes Marciais 101

PARTE II
Capítulo I 111
1) O Nei Kung 111

Capítulo II 126
1) A Formação do Caráter no Nei Kung 126
2) Os Hexagramas Independentes 137
3) Os Hexagramas do Mushin-Do 147
4) Hexagramas Especializados 153
5) Hexagramas Intermediário 155
6) Hexagramas do Padrão Infinit o 211
7) Hexagramas Comemorativos 211
8) As Técnicas de Canalização do Potencial Inteligente, PI – Estagnação 219
9) O Nei Kung Infantil, Hexagrama Isolado Wei Chi 228

Capítulo III 258


1) A Tradição do Nei Kung 258
2) Os Centros Nei Kung em Correlação Com os Subcorpos da 262
Constituição Septenária
3) O Método Superior do Ensinamento Nei Kung 266
4) A Arte de Agir e se Mover Sem Corpo 270

PARTE III
Capítulo I 283
1) A Ação de Potencial Inteligente – Introdução 283
2) Aspectos Mágicos das Artes Marciais 288

Capítulo II 307
1) Tema I 307
2) Tema II 315
3) Tema III 340

PARTE IV
Capítulo I 346
1) Tema I 351
2) Tema II 383
3) Tema III 389
4) Tema IV 397
Prefácio

Quando, em um livro, encontramos a palavra “Trilha”, po demos estar certos de


que se trata de algo mais que um livro: trata -se de um desafio. Todos os caminhos são
desafios para aqueles que não se conformam em apenas ler e necessitam de algo mais:
necessitam viver o que estão lendo e comprová -lo por meio da própria experiência.
Esse é o objetivo do presente livro. Em suas páginas, encontraremos a genuína
experiência de quem pode comprovar, através da vivência pessoal, os conceitos que
formula.
Assim é Michel Echenique: homem cuja responsabilidade de pedagogo mui tas
vezes o impele a falar do desconhecido, para brindar seus discípulos com um
conhecimento comprovado.
Isso não se deve ao acaso. Michel é um idealista, um “aventureiro da vida”, um
homem que faz caminhos, digno discípulo de seu mestre, Jorge Angel Livra ga.
Nei Kung: A Trilha Iniciática das Artes Marciais é um dos poucos livros de
artes marciais que possui linha interna; talvez seja o único, pois suas técnicas revelam
uma verdade que subjaz entre as linhas. Este livro só servirá àqueles que tiverem o
critério dos honestos buscadores da Verdade; um critério “amplo”, que possa servir
como ponto de apoio para uma aproximação com a Filosofia.
Apenas estes saberão valorizar essa expressão de beleza interior, de harmonia e
de paz, em forma de livro. Talvez seja uma obra mais do que importante, pois é a obra
de uma vida.
Eu o vi trabalhar, tive a honra de compartilhar algumas de suas investigações e,
confesso, me surpreendi mais de uma vez.
Michel tem seu Dojo na própria Natureza e simplesmente aplica o que todos nós,
algumas vezes, aprendemos nas imortais páginas de A Voz do Silêncio, naqueles tão
formosos e sentenciosos versos que proclamam: “ajude a Natureza, trabalhe com ela e
ela te considerará um de seus benfeitores e te brindará com sua assistência”. Isso é o que
Michel tem conquistado em seu diálogo com a Natureza: uma obra cheia de vida, de
sentimento, de intuição, de beleza, de – permita-me dizê-lo – “genialidade”. E, se me
atrevo a tanto, é talvez porque conheço em parte o processo de geração do Nei Kung,
outrora conhecido como “a ação de potencial inteligente”.
Somente peço aos leitores que, quando percorrerem estas páginas, reflitam sobre
todos e cada um dos seus ensinamentos. Ler apressado, com o tempo curto, ansiando
terminar para fazer outras coisas, é “não ler”; é perder lastimosamente o tempo... Não se
trata de um livro acadêmico; estas páginas foram escritas por alguém que não só chegou
ao limite, como ultrapassou -o. Alguém que chegou ao ponto onde todas as nossas
crenças se derrubam, onde as opiniõ es e posturas são totalmente inúteis, onde nossos
conhecimentos baseados em conceitos pré -estabelecidos não funcionam. Alguém que
pode ir mais além, a um lugar onde podemos ser nós mesmos. É nesses momentos que
surge a realidade interior, quando se manifes ta todo o poder de nosso “eu superior”.
Resta, então, começar a caminhar pela trilha daquele que tem a expressão
inequívoca de “ter estado ali”. Iniciemos a grande aventura que o Mestre nos propõe,
tentando arrancar de cada página este segredo que pode nos aproximar cada vez mais da
realidade interior, para que se desperte em nós este fogo sagrado que nos impele à busca
da origem de todas as coisas.
Aqui e agora é possível realizar a grande obra de renascer para uma vida plena,
consciente e feliz. Nesta obr a, o mistério pode falar. Estás disposto a sacrificar tua
personalidade? Se não estás, não sigas adiante: será inútil e pode tornar -se perigoso.
Francisco Andrés Taboada
PARTE I
Introdução

Todas as artes marciais de caráter filosófico têm objetivos com uns que as
diferem das artes marciais de caráter popular.

Nas antigas tradições marciais, tanto orientais como ocidentais, encontramos


dois tipos de escolas:
 Escolas exotéricas
 Escolas esotéricas

As escolas exotéricas eram centros externos, públicos, nos q uais se educava o


povo em disciplinas básicas de caráter cívico -militar, com objetivos sociais, políticos,
religiosos, militares, etc.

As escolas esotéricas eram centros de estudos filosóficos para aqueles que se


destacavam acima do comum e para todos os q ue, tendo cumprido bem suas
responsabilidades sociais, familiares, etc., começavam a desenvolver interesses
superiores, de características mais transcendentes.

O objetivo das escolas filosóficas de artes marciais, também chamadas internas,


era a iluminação dos indivíduos. Por iluminação entendia -se a conquista da sabedoria,
ou seja, o conhecimento dos mistérios ou a iniciação espiritual. Também podemos
explicar estas duas funções, a social (exotérica) e a mística (esotérica), de outra maneira,
que, do ponto de vista filosófico, tem maior interesse e utilidade.

Ao mesmo tempo, estabelecerei uma comparação entre esta outra classificação


que nos ensina H.P.B. em A Voz do Silêncio, a qual corresponde ao manual prático de
“chela tibetano”, entendendo -se por “chela” aquele discípulo que aspira à sabedoria.

a) Estágio do movimento e busca do equilíbrio: Sala da Ignorância.


b) Estágio da energia interna ou verticalização dos elementos sutis: Sala da
Instrução.
c) Estágio da clarividência: Sala da Sabedoria.
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a) ESTÁGIO DO MOVIM ENTO

H.P.B. diz que este é o mundo no qual nascemos, vivemos e no qual vamos
morrer: o mundo de provas e de grandes sofrimentos no qual todos os homens estão
mergulhados.

Nas artes marciais, este mundo corresponde à dimensão do movimento, em que


se deve buscar o equilíbrio de todas as ações. Aqui impera basicamente a lei de causa e
efeito como polaridades que se opõem alternativamente.

Nas artes marciais, é estabelecido um desenvolvimento físico em função da ação


e da reação. Com o tempo, o praticante conse gue o equilíbrio destes dois aspectos,
chegando a harmonizar os movimentos e, com eles, suas ações cotidianas.

É uma dimensão pouco filosófica, já que o que interessa aqui é gerar uma
disciplina constante, baseada na prática intensa e no esforço pessoal. E ssa prática
corresponde, em geral, às artes marciais externas, nas quais os instrutores, tanto
orientais como ocidentais, não dão nenhum tipo de esclarecimento ou explicação. O
objetivo fundamental deste estágio é a busca do equilíbrio, formalmente falando ;
equilíbrio que produziria uma condição favorável para entrar no segundo estágio, o da
energia interior.

Ao mesmo tempo, é gerada neste equilíbrio uma grande eficiência técnica e


combativa por parte do praticante, e é importante entender essa eficiência d entro de um
campo concreto, formal e objetivo.

Estas escolas de caráter público simbolizariam, então, o terceiro aspecto da


natureza ou, como diríamos na Nova Acrópole, o aspecto correspondente ao 3° Logos
(inteligência, no subjetivo, e forma, no objetivo) .

b) ESTÁGIO DA ENERGIA INTERNA

H.P.B. diz que a sala da instrução é enganosa e muito perigosa, cheia de visões
psíquicas ilusórias. Tudo o que pode ser obtido neste plano é fatal para a evolução do
homem. Compara estes “logros” com flores belíssimas, sob as quais se encontram
serpentes venenosas enroscadas, prontas para envenenar aqueles que se apegam a estas
flores.
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Nas artes marciais, este mundo corresponde ao estágio da energia interior e sutil
do ser humano, no qual se trabalha sistemas de respiração, ri tmos biológicos,
desenvolvimento da imaginação, etc.

Os objetivos principais deste estágio são verticalizar, elevar e purificar a energia


interior e a mente. É um sistema de desbloqueamento de canais energéticos, de
desenvolvimento dos centros nervosos, et c.

Aqui há três aspectos que devem ser considerados e aos quais se deve dar a
maior importância:
 Fluxo respiratório: O praticante deve concentrar sua mente na inspiração e
expiração, a tal ponto que, pouco a pouco, perca a identificação com o corpo
físico e se identifique com a respiração;
 Ritmo cardíaco: Com a concentração na respiração, o praticante deve se
concentrar nas pulsações do coração até harmonizá -las com o ritmo
respiratório;
 Fluido nervoso: Simultaneamente, o praticante deve imaginar que o flui do
nervoso percorre todos os sistemas e se estende para além do corpo,
formando uma espécie de ovo brilhante, vibrante e de cor dourada.
Finalmente, deve harmonizar este último aspecto com os dois anteriores.

A prática constante nesse estágio gera um despr endimento de todo tipo de


energia grosseira, purificando e sutilizando os humores e aclarando ao máximo a mente
do praticante.

Esse estágio corresponde simbolicamente ao 2° Logos, ou aos aspectos de amor -


sabedoria, no subjetivo, e energia -vida, no objetivo.

É importante, nessa etapa, que o discípulo estabeleça uma linha de


discernimento clara e precisa, que lhe permita distinguir claramente sua própria
identidade, livre de qualquer outro tipo de condicionamento – fatores externos,
elementos desconhecidos do inconsciente, etc.
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c) ESTÁGIO DA CLARIVIDÊNCIA

H.P.B. nos fala da sala da sabedoria como a única região onde o discípulo deve
buscar o mestre, aquele que vai ensiná -lo a caminhar em direção à verdade.

Quando se refere ao mestre, não o faz de forma subjetiv a, mas sim de forma
concreta, como a única maneira de percorrer o caminho da evolução humana.

Nas artes marciais, esta sala corresponde ao terceiro estágio, o da clarividência.


Nesse estágio avançado, o praticante exercita -se em combate até alcançar a maes tria.
Nesse tipo de combate, o discípulo exerce um controle direto sobre suas emoções,
desejos, ansiedades, dúvidas, temores e medos.

Alcança esse estágio aquele que pode descobrir, com antecipação, os ataques
dos combatentes que enfrenta. Não é um combate violento, nem defensivo, nem
ofensivo: é um combate de antecipação total a qualquer iniciativa por parte dos outros,
seja para anulá-la ou superá-la, sem entrar em confronto. Corresponde ao aspecto do 1°
Logos: vontade e lei.
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1) ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DAS ARTES MARCIAIS

Os elementos fundamentais para a disciplina marcial são, em ordem de


importância:
a) Elemento mágico; b) Elemento estratégico; c) Elementos táticos e
d) Elementos técnicos

a) ELEMENTO MÁGICO

Corresponde à ligação natural que o guerreiro tem com o espírito da guerra


interior. É o mundo místico que desperta na alma do guerreiro a reminiscência em
forma mágica e súbita; é algo que se traz ou não se traz e corresponde exclusivamente
àqueles homens de natureza guerreira.

Aqui intervêm, como compl emento, os símbolos, o cerimonial, as cores, as


ordens, etc. Esse elemento mágico é o que dá ao guerreiro o poder de viver, de matar ou
de morrer.

b) ELEMENTO ESTRATÉGICO

Depois da magia, é na estratégia que o guerreiro encontra a vitória. A estratégia


é um elemento de discernimento que permite descobrir os limites, perigos, riscos e
possibilidades reais com que o guerreiro verdadeiramente conta em um dado momento.

Quem se engana aqui, forja sua própria derrota e, ao contrário, aquele que acerta
neste campo, assegura a vitória em alto grau.

A estratégia não está sujeita às circunstâncias ou ao inimigo, mas sim àquilo que
depende de cada guerreiro, e que este deve considerar somente em relação a si mesmo;
forma parte do mundo mágico místico e se estrutura em fu nção de um verdadeiro ideal,
até que este seja plasmado neste mundo.

Poderíamos dizer que o bom estrategista é aquele que vence as provas e


dificuldades que impedem o ideal superior do bem, da verdade e da justiça de se
manifestarem neste mundo. Uma vez qu e tenha superado tudo, consegue que esse ideal
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se torne uma possibilidade completa, tanto para ele como para os demais. Diante disso,
não cabem desculpas, já que vence ou simplesmente fracassa.

A estratégia é algo subliminar que carece de argumentos pseudo -racionais e que


nunca poderia ser explicada fora de um contexto de discipulado direto e sem um alto
grau de domínio da disciplina marcial. Está para além do bem ou do mal,
convencionalmente falando; está para além do gosto e do desgosto e é definitivament e a
doutrina da guerra interior.

c) ELEMENTOS TÁTICOS

Correspondem a valores axiológicos que se enquadram em leis precisas e


específicas. Nascem com base na observação do inimigo e do campo de batalha das
próprias forças.

Existem dois tipos de tática:


 Táticas convencionais: são adquiridas mediante o estudo e práticas
constantes. Cada escola geralmente tem sua tática própria que a caracteriza e
que normalmente é guardada com muito zelo.
 Táticas naturais: surgem em função da experiência e das qualidades própria s
de cada combatente. As que dão um bom resultado são incluídas nas táticas
convencionais.

Estes dois tipos de táticas vão configurando o acervo técnico que cada escola ou
grupo de guerreiros desenvolve através do tempo em que a escola estiver em vigência .

d) ELEMENTOS TÉCNICOS

Desejo ressaltar que as técnicas marciais não surgem do combate rotineiro – pelo
menos não nas escolas superiores. Elas surgem em função do elemento mágico,
estratégico e tático.

As distintas técnicas de artes marciais não têm um valo r absoluto, como às vezes
se pensa; ao contrário, guardam valores simbólicos e respondem melhor a uma
necessidade inteligente e não mecânica.
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Quem se mecaniza tecnicamente é facilmente vencido por qualquer estrategista -


tático. A importância de qualquer téc nica é sempre de caráter secundário e o que mais
interessa é desenvolver os três elementos superiores.

A aquisição de uma boa técnica é feita com o desenvolvimento dos três


elementos superiores e dos aspectos complementares a toda técnica, que são discipli na,
energia interior e um corpo vigoroso, saudável e bem constituído.
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2) A MAGIA

É o elemento usado pelas escolas esotéricas ou secretas, como a escola Ninjutsu.


Essas escolas têm um ideal de vida de caráter superior e trabalham de forma
hierárquica, a fim de desenvolver um plano de serviço à humanidade.

O elemento mágico se manifesta nessas escolas devido à alta qualidade dos


guerreiros que a compõem, além do grau de militância intensa que desenvolvem e do
destino próprio e inerente à sua natureza de guer reiros. Esta magia se traduz em um
poder interno, que se desenvolve gradualmente, aumentando sua intensidade até limites
inimagináveis.

São escolas místicas que transmitem o conhecimento por meio de sistemas de


iniciações graduais. O elemento mágico é tran smitido no aspecto pedagógico por meio
de mitos, símbolos, cerimônias, pactos, juramentos, uniformes e provas que o guerreiro
deve superar.

Esse poder mágico não é comum a qualquer homem. Ou se nasce com ele ou
não se nasce com ele. Somente aqueles que pos suem o poder interno podem ingressar
nesse tipo de escola, porque esses são guerreiros; os demais devem se contentar com
escolas externas, ou desenvolver somente os graus básicos da escola mágica.

É nesse elemento mágico que se sustenta o verdadeiro poder e eficiência do


praticante de artes marciais, e quem o possui tem em si mesmo o poder da vida e da
morte.
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3) A ESTRATÉGIA

Corresponde à doutrina da guerra interior ou ao conhecimento propriamente


dito. A referência dessa doutrina é sempre interior e o gue rreiro se torna estrategista à
medida que se conhece e se domina.

Toda batalha propõe problemas que o estrategista deve revolver. Esses


problemas desafiam a inteligência, a sabedoria e a vontade do estrategista, sempre no
sentido de enigma interior.

O bom estrategista deve se preocupar fundamentalmente em não cometer erros.


Essa é uma luta que se delineia no interior do guerreiro, por isso se chama Doutrina da
Guerra Interior.

Um dos maiores estrategistas que a história humana conheceu foi Siddhârta


Gautama, que dizia:

“Melhor que aquele que venceu mil guerreiros em combate é aquele que venceu
a si mesmo, o discípulo do iluminado”.

DHAMMAPADA

O princípio fundamental da estratégia se fundamenta na compreensão do Eu


superior através da inteligência, a qual de ve evitar qualquer coisa que possa ocultar tal
contemplação.

O inimigo e o fragor do combate não podem fazer o guerreiro perder a clara


visão do seu ideal. A estratégia consiste também em nos conhecermos a nós mesmos,
em relação aos nossos limites e às nos sas virtudes.

À medida que o estrategista se torna mais esclarecido a este respeito, também


conquista maior experiência e sabedoria. Não podemos deixar que o inimigo nos leve
além de nossas possibilidades nem que ofusque nossas virtudes.

A boa estratégia é uma arte que se elabora ao longo de toda uma vida e
geralmente fora dos campos de batalha, pois aqui já não há tempo para refletir; nas
batalhas, só há tempo para as táticas efetivas.
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4) A TÁTICA

Existe uma base referencial em toda obra tática que deve ser considerada em
primeiro lugar. Esta primeira referência nasce da relação que se estabelece entre o
sentido interno de ordem e harmonia do estrategista e todas aquelas coisas que,
provenientes do inimigo, tentam desestabilizar esse sentido interno, ordenad o e
harmônico.

A partir desta base de referência ideológica, surge um segundo fator tático, que
se estrutura em função dos erros que o inimigo comete em relação à ordem e harmonia
interna – erros que, sem dúvida, serão explorados por todo bom tático.

O erro do inimigo só prejudica a ele mesmo, não só em relação à boa tática,


como também em relação à própria natureza das coisas, o que é ainda mais prejudicial
para ele. O tático não deve começar a explorar os erros do inimigo de maneira direta,
mas deixar que eles se acentuem e, com o tempo, se transformem nos fatores
fundamentais da sua auto-destruição.

O terceiro fator de importância na tática é descobrir a tempo a linha de ação


necessária para manter o equilíbrio das forças próprias e não perder jamais a in iciativa
com respeito a essa linha de ação.

O quarto fator é estudar de maneira profunda e constante o inimigo e seus


movimentos. O quinto fator é estabelecer meios que mantenham o tático sempre
informado do que acontece nas linhas inimigas e o sexto fator é o de não atacar até não
se esteja seguro da vitória.

Finalmente, posso dizer que o sétimo fator de importância é o de poder levar a


decisão tomada até o fim e às últimas conseqüências, sem duvidar e sem trocar os
planos que foram traçados depois de have r realizado os seis fatores anteriores.
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5) A TÉCNICA
Chegamos à concretização das artes marciais. A técnica surge como
conseqüência do desenvolvimento dos elementos mágico, estratégico e tático e deve
refletir da maneira mais fiel possível todos os outros elementos.

A técnica é a arte de manifestar as idéias e os conceitos, os objetivos e as


conquistas do espírito mágico da guerra interior. O ato de recriar neste mundo os ideais,
poderes e forças do mundo superior é o caminho da técnica.

Existem diferentes técnicas, q ue poderíamos classificar do seguinte modo:

a. TÉCNICAS ADQUIRIDAS
São transmitidas de geração em geração e formam parte da tradição marcial.

b. TÉCNICAS SÚBITAS
Surgem no transcurso da luta como fatores decisivos da vitória.

c. TÉCNICAS SIMBÓLICAS
São conquistadas iniciação mágica e cumprem três funções:
 Técnicas secretas de vida e de morte, de caráter decisivo e de
supremacia.
 Técnicas filosóficas, que transcendem o valor temporal do combate em
busca da compreensão da verdade.
 Técnicas mágicas, que levam o guerr eiro a participar de uma dimensão
mística e superior.

d. TÉCNICAS SECRETAS
Conhecimento de plantas e ervas para curar feridas; golpes em pontos vitais
para reanimar ou matar; armas estratégicas para anular ou superar as armas
convencionais, etc.

e. TÉCNICAS FILOSÓFICAS
Danças cerimoniais; sinais com as mãos; técnicas geometrizantes; técnicas
específicas de ataque e defesa; seqüência de movimentos programados, etc.
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f. TÉCNICAS MÁGICAS
Palavras e gritos de poder; técnicas psicológicas e parapsicológicas;
sistemas específicos de respiração e de canalização de algum tipo de energia
sutil; desdobramentos da consciência; liberação do potencial interno, etc.
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Capítulo I

1) FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS DAS ARTES MARCIAIS

a) A DIMENSÃO MÁGICA

O contexto esotérico das artes marciais implica um caminho iniciático conhecido


como “pequenos mistérios”. Esses pequenos mistérios se estabelecem por meio de
mitos, que nos transmitem a relação entre o mundo divino e o mundo humano, ou seja, a
relação entre os deuses e os guerreiros.

Tais mitos determinam-se por meio de uma estrutura simbólica, que mostra
vários ciclos ou períodos correspondentes a uma seqüência ordenada, que cumpre com a
função pedagógica de transmissão do mistério da guerra no cosmo, na natureza terrestre
e no homem.

Essa seqüência mítica se desenvolve através das seguintes idéias:


 As origens: mito das origens;
 A idéia do centro: mito do eixo do mundo;
 A renovação do ciclo: mito do eterno retorno;
 O rei do mundo: mito avatárico;
 A obra fundamental: mito da saga do guerreiro;
 A apoteose: mito do herói.

Toda tradição guerreira, tanto entre os povos orientais quanto entre os


ocidentais, começa em “outro tempo”, um tempo antigo e primogênito que coincide
com o advento de um ser mítico: o Deus da Guerra. É um tempo sagrado no qual to das
as coisas têm um valor mágico e misterioso.

Nessas origens, o Senhor da Guerra funda o mundo com regras e certos poderes
de caráter mítico, assentando o eixo ou centro real do mundo. Através desta fundação,
institui-se a primeira dualidade, que corresp onde à relação entre esse eixo, ou centro do
mundo, e a região do mundo exterior que o rodeia. Formam -se dois exércitos contrários,
estabelecendo-se a primeira guerra de caráter celeste ou divino.
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Esse mito das origens termina quando os dois exércitos se enfrentam,


destruindo-se simultaneamente. Mas finalmente persiste uma idéia, que é a do centro ou
eixo do mundo, e é neste eixo que o ciclo se renova.

O mito do eixo do mundo é transmitido a um novo ser mítico, transmutação


estrelar do anterior. Este segun do rei volta a fundar o mundo, fixando uma “ilha
sagrada” e repetindo os mesmos procedimentos mágicos de seu antecessor.

Nesta ilha sagrada, constrói um exército de fantasmas, que se digladia


finalmente contra outro exército que simultaneamente começa a ex istir em volta da ilha.

Antes da batalha final, o rei mítico transmite seus poderes a seu herdeiro através
de uma espada ou lança sagrada, ou os símbolos de poder da realeza.

Quando a ilha sagrada cai, junto com todos os exércitos, o herdeiro foge com
suas pequenas forças para fundar outra ilha sagrada, que agora se transformará em um
belo e mágico castelo.

Neste novo ciclo, o herdeiro, agora como rei, realiza o sacrifício de renovação
do ciclo e funda as dinastias reais. Instaura -se, então, uma tradição que corresponde às
origens, ao primeiro centro do mundo e ao rei divino, que deu nascimento à tradição de
que tanto aquele rei quanto o que governa no mundo divino – o rei do mundo –
transfiram todo o seu poder ao sucessor humano que o representará entre os homens
como seu rei.

A partir deste momento, assenta -se a tradição de que este rei do mundo voltará
uma e mil vezes, por meio dos reis humanos, quando for necessário, com o objetivo de
restabelecer a ordem, a paz e a justiça.

Depois que toda essa tradição mítica se fundamenta entre os homens, o herdeiro
mantém-se pelo poder que um sábio legendário lhe confere, acompanhando -o nos
momentos difíceis, aconselhando -o e transmitindo-lhe segredos da guerra.

Assim, o rei começa a chamar guerreiros de fama e renome para torná-los


cavaleiros a serviço de um plano de ajuda à humanidade e para defendê -la e protegê-la
contra seus inimigos, que querem tiranizá -la e explorá-la.
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Pela primeira vez, os cavaleiros realizam façanhas em nome do rei, símbolo das
tradições nobres, até que, estando todos preparados, o rei lhes dá a ordem de iniciar a
saga da conquista dos objetivos divinos e do reencontro com o senhor do mundo.

Finalmente os cavaleiros voltam, já iniciados nos mistérios da guerra junto ao


rei, para sustentar a últim a batalha contra o usurpador e suas hostes. Aqui, dá -se a
apoteose na qual todos morrem, salvando -se somente o rei, que abandona este mundo e
vai para a ilha sagrada, de onde algum dia retornará novamente para conduzir os
guerreiros ao mundo divino.

Esta série de ciclos míticos pode ser encontrada entre ocidentais e orientais,
indistintamente, como por exemplo:
 Mito de Quetazlcoatl - maias e astecas;
 Mito de Viracocha Inca - tiahuanacotas e quéchuas;
 Mito de Artur - celtas e europeus em geral;
 Mito de Krishna e Arjuna - arianos;
 Mito de Kwan-Ti - chineses;
 Mito de Marte - romanos;
 Mito de Bodhidharma - chineses e japoneses.

b) A DIMENSÃO ESTRATÉGICA

É formada por escolas esotéricas de artes marciais nas quais se ensina a doutrina
da guerra interior, que as fun damenta no desenvolvimento filosófico do contexto mítico
de dimensão mágica.

Esta doutrina se estrutura em função de certas idéias fundamentais:


i. A aquisição de um ideal transcendente;
ii. Os mestres de sabedoria;
iii. O discipulado;
iv. A imortalidade da alma;
v. As qualidades da natureza;
vi. Os obstáculos para conquistar a sabedoria;
vii. A ilusão do mundo;
viii. A realidade superior;
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ix. As provas iniciáticas;


x. A iniciação.

i. A AQUISIÇÃO DE UM IDEAL TRANSCENDENTE

Todo guerreiro que se preza deve assumir o compromisso com o ideal dos
guerreiros; deste compromisso surge o sentido de predestinação, que impulsiona forças
poderosíssimas no coração do guerreiro.

Este ideal traz consigo a força de tradição dos guerreiros, o sentido da nobreza e
a ordem de cavalaria, com os códigos e valores estrutu radores do caráter do cavaleiro.

Por outro lado, devemos considerar que as causas que motivam um guerreiro são
somente as justas e gloriosas, as quais só podem ser encontradas no ideal. No ideal
transcendente, o guerreiro encontra o laço que o une aos deus es e, desse laço, surge o
pacto histórico que o distingue e o autoriza a protagonizar a saga histórica.

A necessidade o levará a buscar aquele que o indicará no conhecimento da


guerra interior, o “mestre”.

ii. OS MESTRES DE SABEDORIA

Essa idéia é encontrada em todas as escolas de artes marciais que representam o


ideal guerreiro; este ideal impulsiona os homens de valor a buscarem um centro de artes
marciais para resolver seus assuntos.

Essas escolas sempre contam com um mestre que conhece certos mistérios, os
quais transmite a todos aqueles que respondem às propostas apresentadas, que estão à
altura do desafio e que superaram as provas iniciais.

Geralmente esse mestre possui uma sabedoria muito acima do comum e declara
ser discípulo de outro sábio, ainda superi or a ele mesmo. Se continuarmos nesta
progressão, encontraremos uma verdadeira genealogia de mestres e discípulos,
estruturada em função de uma clara e firme hierarquia. Esta hierarquia configura uma
espécie de pirâmide evolutiva cuja cúpula superior se pe rde por detrás das nuvens, que
ocultam um mundo mágico e mítico, carregado de lendas, histórias de super - homens,
etc.
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Este mundo misterioso seria dos mestres de sabedoria, que se estabelecem como
ponte entre os deuses e os discípulos pertencentes a essas escolas.

iii. O DISCIPULADO

Aqui está a condição que todo guerreiro deve ter para participar da fraternidade
dos sábios e instrutores que conhecem a trilha ou caminho das artes marciais.

Este caminho tem como base três virtudes fundamentais:


a) Investigação
b) Devoção
c) Serviço

Esses três elementos acompanharão o guerreiro por toda a sua vida,


caracterizando-o como um discípulo aspirante aos mistérios da guerra. É o discípulo
quem levanta pela primeira vez os olhos da alma para o alto e contempla o reflexo do
bem, da justiça e da verdade. Esse reflexo se constituirá em seu verdadeiro e mais
profundo sentido de vida.

Nesse caminho, encontraremos os maiores guerreiros que existiram em um dado


momento, constituindo a fraternidade dos guerreiros. É nessa fraternidade que o espírito
da guerra se manifesta, através de mestres e instrutores, para ensinar as verdades que
levam o guerreiro à verdadeira realização.

Essas verdades constituem a Doutrina da Guerra Interior.

iv. A IMORTALIDADE DA ALMA

Além do corpo, existe a inteligência que o anima. Além da energia que vivifica
todas as coisas, está a força que a anima. Além dos sentidos, está o ser que os dirige.
Ser, inteligência e força são a alma do guerreiro, a qual participa do espírito de
imortalidade.

Fora desse espírito, tudo é impermanente e carece de um valor real; para que o
guerreiro-discípulo possa expressar para si e para os demais tal espírito, deve lutar
contra todo o impermanente, até vencê -lo.
24

Nessa doutrina, ensina-se que a alma não morre quando morre o corpo, apenas o
abandona, para em outro ciclo voltar em outro corpo, e assim tantas vezes quantas
forem necessárias para vencer a atração terrestre e se impulsionar por si mesma até o
ideal mais nobre. Para isso, ele deve coordenar, em um todo harmônico e com grande
sabedoria, as qualidades da natureza.

v. AS QUALIDADES DA NATUREZA

A Doutrina da Guerra Interior, ou doutrina filosófica, ensina que o Ser é livre de


toda qualidade material e que tudo o que acontece na natureza pertence somente a ela. A
lei da ação e reação é a lgo que não alcança a inação e, por conseqüência, o Ser; o Ser é
eterno e a natureza do Eu do guerreiro é a do Ser, ou inação, e não a do não -Ser, ou
ação.

Esta doutrina também ensina que, entre o mundo do Ser e do não -Ser, se
estabelece a consciência, que é dinâmica e responde a leis e comportamentos
específicos, os quais precisamos entender para “separar o espírito da matéria” através do
discernimento, pois, na prática, ambos se encontram indissoluvelmente unidos.

Essa unidade é apenas conceitual e ideal e só pode ser realizada através de uma
compreensão profunda ou de uma reflexão da consciência, a qual está cercada de
obstáculos que devem ser vencidos para que o guerreiro surja acima da dualidade.

vi. OS OBSTÁCULOS PARA CONQUISTAR A


SABEDORIA

Esses obstáculos são a ignorância, perda de discernimento, apego, dúvida,


desejo, medo e paixão desenfreada. É na paixão desenfreada que o guerreiro perde a
identidade própria e se fragmenta em muitos pedaços que, por falta de coesão, não
podem ser unidos.

A doutrina ensina que esses obstáculos devem ser superados um a um, até
reconstruir a dinâmica lógica e racional da alma. Dominando a paixão, controla -se o
medo. Superando o medo, controla -se o desejo. Controlando o desejo, vence -se a
25

dúvida. Extirpando a dúvida, despr ende-se do apego. Sem apego, reconquista -se o
discernimento e, dirigindo o discernimento, encontra -se a verdade.

A verdade mostra o ilusório do mundo e a realidade.

vii. A ILUSÃO DO MUNDO

De acordo com os guerreiros, o mundo é um grande feiticeiro que encanta os


sentidos, sobrepondo uma imagem ilusória à realidade. Tal imagem subjuga os sentidos
e a mente até produzir na consciência uma falsa impressão, que engana.

Quando isso acontece, o guerreiro fica preso à ilusão e se transforma em um


escravo dos sentidos. É nesse ponto que a estratégia e a tática tornam -se preponderantes.

As escolas filosóficas de artes marciais ensinam os guerreiros a descobrirem o


engano e a lutarem contra as cadeias que os atam à ilusão, até se libertarem de todas
elas. Essa libertação é conquistada na medida em que o discípulo compreende a
realidade.

viii. A REALIDADE SUPERIOR

A realidade não se encontra em um lugar determinado e nem pode ser definida


em termos concretos; é um estado implícito em todas as coisas e depende de uma
correta visão do Universo, de uma súbita compreensão da verdade e de se descobrir o
grande engano exercido pela ilusão. A partir desse estado de compreensão mental -
filosófica, o guerreiro enfrenta suas provas.

Aqui ele recorda seu passado em termos míticos, intuitivo s e filosóficos e


entende qual é seu papel histórico e seu lugar no mundo dos guerreiros. Tudo isto lhe
permite reencontrar o espírito da guerra, o qual o acompanhará até que supere todas as
provas.

ix. AS PROVAS INICIÁTICAS

São de duas naturezas: teóricas e práticas. Nelas se encontram implícitas toda a


carreira e obras do guerreiro. Essas provas se traduzem simbolicamente em portas ou
26

portais, que devem ser transpostos claramente para continuar avançando em direção à
meta e à realização final.

As provas correspondem aos símbolos de terra, água, ar e fogo. Cada um desses


elementos exige do discípulo virtudes e conhecimentos específicos, nos quais intervêm
fundamentalmente a vontade, a inteligência e a consciência mental.

À medida que o guerreiro supera essas p rovas, torna-se mais brilhante e eficaz,
envolvendo-se cada vez mais em um halo de glória e de vitória. Esse espírito o guiará
até o último portal: “a iniciação”.

x. A INICIAÇÃO

Esse ponto se encontra geralmente encoberto por uma atmosfera de mistério,


lendas e mitos, nos quais intervêm seres fabulosos, que às vezes ajudam o candidato e,
outras vezes, atacam-no.

Não podemos separar, nessa dimensão, o mítico do filosófico, já que a iniciação


é una e implica indissoluvelmente, tanto na teoria como na prática, a mbos os aspectos.

O que podemos saber através das tradições marciais é que, depois dela, o
guerreiro se transforma em um Ser divino ou semidivino e passa a ser considerado um
sábio, mestre ou instrutor superior, cuja experiência e sabedoria o converte em u m novo
arquétipo dos guerreiros que virão depois dele e tentarão seguir suas pegadas. Adquire
também uma condição de gênio tutelar, inspirador de novas escolas de artes marciais
que mantêm essa mesma tradição.

c) A DIMENSÃO TÁTICA

O tático deve ser um homem maduro, que possua ao mesmo tempo um ideal
superior de caráter humanista e que esteja inscrito no plano evolutivo da humanidade.

O tático não esquece jamais esse ideal, que tem para ele a máxima importância.
Poderia dizer, com certeza, que a melhor tática é aquela que permite que o ideal triunfe
sobre tudo e isso se constitui como eixo central do conhecimento tático.
27

O bom tático sempre evita a guerra e não entra em batalha se seu ideal não está
em jogo e pode continuar progredindo. Somente no caso de o in imigo tê-lo descoberto e
de possuir alguma possibilidade de impedir a plasmação do ideal, o tático aceitará a
guerra.

Na guerra, a tática é estabelecida piramidalmente, existindo nesta pirâmide duas


naturezas: a natureza da inação e a natureza da ação.

Na tática sempre deve existir um pólo fixo, que não se move, que não muda e é
totalmente estável. Em contrapartida a esse pólo fixo, deve existir o pólo móvel, o qual
se adapta constantemente, se transforma vertiginosamente e está em condições de mudar
tudo em um dado momento.

A natureza da inação corresponde ao pólo fixo e a natureza da ação corresponde


ao pólo móvel. O pólo fixo se concentra no topo da pirâmide ou da montanha e é
rodeado por todos os estandartes, símbolos e oficiais mais heróicos e destacado s. O pólo
mágico se alinha piramidalmente, em ordem, ao mando de cada oficial de maior
competência, em relação à arma que dirige.

Esta ordem é instituída em relação aos quatro elementos, em posição da maior à


menor: fogo, ar, água e terra.

A tática se aplica indistintamente tanto no geral quanto no particular ou


individual. Seu sentido não muda diante do número de combatentes; o que muda são
somente as estruturas, as que ainda guardaram equivalência em relação à guerra entre
exércitos, ou melhor, de um indi víduo contra outro.
28

GRÁFICO N o 01

PÓLO FIXO
FOG
O

PÓLO AR
MÓVEL
Á GU
A
TERR
A

GRÁFICO No 02

PÓLO FIXO PÓLO MÓVEL

FOGO
AR
ÁGUA
TERRA
29

GRÁFICO No 03

SEÇÕES

PIRÂMIDE

ÂNGULO
DE FORÇA

CIRCUNFERÊNCIA ELEMENTOS

GRÁFICO No 04

PODER DE GUERRA
SENHOR DA GUERRA

FORÇAS MILITARES ESTADO MAIOR


CONVENCIONAIS CONJUNTO (FOGO)
PÓLO MÓVEL AVIAÇÃO (AR)
MARINHA (ÁGUA)
EXÉRCITO (TERRA)
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i. A TÁTICA INDIVIDUAL

Quando dois guerreiros se enfrentam, a tática evolui a partir dos seguintes


passos:
 Produção da dimensão mágica;
 Garantia do elemento estratégico;
 Estudo e captação do inimigo;
 Domínio do inimigo;
 Destruição da resistência do inimigo;
 Reabilitação do inimigo.

A criação da dimensão mágica se dá por meio da impostação do caráter, unindo


a vida e a morte ao sentido de destino histórico. Viver ou morrer são coisas naturais no
destino de todo guerreiro e este deve aceitá -las com naturalidade. Compreendido ist o, o
Wa, ou espírito do guerreiro, se manifesta, gerando o Kime, ou força concentrada. Este
Wa será, então, o pólo fixo que se manifesta no alto da guarda do guerreiro, a montanha
que não se move.

A estratégia é garantida pelo padrão de movimentos estáveis – não sujeitos a


nenhum tipo de influências do inimigo –, que o guerreiro deverá manifestar através do
movimento de sua guarda, o qual responde a um plano definido, independente, de
grande resolução e iniciativa. Aqui o guerreiro deverá exercer um control e eficiente de
fatores como medo, insegurança, ansiedade, desejo, dúvida, etc. Esse aspecto
corresponde ao elemento fogo.

O estudo e a captação do inimigo corresponde ao elemento ar e é a dimensão


psicológica do guerreiro. Aqui se observa o inimigo, estuda ndo sua defesa, seus
movimentos em geral, o alcance de suas armas naturais ou criadas, seus defeitos e
debilidades, seu ritmo, etc. Todo bom tático deve possuir chaves de interpretação rápida
de todos os fatores positivos e negativos de seu inimigo e deve confiar plenamente
nelas. Estas mesmas chaves servirão depois para captar o inimigo, roubando -lhe ou
levantando-lhe a guarda, com o que se assegura o próximo passo, que é dominá -lo.

Dominar o inimigo: este aspecto corresponde ao elemento água e se expressa


através do Ki, ou energia, quando esta se projeta para ocupar a guarda do inimigo ou
para defender a sua própria guarda. A energia interior protege as possíveis vias de
31

entrada do inimigo e penetra as defesas do inimigo pelas mesmas vias, até superá -las
totalmente. Aqui o Wa do inimigo se retrai, fazendo com que a guarda se debilite
completamente. Nesse instante, o Wa do guerreiro vencedor se manifesta em totalidade
(Kime), transbordando completamente ao contrário.

Destruir a resistência do inimigo: este f ator corresponde ao elemento terra, que


avança de forma concreta sobre todas as linhas de defesa debilitadas até destruí -las
sistematicamente, incluindo focos isolados de resistência. Com isso, o inimigo cai
definitivamente, sem possibilidade de contra -ataque, e a vitória se mostra acima de
qualquer outra coisa.

Reabilitar o inimigo: quando possível, o bom tático reabilita seu antigo inimigo
usando a admiração e respeito que tomou conta de seu adversário e transformando -o em
um guerreiro aliado, seja como s eu subalterno direto ou como um mando complementar
do plano tático do vencedor. Caso o vencido não possa ser reabilitado, será anulado com
o medo que tomou conta dele mesmo e será mantido sempre à distância e em uma
lentíssima integração, fundamentalmente justa.

d) DIMENSÃO TÉCNICA

Nesta dimensão, é fundamental refletir de maneira clara sobre as três dimensões


anteriores, já descritas. Podemos dividir a técnica em três grandes grupos: técnicas de
defesa, técnicas de ataque e técnicas mistas.

As técnicas de defesa podem ser classificadas em técnicas de bloqueio, técnicas


interceptoras, técnicas de esquiva e técnicas de projeções. É fundamental executar esse
tipo de técnica com segurança e precisão, com o objetivo de proteção.

As técnicas de ataque podem ser téc nicas de golpes (percussão), técnicas de


antecipação, técnicas de transbordamento (ultrapassar limites), técnicas de perseguição,
técnicas desconcertantes e técnicas de destruição. Nesse tipo de técnica, é fundamental o
fator surpresa, a eficácia e a supre macia.

As técnicas mistas são a união de ambos os conceitos: defesa e ataque


simultâneos.
32

Finalmente, para que a técnica cumpra sua função, deve existir no guerreiro uma
grande disciplina, uma clara virtude e um ardente desejo de conquistar a glória e a
vitória. Considerando a técnica como um meio e não um fim, devemos defini -la dentro
dos conceitos mágico, estratégico e tático, sendo a própria técnica uma representação
empírica e simbólica de todos eles. A técnica sempre deve nascer a partir da vontade, d a
inteligência e da consciência, como um todo ordenado e harmônico.

i. TÉCNICAS DE DEFESA

As técnicas defensivas devem contar sempre com um depósito de energia


suficiente para suportar o ataque do inimigo, até desgastá -lo totalmente. A energia de
ataque ou defesa deve considerar um potencial de reserva superior ao usado, pelo menos
80% a mais. Somente quando o lutador sabe como usar a energia do inimigo, a reserva
pode ser menor que 80%, mas nunca menor que um terço a mais da energia usada.

As técnicas de bloqueio servem para deter o ataque do inimigo antes de que ele
atinja seu objetivo. Devem ser usadas com flexibilidade e capacidade de absorção do
ataque, já que devem continuar intactas para novo uso em qualquer momento.

As técnicas interceptoras servem par a deter o ataque do inimigo antes que ele se
fortaleça em seu avanço, por meio de vetores de tempo e espaço ou trajetória, se
possível antes que o inimigo efetive seu ataque. Devem ser realizadas com muita
consciência e seriedade, já que são técnicas que e ncerram grande risco e perigo.

As técnicas de esquiva servem para anular e desequilibrar o ataque do inimigo.


Devem ser usadas com grande presença de ânimo e muito reflexo e geralmente
produzem um grande desconcerto no atacante. Não devem jamais ser usadas sem
necessidade e devem ser feitas no último momento do ataque, no qual o atacante já
conta com a execução de seu trabalho.

ii. TÉCNICAS DE PROJEÇÕES

Têm como objetivo usar o desequilíbrio do ataque inimigo e projetá -lo para além
dos limites possíveis. São u tilizadas no corpo a corpo ou quando o inimigo ultrapassa as
defesas e devem ser feitas com muita base, equilíbrio geral e vigor.
33

Cabe destacar que uma boa defesa deve contar com uma notória resistência à dor
e, quando possível, superação da mesma.

iii. TÉCNICAS DE ATAQUE

Devem contar com boas linhas de abastecimento de força e de energia, as quais


devem ser definidas a qualquer custo. Estas linhas de abastecimento guardam relação
direta com o sistema de respiração e ritmo sincronizado, que se devem manter
constantes com as seqüências de ataque.

iv. TÉCNICAS DE GOLPES

Têm como objetivo causar impacto no inimigo, com armas naturais ou criadas, e
buscam desarticular seu sistema de combate. Devem ser aplicadas claramente, sem que
o inimigo possa responder a elas, caus ando danos às armas ou ao ataque em geral.
Também devem ser efetuadas com base em espaços reais na defesa do inimigo, nunca
ao ar ou sem intenção verdadeira. Não podem ser efetivadas com força bruta e sim com
muito estilo técnico.

v. TÉCNICAS DE ANTECIPAÇÃO

Têm como objetivo fundamental ganhar a iniciativa, quebrando os momentos de


inércia, e gerar no inimigo um sentimento de impotência. Devem ser feitas com muita
decisão e valor, com sentido de risco, sabendo absorver o fracasso, no caso de não
triunfar.

vi. TÉCNICAS DE TRANSBORDAMENTO


(ULTRAPASSAR LIMITES)

Têm como objetivo quebrar as guardas e as defesas do inimigo. São usadas


quando o inimigo é muito estável e sólido nas defesas e devem ser feitas com muita
persuasão, firmeza e vigor. São técnicas muito espec ializadas, que exigem grande
aperfeiçoamento e precisão técnica; ao contrário, encerram grande risco, que é melhor
não correr.
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vii. TÉCNICAS DE PERSEGUIÇÃO

Consistem em técnicas de fundo, de contrapé, de impulsos, etc., que têm como


objetivo caçar inimigos esco rregadios e altamente movediços. Nunca devem ser feitas
com ar de superioridade; devem, pelo contrário, ser muito medidas e sobriamente
calculadas. Devem-se considerar fatores psicológicos negativos, como, por exemplo, o
desconcerto, o cansaço, o desespero , etc., e devem ser realizadas pacientemente e a
longo prazo.

viii. TÉCNICAS DESCONCERTANTES

São usadas para quebrar os esquemas mentais do adversário e para surpreendê -lo
defensiva ou ofensivamente. É necessário muita imaginação, mentalidade
desconflituada e soltura, pois são técnicas adicionais de difícil aquisição e domínio.

ix. TÉCNICAS DE DESTRUIÇÃO

Têm como finalidade encerrar o combate. São as técnicas mais difíceis de


dominar, pois implicam que aquele que as sustenta deve ter um poder de guerra real. Só
podem ser usadas em momentos especiais de caráter mágico e definitivo. Aconselha -se
usá-las uma vez que se tenha dominado o inimigo em, pelo menos, 60%. Ainda que não
se limite seu uso a estas condições, podem ser usadas sempre dentro de um critério sério
e maduro. Guardam relação com pontos vitais e com conhecimentos relativos a reservas
de Ki notavelmente poderosas, não enquanto força bruta, mas como poder de penetração
do Ki liberado, ao ponto de afetar o inimigo de forma contundente e definitiva.
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2) ADENDA AO ESTUDO DA TÁTICA

a) TÁTICA DE COMBATE NAS ARTES MARCIAIS

Em relação à tática, acrescento uma adenda em que faço uma exposição


detalhada do conjunto de elementos táticos, recompilados através da tradição milenária
das artes marciais e do esforço somado de muitos mestres e discípulos guerreiros.
Captar o poder das táticas marciais é próprio de praticantes com muita
experiência e com uma longa trajetória no caminho da arte marcial. A tendência
generalizada dos praticantes novos é a de se apoiarem nos momentos de desespero, no
meio da luta, em recursos técnicos e físicos, esquecendo os recursos filosóficos que, por
serem mais simples, dão a impressão de serem pouco úteis nos momentos de limite.
Pelo contrário, aqueles que conhecem as sensações nascidas no comba te não se
deixam enganar, pois sabem que a aplicação efetiva das táticas evita cair nas
circunstâncias desesperantes do combate cego e irracional.
A aplicação tática, de acordo com a tradição, mais do que uma fórmula, é um
modo de vida, que emana de uma do utrina marcial refletida nos códigos guerreiros
quanto à sua prática e compreensão e também em relação aos valores marciais que os
constituem.
Outro motivo pelo qual os elementos táticos são difíceis de aplicar é que, antes,
é necessário dominar os desejos e aprender a esperar, o que é difícil para os praticantes
novos. Outro fator é a existência do medo, que deve ser subjugado para que o “instinto
tático” possa se manifestar.
Há um provérbio que diz: “O covarde morre milhares de vezes, o valente só
uma”. Isso porque quem sabe opta por viver e morrer em função do sistema que inclui,
entre outras coisas, a tática.
No combate da arte marcial existem princípios e leis que devem ser obedecidos
e que geram um conjunto tático conhecido entre os sistemas japoneses como HEI-HO.
Esse conceito se baseia em uma série de fatores numerológicos e geométricos que
correspondem à ciência militar de todos os tempos.
Essa ciência é desenvolvida em função de dois círculos – um interno e outro
externo – que delimitam as áreas de defesa e ataque em qualquer circunstância. O
círculo interno é o limite defensivo e o externo, o limite ofensivo. Se o inimigo
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ultrapassa o círculo A, o sistema defensivo cai de sua base; ao contrário, se


conseguimos introduzir o círculo B no círculo A do inimigo sem perder o controle de
nosso círculo A, as defesas inimigas são inutilizadas.
Considerando então esse conceito geral HEI-HO, podemos ver implícitos
também outros conceitos secundários que emanam deste e uma série de aplicações que
podem ser consideradas dentro do sistema tático.

b) SISTEMA TÁTICO

i. DISTÂNCIA

No sistema japonês, MAAI é a arte de dominar e usar o espaço existente entre os


lutadores em favor próprio. Só os mestres conhecem MAAI, pois vêem na distância um
instrumento de grande utilidade .

A distância tem vários fatores:

a) Distância de golpe: para golpear é necessário dar um passo;

b) Distância longa: não é possível golpear com um passo único, mas existem
técnicas que permitem encurtar a distância de forma rápida e efetiva;

c) Distância curta: é possível atacar sem necessidade de dar um passo, mas,


para que o golpe seja eficaz, é preciso um conhecimento interno.

Esse conceito de distância integra outras táticas, tais como:

 Tática de cruzar à longa distância : tomar a iniciativa de aproximação dando


primeiro um passo pequeno e, logo depois, um passo grande.

 Tática de guarda disfarçada : espera o ataque do inimigo com o peso na


perna dianteira e, quando o inimigo ataca, troca o peso para a perna
posterior, fazendo com que ele perca sua distância.

 Tática de grudar de perto: baseia-se em lutar com a guarda balanceada,


equilibrada e dinâmica, o que permite entrar na guarda do inimigo quando
está aberta, para grudar nele, impedindo -o de manobrar.
37

 Tática de falsa distância : consiste em manter a arma própria a ser usada o


mais perto possível do próprio corpo para criar uma distância menor, sem
que o adversário perceba, para depois atacá -lo de surpresa.

 Tática de ângulos: consiste em fazer com que o oponente adquira uma


direção específica, para atacá -lo pelas diagonais ou obrigá-lo a vir ao
encontro e projetá-lo por cima do corpo; é como se passasse por baixo de
uma onda.

ii. CENTRO

A conquista ou a posse do centro é outro elemento importante em qualquer tipo


de luta, pois é o referencial de todo tipo de movimento, seja de ataque ou de defesa.

O centro pode ser uma idéia que toma conta da personalidade do lutador, pode
ser um lugar ou uma área. Todo lutador tem o seu próprio espaço, no qual o oponente
jamais deveria entrar, pois, se ele atacar nesse espaço, será quas e impossível a defesa. O
mesmo serve para desenvolver um ataque, já que, se o lutador atacar em seu próprio
espaço, sua técnica torna-se tremendamente efetiva.

A tática do centro integra outras táticas específicas:

 Tática de limpar o centro : quando o centro é ameaçado, deve-se limpá-lo,


jogando a arma do oponente para os lados, para depois entrar em sua linha
defensiva com um passo decisivo e firme. Pode também ser usada como
tática de ataque, da mesma forma como é usada para a defesa.

 Tática para puxar o centro: quando o oponente é muito forte e tem um


centro firme, no momento em que ele tenta atacar nosso centro, devemos
opor uma grande força de resistência por alguns instantes, para depois, de
forma súbita e inusitada, soltar toda a resistência, o que pro duzirá um grande
desequilíbrio no atacante.

 Tática da folha vermelha : essa tática, em japonês, é denominada Momiji e


consiste em atacar o oponente como uma folha que cai, com tanta suavidade
como a da folha vermelha, ou seja, seca. Exige muita tranqüilidad e, sem
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oferecer resistência alguma ao inimigo. A respiração deve ser suave e leve,


como se levássemos um bebê em nosso colo.

iii. RITMO

Outro fator importante, se considerarmos a tática como um todo, é o ritmo, visto


que envolve o tempo de execução de qualquer técnica usada em combate. O tempo
encerra a vontade e a decisão do lutador; portanto, se o ritmo do oponente é captado,
conhecemos sua intimidade, o que nos permite prever seus movimentos.

Esse conceito integra táticas como:

 Tática do tempo certo: conhecendo o ritmo do oponente, ataca -se com um


contra-ritmo, com o qual entramos nos vãos de sua guarda, surpreendendo -
o. Considerando a cadência global do oponente, deve -se atacá-lo com uma
cadência diferente, que o incomode.

 Tática de meio-tempo: quando se detecta o tipo de ataque do inimigo, deve -


se atacá-lo entre o momento inicial do ataque e o momento final do mesmo.

 Táticas de um tempo: aqui o ataque deve ser feito com uma simples
respiração, ou seja, sem preparo prévio. Normalmente, quando atacamos,
temos um tempo prévio de preparo, ou seja, pensamos: 1, 2, 3, agora! Isso
deve ser mudado para um ataque feito no tempo um, isto é: 1, agora!

 Tática das espadas unificadas : quando o inimigo ataca, a defesa e o contra -


ataque são simultâneos, só que o contra -ataque deve ser mais rápido que o
ataque.

 Tática de ida sem retorno : consiste em atacar o inimigo com uma decisão
total, sem levar em consideração qualquer risco, mesmo o da morte. Por
outro lado, deve-se atacá-lo da mesma forma que ele ataca, de maneira
simultânea. Essa tática inspirou os japoneses na segunda guerra a criarem os
famosos Kamikases.
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iv. APARÊNCIA

Todo combate implica uma grande dose de imagens e aparências, que ocultam
as intenções finais dos lutadores. Quem, dentre os dois, descobrir primeiro qual é a
verdadeira intenção do inimigo, consegue obter o fator surpresa, que é fundamental para
vencer.

Esse conceito envolve as seguintes táticas:


 Tática de expandir o inimigo : consiste em obrigar o oponente a abrir várias
frentes simultâneas para, assim, desg astá-lo e debilitá-lo. Isso é feito com
uma boa defesa, muito fechada, que desespere o oponente e o obrigue a se
expandir, até que gaste suas reservas. Nesse momento, deve -se contra atacá-
lo de forma definitiva e contundente.

 Tática da lua refletida na águ a: consiste em oferecer um alvo falso ao nosso


inimigo, como, por exemplo, uma guarda forte, para depois contra -atacar
com suavidade, projetando o inimigo, ou uma guarda débil, para contra -
atacar com força e contundência.

 Tática da sombra da lua : quando não sabemos o que fazer, devemos imitar
nosso oponente; o que ele faz, nós fazemos.

 Tática de remoção da aparência : quando não se conhece a intenção do


adversário, deve-se aplicar uma técnica que pareça real, mas que não deve
ser totalmente executada. Desta forma, o inimigo mostrará sua intenção
verdadeira e, com isso, escolhe -se outra tática que seja favorável, para agora
atacar de forma real.

 Tática para pressionar a sombra para baixo : consiste em fazer um pequeno


movimento para obrigar o inimigo a mudar su a tática, o que vai incomodá -
lo, pelo fato de ter que usar técnicas que não lhe sejam favoráveis.

 Tática do corpo total: consiste em atacar o corpo inteiro do inimigo de tal


forma que, embora ele bloqueie, consideremos tal bloqueio como uma parte
de seu corpo e continuemos o ataque até atingi -lo de forma total.

 Tática de bater no rosto: quando o oponente é muito bom e resiste bem aos
nossos ataques, devemos golpear seu rosto com uma bofetada; com essa
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surpresa, ele se desequilibrará e, em seguida, faremos u m ataque mais


profundo.

 Tática de atingir uma parte : quando o oponente nos impede de realizar um


ataque contundente, devemos atacar uma parte dele, atingindo -o fortemente,
por exemplo, no dedo, no braço, no joelho, etc., para depois atacá -lo de
forma mais definitiva.

c) DUAS CHAVES PARA ENTENDER A TÁTICA

É necessário esclarecer que a tática tem duas formas a serem consideradas:

i. FORMA EPISTEMOLÓGICA

Aqui a tática é um objeto intelectual que funciona com um grau relativo de


eficiência em proporção direta ao es tudo e à aplicação sistemática desta, mas esse é só
um primeiro objetivo e não um fim em si mesmo.

Esse grau tático deve ser considerado tática por tática, até adquirir a experiência
necessária que permita ao lutador um domínio prático de todas as táticas por ele
conhecidas, como se fosse um jogo de xadrez. Requer muitos anos de experiência e é
próprio de faixas-pretas de alta graduação.

ii. FORMA ONTOLÓGICA

Aqui a tática é um objeto mágico -ideológico e seu funcionamento é de alta


eficácia, desde que exista um canal intuitivo que se manifeste como uma espécie de
instinto tático.

Nem sempre é conseguido por graus altos ou lutadores experimentados e muitas


vezes o encontramos inato em alguns lutadores. O chamado instinto de sobrevivência
forma parte desse instinto tático.

Às vezes, para certo tipo de lutadores que têm uma condição inata, é
contraproducente formá -los em função da forma epistemológica e é melhor deixar esse
41

aspecto de lado em um primeiro momento, até que eles mesmos sintam necessidade de
torná-lo racional. Em um primeiro momento, é melhor ensiná -los filosoficamente, por
meio de diálogos ou mitos guerreiros que permitam ao lutador uma decantação natural,
sem condicionamentos prévios.

De qualquer maneira, não concordo com o método de ensinar a tática c om uma


mentalidade massificante, acreditando que o lutador é uma máquina que pode ser
condicionada taticamente com uma série de reflexos condicionados. Creio mais no
espírito da filosofia tradicional, que promove o descobrimento das potencialidades reais
do indivíduo humano. Quem é tático que se ocupe da tática, assim como o sapateiro se
ocupa de sapatos.

Isso significa que a tática deve ser usada de forma restrita, respeitando as
seguintes condições:

a) Somente para faixas-pretas de alto grau;

b) Para faixas-pretas que tenham condições táticas;

c) O método de ensinamento deve ser filosófico, sem condicionamentos de


tipo reflexológicos;

d) Constatar no lutador um reconhecimento dialético à maneira clássica entre a


idéia que o instrutor passa e a referência própria, atra vés da recordação que
ele manifestar (sem essa compreensão, suspende -se o ensinamento da
tática).

Recomendo que isso seja testado antes de se propor o estudo da tática e que se
selecionem previamente os discípulos que possam conformar um curso específico d e
tática.

d) SISTEMA DE SELEÇÃO

 Constatação de funcionamento do hemisfério direito do cérebro.

 Estrutura mental intelectual com um comportamento sóbrio e normal.

 O lutador deve ter demonstrado criatividade no combate.


42

 Deve existir também uma estrutura de car áter forte, temperado e com
certo grau de agressividade.

 Possuir valor.

 Constatar amor pelo mistério.

 Que exista um compromisso educacional em relação às artes marciais.

e) ASPECTOS DE TÁTICA AVANÇADA PARA DISCÍPULOS


SELECIONADOS

i. Aspecto mágico-cerimonial.

ii. Aspecto estratégico-vital.

iii. Aspecto tático-emocional.

iv. Aspecto técnico-harmônico por oposição

i. ASPECTO MÁGICO-CERIMÔNIAL

Segundo uma crônica romana de guerra, certa vez dois chefes bárbaros se
reuniram com 400 mil guerreiros e avançaram contra duas legiões ro manas. Diz-se que,
quando o general romano viu a formação inimiga, pediu aos dois chefes bárbaros uma
trégua para pactuar pessoalmente com ambos. Os dois chefes aceitaram e se reuniram na
linha de trégua. Ali, os três desceram de seus cavalos e imediatamen te o general
romano, com seu bastão de mando, traçou um círculo na terra, encerrando os dois
chefes bárbaros. Depois disso, disse -lhes que, se algum deles quisesse sair do círculo,
morreria. Ambos os chefes perderam o controle, se acovardaram e se renderam .
Finalmente, o romano abriu o círculo, deixou -os ir e, quando eles se reuniram com seus
guerreiros, se retiraram e não atacaram as legiões. Essa história é um bom exemplo de
táticas de caráter mágico-cerimonial.

Toda tática, para ser efetiva, deve ter uma grande dose de vontade que se
manifesta mentalmente, através de uma grande confiança e fé na tática aplicada; do
contrário, não só resultará inócua como também contraproducente.
43

Essa vontade é de primeiro raio, sua cor correspondente é o azul e é de carát er


frio, ou seja, desapaixonada.

No nível físico, deve ser trabalhada através do centro um, com flexibilização da
7ª cervical, abrindo os finos canais superiores da cabeça para condução da energia, por
meio de som, cor e formas geométricas.

ii. ASPECTO ESTRATÉGICO-VITAL

Outra história diz que, na China Antiga, alguns generais de grande


desenvolvimento e conhecimento de artes marciais se introduziram nas batalhas no
meio dos combatentes, munidos somente de um pequeno bastão. Combatiam os
guerreiros inimigos, como também os de seu lado, dando pequenos golpes em pontos
vitais, sem ferir nem matar, apenas com o objetivo de ensinar a arte marcial elevada aos
que estavam lutando.

Não se sabe se algum desses generais morreu em combate, mas é evidente que,
se um exército contava com algum guerreiro deste nível, isso já era motivo suficiente
para fazer com que o inimigo sentisse que a derrota era questão de tempo.

A efetividade de uma tática determinada depende também do grau de visão


interior e da compreensão dos probl emas, os quais, em qualquer caso, devem ser
atacados com muita energia.

Qualquer tática deve possuir, além de vontade, sabedoria.

iii. ASPECTO TÁTICO-EMOCIONAL

Há outra história que narra como morriam os velhos chefes guerreiros astecas.
Quando alcançavam uma idade muito avançada, deviam, em batalha, passar o comando
para seu sucessor. Amarravam um braço a uma estaca encravada em uma rocha,
deixando o resto do corpo livre para se defender e, na outra mão, empunhavam sua arma
preferida. Em seguida, desafiavam a sós os guerreiros inimigos, os quais começavam a
atacar até acabar com o chefe.
44

O valor do chefe era medido pela quantidade de golpes dados e de inimigos


abatidos; depois disso começava a batalha. Indubitavelmente, se o chefe anterior, ao
morrer, fazia-o com muito heroísmo e causava grandes estragos no inimigo, a moral e a
força de seus guerreiros aumentavam, o que era um fator muitas vezes decisivo nos
combates.

Toda tática deve incluir uma grande dose de furor interior e de destreza no uso
das técnicas. Em resumo, toda tática deve possuir vontade, sabedoria e inteligência.

iv. ASPECTO TÉCNICO (HARMONIA POR OPOSIÇÃO)

Quando os persas tentaram invadir a Grécia, Leônidas, com seus trezentos


espartanos, saiu para interceptá -los e, quando chegaram à passagem, não tiveram tempo
para preparar as defesas.

Leônidas, percebendo que o ataque seria realizado ao amanhecer e sabendo que


não estavam preparados, idealizou a tática de atacar o acampamento persa durante a
noite, com um comando de quinze homens. O ataque surpres a foi devastador:
incendiaram tendas, mataram inimigos e criaram confusão, dando a sensação de um
exército numerosíssimo. Esse “golpe de mão” dado pelos espartanos atrasou o ataque
persa por três dias.

Disso se deduz que na tática tanto a adaptação como a criatividade são fatores
importantíssimos. Sempre se deve encontrar o jogo das polaridades, o grande e o
pequeno, o forte e o débil, o duro e o brando, etc., e, considerando esta polaridade,
desenvolver a tática.
45

3) FILOSOFIA INTERNA DAS ARTES MARCIAIS

Escrevo este capítulo em homenagem a um antigo, mas sempre presente, mestre


das artes marciais, conhecido pelos estudiosos como MORYA KAN. Ofereço este
trabalho a Ele, pois, com as informações que, através do tempo, me foram chegando,
creio que esse grande mestre é, na atualidade, o arquétipo que rege todos os guerreiros.

Algumas tradições afirmam que o estreito e perigoso caminho que conduz à


sabedoria marcial descansa na compreensão e na harmonia do triângulo: mente, coração
e mãos.

a) A MENTE

A mente descansa sobre uma estrutura de quatro elementos ativados


alquimicamente: terra, água, ar e fogo, sendo a mente o quinto elemento, denominado
éter.

Na escola da ação de potencial inteligente, esse quinto elemento é simbolizado


por um dragão dourado em um campo verm elho; não obstante, para efeitos práticos,
esse campo está determinado pela cor verde esmeralda.

A estrutura simbólica da mente é composta por três figuras geométricas: o ponto


central, o quadrado e o círculo, que se ordenam do seguinte modo:

E N

S O

Esse emblema geométrico está sendo considerado no plano horizontal; se o


considerarmos em sentido vertical, resulta em uma pirâmide com base quadrada,
envolvida em uma espiral de cor violeta.
46

1
1. MENTE
2. FOGO
5 3. AR
6 4. ÁGUA
5. TERRA
2
6. ESPIRAL VIOLETA
4

É necessário, primeiro, tratar cada um desses elementos separadamente, pois


deles resultam seis anéis de vital importância estratégica.

Começaremos a partir do anel um, explicando suas leis.

i. O ANEL DA MENTE

Neste anel, encontramos o caminho que leva o guerreiro ao mundo da unidade,


libertando-o de qualquer associação consciente ou inconsciente com os demais anéis.
Entretanto, para chegar aí, o guerreiro deve conhecer e experimentar todos eles,
estabelecendo uma relação harmônica entre todos os anéis e observando -os
separadamente e em conjunto, a partir do primeiro anel, que corresponde à mente. Isso
permitirá ao sexto anel interligar os demais.
47

O símbolo chave que permite a integração desse conhecimento é um círculo


dourado, em cujo centro encontramos outro círculo de cor branca.

DOURADO

CÍRCULO
TENCHI

BRANCO

O espaço branco representa a visão do 5o. elemento em cada um dos anéis em


particular e, ao mesmo tempo, em todos. Essa captação só é possível quando
concebemos a unidade na multiplicidade, ou o princípio de identidade em todas as
coisas. Esse princípio de identidade é, em relação a ele, equivalente ao cheio.

Na ação de potencial inteligente, esse anel (mente) corresponde ao que se


denomina Centro Um. Nesse centro, enco ntramos também o segundo anel, o anel do
fogo, do qual trataremos a seguir.

ii. O ANEL DO FOGO

Este anel corresponde ao arquivo de todas as tradições que existiram e existem


no caminho das artes marciais e funciona por meio da recordação ou da reminiscência,
como diria Platão.

Esse anel representa também todas as escolas de artes marciais e nele se refletem
todos os demais anéis, através de uma relação dinâmica e filosófico -simbólica. Esse
anel de fogo representaria o homem que domina os animais, “o senhor dos animais”,
que reina sobre a águia, o leão e o touro; o anjo o acompanha e o favorece para que
possa conseguir definitivamente a reunificação com o primeiro anel.

Nesse anel de fogo, produz -se a associação de todos os demais anéis, por meio
de uma alternância dupla, gerando o duplo quadrado, cuja representação numérica é o 8,
que se aplica na esfera dos 4 elementos da oitava superior.
48

O símbolo chave que transmite a relação do segundo anel é o seguinte:

DRAGÕES
DOURADOS

CÍRCULO CRUZ
SHI-HO VERMELHA

CÍRCULO
BRANCO

Esse anel trabalha sob o efeito da lei da bipolaridade contrária, ou harmonia por
oposição, e rege o anel onde todas as forças se confrontam: o terceiro anel.

iii. O ANEL DO AR

Corresponde ao que, na ação de potencial inteligente, denomina -se Centro Dois


(coração). É o anel da luta marcial, onde os símbolos de cada um dos elementos lutam
incessantemente de forma polarizada. É nesse anel que o “senhor dos animais” se
sobrepõe aos animais, que representam os cantos; os outros animais sagrados
representam o emblema da posição do cen tro (primeiro anel).

Os animais simbólicos do centro são: dragão, fênix, cisne, serpente, águia e leão.

Os animais simbólicos dos cantos são: pantera, tigre, gato, serpente, rato, javali,
cavalo, urso e macaco.

Essa luta simbólica é aérea e se desenvolve p or meio de formas mentais e astrais


representativas das virtudes e dos vícios. É uma luta de superposição de imagens e o
guerreiro deve aprender a realizá -la de forma serena, tranqüila e valente. Nela, os efeitos
não se manifestam na hora exata na qual a l uta simbólica se realiza; são retardados e
posteriores.

A vitória do guerreiro nesse anel lhe permite participar do quarto anel de forma
equilibrada e fluídica.
49

iv. O ANEL DA ÁGUA

Esse anel é canalizado pelo que, na ação de potencial inteligente, denominamos


linha de força complementar dois. Corresponde ao Centro Dois e se mostra
simbolicamente através das mãos.

É no anel que as forças fluem, como rios na direção do mar, sendo alguns
agitados, outros tranqüilos, outros profundos e outros superficiais.

A chave que permite o acesso a esse anel são os signos das mãos, também
denominados mudras. Esse anel de características vitais e energéticas determina canais
que se desenvolverão no quinto anel, o qual se transformará em condutor do quarto.

v. O ANEL DA TERRA

Corresponde ao Centro Três e funciona como amortecedor das energias de todos


os demais anéis. Possui pouca mobilidade, devido à grande inércia que o caracteriza;
porém é no anel que se produz a concretização das formas e esse anel se estrutura e se
organiza de acordo com essas formas.

Também corresponde ao pólo contrário do primeiro anel, sendo um simbolizado


pela cor alquímica vermelha e o outro pela cor branca, o que conforma a primeira obra
alquímica, “obra ao vermelho e branco”.

É um anel controlado através dos pés, que servem como reguladores e


controladores dessa obra ao vermelho e branco, a qual, para poder ser elaborada,
necessita da energia do sexto anel.

vi. O ANEL DA ESPIRAL VIOLETA

É um anel independente de todos os outros e não corresponde ao esquema


normal da natureza. É, melhor dizendo, uma espécie de advento de energias de esferas
da oitava oculta, ou esferas superiores.

Esse anel é a base evolutiva e serve como anel alimentador dos outros quatro,
relacionando-os magnética e eletronicamente e mantendo -os inter-relacionados com o
anel um.
50

Reage ao som, imaginação e a objetos mágicos de poder. Finalmente, se


transforma em um fogo que leva o guerreiro para outro mundo. Esse é o primeiro
aspecto denominado mente, cuja lei fundamental se manifesta através d a imaginação,
veículo sutil de todas as intuições da mente, que estrutura arquétipos geométricos de
economia fechada, também denominados mandalas.

b) O CORAÇÃO

No nível físico, o coração é um músculo que gera as funções mais complexas e


importantes do organismo. Nos níveis psicológico e espiritual, o coração é um músculo
da vontade, visto que é nele que a vontade se encontra.

Um coração saudável, forte e sensível é de vital importância para o guerreiro e é


a causa material de todos seus êxitos; o contrário le va o guerreiro geralmente ao
fracasso e à destruição.

Podemos definir três zonas no coração: a primeira, de caráter horizontal; a


segunda, vertical; e a terceira, suporte fixo de arquétipos superiores. Poderíamos
simbolizar isso da seguinte forma:

c) SUPORTE FIXO

b) DIMENSÃO VERTICAL

a) DIMENSÃO HORIZONTAL

i. DIMENSÃO HORIZONTAL

Guarda grande inércia em seu interior; sua natureza é violenta, irracional e


geralmente destrutiva. É nessa dimensão que se encontram as paixões inferiores, as
forças atávicas e os instintos mais rudimentares do guerreiro. É um campo estéril e
falso, no qual o guerreiro deve gerar estruturas sólidas, fortes e resistentes para sustentar
o futuro e conquistar seus sonhos guerreiros. Nesta zona, só vale o trabalho a longo
51

prazo, bem planejado e organizado intelige ntemente, o esforço constante e boas reservas
de vitalidade que elevem o guerreiro para além desse conflito.

Essa dimensão é semelhante ao fragor do combate, onde só os melhores


guerreiros vencem. Não existem aqui soluções fáceis a curto prazo, nem simula das.

ii. DIMENSÃO VERTICAL

Para entrar em contato com a dimensão vertical, é necessário elevar -se por cima
da anterior. É uma zona franca, onde o guerreiro pode criar elementos e se preparar com
tranqüilidade, de forma inteligente e bem planejada, e cultivar em paz e de maneira
agradável os valores marciais. É a dimensão onde a disciplina marcial se torna
prazerosa; é a via do pouco esforço e de grandes resultados. É como um campo florido
que estimula as armas do guerreiro. O perigo subsiste à medida que nos d eixamos levar
pela inércia da dimensão horizontal e é a esse aspecto que o guerreiro deve atentar.

Aqui se dá o bom ritmo de combate, com a aplicação de técnicas fluentes com


grande estilo, suavidade e penetração. É o plano onde a fraternidade guerreira s e recria e
se torna favorável. O coração, como músculo bem trabalhado e preparado para grandes
esforços, de longo alento, estimula o guerreiro a cultivar as técnicas marciais e a buscar
o ideal heróico.

iii. SUPORTE FIXO

É o coração da lei marcial, científico -religioso, onde se cultiva a filosofia das


artes marciais. É uma ida sem volta – exceto erros profundos que um guerreiro não deve
cometer, como, por exemplo, a debilidade, a preguiça, a ira, o orgulho desmedido e o
ódio. Superando esses grandes inimigos, p oder-se-ia dizer que esse suporte fixo suporta
a vitória final de todo guerreiro.

É o reencontro com os estandartes vitoriosos e os seres divinos, o ponto de


generosidade, maturidade e rendimento eficaz do guerreiro. É o estágio de mestre das
artes marciais e representante do Kami da casa guerreira. É o Ideal ao qual todo
comandante deve aspirar e cultivar como uma forma de vida, como uma filosofia
52

marcial prática e duradoura. O coração é definido simbolicamente por imagens que


representam esses três planos , denominados Yantras.

SUPORTE FIXO

Centro Branco
Esferas Concêntricas
das 7 cores do espectro

DIMENSÃO
VERTICAL
Cor
Amarelo Solar

DIMENSÃO
HORIZONTAL
Cor
Violeta

c) AS MÃOS

Dos três elementos: mente, coração e mãos, este último corresponde ao elemento
simbólico, que representa, no plano físico -concreto, os outros dois.

Nas artes marciais, as mãos assumem um pa pel importantíssimo, pois nelas


descansa a representação de tudo o que sucede no combate. As mãos abrem ou fecham
ciclos e processos; são o suporte de todas as decisões que chegam a traduzir -se em ação;
definem o espaço de luta, tanto interno como externo; e por meio delas assume -se o
controle das energias e também sua canalização.

As mãos são também elementos mágicos que canalizam o poder interno através
de signos (mudras) com os quais se pode curar, dar vida, dominar, controlar, destruir,
matar, etc. As mãos são o último elemento que o artista marcial desenvolve e implicam
o mais alto grau de conhecimento e maestria, sintetizando simbolicamente os outros
elementos.
53

Conta uma tradição que Funakoshi, antes de morrer, em idade avançada,


declarou: “Agora posso dizer que dominei o Tsuki (mãos)”, depois de toda uma vida de
constantes práticas.

Quando se chega ao domínios das mãos, estas se abrem como flores e, através
dessa abertura, transmitem energias. A mão esquerda recebe e a direita entrega. Ao
mesmo tempo, descobrem-se os canais de vida e movimento que inter -relacionam todas
as coisas que entram em contato com a esfera de ação do guerreiro.

As mãos abertas, nesse sentido, são portadoras de poderosos conhecimentos


mágico-práticos. O contrário, as mãos fechad as são ainda incapazes de portar tais
conhecimentos. As mãos abertas abrem o ciclo de unificação de todo o processo da
evolução humana. Aqui encontramos o segredo da harmonia da mente, do coração e das
mãos, ou seja, os três mundos. Essa harmonia sintetiza -se no Ovo Áurico ou Dragão
Dourado, produzindo um sistema de economia fechado, onde as energias tomam
direções simultaneamente, tanto para a periferia quanto para o centro.

d) O SEGREDO DOS RITMOS

Existe um conhecimento esotérico ensinado nas escolas de ar tes marciais


filosóficas, no qual se incluem as dimensões espaço e tempo. Cada uma corresponde a
uma estrutura simbólica que as representa e, ao mesmo tempo, as relaciona.

Dividirei este tema em três partes: a primeira tem relação com as linhas de força;
a segunda, com o espaço sagrado; e a terceira, com o tempo sagrado.

i. AS LINHAS DE FORÇA

Todo o Universo é interpenetrado por linhas de força, espécies de canais dos


vários tipos de energias que formam um véu que cobre todo o Universo como um manto
e, ao mesmo tempo, como estrutura interna dos cinco elementos, semelhante à estrutura
do sistema sangüíneo, respiratório, nervoso, etc.

Esse tipo de canal pode ser captado quando as mãos estão “abertas”,
estabelecendo-se uma ressonância entre as redes interna e ex terna de canais. Isso
54

explica o uso de mudras, ou posturas simbólicas das mãos, que encontramos em todas as
tradições marciais filosóficas.

As linhas de força são classificadas em linhas de forças lunares e linhas de


forças solares.

LINHAS DE FORÇAS LUNAR ES

São forças de polaridade Yin. Estruturam fatores substanciais, gerativos,


instintivos e correspondem a qualidades de ordem passiva.

Essas linhas de força fluem através de canais específicos, que irrigam a natureza
de todos os seres e elementos, provendo -os de energia, com o objetivo de criar “base”
para o desenvolvimento de processos de evolução.

Nas artes marciais, essas linhas de força são usadas para estruturar as bases do
processo técnico, possibilitando ao guerreiro estabelecer os caminhos que o con duzirão
ao cumprimento da sua missão. Essas linhas de força são captadas pela mão esquerda e
abastecem as estruturas defensivas e receptivas.

Quanto às suas características, são definidas como: brandas, frias, escuras,


noturnas, passivas, suaves, etc. Quan do as colocamos em correspondência com as partes
de uma espada, por exemplo, essas linhas eqüivalem à bainha, à proteção do punho, à
flexibilidade da lâmina e à parte do dorso (que não corta) e correspondem à mão direita,
que a segura e movimenta a espada.

LINHAS DE FORÇAS SOLARES

São forças de polaridade Yang. Aportam direcionalidade, sentido, magnitude,


proporção, medida e ritmo a todas as estruturas. Correspondem a qualidades de ordem
ativa.

Essas linhas de força fluem através de canais também específic os, que
alimentam a natureza com elementos de ordem estratégica, dinâmica e articulada.
Possibilitam ao guerreiro a captação do ideal; movimentam -se através da mão direita e
fortalecem as decisões do guerreiro no combate.
55

Suas características são definidas como: duras, quentes, luminosas, diurnas,


ativas, fortes, etc. Colocando -as em correspondência com as partes de uma espada,
localizam-se na empunhadura, no fio, na ponta e correspondem à mão esquerda, que
direciona a espada.

O uso correto das linhas de fo rças solares e lunares permite o equilíbrio e a


harmonia da mente, do coração e das mãos, permitindo que o guerreiro entra em
harmonia com a natureza, a vida, a inteligência e o Ser de todas as coisas.

Esta conquista outorga ao guerreiro o grau de herói, n o qual descansa o plano de


criar, dirigir e organizar uma extirpe de guerreiros, concretizando isso através de uma
verdadeira escola de artes marciais com todas as especialidades (Ryus) necessárias.

ii. O ESPAÇO SAGRADO

Existe uma tradição nas escolas de arte s marciais filosóficas que se refere aos
“mestres do caminho” e a alguns guerreiros que abraçam um ideal que os faz
sobressaírem a todos os demais. Esses mestres do caminho são considerados heróis e
passam à História como seres de natureza mágica. Todos el es perambulam pelo mundo,
procurando algo com características mágicas. Estes mestres do caminho, como são
chamados no Oriente, geralmente portam uma espada e são conduzidos misteriosamente
por algum Deus que lhes exige reconhecer um lugar especial onde est abelecer ou fundar
uma cidade.

A tradição em relação a isso é muito clara e especifica vários elementos: o


templum, quadrado que marca certos pontos celestes onde mora algum ser divino,
assinalado por alguma constelação, estrela, etc.; o centro, ponto onde se produz alguma
ação mágica, como um augúrio, em que o Deus indica ao herói um momento propício;
e, finalmente, o círculo, que estabelece os limites do que será a futura cidade dos
mestres do caminho e suas hostes.

A proteção do quadrado do céu sobre a t erra define o quadrado mágico, o qual


coincide com o centro assinalado. A orientação desses elementos é feita de acordo com
os movimentos do sol, que definirão quatro portas para esta cidade sagrada. A porta do
leste corresponde ao equinócio de Primavera, a porta do oeste, ao equinócio de Outono,
56

a porta do sul corresponde ao solstício de Inverno e a porta do norte, ao solstício de


Verão.

E N

S O

O movimento do sol determinará o Zênite e o Nadir, com o qual esse espaço


horizontal obterá outro, que é vertical, estabelecendo os três mundos e o centro, no lugar
mais alto.

E N

S O

Os limites da cidade sagrada são definidos pela magnitude dos braços da cruz
cardeal; tal magnitude corresponderá ao diâmetro da circ unferência, ou círculo, que
envolverá a cidade.

Para definir esta magnitude, os mestres do caminho precisam peregrinar,


“viajando através das linhas de força”, as quais definem exatamente os contornos da
cidade, já que esta é um ser vivo que tem uma forma determinada, como qualquer corpo
terrestre.
57

E N

S O

Geometricamente, o percurso do sol para o sul e para o norte define a magnitude


dos braços da cruz cardeal, porém os mestres do caminho, na prática, o definem pelo
conhecimento das linhas de força e de seus limites naturais.
E
S N

S O N

iii. O TEMPO SAGRADO

Este é o último aspecto que os mestres do caminho definiram e designaram


como “a vida dos deuses” (Shinto), pois, através da consagração dos dias e das noites,
dos três tempos correlativos (plenilúnios), dos equinócios e dos solstícios, instauraram
todos os ritos anuais e com eles permitiram aos deuses viverem entre os homens.

Glória aos mestres do caminho, e que seus nomes permaneçam para sempre na
memória dos homens superiores. Só aos grandes é permitido sair da casa materna e
explorar os caminhos da vida com valor e perseverança, tornando -os HOMENS e, visto
que eles são os condutores, que sejam só eles os que governem: OS MESTRES DO
CAMINHO.
58

4) A ESTRUTURA DE UMA ESCOLA TRADICIONAL DE


ARTES MARCIAIS
A escola tradicional de artes marciais se estrutura em função dos cinco
elementos: terra, água, ar, fogo e éter. Assim, encontramos uma idéia central (Nei
Kung), elaborada mágica e estrategicamente, cujo conhecimento pu ro corresponde ao
quinto elemento, éter.

Nesse elemento, encontramos a idéia do centro, de todas as direções ao mesmo


tempo (em número de sete), dos três mundos e dos ciclos do tempo. A partir deste
espírito filosófico-marcial único, se constituem os difer entes caminhos ou vias (Ryus),
de acordo com os quatro elementos ou anéis.

a) TERRA

Neste anel, encontramos uma série de vias ou caminhos que permitem ao


guerreiro, quando os transita, preparar -se para uma série de provas de caráter iniciático,
que, após vencidas, transformam-no em um iniciado de primeira ordem, vencedor do
elemento terra.

Essa vias (Ryus) podem ser:


a) Sistemas de lutas sem armas
b) Sistemas de sobrevivência
c) Sistemas de armas
d) Sistemas de uso de explosivos
e) Sistemas cerimoniais concretos

b) ÁGUA

Este elemento corresponde também a um conhecimento específico, com uma


série de vias ou caminhos, que proporcionam ao guerreiro conhecimentos de bioenergia,
habilitando-o a enfrentar provas que, uma vez superadas, lhe permitirão alcançar o
segundo grau, tornando-o um vencedor do elemento terra -água.

Neste anel, encontramos as seguintes vias:


59

a) Sistemas de medicina
b) Sistemas de herbatologia
c) Sistemas de sobrevivência em água
d) Sistemas de camuflagem e métodos integrados

c) AR

Este elemento é, na prática, um dos mais com plexos e difíceis de dominar. A


preparação do guerreiro neste elemento lhe permite enfrentar as provas de ar, que, logo
após superadas, lhe possibilitam alcançar o terceiro grau, tornando -o um vencedor do
elemento terra-água-ar.

Neste anel, encontramos as seguintes vias:


a) Sistemas de usos de animais
b) Sistemas de espada
c) Sistema de camuflagem-infiltração de linhas e objetivos do inimigo
d) Sistemas de espionagem
e) Sistemas de meteorologia
f) Sistemas de lutas em geral

d) FOGO

Este elemento define todo o contexto técnico -tático da arte marcial de uma
escola tradicional. Por meio dele, o guerreiro conhece os elementos que lhe permitirão
enfrentar as provas de fogo e, com isto, adquire o quarto grau, que o torna um vencedor
do elemento terra-água-ar-fogo.

Este anel é constituído pelas seguintes vias:


a) Arqueria tradicional
b) Sistemas de uso de mandalas, mantras e mudras
c) Sistemas de propaganda e condução
d) Sistemas de cartografia
e) Sistemas de história da tradição
f) Danças cerimoniais com espada, etc.
g) Sistemas tático-militares
60

e) ÉTER

Neste elemento, encontramos a síntese das escolas tradicionais. Quem chega até
ele, se transforma em líder completo de artes marciais e, ao mesmo tempo, em um
guardião da tradição.

Neste anel não encontramos vias, mas sim a integração de todas elas. A estrutu ra
do quinto anel é esotérica e de serviço completo ao Deus da Guerra Interior,
estabelecendo-se como uma vida sacerdotal, político -guerreira. Neste anel se
concentraria o poder total do mito em todas as suas acepções.

f) OS CINCO ELEMENTOS E SEUS SISTEMAS

i. ELEMENTO TERRA

Este, como qualquer outro elemento, é simbólico, e guarda em seu seio segredos
da natureza que servem ao guerreiro como referencial concreto do caminho iniciático a
que se propôs seguir. A manipulação dos sistemas deste elemento preparam o g uerreiro
para as provas de terra, as quais, em algum momento de seu caminho, deverá enfrentar e
superar.

Neste elemento, o artista marcial deve observar tudo o que vê e extrair um


ensinamento de caráter pragmático que lhe permita conhecer e dominar o maior número
de ofícios possível.

Aqui se estabelece a luta pela sobrevivência física e biológica. Deve -se aprender
a lutar corpo a corpo, por meio de golpes de mãos e pés, de articulações e centros
nervosos, de pontos vitais, projeções, quedas, etc.

O sistema de luta sem armas integra todo tipo de técnicas de combate e seu
caráter é totalmente livre. O uso das técnicas de luta permite gerar canais de expressão
do fluido ou Ki, promovendo no organismo um excelente estado físico e domínio das
partes que o compõem.

O sistema de sobrevivência permite ao guerreiro penetrar na natureza agreste e


conhecê-la profundamente, para estabelecer uma relação com a própria natureza e
conhecê-la a fundo.
61

As técnicas de sobrevivência se desenvolvem através de uma integração de


elementos:
 Alimentação e preparação de alimentos
 Ervas medicinais
 Convivência com animais
 Habitat e uso de materiais para gerar estruturas de sobrevivência
 Fuga através de rotas de qualquer espécie
 Ocultamento e ataques de surpresa
 Resistência à dor, fadiga e estados psicológicos depressivos

O sistema de armas implica uma mentalidade de que todo objeto é


potencialmente uma arma, que pode ser usada virtualmente em legítima defesa, com
efeitos poderosos. Além desse elemento, existe a especialização de produzir armas,
dependendo da situação ou agressão específica. Essas armas são: a lança, com todas as
suas variedades; o bastão longo ou curto; armas metálicas de lançamento; machados;
paus, com sistemas de correntes; paus de defesa e contra -ataque curtos; armas de fogo
de diferentes calibres; etc. Toda arma é uma extensão da energia do guerreiro, que gera
posições e efeitos específicos sobre o corpo físico, com o objetivo de dominá -lo melhor
dia após dia.

O sistema de uso de explosivos tem relação com a manipulaçã o de elementos


materiais que possam produzir reações poderosas; é uma extensão do sistema de
sobrevivência e permite ao guerreiro compreender como usar a força dos elementos para
desequilibrar, desarticular e desorganizar ataques do inimigo com maior magni tude do
que a capacidade de defesa.

Os sistemas cerimoniais concretos ensinam o guerreiro a usar as forças


invisíveis da natureza que têm relação com o elemento terra. O contato com estas forças
invisíveis (Kami) permite ao guerreiro dominar, pouco a pouco , esse primeiro elemento,
até alcançar o grau de Primeiro Dragão, correspondente à Escola Tradicional dos
Dragões da Sabedoria, que se expandiu desde o Tibet até o Japão e por toda a Ásia. A
via dos deuses (Shinto) é um claro exemplo desse tipo de cerimoni al concreto, que,
durante muitos séculos, foi praticado por grandes guerreiros, atraindo a amizade dos
62

seres divinos, dos quais receberam profundos ensinamentos e treinamento em relação ao


mistério da guerra interior.

ii. ELEMENTO ÁGUA

As antigas escolas ensinavam a fluir o espírito do guerreiro, como a água. “Que


teu espírito seja como a água” é uma idéia ainda usada nos nossos dias. O elemento
água guarda no seu interior os modelos do comportamento da guerra interior.

A água é o símbolo da vida e de seu tota l potencial ativado; é assim que o


guerreiro deve colocar todo o seu potencial interior em movimento: de acordo com as
leis do elemento água. O guerreiro não pode interromper o fluxo da água nem dentro
nem fora dele; água que se estanca é água que apodrece e aqui está implícito o segredo
da força do guerreiro.

A primeira lei da água é, então, seu movimento permanente, o qual se definiu


como um movimento de integração e unidade. A segunda é a lei de adaptação diante de
qualquer obstáculo que possa se interpo r em seu avanço. A terceira lei da água é a de
canalização e aproveitamento, já que ela deve ser dirigida a terras férteis, fecundas e
puras. A quarta lei é a de complementaridade, na qual encontramos as duas energias
equilibradas, permitindo o nascimento da semente, sua manutenção e desenvolvimento.
A quinta lei é a de regeneração constante, na qual se estabelece o ritmo completo de sua
expressão em todos os aspectos possíveis, fechando o ciclo total. A sexta lei é a de
economia e realimentação, estabelece ndo a unidade entre o ciclo de nascimento, vida e
morte, independente de qualquer outro elemento que lhe seja alheio. A sétima e última
lei é a de perpetuidade, que significa plasmar no mundo concreto a idéia captada para
gerar o selo definitivo do element o água.

“O QUE É, NUNCA DEIXARÁ DE SER, E PERPETUA -SE


EM RELAÇÃO AO QUE NÃO É.”

 Sistema de medicina: é integrador, pois reúne todas as técnicas e


metodologias terapêuticas. Nele, o importante é manter a saúde e gerar um
estado de juventude interior, além das transformações biológicas e físicas.
Retornar, o mais rápido possível e da maneira mais eficaz, do estado de
63

enfermidade ao de saúde. Gerar canais vitais que permitam o fortalecimento


da condução da Alma sobre o corpo. Manipular com precisão e rapidez
feridas, ossos quebrados, síncopes, traumas violentos, etc. Conhecer o
organismo humano de tal maneira que este se transforme em um
instrumento eficaz para desenvolver a trilha da guerra interior.

 Sistema de herbatologia: implica conhecimentos de plantas e ervas que


possam colaborar com o sistema de medicina e que, ao mesmo tempo,
sirvam como pontes psicológicas para a compreensão de certas dimensões
metafísicas que o guerreiro deve conhecer. Exemplo disso encontramos na
planta Soma, da Índia, nas ervas qu e constituíam as porções iniciáticas dos
Celtas, do Templo de Elêusis e outros. Finalmente, através delas, conhecer
as potências e forças implícitas nas plantas e dominá -las.

 Sistemas de sobrevivência na água: estes sistemas eram ensinados com a


finalidade de gerar uma mentalidade decidida e temperada, que permitisse
ao guerreiro suficiente liberdade interior e de movimentos para manter -se
constantemente à altura das circunstâncias. Os sistemas de sobrevivência em
água implicam uma disciplina muito forte, q ue se desenvolve a partir da
superação dos condicionamentos e dos convencionalismos. Aqui, o
guerreiro aprende a se antecipar a qualquer sistema de guerra convencional
e, ao mesmo tempo, a superar o alcance que esses sistemas possam ter. As
provas de água implicam muito perigo e desenvolvem uma mentalidade de
risco e de caráter definitivo. As experiências que o guerreiro vive nestes
sistemas estão inter-relacionadas com suas energias internas e com o bom
uso das mesmas.

 Sistemas de camuflagem e métodos inte grados: ensinam o guerreiro a se


adaptar a todas as situações, previsíveis e imprevisíveis, com o objetivo de
aprender a ocultar seu espírito guerreiro (Wa). O ocultamento da própria
força interior do guerreiro constitui uma das técnicas mais avançadas e
superiores nas artes marciais. Os métodos integrados são conhecimentos
variados, correspondentes a todo tipo de elemento que sirva de
complemento aos sistemas de camuflagem.
64

iii. ELEMENTO AR

Este é um dos elementos mais complexos e perigosos que o guerreiro deve


conhecer. Nele se encontram as forças mais poderosas e antagônicas imagináveis.

É o campo de luta onde os espíritos (Tengu) confundem os guerreiros, com o


objetivo de destruí-los e impedir-lhes a vitória interior. Aqui também os Tengu
transmitem, de maneira mediúnica, certos segredos da tradição marcial, só que de forma
enganosa e invertida.

O guerreiro deve aprender a dominar esses espíritos terrestres, através do


controle de suas próprias emoções, antes de ir mais além nesse elemento.

 Sistema de uso de animais: é muito útil para o guerreiro, porque lhe permite
contar com a ajuda de animais domésticos e selvagens, os quais, em caso de
crise, podem se tornar elementos decisivos. Entretanto, a importância deste
sistema não radica só aqui, mas também no uso e domínio das emoções, as
quais o guerreiro deve trabalhar para ter domínio sobre os animais, que são
símbolos de forças mágicas e psicológicas da natureza.

 Sistema de espada: integra várias técnicas de espada, como a luta de espadas


(Ken Jutsu), sistemas de defesa (I Ai Do) e sistemas de golpes curtos e
longos (Ni To Ichi). O objetivo deste sistema é relacionar o guerreiro ao
espírito nobre (Kami-San), que seria o espírito tutelar da espada levada por
ele. Nestes sistemas, também se integra parte da estraté gia e das táticas de
combate que todo praticante de artes marciais deve conhecer e dominar. Por
último, e talvez o mais importante de tudo isto, o sistema de espada
transmite ao guerreiro um poder interior que lhe permite manter as forças
astrais em uma distância sadia.

 Sistemas de camuflagem -infiltração de linhas e objetivos do inimigo: estão


diretamente relacionados às estruturas psíquicas de maior dinamismo e risco
e cumprem a função de gerar no guerreiro uma sólida formação de caráter
em aspectos correspondentes à tomada de decisões sistemáticas e intuitivas.
Todo guerreiro, em algum momento de sua vida, deve se exercitar nesses
tipos de sistemas, onde qualquer erro pode significar fracassos de grandes
65

proporções. Essa experiência permite absorver grand e poder e gerar


estruturas sólidas, que servirão finalmente para o maior de todos os
combates: lutar contra si mesmo. Podemos incluir aqui, também, os sistemas
de espionagem, já que, no fundo, representam o mesmo; a única diferença é
que o sistema de espionagem precisa de guerreiros especializados e com
vocação para isso.

 Sistemas de meteorologia: permitem conhecer a natureza em suas funções


mecânicas e descobrir, através dela, ciclos e ritmos que dão ao guerreiro
conhecimento de comportamentos da natureza humana. Por outro lado,
esses sistemas ensinam um tipo específico de lógica, que serve como
referencial para o conhecimento do tempo, tanto passado como presente e
futuro, permitindo ao guerreiro estabelecer uma correlação simbólica que
lhe possibilite compreender os mistérios da vida e da morte.

 Sistemas de luta em geral: são aqueles que preparam o guerreiro para


dominar o medo, a ansiedade, o temor, a angústia, a depressão, etc. São de
variados tipos e, não obstante, guardam as mesmas características
essenciais. Também são uma espécie de laboratório, onde o conhecimento
pode ser experimentado e provado de maneira direta.

iv. ELEMENTO FOGO

Dos quatro elementos, este é o mais poderoso, pois comanda os outros três.
Simultaneamente, é o mais técnico e preciso dos elementos e todo guerreiro que chega a
desenvolvê-lo é, geralmente, líder dos demais. Ao mesmo tempo, é o elemento mais
instável, pois possui estruturas mais dinâmicas e com tendências mais pronunciadas
para o caos. É um elemento de destruição que, quando bem estabilizado, produz efeitos
extraordinários.

 Sistemas de arco e flecha: de todos os sistemas, este é o mais simbólico e de


maior elevação espiritual. Seu objetivo principal é produzir a unidade do
corpo com a mente e com o Eu do guerreiro. É uma arte que, do princípio ao
66

fim, desenvolve-se cerimonialmente, com um profundo sentido de


integração.

 Sistemas de usos de mandalas, mantras e mudras: este já é um conhecimento


que demarca os terrenos da magia prática. É um sistema muito difícil de
manejar e desenvolver e nem todos os guerreiros podem fazê -lo, já que é
necessário possuir uma natureza de características chamânicas.

 Sistemas de propaganda e condução: além da ajuda que presta ao guerreiro


nas situações de guerra externa, o objetivo interno é ensinar o domínio sobre
as correntes das formas mentais, ou do pensamento, e trabalhar diretamente
sobre a dúvida mental, um dos mais poderosos e críticos inimigos do
guerreiro.

 Sistemas de cartografia: estes sistemas, utilíssimos em qualquer tipo de


guerra, são uma grande fonte de conhecimentos geopolíticos e geram uma
mentalidade de planificação, logística e táticas sobre terrenos. Tudo isso
desperta no guerreiro uma mente organizada, matemática e geométrica.

 História da tradição: o estudo das artes guerreiras e m geral, conhecendo-se


suas origens e desenvolvimento histórico, fornece um conhecimento
importantíssimo, que acaba gerando um sentido de autoridade, tanto na
teoria quanto na prática. Ajuda também a despertar a criatividade e o
desenvolvimento de novos mé todos marciais.

 Danças cerimoniais: aqui se concentram as técnicas de artes marciais e se


consagram cerimonialmente aos seres divinos, gerando aberturas filosóficas
e espirituais, já que as formas dessas danças são totalmente simbólicas, com
origens mitológicas. São danças coletivas, grupais e individuais, que
despertam o sentido do ritmo e da harmonia.

 Sistemas tático-militares: integram formações militares convencionais e


não-convencionais e agrupam as possibilidades bélicas em estruturas
sintáticas e altamente racionalizadas, transformando a guerra em uma
verdadeira ciência métrica, com desenvolvimento de proporção, ritmo,
equilíbrio, polaridade, etc.
67

v. ELEMENTO ÉTER

Neste elemento, encontramos a verdadeira tradição e doutrina das artes marciais.


Existe atualmente muita ignorância quanto a esta tradição e doutrina, a ponto de
confundi-la com outras doutrinas, por exemplo: o budismo, o taoísmo, o confucionismo,
o xintoísmo, etc.

Isso é um grande erro, pois tanto a tradição quanto a doutrina das artes marciais
nada tem a ver com elas. A doutrina e a tradição das artes marciais existem há milênios,
como um caminho independente de qualquer religião, filosofia mística ou doutrina
normativo-política.

Nas origens da Quinta Raça e na evolução da Quarta, encontramos R eis-


Guerreiros que conduzem e formam seus povos através de disciplinas filosóficas
guerreiras, com um simbolismo e mitologia próprios. As divindades correspondentes a
esses povos são eminentemente guerreiras, como Indra, Mitra, Huitzilopochtli, Susanoo,
Ares, entre outras.

Posteriormente, as castas guerreiras são substituídas pelas sacerdotais, que


modificam essas tradições guerreiras até dilui -las totalmente. Ainda podemos encontrar
fontes da doutrina marcial em tratados como o Mahabharata, Odisséia, Ilíad a, e outras,
nas quais encontramos parte de sua doutrina, como, por exemplo, o Bhagavad Gita.
Platão, em A República, reafirma esta tradição quando fala dos Guardiões de prata e
quando define as bases da educação para os guerreiros. Virgílio, em Eneida, no s mostra
o perfil psicológico e a escala de valores do guerreiro. O Bushido de Nitove fala
claramente de uma doutrina e disciplina marcial.

A doutrina dos guerreiros é, então, uma via com valores e princípios próprios,
completamente independente de qualque r outra, a ponto de os valores implícitos nela
não serem aceitos por muitas das religiões modernas. O guerreiro deve ser conduzido
em relação direta com a natureza de sua Alma, a qual inclui como elemento principal o
conceito de “guerra justa”.

O guerreiro deve defender a lei, os sábios e o ideal universal com toda a força da
virtude que lhe é própria: o VALOR.
68

5) A DOUTRINA DA GUERRA
Esta é uma doutrina iniciática, através da qual o homem chega a uma profunda
amizade com os deuses, alcançando, finalmente, a união com o mítico. Sua estrutura
fundamental é mitológica e a vivência direta em relação ao mito do guerreiro divino
transforma o homem em um ser divino: o HERÓI.

O herói é filho dos deuses e sua natureza, definida por Virgílio em Eneida, é a
seguinte: “Herói é o primeiro que escuta a voz da Divindade e o primeiro a acatar a Lei
que emana dela, fato que o transforma no protetor da Humanidade”.

Mito, do grego Mythos, significa tradição, palavra, relato, rumor público. Seu
sinônimo em latim, “fábula”, signi fica alguma coisa que foi dita em tempos pré -
históricos. Os mitos têm duplo significado: muitos deles falam da realidade e a maior
parte não é invenção, mas sim transformações, pois têm como ponto de partida fatos
reais.

“Os Mitos, afirma Pococke, está pro vado agora, são fábulas na mesma
proporção em que os compreendemos mal, e são verdades na proporção em que eram
compreendidos noutros tempos.
Os Mitos tiveram e têm ainda, para as massas, o valor de dogmas e realidades,
e constituem a base das religiões ex otéricas”.
(Síntese do Glossário Teosófico de Helena Petrovna Blavatsky).

Embora nas raças anti-diluvianas o mito não existisse como estrutura mistérica,
é posteriormente organizado e reagrupado pelas confrarias mistéricas, que vêem a
necessidade de estabelecer uma nova ponte entre os deuses e os homens: essa ponte é
mítica.

Na atualidade, os mitos chegam a se tornar uma verdadeira transferência de


energia mágica e podem ser considerados como a estrutura fundamental da encenação
mistérica. A encarnação do mito implica a mais alta realidade que o homem pode viver
neste mundo.

A doutrina do guerreiro se estabelece, então, através do princípio mítico do


guerreiro e de sua vivência prática no aqui e no agora e, dessa prática constante, provém
o verdadeiro poder da arte marcial.
69

O mito da loba e seus filhos não se circunscreve ao Rômulo e Remo romanos,


visto que forma parte das tradições marciais de todas as épocas e caracteriza os
guerreiros propriamente ditos.

Diz-se que o Senhor do Mundo está rodeado de lobos que protegem a casa dos
deuses e, quando esses lobos vêm ao mundo, transformam -se em cães, para proteger a
casa dos homens.

O lobo, como animal totêmico, acompanha à batalha os guerreiros romanos, os


nórdicos, os vikings e, talvez, se fizéssemos uma invest igação mais especializada,
chegaríamos a reconhecê-lo em todas as casas militares de tradição.

As características destes animais, tanto individual como grupalmente,


simbolizam virtudes que toda organização guerreira deve possuir, tanto quando vai
prover sua família de alimentos, como quando vai protegê -la na guerra. Em Kadesh, por
exemplo, os guerreiros egípcios marcham ao combate acompanhados pelos estandartes
de Anúbis.

Quero esclarecer que essas virtudes não são apenas militares, mas cívicas e
filiais, já que o guerreiro tradicional combate apenas aquilo que atenta contra os
princípios naturais e humanos.

Platão, em A República, define detalhadamente as virtudes que todo Guardião


deve possuir. Segundo ele, o guerreiro deve ser prudente, temperante, valent e e justo.
Hoje, o guerreiro limita -se tão somente a virtudes militares e carece de todas as virtudes
morais e estéticas que todo guerreiro deveria ter.

O guerreiro deve ser essencialmente bom e combater o mal em sua raiz; essa é a
única justificativa para sua ação. Um guerreiro sem representação mítica não é um
verdadeiro guerreiro e, queira ou não, luta nas sombras e pelas sombras. O mundo
mítico do guerreiro deve se constituir em função da imitação dos grandes heróis, que
são modelos permanentes para tod as as gerações de guerreiros.

Mitos como o do Rei Artur e seus Cavaleiros, Teseu, Hércules, Perseu, Enéas e
Aquiles devem se tornar idealísticos e devem povoar os sonhos de todo discípulo de
artes marciais que queira chegar ao fundo de si mesmo, já que, se m este guia, o caminho
se torna impossível.
70

O mito marcial converte -se em religião de guerreiros, na medida em que estes o


escolhem como modelo de vida. Sendo assim, sua prática constante se transforma na
trilha dos pequenos mistérios.

a) O SIMBOLISMO MÁGICO

Bodhidharma, 28o Patriarca do Budismo, pertencia à casta dos Chatryas


(guerreiros hindus) e conhecia profundamente a doutrina da guerra interior. Diz -se que
dominava o VajraMukti, arte marcial da casta Chatrya. Suas origens remontam, pelo
que se sabe, ao ano 1.120 a.C. e era, sem dúvida, uma arte secreta que buscava o acesso
à sabedoria divina.

Como a etimologia diz, Vajra é o símbolo do poder divino e Mukti, a libertação


final. Deve ter sido uma arte marcial composta por práticas filosóficas poderosíssima s,
capazes de vencer as potências inferiores e conquistar a iluminação. É provável que
Bodhidharma tenha ensinado esse conhecimento em Shaolin, criando um centro marcial
mágico, um dos mais poderosos que se conhece na história das artes marciais.

O que hoje conhecemos como Chang deve ter sido o caminho da iniciação
guerreira e os que venciam todas as provas transformavam -se em Vajrapânis (os
portadores do Vajra). Esse conhecimento só esteve ao alcance dos monges de mais alto
grau; o restante dos monges de S haolin aprendia as bases exotéricas dessa arte. Na
atualidade, tudo isso se perdeu, deixando as artes marciais sem alma e criando uma nova
necessidade: restaurar esse caminho perdido.

Como Diretor do Instituto Internacional Bodhidharma de Artes Marciais


Filosóficas, cabe a mim o dever de recriar as bases dessa arte perdida, por meio de uma
relação simbólica; embora tenha raízes históricas muito profundas, constato a
necessidade de adaptá-la à época na qual vivemos. Considerando minhas limitações,
apresento este trabalho de forma muito humilde, já que não pretendo dar a última
palavra em relação a tudo isso, mas apenas o que sei a respeito do assunto.

Esse simbolismo mágico guarda relação com a guerra interior que se desenvolve
em todos os seres humanos, a gu erra da luz contra as sombras, da sabedoria contra a
ignorância, do real contra o falso, da imortalidade contra a morte.
71

Neste campo de batalha, encontramos dois exércitos: um comandado por um


guerreiro branco, outro por um guerreiro negro. Ambos os comand antes se encontram
no interior de cada guerreiro e é a decisão de cada homem ou mulher sobre a face da
terra que determina a qual dos dois servir.

O guerreiro branco representa o homem por excelência, que busca o bem, a


justiça, a verdade, a sabedoria, etc . O guerreiro negro representa a parte do homem que
se opõe ao caminho do bem. O primeiro vive em função da virtude; o outro, o negro, em
função do vício, das paixões, dos instintos, etc.

Podemos dizer que o guerreiro negro é a sombra do verdadeiro guerrei ro que


existe em todo ser humano. A primeira dificuldade que encontramos aqui é que o
guerreiro negro é mais velho e mais experiente do que o branco. A segunda dificuldade
é que este mundo no qual vivemos identifica -se mais com o cavaleiro negro e com suas
forças do que com o branco.

Considerando tudo isso, o cavaleiro branco deve ser educado em um sistema de


virtudes e valores morais; deve compensar a experiência e falta de escrúpulos do
cavaleiro negro com uma profunda sabedoria e harmonia que lhe permita vencer o
eterno adversário dos guerreiros.

i. O SIMBOLISMO DO CENTRO

Todos os Katas dos diferentes estilos de artes marciais, sejam eles coreanos,
japoneses, chineses, vietnamitas, hindus, etc., têm algo em comum: todos eles começam
em um ponto e acabam no mesmo ponto.

Esse fato corresponde a um sistema simbólico, no qual encontramos o


simbolismo do centro, pois o ponto de início de todo Kata representa o centro, e seu
desenvolvimento, um segmento de raio ou diâmetro da circunferência.

Por outro lado, em alguns estilos encontramos Katas cujo desenvolvimento se


efetua nas quatro direções, sempre partindo do centro e voltando a ele. Encontramos
aqui um conhecimento transmitido pelos mestres aos guerreiros que tem relação com
essa guerra sagrada entre o guerreir o branco (a consciência) e o guerreiro negro (os
quatro elementos).
72

O simbolismo do centro é, então, a única posição estável e segura que o


guerreiro branco deve assumir. Quando a consciência se estabelece no centro, ele
consegue dominar e dirigir os quatr o animais simbólicos, que representam o corpo, a
energia, as emoções e os pensamentos.

A guerra interior se desenvolve porque, devido à força que o cavaleiro negro


lança sobre o branco, está sempre magnetizando -o violentamente, para tirá -lo do centro,
fazendo com que ele perca a batalha.

ii. A CONQUISTA DA CIDADE SAGRADA

A cidade sagrada simboliza o próprio coração do guerreiro, o qual, por haver


sido abandonado por seu morador em algum momento, agora se encontra sombrio e
rodeado por uma selva quase impenetrá vel, onde inúmeros inimigos esperam o
cavaleiro branco para tentar destruí -lo, antes que possa retomar o castelo que outrora lhe
pertenceu.

Para chegar ao castelo (símbolo do centro), existe um único caminho, que é o de


enfrentar um a um todos os perigos, até dilui-los magicamente, fazendo com que
desapareçam diante do cavaleiro, como se fossem produzidos por encantamento. Isso
está simbolizado nos Katas pelo caminho de retorno ao ponto de partida.

Finalmente, o guerreiro negro criará a ilusão de um dragão feroz que impede a


passagem do guerreiro branco, o qual, depois de uma cruel batalha, mata o dragão com
a lança e a espada de sua própria vontade.

iii. O SIMBOLISMO DOS ANIMAIS

Nas antigas escolas de artes marciais esotéricas, ensinava -se aos guerreiros um
conhecimento mágico relacionado com símbolos de animais. Isso denota em todas essas
escolas um profundo conhecimento de psicologia e parapsicologia, já que cada animal
em questão representa forças da natureza exterior e interior do homem.

Ensinava-se, por meio desses animais simbólicos, a dominar as forças que eles
representavam. Podemos distinguir entre estas forças dois tipos de símbolos: superiores,
ou filosóficos, e inferiores, ou psicofísicos.
73

iv. SÍMBOLOS SUPERIORES OU FILOSÓFICOS

Correspondem ao conhecimen to filosófico de certas faculdades superiores e de


características espirituais no homem e em toda a natureza. São símbolos desta natureza:
o dragão dourado, que representa a vontade e a lei; a fênix, que representa a sabedoria, o
amor, a vida e a energia; o cisne, que representa a inteligência e a forma. Todos esses
animais correspondem ao emblema do centro e representam casas reais.

Também encontramos seus símbolos complementares, que corresponderiam à


projeção terrestre das forças cósmicas descritas. Esse s símbolos complementares são: a
serpente emplumada e o leão, complementares do dragão; a águia, complementar da
fênix; e a garça, complementar do cisne. Esses símbolos complementares correspondem
também ao emblema simbólico do centro.

v. SÍMBOLOS INFERIORES OU PSICOFÍSICOS

Correspondem ao conhecimento psíquico e somático das forças ocultas que


comandam a personalidade do guerreiro e que correspondem também ao emblema dos
quatro elementos, ou quatro cantos.

Aqui encontramos animais como o tigre, que represent a a força dos instintos; o
jaguar, que representa a força fisiológica; a pantera, que representa forças
parapsicológicas e instintos psicopômpicos; o macaco, que representa forças lúdicas; o
louva-a-deus, que representa forças astrais, etc.

É por meio destes símbolos que o guerreiro trava a guerra interior, fazendo com
que esses animais simbólicos lutem entre si até provocar a abertura da consciência, para
integrar-se conscientemente no mundo da unidade.

Para efetuar esse trabalho, que tem como objetivo a v itória do guerreiro branco
sobre o negro, ou seja, a união da consciência humana com a divina, o praticante de
artes marciais deve conhecer a relação entre os animais e os quatro elementos (terra,
água, ar e fogo). Deve conhecer também a correlação existen te entre o centro e os
quatro cantos e os animais filosóficos, em correlação com os animais psicossomáticos.

Esse conhecimento permite ao guerreiro chamar ou invocar as potências e


forças, para que estas lutem por ele e para que, finalmente, os animais sup eriores
74

vençam os inferiores, sublimando, assim, a natureza do guerreiro, até alquimizá -la em


essência pura. Implícito nesta alquimização, encontramos o verdadeiro e mais profundo
sentido das artes marciais filosóficas.

vi. O SIMBOLISMO DAS ARMAS MÁGICAS

No segundo estágio ou período formativo do guerreiro, ensina -se-lhe o uso de


armas que, de acordo com todas as tradições antigas, são também símbolos de poderes
não só da consciência, mas também do Eu Divino do guerreiro. Cada uma dessas armas
corresponde simbolicamente a poderes específicos, que também encerram uma
correlação entre si.

São símbolos desse tipo: a espada, que representa o espírito do guerreiro; o


escudo, que representa a virtude; a lança, que representa a vontade; o punhal, que
representa a formação de caráter; o cavalo, que representa a personalidade, etc.

As armas são como o jogo de xadrez: cada peça tem o seu próprio poder e, ao
mesmo tempo, sua contraparte, que pode destrui -la. Um bom guerreiro sabe disso
quando escolhe a arma específica, co m a qual enfrentará a arma de seu oponente.
Quando a arma é bem escolhida, as probabilidades de vencer são imensas.

Se as forças da natureza adotam a forma de lança, o guerreiro experiente tomará


a espada e, com uma simples esquiva, poderá cortar a lança e entrar na guarda de seu
inimigo simultaneamente; se flechas, escudo; se punhal, armadura; se machado,
capacete, etc.

Em última instância, as armas representam a glória do guerreiro, já que são


forjadas e entregues a ele pelos deuses, quando o guerreiro se encontra preparado para
realizar a guerra justa.

b) OS DOIS CAMINHOS

Bodhidharma ensinou em Shaolin a doutrina dos dois caminhos: o caminho da


libertação e o da renúncia; o caminho da mente e o caminho do coração. Esta doutrina
implica a existência de dois tipos de guerreiros: aqueles que lutam por sua libertação e
75

aqueles que lutam pela libertação da humanidade em conjunto. Dos dois caminhos, qual
é o melhor? Bodhidharma ensinou que ambos os caminhos conduzem ao mesmo fim; no
entanto, o maior é o da renúnci a, ou do coração.

Isso implica que as artes marciais foram difundidas com um objetivo


fundamental: ajudar a humanidade e ensiná -la a percorrer o caminho da Sabedoria. Os
grandes mestres, juntamente com seus discípulos, não descansarão até que a
humanidade entre no Nirvana, doutrina que Bodhidharma aprendeu como discípulo de
Buda. Todas as escolas de artes marciais que trabalham para esse ideal estão
indissoluvelmente unidas por um plano universal comum e denominado nas escolas
tibetanas (traduzido em termo s ocidentais) como o Todo -Uno, o Absoluto.

Esse ideal pressupõe uma despersonificação paulatina e sistemática do guerreiro,


para produzir uma identificação ou um princípio de identidade com o todo de maneira
simultânea. Aqui está contido o segredo do maior poder das artes marciais e, neste
ponto, o guerreiro personifica todas as potências cósmicas e terrestres.

Esse guerreiro seria o protótipo para todos os demais, o herói, que se define
como aquele que é o primeiro a escutar a voz do nada ou do silêncio e é o primeiro a
obedecê-la. Este magnífico feito o transforma, então, em um protetor da humanidade.

i. O IDEAL HERÓICO

Encontramos esta doutrina – que caracteriza as escolas de artes marciais mais


elevadas – nas tradições guerreiras de todos os povos da antig uidade.

O herói é um personagem mítico, que, embora tenha um corpo físico e exista


historicamente, é ao mesmo tempo um ser abstrato, mágico e divino, que se encontra
implícito no coração de todos os guerreiros.

Nesta doutrina do herói, o guerreiro é qualif icado, distinguindo-se daqueles que,


embora marchem para a guerra, não são guerreiros. Aqui só é guerreiro aquele que tem
uma concepção heróica da vida, virtudes de guerreiro e valores ético -morais de
guerreiro. Exemplos disso encontramos no Bushido e nos Samurais, unidos a outros
grupos legendários, cuja enumeração aqui seria impossível.
76

Os verdadeiros guerreiros da doutrina heróica reconhecem seus líderes,


portadores da Égide ou do plano universal que já mencionamos. Uma vez feito o
reconhecimento, vem o discipulado (investigação, devoção e serviço), pois esse herói -
comandante seria o herói de todos eles.

O aspecto do discipulado é fundamental nesta doutrina, pois os conhecimentos


só podem ser transmitidos através de um sistema de confiança mútua entre mes tres e
discípulos, de boca a ouvido. Além disso, é necessário que o discípulo assuma um
compromisso e se responsabilize totalmente por si mesmo, única condição para que um
homem possa transmitir seu poder a outro.

Os discípulos guerreiros são submetidos a um exaustivo treinamento espiritual,


além de formação do caráter e treinamento técnico. Também lhes são encomendados
trabalhos específicos, sobre os quais devem assumir responsabilidade e prestar contas a
seus chefes diretos. Quando o aprendiz adquire mai or grau de experiência e eficácia, lhe
são encomendadas missões.

ii. A HIERARQUIA DOS GUERREIROS

Aqui encontramos a estrutura através da qual as escolas de artes marciais de


vocação heróica desenvolvem seu plano no mundo. Esta hierarquia constitui -se em
relação à genealogia, sabedoria, responsabilidade de mando e funções.

Quanto à genealogia, estas hierarquias são bastante cuidadosas, já que nelas a


transmissão do mando só pode ser efetuada por meio de uma continuidade reconhecida
e oficializada da tradição gu erreira entre mestres e discípulos.

A origem desta pirâmide, ou montanha da hierarquia, se constitui a partir de um


herói ou iniciado, metade humano e metade divino, simbolizado pelo culto aos Dragões
de Sabedoria – conhecido e realizado por todas as escol as de artes marciais filosóficas.
Como exemplo, temos Shaolin e o Dragão Bodhidharma, reconhecido como o 28o.
patriarca do Budismo e Grão -Mestre do Vajramukti.

A hierarquia guarda o portal da iniciação para os melhores guerreiros, através


dos quais transmite os mistérios da religião universal da sabedoria.
77

iii. A RELIGIÃO DA SABEDORIA

A religião da sabedoria mantém, ao longo da história da humanidade, a


instituição dos mistérios, entidade que agrupa todos os mestres e discípulos da
sabedoria, encontrada em todas as grandes civilizações.

São mistérios desse tipo: Mitra, em Roma; Elêusis, na Grécia; Shaolin, na


China; Calmecac, na América, etc.

O conhecimento dos mistérios envolve verdades intrínsecas da natureza cósmica


e terrestre, como o mistério da unidade na m ultiplicidade, a harmonia por oposição
(dualidade), a lei dos ciclos, as hierarquias de poderes divinos criadores, a história da
humanidade, a realidade do Nirvana e a ilusão do mundo, o homem e sua Alma imortal
divina, a existência da vida em todo o Unive rso, etc.

A religião da sabedoria mantém sua continuidade histórica através de seus heróis


máximos que, por meio da lei dos ciclos, se manifestam de vez em quando no mundo,
para restaurá-la. Em todos os livros sagrados da humanidade, encontramos este
fragmento quando o herói diz: “Quando o ódio, o vício, a ignorância, a injustiça e o
medo se apoderam do mundo, Eu, o Cavaleiro por excelência, me manifesto, para
esclarecer os justos e confundir os injustos”.

Finalmente, esta doutrina é ideal e arquetípica e s uas sementes são reencontradas


no mais profundo do coração humano; quem as encontra e as desenvolve é – e sempre
será – reconhecido como guerreiro.

“Em homenagem a Daruma, 28o patriarca do Budismo e Grão -Mestre do


Vajramukti, agradecemos a semente que nos deixou e comprometemo-nos a cuidá-la,
para que cresça e se manifeste no fruto de uma nova e melhor arte marcial filosófica
para o futuro dos guerreiros que virão”.

c) A TRADIÇÃO E O REGULAMENTO

A tradição dos mistérios diz que esta doutrina foi passada pelo espírito do sol ao
grande senhor da verdade pura. Este, por sua vez, transmitiu -a ao grande senhor da
montanha branca, que a transmitiu ao grande mestre do amor, que, por sua vez, a
78

transmitiu ao grande mestre pensador. Este último passou -a ao primeiro Rei iniciado e
este a seus discípulos e assim, de boca em boca, foi descendo até a progênie humana.

De vez em quando, os homens a esquecem e é necessário que outro da linhagem


real volte a recriá-la. Assim aconteceu com todos os patriarcas: Bodhidharma, Daish i-
So, Jigoro Kano, Funakoshi, Uyeshiva, etc., e assim continuará acontecendo.

Em nossos dias, tudo isso tem sido esquecido e, de acordo com a lógica
histórica, virá outro reformador para novamente colocar em marcha a roda do Dharma –
talvez até já tenha começado a fazê-lo, quem sabe?

Cada vez que isso acontece, um novo regulamento aparece para reger as artes
marciais filosóficas, que voltam a reabrir as portas dos mistérios da guerra interior.
Tradicionalmente, esse regulamento se compõe dos seguintes eleme ntos:

Águia solar: representa a consciência como um todo harmonizado, mais além


da oposição, da qual emanaria o código da guerra interior. Esse primeiro aspecto
seria o poder em si.

Linhas de força: são emanações da águia, através das quais os guerreiros


percorrem o caminho.

Visão interior: é olho interno que vê as linhas de força e mostra ao guerreiro


como percorrê-las.

Compromisso com o poder: condição necessária para que todo guerreiro possa
suportar o poder que a águia lhe transmite, que seria proporcio nal ao poder
acumulado pelo próprio guerreiro.

Coração puro: todo guerreiro que atravessa o portal da guerra interior deve
fazê-lo por pureza de coração, por amor ao bem supremo e por vontade própria.

Despersonalização: para poder compreender a doutrina e alcançar o poder


interno, o guerreiro deve aprender a desprender -se de sua personalidade e a
trabalhar sem apego ao fruto de sua ação.

Irmandade dos guerreiros: todos os guerreiros se reúnem na irmandade que os


reagrupa em relação hierárquica, de militânci a firme e decidida e de
79

transferência de funções. Esta irmandade constitui -se, a nível mundial, através


de comandos independentes, coordenados por um grande e único comandante
mundial.

Culto aos heróis e respeito pela tradição: o culto aos heróis se desenv olve a
partir do momento em que estes são tomados como exemplos a serem imitados
por todos os guerreiros. O respeito pela tradição implica o culto aos
antepassados e o reconhecimento da ajuda que estes prestam ao guerreiro, que é
o continuador de sua obra.

Provas: são aquelas que todo guerreiro deve superar para crescer e tornar -se um
sábio.

Estandartes e símbolos: correspondem à representação das forças que apóiam e


comandam, do mundo divino, todos os guerreiros; são cultuados e carregados
com o maior poder possível e sempre acompanham os guerreiros no combate.

Guerra justa: não pode faltar a guerra justa na vida do guerreiro, pois é
justamente nela que poderá vencer todos os obstáculos. A guerra justa tem um
código muito rígido, que deve ser respeitado, po is protege a virtude do guerreiro.
Esse código é composto pelos seguintes pontos:

 Somente se declara ou se aceita declaração de guerra quando esta é justa e a


Divindade o exige.

 Estrito cumprimento do dever.

 Somente matar guerreiros em combate.

 Respeitar aquele que cai, dando-lhe a oportunidade de continuar o combate.

 Não matar civis em circunstância alguma.

 Defender os débeis e protegê -los.

 Lutar isento de ódio, paixões e violência.

 Não fazer prisioneiros em batalha.


80

 Não explorar o vencido depois da batalh a; ao contrário, dar-lhe proteção e


amparo.

 Não manchar a honra das armas com ações ruins.

 Consagrar as armas ao Deus da Guerra.

 A batalha deve ser considerada como um ofício sagrado e a atitude deve ser
sacerdotal-guerreira.

 Não roubar a dignidade dos gue rreiros e povos vencidos.

 Respeitar as terras, os campos, as águas, os animais, etc.

 Procurar a paz, estabelecê -la, quando possível, e conservá -la o maior tempo
possível.

 Não odiar nem temer a guerra.

 Cultuar o Deus da Guerra, oferecendo -lhe a vitória.

 Capturar estandartes e símbolos do inimigo, com respeito, e torná -los


propícios.

 Defender os próprios estandartes e símbolos com a própria vida.

Poderíamos continuar enumerando pontos deste código, mas, para os fins deste
livro, esses são suficientes.
81

6) ADENDA À ESTRATÉGIA – A DOUTRINA DO CENTRO

“A montanha não se move.”


Kagemusha

a) INTRODUÇÃO

Esta doutrina é o coração da estratégia universal e dela surgem todos os modelos


da tática clássica. Porém, o que é o centro? Será um lugar, a distância eqüidistante ent re
dois combatentes, uma idéia?

Para definir o centro, temos que separar a natureza de seus atributos, já que na
natureza não encontramos centro, mas sim direções, movimentos, redes de
comunicação, linhas de força e, de acordo com as teorias atuais, um ent relaçado de
sistemas fragmentados.

Somente quando observamos o Universo, sob um ponto de vista filosófico, o


centro surge como atributo deste por excelência. Podemos dizer, então, que o centro
corresponde a uma concepção espiritual da vida e, neste caso, p odemos entendê-lo
como forma (conceito) e como abstração (espírito).

O centro implica a idéia do bem, da verdade, da justiça, etc. Mas, se é possível


concebê-lo, ele deve ter também uma forma. Qual será a forma do centro? Nos
esquemas tradicionais, o centr o é representado como o ponto que eqüidista de todos os
demais, seja em figuras planas (círculo, quadrado, triângulo, etc.) ou em figuras com
volume (cubo, esfera, dodecaedro, etc.).

O centro também é representado na cúspide da pirâmide, ou no obelisco sob re a


colina, mas tudo isso é simbólico e representa algo que existe mais além de qualquer
parâmetro mental de onde a natureza ou o espírito possam estar representados.

Assim, é possível esboçar uma definição do centro, pois nela podemos integrar
tudo o que foi dito até agora; se reagruparmos cada uma dessas coisas, ou seja, natureza,
espírito, atributos e símbolos, chegaremos a um ponto onde todas as coisas se
encontram.

Centro é, então, o ponto de conjugação onde todas as coisas se harmonizam e, ao


mesmo tempo, se articulam, para cumprir com eficiência as funções que lhes são
82

próprias. Deste modo, com esta definição teórica, podemos definir a forma prática do
centro.

Em sistemas naturais ou em sistemas criados pelo homem, a forma do centro se


encontra naquilo que, pertencendo a qualquer coisa em movimento, não se move e, ao
mesmo tempo, é o suporte do movimento.

Em uma roda, o centro é o cubo ou círculo onde o eixo gira, transmitindo seu
movimento ao resto do sistema; na árvore, o centro é a concavidade onde a seiva flui,
transmitindo a vida a todo o sistema; no sistema solar, o centro é o espaço de onde o sol
se move, transmitindo força a todo o sistema; no homem, é a concavidade onde a
consciência se move, relacionando todos os elementos que o constituem.

Como atributo, é o primeiro de todos, a Vontade, e, como objeto, é também o


primeiro de todos, a Lei. Mas como o homem pode chegar a realizar o centro? Somente
quando o concebe e se identifica com ele. Assim, no homem, a idéia -forma do centro é
o homem superior, o herói, o comandante.

No trabalho anterior sobre as táticas no combate das artes marciais, dissemos


que o centro se expressa por meio de dois círculos concêntricos (Heiho): o círculo
defensivo e o círculo de ataque. Taticamente, é correto vê -lo assim, porém, do ponto de
vista estratégico, o centro não é um círculo de defesa nem de ataque, mas a integração
de ambos, simultaneamente, unificando ponto e circunferência; é um centro total.

b) O CAMINHO PARA O CENTRO

Nas artes marciais tradicionais, o caminh o para o centro é considerado o ideal da


vida do guerreiro, ou o verdadeiro sentido e direção do artista marcial. Esse caminho
para o centro se manifesta pela guerra interior, que se estabelece no praticante, entre a
dor e o prazer, entre a inércia e a ati vidade desenfreada, entre a dúvida e a temeridade.

É um caminho que contempla a guerra como fim em si mesma (Bugei) e a


guerra como meio para a vitória final da sabedoria sobre a ignorância (Budo); em
síntese, o domínio sobre si mesmo e o desenvolvimento d o valor.

Esse caminho para o centro confronta o discípulo guerreiro com seus limites,
que são como portais onde as provas de passagem obrigam o lutador a fazer com que a
83

Vontade e a Lei vençam todos os aspectos tenebrosos e terríveis que existem em cada
batalha e em cada combate, promovendo o fortalecimento da decisão de viver e morrer
alternadamente.

Apenas quando uma decisão implica perdê -lo, o guerreiro descobre o valor da
vida e rompe o centro, adquirindo o verdadeiro poder da guerra.

c) O CAMINHO DO CENTRO

Uma coisa é o caminho para o centro; outra é o caminho do centro. O primeiro é


o caminho do discípulo guerreiro, o segundo é o caminho do mestre guerreiro. No
primeiro caso, luta-se para alcançar o centro; no segundo, para preservá -lo e mantê-lo
como ponto de união entre o divino e o humano. Existe também um caminho
intermediário, que tem algo do primeiro e algo do segundo: é o caminho do umbral, ou
das portas.

O caminho para o centro é simbolizado por um círculo vermelho dentro de um


círculo branco; o caminho das portas, como um círculo azul em outro verde; o caminho
do centro, como um círculo branco dentro de outro dourado.

d) O CAMINHO DO VERMELHO E DO BRANCO

Essas duas cores guardam em seu simbolismo uma série de provas marciais, que,
para o guerreiro, se traduzem em uma dinâmica de desafios, em que o medo, a incerteza
e a dor são os únicos e verdadeiros inimigos.

A vontade se manifesta como uma força instintiva que empurra o guerreiro a


aceitar os desafios de maneira direta, suportando a pressão do eve nto marcial que se
apresenta diante dele. A lei deste caminho é não evitar nenhum combate, porém, antes
de aceitá-lo, estudar o inimigo, descobrir seus erros e encontrar o caminho da vitória. Só
então deve dominar os três inimigos antes descritos e enfrent ar a prova.

e) O CAMINHO DO AZUL E DO VERDE

Estas cores simbolizam um caminho onde o guerreiro tem inimigos como a


dúvida, a indecisão, a derrota eminente e a perda de confiança. A vontade se manifesta
84

como uma espécie de suporte de valores cavalheirescos (n obreza), que fazem com que o
guerreiro persiga objetivos claros com persistência. A lei deste caminho é lutar contra as
injustiças, proteger os mais débeis e amar as virtudes guerreiras com atos concretos de
defesa, contra qualquer intenção de abafá -las.

f) O CAMINHO DO BRANCO E DO DOURADO

É o caminho da superação, do domínio próprio. A consciência que se estabelece


no branco irradia a luz dourada. É o caminho dos grandes guerreiros, aos quais não
alcançam a divisão nem a derrota, pois eles já não têm nada qu e possa ser dividido ou
derrotado.

A Vontade e a Lei deste caminho são simultâneas e emanam do próprio


guerreiro, que descansa no centro. É o senhor da guerra justa, onde não há dor nem
violência, onde as coisas são o que são. Esse é o caminho da vitória d a luz sobre as
sombras, do real sobre o falso, da imortalidade sobre a morte.

É o grande caminho da estratégia ou da doutrina do centro. Sua representação


antropomórfica é, por exemplo, o Krishna -Arjuna dos Ários, o Merlin -Arthur dos
Celtas; o caminho do mestre e do discípulo nas artes marciais.

g) A DOUTRINA DO CENTRO

Não importa o que aconteça, a circunstância, as características de combate e o


centro não se movem jamais; o que se movem são os elementos. Cada elemento tem
suas características próprias, de a cordo com sua natureza, e a resposta se manifesta de
acordo com o estímulo.

Existem estímulos físicos, vitais, emocionais e mentais e cada um deles requer


um tipo de resposta instantânea em seu próprio nível. A energia do centro se encontra
presente em cada um dos quatro elementos, gerando neles os três logos. Desta maneira,
a defesa diante de qualquer ataque é simultânea e sincronizada com este de uma forma
eficaz e com total harmonia de movimentos.

Há um poema guerreiro japonês que simboliza muito bem est a doutrina:


85

“A montanha não se move,


a infantaria avança quando é chamada,
a cavalaria corre ligeira e se desloca
pelos flancos.
Os arqueiros lançam suas flechas antes que
os primeiros alcancem seus objetivos.
As tropas de elite esperam para destruir
o inimigo no momento oportuno.
Tudo na guerra é movimento; avanço,
retrocesso, marcha, contramarcha, deslocamento
para um lugar e outro, mas, em meio do combate,
do ruído, os gritos, a vida e a morte,
a montanha permanece quieta, não se move.
Este é o segredo de nosso clã e, no dia em
que o comandante supremo esquecer esse segredo,
seremos derrotados e todos os guerreiros deverão
morrer junto com seus estandartes, que serão levados
pelos rios, flutuando e cobrindo os corpos
vencidos; só assim a desonra não entra rá na nossa casa.
Que todos vivam à sombra desta montanha,
mas se a abandonarem, que todos os guerreiros
morram em seus postos de combate!”

h) O CENTRO E A FORÇA

A doutrina do centro implica, além da idéia do centro, o domínio da força, já que


esta é simultânea ao centro. O centro é o vazio; a força é a forma. A doutrina tradicional
diz que vazio e forma são o definitivo, a mesma coisa (Unidade) e, para podermos
entender isso, devemos conhecer os cinco elementos: terra, água, ar, fogo e centro.
Esses elementos são representados pelo Mudra dos Cinco Elementos, que ensina a
proporção do centro em cada um dos outros elementos: centro na terra, na água, no ar e
no fogo.
86

A aplicação desse conhecimento gera a técnica dos cinco elementos, elaborada


pelas escolas internas de artes marciais. Esse conhecimento é o fio que unifica todas as
técnicas marciais existentes nos cinco elementos e é definido como tática marcial.

Quando se estabelece a harmonia em todos os elementos e estes se alinham com


o centro, então se manifesta a força e, assim, o centro se estabelece em todas as coisas.
Esse é o estado permanente do Universo, fruto da imagem que temos dele.

i) A RELAÇÃO DO CENTRO COM A FORÇA

A relação do centro com a força se estabelece através de vários aspectos:

i. SILÊNCIO E SONS

O silêncio representa o centro e o som representa a força. É por esta razão que o
guerreiro deve habituar sua consciência ao silêncio; assim, por meio deste, pode
interpretar os sons e canalizá -los de acordo com as distintas direções.

ii. OS CICLOS

Outra forma de relação do centro com a força é a dos ciclos, já que tudo se
manifesta com fluxo e refluxo. Todo estímulo gera uma resposta e esta, por sua vez, é
estímulo de outra. Por isso o guerreiro não atua em vão; ele segue uma indicação
superior e espera o retorno de sua ação, ao que recebe uma nova indicação e assim por
diante.

iii. O VAZIO E O CHEIO

O centro se relaciona com a força também através do vazio e do cheio, já que


tudo se manifesta como espaço e forma, estabelecendo uma relação dinâmica de
equilíbrio em movimento. É por esta razão que o guerreiro gera um espaço interior
(Wa), dominando seus pensamentos até aquietá -los em um ponto interno, esvaziando -se
de todo desejo e estabelecendo um padrão de ação rápido, relaxado e eficaz.
87

iv. O PODER DA VONTADE

Finalmente, existe uma forma de relação onde a intenção do guerreiro impera


sobre todas as forças. É o domínio da vontade sobre o corpo. Esta é a forma mais
poderosa de canalizar a força através do domínio próprio e dos elementos. Aqui a mente
se estabelece no centro e a intenção se torna decreto, vontade e certeza. O guerreiro é
investido pelo poder do centro, que se fixa no centro do peito e, com isto, canaliza não
só a força terrestre, mas também a força solar.

j) A DOUTRINA DO CENTRO E A AÇÃO

Este conhecimento gera um tipo de ação e de técnica muito peculiar, imitável e


inconfundível, tão contundente e inexorável quanto os elementos da natureza e do
próprio Universo.

Existe um pequeno poema anônimo que descreve isso:

“Minha arte marcial não é minha,


ela pertence ao Universo.
Quando o inimigo me ataca,
ataca o Universo e, como ele é imbatível,
como o inimigo poderia me vencer?”

k) A TÉCNICA DO CENTRO

Esta técnica se enquadra no hexagrama CHUNG -FU, ou Verdade Interior. As


duas linhas YING no centro do hexagrama denotam um homem de coração livre, em
cujo centro flui a vida e todas as coisas. Poderíamos dizer que a técnica do centro é o
símbolo por excelência das virtudes do guerreiro. É a aplicação eficaz do princípio
doutrinário e tático do centro.
88

Capítulo II

1) ESTUDO DE PROBABILIDADES: O PROVÁVEL


E O IMPROVÁVEL

Com relação ao tema do provável e do improvável, estabeleceremos uma divisão


básica para definir com mais amplitude esses conceitos. Essa divisão se faz em relação a
duas dimensões: a tática e a técni ca, as quais implicam dois tipos diferentes de
probabilidades.

a) PROBABILIDADES TÉCNICAS
As probabilidades técnicas surgem na medida em que se desenvolve e se
aperfeiçoa a técnica propriamente dita. O praticante de artes marciais precisa de um
treinamento intensivo de muitos anos para criar o campo de probabilidades técnicas
favoráveis.
Ao definir o treinamento intensivo como “treinamento efetivo (Te)” e o campo
de probabilidade como “probabilidades técnicas (Pt)”, teremos: Te implica Pt (Te - Pt).

b) PROBABILIDADES TÁTICAS
Surgem na medida em que se desenvolve a compreensão dos objetivos a serem
alcançados. Esta compreensão aumenta na proporção direta do conhecimento tático
desenvolvido pelo praticante. A vitória ou a derrota no combate de artes marciais
depende, em grande parte, do aumento tanto das probabilidades técnicas como das
táticas.
Se designarmos o conhecimento tático com o símbolo “Ct” e as probabilidades
táticas com o de “Ptát”, teremos que:
Ct implica Ptát (Ct - Ptát).
Para calcular as probabilida des técnicas, necessitamos conhecer o treinamento
efetivo, tornando-se imprescindível definir o que é Te.
89

Nas artes marciais, o treinamento efetivo, embora dependa em grande parte das
condições gerais de um praticante, é definido como a aplicação sistemáti ca do
treinamento convencional e do treinamento extra. As horas de treinamento convencional
são os trabalhos que o praticante desenvolve junto aos seus companheiros, diante do
instrutor que os orienta; as horas de treinamento extra são os trabalhos que o p raticante
realiza de forma independente, aplicando os ensinamentos recebidos.

Te = Horas de trab. convencional + Horas de trabalho extra

Em relação ao conceito de trabalho, entende -se a aplicação intensa tanto da


mente quanto da energia e do corpo do prati cante em relação ao treinamento
convencional mais o extra.

Trabalho = treinamento convencional + treinamento extra

Vemos aqui dois fatores imponderáveis, que estão fora do conceito de


treinamento efetivo e de trabalho: as condições gerais do praticante e a sabedoria e
experiência do instrutor que o dirige.

Seria necessário estabelecer as condições gerais por meio de exames de


suficiência específicos para o praticante de artes marciais. Obviamente, o instrutor
deveria ser escolhido em função de exames de suf iciência específicos para um instrutor
de artes marciais, mas esse tipo de exame será deixado para mais adiante. Agora nos
interessa chegar ao conceito de probabilidade técnica e tática.

Desta maneira, criamos um campo de probabilidades técnicas ideal, ou seja,


quando as condições gerais do praticante são boas, o instrutor é idôneo e o treinamento
é satisfatório. Em tais circunstâncias, poderíamos classificar o Te (treinamento efetivo)
em uma escala de 0 a 6, que são as horas por dia de treinamento efetivo, com o qual
poderíamos definir as probabilidades técnicas, que seriam calculadas em percentual.

À medida que aumentam as horas de treinamento efetivo, aumenta em proporção


direta o percentual de probabilidades técnicas.

Se Te = 6 horas, Pt = 100%
Te = 3 horas, Pt = 50%, etc.
90

GRÁFICO N o 05

Te

Ca = Coeficiente Aceitável
6-
Ca = 6
5-

4-

3-

2-

1-

0- Pt
-

-
-

50% 100%

Então:
Ca = Te x 100
Pt
Sendo Ca Constante, ou seja, 6, teremos:

Te = 6 x Pt e Pt = Te x 100
100 6

O problema agora é: como poderíamos avaliar o trein amento efetivo? Para


avaliarmos Te, descontando os fatores imponderáveis, teremos que considerar o tempo
de treinamento efetivo em relação às horas de trabalho do praticante.
Dentro dos limites de tempo disponível para treinamento, que não devem
ultrapassar os limites de resistência do praticante, consideramos que um maior
treinamento efetivo (Te) corresponde a um maior tempo de trabalho.
Em uma escala normal de tempo de 0 a 6, o melhor Te será igual a 6 horas
diárias de trabalho. Para calcular as probabili dades táticas, precisamos saber o
91

conhecimento do praticante em relação aos sistemas de combate em geral, aos fatores


que intervêm na luta, aos tipos de lutadores que existem e à tradição existente em
relação a táticas de guerra que podem ser conhecidas pe lo praticante de artes marciais.

Isso não é fácil de ser calculado, pois teríamos que avaliar estudos realizados,
sua assimilação e a experiência em combate. Esse cálculo não só nos levaria a conhecer
as probabilidades táticas em percentual, como também no s permitiria definir o
coeficiente aceitável.

Em relação ao estudo, podemos defini -lo através de exames teóricos sobre tática,
que envolvem conhecimentos de psicologia, sistemas de combate, táticas tradicionais,
táticas em geral e fatores que intervêm no c ombate. Esses exames seriam qualificados
em uma escala de 1 a 20.

A experiência em combate pode ser avaliada pela quantidade de combates


realizados, dividindo-os em três áreas: área de combates em escolas, área de combates
interescolas e área de combates i nternacionais. É conveniente estabelecer uma relação
entre esses três tipos de combates, que seja proporcional a cada um deles.

A margem de segurança que deveria existir para que um praticante combata com
praticantes de outras escolas seria: para cada 100 combates em escola, 10 combates
interescolas e, para cada 50 combates interescolas, 5 combates internacionais.

A experiência mostra que um combatente adquire handicap a partir de seu


primeiro combate internacional. Com relação a isso, estabeleceremos uma e scala de 1 a
24.

Quando nos referimos a combates em escolas, interescolas e internacionais, não


nos referimos especificamente a torneios oficiais, mas a combates em geral, desde que
respeitem normas de exigências básicas que, a nosso ver, são as seguintes:

a) Seriedade;
b) Luta livre;
c) Interestilos;
d) Risco necessário;
e) Interesse pelo desenlace (definição final da luta);
f) Intenção desconhecida;
g) Bom nível dos combatentes.
92

Se relacionarmos agora ambos os aspectos, teremos o seguinte:

GRÁFICO N o 06
Qc

24 -
23 -
22 - ZONA 6
21 -
20 -
19 -
18 - ZONA 5
17 -
16 -
15 -
14 - ZONA 4
13 -
12 -
11 -
10 - ZONA 3
9-
8-
7-
6- ZONA 2
5-
4-
3-
2- ZONA 1
1-
0- Qt
-

5 10 15 20

Qc = QUANTIDADE DE COMBATES
Qt = QUALIFICAÇÃO TEÓRICA

O conhecimento do combatente seria, então, teórico e prático. O conhecimento


teórico teria que ser controlado mês a mês, por meio de exames teóricos. Sendo assim, e
dando neste caso maior valor à quantidade de combates ganhos, teríamos que a
qualificação teórica (Qt) surge da quantidade de combates ganhos, seguida pelas
qualificações teóricas.

Podemos ver um exemplo no gráfico n.º 06, em que Qc = quantidade de


combates. Pelo gráfico, um Qc igual a 10 e correspondente a uma qualificação teórica
igual a 15 seria superior a um Qc 8, correspondente a uma qualificação teórica (Qt) de
20.

Assim, Qc 10 (Qt 15) é superior a Qc 8 (Qt 20).

Isso nos leva a dividir o gráfico em zonas de categorias, que vão de 1 a 6, ou


seja, toda resultante estaria dividida em níveis de experiência. A zona 1 abrange
qualquer possibilidade de 1 a 4 (coluna vertical); a zona 2, de 4 a 8; a zona 3, de 8 a 12;
a zona 4, de 12 a 16; a zona 5, de 16 a 20; e a zona 6, de 20 a 24 (ver gráfico).
93

Também é necessário definir que, para as melhores qualificações teóricas, é


necessária uma elevação do praticante a zonas superiores. Um homem de qualificação
teórica 20 não poderia estar abaixo da zona 4; a um homem de qualificação 4, não seria
bom que fosse além da zona 2, etc. Isso nos dari a um coeficiente de rendimento que
poderia ser de 1, 2, 3, 4, 5 ou 6, dependendo da zona na qual esteja situado, com o que
teríamos:

GRÁFICO N o 07

Ca = Coeficiente Aceitável

6-
Ca = 6
5-

4-

3-

2-

1-

0- Pt
-

-
-

16,6 33,3 50 66 83,3 100%

Se unirmos ambos os processos, técnico e tático, teremos:

1. Ca = coeficiente aceitável técnico-tático


Cat = 6 (coef. técnico aceitável = 6)
Catát = 6 (coef. tático aceitável = 6)

2. Te : Pt = Ca : Ptát
O treinamento efetivo está para as probabilidades técnicas assim como o
coeficiente aceitável está para as probabilidades tática s.

3. Te/h = T/2_ ,
Pt% Ptát/h
considerando o treino efetivo expresso em minutos (assim como o coeficiente
aceitável), tendo cada combate a duração de 2 minutos.
94

2. Teremos: Te : _Ca_ = _Te+Ca_


Pt Ptát Pt + Ptát

3. Te + Ca = X (potencial de probabilidade relativa)


Pt + Ptát

4. Logo, P.P.R. = Te + Ca
Pt + Ptát

De acordo com tudo o que foi exposto até aqui, o provável seria o potencial de
probabilidades relativas e o improvável estarem fora desse potencial. É importante
entender que, apesar de o potencial de probabilidades relativas ter sido obtido de acordo
com uma linha de formação suficientemente pragmática e exigente, não podemos deixar
de dar importância ao que há de “relativo”, ainda que o praticante d e artes marciais
tenha realizado, da melhor forma possível, tudo o que consideramos. A experiência nos
demonstra que sempre existem fatores imponderáveis que, em um dado momento,
podem alterar de forma considerável o campo de probabilidades favoráveis e o potencial
de probabilidades relativas, em alguns casos, a ponto de tornar as probabilidades um
fator desfavorável.

Isso pode ocorrer devido à existência de outros fatores que não analisamos até
agora, os quais, quando conjugados, causam profundas modificaç ões. Esses fatores são
o estratégico e o mágico. Pude comprovar, na prática, fatos como a derrota ostensiva de
campeões internacionais de combate livre por lutadores que nunca haviam saído do
âmbito de sua escola, mas possuíam profundo conhecimento de estr atégia e um poder
interno específico.

Esses fatos foram constatados pessoalmente em seis oportunidades, com seis


combatentes diferentes, de estilos como o Tae -Kwon-Do, o Judô e o Goju-ryu (estilo de
Karatê). Apesar de terem títulos internacionais de combat e e possuírem ao mesmo
tempo grandes qualidades, esses combatentes foram derrotados por lutadores de menor
experiência, mas que manifestavam um forte e acentuado espírito mágico.
95

Esses e outros fatos similares nos levaram a buscar as causas desse tipo de
ocorrência, motivo pelo qual fomos nos aprofundando cada vez mais no âmbito da
senda filosófica das artes marciais e buscando seu sentido mais profundo: o Espírito, o
Wa.

Hoje, chamamos tudo isso de “poder interno”, ou “a ação de potencial


inteligente”: NEI KUNG. O fato de incorporar esses dois novos conceitos aos já
enunciados anteriormente (o mágico -estratégico ao tático-técnico) implica que uma
força se soma à anteriormente descrita, e essa força adicional já não é de caráter físico,
mas metafísico.

Cabe esclarecer que metafísico significa “além do físico”, invisível aos sentidos
comuns, mas nem por isso impossível de ser estudado cientificamente. A natureza dessa
força metafísica é de caráter eletromagnético, um fluido propriamente dito. Esse fluido
se manifesta através de uma lei natural, a Lei da Polaridade, de caráter bipolar.

Essa lei se manifesta através de dois pólos: um positivo e outro negativo.


Estabelecidos os dois pólos, produz -se um campo de energia que reproduz a força
metafísica através de qu atro fenômenos eletromagnéticos: eletricidade, calor,
magnetismo e luz.

GRÁFICO N o 08

-- -
+
+ CAMPO DE
+
PÓLOS
CONTRÁRIOS -- +
ENERGIA

- +
+

Do campo de energia, resulta um movimento eletrônico que, à medida que


aumenta sua velocidade ou intensidade, cresce em amplitude de ca mpo. Em condições
ideais, esse campo não só cresce, mas também se equilibra, torna -se homogêneo e,
finalmente, se unifica, criando um potencial energético estável e constante.
96

Esse potencial energético é uma força capaz de interferir eletrônica e


concretamente em todos os demais campos de intensidade e amplitude menores,
interagindo com eles. Assim, se uma força física se choca com outra de natureza
eletrônica, esta segunda força equacionará a primeira, não em termos físicos, mas
eletromagnéticos, anulando os efeitos da força física no plano físico e transformando -a
em uma força eletromagnética interagida.

Nas artes marciais, tudo isso se traduz da seguinte forma: um lutador, tendo mais
força e técnica que outro, pode ser afetado por este num nível eletromag nético; isso
anula a força e técnica do primeiro, que se transformam em um campo eletromagnético
de menor amplitude e, dependendo da polaridade, pode afastá -lo ou atraí-lo, fechando e
abrindo seus circuitos e compondo e decompondo seus vetores.

É lógico, então, que o campo de probabilidades do primeiro varie


completamente com a influência do segundo, o que em todos os casos será desfavorável
ao desenvolvimento da força e da técnica do primeiro lutador.

Ou seja:

Lutador A V (força + técnica)n


=
(raiz quadrada da força somada à técnica elevada a um dado número “n”).
Lutador B = (força + técnica)n
(enésima potência do somatório da força e da técnica).

À medida que o praticante domina e aperfeiçoa o fluido, sua força e técnica se


tornam poderosas, consolidando a força e a técnica de seu inimigo de maneira inversa e
proporcional.

Logo: B = (BxA)
A VAn

O fluido propriamente dito é, por sua vez, dirigido por um poder vital, que seria
a fonte originária do próprio fluido. Essa fonte geradora seria para o fluido o que o sol é
para a luz. O sol e a luz estão para a lua e para a escuridão assim como a fonte vital e o
fluido estão para o corpo físico e sua técnica, integrando sua força.
97

c) TEORIA DO CONHECIMENTO

Se tomarmos uma reta AB e a dividirmos em dois segmentos, de tal maneira que


desta divisão surja um segmento maior que o outro, e logo dividirmos os dois
segmentos resultantes da primeira reta, cada um em duas partes proporcionais ao
primeiro, teremos quatro se gmentos, dos quais o menor corresponderá ao menor grau e
o maior, ao grau superior.

Teremos:

A A' A'' B' B'' B


A' = força corporal
A'' = técnica
B' = fluido
B'' = fonte do fluido
Segmento A = conhecimento tático-técnico.
Segmento B = conhecimento estratégico -mágico.

Quando integramos o segundo segmento B' B'' sobre o primeiro A' A'', o campo
de probabilidades muda completamente, mostrando o mistério das artes marciais de
forma concreta. Esse mis tério seria o espírito em si, que é o único e verdadeiro poder
das artes marciais. Chamaremos esse poder de “fator X”, porque é desconhecido e é a
última incógnita a ser descoberta e resolvida nas artes marciais.

d) O FATOR “X”

Para conhecer o “fator X”, dev emos superar progressivamente cada um dos
graus A', A'', B', B''.

A' é a opinião vulgar que os praticantes de artes marciais normalmente têm com
relação ao poder da arte marcial e onde este radica, acreditando que este poder se deve
ao desenvolvimento da força muscular, da brutalidade e das técnicas populares.

A'' é a reta opinião de considerar que o “fator X” se baseia na técnica e nas


táticas tradicionais ensinadas pelos grandes mestres.
98

B' é o conhecimento da estratégia, como causa e geradora da necessi dade que


estimula e move a técnica, a tática e os fatores corporais.

B'' é a sabedoria que permite contemplar o “fator X” como o poder em si, livre
de qualquer atributo, causa de todos os aspectos, fatores e caminhos das artes marciais,
que se manifesta na fonte do fluido, unificando fluido e técnica para torná -los um
princípio único e indissolúvel, que constitui o poder mágico propriamente dito. Aqui
habita o segredo máximo das artes marciais e sua real eficácia.

A trilha das artes marciais se constitui, e ntão, pela prática efetiva das técnicas
tradicionais, pelo desenvolvimento tático e sua aplicação, pelo conhecimento da
doutrina essencial das artes marciais, pela estratégia e pela comunicação com o espírito
mágico por meio do fluido e da fonte do fluido.

Finalmente, o amadurecimento do praticante de artes marciais nasce a partir da


aceitação, compreensão e entrega ao “fator X” (o mistério). Esse “fator X” pode ser
expresso também como Lei de Harmonia, equivalente à medida áurica:

V5-1 (raiz quadrada de 5 menos 1 sobre 2)


2

e) CONCLUSÃO PARCIAL

Podemos concluir, a partir do que expomos até aqui, que um artista marcial de
formação filosófica se educa por meio de dois aspectos preponderantes: o aspecto
físico-técnico-tático e o aspecto estratégico-mágico.

O aspecto físico-técnico-tático se compõe de horas de treinamento e da


experiência avaliada em combate e torneios, sendo que, quanto mais horas de
treinamento e quanto maior a experiência, melhor o praticante se torna. Esquematiza ndo
este aspecto, teremos:

 Capacidade Física-Tática-Técnica implica em Horas de treinamento +


Experiência.
99

Para chegarmos a um denominador comum de F.T.T., transformaremos tanto


“horas de treinamento” quanto “experiência” em um mesmo índice. A experiência nos
diz que:

(o símbolo “=” significa “equivale a”).

 1 combate internacional = 10 combates interescolas = 100 combates na


escola.
 1 combate na escola se realiza a partir de quatro meses de treinamento, ou
seja, corresponde a aproximadamente 96 horas de treinamento.
 100 combates na escola correspondem a aproximadamente 96 + (100x2) =
aproximadamente 300 horas.

Um praticante sério, para poder participar de um torneio internacional, deve


praticar duas horas extras, individualmente, para cada hora praticada na escola. Então
teremos que:

 1 Torneio Internacional equivale a 300 + 600 = 900 horas de treinamento.

Exemplo:

a) O praticante A treina, há 7 anos, aproximadamente 3 horas por dia e


participou de 2 torneios internacionais.

7 anos = 7560 horas


2 torn. = 1800 horas
Total = 9360 horas (Potencial FTT)

b) O praticante B treina, há 4 anos, aproximadamente 3 horas por dia e


participou de 4 torneios internacionais.

4 anos = 3320 horas


4 torn. = 3600 horas
Total = 6920 horas (Potencial FTT)
100

c) O praticante C treina, há 3 anos, aproximadamente 5 horas por dia e


participou de 6 torneios internacionais.

3 anos = 5400 horas


6 torn. = 5400 horas
Total = 10800 horas (Potencial FTT)

Logo: C é maior que A e A é maior que B (Potencial FTT).

Por outro lado, o aspecto estratégico-mágico se compõe de fatores como o


discipulado (investigação, devoção e serviço) e o ritmo, etc.

Para que exista harmonia, o praticante deve estabelecer uma proporção entre os
dois elementos: FTT (Físico -Técnico-Tático) e EM (Estratégico -Mágico). Esta é a
proporção áurica, ou proporção harmônica:

V5-1 (raiz quadrada de 5 menos 1 sobre 2)


2
GRÁFICO N o 09

SEÇÃO ÁURICA
A B
F.T.T. E.M.

A = B (esta é a condição para estabelecer a harmonia)


B C

Logo:
C = 100% (Fator X)
B = 61% (Aspecto X)
A = 39% (Aspecto F.T.T.)

Então, o PPR (Potencial de Probabilidades Reais) existirá na seguinte medida: C


= 100%, B = 61% e A = 39%.
101

2) BASES CIENTÍFICAS PARA UMA TEORIA DO PODER


NAS ARTES MARCIAIS

Em relação ao poder desenvolvido pelas artes marciais, temos que distinguir


duas áreas: escolas externas e escolas internas.

As escolas externas são aquelas que desenvolvem exclusivamente o aspecto FTT


(Físico-Tático-Técnico) e as internas são as que desenvolvem o FTT em 39% e o
aspecto E.M. (Estratégico -Mágico) em 61%. As teorias científicas de ambas são
diferentes, pois trabalham com fatores diferentes.

a) AS ESCOLAS EXTERNAS

As escolas externas desenvolvem os seguintes fatores: ação e reação


proporcional; concentração focal; equilíbrio estático-dinâmico; respiração coordenada e
velocidade / Tempo.

i. AÇÃO E REAÇÃO PROPORCIONAL

Se considerarmos a Lei de Newton de que “a toda força se opõe uma força igual
em sentido contrário”, quando um móvel se chocar contra um objeto fixo, com uma
força de 900 kg, o objeto fixo devolverá uma força igual.

Outro exemplo se dá quando aplicamos uma força para baixo na extremidade de


um balancim (peça mecânica que transmite movimento a outra máquina), com uma
tonelada de peso, que levantará o outro extremo, equivalentemente a uma tonelada.

Assim, se um oponente corre em direção a outro com grande velocidade, com o


mais leve golpe na cabeça, ou no corpo, a força com que o outro o golpeará será
proporcional à força de ataque mais a força do golpe. Amba s as forças, ou seja, a maior
e a menor, são forças de ação e reação.

O praticante de artes marciais de escola externa usa esse conceito incorporado


em seu próprio corpo e técnica. Exemplo: Se golpeia com o punho direito, o esquerdo
retrocede, estabelecendo o equilíbrio da ação e reação.
102

ii. CONCENTRAÇÃO FOCAL

Esta concentração se desenvolve quando aplicamos a força do impacto com a


menor superfície, já que a pressão é maior quando a massa é aplicada com menor
superfície. A isto deve-se acrescentar que, quanto menor for o tempo para concentrar a
força, maior será o poder do golpe. Exemplo: a força da água é maior quando sai por
uma mangueira de menor diâmetro e aumenta sua velocidade de forma simultânea.

Nas artes marciais, a concentração é conquistada quando co ncentramos todos os


músculos, especialmente aqueles que estão ao redor dos quadris e do abdômen, que
teoricamente são mais lentos que os outros, e quando concentramos os músculos
mobilizados até um ponto do oponente.

iii. EQUILÍBRIO

Nas artes marciais, os golp es se tornam cada vez mais efetivos à medida que o
corpo físico ganha equilíbrio. A posição é estável e flexível tanto para os movimentos
defensivos como para os ofensivos. O equilíbrio se divide em dinâmico e estático, que
estão intimamente relacionados. A força máxima só se produz quando a estabilidade
estática é submetida à ação da estabilidade dinâmica.

Para manter-se em bom equilíbrio, o centro de gravidade deve estar em linha


reta entre as pernas e o peso deve estar igualmente distribuído entre elas. Quando é
necessário distribuir o peso em um só pé, o centro de gravidade deve cair no centro do
pé em questão. O centro de gravidade será ajustado de acordo com o volume.

iv. CONTROLE RESPIRATÓRIO COORDENADO

O controle da respiração, além de influir sobre a vitalidade do praticante,


condiciona o corpo para receber golpes e aumenta o poder dos golpes aplicados sobre o
oponente.

No momento crítico de receber um golpe, a respiração será detida, ainda que se


encontre na fase de exalação ou inalação – ato que previne ou evita a perda da
consciência e a dor sufocante. Uma rápida exalação no momento do impacto e a parada
103

da respiração durante a execução de um movimento pode concentrar a força e promover


a velocidade; uma inalação lenta ajuda a preparar o movimento se guinte.

Não se deve inalar quando se bloqueia ou quando se concentra um golpe. O


praticante deve desenvolver, finalmente, “a respiração disfarçada”, para não revelar
nenhum sinal de fadiga. Um lutador experimentado incrementará seu ataque ao
perceber, através da respiração, o estado físico de seu oponente.

v. VELOCIDADE

À medida que aumenta a velocidade com a qual as técnicas são aplicadas, todos
os outros fatores se potencializam consideravelmente, permitindo uma maior eficiência
global. Exemplo: se passarmo s uma mão através da chama de uma vela, esta continuará
acesa; mas se o fizermos em uma grande velocidade, ela se apagará.

b) AS ESCOLAS INTERNAS

As escolas internas desenvolvem os seguintes fatores: polaridade; campo


magnético; fluido; fonte do fluido; perc epção interna; proporção áurica e estratégia.

i. POLARIDADE

Na escola interna, o conceito de trabalho é de caráter eletromagnético,


diferentemente das outras escolas, cujo conceito é físico -mecânico. A partir dessa
diferença, podemos imaginar o efeito produz ido quando as duas técnicas são
comparadas, já que os elementos eletromagnéticos absorvem os elementos físicos -
mecânicos, interagindo-os.

A interação da energia eletromagnética, atuando sobre a físico -mecânica,


mantém a razão existente entre fluido elétric o e condutores. Nesse caso, a técnica física
funciona como estrutura de canalização e a técnica interna, como a causa dos efeitos
produzidos nas artes marciais.
104

Quanto melhor a qualidade do condutor técnico -físico, maior será a transmissão


do impulso eletromagnético, o que estabelece uma polaridade contrária por meio de
circuitos de energia. Exemplo: Um lutador A aprisiona, com sua mão direita, o braço de
um lutador B, sendo que A possui uma técnica de escola externa e B, de escola interna.

Diante da aplicação da força de A no braço de B, este estabelece uma


bipolaridade contrária, resultando que a força que A aplicou se transforma em condutora
da polaridade de B. A partir deste momento, a força de A se manifesta através de um
circuito fechado, fazendo com q ue a energia gire em torno da mão de A, sem penetrar
no braço de B.

GRÁFICO N o 10
105

Outro efeito da polaridade é o de receber golpes sem produzir dano, pois, à


medida que o circuito de energia polarizado mantém a fluidez da energia interna, os
estímulos são propagados continuamente em circuitos elevados ao fator infinito. Com
isso, os centros nervosos traduzem os golpes em estímulos eletromagnéticos em
contínuo movimento, dispersando a força do golpe aplicado através do sistema físico -
psíquico completo.

Exemplo: Se um fluido A se desloca, através de um canal, em uma velocidade


constante ou em aceleração, quando injetamos no canal outro fluido B, dentro da
torrente do fluido A, o fluido B se dispersará até mesclar -se proporcionalmente ao
primeiro, intensificando-o em termos de potencial, sem interromper a velocidade
constante ou em aceleração do fluido A.

Outro efeito importante da polaridade em relação à técnica física é o de golpes


de interrupção do movimento, como no caso de um interruptor quando abre o circuito,
impedindo que a energia se propague.

Exemplo: Se um lutador A (técnica interna) golpeia o corpo de um lutador B


(técnica externa), a energia polarizada de A equivale a um curto -circuito na força de B,
interrompendo subitamente todas as suas funçõ es.

ii. CAMPO MAGNÉTICO

Uma vez que a polaridade tenha sido estabelecida através dos sistemas mental,
psicológico, energético e físico do praticante, ela se manifesta por meio de um campo
magnético específico. Esse campo magnético já foi estudado e reconhecid o pela ciência
moderna como efeito Kirlian e tem propriedades como magnetismo, calor, luz e
eletricidade.

À medida que esse campo magnético é controlado, cresce e decresce


ritmicamente, aumentando ou diminuindo, com isso, seu raio de ação. Esse efeito
produz atração, em alguns casos, e, em outros, repulsão, criando ritmos e contra -ritmos,
que são usados na luta da arte marcial como fatores importantíssimos para a vitória.

Esse campo magnético se manifesta na técnica de combate coordenando defesa,


ataque, penetração de golpes, tomadas, projeções, etc., de forma automática e
106

sincronizada. Uma guarda fechada seria aquela na qual o campo magnético não deixa
outras energias entrarem; já uma guarda aberta atrai algum tipo de energia, podendo -se
estabelecer algum tipo de alternância desses dois fatores.

O exemplo mais clássico que encontramos é o do imã: um campo magnético que


repele ou atrai, segundo a posição ou a forma de uso. Tanto a polaridade como o
magnetismo são canalizadores do fluido que nas artes marciais é conhecido como Ki,
Chi, Prana, etc.

iii. FLUIDO

Este seria o verdadeiro conceito de força na escola interna. Conhecemos essa


força por quatro efeitos, através dos quais ela se manifesta: luz, calor, magnetismo e
eletricidade. O bom uso deste fluido através da técnica daria maestria a qualquer
praticante.

Toda técnica eficaz e bem aplicada é regulada através do fluido, que reúne seus
quatro efeitos, antes citados, como unidade indissolúvel. Todo praticante com
consciência do fluido pode aperfeiçoar a técnica de maneira mais eficaz, perfeita e
rápida que qualquer outro que não possua tal consciência.

Exemplo: não são os sulcos e canais de água que formam os rios quanto à
direção e ao “caudal”, mas sim a própria água que, através do tempo, vai criando o leito
do rio em função do declive, dos obstáculos e da quantidade de água.

Assim também o fluido determina a técnica, até chegar a estruturá -la de forma
definitiva. O fluido também fortalece os músculos, tonifica os ossos, purifica e alimenta
os órgãos e produz o sangue com todos os seus componentes bioquímicos – fatores que
potencializam a técnica de forma considerável.

iv. FONTE DO FLUÍDO

Da mesma forma que o fluido interage com o campo magnético, a fonte do


fluido interage com o fluido. Esta fonte atuaria como outr o campo magnético, que
alimenta, com o fluido, o campo do qual já falamos no ponto 2. Tanto o fluido como sua
fonte são conhecidos desde a Antigüidade pelos grandes mestres das artes marciais.
107

Como já mencionei anteriormente, o fluido determina as funções do corpo


inteiro, por intermédio do coração.

“Quando o homem estiver maduro no exercício do fluido, este se expandirá até


o coração”.
Do “Tengu-Geijutsu-Ron”, de Shissai Chozan.

“Se você treinar de maneira suficiente neste caminho, a estratégia saltará d e


seu coração e você terá condições de vencer a vontade”.
“Go Rin No Sho”, de Myamoto Musashi.

A fonte do fluido é chamada, em algumas escolas, de “coração”, e em outras, de


“espírito”; apesar destes diferentes nomes, ela é uma só coisa. Como centro energ ético,
a fonte do fluido gera poder em todos os aspectos e deve ser tratada, via de regra, sob
certas condições específicas, como por exemplo, o equilíbrio entre todas as tensões
eletromagnéticas.

Por outro lado, essa fonte é também uma espécie de célula s ensível foto-
magnética. Sua altíssima sensibilidade a transforma em uma espécie de película que
registra até as menores partículas de luz; é por esse motivo que o praticante deve
dominá-la totalmente. Uma vez alcançado o domínio da fonte, podemos registrar nela
ordens e comandos específicos, que compõem planos de batalha completos. Aqui a
fonte funciona como sistema de comando, coordenação, central de dados, etc.

Exemplo: os sistemas de computação, ou cibernéticos, dão uma idéia semelhante


de como a fonte do fluido atuaria: ela se encarregaria de recompilar informações,
programá-las e, finalmente, apresentar o resultado, ou a solução, de forma coerente e
operativa.

v. PERCEPÇÃO INTERNA

Este elemento surge em função dos sentidos extrasensoriais – a raiz dos sentidos
físicos (visão, audição, tato, etc.) –, que são mais fiéis na interpretação dos fatos, por
serem sentidos sintetizadores.
108

Nas escolas internas de artes marciais, o critério é trabalhar em função dessa


percepção interna, usando a percepção sensorial s omente como elemento de
confirmação. Pensar que os sentidos externos possam nos mostrar a verdade é falso e
denota pouco conhecimento, já que eles só recolhem informações. Para coordená -las, é
preciso um critério interno que surja em função de idéias só co ncebidas pela percepção
interna.

Essa percepção interna é conhecida como Haragei e é desenvolvida


sistematicamente por todas as escolas de artes marciais filosóficas. Esse conhecimento é
reafirmado por provas empíricas que o demonstram.

Exemplo: vendam-se os olhos de um lutador A e coloca -se uma moeda em sua


mão aberta. O lutador B, a uma distância de dois metros aproximadamente, tenta se
aproximar e tomar a moeda, com força e determinação. O primeiro, sem sentir nenhum
sinal que possa preveni-lo sobre o ataque em questão, fecha o punho, impedindo que B
consiga tomar a moeda. Esse pequeno teste pode ser repetido tantas vezes quantas forem
necessárias e sempre será positivo, na medida em que A confie em sua percepção
interna. Em todo caso, há muitas outras pr ovas empíricas que podem ser realizadas.

vi. PROPORÇÃO ÁURICA

Esta é uma lei universal da qual emanam todas as relações e proporções


universais. É a condição sine qua non para que todas as coisas possam vir a manifestar -
se. Esta proporção áurica determina a h armonia que se estabelece em todas as relações e
é o princípio do equilíbrio, da velocidade, do ritmo, etc.

A partir da aplicação desta lei, estabelece -se a harmonia na fonte do fluido, com
o qual se conseguem todas as propriedades físicas para que a técni ca se torne efetiva.
Exemplo: um lutador A, que conhece muito bem a técnica do Judô, aplica uma projeção
com quadril no lutador B. Se B aplicar o princípio da proporção áurica, não poderá ser
lançado por A sob nenhuma circunstância. Esta prova é realizada de maneira concreta.

Outro exemplo é quando um praticante rompe uma tábua de uma polegada sem
impulso, apenas apoiando os dedos estirados na tábua para logo fechar o punho, que
penetra na tábua, rompendo -a. Esse é outro teste feito empiricamente.
109

vii. ESTRATÉGIA

Este fator é considerado de muita importância nas escolas internas, já que, em


geral, é o que define favoravelmente o resto dos fatores. Aqui, encontramos a essência
do conhecimento filosófico -científico das artes marciais, cuja aplicação daria vantagem
ao praticante em relação aos seus adversários.

Miyamoto Musashi, em seu livro Go Rin No Sho, define as regras da estratégia


através de 9 elementos:

1. Pense com honestidade.

2. O caminho está no treinamento.

3. Entre em contato com todas as artes.

4. Conheça o caminho de todas as profissões ou ofícios.

5. Aprenda a distinguir ganho de perda em assuntos materiais.

6. Desenvolva o juízo intuitivo e a compreensão de tudo.

7. Perceba as coisas que não podem ser vistas.

8. Preste atenção até nas coisas que não têm importância.

9. Não faça nada que não sirva.

Finalmente, quero dizer que todo guerreiro tem um caminho próprio, traçado por
seu próprio destino. Neste caminho, cada guerreiro é o melhor; na medida em que se
mantenha no caminho próprio, é invencível e nada poderá dominá -lo. Este é o
verdadeiro conceito de Do ou Dharma.

Tudo isso nos ensina a nunca sair do nosso próprio caminho. Encontrar o
caminho e não perdê-lo é o segredo máximo das artes marciais.
PARTE II
111

Capítulo I

1) O NEI KUNG

Este trabalho tem como fina lidade levar aos leitores os princípios da essência e
tradição das artes marciais orientais. Infelizmente, esta tradição, nos dias de hoje, foi
esquecida, deixada de lado e substituída por expressões mais vulgares e agnósticas, que
têm transformado as arte s marciais modernas na negação do caminho superior que os
antigos mestres traçaram para elas.

É em homenagem a esses grandes mestres que decidi levar a público este


trabalho de resgate de uma das artes marciais mais antigas, que se tornou conhecida na
cultura chinesa, nas origens do que hoje conhecemos como artes marciais modernas.

Este é um trabalho que vem sendo preparado desde 1977 e que, reconheço, só se
estruturou em suas bases mais simples, mas ao mesmo tempo fundamentais.

Esta arte marcial foi conhec ida na China Antiga como Nei Kung e, em termos
gerais, significa sabedoria interior, ou poder interior, também sendo definida como a
ação de potencial inteligente .

Outro nome que recebeu foi Escola do Dragão Dourado, ou Segredo do Dragão
Dourado, nome fantasia dado ao antiguíssimo tratado do I Ching. Posteriormente,
encontramos essa arte na Escola do Grou Branco (Tai -Chi), de origem taoísta, e do Pa -
kua, de origem confucionista.

No século VIII, ano 755 d.C., aparece um sábio chamado Lu Yen (hóspede da
caverna), que desenvolve certos preceitos conhecidos como Gin Dan Glau (o elixir de
ouro). Lu Yen, ao que parece, haveria herdado tradições esotéricas do sábio Yin Hi,
(Guan Yin Hi, o mestre do desfiladeiro), que, segundo a lenda, teria sido o mestre que
herdou o Tao-Te-King por parte de Lao-Tsé.

A partir destes preceitos do Gin Dan Glau, no século XVII é encontrado o Tai I
Ching Hua Dsung Dshi (o segredo da flor de ouro).
112

Junto a esse livro, aparece outro, chamado Hui Ming Ching, ou Livro da
Consciência e da Vida, também conhecido como O Caminho Circular da Luz .

Estes foram os últimos livros que encontrei ao longo desta investigação e penso
que, ao se unirem, manifestam a doutrina central da já definida Escola do Dragão
Dourado. Creio que, no futuro, encontrarei novos preceitos desta tradição que,
resgatados do passado, podem vir a confirmar esta teoria.

Deve ficar claro, então, que esta arte marcial, o Nei Kung, é uma arte renovada,
que renasceu do esforço de anos de trabalho. Tomei a liberdade e, até poderia di zer, o
direito de reorganizá-la e apresentá-la sobre novas bases, esquemas, práticas e técnicas,
de acordo com meu próprio critério.

A partir deste esclarecimento, Nei Kung será transcrito como “a ação de


potencial inteligente” e reconhecido como parte de nossa herança cultural ou patrimônio
filosófico dos verdadeiros discípulos.
_____
_____
__
__ __
__
A ação de potencial inteligente nasceu inspirada no hexagrama I,

__ __
_____
aumento. Esse hexagrama constitui a condição fundamental para
canalizar o poder interno que subjaz em todo ser humano.

Esse hexagrama representa as partes do corpo e seus poderes, descritos no Shua


Kua (discussão dos trigramas), que diz assim:

“O criativo se manifesta na cabeça; o receptivo, no ventre; o que incita, nos


pés; a suavidade, nas pernas; o abismal, nos ouvidos; o que se adere (o resplendor),
nos olhos; a quietude, nas mãos; e a alegria, na boca”.

A prática deste hexagrama nos leva ao encontro de nove práticas que configuram
o que se denomina, no I Ching, formação do caráter, a saber:

Lu-conduta; Ch’ien-modéstia; Fu-retorno; Heng-duração; Sun-diminuição; I-


aumento; K’un-opressão; Ching-poço; Sun-penetrante.

Como este trabalho está limitado em sua extensão, explicarei apenas a prática I,
aumento, com suas oito técnicas ou hexag ramas do Pa-kua.
113

Considerando o Pa-kua em geral (oito hexagramas), destaca -se uma primeira


idéia que, posteriormente, daria cobertura a uma segunda, representada no símbolo Tai -
Chi.

GRÁFICO N o 11

YANG

YIN

Esta primeira idéia é a simultaneidade, a qual é referida pelo Tao -Te-King, em


seu XXXIV capítulo, quando diz:

“O Grande Tao se expande como uma onda e é capaz de ir para a direita e


para a esquerda”.

O movimento é simbolizado por meio de duas suásticas, que giram


simultaneamente da esquerda para a direita e da direita para a esquerda, constituindo -se,
desta maneira, o primeiro aspecto do Pa -kua, representado pelo hexagrama Ch’ien – o
Criativo ou o Céu –, constituído por seis linhas luminosas:

_____
_____
_____
_____
_____
_____

A partir deste hexagrama, desenvolve -se a primeira série de técnicas marciais da


ação de potencial inteligente, chamada “técnica do tigre e do dragão”, que se refere ao
domínio de forças caóticas (Tigre) através de um duplo poder (Dragão dourado) e que
se expressa através das suásticas.
114

Uma vez aplicado este princípio, vem a idéia dos três mundos:

GRÁFICO N o 12

MUNDO
ESPIRITUAL

MUNDO
PSICOLÓGICO

MUNDO
FÍSICO

GRÁFICO N o 13
CENTROS

1
MUNDO 1
ESPIRITUAL

2
MUNDO 2
PSICOLÓGICO

3
MUNDO
FÍSICO 3

O referido diagrama determina os três centros de trabalho. O centr o 3


compreende a zona inferior e domina o Tan-Tien, as pernas e os órgãos do ventre; o
centro 2 compreende a zona média e domina o coração, o tronco, os órgãos e as
extremidades médias. O centro 1 domina a cabeça, o cérebro, os olhos e a boca, que
emite um Pon-in-tse (grito), integrando simultaneamente a força dos três mundos.
115

Esta técnica consiste em manter as energias terrestres na planta dos pés. Aqui
surge a imagem simbólica do cisne deslizando sobre as águas; deve -se manter a
respiração baixa (ventre) – simbolizada pela Fênix girando da esquerda para direita; a
guarda (atenção) se mantém no alto do coração. Este processo é simbolizado por um
dragão dourado.

Como resultante deste processo, desenvolve -se o segundo princípio, que é


simbolizado nas tradições taoístas quando expressa:

“O Tao é uma vez Yin e uma vez Yang”.

Aqui aparece o diagrama Tai -Chi. (Ver gráfico nº. 11)

Este segundo princípio cria uma segunda técnica, que ordenará o corpo físico e
mental da seguinte forma:

1. A natureza Yin deve ser aplic ada no corpo físico e energético.

2. A natureza Yang deve ser aplicada nas emoções e na mente.

Esta segunda técnica é expressada pelo segundo hexagrama, chamado K’un,


terra, que possui 6 linhas obscuras. Esta técnica é designa da com o nome de Dragões
Gêmeos e libera as tensões, complementando a primeira, Ch’ien.

Neste ponto, o céu, Ch’ien, e a terra, K’un, se harmonizam e criam o terceiro


elemento: o homem. Esta idéia está contida no capítulo XXV do Tao -Te-King, quando
diz:

“O Tao é grande
o céu é grande
a terra é grande
é por isso que o homem é Uno
dos quatro grandes do mundo.
O homem imita a terra
a terra imita o céu
116

o céu imita o Tao.


O Tao tem seu único modelo
em si mesmo”.

Neste poema encontra-se implícita a idéia completa da ação de potencial


inteligente.

GRÁFICO N o 14

___
___
CH’IEN

__ ___ ____SUN
__ __
TU
_
I
___
_ _

___
_
___
____
__
K’AN

LI
_
_

_
__ ___ __
_ __ __
CH
ÊN _ KÊN
K’UN

Seguindo as indicações do dragão dourado, organiza -se a família dos trigramas.

“O Criativo é o céu e por isso é chamado o Pai.


O Receptivo é a terra e por isso é chamada a Mãe.
No trigrama do estímulo, o feminino procura pela primeira
vez o poder do masculino e recebe um filho.
Por isso, incitar chama-se o filho mais velho.”
__
__ __
__
_____
__ __
__ __
_____
O filho mais velho é o hexagrama Chên, o trovão, que se expressa atr avés de 4
linhas escuras e 2 luminosas.
117

Este é o terceiro princípio que desenvolve uma série de técnicas chamadas


“Fênix” e consiste no início das mutações terrestres que, para acontecerem de maneira
cíclica e harmônica, precisam da irrupção do trovão da i ntuição, definindo o homem
como ponte entre o céu e a terra.
_____
_____
_____
_____
C éu

_____
_____
H om em

T e rra

Depois o I CHING acrescenta:

“No trigrama da suavidade, o masculino procura pela primeira vez o poder do


feminino e recebe uma filha; por isso a suavidade chama -se a filha mais velha”.
_____
_____
__ __
_____
_____
__ __
A filha mais velha é o hexagrama Sun, o suave, a penetração, que se expressa
por meio de 4 linhas luminosas e 2 escuras.

Este é o quarto princípio, a Contemplação, que se desenvolve por meio de uma


série de técnicas conhecidas como Bambu. Consiste na segunda mutação, que continua
o impulso da primeira (primavera) para abrir as portas do solstício de verão. Este, para
se manifestar, precisa da faculdade da harmonia entre os contrários: o forte e o déb il, o
débil e o forte.

A continuação do I CHING diz:

“No aderente, o masculino procura o feminino pela segunda vez, e recebe uma
filha; por isso se chama a filha do meio”.
_____
__ __
_____
_____
__ __
_____
A filha do meio é o hexagrama Li, fogo, que se exp ressa através de 4 linhas
luminosas e 2 escuras.
118

Este é o quinto princípio, que desenvolve uma série de técnicas conhecidas


como “Fênix Gêmeos” e consiste na completa manifestação do poder do céu, por meio
do fogo de duplo movimento, que abre o ciclo da es tação do verão, originando no
homem a faculdade de aderência aos princípios morais e o desapego às coisas
temporais.

Posteriormente, o I Ching agrega:

“Na alegria, ele procura o feminino pela terceira vez, e recebe uma filha; esta
filha se chama a filha mais jovem”.
__ __
_____
_____
__ __
_____
_____
A filha mais jovem é o hexagrama Tui, o lago, a alegria, que se expressa por
meio de 4 linhas luminosas e 2 escuras.

Aqui encontramos o sexto princípio, que desenvolve uma série de técnicas


conhecidas como “lótus sobre as águas” e consiste no deslocamento do aderente através
da água que chega aos lagos e deles saem em direção aos vales. Aqui se encontra o
Outono, que abre as portas ao solstício do Inverno, desenvolvendo no homem a
faculdade de devoção, de pureza , do inusitado e da capacidade de expressar a força que
implica o movimento em todas as direções possíveis.

Depois disso, o I Ching continua:

“No abismal, o feminino procura pela segunda vez o masculino e recebe um


filho; por isso se chama filho do meio”.
__ __
_____
__
__ __
__
_____
__ __
O filho do meio é o hexagrama K’an, o abismo, que se expressa por meio de 4
linhas escuras e 2 luminosas.
119

Encontramos aqui o sétimo princípio, que desenvolve as técnicas “serpente


retorna ao antro”. Consiste em levar as co isas ao seu limite, produzindo a mutação dos
opostos, ou seja, o negativo acaba manifestando o positivo através de faculdades como
o valor, o não-egoísmo e o sentido de risco.

Posteriormente, o I Ching complementa:

“Na quietude ela procura o masculino pel a terceira vez e recebe um filho; por
isso, este se chama o filho mais jovem, que se manifesta por meio de 4 linhas escuras e
2 luminosas”.
_____
__ __
__ __
_____
__
__ __
__
Este é o oitavo princípio, que mostra uma série de técnicas conhecidas como
“águia na montanha”. Consiste na porta que fecha e abre um novo ciclo que comunica o
anterior com o ressurgimento da primavera. Esta idéia está simbolizada no trigrama
composto por uma linha luminosa acima e duas escuras abaixo (porta). Desenvolve
faculdades como a serenidade e a imperturbabilidade, acabando com as sombras do
inverno e vencendo a inércia.

Esses oito princípios ou mutações manifestam a seguinte figura:

GRÁFICO N o 15

LI (VERÃO)

_
___
______
_ _
___
_
TUI (OUTONO)
___
___
__
_
_
___
_
_

_
_______
__ ___
_

_
_

_ _
___
__
K’AN (INVERNO)
120

a) CORRESPONDÊNCIA ENTRE OS CICLOS DA NATUREZA,


AS FACULDADES HUMANAS E AS TÉCNICAS:

ESTAÇÕES FACULDADES TÉCNICAS


1. Primavera Intuição Fênix
2. Solstício de Verão Harmonia por oposição Bambu
3. Verão Aderência aos princípios morais e Fênix Gêmeos
desapego
4. Equinócio de Concentração e atenção Dragões Gêmeos
Outono
5. Outono Devoção, pureza e amplitude Lótus sobre as águas
6. Solstício de Inverno Domínio, revolução e poder Tigre-Dragão
7. Inverno Valor, não-egoísmo, sentido de risco A serpente retorna ao
antro
8. Equinócio da Serenidade, imperturbabilidade , ação Águia na montanha
Primavera

b) OS OITO ESTADOS DE CONSCIÊNCIA EM RELAÇÃO AOS OITO


HEXAGRAMAS

i. Ch'ien: o Criativo
ii. K'un: o Receptivo
iii. Chên: Incitar
iv. Sun: Suavidade, penetração
v. Li: Aderir
vi. Tui: Alegria
vii. K'an: o Abismal
viii. Kên: a Serenidade

i. O CRIATIVO (CH’IEN)
Este hexagrama propõe uma mentalidade de características mágicas, nas quais
predomina uma grande confiança, segurança e certeza. Neste estado de consciência não
121

existe o menor traço de dúvida nem temporalidade. A vontade de ação se torna diretora
dos processos, nos quais não só dirige, mas domina todos os fatores próprios e alheios
ao estado de consciência.

No I Ching, o Ch’ien é caracterizado por imagens como: céu, pai, dragão.


Tecnicamente, enquadra -se na técnica tigre-dragão, pertencente à prática I -aumento. É
uma série de técnicas de ataques definitivos e de grande eficácia.

Em definitivo, é o estado mental que permite a descida da luz superior do dragão


dourado, que inicia o ciclo das mutações da natureza e que poderíamos definir como
“primeira mutação”. Corre sponde ao centro 1 da Ação de potencial inteligente.

ii. O RECEPTIVO (K’UN)

Assim como o estado de consciência anteriormente definido caracteriza o


Imperador, Yang Celeste, este outro estado caracteriza a Imperatriz, Yin Celeste. É uma
mentalidade perseverant e e humilde que, embora não arrisque, consolida e
complementa. O estado de consciência pertencente a este hexagrama possui uma grande
calma e tranqüilidade interior. Paciente como nenhum outro estado de consciência,
desenvolve-se por meio do suporte e da r ecanalização de qualquer tipo de experiência.

No I Ching, o K’un é caracterizado por imagens como: terra, mãe ou receptivo.


Tecnicamente, enquadra -se na técnica “dragões gêmeos” e pertence à prática I -aumento.
É uma série de técnicas de defesa que se basei a no princípio de não resistir aos ataques
do dragão, mas de anulá-los com seu complemento.

Esse estado mental permite iniciar o ciclo do movimento circular da luz e


corresponde à “segunda mutação”, operada através do centro 3 da ação de potencial
inteligente.

iii. INCITAR (CHÊN)

Este hexagrama propõe uma mentalidade dinâmica, de muita iniciativa e


resolução; é um estado de consciência clara, de antecipação. A consciência mental se
encontra carregada de intuições, que, em definitivo, permitem prever situações e
122

solucioná-las no exato momento em que acontecem. Por conseqüência, este hexagrama


vence a inércia e incita a atuar rápida e efetivamente.

No I Ching, o Chên é caracterizado pelas seguintes imagens: trovão, movimento,


madeira, dragão surgindo da terra, pri mavera e o filho mais velho. Enquadra -se na
técnica “Fênix”, que é uma série de técnicas de defesa e ataque simultâneos.

Finalmente, caracteriza -se por concentrar a luz no coração, processo definido


como “terceira mutação”, e corresponde ao centro 2 da açã o de potencial inteligente.

iv. A SUAVIDADE (SUN)

Caracteriza-se por sua receptividade e, em relação à mente, propõe um estado de


receptividade muito fina que permite descobrir a direção de qualquer tipo de força.
Nesse estado da mente, não há oposição a tais forças, mas uma atitude de
direcionalidade sem oposição.

O estado de consciência proposto por esse hexagrama é de caráter sutil e


desapaixonado; sua virtude fundamental é a do desapego com relação ao corpo,
guardando em si muita claridade de propósito.

No I Ching, o Sun é caracterizado por imagens como: suavidade, vento, madeira,


penetração e a filha mais velha. Enquadra -se na técnica “Bambu”, essencialmente
defensiva.

Finalmente, corresponde à “quarta mutação”, que se reconhece pela interação


dos centros da ação de potencial inteligente e um efeito de homogeneização do Ki em
todo o organismo, produzindo um total relaxamento dos membros e músculos.

v. O ADERENTE (LI)

Sintetiza os sentidos físicos em um sentido interior, possibilitando a superação


da dimensão física e o alcance de uma dimensão energética e vital que permite
desenvolver um fator de bipolaridade complementar.

Em relação à mente, lhe dá ritmo e constância, permitindo -lhe adquirir uma


cadência contínua e homogênea. Nesse estado mental, o corpo muda de polaridade em
123

função do estímulo: se está Yang, reage Yin, e vice -versa. O estado de consciência
proposto por LI é determinado por uma grande liberdade interior, enquadrada em um
espírito de alegria sadia, com sujeição em um eixo fixo e permanente. Sua virtude é a
valentia e a entrega ao espírito da guerra.

No I Ching, o Li é caracterizado por imagens como: aderência, fogo, claridade,


faisão e a filha do meio. Enquadra -se na técnica “fênix gêmeos”, de defesa e ataque
simultâneos.

Finalmente, corresponde à “quinta mutação”, com eixo no centro 2 da ação de


potencial inteligente e uma projeção do Ki em todas as direções ao mesmo tempo.

vi. ALEGRIA (TUI)

Este hexagrama desenvolve uma mentalidade de eficiência e de precisão


matemática, gerando um estado mental i ntuitivo que permite prever todo tipo de ataque.
Seu estado de consciência é caracterizado por alegria, inocência, pureza e dinamismo,
que conduzem o corpo físico a movimentos espontâneos e precisos.

No I Ching, o Tui é representado pelas seguintes imagens : alegria,


contentamento, a ovelha, o lago e a filha mais jovem. Enquadra -se na técnica “lótus
sobre as águas” e representa uma série de técnicas defensivas contra vários atacantes de
forma simultânea, gerando a capacidade de realizar um só movimento defen sivo para
iludir os ataques simultâneos.

Finalmente, pode-se dizer que este hexagrama atua sobre o centro 3 da ação de
potencial inteligente, estimulando os éteres do corpo físico e gerando neste grande
mutabilidade, agilidade e sincronização. Corresponde à “sexta mutação” da prática I -
aumento.

vii. O ABISMO (K'AN)

Propõe um estado mental crítico, de superação dos limites e de aceitação à


direção proposta pela força. Seu estado de consciência é profundo e de decisão final.
Poderíamos defini-lo como a espada do samurai ainda em sua bainha, preparada para
entrar em combate total, definitivo.
124

No I Ching, é simbolizado por imagens como o abismo, a água correndo entre


rochas, o perigo, o porco e o filho do meio. Enquadra -se na técnica de defesa “serpente
retorna ao antro”, que se transforma em um ataque definitivo com o uso da direção da
força do inimigo, acompanhando -a até sua última conseqüência.

Atua sobre a parte superior do centro 2 e centros superiores da cabeça, liberando


grande quantidade de reservas do Ki. Nã o podemos considerá-lo uma mutação
propriamente dita, mas um complemento dela.

viii. A SERENIDADE (KÊN)

Propõe um estado mental homogêneo de grande certeza, confiança e segurança,


no qual se mantém uma atitude de completo domínio sobre o corpo físico e o
energético. O estado de consciência que caracteriza este hexagrama é de grande calma,
quietude, serenidade e paz interior.

No I Ching, é representado por imagens como: serenidade, montanha,


imobilidade, o cão e o filho mais jovem. É a posição do centro e enquadr a-se na técnica
“águia na montanha”, tanto de domínio quanto de defesa e ataque. Atua sobre o centro 1
da ação de potencial inteligente, enquadrando todos os demais elementos dentro do ovo
dourado, como um sistema de economia fechada que não depende das ci rcunstâncias
exteriores.

Finalmente, constitui-se como a síntese de todas as demais mutações da prática


I-aumento, sendo, na verdade, o arquétipo acabado desta prática, ou seja, a posição do
centro na montanha, o quinto dragão oculto, o Dragão Dourado.

c) CARÁTER SIMBÓLICO DO ESTILO

O objetivo principal, ou de maior interesse na ação de potencial inteligente, é de


caráter simbólico. Isto quer dizer que todas as práticas e técnicas são representações
simbólicas que guardam conhecimentos e realidades superiore s. O discípulo deverá,
125

então, como primeiro dever, compreender o elemento oculto atrás de cada técnica, além
prática da ação de potencial inteligente.

Este primeiro ciclo, de caráter simbólico, regerá o estilo até o momento em que a
mente do discípulo se consagre ao culto sagrado dos símbolos, ou seja, que se
transforme em um processo filosófico, de caráter misterioso básico, e possa, assim,
interpretar todas as coisas nesta dimensão, “a dimensão do simbólico”, na qual todas as
coisas passam a ser símbolos . Posteriormente, o discípulo terá outro objetivo, que será
interpretar corretamente todos os símbolos que lhe compete, e depois guardar, com
novos símbolos aprovados por seus instrutores, o conhecimento adquirido. O terceiro
objetivo será o de se tornar e ficaz na interpretação e na transmissão do conhecimento
através dos símbolos. Finalmente, o discípulo da ação de potencial inteligente terá que
se transformar em um símbolo do mundo sagrado e divino. Nesta etapa, familiarizar -se-
á com o mistério da luz ou do dragão dourado, tornando -se um recipiente digno deste.

A Escola do Dragão Dourado (Nei Kung) inclui o desenvolvimento e domínio


do resto dos 48 hexagramas, somando um total de 64 hexagramas. Estes 48 hexagramas
são praticados de maneira espontânea e sua arte na antigüidade foi conhecida como Su -
Yan-Meng, ou arte da não-violência. A partir desse ponto, realizava -se a maestria desta
elevada arte marcial filosófica, que tem quatro graus superiores, conhecidos como
primeiro, segundo, terceiro e quarto dragão . Shaolin, famoso templo de artes marciais
chinesas, conheceu apenas um Mestre Quatro Dragões: Tamo, também conhecido como
Bodhidharma, único elo que nos restou com os grandes dragões do passado – com
exceção de Lao-Tsé e Kung-Fu-Tsé.

É por devoção e respeito a estes grandes que rendo esta humilde homenagem,
por meio desta investigação, com a intenção de que sirva às atuais e futuras gerações de
discípulos do Instituto Internacional de Artes Marciais Filosóficas Bodhidharma. Este
Instituto pertence a todos os que cultivam estas artes e tem como propósito fundamental
que o Dragão Dourado (I Ching) não seja no futuro apenas um livro, mas também os
oráculos do “dragão vivo” sobre a terra. Em definitivo, o I Ching representa os homens
iluminados; é uma ponte ent re o Nirvana e a humanidade, algo muito mais profundo do
que um livro.
126

Capítulo II

1) A FORMAÇÃO DO CARÁTER NO NEI KUNG

a) INTRODUÇÃO

Este capítulo tem como objetivo ampliar o conhecimento sobre a arte marcial do
Nei Kung e falar sobre a formação do caráter do discípulo de artes marciais. Como já
foi dito no tema anterior, esse conhecimento foi extraído do I Ching, antigo tratado
chinês que possui muitas aplicações, uma delas relativa às artes marciais.

Reiteramos que, no Nei Kung, essa aplicação é de caráter t otalmente simbólico,


desenvolvendo uma série de técnicas que, para o discípulo, são objetos de reflexão que
lhe permitem chegar a um comportamento ético e em equilíbrio com a natureza.

Essas técnicas têm valor sempre e devem ser consideradas como um todo e
praticadas com uma mentalidade filosófica, simbólica, ou seja, devem ser vistas como
um meio e não como um fim; seu sentido de utilidade é, principalmente, de caráter
cognoscitivo. O potencial técnico marcial surge como conseqüência, devido à
compreensão destes princípios.

Tem-se podido comprovar, através da experiência e de anos de treinamento, que


o poder do guerreiro é interno, fruto do contínuo esforço que ele próprio realiza para
conhecer a si mesmo, sem outra intenção secundária que possa debilitar s ua
concentração. O poder que se desenvolve é tecnicamente apenas uma resposta ou reação
natural de seus sentidos mentais, físicos e instintivos em geral. Quanto mais ele se
desidentifica desta parte, mais poderoso se torna.

Ao contrário, aqueles que vêem a arte marcial apenas como um poder técnico de
ataque e de defesa física e psíquica, salvo raras exceções, nunca chegam ao nível de
guerreiro filósofo.

Isso não quer dizer que a arte marcial deve ser convertida em um recanto de paz
e intelectualismo, onde as técnicas se transformam em coisas “sutis” e “abstratas”, como
127

pensam muitos que caíram neste erro. Esse ponto de vista não é próprio do auto -
conhecimento e, ao contrário, indica auto -engano e mentira.

As técnicas marciais devem ser aplicadas com muita ma rcialidade e eficiência.


Cada uma delas deve possuir poder de vida e de morte, porém o sentido nunca estará
nos resultados empíricos e sim nos resultados teóricos e filosóficos da conquista da
Sabedoria: este é o fim proposto e todo o resto é um caminho e símbolos.

b) A DUALIDADE

A formação do caráter no Nei Kung corresponde ao conceito de harmonia por


oposição, sempre que for produzida a tensão bipolar mente -corpo. Quando a mente
assume valor Yang, o corpo assume valor Yin; quando o corpo assume valor Yang, a
mente assume valor Yin. Desta forma, causa e efeito se concentram no próprio
indivíduo, diante do qual surge a efetividade da arte marcial em todos os planos
simultaneamente, ou melhor, harmonicamente (TAO -TE). Assim, a mente interpreta
símbolos e o corpo interpreta ações e movimentos.

Esta harmonia por oposição se desenvolve a partir de uma base, que é o conceito
da formação do caráter. Para alcançá -lo, é necessário controlar a ansiedade, o temor, o
medo e o desejo e converter as sub -estruturas do indivíduo em um movimento contínuo
que possa fluir ininterruptamente até se converter no Tai -Chi.

O caminho que leva a este objetivo é justamente o caminho proposto no I Ching,


quando se refere à formação do caráter, com seus respectivos hexagramas.

c) HEXAGRAMAS QUE CORRESPONDEM À FORMAÇÃO DO


CARÁTER

Aqui encontramos nove hexagramas que enquadram todas as possíveis técnicas


desenvolvidas no Nei Kung e que correspondem à idéia do 3 o. logos, ou “inteligência e
forma”. É a estrutura que contém a arte marcial.

Os hexagramas são o método pelo qual o discípulo de Nei Kung é educado e se


aperfeiçoa:
128

_____
_____
1. LU, traduzido como conduta e caminhar, é formado por dois _____
__ __
trigramas: CH'IEN acima, significando O Criativo, e TUI, a alegria, _____
_____
abaixo.
__
__ __
__
__ __
_____
2. CH'IEN, traduzido como modéstia, é formado por K'UN, O Receptivo,
acima, e KÊN, A Quietude, abaixo.
__
__ __
__
__
__ __
__
__
__ __
__
3. FU, traduzido como retorno ou ponto de transição, formado por K'UN,
O Receptivo, acima, e CHÊN, Incitar, abaixo.
__ __
_____
__
__ __
__
_____
_____
4. HÊNG, A Duração, formado por CHÊN, Incitar, acima, e SUN, A
Suavidade, abaixo.
_____
__ __
_____
__ __
__
__ __
__
5. SUN, A Diminuição, formado por KÊN, A Quietude, acima, e TUI, A
Alegria, abaixo.
_____
_____
_____
_____
__
__ __
__
6. I, O Aumento, formado por SUN, A Suavidade, Vento, acima, e
CHÊN, Incitar, Trovão, abaixo.
__ __
_____
__ __
_____
_____
__ __
7. K'UN, A Opressão e Cansaço, formado por TUI, A Alegria, acima, e
K'AN, O Abismo, abaixo.
_____
__ __
__ __
_____
__ __
_____
8. CHING, O Poço, formado por K'AN, O Abismo, acima, e SUN, A
Suavidade, abaixo.
_____
__ __
_____
_____
__ __
_____
9. SUN, A Suavidade, Penetração, formado por SUN, A Suavidade,
acima, e SUN, A Suavidade, abaixo.
_____
__ __
129

d) AS NOVE PRÁTICAS DA FORMAÇÃO DO C ARÁTER

Esta concepção prática e ampla corresponde a um critério técnico através do


qual podem se desenvolver técnicas aplicadas em uma quantidade indefinida.

 Prática LU: compõe-se de todas aquelas técnicas efetuadas em círculos,


com movimento constante e c om ritmos e contra-ritmos integrados ao
movimento. Aqui se pratica a coordenação de giros, membros do corpo,
equilíbrio, ritmos, contra -ritmos, saltos, deslocamentos, etc., de forma
sincrônica e simultânea.

 Prática CH'IEN: desenvolve técnicas nas quais o p raticante aprende a


respeitar os outros e a si mesmo e guarda relação direta com tudo o que
é protocolo, saudações e atitude de respeito dentro do Dojo.

 Prática FU: compõe-se de técnicas efetuadas com o fim de canalizar


energia com movimentos de coordenaçã o da respiração, do grito (IAI) e
do corpo, trabalhando todos eles de maneira sincronizada.

 Prática HÊNG: compreende todas as técnicas de movimentos em série e


de longa duração. Guarda relação também com os modelos estéticos do
Nei Kung: o Cisne, a Fênix e o Dragão, símbolos representados na
forma e no movimento.

 Prática SUN: compõe-se de todas as técnicas sutis do Nei Kung, de


caráter prânico e psicológico, que têm como objetivo o controle da
ansiedade, dos desejos, etc.

 Prática I: compreende oito técnicas que correspondem aos oito


hexagramas do Pa-Kua e já foram explicadas no início deste trabalho
(Cap. I - parte I).

 Prática K'UN: compreende as técnicas de luta e combate livre em geral


que, em número de oito, se complementam com as práticas anteriores
(I).

 Prática CHING: compõe -se de todas as técnicas que envolvem o


controle da imaginação e da mente e o domínio dos elementos sutis e
130

internos. Desenvolve o que se conheceu na Escola do Dragão Dourado


como “movimento circular da luz”.

 Prática SUN: compõe-se de todas as técnicas de projeção da energia,


como massagens, terapia (DO -IN), redução de inimigos e conhecimento
dos pontos de morte através de toques e pressão direta sobre eles.

e) OS ERROS NA FORMAÇÃO DO CARÁTER E A ESTRATÉGIA

Destacaremos aqui alguns erros cometidos por escolas, instrutores e alunos de


artes marciais. São problemas que chegaram ao extremo de converter as artes marciais
modernas em uma pantomima (representação por gestos).

O primeiro grande erro é considerar o poder das artes marciais como u m fator
técnico, sem discriminar entre guerreiros, homens comuns e burgueses. Pensa -se que,
pelo fato de se receber uma faixa preta, conquistada em sete ou oito anos de
desenvolvimento técnico, já se é um guerreiro, com poder de vida e morte. Erros como
este, quando projetados na sociedade como um todo, causam, por exemplo, fatos como
o dos norte-americanos, que perderam a guerra do Vietnã, e dos russos, que perderam a
guerra do Afeganistão.

Hoje pensa-se que uma inofensiva dona de casa pode se converter em uma
espécie de Rocky Marciano, só pelo fato de dominar a técnica da arte marcial. Isto é
falso. Muitos jovens crêem que simplesmente por conhecerem e usarem as técnicas de
artes marciais podem enfrentar outro homem de mentalidade verdadeiramente guerreira .
Isto também é falso.

Através da experiência de anos de instrução, tanto a civis quanto a militares,


constatei que a maior parte dos faixas pretas formados em academias convencionais,
quando enfrenta um homem de espírito guerreiro, fica totalmente inopera nte e
inofensiva. Infelizmente as artes marciais modernas se convertem em um lindo jogo de
burgueses e não passam de uma distração, como todas as que vemos na televisão.

Para dar um exemplo, vi instrutores coreanos de altíssimas graduações gritarem


como donzelas aterrorizadas só pelo fato do motorista do carro em que viajávamos ter
perdido o controle do veículo, dirigindo -se perigosamente em direção a um abismo; e o
131

mais paradoxal é que esse instrutor havia sido “boina verde” na guerra do Vietnã. Nesta
situação, um guerreiro se concentra, quieto, silencioso e sereno, para esperar sua morte
com dignidade.

Outro grande erro em escolas convencionais é pensar que, quanto mais músculos
e físico desenvolverem seus alunos, mais poderosos serão. Também pude perceber ,
através da experiência, que isto é absolutamente falso. Vi um infante da marinha, do
comando especializado da Infantaria da Marinha chilena, que havia desenvolvido um
corpo e musculatura como jamais vi em outros homens, cair como um saco de batatas,
sem respiração e profundamente chocado, devido a um golpe leve e simples que um
guerreiro aplicou em seu estômago.

Outro erro que se comete é pensar que, quanto mais agressivo for o praticante de
artes marciais, será também mais poderoso. Vi, certa vez, um ave ntureiro norte-
americano que media 1,98m e tinha um corpo impressionante: pesava 110 kg sem ser
obeso, era ágil como um antílope e tinha tamanha agressividade que um tigre ao seu
lado pareceria um gatinho. No entanto, quando enfrentou um guerreiro, sua pró pria
agressividade o destruiu em poucos minutos, caindo aos pés de seu oponente como uma
massa inerte.

Outro engano que se comete é imaginar que a arte marcial é uma série de
técnicas parapsicológicas e que os golpes provêm da aura, de sopros mágicos que
podem derrubar qualquer lutador, ou que é possível realizar proezas que nunca foram
experimentadas e que só existem na fantasia mental do praticante, o que não só é falso,
como também ridículo. Vi um faixa -preta deste tipo chorar como menino desesperado
diante da visão de uma forma mental traumática e, se não fosse socorrido a tempo, teria
enlouquecido.

Tudo isto me permite concluir duas coisas importantes: a primeira é que a arte
marcial só pode se expressar com verdadeiro espírito e sentido quando o discíp ulo
selecionado é um verdadeiro guerreiro com poder interior (Nei Kung) e a segunda é que
a guerra é um grande mistério diante do qual nosso caráter deve se constituir através de
uma humildade proporcional ao mistério que vamos encontrando, pois diante del e não
existem vencedores nem vencidos, existem apenas guerreiros com estratégia e homens
comuns.
132

f) A FORMAÇÃO DO CARÁTER E A ESTRATÉGIA

Estes dois aspectos são os mais importantes dentro da arte marcial e deles emana
o poder que o guerreiro possui de dar vid a e de dar morte. Devemos conceber como
modelo o arquétipo do caráter do guerreiro, o mito do herói em todas as culturas e
civilizações.

Heróis como Enéas, Aquiles, Ulisses, Hércules, Teseu, Perseu, e outros, ilustram
páginas da História como verdadeiros e acabados modelos da formação do guerreiro e
do discípulo das artes marciais, mas, para que o discípulo possa chegar até eles,
necessita de um conhecimento profundo e este conhecimento se chama, nas artes
marciais clássicas, estratégia.

Exemplo de estratégia encontramos em Raimundo Lulio, quando disse: “Mais


poderoso é um cavaleiro por suas virtudes que pelo conhecimento das técnicas de
Cavalaria.” Porém, entendamos que um cavaleiro é aquele que tem as virtudes e
também as armas da Cavalaria.

Outro exemplo de estratégia é o que Buda define, quando diz: “Maior do que
aquele que vence mil homens em combate é aquele guerreiro que venceu a si mesmo”.
Também entendamos que não somente deve vencer -se a si mesmo; para ser considerado
guerreiro, no verdadeiro sentid o da palavra, deve também saber e poder vencer mil
inimigos no campo de batalha.

Concordo quando se diz que a guerra é interna, mas sempre e quando não se
exclua a capacidade de fazê -la também externamente e com justiça. Não me parece
correto criar uma estratégia que atente contra a dignidade do guerreiro, porque isso
implicaria uma debilidade do caráter. A estratégia e a formação do caráter são dois
fatores que devem ser harmonizados em uma unidade de princípios ou de valores éticos,
juntamente com a eficiência no combate, tanto interior como exterior.

Não existe um guerreiro no homem que, por falsa estratégia, permite que o medo
o faça ceder diante da injustiça, do caos e da maldade, deixando de atuar quando o dever
impõe: isso é covardia. Tampouco existe um guerreiro naquele que, por caráter,
sacrifica o cumprimento inteligente e efetivo do plano que os mestres de sabedoria
determinaram para os guerreiros: isso é debilidade, confusão e estupidez.
133

Em síntese, guerreiro é aquele que ostenta em seu coração as virtudes do Herói e


em sua cabeça a inteligência do discípulo da Sabedoria. Não pode existir o guerreiro
sem o filósofo, mas também o filósofo guerreiro deve proteger, guiar e salvar os fracos
de maneira prática e efetiva.

Ninguém é guerreiro por si mesmo , mas sim pelo poder que o destino confere
aos guerreiros. Se é guerreiro, então, pela graça de Deus e pela fama merecida, que todo
guerreiro, em algum momento, obtém perante os deuses e os homens.

Finalmente, quero acrescentar que tudo o que foi mencionad o aqui é o ideal
guerreiro e, na Escola do Nei Kung, nos propomos a humildemente viver dia a dia o
desafio marcial.

Somente se, através da História, chegarmos a demonstrar claramente que fomos


eficazes para vivê-lo, a arte marcial do Nei Kung poderá ser co nsiderada uma arte de
renovação e verdade, porque passará a se integrar no mundo novo e melhor e será
praticada pelos futuros homens novos e melhores.

g) DESENVOLVIMENTO DA IMAGINAÇÃO

A imaginação é uma das mais poderosas faculdades inerentes ao homem e por


isso será tratada à parte do item formação do caráter, já que a consideramos um dos
mais importantes e decisivos complementos do próprio caráter. Embora o
desenvolvimento da imaginação seja algo muito amplo, para efeitos pedagógicos o
enquadramos dentro dos hexagramas complementares:

CHUN (Dificuldade inicial) I (Bordas da boca)


__ __
_____ _____
__ __
__
__ __
__ __
__ __
__
__ __
_____ __ __
_____
os quais pertencem à nona prática: SUN.
_____
_____
__ __
_____
_____
__ __
134

Os dois hexagramas complementares Chun e I se compõem de dez técnicas que,


para serem aplicadas, necessitam do desenvolvimento da imaginação como condição
sine qua non.

A técnica Chun-I se baseia no que no Nei Kung se denomina “linhas de força”,


distinguindo, neste conceito, 3 linhas de força co rrespondentes aos 3 centros do Nei
Kung:

 Linha de força 1, relativa ao centro 1.

 Linha de força 2, relativa ao centro 2.

 Linha de força 3, relativa ao centro 3.

É sobre esta estrutura de linhas de força, trabalhada com base na imaginação do


discípulo, que se apóiam todas as demais técnicas do Nei Kung, sem exceção alguma. E,
conforme a experiência, não poderia ser de outra forma.

Pude comprovar, depois de muitos anos de experiência, que qualquer técnica de


artes marciais que seja realizada de forma paralel a à imagem adequada e específica de
tal técnica permite ao discípulo desenvolver um potencial maior, mais profundo e, ao
mesmo tempo, uma ação técnica mais eficiente e mais poderosa em relação a qualquer
outra na qual a imaginação não intervenha.

h) A IMAGINAÇÃO COMO MISTÉRIO

Pude comprovar que, quando imaginamos filosoficamente, isto é, com os


símbolos e conteúdos da consciência, de alguma maneira nos acercamos de algo
misterioso que existe no Universo, independente daquilo que imaginamos, mas, ao
mesmo tempo, de natureza semelhante.

A imagem criada na mente seria uma imagem formal que responderia a outra
imagem de caráter paraformal. Esta segunda seria um poder em relação à primeira e,
quando bem canalizada, torna -se independente de sua criação mental, estab elecendo
padrões técnicos de ações diferentes das que estamos acostumados a realizar.
135

As linhas de força seriam criadas pela imaginação longamente treinada, mas, ao


mesmo tempo, existiriam de forma independente das linhas criadas mentalmente, em
outra dimensão mais profunda da natureza, dando ao Nei Kung um caráter e estilo
específicos. É esta dimensão mais profunda da natureza humana que destila o poder
característico das técnicas do Nei Kung, sem que para isso tenha que intervir a força
muscular e a tensão física do praticante. Quanto maior a força e a tensão física, menor
será o poder; ao contrário, o poder interno aumenta à medida que o esforço físico
desaparece.

Qual seria, então, o propósito destas práticas? Simplesmente tornar mais eficaz o
meio de ação para cumprir o fim ideológico do discipulado, que obviamente é
inexorável, e assim tornar-se cada dia mais sábio.

i) O NEI KUNG E O KUM -NYE

Para terminar este trabalho, desejo incluir outra fonte de estudo que foi
importante na criação do Nei Kung. Como j á disse, existem textos chineses
importantíssimos como fontes de inspiração, como o I Ching, O Segredo da Flor de
Ouro, Os Livros King, de Confúcio, o Tao Te King, de Lao Tsé, O Livro da Consciência
e a Vida ou O Caminho Circular da Luz, de Lu Yen.

Agrego a esta bibliografia o livro tibetano intitulado Kum Nye, Técnicas de


Relaxamento, escrito pelo Lama Tarthang Tulku e pertencente ao corpo de tradições
médicas tibetanas. Esta tradição contribui com muitos elementos de trabalho da
imaginação e de seus efeit os psicossomáticos, através de técnicas físicas, prânicas e
psicológicas, que são desenvolvidas com um critério similar ao que usamos na arte
marcial do Nei Kung.

Obviamente tudo isto é só um início. O Nei Kung apenas foi desenvolvido em


suas bases fundamentais e ainda falta um longo caminho para que esta semente consiga
dar seus frutos, mas tenho esperança nas novas gerações de discípulos, na perseverança
de seus instrutores, na soma de investigações que possam ser acumuladas através do
tempo e, finalmente, em que as divinas inspirações de musas misteriosas nos façam
compreender a verdade das artes marciais clássicas, que hoje, mais do que nunca, são
136

necessárias para o nascimento do novo guerreiro, e não somente novo, mas também
melhor.
137

2) OS HEXAGRAMAS INDE PENDENTES

a) KUEI-MEI: A JOVEM QUE SE CASA

__
__ __
__
_____
__ __
acima CHÊN, Fênix

_____
_____ abaixo TUI, Lótus sobre as Águas

A concepção deste hexagrama no Nei Kung provém do fato de compreender que


nossa existência neste mundo relativo e impermanente é muito débil, considerando a
imensa quantidade de imponderáveis que nos rodeiam e que, definitivamente, é o
comportamento natural e inexorável do Universo.

Diante de tal fato, não adianta assumir posições dramáticas nem rígidas. Por isso
a concepção de Kuei-Mei é compreender que nosso poder é nosso próprio destino e que,
além disso, não há mais nada que possamos fazer. Contudo, se pensarmos com calma,
perceberemos que nosso destino é um poder universal: o que devemos fazer será feito e
o que não devemos fazer não será feito. Também implica que o que é jamai s deixará de
ser, e o que não é nunca foi nem será.

Esta constatação deve ser acompanhada pelo praticante de Nei Kung de um


estado mental de liberdade e de profunda alegria interior. Não poderia ser de outra
maneira, porque com Kuei -Mei captamos pela prime ira vez o que somos no aqui e no
agora, ou seja, homens, simplesmente homens, e este fato guarda uma grandeza
extraordinária: a de sermos homens no Universo, homens universais.

O estado emocional da prática Kuei -Mei é lúdico, despreocupado e brincalhão.


Não temos nada a esconder, não temos que representar nada mais além de nós mesmos,
estamos aqui e faremos o que tiver que ser feito, sem conflitos, dramas, angústias e
sofrimentos.

Entramos nas circunstâncias de forma dinâmica e muito eficaz, de maneira


simples e descontraída.
138

Através de Kuei-Mei podemos descobrir o exato momento de fazer as coisas


devido ao fato de que, estando em contato quase direto com a Natureza, descobrimos o
sentido das coisas antes que estas se manifestem. Isto corresponde ao trigrama CHÊN,
trovão, que surge das profundezas. Quando a ação se manifesta, nós nos encontramos
acima dela. Este é o trigrama TUI, ou “lótus sobre as águas”.

Em nível físico, o Kuei-Mei se manifesta através de movimentos interceptadores


muito flexíveis e delicados. O corpo reage instantaneamente ao sentido e direção que
surgem na mente em um dado instante. Basta ser fiel a esses estímulos (sem duvidar um
segundo sequer) para que nossa ação seja de comando, mas sem agressividade nem
violência.

Kuei-Mei é o arquétipo do movimento físico, tanto no Universo quanto em nós


mesmos, e antecede toda ação – até poderíamos dizer que é a causa das ações.

Quem conseguir compreender este hexagrama acaba descobrindo que qualquer


ação dirigida a nós não é mais do que uma reação a uma causa existente em nosso
interior. Se descobrirmos a causa e a canalizarmos conscientemente, com tranqüilidade,
alegria e espontaneidade, a reação em nossa direção será facilmente superada e anulada,
segundos antes de se desenvolver totalmente.

A estrutura psíquica que o praticante de Nei Kung deve gerar é a de suportar a


pressão das frustrações, preconceitos, debilidades, dúvidas e passar por cima de tudo
isso. Aqui o trigrama Tui é fundamental e é também a base de qualquer operação feita
com o hexagrama Kuei-Mei. Depois de Tui, deve -se captar o surgimento de Chên e
acompanhá-lo na direção e grandeza de sua manifestação.

As práticas:

1. Aprisionar as mãos de quem nos ataca e torcer suas articulações. A prática


deve ser feita com leveza, com muita atenção e sem violência. As
articulações do pulso devem ser totalmente conhecidas e devemos aprender
a pressioná-las e dirigi-las com exatidão.
139

2. Deter, no momento em que se inicia, qualquer ataque de mão, perna ou mão


e perna. Nesta prática, deve -se tomar o devido cuidado para não se
machucar, pois, se isto acontece, significa que foi feita de maneira errada.
Quem defende deve avançar, interceptando qualquer movimento do
adversário até anulá-lo por completo, como em um jogo, sem mostrar
superioridade nem presunção .

3. Nesta prática, ambos os praticantes deverão estar sentados, cada um em uma


cadeira, frente a frente. Quem defende deve sair de sua cadeira no instante
em que seu adversário pensar em atacar. Isto lhe dará tempo para tirar a
cadeira do outro, tirá-lo da perna de apoio e outras possibilidades que
possam surgir no momento da interceptação.

4. Esta prática é exatamente igual à anterior, porém a interceptação deve ser


feita com Pom-In-Tzé, sem movimentos físicos. O grito do Nei Kung é
suficiente para impedir que o adversário se levante ou atue. Tudo depende
de que o grito seja dado no mesmo instante em que o adversário decidir
atacar.

5. A quinta prática se desenvolve através dos chamados saltos de


interceptação, efetuados com o mesmo critério dos exercícios anterior es.
Após efetuar o salto de interceptação, procede -se à projeção do adversário
utilizando o próprio desequilíbrio no qual ele se encontra após a
interceptação.

6. A sexta prática se efetua através de movimentos defensivos onde o corpo


deve ocupar o “espaço” d o golpe que o adversário deu, considerando
ataques de punhos e pernas em seqüência e alternados.

7. A sétima prática se utiliza do desequilíbrio produzido no adversário pela


interceptação Kuei-Mei, já que neste momento ele se encontra com toda a
sua força fora de base, o que vai permitir sua projeção por intermédio da
técnica que ele quis aplicar.
140

8. A oitava prática é feita com os olhos fechados, tentando interceptar o ataque


de três adversários que rodeiam o praticante.

9. A nona prática canaliza as intuições do étero-físico para fazer o combate de


simultaneidade. Esse tipo de combate tem como característica fundamental a
antecipação de todos os movimentos do adversário a partir do sentimento e
das intuições do corpo.

10. Luta Nei Kung

b) FÊNG: ABUNDÂNCIA, PLENITUDE

__
__ __
__
_____
_____
acima CHÊN, Trovão

__ __
_____ abaixo LI, Fogo

Este hexagrama nos transmite a idéia de abundância e plenitude, que no Nei


Kung se identifica com o desenvolvimento do Chi Kung, ou trabalho de energia interna.

Para que esta energia se torne plena, flua harmonicamente e cre sça de forma
homogênea, é necessário sincronizar três aspectos específicos:

i. Ritmo respiratório
ii. Ritmo cardíaco
iii. Ritmo do fluido nervoso

O ritmo respiratório propõe uma identificação mais além do corpo físico, por
meio do ciclo de inspiração e expiração. A co ncentração da mente neste fluxo
respiratório lhe permite identificar -se com um movimento interno mais amplo e mais
poderoso do que o movimento físico.

Na medida em que esta nova identificação se aperfeiçoa, o corpo físico relaxa


(com relação ao sistema ner voso vegetativo e consciente), gerando um tônus muscular
mais flexível e permitindo ao corpo o desenvolvimento de uma potência maior. O ritmo
141

cardíaco se manifesta através das pulsações do coração, o que gera uma nova referência
de concentração da mente.

A concentração da mente nas pulsações cardíacas gera um considerável aumento


da energia interior. Quando esta segunda concentração da mente harmoniza o ritmo
cardíaco com o ritmo respiratório, esta maior intensidade energética se transmite aos
órgãos, músculos e estruturas físicas em geral, produzindo um aumento de calor,
eletricidade, luz e magnetismo em todo o organismo, desde as células até os sistemas
físicos em geral, provocando no corpo um relaxamento do sistema nervoso vegetativo
inconsciente.

O ritmo do fluido nervoso gera na mente uma concentração poderosíssima,


talvez a mais poderosa das três, produzindo uma homogeneização da energia até torná -
la uma unidade indissolúvel de corpo, energia e emoções. O trabalho final consiste em
coordenar, pela imaginação, os três ritmos.

O fluido nervoso é visualizado através da imagem de um campo luminoso de cor


dourada, em forma de ovo, ao redor de todo o corpo. Esse ovo dourado cresce e se
expande até o limite máximo que possa ser concebido, juntamente com a expi ração e o
ciclo de diástole do coração, para logo em seguida decrescer junto com a inspiração e
com o ciclo de sístole do coração.

O hexagrama FÊNG, que nos transmite a idéia do Chi Kung, compõe -se de dois
trigramas: LI (fogo), abaixo, e CHÊN (trovão), aci ma, o que sugere a idéia de calor que
emerge do mais profundo do organismo e de explosão ou irradiação elétrica que se
manifesta externamente à altura do peito e é transmitida através da palma das mãos.
Esta seria a melhor imagem que poderíamos conceber em relação ao sistema do Chi
Kung.

O sistema Chi Kung se desenvolve através de seis práticas:


1. Chi Kung do coração
2. Chi Kung dos dedos para cima
3. Chi Kung dos dedos para dentro
4. Chi Kung da pedra de cinqüenta toneladas
5. Chi Kung do centro três
6. Chi Kung do centro dois
142

c) CHUN-I: AS DEZ TÉCNICAS

__ __
CHUN
_____ _____
__
I
__
__
__ __
__ __
__ __
__
__ __
_____ __ __
_____
Estas práticas, além de possuírem um caráter simbólico, têm caráter
comemorativo, já que pretendemos representar, através delas, os 10 anos de vida da arte
marcial Nei Kung.

Foram necessários dez anos para estabelecer as bases filosóficas e técnicas desta
nova arte marcial, e estes dez anos também permitiram que o Nei Kung pudesse ser
reconhecido hoje como uma síntese criativa.

Quero, então, deixar estab elecido como tradição estes dois fatos, através dessas
dez técnicas, as quais se enquadram em dois hexagramas do I Ching: o hexagrama
CHUN, que significa “dificuldade inicial”, e o hexagrama I, “as bordas da boca e prover
alimento”.

Esses dois hexagramas representam simbolicamente as condições necessárias


para que algo nasça e se desenvolva, para que qualquer coisa no Universo possa vir à
existência. Estas condições são:
 Dez ciclos
 Perseverança
 Recuperação da tartaruga mágica
 Dar alimento
 Separação e união
 Busca de ajudantes e colaboradores
 Alimentação purificada
 A boca aberta

As dez técnicas CHUN-I serão descritas aqui através de seus nomes:


1. Ronda de projeção das linhas de força.
2. Círculo de forças.
143

3. Saltos com as linhas de força.


4. Controle muscular e relaxame nto.
5. Desvio de linhas de força e retenção.
6. Técnicas de penetração do Ki com base no centro 3.
7. Técnicas de acupressão.
8. Ponto de vida e morte.
9. Limpeza da espada dos espíritos.
10. Forma da espada e da luz.

Cabe destacar que algumas destas técnicas, a 9 e a 10, i ntegram pela primeira
vez no Nei Kung o uso de armas (a espada samurai ou kataná) como preparação básica
para desenvolver a técnica da Escola Japonesa das Duas Espadas, do mestre Miyamoto
Musashi, a qual escolhi por seu conteúdo simbólico filosófico e por incluir, como
conceito de formação para o guerreiro, a estratégia militar antiga.

d) CHIA-JEN: SIMBOLISMO DO CENTRO

_____
_____
__ __
_____
acima SUN, A Suavidade, Vento

__ __
_____ abaixo LI, O Aderir, Fogo

Movimento que se realiza nas oito direções:


1
7 6

4 3

5 8
2
144

e) CHUN-FU: VERDADE INTERIOR

_____
_____
__
__ __
__
acima SUN, Suavidade

_____
_____ abaixo TUI, Alegria

Este hexagrama denota algo importantíssimo na ação de potencial inteligente,


pois simboliza o Nei Kung em seus estados mágico, estratégico e tático na mais pura e
fiel acepção.

É composto por dois trigramas: acima, SUN, sua vidade; abaixo, TUI, alegria.
Neste caso específico, o trigrama SUN simboliza o olho da alma, que observa todas as
coisas com suavidade mas ao mesmo tempo com muita penetração.

A visão da alma (Nei Kung) é quieta, serena e impassível; é uma visão que está
dentro das coisas, motivo pelo qual consegue saber tudo o que sucede em um dado
momento e pode prever os acontecimentos como um todo.

O trigrama TUI denota uma personalidade dominada pela alegria interior e este
estado exerce controle sobre o desejo, a ans iedade, o medo, a paixão, etc.,
transformando a personalidade em um ser adaptável, flexível, oportuno, preciso e
altamente eficaz.

Unindo ambos os trigramas, encontramos o momento mais perfeito e elevado do


Nei Kung: o combate Nei Kung, no qual o guerreiro supera o ritmo externo da luta para
entrar em um ritmo interno; passa do mundo profano à dimensão mágica, o mundo
sagrado.

Tudo o que foi desenvolvido no hexagrama Kuei -Mei se inclui em Chun Fu,
“verdade interior”, ambos os hexagramas integrando -se em um todo harmônico.

Esta unidade de princípios é o Nei Kung e estes princípios são:


 Mágico
 Estratégico
 Tático
 Técnico
 Disciplinar
145

 Energético
 Físico ativo

O momento do combate Nei Kung encerra todos os mistérios desta arte marcial
e os manifesta através de seqü ências espontâneas. Neste estado, o estudo de
probabilidades, que geralmente são consideradas possíveis no campo da lógica
convencional, é completamente superado.

Entramos em outra dimensão lógica que atua sobre o campo de probabilidades,


transformando-o em um sistema de caráter infinito.

Em Shaolin, este mistério era simbolizado pelo movimento infinito.

GRÁFICO N o 16

SÍMBOLO DA
ETERNIDADE DINÂMICA
146

Este hexagrama tem dez práticas:

1. Combate Ch’ien: tigre-dragão.


2. Combate K’un: dragões gêmeos.
3. Combate Chên: fênix.
4. Combate Sun: bambu.
5. Combate Li: fênix gêmeos.
6. Combate Tui: lótus sobre as águas.
7. Combate K'an: a serpente.
8. Combate Kên: águia na montanha.
9. Combate Chun Fu: escola na montanha.
10. Combate Nei Kung: dragão dourado.
147

3) OS HEXAGRAMAS DO MUSHIN -DO

a) INTRODUÇÃO

Mushin-Do Ryu é um conceito japonês que se compõe de vários elementos:

 Mushin - inocência, estado de desenvolvimento interior para atuar de


forma natural.

 Do - via, caminho.

 Ryu - escola.

Assim, Mushin-Do Ryu significa “escola de integração com as leis da natureza e


do cosmos”.

AS ETAPAS DO MUSHIN SÃO:

1. SHOJIN
Treinamento da força da vontade, da força consciente, tendo como meta e
objetivo o Wasa, ou depuração da técnica.

2. SHIHO
Fase do conhecimento transmitido de mestre a discípulo.

3. MONDO
Transmissão oral do conhecimento, de coração a coração.

4. ZANSHIN
Total transparência.

5. FUDOSHI
Imobilidade que se move.

Este sistema pertence à arte marcial Nei Kung e é seu coração marcial.
148

b) AS TÉCNICAS DO MUSHIN -DO

As técnicas desta modalidade integram sons (tipos diferentes de Kiai), imagens


em relação à Natureza e seus elementos, movimentos sincronizados de ataques e defesas
sincronizados, respostas a ataques de maneira automática ou em função dos reflexos do
corpo humano e, finalmente, técnicas de combate.

As técnicas do Mushin-Do são:


1. Técnicas genuínas
2. Deslocamentos com sons e imagens
3. Técnicas inusitadas
4. Formas
5. Respirações
6. Técnica dos treze passos
7. Marcha tengu
8. Técnica dos quatro dragões
9. Combate dos quatro dragões
10. Técnica de centro e deslocamentos
11. Técnicas de deslocamento tático contra um oponente
12. Táticas de distância
13. Táticas de tempo e oportunidade

c) OS HEXAGRAMAS DO MUSHIN -DO

i. HEXAGRAMA SHI-HO (MORDER)

No Mushin-Do, este hexagrama corresponde à técnica “genuína”, que consiste


em uma série de combates entre dois lutadores, nos quais se realizam ataque e defesa de
forma seqüencial, de tal modo que um dos lutadores ataca e o outro defende,
esquivando-se, com o objetivo de contra -atacar da melhor forma possível.

A característica fundamental da técnica genuína é a de contra -atacar a partir da


posição em que o praticante se encontra, sem que interponha, entretanto, qualquer
movimento prévio que possa delatar a intenção do lutador.
149

ii. HEXAGRAMA WU WANG (O INESPERADO)

Este hexagrama é conhecido como técnica de som e imagem e refere -se a


técnicas inesperadas que se inspiram em imagens naturais, às quais se acrescenta um
som vibrante e forte que acompanha as técnicas de defesa e ataque.

iii. HEXAGRAMA YU (ENTUSIASMO)

Corresponde às técnicas “inusitadas”, u ma série de códigos simbólicos que


desenvolvem os reflexos do praticante e ao mesmo tempo geram seqüência e
coordenação nas reações. Esta técnica imita reações espontâneas que surgem em
situações reais diante de ataques de animais, homens e obstáculos natu rais.

iv. HEXAGRAMA KUAI (IRROMPER, OU A


DETERMINAÇÃO)

Esta técnica denomina-se Mushin-Do no Kata e corresponde a formas de defesa


e ataque simultâneos a partir da posição zazen dashi. O guerreiro imagina uma situação
de ataque surpresa, que acontece no momen to em que está meditando. Nesta situação,
ele deve dar uma solução defensiva e ofensiva, simultaneamente, com total precisão e
eficácia. Esta técnica se compõe de dez katas, que incluem um cerimonial guerreiro.

v. HEXAGRAMA HSIAO CHU (O PODER DE DOMAR


O PEQUENO)

Corresponde à técnica de respiração do Mushin -Do, a qual consiste em


coordenar os três mundos com qualquer movimento de defesa ou ataque. A base desta
respiração está localizada no centro 3, do qual também se originam todos os
movimentos. Existe també m nesta técnica de respiração um trabalho de limpeza e
purificação dos éteres e do centro 2 que se efetua através do alento e do som, Fu.
150

vi. HEXAGRAMA TUNG JEN (COMUNIDADE COM OS


HOMENS)

Este hexagrama é representado no Mushin -Do como a técnica dos treze pas sos,
pois, sendo um sistema de canalização, concentração e visualização, sintetiza todas as
técnicas de Nei Kung e Mushin -Do. É uma técnica que exige do praticante uma
disciplina diária com mentalidade de consagração dos dias e das noites. Inclui os
mudras dos cincos elementos simbólicos, mudras de canalização, mudras de fechamento
e em geral todos os mudras marciais.

vii. HEXAGRAMA SUNG (CONFLITO)

Este hexagrama representa no Mushin -Do “a marcha dos tengus”. É uma técnica
cerimonial na qual se combinam marcha, sons guturais e máscaras tengu. Consiste em
gerar uma máscara de impostação guerreira que assume o símbolo da personalidade do
guerreiro e, ao mesmo tempo, interiormente, a posição de centro com desenvolvimento
da inteligência.

viii. HEXAGRAMA KUEI (OPOSIÇÃO)

Este hexagrama é representado pela técnica dos quatro dragões, que consiste em
um ataque simultâneo de quatro oponentes com tomadas ou chaves que podem ser de
Yu-do, Aiki-do, Jui-Jutsu, etc., a um quinto homem, que está na posição do centro com
os olhos vendados. Este homem central deve se soltar e se projetar sobre os outros
quatro sem força muscular, aplicando um movimento gradual, contínuo e suave até
desarticular completamente os quatro atacantes.

ix. HEXAGRAMA CHI-CHI (DEPOIS DA CONCLUSÃO)

É representado pela técnica de combate dos quatro dragões, uma luta que se
efetua entre um guerreiro e quatro oponentes. O guerreiro do centro está com os olhos
vendados e deve se defender e contra -atacar seus quatro inimigos, que atacam somente
com pontapés.
151

x. HEXAGRAMA TAYU (GRANDES POSSESSÕES)

A técnica que caracteriza este hexagrama chama -se técnica de deslocamento e


consiste em uma série de técnicas de taisabaki (deslocamento tático), com as quais se
gera um forma central nas oito direções, onde se forma imaginariament e séries
simultâneas de defesa e ataque.

xi. HEXAGRAMA MENG (A INSENSATEZ JUVENIL)

Técnicas de deslocamento tático contra um oponente.

xii. HEXAGRAMA KOU (VIR AO ENCONTRO)

Táticas de distância.

xiii. HEXAGRAMA KUAN (CONTEMPLAÇÃO À VISTA)

Táticas de tempo e oportunidad e.

d) CONCLUSÃO PARCIAL

Cabe destacar que o Mushin -Do faz parte do Nei Kung e se constitui como um
sistema de combate da arte marcial desenvolvido em nosso Instituto, reagrupando
técnicas de caráter mais interno, com uma série de hexagramas específicos que l he são
próprios. Com isto, o trabalho a que me propus avançou um pouco mais, já que até
agora conseguimos definir aproximadamente 44 hexagramas do I Ching, de um total de
64 que compõem o livro.

Por ora, nosso trabalho se concentra em aperfeiçoar tudo o qu e conquistamos até


este momento, tentando plasmar o máximo potencial de nossa arte marcial, que, através
destes 44 hexagramas definidos, guarda em seu seio uma via marcial bastante
interessante para qualquer filósofo das artes marciais.
152

Finalmente, o Mushin-Do possui um código de comportamento que caracteriza o


praticante desta disciplina filosófico -marcial e que fundamenta a existência do
guerreiro. É nesse código que se encontram não só a força constante como também o
espírito genuíno da arte marcial, que permite ao guerreiro obter a eterna fonte da
juventude, a Afrodite de Ouro.

Código do Mushin-Do:
1. Manter sempre viva a força interior;
2. Não depender de nada nem de ninguém;
3. Buscar sempre a aventura e o risco;
4. Não atuar nem deixar de atuar por medo;
5. Ser implacável com as próprias emoções e pensamentos;
6. Não perder jamais a alegria de viver;
7. Manter o espírito sempre leve e livre;
8. Cultivar e amar a solidão;
9. Praticar a contínua tomada de decisões;
10. Ser intenso no amor e na guerra;
11. Viver como um guerreiro e buscar o espírito mágico;
12. Ser poeta e músico;
13. Saber viver com dignidade e saber morrer em paz, com serenidade.
153

4) HEXAGRAMAS ESPECIALIZADOS

a) HSU - A ESPERA (ESCOLAS DAS ESPADAS)

__ __
_____
__ __
_____
acima K’AN, O Abismal, Água

_____
_____ abaixo CH’IEN, O Criativo, Céu

Este hexagrama trabalha com todas as técnicas rela cionadas a espadas, como I
Ai Do, Ken Do, Ken Jutsu, etc. Trabalha com o desconhecido, com os aspectos mágicos
e com o saber esperar. Também está relacionado com a idéia de cortar as formas astrais.

b) TA CHUANG - O PODER DO GRANDE (ESCOLA DE ARMAS)

__
__ __
__
_____
_____
acima CHÊN, O Incitar, Trovão

_____
_____ abaixo CH’IEN, O Criativo, Céu

Neste hexagrama desenvolvem -se técnicas de bastão, tonfa, nunchaco e punhal


(além das armas mencionadas, também se pode trabalhar com outros tipos de armas).

Trabalha-se neste hexagrama de armas com os seguintes elementos:


 Sistemas de ataque e defesa
 Sistemas de redução do inimigo
 Sistemas de impacto de efeito moral
 Sistemas de penetração no canal do universo da arma
 Sistemas de circulação de energia
 Técnica dos olhos circulares
 Técnica de expansão do ovo áurico
 Técnica de centro com base na coluna de luz
 Técnica de tempo e distância
 Técnica de velocidade articulada e
 Formas para cada tipo de armas
154

c) PO – DESINTEGRAÇÃO (TÉCNICAS DE DESINTEGRAÇÃO)

_____
__ __
__
__ __
__
acima KEN, A Quietude, Montanha

__
__ __
__ abaixo KUN, O Receptivo, Terra

São técnicas de desestruturação que têm como objetivo minar o inimigo com
golpes precisos. Ainda que possa ser aplicada de forma tática em hexagramas do
Mushin-Do, a proposta do hexagrama PO é desenvolver com mais amplitude a idéia de
desestruturação.

Este hexagrama é trabalhado com as seguintes técnicas de desestruturação:


 Golpes precisos em articulações, grupos musculares e ossos para
desestabilizar a força e o centro do oponente;
 Golpes para desestabilizar a base do oponente;
 Golpes para desestabilizar a respiração;
 Golpes para desestabilizar o Ki.

d) TUN - A RETIRADA (TÉCNICAS DE CONTRA -ATAQUE)

_____
_____
_____
_____
acima CH’IEN, O Criativo, Céu

__
__ __
__ abaixo KEN, A Quietude, Montanha

Trabalha-se neste hexagrama a retirada, não como fuga, mas como saída
estratégica, mantendo o centro e preparando -se sempre para o contra-ataque. Ainda que
possa ser aplicada de forma tática em hexagramas do Mushin -Do, a proposta do
hexagrama TUN é desenvolver com maior amplitude, especificamente, todos os
sistemas de contra ataque.

Nesse hexagrama, trabalha -se com técnicas de contra ataque usando punhos,
cotovelos, joelhos, chutes, chutes com saltos, o peso do corpo, reversão de projeções,
sistema de camuflagem tático intencional e sistema de respiração para camuflar a
densidade corporal
155

5) HEXAGRAMAS INTERMEDIÁRIOS

a) HEXAGRAMA HUAN – DISPERSÃO (DISSOLUÇÃO)

_____
_____
__
__ __
__
acima SUN, A Suavidade, Vento

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__ __ abaixo K’AN, O Abismal, Água

i. NEI KUNG DA PRESERVAÇÃO DA SAÚDE.


(FABIANO CAMILO- INSTRUTOR AJUDANTE)

1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é fornecer aos instrutores e demais praticantes


informações sobre como desenvolver o Nei Kung com o enfoque terapêutico. É
suficientemente claro, principalmente para os instrutores mais avançados que estão
englobados ao sistema de técnicas do Nei Kung, o enorme benefício que o Nei Kung da
preservação da saúde propicia à estrutura física, psicológica e mental de quem o pratica.
Universalmente, os exercícios terapêuticos são conhecidos por gerar uma série de
benefícios através de sua prática e podemos dizer que o Nei Kung possibilita muito
nesta dimensão:

 Trata-se de um sistema preventivo: o Nei Kung da preservação da saúde é


um sistema de preservação da saúde. Naturalmente, é melhor prevenir do
que remediar. As enfermidades, de modo geral, podem ser atribuídas tanto a
fatores externos quanto a fatores internos, sejam mentais, psicológicos ou
físicos. Mas, sem dúvida, os fatores internos são mais significativos, mesmo
porque estão relacionados com a resistência do indivíduo às pressões
causadas pelo meio em que vive. O estresse, causa básica da grande maioria
das enfermidades modernas, pode ser combatido com um aumento de nossa
resistência interna aos fatores do meio, conquistada por um trabalho
direcionado ao controle e harmonização dos processos da personalidade.
156

Esta personalidade engloba objetivamente os fatores físicos, vitais,


emocionais e mentais.

 Favorece o desempenho adequado do coração, d os pulmões e das


articulações. Promove também o desenvolvimento muscular, que não pode
ser obtido por meio da ingestão de medicamentos.

 Age como uma terapia holística. Ao contrário de outras técnicas terapêuticas


que dirigem seu foco de atenção a apenas um a parte afetada, o Nei Kung da
preservação da saúde se preocupa com todo o corpo, tonificando os sistemas
nervoso e circulatório. Através desta tonificação, trabalha -se indiretamente
todos os demais sistemas fisiológicos.

 Proporciona a autoterapia ao prati cante, pois o paciente participa ativamente


do processo de tratamento. O envolvimento pessoal sempre traz uma
diferença significativa na atitude, motivação e confiança na capacidade de
influir diretamente no resultado obtido pela terapia.

 Oferece uma forma terapêutica natural ao praticante, contando com a


capacidade de cada um. Homens, mulheres, jovens, crianças e idosos podem
fazer os exercícios sem efeitos ou riscos, desde que efetuados corretamente.

Este trabalho, então, se direciona às pessoas que que iram praticar o Nei Kung
utilizando seus ensinamentos como meio para alcançar um maior equilíbrio dos corpos
físico, emocional e mental, desenvolvendo uma relação mais consciente com esse
veículo de expressão do ser humano, que é o corpo.

Outro aspecto importante é constatar a resistência que o corpo tem a mudanças,


além das formas de compensação possíveis, ou seja, como podemos convencê -lo a
mudar, utilizando sua linguagem. As pessoas que possuem aparentemente alguma
desarmonia, seja física, psicológica ou mental, ou simplesmente as que querem usufruir
das vantagens dos exercícios terapêuticos já citados anteriormente vão encontrar uma
maravilhosa alternativa para seu desenvolvimento através do Nei Kung.

A intenção deste material, além de acrescentar e dar vida e forma a um


hexagrama chamado HUAN, que significa dissolução ou dispersão, é também poder
direcionar o enfoque dos elementos existentes, principalmente os que englobam os
157

hexagramas da formação do caráter do Nei Kung. Com base em minha experiência de


12 anos de prática e orientação com meu mestre, Michel Echenique, desenvolveremos o
aspecto terapêutico do Nei Kung, seus princípios e efeitos para todos os interessados.

Como este material ainda está em fase de desenvolvimento, faz -se necessário o
esforço do leitor para poder conectar as diferentes fases do trabalho. Por isso é
interessante uma breve explicação: a parte inicial do trabalho trata justamente da
abordagem terapêutica que as técnicas existentes possuem, principiando em seus
fundamentos – o homem e seus elementos constituintes – e passando, depois, pelas
técnicas já consagradas, sob um enfoque terapêutico, até uma proposta para o
desenvolvimento das aulas para os instrutores.

Depois vem uma abordagem mais detalhada sobre o conteúdo terapê utico nas
formas do Nei Kung. O capítulo seguinte aborda os princípios da formação do caráter
como via terapêutica para o equilíbrio do homem. Finalmente, há uma conclusão, que é
a primeira conclusão para esta abordagem. Após a conclusão – como tudo no I Ching
está em eterna mutação e possui o padrão infinito – retoma-se o trabalho com o
hexagrama específico já identificado.

Após uma reflexão profunda e consistente, surge a idéia, o hexagrama que


define o padrão de cura no I Ching. Assim, o leitor encontra rá a exposição do
hexagrama e sua fundamentação segundo as palavras do I Ching e depois disso,
finalmente, o hexagrama HUAN (dissolução), com sua idéia de cura (preservação)
desenvolvida. Aqui estão expostos os três aspectos da cura que o hexagrama inspira e
uma metodologia para seu desenvolvimento.

2. AS TÉCNICAS DOS CINCO ELEMENTOS

As técnicas do Nei Kung consistem na aplicação de exercícios baseados nos


princípios dos cinco elementos. Esta abordagem, utilizada pelas escolas tradicionais de
artes marciais, tanto no oriente quanto no ocidente, concebe a natureza humana como
constituída pela união de cinco elementos fundamentais: terra, água, ar, fogo e éter ou,
158

na concepção chinesa, terra, água, madeira, fogo e metal, que se correspondem


respectivamente. Não só o ser humano como todas as formas presentes na natureza
possuem estes elementos em conjunto e em quantidades específicas. A multiplicidade
das formas é o resultado de um sutil arranjo entre esses elementos. Cada elemento está
identificado com um princíp io ativo dentro do homem e é relacionado da seguinte
forma: podemos dizer que cada veículo é constituído por um padrão energético e os
sucessivos padrões possuem graus de inteligência diferenciados, sendo estes padrões
mais evoluídos à medida que a sutilez a do elemento aumenta. Descrevendo -os de baixo
para cima, teremos:

 Elemento terra - Princípio ou corpo etérico -físico

 Elemento água - Princípio ou corpo energético

 Elemento ar - Princípio ou corpo emocional

 Elemento fogo - Princípio ou corpo mental

 Elemento éter - Princípio da individualidade ou eu -filosófico

Os diagramas abaixo são bastante ilustrativos e nos dão uma imagem melhor da
condição global deste conceito do ser humano e de seus veículos de manifestação.

Terra Etérico-Físico

Água Vital

Ar Emocional

Fogo Mental

Éter Eu Filosófico
159

Terra Éter (Eu)

(Étero-Físico)

Fogo Água

(Mental) (Vital)

Ar

(Emocional)

O primeiro diagrama mostra um modelo esférico do ser humano, onde os


elementos, dos mais densos aos mais sutis, se interpenetram. Quanto mais sutil, maior é
a freqüência vibratória do elemento e maior é o poder deste veículo sobre o conjunto do
ser humano. O segundo diagrama expõe uma visão geométric a simbólica. Expandindo a
figura do quadrado para fora, dividida em quatro triângulos perpendicularmente ao
plano do papel, teremos a formação de uma pirâmide. Cada face desta pirâmide é
formada por um elemento e a união de todos se dá no cume da pirâmide, onde se
encontra o quinto elemento: éter ou eu -filosófico.

Éter – eu-filosófico

Fogo – mente

Ar – emoções

Água – vitalidade

Terra – corpo etérico-físico


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Neste terceiro diagrama, podemos relacionar os elementos e veículos do ser


humano hierarquicamente, onde temos, de cima para baixo, uma escala de poder ou
consciência. Enquanto o eu -filosófico é nosso ponto de maior consciência sobre as
coisas, a mente, com o pensamento, é nosso ponto de acesso a esse plano filosófico. As
emoções vêm logo abaixo e p ermitem, através dos sentidos, estabelecer nossa maior ou
menor empatia com as coisas. Este plano é muito importante, pois através dele
exercemos nosso contato com o meio. Caso estas emoções estejam com algum padrão
de desequilíbrio e este persistir, terem os um problema que fatalmente se manifestará em
nossa vitalidade (somatização). A vitalidade é nossa energia, nosso combustível vital,
que se manifesta de forma contínua desde nosso nascimento até a morte e que se torna
cíclica por influência da natureza c omo um todo e principalmente por causa de nossas
atividades psíquicas e mentais. O corpo físico, formado por duas partes, que são a
matéria primordial (físico) e sua energia estruturante ou plano eletromagnético (etérico),
tem uma energia especial que mold a, dá forma: a substância.

Conhecendo esses diagramas e suas relações, conheceremos o ser humano e sua


constituição. Esses conceitos, de fundamental importância para compreendermos o que
será exposto a seguir, podem ser encontrados nos materiais de estudo do Programa
Branco. A partir desses modelos, poderemos trabalhar cada um dos seus elementos
através de técnicas específicas.

3. TEORIA DA SOMATIZAÇÃO

A somatização é a expressão da lei de causa e efeito que relaciona todos os


aspectos humanos subjetivos, fu ndamentalmente pensamentos e emoções, fazendo -os se
manifestarem no objetivo (vitalidade e corpo físico). O ser humano é um sistema que
possui uma interatividade constante desses fatores, uma relação consciente e também
uma forma de compreender a linguage m do corpo, seu comportamento e as reações
diante da nossa interação com o cotidiano em todas as ações.

Podemos constatar incríveis respostas do corpo aos pensamentos e emoções de


todas as espécies. As enfermidades, quando se manifestam, expressam uma des armonia
nos sistemas orgânicos e energéticos, causada por elementos de conflito emocional e
mental.
161

Nosso corpo é um livro aberto e registra durante nossa vida e suas diferentes
etapas uma conformação que resultará no que somos hoje. Quero dizer com isso que
nossos sistemas de articulações, tendões, músculos e arquitetura óssea, assim como os
órgãos internos, são o mosaico que representa no conjunto o que somos, guardando
todas as experiências vividas por nós. O corpo guarda as experiências pessoais, tanto as
bem resolvidas quanto as mal resolvidas, que, aliadas às determinações genéticas e
kármicas individuais, constituem nosso soma. Esta caracterização pessoal manifestada
no corpo físico pode ser diagnosticada pela visão da “arquitetura do corpo” e
principalmente pela visão do movimento onde articulações, tendões, músculos e ossos
interagem e manifestam seu “padrão de comportamento” com grande precisão. Os
órgãos internos são mais difíceis de serem diagnosticados visualmente e podem ser lidos
pelo tato, com o auxílio do diagnóstico do movimento do corpo.

Cada desequilíbrio apresentado em um órgão ou articulação específica pode


significar um problema em especial que deve ser trabalhado. O medo concentra
problemas articulares; o apego e a falta de flexibilid ade mental geram problemas nos
tendões; a fragilidade psicológica gera fragilidade muscular e assim por diante.

O importante é que as técnicas do Nei Kung são integradas e devolvem o


equilíbrio necessário ao corpo, auxiliando na resolução e dissolução da s questões
emocionais e mentais em geral. O que deve ser observado é quais tipos e qual
intensidade do trabalho de dissolução devem ser aplicados a cada pessoa, de acordo com
o trabalho que se busca desenvolver.

Precisamos determinar a intensidade a ser a plicada em cada uma das fases do


trabalho, que são: reconhecimento, tonificação, desbloqueio, fortalecimento e
estabilização.

4. CINCO ELEMENTOS – CINCO ESTADOS DA DISSOLUÇÃO –


PADRÃO DA PRESERVAÇÃO DA SAÚDE.

A eficácia do Nei Kung da preservação da saúde de pende muito da leitura do


caráter que o instrutor realiza no praticante. Para sistematizar a aplicação dos exercícios
tomando como base o diagnóstico realizado, utilizaremos um importante conceito.
162

A estrutura do caráter do ser humano, como já abordamos em outras seções, está


sujeita a desequilíbrios que vão causando os mais variados problemas de caráter e até
enfermidades específicas, quando se manifestam no âmbito físico. Esta desarmonia de
caráter é conseqüência de uma atuação desequilibrada dos element os constituintes da
personalidade. É raro hoje em dia encontrar pessoas que possuam um completo
equilíbrio entre todos os seus elementos constituintes: fogo, ar, água e terra, ou,
respectivamente, mente, emoções, vitalidade e corpo físico.

Todos estamos sujeitos, na medida em que vivemos e passamos por nossas


experiências formativas, a uma educação desequilibrada. Os pais são demasiadamente
autoritários ou muito permissivos, excessivamente “melosos” ou insensíveis, entre
outros comportamentos. Além disso, as diversas situações que enfrentamos sem
referenciais que nos auxiliem a melhor agir e evoluir vão gerando traumas e bloqueios
que podem estar em maior grau em qualquer um destes elementos constituintes, mas
que logo afetará todo o sistema, pois não podem os descartar a idéia de que respondemos
sempre de forma sistêmica a qualquer estímulo.

O instrutor deverá desenvolver uma sensibilidade para identificar no praticante


os pontos mais visíveis de bloqueio e de desequilíbrio em seus quatro elementos
constituintes, para assim auxiliá -lo a restabelecer os padrões harmônicos através das
práticas terapêuticas.

As práticas, portanto, acabam respondendo a um processo de evolução que


precisa ser respeitado. É claro que, para determinados tipos físicos mais frágeis, não se
podem aplicar técnicas que visem a desbloquear o ki que se encontra estagnado sem
antes tonificá-lo, pois os resultados poderiam ser indesejáveis, gerando no praticante
tonturas, desmaios, males digestivos, hipertensão, contraturas musculares, hérn ias, entre
outros. Para tanto, é necessário nestes casos trabalhar basicamente com exercícios
respiratórios (oxigenação) sem a gravidade, massagem de sensibilização leve
(muscular), de preferência em contato com a natureza, ar puro e o sol. Este trabalho
garantirá, em prazos de dois a cinco meses, dependendo dos casos, a possibilidade de
trabalhar com os exercícios de desbloqueio. É importante que o praticante, antes de
qualquer coisa, possa ter uma noção de quanto conhece seu corpo como expressão
manifestada de sua psique. Lembramos que este processo deve ser natural e sem
163

excessos, pois a expressão física nos ajuda em alguns aspectos mas não é tão
determinante quanto aos vários elementos do caráter. Devemos ter cuidado, pois
estamos falando de “expressão” física, e não “forma” física. Se assim fosse, um bom
alterofilista, ou um decatleta, ou uma bela modelo poderiam ser comparados a um
mestre de sabedoria. A realidade mostra que o que acontece, normalmente, é o
contrário.

Também há o caso de pessoas que têm boa estrutura física e boa vitalidade, mas
apresentam alto grau de ansiedade, rigidez e outros problemas causados por
desequilíbrios emocionais e mentais. Carência afetiva, apego excessivo, traumas de
baixa auto-estima, pensamentos circulares nocivos, excesso de apego, ceticismo, entre
outros, geram uma série de enfermidades. Aqui também devemos ter cuidado, pois esses
indivíduos são como bombas de energia que, quando estimuladas sem um preparo que
lhes dê o suporte necessário, podem sofrer os mesmos p roblemas colocados
anteriormente. Portanto, o padrão de trabalho deve obedecer sempre ao mesmo sistema,
buscando partir do elemento terra e integrar as práticas aos poucos, até o elemento fogo.
É claro que cada praticante terá seu tempo para cada uma das etapas e responderá a uma
necessidade de equilíbrio de sua natureza pessoal.

É importante e fundamental entendermos que os exercícios, na medida em que


vão agindo sobre a vibração dos diversos elementos da personalidade, vão formando um
caráter forte e equilibrado, suave e flexível, uma condição crescente e constante que não
mais se perde. Este processo indica que se está ativando ou acessando o quinto elemento
(eu filosófico/essência), o elemento alquímico (ouro interior) que se conquista através
de uma justa proporção entre os outros quatro.

Basicamente, os cincos estados de dissolução que estão presentes na natureza e


podem ser trabalhados dentro do Nei Kung da preservação da saúde são:

 Reconhecimento (terra): Se dá basicamente na interação com a estrutur a


física do praticante. Inclui a realização do auto -diagnóstico e diagnóstico
através de movimentos naturais básicos e da observação/auto -observação,
de conhecer a respiração. Corresponde aos dois primeiros passos de
percepção do Nei Kung: circulação (líng ua no céu da boca) e fluxo
(respiração profunda e ritmada).
164

 Tonificação (água): Envolve, além da parte física, práticas de


reconhecimento do padrão de vitalidade do praticante. Trabalha com a
aplicação de acupressão, massagem energética e outros exercícios com
movimento interior, além de movimentos sem gravidade e sem esforço.
Treina e integra um padrão de respiração com exercícios estáticos e
corresponde ao terceiro passo: pulso.

 Desbloqueio (ar): Movimento leve com gravidade e com esforço,


alongamento, relaxamento (Chikung). Inicia o movimento exterior e
mantém o movimento interior com a mesma intensidade. Educa a respiração
e tem relação com o quarto passo: irradiação.

 Fortalecimento (fogo): Movimentos amplos com ação total da gravidade,


técnicas em geral (Chikung). Pratica a respiração conscientemente e tem
relação com o quinto e sexto passos: iluminação e focalização.

 Estabilização do fluido vital (nada): Composição dos exercícios Chikung,


com movimentos espontâneos. Incorpora o padrão respiratório e o retorno
da respiração à naturalidade. Tem relação com o sétimo passo: polarização.

Nas formas do Nei Kung e na composição das respirações, o movimento exterior


é completamente mobilizado pelo movimento interior.

5. AS TÉCNICAS BÁSICAS E O CONTEÚDO


TERAPÊUTICO

Elemento terra: Trabalha a relação com o corpo físico com exercícios que buscam
fortalecer a estrutura óssea, articular e muscular. Entende o fortalecimento como
reconhecimento e domínio desta estrutura. Os exercícios com maior ênfase neste
elemento possuem o princípio de técnicas de músculo (relaxamento) e as formas do Nei
Kung, exercícios em círculo, exercícios de ritmo e contra -ritmo, de coordenação
motora, articulações e tendões. Estes exercícios agem na cura de problemas que afetam
diretamente a estrutura densa do corpo, como problemas posturais, de lateralidade e de
165

coordenação motora. São ótimos na prevenção de reumatismo, osteoporose, artrose e


demais problemas crônicos similares.

Elemento água: Trabalha com ênfase no corpo vital ou energético at ravés das
respirações e dos Chikungs. Baseia-se no fluxo da energia através de um eixo que passa
por três centros básicos: centro 1 (cabeça), centro 2 (coração) e centro 3 (ventre).
Este elemento trabalha com a respiração e seu movimento natural. Terapeut icamente
tem efeito sobre males que afetam o sistema respiratório, como asma, bronquite, rinite e
alergias respiratórias. A respiração está relacionada diretamente com a tonificação do
corpo por meio de uma ação revigorante da vitalidade. Respirar é propor cionar, através
de um movimento suave e intenso, a movimentação e o massageamento de todos os
órgãos internos, além de favorecer a melhor oxigenação do sangue, agindo diretamente
sobre o elemento gasoso (ar), que veremos a seguir.

Elemento ar: Os exercícios focados por este elemento propiciam a purificação do


sangue e a conseqüente desintoxicação dos órgãos internos. Respirações, Chikungs, a
utilização do princípio da estátua articulada em todos os exercícios estéticos e de
coordenação contínua (Heng - duração) e as práticas de ronda circular com ritmos e
contra-ritmos (Lu - conduta) favorecem uma melhor circulação das energias, que
passam a desobstruir os pontos de estagnação mais comuns, localizados nas articulações
e vértebras. A consciência do movimento das articulações (desimpedimento) é
conquistada através desta prática simples e muito eficaz. O fortalecimento da auto -
estima, equilíbrio emocional e controle dos instintos estão incluídos nas práticas de kun
(opressão). O exercício de faixinha e combates simulados são uma forma de trabalhá -
los.
Os exercícios de retirada da moeda, braço, corpo e anel Nei Kung também agem
diretamente sobre os fatores emocionais, desenvolvendo controle e equilíbrio. Estas
práticas possuem efeitos sensíveis em problemas de hi pertensão, arteriosclerose e outros
males provocados pelo estresse. Devido à ação desintoxicante que possui, o elemento ar
propicia a limpeza psíquica, que favorece a expansão do fluído nervoso. Este processo
age diretamente sobre a purificação do sangue, sendo eficaz no tratamento de
enfermidades que afetam o sistema imunológico e que causam desequilíbrios
hormonais.
166

Elemento fogo: Neste elemento, utilizamos as técnicas do Nei Kung para trabalhar a
concentração, ativação da memória, criatividade e imaginaç ão, através de uma
disciplina mental específica, desenvolvida por intermédio da prática de exercícios
especiais e outros, de caráter geral ou simbólico. A meditação é a prática central deste
elemento. No Nei Kung da preservação da saúde, a meditação possui quatro passos
definidos: circulação, fluxo, pulso e irradiação, que trabalham a relação com os quatro
primeiros elementos. Fazem parte desta série mais três passos: iluminação, focalização e
polarização, mas recomendamos que estes passos não sejam trabalh ados inicialmente,
por questões pedagógicas e por se tratarem de elementos que se relacionam com o
despertar de outras potencialidades arquetípicas próprias da via marcial.
O primeiro passo, circulação, se relaciona com o estado físico, que exige que estej amos
com ombros, maxilares e demais músculos relaxados, postura ereta e a ponta da língua
tocando o ponto de encontro entre o palato e os dentes. Este estado favorece a
circulação da energia e ativa o primeiro elemento, ou corpo étero -físico.
O segundo passo, fluxo, subentende a entrada e saída do ar no ventre. Exige -se
concentração na respiração, que deve ser natural, contínua e serena. Ativa o elemento
água, ou vitalidade.
O terceiro passo é o pulso. Aqui aparece a idéia de sentir o coração, seu ritmo c ardíaco e
onde ele está se manifestando em todo o nosso ser. Estas pulsações nos remetem ao
fluido sutil que se relaciona com as emoções e sua sede é o centro 2 (coração).
O quarto passo é a irradiação. A energia que relacionamos aqui é a energia da natur eza,
a energia terrestre, e está presente na base da coluna, ascendendo de forma cilíndrica
desde esse ponto até a parte cervical, desbloqueando os canais medulares e nervosos
localizados entre as vértebras. A energia chega a se verticalizar, atingindo o centro 1
(cabeça). Este fluxo energético, conquistado através da integração dos quatro passos,
propicia a tonificação da atividade neuronal, potencializando a memória e estimulando a
imaginação e a criatividade. Também age sobre a atividade do pensamento, criando uma
estruturação mais limpa, isenta da poluição mental, do descontrole e do excesso de
pensamentos. O problema da sobrecarga mental é a principal causa do estresse.

Elemento éter: Após o trabalho preliminar de pacificação e controle dos quatro dra gões
(os quatro primeiros elementos da personalidade), que estão representados no símbolo
167

do Nei Kung, podemos direcionar nosso trabalho para os níveis mais sutis e subjetivos.
É necessário que a tormenta cesse para que possamos ver abrirem as escuras nuve ns no
céu. Esta abertura possibilitará a entrada dos raios do sol e a visão da realidade por trás
das brumas. Tendo conquistado a harmonia entre os quatro elementos formais, chega -se
ao elemento final: a consciência do eu -filosófico, ou o centro do Ser. Es sa trilha se
desenvolve através da busca incansável da sabedoria e sua via formal, a filosofia, que
fará a ligação com os outros elementos e os manterá integrados e dominados,
expandindo nossos limites e consagrando novos estados de consciência. Nos possib ilita
despertar nosso princípio superior ativo e é um reconhecimento da via de
autoconhecimento, que se cumpre através de um caminho ternário, constituído pelos
conteúdos éticos, políticos e históricos proporcionados pela filosofia.

“O conteúdo ético nos propiciará nossa identidade interior, o conteúdo político,


nossa identidade social, e o conteúdo histórico, nosso caminho
através do tempo em busca da identidade”.

6. A COLUNA VERTEBRAL

A coluna vertebral é um elemento que merece atenção especial, pois p ossui uma
função de fundamental importância para o ser humano: constitui -se em seu eixo vertical
e estabelece quatro regiões específicas, delimitadas por três planos horizontais. Estes
planos, intercruzados, resultam nos três centros do corpo étero -físico: centro 1 (cabeça),
centro 2 (coração) e centro 3 (ventre). O eixo vertebral funciona como uma antena ou
tubo transmissor de energia, uma via expressa que interliga uma enorme quantidade de
enervações responsáveis pela manutenção das mais diversas funções orgânicas. Os
chineses vêem a coluna vertebral como referência de saúde: uma coluna elástica, ágil e
de movimentos livres caracteriza um indivíduo jovem e saudável; já uma coluna rígida e
pouco elástica representa uma fragilidade na saúde e um envelhecimen to, por
conseguinte, de todos os sistemas do corpo. Para termos uma idéia, a medula espinhal
contém a própria fonte da vida e é responsável pela regeneração e renovação do corpo.

Os quatro planos estão limitados pelas quatro regiões da coluna: 1) a região


básica (coxígena) da coluna tem uma relação direta com o elemento terra e regula as
funções básicas do sistema ósseo e sua estrutura, além do sistema reprodutor, onde
168

encontra relação com a vitalidade; 2) a região lombar está ligada ao elemento água e
relaciona-se com a região do ventre (cavidade abdominal) e com a glândula supra -renal,
além de regular a respiração, o pulmão, o baço, o fígado e os rins; 3) a região dorsal
relaciona-se com o centro 2 e com as funções do coração e da glândula timo; os reflex os
dos processos emocionais afetam diretamente esta parte da coluna; 4) a região cervical
está ligada ao elemento fogo e, por conseqüência, aos processos mentais do indivíduo.

Bloqueios na região básica geram problemas de natureza óssea e articular, além


de distúrbios no sistema reprodutor. Os bloqueios na região lombar levam o indivíduo a
ter problemas nos órgãos digestivos, afetando mais o baço, o pâncreas e os rins. Como
efeito, há uma diminuição na vitalidade. Quando os bloqueios afetam a região dorsal ,
surgem problemas no coração e também no sistema digestivo, principalmente no fígado
e no estômago.

Há uma relação importante que sempre deve ser feita entre os exercícios do Nei
Kung e a coluna vertebral: o praticante precisa desenvolver uma consciência de sua
coluna, controlando naturalmente a postura e identificando dores, tensões,
formigamentos e variações de temperatura. À medida que as práticas evoluem, é
possível estabelecer um diagnóstico de problemas por meio da percepção do estado em
que a coluna se encontra.

7. DESENVOLVIMENTO DAS AULAS DE NEI KUNG DA


PRESERVAÇÃO DA SAÚDE.

Colocamos como sugestão para o trabalho nas aulas um esquema desenvolvido


através de experiência e que pode se útil para os instrutores e praticantes. Ressaltamos
que esse esquema pode ser adaptado e alterado conforme o nível dos praticantes e
também de acordo à identificação do instrutor com as técnicas desenvolvidas.

12 min – Meditação (4 passos e Ching - cachoeira de luz dourada)


15 min – Respirações e Chikungs
15 min – Técnicas Heng, Lu e Sun (suavidade)
10 min – Técnicas aglutinadas com Sun (diminuição e suavidade) e I (aumento)
10 min – Relaxamento (massagem e acupressão, automassagem, etc.)
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À medida que os praticantes se familiarizam com as práticas, podem -se iniciar


trabalhos com Kun, ou opressão (luta para tirar a faixinha), como técnicas de
movimentação de defesa e ataque com o bastão longo e depois de defesa e contra -ataque
ao ataque com bastão longo (adaptação do exercício de limpeza dos espíritos da
espada).

Depois de dois a três meses de prática, pode -se iniciar o trabalho com o
elemento éter, onde se passa a ministrar aulas de Filosofia à Maneira Clássica, buscando
sempre relacionar as técnicas aprendidas e seu resultado terapêutico com a contraparte
filosófica. Além dos benefícios físicos, psicológicos e mentais e do equilíbrio e controle
destes elementos, possibilitamos uma forma de transformação real do ser humano
através da busca de sua essência imortal.

8. CONTEÚDO DA PRESERVAÇÃO DA SAÚDE


NAS FORMAS DO NEI KUNG

As formas do Nei Kung podem ser aplicadas no trabalho da preservação da


saúde como uma forma integrada que age não só no físico, em virtude da riqueza dos
símbolos inclusos na mesma, mas também nos níveis mais sutis do indivíduo. Como
prática integrada, a forma possui uma riqueza de elementos sintetizados de extrema
eficácia e plenitude.

Começaremos demonstrando os símbolos básicos a serem imaginados durante a


prática das formas. Estes símbolos são uma interpretação derivada do padrão
arquetípico dos quatro elementos, que, no Nei Kung, possuem a imagem dos quatro
dragões.

1. Dragão do elemento terra : quadrado de cor marrom, relacionada à ação


dos músculos, ossos e tendões.

2. Dragão do elemento água : triângulo de cor verde, relacionada à ação da


respiração.

3. Dragão do elemento ar: círculo de cor azul, relacionada aos instintos,


emoções e sentimentos.
170

4. Dragão do elemento fogo : esfera de cor vermelho- alaranjada, relacionada


aos pensamentos.

5. Elemento éter: ponto branco luminoso que se relaciona com o padrão do


centro, o verdadeiro Eu, aquele que não é dominado pelos dragões, mas que
age sobre eles.

Os movimentos da primeira forma podem ser relacionados com:

1. Buscar a energia do elemento (dragão correspondente, seja terra, água, ar e


fogo), reconhecendo-o na natureza e em si próprio;

2. Trabalhar a energia no coração e interiorizá -la para compreendê-la;

3. Após compreendê-la, oferecer esta energia ao elemento, pois com ele somos
um. É um símbolo de inegoísmo e desapego e a energia passa através de nós
como o vento que faz soar uma flauta;

4. Devolver a energia e esparramá -la, possibilitando seu retorno à natureza


original do elemento.

Os principais fatores desenvolvidos pelas formas são:

1. Necessidade de continuidade do movimento

Imaginar como se estivéssemos embaixo d’água , tentando nos movimentar. O


atrito da água nos leva a realizar movimentos em câmera lenta e nesta
velocidade não se deve fazer nenhum movimento brusco. Tronco, braços e
pernas devem manter esta continuidade. Devemos estar conscientes de todos os
músculos, articulações e tendões envolvidos e exigidos no movimento. Todos os
movimentos devem ter sua amplitude para evitar bloqueios e
descongestionamento energético dos pontos vitais (vértices) de energia do corpo.

2. Relaxamento

Para conquistar a consciência d o movimento, devemos chegar ao seu estado


natural de tensão. Este estado é o que permite que nos movimentemos
171

relaxadamente e com fluidez. Precisamos sentir a sensação de leveza corpo,


como se flutuássemos e como se nossos membros perdessem seu peso. Esses
dois fatores possibilitam a constatação da primeira parte do primeiro princípio da
Ação de Potencial Inteligente, que diz: “Descondicionando o corpo...”.

3. Respiração

Não existe uma padronização rígida de movimento para inspiração ou expiração


no Nei Kung. Como a respiração é a atividade mais espontânea do corpo e todo
movimento no Nei Kung também busca o ideal de espontaneidade, a respiração
deve ser feita naturalmente durante os movimentos. É importante, sim, manter a
respiração baixa, na altura do vent re; deve ser profunda, mas sem tensão em
excesso, nos limites da inspiração ou expiração. Esses limites devem ser
trabalhados na medida em que se realiza o treinamento.
A respiração tremida, intermitente, bloqueada, pesada ou descompassada
demostra nosso estado de estresse, ansiedade, euforia ou depressão. O corpo
tenta se proteger desses estados se bloqueando e a respiração é o primeiro ponto
onde podemos constatar estes problemas. É na respiração também que podemos
trabalhá-los, reconstruindo seus padrõ es normais. O corpo não deve bloquear os
estados emocionais impactantes e sim absorvê -los, este é o melhor escudo para
uma defesa psicológica. Usaremos a idéia da suavidade, da imagem do bambu,
que se dobra com o vento mas não quebra. Assim deve ser nossa respiração para
absorver a carga psíquica do dia a dia.
Esse fator a ser trabalhado é de extrema importância e corresponde à segunda
parte do primeiro princípio da Ação de Potencial Inteligente: “Mantendo livre e
natural a respiração...”.

4. Ritmo

A respiração possui um padrão de funcionamento baseado em seu ritmo. Como


tudo na natureza, devemos encontrar nosso ritmo. Após os exercícios de
relaxamento e de respiração, devemos passar para a consciência do ritmo. A
respiração não deve ser afetada pelas cir cunstâncias exteriores e sim pela
natureza interior. Isso significa que, se a situação exige uma respiração em ritmo
172

mais lento ou mais acelerado, deve -se regular conscientemente esse princípio,
aceitando ou identificando o processo emocional e buscando in terpretar esse
processo como algo externo que está nos provando, um inimigo que ativou seu
ataque ao reconhecer nossa debilidade. Para isso, devemos nos manter
equilibrados emocionalmente. A prática aqui é estar com o Hara, região do
ventre ou centro 3, sempre livre e descondicionada, permitindo movimentos
rápidos e equilibrados. Significa começar o movimento quando quisermos e
bloqueá-lo também quando quisermos. As emoções, assim com a respiração,
possuem um ritmo. Dependendo da emoção, devemos trabalhar o contra-ritmo
para neutralizá-la. Como exemplo, podemos citar a euforia, que deve ser
trabalhada com o contra-ritmo calmo. A torpeza, depressão ou angústia devem
ser trabalhadas com um contra -ritmo forte e o descontrole, com contra -ritmo
firme.
As emoções devem ser neutralizadas em seu próprio campo, ou seja, uma
emoção deve ser neutralizada com outra emoção e não com o pensamento.
Quando somos atacados, uma energia é desferida; a natureza se expande ao
nosso encontro e devemos recebê -la, nos contraindo; caso contrário,
violentaremos o princípio de polaridade. Assim, aplicando a lógica de harmonia
por oposição, podemos obter os resultados terapêuticos esperados.

Todo movimento deve ser realizado com o objetivo de encontrar o ritmo certo, o
ritmo que por fim possibilitará a harmonização entre nossa personalidade e
nosso verdadeiro Eu.

5. Equilíbrio

O corpo deve observar essa noção de movimento contínuo e complementar para


manter-se em seu eixo. A coluna vertebral nos servirá como referência para o
equilíbrio; ela deve manter-se sempre ereta e todo movimento deverá ser
realizado em torno de seu eixo (estática ou dinamicamente). A compensação do
movimento dos membros (harmonia por oposição) também é importante. Uma
perna e um braço, ou as duas pernas e os doi s braços devem se manter
sincronizados durante os movimentos realizados para manter o equilíbrio.
173

Grande parte dos problemas emocionais e mentais podem ser diagnosticados


através da observação desse fator, tanto para o instrutor quanto para o próprio
praticante. Normalmente não nos damos conta do quanto precisamos de
equilíbrio e de coordenação motora; esses fatores, se observados fisicamente,
muitas vezes manifestam também nossa inabilidade e descontrole emocional e
mental.

6. Harmonia

Manifesta-se na forma do Nei Kung pelo senso estético, que dá funcionalidade


ao equilíbrio. Interliga desde o movimento, passando pelo relaxamento,
respiração, ritmo, até o equilíbrio. A harmonia é o estado favorável em que nos
colocamos para exercer controle sobre os fat ores físicos, energéticos e
emocionais, através da mente. Não uma mente racional, analítica e atomizante,
mas uma mente como elemento (fogo), que sabe discernir, que pode dosar o
envolvimento e integrar os anteriores, chegando a harmonizar os movimentos e a
criar o sentido estético da forma. A mente deve, a partir do exercício das formas,
se disciplinar. Isso significa estar presente e comandar o movimento das formas
sem se dispersar ou vagar com os pensamentos para outras coisas. Não deve se
preocupar, mas sim se ocupar com o que está fazendo. Isso é viver o presente
com toda a intensidade da mente. A harmonia propicia a vivência da terceira
parte do primeiro princípio da Ação de Potencial Inteligente: “Vazia a mente...”.

7. Centro

Aqui não só realizamos o padrão harmônico do movimento, como também


polarizamos este padrão, vivenciando nós mesmos (no centro) em força
centrífuga (expansão) e os fatores harmonizadores ao nosso redor em força
centrípeta (atraídos). Esses fatores são controlados e dominados de forma natural
ao serem submetidos ao poder do centro. Um elemento muito sutil pode ser
diferenciado na prática da forma através da observação da manutenção do ponto
central do qual o praticante parte e ao qual retorna enquanto executa a forma. O
centro também é verificado observando -se a concentração do poder do
174

praticante. Com a conquista desse último fator, poderemos chegar ao sentido do


Nei Kung e constatar que a Ação de Potencial Inteligente é a arte de viver.

9. PRINCÍPIOS DA FORMAÇÃO DO CARÁTER COMO


VIA DA PRESERVAÇÃO DA SAÚDE PARA O EQUILÍBRIO DO
SER HUMANO

O que vêm a ser o caráter? Utilizando a mentalidade oriental para conceituá -lo,
poderíamos dizer que o caráter é um conceito dinâmico e não estático; um exemplo da
permanente mutação em que se in sere o Universo. O caráter é a estrutura psicológica
humana por excelência e podemos dizer que é uma estrutura que se constrói a cada dia
para conformar, com o tempo, a personalidade. Na realidade, nascemos apenas com o
temperamento, que é formado pela rel ação básica que temos com as coisas e com nosso
meio através dos instintos. Com o passar dos anos, nosso ser se aperfeiçoa e os fatores
genéticos, fenotípicos (do meio) e, acima de tudo, cármicos, começam a se tornar
conscientes e a moldar os impulsos do temperamento, que vão resultando no caráter.

É clara a relação que existe entre as enfermidades, principalmente as crônicas,


com a formação do caráter ou estruturação da personalidade. A personalidade do
indivíduo é uma resultante de todas as experiências da vida, não importando se foram
mal ou bem sucedidas, mas cada experiência deixará sua marca, superficial ou
profunda. Quanto mais jovem, maior a possibilidade de sermos influenciados e
marcados pelas experiências e, enquanto esta matéria mental, emocion al e física está em
formação, ela vai se moldando com os impactos destas experiências. Uma sucessão de
impactos em um mesmo ponto pode causar uma má formação ou até uma ruptura da
estrutura em algum ponto da psique. Este fato resultará em um reflexo de pad rão
desarmônico na vitalidade e posteriormente no corpo físico, chamado somatização.

Existe uma relação desta formação com os hexagramas do I Ching que serve
para trabalhar estes elementos da personalidade em especial. Os hexagramas são
estruturas simbólicas complexas que definem uma imagem da natureza e suas
características. Estas imagens simbólicas retiradas de fenômenos naturais são
particularmente poderosas por sua influência, não só sobre a transformação da própria
natureza, como do homem. No homem, estes símbolos agem de forma inconsciente,
175

como uma linguagem especial ou lógica transcendente. Isso significa uma forma de
comunicação que está para além dos limites impostos pela matéria e sua forma, uma
linguagem direta para a psique humana que trata de questões modelo. São como grandes
faróis que iluminam nossa consciência, ou como chaves que necessitamos para abrir as
portas das salas que nos levam ao verdadeiro conhecimento. Não necessitamos decifrar
ou interpretar os hexagramas, mas sim vivê -los.

O fato é que o caráter do indivíduo necessita de um padrão estruturador para


conectar o mundo físico, material (terra), com o espírito ou mundo transcendente (céu) e
este padrão responde à linguagem utilizada pelo I Ching. Nele se apresentam as relações
céu-homem-terra em todas as suas figuras simbólicas, assim como a polaridade
(harmonia por oposição), que servirão como modelos ideais para moldar o
comportamento do indivíduo.

Existem, portanto, no I Ching, símbolos básicos que se relacionam diretamente


com a educação e formação do indivíduo, conhecidos como hexagramas da formação do
caráter. São nove símbolos, de um total de 64 imagens que compõem o I Ching, o que
não significa que todos os hexagramas não possam ser utilizados para o processo de
formação do ser humano. Esses hexagramas estão intimamente ligados e identificados
com esta função. São eles CHEN, modéstia; CHING, a meditação; FU, respiração;
HENG, formas; LU, conduta; I, aumento; SUN, diminuição, SUN, suavidade e KUN,
opressão.

Segundo o texto original do Livro das Mutações, podemos extrair palavras


inspiradoras presentes na imagem, nos comentários e no julgamento (como são
chamados originalmente); são palavras que nos contam um pouco da natureza e do
espírito de cada hexagrama:

LU: o comportamento externo deve ser harmonioso e existem regras de conduta


a serem seguidas. Manter em todas as circunstâncias a alegria (Tui) que está sob
a criação. Incitar trovão está sob a suavidade.

CHIEN: honremos os outros para sermos honrados. Respeitando os fr acos,


reconhecemos suas debilidades; respeitando os fortes, reconhecemos suas
176

virtudes. A montanha está sob a terra: o pensamento externo é correto e


harmonioso.

FU: retorno, discernimento do caráter. O auto exame para o auto -conhecimento.


A força vital que provém do interior para manter a força do caráter.

HENG: duração, firmeza do caráter ao longo do tempo. O vento e o trovão


unidos resultam em regras firmes e definidas. Buscar harmonizar toda expressão
do corpo (externa) a uma conduta interior, a express ão do caráter.

SUN: diminuição da influência das faculdades inferiores (instintivas) em favor


das superiores (cultivo do caráter). Domínio dos instintos.

I: aumento, crescimento da personalidade através do aumento da percepção das


faculdades superiores. Bo ndade, generosidade, altruísmo, compreensão,
fraternidade, etc. levam a personalidade a aumentar suas percepções físicas e
energéticas.

KUN: opressão, prova do caráter, enfrentamento das limitações, aceitação das


mesmas. Aceitando nosso destino, aceitamos as adversidades. Com esta
mentalidade, purificamos o caráter.

CHING: o poço, recolhimento ao fundo da alma, desvendando o espírito.


Fornece a energia necessária para a formação do caráter.

SUN: suavidade, penetração. Concede flexibilidade ao caráter, a mob ilidade


necessária para se adaptar às circunstâncias. Sejamos fortes por dentro (espírito)
e maleáveis por fora (mente).

As práticas do Nei Kung da preservação da saúde possuem correspondência


direta com os hexagramas do I Ching. Neste trabalho, abordam -se mais diretamente os
hexagramas da formação do caráter. Cada hexagrama possui técnicas ou exercícios
terapêuticos que, quando executados, promovem uma ação completa que envolve todos
os elementos do ser humano ou veículos constituintes de sua estrutura.
177

CHING: o poço. Este recolhimento é obtido e praticado através da meditação. A


tradicional meditação do Nei Kung é conhecida como meditação da cachoeira de
luz dourada e começa com a evocação da imagem de um rio que corre entre as
montanhas num dia quente; a água fria segue seu curso a uma velocidade
constante ao fluido e ritmo da água. Esses troncos (alguns maiores outros
menores) seguem o caudal das águas, descendo as montanhas até chegar a uma
praia onde desemboca o rio. Neste ponto chegam também os tronc os que
adentram o mar, vencendo a maré e se perdendo na linha do horizonte, junto a
uma paisagem de mar verde de um crepúsculo dourado descendo sobre as águas.
O segundo passo é imaginar -se sob as águas desta cachoeira de luz que envolve
nosso corpo em um ovo dourado de luz.

CH´IEN: modéstia. As artes marciais, como disciplinas formais que são,


incluem em sua prática uma conduta ou comportamento de respeito ao dojo
(local de prática), que simboliza nosso campo de batalha, onde travamos um
enfrentamento com nossas debilidades e onde temos a honra e o valor de
desenvolvermos as virtudes. Também com o instrutor, professor ou mestre,
devemos guardar uma relação de respeito e devoção baseada na gratidão que
temos por ele estar nos passando um conhecimento que pos sibilitará vencer
nossas limitações e compreender melhor nosso Ser. Apesar de ser um hexagrama
de fundamento mais subjetivo, é de extrema importância para o desenvolvimento
da disciplina e para o fortalecimento dos laços de fraternidade e da auto -estima,
pois só respeita a si próprio aquele que aprendeu a respeitar os outros. Inclui -se
aí também os companheiros de prática, pois aceitar as limitações e virtudes dos
outros é um importante passo para reconhecer as nossas.

FU: retorno. As práticas de respiração estão relacionadas com este hexagrama, o


princípio da força vital como elemento discernidor do caráter. Após a prática do
hexagrama Ching (meditação), o hexagrama FU nos possibilita esse retorno à
consciência periférica. Após o reconhecimento interior, re tornamos ao mundo
dos sentidos e nos sentimos vivos através da respiração. As respirações básicas
no Nei Kung são doze: três mundos, abraçando a lua, arqueiro, flecha, bambu,
178

sauce, tartaruga, ondas do mar, sétima cervical, sacola de batatas, sacola de arr oz
e respiração do sol. São todas retiradas de elementos da natureza e tem como
função um esforço de imaginação e da criatividade, assim como a busca
harmoniosa do movimento usando os sete princípios já citados na primeira parte.
É importante que não se re spire de maneira forçada nos exercício e sim
sincronicamente aos movimentos do corpo. A respiração é sempre espontânea,
pois o objetivo é que os movimentos do corpo devolvam a naturalidade ao
processo de respirar.
Quanto mais complexa a técnica, mais atent os devemos estar na naturalidade e
leveza da respiração e, dentro deste aspecto, promovemos o princípio da
circulação da energia pelos três mundos. Este princípio confere à respiração a
capacidade de retornar e de reciclar (absorvemos o bom ar e expelirmos o mau
ar). A técnica dos três mundos, além de ser um exercício, também é um princípio
de todas as outras respirações, pois devemos promover este movimento da
energia do centro 3, passando ao 2 e finalizando no 1 no momento da inspiração,
e o movimento inverso (1,2,3) na expiração. Quanto mais complexa a respiração,
mais atentos devemos estar nesta energia sutil, até o momento em que este
processo se torne realmente natural e espontâneo.

HENG: duração. Representa a firmeza do caráter, nossa capacidade de ma nter


certos princípios conscientes durante um tempo específico. Aqui presenciamos
as formas do Nei Kung: formas do cisne 1 e 2, formas do grou 3 e 4 e formas da
águia 5 e 6.
As formas ímpares são executadas com o princípio mental yang e a postura
física do movimento ying. As formas pares, de natureza Ying, são exteriorizadas
de forma Yang e a mente assume o estado vazio de transparência e leveza.

LU: conduta. Corresponde às práticas de ronda, são as técnicas executadas


caminhando-se em círculo. Estas técni cas incluem os princípios onde se
destacam o ritmo e a imaginação, desenvolvendo o reflexo e a capacidade de
agir dentro de uma conduta onde reconhecemos a trajetória e os limites do nosso
espaço e das nossas ações. O círculo invoca a idéia primordial de p adrão infinito
179

das coisas, do movimento e da natureza e contém as forças centrífugas (yang) e


centrípetas (ying), o ritmo e o contra -ritmo. Associam-se técnicas de
impressionante senso estético, rítmico e de equilíbrio, usando o ataque
imaginário dos dragões.

I, aumento, e SUN, diminuição: aqui temos dois hexagramas importantes em


sua complementaridade.
Enquanto SUN trabalha a idéia de diminuição das influências dos impulsos e
instintos que influem negativamente na postura de consciência, I trabalha a idéi a
do aumento da capacidade de resistência do caráter através da canalização da
energia, das virtudes e da vontade, que age em função do crescimento do caráter.
Os exercícios destes hexagramas podem ser trabalhados em conjunto, como um
processo de complementaridade. Necessita-se diminuir a pressão ocasionada
pelo apego, temor, etc. e para isso precisa -se aumentar ao mesmo tempo a
percepção interna e a sensibilidade, para que se justifique o domínio de si
mesmo. A técnica de retirar a moeda da mão, quebrament os, braço e anel Nei
Kung, assim como a saída de torções e imobilizações e percepção da espada
sobre a cabeça conformam as práticas do conjunto I, aumento, e SUN,
diminuição.
Os princípios da suástica (movimento complementar), tigre -dragão, dragões
gêmeos, serpente volta ao antro, águia na montanha e demais técnicas I podem
ser adaptadas para possibilitar o desenvolvimento da auto -estima e confiança do
praticante, colocando-o diante de suas reais possibilidades e mostrando que os
limites são possíveis de superação.

KUN: opressão. Com este hexagrama, possibilita -se a vivência da superação


através da execução das técnicas e práticas do teste do caráter. Após um período
de aprendizado, chega o momento de sermos submetidos a uma prova. Esta
prova, dentre as técnicas, se traduz nos exercícios de retirada da faixinha e no
combate contra o bastão longo (limpando os espíritos da espada). Na realidade, a
verdadeira prova do caráter está no dia a dia e nas provas a que a vida nos
submete. Este fator deve ser passado de forma clara ao praticante, que pode
180

utilizar suas experiências pessoais como exemplos a serem identificados e


trabalhados com a mentalidade de teste do caráter. Não existe sofrimento sem
sentido, estamos todos sendo provados pelo destino. Cabe a nós enf rentá-lo com
alegria, coração puro e forte para que possamos sempre aprender com estes
desafios.

10. CONCLUSÃO PARCIAL

“A arte marcial filosófica do Nei Kung está recém iniciando sua saga. Todo o
trabalho ainda está por fazer”. Estas palavras são repetidas nã o raras vezes por seu
fundador, o Professor Michel Echenique. Inspirado nestas palavras, buscou escrever
este texto, que explora um aspecto da riqueza de elementos que nos oferece o Nei Kung.
Conto também com o natural senso investigativo impelido por disc ípulos que me
cobravam este conhecimento e sua utilização de forma mais sistematizada. Tive, mesmo
assim, cuidado para não criar uma mecânica muito linear, limitando a expansão e
interpretação do tema. O Nei Kung possui uma linguagem universal e sintética, que aos
poucos mostra seu brilho e eficácia. Não podemos de forma alguma enquadrá -lo e
restringi-lo, pois até o seu padrão de estagnação (Pi) é mutável, segundo o próprio I
Ching, texto inspirador do Nei Kung. Mas a dificuldade não se apresenta só neste
aspecto, pois o cuidado com o excesso de subjetivação, que pode nos levar a
interpretações um tanto fantásticas e aleatórias, é também um perigo. Em um velho
tratado tibetano, A Voz do Silêncio, lia-se a seguinte frase sobre o conhecimento: “Em
cada flor encontra-se uma serpente enrolada”.
“Não há Nada Superior a Verdade”

ii. A CURA

O hexagrama Huan reproduz a melhor representação do conceito de cura


dentro da natureza, pois dela depende a manutenção da saúde. A saúde pode ser definida
como um padrão de equilíb rio que está presente originalmente em todas as coisas. Para
os reinos inferiores da natureza, este padrão harmônico é o que resulta na própria
manifestação destes reinos, seja o mineral, o vegetal ou o animal. Segundo a sabedoria
181

tradicional, o ser humano é superior aos animais por possuir em si uma força
independente que o anima e podemos, com isso, alcançar o grau de individuação, ou
identificação completa com este princípio superior que é o espírito. Este processo deve
ser, na verdade, a razão da existê ncia para os seres humanos: superar sua natureza
animal e identificar-se com o aspecto divino presente em si. Aqui aparece nosso grande
dilema: ao mesmo tempo em que recebemos a dádiva da razão para podermos nos
conceber como unidade e nos libertarmos das coisas efêmeras, nos separamos e nos
escravizamos pelo apego ao que é temporal, começando por nós mesmos.

Se entendermos saúde como um padrão de equilíbrio, podemos dizer que o


homem perdeu esse padrão em algum ponto, que começa na formação falha de sua
personalidade, na inversão dos valores e, portanto, na submissão de seu espírito ao seu
eu inferior.

________________

________________ Sun, a suavidade (vento)

______ ______

______ ______

________________ K’an, o abismal (água)

______ ______

O vento soprando sobre a água vem dispersá -la e dissolvê-la em espuma e


vapor. Isso sugere que a energia vital de um homem, quando está acumulada em seu
interior (o que é indicado como sendo perigoso pelo atributo do trigrama inferior),
poderá ser libertada pela suavidade que dissolve o bloqueio.

1. JULGAMENTO

Dispersão. Sucesso.
O rei se aproxima de seu templo.
É favorável atravessar a grande água.
A perseverança é favorável.
182

O texto desse hexagrama complementa a re -união. Dispersão e dissolução do


egoísmo que tudo separa. O hexagrama dispersão mostra o caminho que conduz à re -
união. Isto explica a semelhança dos dois textos.

Para superar o egoísmo que separa os homens, é preciso recorrer a forças


religiosas. O meio empregado pelos grandes governantes para unir os homens era a
celebração comunitária de grandes festas de sacrifícios e ritos sagrados, que
expressavam tanto a articulação social como a ligação existente entre a família e o
Estado. A música sagrada e o esplendor das cerimônias e nvolviam as pessoas numa
intensa emoção conjunta, despertando -lhes a consciência para a origem comum de todos
os seres. Assim, a desunião era superada e a intransigência, dissolvida. Outro recurso
consiste em promover a cooperação entre pessoas num grande empreendimento
comunitário que funcione com um objetivo superior aos interesses individuais. A
concentração conjunta nessa finalidade comum dissolve todas as barreiras que
provocam isolamento, assim como num barco, atravessando a correnteza, todos a bordo
precisam se unir, trabalhando coordenadamente.

Porém, só um homem livre de todo e qualquer interesse pessoal, que seja


constante em seu senso de justiça e forte em suas atitudes será capaz de dissolver a
rigidez do egoísmo.

2. IMAGEM

O vento sopra sobre as águas: a imagem da DISPERSÃO. Assim os reis da


antigüidade ofereciam sacrifícios ao Senhor e construíam templos.

No outono e no inverno, as águas começam a congelar. Quando sopram as


suaves brisas da primavera, a rigidez se dissolve e tudo o que se dispers ara em blocos de
gelo volta a se unir. O mesmo ocorre com a mente das pessoas: a rigidez e o egoísmo
endurecem o coração e essa rigidez leva o homem a se separar dos outros, o egoísmo e a
cobiça o isolam. Por isso é necessário que uma emoção de devoção se apodere do
coração dos homens, pois eles precisam ser sacudidos por uma comoção religiosa diante
da revelação da eternidade, experimentando o tremor provocado pela intuição do criador
183

de todos os seres e se unindo através do poderoso sentimento de fraterni dade


experimentado durante o ritual de adoração da divindade.

Trigramas nucleares:
Kên , a quietude (montanha) e Chên, o incitar (trovão)

O governante do hexagrama é o nove na quinta posição, pois só aquele que


ocupa uma posição de honra é capaz de trazer ordem à dispersão que se estende no
mundo. Entretanto, o nove na segunda posição está no interior para reforçar as
fundações, e o seis na quarta posição mantém, com o nove na quinta, uma relação de
receptividade, de modo a completar seu trabalho. Estas du as linhas têm uma função
importante no interior do hexagrama, por isso se diz no comentário sobre a decisão: “O
firme chega e não se esgota, o maleável recebe um lugar no exterior e o que está acima
se encontra em harmonia com ele”.

3. SEQÜÊNCIA

Após a alegria, a dispersão. Por isso a seguir vem o hexagrama dispersão


(dissolução). Dispersão significa separar -se.

4. JULGAMENTOS ANEXOS

Eles escavavam troncos para construir barcos e endureciam madeiras no fogo para fazer
remos. A utilidade dos barcos e dos remos consistia em facilitar as comunicações.
Provavelmente inspiraram -se, para isso, no hexagrama Dispersão.

Este hexagrama tem um duplo significado: o primeiro é sugerido pela imagem do vento
sobre a água, que indica a dissolução do gelo e da rigidez. O segund o significado é a
penetração: Sun penetra em K’an, o abismal, indicando dispersão, divisão. Em
contraposição a esse processo de dispersão, apresenta -se a tarefa de uma reunião, cujo
significado também está contido no hexagrama.

A imagem da madeira sobre a água sugere a idéia do barco.


184

Julgamento
Dispersão. Sucesso.
O rei aproxima-se de seu templo.
É favorável atravessar a grade água.
A perseverança é favorável.

Comentários sobre a decisão

Dispersão. Sucesso. O firme chega e não se esgota. O maleável receb e um lugar no


exterior e o que está acima se encontra em harmonia com ele.

O rei aproxima-se de seu templo. O rei está no centro.

É favorável atravessar a grande água.

Confiar na madeira traz méritos.

Chegar refere-se à posição no interior, isto é, no tr igrama básico inferior,


enquanto que ir refere-se à posição no exterior, ou seja, no trigrama superior. O
elemento firme que vem é o nove na segunda posição. Ocupando a posição central do
trigrama inferior, ele cria, para o princípio luminoso que encontra entre as linhas
obscuras, uma base de atividade inesgotável como a água (K’an). O maleável, que
obtém um lugar no exterior e age em harmonia com aquele que está acima, é o seis na
quarta posição, que ocupa o lugar do ministro. A ação simbolizada pelo hexa grama está
baseada nas relações recíprocas entre as linhas na quarta, quinta e segunda posições.

iii. O HEXAGRAMA HUAN

Sun - Suavidade, vento


Kan - Abismal, água

Este hexagrama representa a ação de desbloqueio e conseqüente


restabelecimento do padrão natural de movimento da energia vital do homem.
185

Kan é a água em movimento, mas neste hexagrama representa um movimento


bruto, não lapidado. Quando acompanhado pelo trigrama Sun, muito mais móvel e
dinâmico, kan torna-se estático e necessita de Sun pare se dispersa r, se homogeneizar e
se dissolver. Portanto Kan é relacionado neste hexagrama ao lago e as geleiras. É a ação
de Sun que trará o movimento. A evaporação dos lagos, a dissolução das geleiras se
deve à ação do vento. A energia vital, quando acumulada no inte rior do homem, precisa
ser liberada pela suavidade. É uma tensão que necessita ser dissolvida.

HUAN é, portanto, a representação na natureza do padrão de harmonização


através da dispersão. Para os seres humanos, restabelecer e manter o padrão de
harmonização da energia vital significa preservar a saúde. HUAN se manifesta, então,
como o padrão ou potencial de cura que inspira o Nei Kung da preservação da saúde.

É importante que possamos entender que as raízes desta harmonização e a


conquista deste padrão de cura são um processo bastante profundo, que inicia em
elementos presentes na personalidade e em nossa identificação excessiva com este
conjunto de máscaras que a compõe.

Para tanto, o hexagrama HUAN coloca a causa do processo de estagnação da


energia, que gera consequentemente a doença, no egoísmo. A causa dos problemas do
homem é gerada por ele mesmo. Podemos definir dois níveis básicos de problemas: os
coletivos e os individuais. Os problemas coletivos que nos afetam estão presentes em
todo o nosso modo de vida moderno, com os excessos e distúrbios no trabalho,
alimentação, sensualidade e intelectualismo. Nos dias de hoje, estamos submetidos a
uma pressão externa considerável, que modernamente chamamos de estresse.
Individualmente, geramos nossos p roblemas quando passamos a nos identificar em
excesso com nossas máscaras (a profissão, o trabalho, a vida afetiva, os estudos, as
crenças, etc.). Este apego excessivo aos meios de vida geram uma relação
desequilibrada com nosso corpo físico, nossa vitalid ade, nossas emoções e nossa mente.
Não vivemos para buscar a essência das coisas e sim para conquistá -las. Este é um
passo certeiro para a escravidão, pois a essência é Ser e não Ter. Ter é uma ilusão criada
por nós mesmos para substituir, de forma covarde , o esforço nobre de busca pela
essência das coisas, pela beleza e pela justiça. Como nos falta referencial, nos faltam
exemplos e nos falta consciência para viver a natureza superior do homem, nos
186

contentamos em nos enamorarmos de suas simples imagens. Aq ui está a causa das


doenças no ser humano. Na realidade, como diz Hipócrates, o pai da medicina
ocidental, “não existe a enfermidade e sim pessoas enfermas”.

Tomando como referência o sábio mestre Buda, Sidharta Gautama, é a


ignorância que gera o apego, e é nosso dever natural buscar reconhecê -la e superá-la.
Pela ignorância nos confundimos, pela ignorância nos entristecemos, pela ignorância
nos inconformamos e, por fim, é pela ignorância que adoecemos.

HUAN, a Dissolução, pretende trabalhar sobre esta e streiteza de visão, este


apego presente em todos nós, para que possamos nos libertar aos poucos da nossa
relação egoísta com as coisas e desenvolver outro padrão de identidade, mais harmônico
e mais profundo com nosso Ser. Trata -se de buscar um "padrão de reconhecimento" e
poderemos compô-lo relacionando-o aos princípios clássicos da estratégia filosófica.
Esta estratégia é a ciência presente na sabedoria tradicional e nas formas milenares que
nos apresentam as antigas tradições dos povos orientais e ociden tais. Na realidade, a
doutrina estratégica é a síntese de todo o conhecimento necessário para conhecermos
todas as coisas, começando por nós mesmos, apresentando uma forma sintética e
orientada de compreender os fatores de conhecimento que são essenciais p ara o trabalho
de restabelecimento da saúde. Estes fatores de reconhecimento são:

1. CENTRO

Reconhecimento de nossa essência através da prática da vida interior. O ser


humano é basicamente uma composição de dois fatores: sua parte temporal, concreta,
objetiva, perecível e efêmera e sua parte subjetiva, atemporal, sutil e permanente.
Chamaremos o primeiro fator de personalidade e sua composição é definida através de
quatro elementos: terra, água, ar e fogo. Ao mesmo tempo, participa deste fator ou
veículo uma série de agregados da personalidade. Na realidade, a personalidade é um
conjunto de fatores temporais, ou seja, é o conjunto das máscaras (personas).

O termo persona é originário do Teatro Grego, onde os atores utilizavam, para


representar seus vários pa péis, uma série de máscaras com diferentes expressões. Estas
diferentes máscaras são moldadas hoje pelo ser humano para garantir uma forma de
187

interação com seu meio, de acordo com a necessidade apresentada. Para tanto, temos
um comportamento na família, ou tro específico no trabalho, outro que geramos com as
amizades, outro para nosso local de estudos, outro para as relações afetivas mais íntimas
e assim por diante. Podemos assumir várias máscaras dependendo da necessidade e da
situação apresentada. É claro que essas máscaras são imprescindíveis para que
possamos nos relacionar com o meio circundante. Mas onde iniciam os problemas?
Iniciam quando começamos a desenvolver uma identificação excessiva com nossas
máscaras. Quem de nós não convive com exemplos diá rios de uma mãe que, por um
abalo ocorrido na relação com um filho, cai em profundo e irreparável desgosto? Ou um
profissional que passou grande parte de sua vida dedicando -se a construir sua imagem,
sua empresa ou negócio e, quando essa imagem ou negócio se abala ou se perde, passa a
viver como um fracassado irremediável? E porque não dizer o mesmo de uma desilusão
amorosa? Após anos convivendo com a pessoa amada, ao vermos traída nossa
confiança, caímos no desgaste unilateral da relação e a partir daí nos sa estima cai para
zero. Por que todos os nossos valores devem ser edificados nesse processo pessoal de
identidade?

A causa dos nossos problemas está aqui, na identificação excessiva com nossas
máscaras. Na verdade, as máscaras são apenas elementos tempor ais que nos geram uma
oportunidade de experiência que deve ser construída dentro de cada um de nós. Os
elementos externos são apenas os canais para que esta energia possa circular de fora
para dentro e de dentro para fora, mas é importante saber que existe o dentro e o fora, e
que o trabalho fundamental deve ser realizado em nosso interior.

Para tanto, devemos identificar este segundo elemento ou fator, que é nossa
essência, nosso eu-filosófico, representado pelo elemento arquetípico éter, que é uma
junção dos quatro elementos da natureza e ao mesmo tempo sua contraparte geradora (o
princípio e o fim, a eternidade dinâmica de que fala o I Ching, a mutação e permanência
do padrão infinito presente na natureza, a lei, o Dharma -karma, a justiça de Platão).
Reconhecer esta essência é fundamental para aquele que busca se harmonizar.
Reconhecer a essência é, na realidade, um trabalho árduo, que necessita da integração
de todos os elementos dispostos na doutrina estratégica. Isso é possível porque estes
188

elementos são as referências que estão presentes na essência humana, são constituintes
do eu-filosófico, do espírito, e não da personalidade. À medida em que trabalharmos
sobre eles no nosso cotidiano, estaremos trabalhando sobre esta essência e descobrindo,
então, o verdadeiro ator que está presente por detrás das máscaras.

Para reconhecer nossa essência, é necessário reconhecer nossa cota de egoísmo


atávico, este egoísmo que nasce conosco e que durante nossa experiência de vida
devemos trabalhar para reconhecê -lo e eliminá-lo. Alguns estudiosos dizem que este
egoísmo é um elemento que leva o homem a evoluir por desejo de conquistar as coisas,
mas, na realidade, confunde -se o egoísmo com o instinto de poder da alma. Este instinto
de poder existe em todo ser humano e necessita ser trabalhado. O instinto de poder da
alma precisa de lapidação, que não se dá com o trabalho sobre o egoísmo e
possessividade e sim sobre o trabalho com as virtudes. Se o objetivo do ser humano é
chegar à felicidade pela prática do bem, que é o objetivo de todas as ações humanas,
segundo Aristóteles, devemos utilizar nosso instinto de poder da alma para aprender a
ser virtuosos. A prudência, a temperança, a coragem, a beleza, a generosidade devem
ser os bens buscados, que são próprios da natur eza humana. A simples sobrevivência é
um bem que o homem partilha com os vegetais. Levar a vida norteado pela fuga da dor
e pela busca do prazer é seguir a lógica de vida dos animais; o ser humano tem muito
mais a desenvolver e deve viver utilizando seu ma ior poder de conhecimento, que se
obtém praticando as virtudes, fruto da ação do elemento discernidor que é a razão. Esta
razão à qual Platão e os outros sábios da Antigüidade se referiam é justamente o eu -
filosófico, nossa essência ou espírito.

O centro está relacionado à primeira das atitudes que possibilita o homem a ser
possuidor de si mesmo, a se conhecer, a se dominar e a se controlar. Estamos falando de
consciência: consciência é uma atividade dinâmica e não um campo ou local em nossa
mente. Ao mesmo tempo, coincide com a prática de acesso à nossa essência, ao nosso
ser interior. Despertar esta essência, uma tarefa que se dá gradualmente com as
experiências passadas na vida, possibilita possuir a si próprio, ou ser consciente. Ser
consciente é estar concentrado, é ter um centro. O centro tem a característica única de
possibilitar uma visão eqüidistante de todas as nossas máscaras ou atributos da
189

personalidade, nossos pequenos eus. Estar no centro é estar no ponto onde as energias
centrípetas e centrífugas não agem e nos confere a capacidade de estarmos imóveis no
movimento (como no eixo de uma roda), podendo enxergar tudo sem nenhum obstáculo
e com a mesma perspectiva. Centro é poder.

A prática referencial para desenvolver a idéia de centro é a prátic a da


concentração. O exercício básico para seu desenvolvimento é chamado de tatrak e pode
ser feito através da fixação do olhar e da atenção em um desenho de uma circunferência
com um ponto central, desenhado em uma folha branca em cor preta. O exercício
consiste em concentrar-se na figura e manter tanto a circunferência quanto o ponto em
constante observação, sem que escapem da visão os dois elementos presentes, sem que
se movam ou desapareçam. Devemos buscar uma posição cômoda para realizar o
exercício, mantendo o corpo relaxado e a coluna ereta, com a língua no céu da boca e a
respiração abdominal profunda e tranqüila. Devemos estar atentos para todos os
pensamentos ou sentimentos que possam aparecer no momento em que estamos
realizando a prática. Quando estes aparecerem, devemos estar conscientes de sua força e
de que, mesmo alheios à nossa vontade, os pensamentos e as emoções se apresentam.
Na realidade, não devemos bloqueá -los, mas sim identificá -los e reconhecê-los,
buscando suas causas geradoras. Tudo isso deve ser feito de forma natural e sem que
percamos a atenção na imagem. O importante é não perder a totalidade da figura: o
ponto e a circunferência. Devemos parar o exercício e recomeçá -lo sempre que
perdermos a imagem. Aprenderemos com isto o que é concentração e como desenvolvê -
la. Devemos saber e deduzir por esta prática que concentração não é alienação, como,
por exemplo, absorver a atenção em alguma coisa sem saber de mais nada que possa
estar ocorrendo ao lado. Aprendemos com esta prática que é impossível e errado dizer
que podemos bloquear os pensamentos e as emoções, porque não podemos; devemos,
sim, identificá-los e reconhecê-los, pois só assim poderemos dominá -los. Mas isso só
poderá ocorrer se estivermos concentrados, ou seja, localizados n o centro e possuidores
de nós mesmos. Como vemos, então, o reconhecimento do centro passa inicialmente
pela noção de que o que reconhece os pensamentos e sentimentos é essa essência, nosso
verdadeiro eu, e que nossos pensamentos e emoções não somos nós, ma s sim agregados
que se referem à nossa personalidade.
190

2. DISTÂNCIA

Reconhecimento do lugar que deve ocupar cada coisa em nosso meio, nos
relacionando de forma a não confundir, não invadir e não bloquear a natureza própria
das coisas. Sua prática é a meditação . Meditar é estabelecer um contato consciente, a
partir do centro, com nossa personalidade, avaliando a distância em que devemos nos
posicionar para podermos resolver nossos problemas.

A distância é um conceito importante como padrão de reconhecimento.


Reconhecer a distância nos permite ver as coisas. Para podermos ver as coisas,
necessitamos de uma distância correta, e existe uma distância ideal, que não é muito
perto, porque quando as coisas grudam em nossos olhos enxergamos apenas escuridão
ou uma parede plana, ou coisa semelhante. Quando estamos muito longe, todas as coisas
parecem um pequeno ponto, de cor, tamanho e forma indefinidos. Com nossos
problemas, acontece da mesma maneira. Um problema que se aproxima, a ponto de nos
sufocar, não pode ser reso lvido enquanto estiver assim e um problema distante e que
não pode ser reconhecido normalmente é apenas uma suposição ou probabilidade, e se
nos preocuparmos com todas as possibilidades de problemas que possam acontecer
conosco, provavelmente enlouquecerem os. Este é normalmente o padrão do neurótico,
que vê dificuldades, dúvidas e problemas em todo lugar. Praticar a distância nos dá
segurança, pois podemos ver onde estão as coisas e reconhecê -las em sua forma. Estes
são requisitos para controle e domínio da s situações.

Se através da prática do centro podemos identificar nossos problemas e nossas


máscaras, definindo o que somos nós mesmos e o que são nossos agregados, a distância
nos possibilita conhecê-los. Para trabalhar a distância, é fundamental praticar a
meditação, que nos possibilitará encontrar a distância certa para as coisas.

3. TEMPO

Buscar reconhecer que existe um tempo externo (relacionado à nossa


personalidade e à coletividade) e um tempo interno (relacionado à nossa essência e à
individualidade) para as coisas e a necessidade de integrá -los e reconhecê-los é
fundamental para nosso reconhecimento e autodomínio. Sua prática é a reflexão.
191

Memória. O tempo é uma forma importante de energia e, se não a utilizarmos, ela se


perde.

4. REGULAÇÃO

Reconhecer a intensidade das coisas. Na vida, podemos regular nosso


comportamento diante de dois extremos: a atividade e a passividade. Tudo é uma
questão de reconhecermos que devemos sempre agir, mas esta ação pode ser criativa ou
receptiva, conforme a situação ap resentada. Sua prática é o planejamento.

5. RITMO

Reconhecer que a natureza possui um equilíbrio dinâmico. Tudo respira (inspira


e expira), tudo é uma questão de relação do que está dentro (essência) com o que está
fora (personalidade). Precisamos reconhece r quando as situações estão em expansão e
quando estão em contração para nos posicionarmos da forma correta frente aos
problemas. Sua prática é a motivação.

6. ABSORÇÃO

Reconhecer nossa capacidade de integrar os problemas, dissolvê -los, suportá-los


no momento em que aparecem, dominá -los e absorvê-los. Sua prática é a respiração.

7. CONTROLE

Reconhecer que o ponto almejado é a integração de todos estes princípios, de


forma constante e permanente, diante de todas as situações de nossa vida. O controle
deve ser algo natural depois de conquistado e sua prática é a disciplina.

Outro aspecto fundamental do hexagrama Huan é a convivência. Aprender a


conviver e a gostar do convívio é uma prática inerente a Huan, que coloca sua imagem
como a primavera, que inicia pa ra vencer o frio do inverno que congelou o coração dos
homens. É necessário aquecer os corações e trabalhar as emoções e a fraternidade como
192

fundamento para a cura. O medo, o isolamento, a solidão, a angústia e a depressão são


todos sintomas da falta de co nvívio. Conviver é ativar a energia Sun (vento) sobre Kan
(água), que necessita se mover. É importante salientar que não estamos nos referindo a
uma convivência passiva, aquela que faz parte de nosso meio de interação básico e
convencional e que muitas ve zes existe por ser conveniente, tais como as relações
familiares, profissionais, sociais e até afetivas. Falamos aqui da convivência ativa que
definimos como uma busca constante e uma atitude constante que nos leve a interagir
mais com as pessoas e com a n atureza. Trata-se de desenvolver um interesse consciente
pelo todo, pela coletividade, pela comunidade e pela natureza em geral. Para uma
convivência ativa, deve ser superior aos interesses pessoais que normalmente motivam
as relações. Ocupando-se em resolver questões maiores, superiores e em auxiliar o
próximo, nos envolvemos e nos engajamos nos ideais mais nobres da humanidade. E
como ser idealista é ser virtuoso, conquistamos com isso nosso maior antídoto para
qualquer mal que possa advir: as virtudes. E sta é a melhor terapia para os nossos
problemas pessoais, que passam a ser resolvidos por estarmos desenvolvendo nossas
virtudes e com isso conquistando uma condição de equilíbrio e não uma falsa segurança
advinda de relacionamentos superficiais. Devemos t rabalhar para conquistar este estado,
nossas atividades devem visar sempre um fim que transcenda nossos interesses egoístas
e pessoais. Na natureza, qualquer coisa estagnada, que não doa tanto quanto recebe,
apodrece, se desintegra e morre. A partir disso, podemos estabelecer uma relação entre
esse processo de desequilíbrio e as enfermidades que se manifestam no ser humano.

Como tudo na natureza, os estados psíquicos, pessoais e coletivos, que geram as


enfermidades do ser humano são formas de energia. Para mantê-los, é necessário uma
alimentação constante. Como os problemas são estados psíquicos muito magnéticos, de
polaridade muito forte, além de serem constituídos de energia estagnada, consomem
muita energia para subsistirem em sua inércia. À medida que r econhecemos estes
problemas e não lhes damos mais atenção, bloqueamos sua fonte de energia e o
problema acaba por se dissolver. Este processo se consolida sempre que nos
envolvemos com causas maiores e trabalhamos por elas. Com isso, nos tornamos mais
fortes e mais nobres, reciclando toda a energia estagnada em nós e desenvolvendo nosso
potencial de transformação e de reconhecimento. As mudanças de atitude e
comportamento externo, no meio em que vivemos, com as pessoas e com as coisas com
193

as quais que convivemos, geram uma transformação muito mais profunda e interior, em
contrapartida. Esta é a verdadeira transmutação, um caminho que depois de iniciado não
deixa margem para retorno.

Conviver dissolve as barreiras do isolamento que nós próprios criamos no


decorrer de nossa vida e, dissolvendo essas barreiras, libertamos essa energia vital, que
passa a fluir melhor. Isso constitui um importante fator de cura.

Podemos dizer, portanto, que o Nei Kung da P. da S. se fundamenta em três


fatores básicos de P. da S.: o altruísmo (trabalhando o desapego e combatendo o
egoísmo), o reconhecimento (saber que nada sabemos e que devemos buscar o
reconhecimento pela via estratégica da vida) e a convivência (rompendo o isolamento e
integrando-se humanitariamente). Estes pr incípios são reconhecidos nas escolas
tradicionais de filosofia e na Nova Acrópole como a vida moral no discipulado, uma
disciplina composta de três virtudes, que são:

 Devoção (altruísmo)
 Investigação (reconhecimento)
 Serviço (convivência)

Na realidade, devemos abordar os fatores de cura filosoficamente, percebendo


que não são fatores para curar a doença e sim para preservar a saúde. Quando utilizados,
causam transformações internas profundas no ser humano, alterando toda a sua
perspectiva de vida, fortale cendo seu sistema imunológico, robustecendo sua psique e
tornando-o mais sensível, astuto, resistente e, enfim, consciente de seu poder interno.
194

b) MODELO CULTURAL E MODELO MÉDICO

A medicina moderna foi desenvolvida sobre o arcabouço da doença. À medida


que os males foram sendo identificados, criaram -se métodos e formas de combate às
doenças. Esta forma de pensamento tornou -se unilateral através do tempo e a medicina
foi se associando cada vez mais à erradicação da doença e não à preservação da saúde.
Na realidade, a doença é a anormalidade apresentada pelo indivíduo em um
determinado momento e é preciso, em 90% dos casos, de sintomas físicos para ser
diagnosticada.

A medicina moderna, dentro de sua visão reducionista, poderia ser conceituada


como a ciência que pretende sanar os males físicos do homem. Quanto aos males
psicológicos que afetam as pessoas, temos a psiquiatria, que na realidade fica em
posição delicada, pois os males da psique, quando funcionais, não possuem cura
aparente e o uso de medicame ntos serve como elemento atenuante destes males quase
sempre permanentes.

Retornando ao conceito de medicina que elaboramos, podemos verificar um


paradoxo bem interessante. Ao mesmo tempo em que a medicina abre um universo
infinito de possibilidades ao de sbravar e conhecer cada milímetro do corpo humano,
com suas estruturas e funções acompanhadas de um histórico de diagnósticos das
enfermidades, acaba por limitar o ser humano e enxergá -lo segundo a constituição física
e seu padrão sintomático da doença. É claro que isto não é um problema da medicina,
mesmo porque esta ciência vem evoluindo muito em sua própria lógica e segundo seu
conceito, realizando bem suas funções de identificar os males físicos e buscar saná -los.

Não podemos culpar a medicina, porque é a mentalidade do homem e seu padrão


cultural que distorcem a ciência e geram este modelo limitado que temos. A seguir
podemos ver as principais características deste padrão cultural:

1) O homem, nos últimos 150 anos, ao contrário dos outros 9000 anos de
História que pretende conhecer, mergulhou em um paradigma extremamente
materialista, se distanciando de seu conteúdo pessoal e simbólico. Isso causa
graves falhas na estruturação psíquica e na construção de nosso mundo
interior. É um modo de vida que castr a o despertar de elementos importantes
presentes em seu interior e que, em épocas passadas, eram associados aos
195

mitos, símbolos, sonhos e a todo o universo subjetivo presente na natureza e


no interior do ser humano. A falta de vida interior é um grave prob lema para
o ser humano.

2) Nossa cultura é funcional, pragmática e descartável e, portanto, exigimos


soluções rápidas, fáceis e instantâneas. Para tudo necessitamos de efeitos
imediatos.

3) Vivemos uma crise existencial tremenda nos dias de hoje e nossa i nabilidade
em tratar as questões interiores do ser humano nos torna extremamente
frágeis. Fugimos da dor, ao invés de irmos ao seu encontro, para resolver sua
causa. Para tanto, ingerimos uma grande quantidade de drogas, em sua
maioria analgésicos. Combate r o que se apresenta na superfície (a dor) é uma
forma de fugir dos processos internos que causam esta mesma dor. Temos um
medo mortal da dor, assim como da morte e do desconhecido.

4) O mundo moderno vive voltado para o mercado. Precisamos comercializar


tudo e a doença é um bom produto. Digo a doença porque a grande maioria
de nossos hábitos de vida moderna é nociva à saúde e mesmo porque não
estamos interessados na saúde até o momento em que adoecemos.

Refletindo sobre os fatores citados acima, podemos encontrar as razões que


explicam a atitude inevitável da medicina de tratar a doença e o corpo. Para tanto,
podemos deduzir que a medicina existe porque a doença existe e não porque a saúde é
boa e é necessário preservá -la.

O que devemos entender como saú de? Devemos entendê-la como um padrão de
harmonização do homem, com sua natureza interior, de acordo com suas condições de
expressões potenciais e manifestadas e sua relação com o meio em que vive. Sendo
assim, podemos dizer que a doença somática aparece n o momento em que se rompe
esse equilíbrio, de tal maneira que seu efeito se manifesta no corpo físico. Mas nossa
perspectiva de abordagem deve ir além do limite físico, pois todo desequilíbrio começa
no campo dos pensamentos, sua origem é mental e depois e mocional, refletindo-se
então na vitalidade e chegando até o plano físico em algum sistema, órgão ou tecido
196

específico. Platão e sua escola de origem – os Pré-socráticos e Pitágoras – já definiam a


origem das coisas através do plano inteligível, ou mundo d as idéias. Primeiro existem as
idéias como causa e seu efeito é a manifestação emocional, energética e finalmente
física, concreta. O modelo da filosofia tradicional é, portanto, inverso ao modelo atual,
que coloca a causa material como fundamento para a e xistência. Esse paradigma tem
levado o homem ao ceticismo, tornando -o descrente e materialista, reduzindo seu
universo de visão e limitando sua compreensão das coisas que não são mensuráveis,
previsíveis e palpáveis com exatidão. O homem define esses campo s de conhecimento
como "ilógicos", como se Platão, quando propôs o conceito de lógica – logos, sentido
das coisas –, quisesse se referir às causas puramente materiais. Ao contrário, a lógica
estaria, segundo os clássicos, na idéia pura que permitiu a geraç ão da imagem, que é
uma manifestação limitada e imperfeita do conteúdo presente no plano das idéias.

Plotino, o melhor entre os neoplatônicos, fala que o que vemos das coisas são
apenas sua sombra, os seja, a quantidade de luz que compõe a matéria é míni ma, pois a
lógica e o sentido que estão no interior da matéria (a luz, ou Uno) estão encobertos por
uma espessa camada de preconceitos, criados pelos nossos próprios sentidos limitados.
Buda, Sidharta Gautama, coloca em sua doutrina das Quatro Nobres Verda des, que
fundamentam o Budismo, que a dor existe por confundirmos nossa natureza real, o que
realmente somos, nossa essência ou Eu, com os nossos sentidos físicos. De tanto utilizá -
los de forma inquestionável, nos tornamos dependentes do único meio que ele s podem
alcançar, que é o meio material e concreto. Todo o universo da energia, das emoções e
das idéias só existem por terem como referência a matéria e, consequentemente, os
sentidos. Buda chamava esta perspectiva de Maya, uma perspectiva ilusória, justa mente
por tomarmos o efeito (manifestação) como causa das coisas. Por isso sofremos, pois
buscamos ter as coisas que estão à nossa volta, para nossa satisfação, e ninguém pode
possuir o que não está dentro de si mesmo. Somos donos daquilo que preservamos
internamente. Saint-Exupéry disse a célebre frase “somos eternamente responsáveis por
aquilo que cativamos”. Para entender o significado destas palavras, devemos entender
por que Buda nos coloca que só podemos possuir verdadeiramente o que pode chegar ao
nosso coração. Esta é a única forma de entendermos as coisas em sua plenitude e de
aumentarmos a estatura de nosso verdadeiro EU. Este é o verdadeiro padrão de cura da
transformação interior.
197

c) TÉCNICAS FUNDAMENTAIS DO HEXAGRAMA HUAN

i. INTRODUÇÃO

O hexagrama Huan foi a síntese deste trabalho de busca de uma idéia referencial
que representasse a preservação da saúde e o padrão de cura de acordo com o I Ching.
Precisávamos de um hexagrama que sintetizasse a idéia e que tivesse suas técnicas
referenciais.

Para isso, nasceram sete práticas, que compõem o hexagrama Huan e que
buscam essa identidade profunda com o significado da dissolução, do rompimento da
estagnação e do restabelecimento do fluxo das coisas.

Os sete exercícios fundamentais são:


1. Dança do padrão infinito
2. Respiração dos três centros
3. Desbloqueando a energia do corpo
4. Desbloqueando a energia da cervical
5. Ronda Huan
6. Aplicando a dissolução
7. Combate Huan

ii. DANÇA DO PADRÃO INFINITO

Compreende todos os movimentos presentes no Universo. É realizada em


círculo, tendo como referência um ponto central de origem. A dança se desenvolve ao
redor do ponto central, com movimentos ritmados em tempo ternário, representando o
incessante início, meio e fim das coisas. Os passos tendem naturalmente a obedecer um
processo de pulsação, contração e expansão em direção ao centro, e o posicionamento
dos pés obedece a forma do padrão infinito - ∞ . Os movimentos presentes na dança
são os sete movimento do Universo:

 para dentro (centrípeto) - em direção ao centro


 para fora (centrífugo) - para fora do centro
 para baixo
198

 para cima
 rotação - ao redor de um centro
 translação - ao redor de si mesmo
 vibração - o movimento do que não se move

Esta dança é feita em três ciclos com sete voltas ao redor do eixo central e três
voltas em ronda (caminhada com ritmo). O primeiro e o terceiro ciclos são feitos em
sentido anti-horário e o segundo em sentido horário. As respirações obedecem também
ao fluxo de expansão e contração. Para o centro, inspira; para fora do centro, expira.

O movimento contínuo e ritmado em todos os sentidos desenvolve um padrão


vibracional na coluna vertebral que tem como finalidade dissolver os nódulos de
estagnação de energia presentes nas vértebras e articulações, através do ritmo de
dissolução que o exercício provoca.

iii. RESPIRAÇÃO DOS TRÊS CENTROS

Busca, através da movimentação dos braços em forma circular e de uma


sucessão coordenada de inspirações e expirações, restaurar a energia dos centros 1, 2 e
3. O centro 3 responde pelos chakras fisiológicos, o centro 2, pelos chak ras
intermediários e o centro 1 responde pelos chakras espirituais.

Os movimentos representam a energia que é colhida na natureza, armazenada e


depois devolvida à sua origem. Uma vez a cada centro (3, 2 e 1), juntamente com a
inspiração e a expiração, o q uarto movimento leva as mãos a se entrecruzarem acima da
cabeça, como uma forma de realinhamento dos éteres (também é um espreguiçar).
Depois, esta energia que passou por todos os centros é reposta à natureza.

iv. DESBLOQUEANDO A ENERGIA DO CORPO

Este exercício, após toda a potencialização energética adquirida pelo movimento


da dança e das respirações, visa, com apoio externo por meio da acupressão, dissolver o
que ainda permanecer estagnado. Deitado de barriga para baixo, realiza -se a pressão
sobre os pontos mais propícios à estagnação (pontos de vida em morte, entre tendões e
199

articulações). Inicia pelos pés e vai subindo até a cintura e o abdômen, depois se
trabalham os pontos dos braços e ombros, seguidos da cabeça e, por último, manipula -se
a coluna vertebral com movimentos intervertebrais. Este último movimento visa
desobstruir a energia que, deslocando -se dos outros pontos genéricos do corpo, se
acumulará nos espaços nervosos intervertebrais. Este exercício restabelecerá o padrão
energético medular (nossa coluna de luz).

v. DESBLOQUEANDO A ENERGIA DA CERVICAL

De pé, trabalha-se um movimento de puxar a parte da pele presente debaixo da


cartilagem situada entre as cavidades nasais. É realizada uma série de 16 (dezesseis)
movimentos contínuos, que visam a desblo quear a área da sétima cervical, último ponto
de estagnação presente após todos os exercícios anteriores.

vi. RONDA HUAN

Continuando em círculo, trabalha -se a ronda Huan, com os movimentos


totalmente relaxados, como uma estátua de pedra com articulações ape nas nos ombros e
nas cadeiras. Solta-se a respiração a cada dois passos e, ao mesmo tempo, soltam -se os
braços em um movimento coordenado que busca um padrão de dissolução do
movimento, por meio da caminhada.

vii. APLICANDO A DISSOLUÇÃO

O movimento da Ronda é agora aplicado a qualquer prática em conjunto com


outro praticante. A prática básica é se unirem com as mãos presas aos pulsos e se
deslocarem para trás, coordenando pernas e braços em um movimento solto, eficaz e
relaxado, que é sentido pelo oponente como um “puxão”. Esses movimentos são
repetidos, trocando-se o sentido (quem puxou, agora é puxado). A prática tem como
objetivo mostrar a eficiência do relaxamento e da dissolução do movimento sem força
ou tensão muscular alguma.
200

viii. COMBATE HUAN

Aplicação do princípio da Dissolução ao combate, onde o padrão infinito é


conquistado através do não -movimento. Requer um relaxamento total do corpo e uma
desidentificação com a ansiedade e com o apego ao movimento. Utiliza -se a energia do
oponente para levá-lo. A Dissolução é a aplicação da suavidade, do calor do coração, do
amor que é a expressão da harmonia interior, vencendo (dominando) a água,
representando a energia bruta e estagnada, não lapidada, que necessita ser conduzida
para dissolver os bloqueios.

d) HEXAGRAMA HSIEH – LIBERAÇÃO

__
__ __
__
_____
__ __
acima CHÊN, O Incitar, Trovão

_____
__ __ abaixo K’AN, O Abismal, Água

Transferência de energia do éter para o físico.

HSIEH – LIBERAÇÃO

__
__ __
__
_____
__ __
__ __
_____
O impedimento é removido e as dificuldades são solucionadas. A liberação se dá
por etapas.
201

TRIGRAMAS CONSTITUINTE S

6
5
4

Nome Qualidade Símbolo Natureza


Chên O incitar O trovão Filho mais velho

3
2
1

Nome Qualidade Símbolo Natureza


K’an O abismal Água Filho do meio

TRIGRAMAS NUCLEARES (ESTRUTURAIS )

5
4
3

Nome Qualidade Símbolo Natureza


K’an O abismal Água Filho do meio

4
3
2

Nome Qualidade Símbolo Natureza


Li O aderir Fogo Filha do meio
202

CONSTITUINTES

Chên, o trovão, é o filho (filho mais velho) do pai (o criativo -céu) e da mãe (o
receptivo-terra).
Como terceiro princípio, consiste no início das mu tações terrestres, que, para se
darem de maneira cíclica e harmônica, precisam da irrupção do trovão da intuição,
estabelecendo o homem como ponte ente o céu e a terra.

Este trigrama se refere às imagens e cores utilizadas nesse hexagrama:

K’an, o abismo, água.


K’an significa precipitar-se. Uma linha Yang se precipitou entre duas linhas Yin
e foi aprisionada por elas, assim como a água num desfiladeiro. K’an é também o filho
do meio. O receptivo recebeu a linha média do criativo e assim se formou K’an.
Enquanto imagem, é a água que vem do alto e que se movimenta na terra em rios e
correntezas, dando origem à vida.
Encontramos aqui o sétimo princípio que desenvolve a mutação dos opostos, ou
seja, o negativo acaba manifestando o positivo, através de faculda des como o valor, o
não-egoísmo e o sentido de risco.

Aqui se desenvolvem uma série de respirações em três ciclos para promover


o princípio de transferência etérica.

NUCLEARES

K’an: abismal, água. Potencializa o poder do trabalho do trigrama K’an


constituinte.
203

Conquista a posição central harmonizando respiração e imaginação com a


coluna vertebral, de forma que a energia suba desde a base da coluna até a cervical,
unificando-a e centralizando-a.

Li: aderir, fogo. Li também significa claridade.

Uma linha obscura se liga a uma linha luminosa acima e à outra linha abaixo.
Assim surge a imagem de um espaço vazio entre duas fortes, o que as torna luminosas.
Li é a filha do meio. O criativo incorpora a linha central do receptivo e desse modo se
forma Li. Como imagem, é o fogo. O fogo não tem uma forma definida, porém se liga
aos corpos que queima, tornado -se luminoso. Assim como a água desce do céu, o fogo
arde, elevando-se da terra.
Para o desenvolvimento deste trigrama nuclear, é necessário um trabalho de kati,
que são exercícios para esticar as articulações com intervalos de tensão dinâmica,
alternando entre movimento Yin e Yang.

Sentença - HSIEH:

“Liberação. O sudoeste é favorável.


Quando não resta nada a que se deva ir,
o regresso traz a boa fortuna.
Se ainda há algo a que se deva ir,
apressar-se traz boa fortuna.”

Assim como a chuva provoca um alívio nas tensões atmosféricas e faz com que
todos os brotos se entreabram, assim também a liberação traz alívio e vigor à vida.

i. FALAM AS IMAGENS

“O trovão e a chuva surgem : a imagem da liberação.


Assim, o homem superior perdoa os erros e desculpa as faltas.”
204

Em termos de imagem, o trovão penetra as nuvens de chuva. A tensão se


dissolve. A tempestade eclode e a toda natureza respira, aliviada, outra vez. A
tempestade purifica a atmosfera.
A purificação se dá na medida em que nos desprendemos das sombras e damos
mais espaço à luz. A luz, uma vez, gera a purificação através do movimento, que
internamente é muito dinâmico e veloz e exteriormente se most ra de maneira tão lenta
que chega a ser imperceptível, principalmente para o praticante. O praticante deve
visualizar uma forma (posição corporal) final e deve chegar a esse final movido pelo
movimento interno sem que ele perceba. Esse exercício se chama T ai Chi Chi Kung. É
uma forma de kati, só que de movimento imperceptível.

AS LINHAS
Seis na primeira posição: sem culpa.

Encontrar nosso lixo e ver de fora (polarizado) todos os nossos pensamentos,


sentimentos e ações sem nos identificarmos com eles. Po r meio de uma visão de centro,
não sentiremos culpa de nada, simplesmente utilizaremos nossa personalidade como
instrumento para tocar a melodia da Alma.

Exercícios de meditação

Nove na segunda posição:

“Matam-se três raposas no campo


e recebe-se uma flecha amarela.
A perseverança traz boa fortuna.”

Trata-se de uma batalha entre as sombras e a luz, onde a flecha amarela


representa o centro ou a vitória, Pandavas contra Kuravas.
Os exercícios de ronda (Lu) nos direcionam numa conduta em que promovem
esse equilíbrio, que resulta na motivação para o combate interior.
205

Seis na terceira posição:

“Se alguém leva um fardo às costas


e ao mesmo tempo viaja numa carruagem,
atrai com isso a aproximação de ladrões.
A perseverança conduz à humilhação.”

Confúcio comenta a respeito dessa linha: “carregar um fardo às costas é tarefa de


um homem comum. A carruagem é o meio de transporte dos nobres. Quando um
homem comum usa algo que é próprio dos nobres, atrai, com isso, os ladrões”.
Temos que encontrar nossa medida. Co mo prática, é necessária a regulação que
se dá com a ronda (Lu), seguida de saltos ritmados e, num momento dado, interromper o
salto e sentir o fluido etérico regulando todo o corpo físico.

Nove na quarta posição:

“Liberte-se de seu dedo maior do pé.


Virá então o companheiro
e nele você poderá confiar.”

Quando se aproxima o momento da liberação, o homem deve se libertar de seus


apegos e desejos para criar a conexão etérica interior.

Práticas de reflexão.
Língua no céu da boca.

O seis na quinta posição:

“Caso somente o homem superior possa liberar -se, isso traz boa fortuna.
Assim ele demonstra ao homem inferior sua serenidade.”
206

A liberação exige resolução interna. Não se trabalha com o externo para atingir
objetivos internos. “Um templo se constrói p or dentro”. Através da transferência de
energia, ficamos mais magnetizados e luminosos. Podendo atuar agora com mais
sabedoria.

Centralização de energia no ponto 2.

O seis na sexta posição:

“O príncipe atira num falcão


que está pousado sobre uma alta mu ralha.
Ele o mata. Tudo é favorável”

Confúcio comentou a respeito dessa linha: “O falcão é o objetivo da caça e o


arco e a flecha são os instrumentos e os meios. O arqueiro é o homem que deve utilizar
corretamente os meios para atingir o objetivo. O homem superior contém os meios em
sua própria pessoa. Ele espera o momento apropriado e então age. Porque não haveria
de sair tudo bem? Ele age e é livre. Assim faz aquele que atua após ter preparado os
meios.”
Aqui chegamos à vitória, à liberação, ao comando do etérico sobre o físico.
Pode-se expressar no combate da vida e chegar à grande vitória.

ii. A TÉCNICA

1) MEDITAÇÃO
Consagrar a prática no início e no final com a meditação, para favorecer o
contato com nosso “deus interior” através do selo, impregnando nosso coração com o
sentimento de unidade e totalidade.

2) RESPIRAÇÃO
São três as séries de respirações, todas com um movimento circular, alternando o
sentido do movimento e produzindo inspirações e expirações em momentos específicos.
207

Devem ser feitas sete vezes cada uma das três técnicas de respiração, mantendo o
queixo para baixo, para evitar que suba muita energia para o ponto um. Na primeira
técnica de respiração, a cor a ser imaginada (a imaginação é muito importante) é o
vermelho. Na segunda, o amarelo, e na terceira, o azul.

3) RONDA
Promover um equilíbrio e regulação da energia gerada pela prática de respiração.

4) AGITAÇÃO MAGNÉTICA
Saltar de maneira frenética e dinâmica (saltos curtos) e, por um impulso, dar um
salto maior e cair com a planta dos pés no chão e com os olhos fechados. Sentir o fluxo
de energia fluindo no corpo e sentir os campos de magnetismo gerados.

5) TENSÃO DINÂMICA (KATI)


Exercícios para esticar as articulações com intervalos de tensão dinâmica. Deve -
se alternar entre Yin e Yang três vezes.

6) TAI CHI-CHI KUNG


É o Kati do movimento imperceptível. Depois de praticadas as cinco técnicas
descritas anteriormente, é produzido um ritmo interno, onde há a transferência agora do
etérico para o físico. Deve -se visualizar mentalmente uma posição final (co rporal) e
deixar que o éter direcione o físico até essa posição imaginada. Tudo se dará, visto
externamente, de maneira muito lenta e, por outro lado, interiormente, será de uma
velocidade inacreditável. É preciso chegar à posição final de forma que nem me smo o
praticante perceba o movimento e como chegou. Nesse ponto, há uma desaceleração do
físico e uma aceleração do etérico.

As técnicas se darão em três etapas:

1. As três respirações (sete vezes cada uma) e uma ronda, seguidos da agitação
magnética. Obs: Esta etapa deve ser executada três vezes.

2. Tensão dinâmica.

3. Tai Chi-Chi Kung. Obs: As meditações subentendem -se.


208

iii. CONSIDERAÇÕES

1) PRIMEIRA ETAPA:

a) No primeiro ciclo (respirações, ronda e agitação magnética) da primeira


etapa, o praticante poderá sentir a energi a na base da coluna, um peso muito
grande, como se sentisse limitado, com dificuldade na respiração e
eventualmente dores no fígado e na cabeça.
Aqui, o praticante começa a tirar o corpo da inércia e começa a “despertar”
a potência etérica.

b) No segundo ciclo, o praticante sentirá a energia na região lombar e dorsal da


coluna. Sentirá o corpo mais leve e executará a série de exercícios de forma
mais fácil. Sentirá na agitação magnética uma “corrente elétrica”
percorrendo suavemente todo o corpo. Na ronda, se ntirá um relaxamento na
base da coluna e uma forte onda de calor irradiando na planta dos pés e no
ponto 3. Eventualmente, sentirá enjôo e uma sensação de dormência nas
pernas. Aqui o praticante começa a transferência primeiro do físico para o
etérico.

c) Surge a impostação do corpo, que fica denso, mas não pesado. Na ronda,
estabelece-se o sentido de centro. Na agitação magnética, percebe -se o
fluido em todo o corpo de forma mais presente. Uma onda de calor é
irradiada da cervical e do externo (ponto 2), ex pandindo-se pelo corpo. A
coluna vertebral atinge grande grau de flexibilidade e percebe -se a coluna
como uma unidade. Aqui o praticante está em contato (vibração) com o
campo etérico.

2) SEGUNDA ETAPA:

Surge a necessidade de captação e desenvolvimento do ca mpo etérico, por isso a


prática de tensão dinâmica.
209

3) TERCEIRA ETAPA:

Agora sim há a transferência de energia do etérico para o físico. A energia


interior ditará o ritmo e as regras e resultará na “liberação”. Haverá naturalmente uma
desaceleração do físico e uma aceleração do etérico. Por isso a prática de Tai Chi -Chi
Kung.

iv. CONCLUSÃO

“Quando o céu e a terra se liberam, o trovão e a chuva surgem.


Quando o trovão e a chuva surgem, a casca de todos os frutos,
plantas e árvores se entreabre.
Grande em verdade é a época da liberação.”

O hexagrama Hsieh, liberação -transferência de energia, nos mostra que


precisamos nos libertar pouco a pouco dos entraves internos, até que chegue o momento
da liberação. Não existe espaço para as sombras onde existe a luz, o qu e precisamos é
nos identificarmos com ela. Plotino dizia: “Somos aquilo com o que nos identificamos”.
Se nos identificarmos com a luz, seremos luz; se nos identificarmos com as virtudes,
seremos virtudes; caso contrário, seremos trevas, sombras, escuridão e defeitos.
O éter representa a luz, é a tríade de cada corpo da personalidade. Caminhemos
em direção a essa tríade. Que nossa alma dê as mãos à luz, e que siga seu caminho
inexorável. Esse hexagrama serve de apoio a todos os outros, que, na realidade, se
complementam no desenvolvimento dos poderes internos. Pratiquemos com devoção,
pois não viemos ao mundo para ficarmos doentes e preguiçosos ou para descansarmos a
qualquer preço. Viemos para nos tornarmos sábios, porque somos discípulos.

Através dessa magia marcial que é o Nei Kung, temos que nos purificar e deixar
esse ser luminoso, ou deus interior, aflorar. É como no mito que conta que um deus
210

luminoso caiu na Terra, no oceano, e quando saiu estava cheio de algas e sujeiras,
criando uma casca escura em torno de si. Nesse momento, ele esqueceu quem era e
identificou-se com a casca. Numa situação, ele perde um pedaço da casca (sombra) e vê
surgir um ponto luminoso. Vagamente começa a ter uma lembrança do deus que sempre
foi, mas não mais seria o mesmo. A p artir daí começou pouco a pouco a tirar as algas,
conchas e sujeiras, tornando -se novamente luminoso.
O praticante de Nei Kung deve estar disposto a tirar de si toda essa casca que
está encobrindo seu verdadeiro Ser para, então, se libertar das sombras.
211

6) HEXAGRAMAS DO PADRÃO INFINITO

a) HEXAGRAMA SHÊNG – ASCENSÃO


__
__ __
__
__ __
_____
acima KUN, O Receptivo, Terra

_____
__ __ abaixo SUN, A Suavidade, Vento

Luta do padrão infinito.

b) HEXAGRAMA CHUN – DIFICULDADE INICIAL


__ __
_____
__
__ __
__
acima K’AN, O Abismal, Água

__ __
_____ abaixo CHÊN, O Incitar, Trovão

Técnicas de treinamento do padrão infinito.

7) HEXAGRAMAS COMEMO RATIVOS

Após 20 anos de trabalho e desenvolvimento do Nei Kung, vale a pena destacar


todo este esforço através de 21 hexagramas que classificam todas as técnicas e
exercícios que ficaram fora da primeira etapa ou do primeiro degrau desta arte marcial
filosófica. Esses 21 hexagramas completam os 64 e, com eles, todas as técnicas dos
quatro degraus adquirem também uma completa classificação. Esses quatro degraus são:
Nei Kung, ação de potencial inteligente, escola dos cinco elementos e vencer se m lutar,
ou arte da não violência. Antes de definir cada um desses hexagramas, é necessário
primeiro falarmos sobre o hexagrama geral, que integra os demais.

a) PI: MANTER-SE UNIDO, SOLIDARIEDADE.


212

Acima, K’an, o abismal, água


Abaixo, Kun, o receptivo, ter ra.

A vida busca a Vida como os rios buscam o mar e, quando a pequena vida
encontra a grande, tudo se integra em sua unidade. Desta forma, todos os elementos que
constituem uma escola de Nei Kung, incluindo seus homens, devem se manter unidos
ao Soke e ao mesmo tempo serem solidários entre si. Desta forma, Pi estará presente
nela através dos séculos.

b) PI: GRANDIOSIDADE, BELEZA. ESCOLA DOS CINCO


ELEMENTOS.

Acima, Ken, a quietude, montanha.


Abaixo, Li, o aderir, fogo.

Este hexagrama é como uma luz que ilumina a montanha, tornando -a grandiosa
e bela. Porém aqui a luz não vem de cima, mas de baixo, ou seja, das profundezas da
terra. Isso significa que o trabalho não é definitivo, motivo pelo qual se torna necessá rio
um maior aprofundamento, que virá na medida em que possa ser desenvolvido um
trabalho de estruturação dos elementos. É por essa razão que esse hexagrama representa
a escola dos cinco elementos, que, como já foi exposto, corresponde ao terceiro degrau
do estilo.

c) PI: ESTAGNAÇÃO. TÉCNICAS DE CANALIZAÇÃO DO PODER


INTERNO.

Acima, Ch’ien, o criativo, céu.


Abaixo, K’un, o receptivo, terra.

Este hexagrama representa o valor do poder interno, o valor do oculto, e encerra


em sua dissociação do céu e da terra os verdadeiros poderes que existem no ser humano.
213

Por isso simboliza as técnicas de canalização do poder interno, que serão explicadas no
próximo ponto deste capítulo.

d) SUI: SEGUIR. OS CINCO VETORES DE TERRA.

Acima, Tui, a alegria, lago.


Abaixo, Chên , o incitar, o trovão.

O hexagrama Sui denota um movimento alegre que desconflitua e que liberta


forças que virão em apoio. É capaz de recolher e concentrar a força através de
movimentos que articulam o corpo e o integram à natureza. Por isso esse hexagrama
simboliza os cinco vetores de terra da Escola dos Cinco Elementos.

e) LIN: APROXIMAÇÃO. COMBATE DE APRENDIZADO (ÁGUA).

Acima, K’un, o receptivo, ter ra.


Abaixo, Tui, alegria, lago.

Este hexagrama representa a disponibilidade do conhecimento para aquele que o


procura de forma alegre e descontraída. Para isso, é necessário estabelecer uma relação
de aproximação constante com ele. Por isso ele represent a o vetor de água da Escola dos
Cinco Elementos, conhecida como “o combate do aprendizado”.

f) KU: TRABALHO SOBRE O QUE SE DETERIOROU. DOMÍNIO


DOS GASES (AR).

Acima, K’en, a quietude, montanha.


Abaixo, Sun, a suavidade, vento.
214

Este hexagrama representa a ação do vento sobre a base da montanha e da


deterioração que ele causa na vegetação rasteira. A montanha se mantém forte e o vento
se apazigua através de uma forma estruturada e ordenada. Assim também os gases são
dominados pela magia das cores, ordenadas com relação às diferentes partes do corpo.
Este hexagrama representa a técnica do domínio dos gases do elemento ar da Escola dos
Cinco Elementos.

g) T’AI- PAZ: AS 16 FORMAS DE PERCEPÇÃO.

Acima, K’un, o receptivo, terra.


Abaixo, Ch’ien, o criativo, céu.

Este hexagrama representa o lugar adequado, o luminoso no interior, o que


outorga uma nova percepção ao homem superior. Assim ele conhece as diferentes
direções e não é enganado por nada. Simboliza a técnica das 16 formas de percepção da
Escola dos Cinco Elementos.

h) MING I: OBSCURECIMENTO DA LUZ. RETIRAR O MEDO DO


CORPO.

Acima, K’un, o receptivo, terra.


Abaixo, Li, o aderir, fogo.

Este hexagrama propõe o mergulho da luz dentro do corpo e, mesmo sendo um


momento de adversidade e de perigo, é possível para o homem superior superar todos os
obstáculos e vencer o pânico. Por isso ele simboliza a técnica de retirar o medo da
Escola dos Cinco Elementos.

i) TA CH’U: O PODER DO GRANDE DE DOMAR. AS 16 FORMAS DE


OLHAR.
Acima, Ken, a quietude a montanha.
Abaixo, Ch’ien, o criativo, o céu.
215

A imagem deste hexagrama é o céu dentro da montanha, o que p ermite


permanecer na plenitude dos poderes, pois representa tesouros ocultos no interior. Isso
equivale também a poderes de percepção que aparecem quando sabemos olhar. Por isso
este hexagrama simboliza a técnica das 16 formas de olhar da Escola dos Cinco
Elementos.

j) SHIH: O EXÉRCITO. COMBATE MÁGICO DE ESPELHO (FOGO).

Acima, K’un, o receptivo, a terra.


Abaixo, K’an, o abismal, água.

Este hexagrama representa a água escondida dentro da terra ou o poder oculto


como potencial em qualquer circunstância. Também representa a capacidade do líder
em espelhar seus dirigidos. Por isso este hexagrama simboliza o combate mágico de
espelho, correspondente ao elemento fogo da Escola dos Cinco Elementos.

k) TA KUO: PREPONDERÂNCIA DO GRA NDE. A ARTE DE AGIR


SEM CORPO.

Acima, Tui, a alegria, lago.


Abaixo, Sun, a suavidade, vento.

Este hexagrama representa a impossibilidade de agir da forma convencional e


torna-se necessário renunciar ao mundo durante um tempo, como na época da
inundação. Por esse motivo, ele simboliza a técnica da arte de agir sem corpo, do Nei
Kung.

l) LÜ: O VIAJANTE. A MÁSCARA.


216

m) CHIN: PROGRESSO. A BIFURCAÇÃO.

n) CHIEN: DESENVOLVIMENTO GRADUAL. LASTRO.

o) TS’UI: REUNIÃO. TRAJETÓRIA E IMPULSIONAMENTO.

p) CHIEH: LIMITAÇÃO. ÂNCORA.

q) LÜ
Acima, Li, aderir, fogo.
Abaixo, Ken, quietude, montanha.

r) CHIN
Acima, Li, o aderir, fogo.
Abaixo, K’un, o receptivo, a terra.

s) CHIEN
Acima, Sun, suavidade, vento.
Abaixo, Ken, a quietude, montanha.
217

t) TS’UI
Acima, K’un, o receptivo, a terra.
Abaixo, Sun a suavidade, madeira.

u) CHIEH
Acima, K’an, o abismal, água.
Abaixo, Tui, a alegria, lago.

Este conjunto de cinco hexagramas, quando integrados, representam algo


misterioso que se desloca, cresce gradualmente e, de pois de tudo, se reúne interiormente
para consolidar uma nova condição. Por isso eles representam a primeira câmara do
degrau mais avançado da escola: vencer sem lutar.

v) TING: O CALDEIRÃO. OS SETE PRINCÍPIOS ESTRATÉGICOS.

Acima, Li, o aderir, fogo.


Abaixo, Sun, a suavidade, madeira.

Este hexagrama representa o cultivo da vida tal como era transmitido pela
tradição oral dos ensinamentos secretos do Yoga Chinês, ou seja, a obra alquímica da
transmutação. Por isso ele simboliza a técnica dos sete princípios estratégicos da Escola
dos Cinco Elementos.

w) HSIAO KUO: A PREPONDERÂNCIA DO PEQUENO. VENCER


SEM LUTAR.
Acima, Chên, o incitar, o trovão.
Abaixo, Kên, quietude, mont anha.

Este hexagrama representa a mensagem trazida por um pássaro, os mistérios ou


os ensinamentos passados pelos sábios aos homens superiores no segredo das câmaras
218

internas. Por esse motivo, este hexagrama representa a tradição da não -violência e a arte
de vencer sem lutar, que é o conjunto do conhecimento de todas as câmaras internas.

x) HSIEN: A INFLUÊNCIA, CORTEJAR. O HOLOGRAMA.

Acima, Tui, a alegria, o lago.


Abaixo, Kên, a quietude, montanha.

Este hexagrama representa o universo, o universal, a união do céu e da terra e ao


mesmo tempo o poder de criar e recriar todas as coisas. Por essa razão, simboliza a
técnica do holograma da Escola dos Cinco Elementos.

y) KO: REVOLUÇÃO. OS MÓDULOS DO API.

Acima, Tui, a alegria, lago.


Abaixo, Li, o aderir, fogo.

Este hexagrama representa o domínio que o homem superior deve exercer sobre
as mudanças da natureza e, ao mesmo tempo, àquilo que produz as mudanças. Por isso
ele simboliza a técnica dos dois níveis dos módulos do API, que serão detalhados na
terceira parte deste livro.

z) CHIEN: OBSTRUÇÃO. CERIMÔNIA DOS CINCO ELEMENTOS.

Acima, K’an, o abismal, água.


Abaixo, Kên, a quietude, montanha.

Cercar com obstáculos e voltar-se sobre si mesmo, cultivando o caráter. Desta


forma, se constrói um círculo intransponível, onde as potências inferiores não podem
penetrar. Por essa razão, simboliza a cerimônia dos cinco elementos.
219

8) TÉCNICAS DE CANALIZAÇÃO DO POTENCIAL


INTELIGENTE, PI, ESTAGNAÇÃO

a) TÉCNICA DOS TRÊS CENTROS

As mais antigas tradições das artes marciais nos ensinam que existem três
centros de energia interna no homem. Esses três centros se correspondem com três
planos de realidade, que são o plano físico, o plano psicológico e o plano espiritual.

 O plano físico se relaciona com o centro três, localizado a três


centímetros do umbigo. Representa a confluência de forças da
natureza terrestre, incluindo todas ela. Estas forças têm a capacidade
de ligar a consciência do guerreiro a estados inferiores, nos quais
predominam o terror, o medo, a angústia e a depressão, fazendo com
que a força interior se torne negativa. Para evitar a penetração destas
forças terrestres inferiores, o guerreiro deve aprender a empurrá -las
para baixo, até o limite das plantas dos pés. Isto se realiza através do
controle do centro três.

 O plano psicológico se relaciona com o centro dois, localizado três


centímetros abaixo da traquéia. Este plano psíquico representa a
confluência de forças aéreas lunares, que têm a capacidade de ligar a
consciência do guerreiro a estados intermediários de ansiedade,
desejos, paixões, dúvidas, etc., produzindo na força interna violentas
convulsões. Para evitar essas convulsões, o guerreiro deve aprender a
empurrar para baixo a respiração, prendendo -a na barriga. Isto se
realiza através do controle do centro dois.

 O plano espiritual se relaciona com o centro um, situado no meio da


cabeça, à altura da visão, aproximadamente. Este plano espiritual
representa a confluência do guerreiro com o Eu superior do homem, o
Ego mental filosófico. Através desta identificação, consegue -se a
harmonia dos três centros, fazendo com que a consciência e a força
interna se unifiquem e se elevem até a parte superior da cabeça.
220

 Neste estado de unidade e harmonia, o guerreiro vence as forças


inferiores e intermediárias, tornando -se um Mestre de si mesmo,
através do domínio do centro um. Esta técnica dos três centros é
reconhecida por meio de três conceitos chaves: manter a energia na
planta dos pés, manter a respiração baixa e manter a guarda alta.

b) TÉCNICAS DAS LINHAS DE FORÇA

A existência dos três centros gera três linhas de força e três linhas
complementares, que são denominadas de acordo com o centro a que pertencem.

O centro 3 gera a linha de força 3 e sua linha complementar de força 3; ambas as


linhas são representadas pelo som POM, pela cor vermelha e pela forma do cisne. O
centro 2 gera a linha de força 2 e sua linha complementar de força 2; ambas as linhas
são representadas pelo som IN, pela cor amarela e pela forma da fênix. O centro 1 gera
a linha de força 1 e sua linha complementar de força 1, representada pelo som TZÉ, pela
cor azul e pela forma do dragão dourado.

A técnica das linhas de força consiste em projetar cada uma de las na


imaginação, de tal maneira que a linha complementar de força 3 se transforme em dois
trilhos, através dos quais os pés possam deslizar. A linha de força 3 deve ser projetada
do centro 3 até um ponto no infinito que a mantenha sempre paralela ao solo .

Depois, a linha complementar de força 2 deve se transformar em dois apoios,


tipo corrimão, através dos quais as mãos deslizem, apoiando -se. A linha de força 2 deve
ser projetada do centro 2 a um ponto imaginário no infinito, que mantenha paralela a
linha de força 3.

Finalmente, a linha complementar 1 deve ser projetada como um foco de luz que
ilumina o caminho através das outras linhas já descritas. A linha de força 1 deve ser
projetada do ponto do centro 1, verticalmente, até um ponto no infinito.

A esta técnica devem-se acrescentar o som, as cores e os animais simbólicos, até


que as linhas tomem vida e iniciem seus próprios movimentos. O objetivo desta técnica
é criar o fluxo do Ki, ou da força interna, para depois poder aplicá -lo a qualquer técnica
básica de combate ou de uso de armas, etc.
221

c) TÉCNICA DE OCULTAMENTO DO WA

O Wa é a designação do espírito do guerreiro, que deve não só estar em


harmonia, mas também oculto. Se o “adversário” descobre nosso Wa, praticamente já
nos dominou; por isso a necessidade de ocultá-lo.

Esta técnica é uma das mais complicadas, já que é necessário chegar a um grau
elevado de pureza, tanto dos canais de circulação da força, como do centro 2, o qual
deve ser “aberto” e absorver todas as impurezas do organismo, das emoções e da mente,
sublimando-as.

Depois de haver realizado o primeiro passo, deve -se canalizar a energia


sublimada verticalmente do centro 2 até o centro 1. Após este segundo passo, deve -se
projetar a energia que foi armazenada no centro 1, através da linha de força 1, mais além
da cabeça.

Posteriormente, deve-se comprovar o ocultamento do Wa em treinamentos de


ataques contra um adversário que tente descobrir quando e como será o ataque.

d) TÉCNICA DA VISÃO INTERNA (HARAGEI)

No Nei Kung, considera-se que os sentidos físicos são apenas sensores de um


sistema mais profundo e sutil. Eles enviam informações ao sistema sutil, no qual se
radicariam os verdadeiros sentidos do guerreiro, os quais, por sua vez, se sintetizam em
um único sentido, conhecido como a visão interna. E sta visão interna se transforma em
técnica marcial quando unimos o poder dos três centros e o aplicamos sobre a
consciência de forma suave, relaxada e descontraída.

A partir desta etapa, o comando interno do corpo físico adquire controle sobre
todos os movimentos, reflexos e instintos, produzindo ações de defesa ou ataques,
separadamente ou em conjunto, sincronizadas com as ações do adversário, ou de forma
simultânea.

Esta técnica da visão interna caracteriza -se por uma extraordinária eficácia e
precisão, motivo pelo qual todos os grandes guerreiros a buscam e a desenvolvem. O
segredo desta técnica está em ter uma grande confiança na visão interna, relegando a
222

segundo plano a externa. Para isso, é preciso estabelecer um grande domínio sobre os
desejos, a ansiedade, o medo e a desconfiança.

Nesta técnica, tem-se que ativar a linha complementar de força 1 e girá -la sobre
si mesma, de tal forma que ela não se projete em direção ao espaço externo, mas apenas
em direção ao interior da mente e do cérebro.

Após aplicar este procedimento, deve -se realizar uma minuciosa leitura interna
sobre as reações que o organismo possa lançar como informação. Estas reações internas
podem ser divididas em dois grupos: o grupo de reações ativas e o de reações passivas.

As reações ativas são todas aquelas que propõem qualquer tipo de ferramenta
para manter a visão interna em condições de operar e, além disso, dominam os aspectos
negativos que atentam contra a visão interior. As reações passivas são todas aquelas que
impulsionam a se atuar espontaneamente.

e) TÉCNICA DE FIXAÇÃO DO PODER

Esta técnica consta de duas partes. A primeira consiste em projetar a linha de


força complementar 3 verticalmente, mais além da planta dos pés, como se fossem
raízes que entram na terra. A segunda parte de sta técnica consiste em unir o poder do
centro 1 e 2 em imagens que evoquem firmeza, solidez, permanência, etc.

Um exemplo de visualização é sentir que nosso corpo é uma rocha ou uma


árvore, etc. Esta técnica tem como objetivo estabelecer na personalidade um estado de
definição ideológica e doutrinária firme que não sucumba, sob nenhum ponto de vista,
aos embates da adversidade.

Esta técnica torna-se marcial quando a opomos a qualquer ataque do mundo


externo, ou quando necessitamos abrir brechas que permita m ao guerreiro continuar seu
caminho, imperturbável e impávido. O obstáculo mais forte que encontramos para
desenvolver e consolidar esta técnica é a dúvida mental, mas, à medida que o poder
interno é fixado na mente, a dúvida diminui.
223

Para complementar e fortalecer esta técnica, podemos também visualizar a linha


de força 2, complementar, projetada através das mãos a quilômetros de distância, como
um fluido amarelo que corre ininterruptamente.

f) TÉCNICA DO VAZIO

Esta técnica nasce a partir da concentração do s três centros em uma imagem que
deve ser visualizada no reflexo da linha de força complementar 1 e depois transportada
ao centro 2. A imagem deve concentrar todas as linhas de força, as quais adotam a
forma de uma espiral de cor violeta, cuja base é maior nos pés e menor na cabeça,
formando um cone espiralado, que deve ser colocado em volta do corpo, o qual ascende
desde os pés até a cabeça, interpenetrando todo o corpo de forma completa.

Esta técnica converte-se em arte marcial quando a sobrepomos a qualq uer


técnica de combate ou básica. O objetivo desta técnica é purificar todos os veículos, até
conseguir a elevação da consciência à oitava superior. Esta técnica constitui um dos
maiores segredos das artes marciais internas e define o caminho espiritual do guerreiro.

g) TÉCNICA DE RITMOS E CONTRA -RITMOS

Esta técnica se produz a partir da concentração de todos os centros, do fogo


violeta e das linhas de força nas mãos e nos pés. A linha de força 1 deve descer,
atravessando o centro 2 como uma espada, até chega r ao centro 3, como uma brisa de
verão.

Após executado este passo, então se liberta a força através das mãos e dos pés,
deixando que o poder nos leve em um ritmo, para depois contra -atacar em um contra-
ritmo. O som que evoca esta técnica é a cadência tidun , tidun, duntidun, etc.

h) TÉCNICA DO SUTIL

Esta é uma técnica de caráter mágico que todo bom guerreiro conhece. Ela nos
ensina uma linguagem de compreensão do mundo sutil e nela o guerreiro descobre o
perfil das coisas e se especializa em reconhecer uma sit uação por seus detalhes. Aqui
224

intervém o centro 2, o coração, que sensibiliza o guerreiro através de sensações


estéticas, onde ele descobre o espírito da beleza, provocando uma espécie de sexto
sentido, profundamente intuitivo.

Esta é uma técnica marcial à qual não se dá muita importância; entretanto, para
aquele que a conhece, converte -se em uma das técnicas marciais mais poderosas, que
leva à vitória sobre nós mesmos. É nela que se encontram os mais profundos estímulos
que levam o artista marcial não só a praticar durante toda a sua vida como também a
converter a prática em uma vivência e em um caminho elevado de auto -realização.

A maneira correta de executá -la é inverter todos os processos dos centros e das
linhas de força, vendo-os como provenientes da natureza total, ou seja, mais além do
guerreiro e em torno dele, existe outro guerreiro, que é o próprio cosmos, o qual aplica
as melhores técnicas sobre nós mesmos, com o objetivo de nos ensinar o caminho do
mistério da guerra. Observando -o constantemente com uma mentalidade de admiração,
respeito e agudeza, poderemos vê -lo nos detalhes sutis e descobrir sua linguagem cheia
de referências.

i) AS OITO GRANDES TÉCNICAS

Estas oito técnicas são de caráter exclusivamente mental e operam a partir do


centro 1, com o apoio da linha de força 1 e da linha de força 1 complementar
(imaginação criadora). A primeira técnica, chamada de técnica do dragão, é aquela na
qual as linhas de força 1 se convertem na vontade imperativa (sentido do dever) e se
fundamentam sobre o cen tro 2. Esta técnica se torna marcial quando a aplicamos na
defesa ou no ataque, com base no centro 3.

A segunda técnica, chamada de dragões gêmeos, é aquela na qual as linhas de


força se concentram no centro 3 e a imagem é projetada com uma mentalidade de total
adaptação e complemento diante de qualquer ataque. Ela é principalmente uma técnica
de defesa.

A terceira técnica, chamada de fênix, é aquela na qual as linhas de força se


concentram no centro 1 e a imagem se projeta com uma mentalidade de antecipaçã o
225

diante de qualquer ataque. Esta técnica deve usar como base o centro 2 e o símbolo do
trovão.

A quarta técnica, chamada de fênix gêmeos, é aquela na qual as linhas de força


se concentram no centro 2, assentando -se no centro 3 com uma mentalidade de
dinamismo, ritmo e contra-ritmo. É uma técnica de defesa e ataque simultâneo e
associa-se ao símbolo do fogo espiralado.

A quinta técnica é chamada de bambu e concentra as linhas de força no centro 2,


assentando a imagem no centro único, cuja mentalidade é esco rregadia e libertadora de
qualquer pressão ou obstáculo. É uma técnica de caráter defensivo.

A sexta técnica é a da serpente e lança as linhas de força em todas as direções


simultaneamente, sem se apoiar em nenhum dos centros específicos, mas na periferia da
linha de ação de todos eles. A imagem é de transbordamento de todas as linhas
ofensivas, levando o guerreiro mais além dos limites, de forma definitiva e firme.

A sétima técnica é a do lótus e se caracteriza pelo trabalho das linhas de força


nos centros 2 e 3, ativando a linha de força 3 complementar através de seções radiais da
circunferência. A imagem tem a forma da não -forma, da não-interferência, ou seja, da
vacuidade. É uma técnica de defesa e fuga.

A oitava técnica é a montanha e se caracteriza por concentrar todas as linhas de


força no centro 1. A imagem é de imobilidade, permanência e onipresença. É uma
técnica de caráter envolvente e definitiva.

j) TÉCNICA DA FIXAÇÃO DO PONTO DE CONSCIÊNCIA

Esta técnica se caracteriza por concentrar toda a energia nos centros 2 e 1. Ela
confirma o êxito do guerreiro quando ele aplica corretamente seus conhecimentos de
artes marciais em alguma situação específica. Consiste em visualizar qualquer objeto
com o máximo potencial de consciência, para que o objeto penetre no campo
subliminar, conscientemente. Neste campo, o guerreiro poderá estudar o objeto de
forma profunda e completa, até entender seu verdadeiro sentido, e aplicar sobre ele a
solução encontrada. Esta técnica implica visualizar o duplo invisível das coisas .
226

k) CONCLUSÃO PARCIAL

É fundamental entender que tudo o que foi exposto neste livro só tem um sentido
real e um valor verdadeiro quando adquirimos uma visão do mundo real, por mais fugaz
que ela possa ser. Qualquer técnica das artes marciais é apenas uma rel ação de
aproximação a este mundo real, um símbolo que coloca em movimento nossas
recordações, sem as quais não existe sentido algum nas técnicas e procedimentos da arte
marcial.

O que mais nos aproxima desta visão de caráter interno e transcendente é o que
na Ação de Potencial Inteligente denominamos “o movimento circular da luz”,
simbolizado pelo Dragão Dourado. É esta visão que nos dá a relação do centro com os
quatro elementos; é ela que nos dá um sentido de universalidade e que nos permite
alcançar qualquer grau de sabedoria. É ao redor dela que se organiza o cosmos das artes
marciais, onde cada técnica, conhecimento, procedimento, etc., tem seu lugar próprio e
específico.

O guerreiro precisa observar a natureza como um grande espírito (Kami) e imitá -


lo da maneira mais fiel possível, estabelecendo uma linguagem mágica, através da qual
o espírito possa lhe mostrar o caminho divino. Este caminho divino (Do, Kami -No,
Michi, Tao, etc.) é o que leva o guerreiro, através da purificação, a se transformar em
um ser divino (Kami).

Desejo acrescentar a este trabalho e técnicas vistas dois sistemas que


complementam a Ação de Potencial Inteligente, coroando -a com elementos de caráter
espiritual. Estes dois sistemas complementares são o Kyu -Do, a arte do tiro com arco, e
o I-Ai-Do, a arte de desembainhar a espada diante do inesperado.

O Kyu-Do é um sistema que permite desenvolver e cultivar as mais profundas


intuições da alma, já que, como símbolo, representa a ação de dirigir o pensamento
humano ao reencontro com o Ser ou Eu divino. O fato de praticar esta arte permite que
nos aquietemos interiormente e traz grande paz ao atribulado coração humano. Tudo
isto finalmente nos permite recordar o que viemos fazer neste mundo e qual o fim ao
qual devemos nos dirigir.
227

O I-Ai-Do é uma arte que consiste em desembainhar a espada com exatidão e


contra-atacar simultaneamente a qualquer ataque inesperado. Esta arte simboliza a
penetração da vontade organizativa na mente humana e o estabelecimento da ordem,
tanto no indivíduo como no Estado.

Creio que, se conseguirmos unir em um todo harmônico todas estas artes,


poderemos estabelecer uma nova arte marcial, ou pelo menos renová -la e reimpulsionar
novos elementos marciais que nos permitirão formar novamente guerreiros nas mais
altas concepções metafísicas e marciais. Um homem guerreiro é, hoje, mais do que
nunca, necessário, e creio que nosso dever como instrutores é construir esse homem.

O benefício que tudo isto nos pode trazer é a construção de um mundo novo e
melhor, do qual nenhum ma terialismo marxista, capitalista ou dogmático possa impedir
o crescimento e consolidação. É necessário convocar todos os guerreiros e trabalhar
para que esta reunião se torne possível com todas as forças da nossa mente, do nosso
coração e do nosso corpo.

Creio que esta é a única maneira de poder render uma verdadeira homenagem
aos mestres da guerra interior, aos heróis e a todos os grandes guerreiros que existiram
no mundo. Na atual conjuntura, devemos nos sentir como os últimos guerreiros de um
mundo que morre e os primeiros guerreiros de um mundo que nasce.

Por esse mundo novo e melhor que nascerá em nossas almas e por um novo
espaço sagrado neste mundo, lancemos um grito vitorioso de guerra:

IAI!!!
228

9) NEI KUNG INFANTIL. WEI -CHI, HEXAGRAMA ISOLADO.


(TALAL HUSSEINI, INSTRUTOR AJUDANTE)

a) INTRODUÇÃO

O hexagrama Wei Chi surgiu devido à necessidade de aplicação das técnicas de


Nei Kung para crianças. Devido ao visível crescimento de praticantes de Nei Kung entre
cinco e treze anos, fez-se necessário o desenvolvimento de uma pedagogia específica
para crianças.

Este trabalho tem como proposta padronizar um sistema de treinamento de Nei


Kung para crianças entre cinco e oito anos. Também será estabelecido um padrão
técnico para a faixa de nove a treze anos, com sistema de graduação e ritmo de
treinamento diferenciado. Outro objetivo é levar ao instrutor mais ferramentas e
conhecimentos básicos relacionados a questões sensório -motoras, físicas, psíquicas e
mentais da criança.

Uma criança é um mundo à parte. Não é um adulto em miniatura e não deve ser
tratada como tal. A criança não só é menor, mas diferente quantitativamente e
qualitativamente em todos os aspectos e, portanto, não pode ser submetida a um
treinamento de adulto reduzido, seja nas atividades de Nei K ung, seja em qualquer outro
esporte.

Assim sendo, uma exposição especial sobre as características anatômico -


fisiológicas e psicológicas de cada idade deve ser apresentada, expondo -se as
particularidades referentes ao crescimento das crianças e dos adolesc entes. Também
serão expostas questões sobre construção de pensamento e imaginação da criança e a
importância do aspecto lúdico.

Finalmente, será apresentada uma proposta de padrão técnico e normas básicas,


sendo que cada instrutor, com base no padrão técn ico, poderá criar muitos elementos e
ampliar este trabalho, que, na realidade, se atém às questões mais elementares.

O instrutor tem como objetivo, além do desenvolvimento sensório -motor,


cognitivo, físico, psicológico e mental, despertar na criança o int eresse pelas práticas de
Nei Kung e, acima de tudo, formar o caráter e extrair o melhor de sua alma.
229

Este é um hexagrama que se enquadra nos hexagramas de formação de caráter


como o décimo hexagrama dessa categoria e constitui -se como hexagrama especial d e
formação de caráter para crianças.

b) CRITÉRIOS BÁSICOS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL

Como foi visto na introdução, uma criança é um mundo à parte, diferenciando -se
do adulto em todos os aspectos. A criança não é um adulto em miniatura, mas um ser
em desenvolvimento e, por isso, não devemos cobrar delas atitudes de adulto.

O instrutor deve ressaltar as virtudes da criança e não seus defeitos. Deve ajudar
a superar suas limitações, por meio do desenvolvimento de seus poderes latentes,
estimulando a justiça, a bo ndade, a beleza, o respeito, a cortesia, a perseverança, a
generosidade e outras características positivas. A melhor forma de ensinar esses valores
é através de mitos, fábulas e histórias de heróis e santos.

Dentro de um dojo, ou em qualquer outra circuns tância, não se deve comparar


uma criança com outra (salvo consigo mesma em um momento anterior), pois isso gera
traços profundos em sua personalidade, tais como carência, insegurança, vaidade e
rancor.

Como a criança não tem noção de perigo, o instrutor d eve estar atento para que
ela não corra riscos desnecessários. No entanto, não deve superprotegê -la, impedindo,
assim, que supere suas fragilidades.

Não se deve gritar com as crianças; tratá -las com atenção, carinho e
paciência é muito mais eficaz. Às vez es é necessário ser mais direto e forte com as
palavras, mas não gritar. Também não se deve falar como criança, e sim, falar de
forma correta.

A criança é simples e pura. Não se deve estimular sua vaidade. O crescimento


prematuro não deve ser estimulado, deve-se vesti-la como criança e permitir que tenha
acesso a filmes e músicas para crianças. As crianças agem por impulso. Deve -se ensiná-
las com paciência, através da repetição. A criança aprende e se modifica a partir da
repetição e, com o tempo, vai refl etir antes de agir, modificando de forma positiva sua
conduta.
230

A criança, desde pequena, precisa de desafios à sua altura. O pedagogo deve


estimulá-la a vencer suas provas e não deve deixar que desista das coisas que são
importantes para ela. Deve também ensiná-la a se organizar, como guardar seus
brinquedos, e a realizar pequenas tarefas, como varrer o chão.

O instrutor deve levar em conta que às vezes a criança fica agressiva no dojo ou
na escola. Ela pode estar transferindo um problema doméstico para o utros ambientes.
Assim, ela agride o instrutor, em vez de agredir a mãe ou o pai, e agride os coleguinhas,
em vez do irmão.

Na faixa dos três aos seis anos, é comum uma criança transferir para suas
brincadeiras aquilo que vive em casa. Por exemplo: a men ina grita com a boneca e a
coloca de castigo, o garoto acaricia a cabeça de seu bonequinho, dizendo palavras de
afeto. Em ambos os casos, a criança reage de acordo com o que vive em casa. Um
instrutor bem preparado, sabendo observar, pode auxiliar muito na educação da criança.

c) BASES DO DESENVOLVIMENTO FÍSICO, AFETIVO E


INTELECTUAL DA CRIANÇA

Quando uma criança vem ao mundo, é formada entre o inato e o adquirido. No


adquirido, o primeiro cuidado da natureza e da educação é permitir -lhe tomar posse de
seus meios físicos, intelectuais e afetivos.

Serão expostas as bases de desenvolvimento da faixa de 0 a 10 anos, para que o


instrutor se familiarize com o desenvolvimento como um todo. Nessa fase, as
modificações no plano corporal e as necessidades fisiológica s predominarão. A criança
deve aprender a controlar seu corpo, base da ferramenta complexa que é sua
personalidade. É necessário, antes de tudo, desenvolver sua estrutura física e vital.

No desenvolvimento físico normal, segue uma evolução aparentemente p ré-


determinada, ainda que o momento preciso do aprendizado varie bastante. O bebê
aprende a realizar os movimentos simples antes dos complexos. Antes de andar, o bebê
sabe fazer uma série de coisas com as mãos. Antes de utilizar corretamente as mãos,
pode mexer os braços com habilidade. Segundo a regra do desenvolvimento céfalo -
caudal, as partes superiores do corpo se desenvolvem antes das partes inferiores. A
231

cabeça, o cérebro e os olhos do embrião se desenvolvem antes das partes inferiores do


corpo e possuem, momentaneamente, tamanho desproporcional.

Segundo a regra de desenvolvimento próximo -distal, que vai do mais próximo


para o mais distante, as partes centrais se desenvolvem antes das extremidades. O bebê
adquire primeiro a capacidade de utilizar seus braços e suas coxas e depois os
antebraços e pernas, as mãos e os pés e, finalmente, os dedos das mãos e dos pés.

Entre três e seis anos, a forma roliça do bebê desaparece, acarretando mudanças
de comportamento. A motricidade fina se desenvolve e a peque na criança se torna hábil
em numerosas tarefas. Cresce cerca de cinco a oito centímetros por ano. Os sistemas
nervoso e muscular estão em plena maturação, a cartilagem se ossifica em ritmo
acelerado e a primeira dentição está completa, o que lhe permite ma stigar qualquer
alimento.

Por volta dos três anos de idade, os novos ritmos e uma atividade muito intensa
durante o dia fazem aparecer os medos noturnos e os pesadelos. No plano da
motricidade, entrega-se a uma atividade intensa para exercer o domínio de seu corpo e
de suas extremidades. Saltar, correr, lançar, bater, pegar, dar cambalhotas ou escalar são
outros tantos exercícios necessários a seu desenvolvimento.

Dos sete anos em diante, o crescimento físico é menos rápido e as mudanças são
notadas ao longo de um grande período. A maior parte dos dentes permanentes
aparecem por volta dos sete anos. Os dentes de leite são substituídos à razão de quatro
por ano, durante um período de cinco anos. O crescimento terminará perto dos vinte
anos de idade, com o aparecimento dos dentes de siso. A acuidade visual torna -se
melhor, pois os sistemas orgânicos atingiram maior maturidade e o desenvolvimento da
motricidade passa por uma forte necessidade de exercício físico, a fim de desenvolver
maior maturidade e melho r coordenação.

d) DESENVOLVIMENTO AFETIVO

A infância é a idade da alegria, dos risos e dos momentos de admiração inocente,


mas igualmente fazem parte dos primeiros anos o medo, a inquietude, a incerteza, a dor,
232

a raiva e a frustração. As emoções, assim como as pessoas e as experiências que as


causam, são elementos essenciais à construção da personalidade.

O bebê comunica suas emoções pelo choro, sorrisos, riso e ainda por uma
variedade de expressões faciais. Certas reações afetivas, conforme a idade, não tê m a
mesma significação. Para uma criancinha, o choro significa normalmente um
desconforto físico, mas mais tarde são sinais de angústia psicológica. O primeiro sorriso
aparece espontaneamente e manifesta um estado de bem estar íntimo, enquanto que,
alguns meses mais tarde, têm freqüentemente uma significação social, pois a criança
manifesta sua alegria a outras pessoas.

Entre um ano e meio e três anos de idade, a criança entra no estágio de


autonomia versus vergonha e dúvida. Buscando sempre se afirmar, des cobre seus
limites e a dependência que persiste em relação a seus pais e duvida de suas
capacidades.

Deve aprender a discernir o que pode fazer do que lhe é proibido, em particular
os gestos perigosos (colocar a mão na tomada elétrica, etc.). Toma, assim, consciência
de sua margem de aprendizado e experiência. O treinamento para o asseio, pelo qual a
criança aprende a se dominar (controle da bexiga e do esfíncter) e a se tornar
independente constitui uma realização importante nessa marcha em direção à
autonomia.

Aos dois anos, busca se auto -afirmar através do que é conhecido como
negativismo, gritando constantemente “não”. Entre três e cinco anos de idade, a
personalidade da criança se expande e de repente os pais exclamam: “Mas... já é
gente!”. Ela se afirma ainda mais como indivíduo, exprimindo cada vez mais o seu
próprio caráter. Começa a formar julgamentos morais e cria laços de amizade com
outras crianças, que começam a ocupar lugar importante em sua vida.

Por volta dos três anos de idade, a maioria das crianças tem uma idéia
estabelecida do sexo a que pertencem e, portanto, de sua identidade sexual, e protestarão
vigorosamente se qualquer um lhes disser que são do sexo oposto. O pequeno descobre
que atividades, opiniões e emoções são consideradas como m asculinas ou femininas e
assimila aquelas que lhe convêm. Entre cinco e sete anos de idade, a criança adquire o
233

que chamamos de conservação do gênero, ou seja, toma consciência do fato de ser um


menino ou uma menina para sempre.

Lá pela idade de dez ou onz e anos, as meninas têm uma superioridade no que
concerne a linguagem e os meninos em matemática e no plano de habilidade espacial.
Constata-se, igualmente, uma agressividade mais marcante entre os meninos, que
brincam de forma barulhenta, são mais inclinad os ao tumulto e tentam dominar seus
companheiros de jogos. A menina tem a tendência de fixar as regras do jogo em curso,
de maneira a evitar os conflitos. Ela é mais levada a ajudar os bebês e as crianças mais
jovens e se mostra mais enfática, com uma comp reensão íntima dos sentimentos do
outro.

A agressividade e os comportamentos altruístas são influenciados pela maneira


como os pais se comportam com suas crianças, assim como pela mídia e pela
observação de outros modelos sociais. Existem três tipos de ati tudes dos pais:
autoritária, permissiva e diretiva. Cada uma delas favorece a aparição de certos traços
de personalidade nas crianças. A atitude diretiva parece, entretanto, dar os resultados
mais positivos. Estes pais exercem um controle firme, se necessá rio, mas explicam as
razões que motivam sua atitude e favorecem o diálogo. Guiam as crianças, respeitando
sempre sua individualidade, e aliam controle e encorajamento. Nesse período, o jogo é
uma atividade fundamental para o desenvolvimento físico e cognit ivo.

Aproximadamente aos seis ou sete anos de idade, a criança se define


psicologicamente. Adquire a noção daquilo que é (o si real) e daquilo que gostaria de
ser (o si ideal).

e) DESENVOLVIMENTO INTELECTUAL

Quando o ser humano chega ao mundo, todos os seus sentidos são funcionais. É
capaz de aprender, possui uma capacidade inata de aquisição da linguagem e, desde o
princípio da vida, pode modificar o meio e reagir a ele. Sabe -se, atualmente, que o bebê
normal e sadio é notavelmente competente.

A aprendizagem proporciona ao bebê uma adaptação ao seu meio. Isso se faz,


em parte, por um condicionamento aos hábitos, baseados no princípio recompensa -
234

castigo, que determina respostas associadas ao prazer ou à dor. O fim que se busca é
eliminar os comportamentos inde sejáveis nas crianças. Aprendem, assim, a se tornarem
limpas, a falarem e a se comportarem bem na escola. Outros modos de aprendizado são
a formação de hábitos e costumes e ainda o aprendizado social baseado na observação e
na imitação de modelos.

A permanência do objeto é uma das maiores aquisições deste período, isto é, a


“tomada de consciência” de que um objeto ou uma pessoa continua a existir mesmo
quando saem do campo de percepção.

Essa compreensão permite à criança se sentir em segurança quando sua mã e se


ausenta, pois sabe que ela continua a existir e que retornará. Isto a faz tomar consciência
de que os seres e os objetos que a circundam são diferentes dela própria. Essa etapa será
essencial para adquirir as noções de tempo, espaço e multiplicidade d e objetos no
mundo.

A criança desenvolve, a partir dos dois meses de idade, a consciência da


causalidade, a compreensão de que certos acontecimentos causam outros. Neste
momento, se diverte em acender e apagar as luzes e em brincar com todo tipo de objeto
que lhe confirme que suas ações provocam certos acontecimentos. Por volta dos onze
meses de idade, está a ponto de elaborar idéias. Entre dezoito e vinte e quatro meses,
possui um sistema de representação que lhe permite pensar em suas ações e antecipar
seus resultados antes de realizá -los. Começa a imaginar cenários e soluções possíveis e
pode eliminar, de início, aqueles que julga ineficaz.

O aspecto essencial do desenvolvimento cognitivo é a aquisição da linguagem.


Antes de pronunciar verdadeiramente su a primeira palavra, o bebê emite diversos sons
que constituem a fala “pré -lingüística”. Começa pelo choro, que exprime rapidamente
suas necessidades: fome, fadiga, cólera ou dor. Entre quatro e seis meses, balbucia,
ligando vogais e consoantes.

Durante a segunda metade do primeiro ano, imita acidentalmente aquilo que


escutou. Quando chega aos nove e dez meses, imita, conscientemente, os sons
produzidos por aqueles que a rodeiam, sem compreender ainda seu sentido. Adquire um
repertório fundamental de sons, q ue combina para criar alguma coisa que se assemelha a
uma linguagem, mas é ainda desprovida de sentido.
235

Ao chegar à idade de um ano, inaugura uma linguagem verdadeira, começando


por algumas palavras isoladas, que podem exprimir várias coisas. A linguagem d a
criança não é uma versão simplificada da linguagem adulta. Possui traços diferentes. Ela
simplifica, quer dizer, exprime o mínimo indispensável para que sua mensagem seja
compreendida (por exemplo, "não leite" para dizer "não quero beber mais leite").

A criança que olha seu interlocutor diretamente nos olhos assimila mais
informações do que aquela que vagueia o olhar ao acaso em torno dele, provavelmente
porque o primeiro fixa mais sua atenção. Entre três e seis anos de idade, desenvolve sua
capacidade de utilizar símbolos em pensamentos e em ação, o que a conduz a um
domínio maior das noções de idade, espaço e tempo, por exemplo. Começa a fabricar
sua própria visão do mundo, baseada em suas experiências, em sua memória e também
em sua imaginação.

Segundo Piaget, abeira-se do estado pré-operatório, que vai até os sete anos e
marca o começo da função simbólica. Pode representar objetos, lugares, pessoas do
passado, mas também antecipar acontecimentos e imaginar o que pode se passar em
outros lugares que não o presente.

A função simbólica se manifesta sob três formas: a imitação diferenciada, o jogo


simbólico e a linguagem. A imitação diferenciada lhe permite reproduzir, em atos, um
comportamento, na ausência de um modelo original. Assim é o menino, na creche, que
imita seu pai como o viu pela manhã, se barbeando. O jogo simbólico lhe permite
atribuir a um objeto a função de outro. Uma menina pega uma ponta de tecido, que
lembra seu travesseiro, e brinca com ele como se o fosse. Mas, de repente, se mete a rir,
pois sabe que não é verdade. A linguagem permite à criança evocar objetos ou
acontecimentos ausentes e, neste sentido, torna -se simbólica e, portanto, mediadora
entre o visível e o invisível.

A linguagem se aprimora no plano do vocabulário e da gramática e passa de um


estado egocêntrico para um estado mais social. Por volta dos seis ou sete anos, a criança
adquire uma linguagem bastante elaborada. Utiliza frases compostas, complexas e
gramaticalmente corretas. Faz uso de um vocabulário de 3.000 a 4.000 pala vras.

Dos sete aos onze anos, está no estágio das operações concretas. Segundo a
terminologia de Piaget, pode executar em pensamento ações que antes executava
236

fisicamente. Um ponto essencial desta etapa é o desenvolvimento moral, que


acompanha o desenvolvi mento cognitivo. Da maturação da criança depende sua
capacidade de compreender o ponto de vista dos outros e seus intercâmbios com os
adultos e com as outras crianças. Piaget considera duas etapas neste desenvolvimento: a
moralidade restritiva, caracteriza da pela rigidez e, em segundo tempo, a moralidade de
cooperação, ou moralidade autônoma, caracterizada por sua flexibilidade.

Kohlberg definiu a moralidade como o senso de justiça e aí incluiu cinco


estágios de raciocínio moral, organizados em três níveis :

 Pré-moral (de 4 a 10 anos): respeitam -se os princípios dos outros para


evitar castigos ou obter recompensas;

 Moralidade da conformidade (10 a 13 anos): a criança obedece, procurando


agradar os adultos. Interiorizou certos princípios e deseja ser notada c omo
boa;

 Moralidade dos princípios livremente aceitos como seus (entre 13 e o


começo da idade adulta, ou jamais): acesso à verdadeira moralidade. O
indivíduo reconhece a possibilidade de um conflito entre duas ordens de
normas aceitas pela sociedade e tent a fazer uma escolha. Atinge um grau de
autonomia em que busca definir princípios e valores, independentemente
das figuras de autoridade ou das referências exteriores.

No nível do pensamento, durante este período se assiste a um desenvolvimento


da criatividade como capacidade de perceber as coisas sob um ângulo diferente,
buscando novas soluções.

Dos seis aos doze anos, o desenvolvimento da criança sofre a influência da


escola e das experiências que ela vive lá. Os êxitos e os fracassos escolares, tanto
quanto a quantidade dos laços que ligam a criança a seu meio, têm efeito sobre sua auto -
estima, autoconfiança e atitudes fundamentais frente à vida.
237

f) CONSTRUÇÃO DE IMAGENS E PENSAMENTOS

No nascimento, o bebê não tem consciência do eu e do não -eu, de um conjunto


individual em um ambiente. Nesse momento, o mundo é sem espaço, sem tempo e sem
objeto, uma experiência não diferenciada do presente. Contudo, o bebê tem diversos
sistemas sensório-motores que podem receber sensações vindas do interior de seu
organismo e dos ambientes imediatos aos quais apresenta certas reações limitadas.

O ponto de partida da seqüência de desenvolvimento está nesses padrões inatos


de comportamento, como agarrar, sugar e atividades grosseiras do organismo. É na
interação desses padrões semelhantes a reflexos com o ambiente que ocorrem
modificações e desenvolvimento do comportamento. Isso pode ser ilustrado da seguinte
maneira: a tendência a sugar pode ser aplicada a qualquer objeto que entre em contato
com os lábios, mas o bebê logo perc eberá, através da experiência, que nem todos os
objetos têm as mesmas propriedades sugáveis. Os lábios e a boca registram as formas
dos objetos, seu tamanho, dureza, moleza, ou calor.

Ocorrem também mudanças em outras funções sensório -motoras: a visão é


inicialmente uma reação reflexa à intensidade da luz, mas os olhos começam a focalizar
objetos específicos e a segui -los quando se movem. A ação de agarrar é inicialmente
uma reação reflexiva a um objeto colocado contra a mão, mas a mão começa a procurar,
agarrar e soltar objetos sem estímulo tátil inicial. Gradualmente, essas áreas separadas
de atividade reflexiva tornam -se coordenadas. Tendo descoberto por acidente, por
exemplo, que o canto do cobertor pode ser sugado, o bebê torna -se hábil em segurá-lo
na boca.

Em suma, pode-se ver que as necessidades interiores do bebê são satisfeitas pelo
exercício de seus padrões de comportamento reflexivo sobre o ambiente em que está
colocado. Qualquer objeto que lhe chegue à mão, por exemplo, é sugado, para que seu
sabor ou dureza seja descoberto, ou objetos são batidos para que seu som seja ouvido.

Depois do desenvolvimento do pensamento sensório -motor, a criança, através de


um sistema de imitação, desenvolve o pensamento simbólico. Entre um e quatro anos, a
criança passa da construção mental sensório -motora para um sistema de imitação.
Vimos que todas as atividades exercidas pela criança até esse momento criaram
representações sensório-motoras na mente. Os objetos e acontecimentos que fazem
238

parte dessas atividades exis tem dentro do modelo mental total como réplicas, ou
imitações, que se derivaram das ações praticadas com aqueles objetos ou dentro
daqueles acontecimentos. Poderíamos perguntar como são essas réplicas sensório -
motoras. A resposta a tal pergunta desafia a d escrição verbal e só pode ser conjeturada.

Nessa fase, a criança desenvolve o próprio processo simbólico de atividade


mental e fazer a criança parar de brincar seria mais ou menos o mesmo que fazê -la parar
de pensar. Grande parte dos brinquedos da criança nesses anos se relaciona com a
manipulação externa de símbolos que estão fortemente impregnados de seus
sentimentos a respeito de seu ambiente social e de sua relação com ele. A linguagem é,
nessa época, simplesmente um acompanhamento de ação baseada em im agens.

Com o passar do tempo, a imagem cede lugar ao sinal verbal público. Quando
surge o pensamento operacional, mais ou menos aos sete ou oito anos, o sinal verbal é o
significador usado em pensamento, em lugar da imagem. A imagem atua, então, como
símbolo individual que apoia o sinal verbal.

Da faixa dos quatro aos oito anos, a criança descobre que aquilo que pensa não é
necessariamente igual aos pensamentos dos outros. A atividade social e a estrutura
lingüística dentro das quais opera fazem pressão sob re ela, que ajusta seus pensamentos
em conformidade com isso. Começa a se ver, a si e ao mundo que a cerca, de outros
pontos de vista.

No que se refere a compreensão de espaço e tempo, estes conceitos, no sentido


abstrato, estão ainda fora do alcance da cr iança. Objetos têm espaço e a criança pode
pensar que eles consomem o espaço que ocupam. Pode dizer que a distância entre
pessoas é menor quando entre elas se coloca uma parede. A distância entre objetos não é
constante porque a presença de outros objetos pode modificar tais distâncias. A posição
de objetos relativamente à criança pode também mudar sua representação das
dimensões dos objetos. De maneira mais ou menos semelhante, o tempo é incorporado
em acontecimentos e cada acontecimento tem seu próprio te mpo. Por isso a criança é
incapaz de comparar o tempo tomado por dois acontecimentos. Pode dizer que o
acontecimento que terminou por último demorou mais, sem considerar qual dos
acontecimentos começou primeiro. Objetos que se distanciam mais podem demorar
mais, independentemente de sua velocidade.
239

Quando as coisas são grandes, podem ser também consideradas velhas. A


criança pode pensar que a hora do dia em lugares adjacentes é diferente. Mais ou menos
no fim desse período de idade, as crianças começam a c ompreender que o espaço pode
estar vazio, assim como pode estar cheio e que a ausência de acontecimentos, isto é, o
intervalo entre acontecimentos tem duração.

A aquisição de várias conservações pela criança começa mais ou menos entre


seis e sete anos (exceto no caso de conservação de objetos, que aparece no fim do
período sensório-motor). Substância (quantidade) pode ser conservada entre seis e oito
anos, peso por volta dos nove a dez anos e volume talvez aos onze ou doze anos.

O desenvolvimento mental, e m linhas gerais, é progressivo; no entanto, em


alguns casos pode ocorrer uma espécie de regressão intelectual. No processo de
evolução mental, a criança sempre cria imagens mais evoluídas de forma gradativa,
enquanto que no processo de evolução de imaginaç ão, pode se apoiar em uma imagem
primitiva e menos evoluída e regredir, assim, intelectualmente.

À medida que cada nova experiência encontra seu lugar na mente e modifica as
experiências velhas, o intelecto torna -se ligeiramente mais amplo e o modelo menta l do
mundo externo, mais completo. O crescimento do intelecto é um processo cumulativo,
mas a nova experiência não é introduzida à força, pois se funde com o que já existe lá,
modificando, assim, o que já existe e sendo ela própria modificada.

O desenvolvimento mental é dinâmico e busca, através da dinâmica, um


equilíbrio. Esse equilíbrio dinâmico se dá pela assimilação da experiência na mente,
seguida de uma acomodação da mente a uma experiência nova. O intelecto assimila em
si próprio novas experiências, transformando-as de modo a se ajustarem à estrutura que
foi formada. Esse processo de atuar sobre o ambiente a fim de construir um modelo dele
na mente se chama assimilação. A cada nova experiência, as estruturas que já foram
construídas precisam se modifi car para aceitar a nova experiência pois, quando cada
nova experiência é ajustada às velhas, as estruturas se modificam ligeiramente. A este
processo, pelo qual o intelecto ajusta continuamente seu modelo do mundo para se
enquadrar em cada nova aquisição, dá-se o nome de acomodação.

As estruturas mentais de cada período têm sua própria condição de equilíbrio,


cada uma delas mais estável que a anterior. A aplicação de experiência passada ao
240

presente é assimilação. O ajustamento dessa experiência para levar e m conta o presente


é acomodação. A concordância entre esses dois atos leva ao equilíbrio dinâmico.
Todavia, pode-se ver que cada passo à frente só pode ocorrer com uma perda de
equilíbrio e por isso o desenvolvimento intelectual é um processo de restabelec imento
do equilíbrio perturbado entre a assimilação e a acomodação.

A criança só pode absorver uma experiência nova mudando -a, de modo que se
ajuste a seu modelo de mundo. Ao mesmo tempo, a presença dessa experiência nova
muda seu modelo mental. Cada adapt ação que a criança faz constitui para ela uma
descoberta. Contudo, o desenvolvimento intelectual é um processo gradual e não uma
série de “saltos quânticos” e se caracteriza por minúsculas consolidações e extensões da
experiência passada.

A linguagem pode também ser mal usada no processo de aprendizagem. Isso


ocorreria, por exemplo, quando se exigisse que as crianças acomodassem palavras e
relações de palavras antes que suas estruturas mentais pudessem assimilá -las. Isso
poderia introduzir na mente da crian ça uma coleção de símbolos que ela não seria capaz
de manipular, de acordo com suas relações implícitas, e que, portanto, deixaria de lado
temporariamente ou deformaria em relações que não teriam sentido para ela. Em geral,
isso resulta em uma recitação de papagaio de declarações aprendidas rotineiramente e
que servem como disfarce da falta de compreensão. Em algumas matérias, como
matemática ou ciência, por exemplo, nas quais um conceito atua como base sobre a qual
são construídos outros, o ensino pré -maturo pode fazer a criança perder a compreensão
em um estágio inicial e nunca mais readquiri -la.

g) DESENVOLVIMENTO MOTOR

Como já dissemos anteriormente, a compreensão por parte do instrutor do


desenvolvimento motor, ósseo, etc., é de grande importância.

A criança primeiro rola, depois se senta, então engatinha, depois se mantém em


pé, apoiada em objetos, e finalmente anda sem apoio ou auxílio. Esta seqüência poderá
sofrer alterações, caso os pais (influências do meio ambiente) façam uso de um andador,
por exemplo. Neste caso, esta criança poderá andar sem apoio mais rapidamente do que
241

uma criança cujos pais não fizerem uso do andador. Por outro lado, quando os pais
restringem o movimento da criança, deixando -a no carrinho, no berço, etc., muitas
vezes para não sujar a roupa, poderão fazer com que a criança só venha a andar por
volta dos quatorze ou dezesseis meses de idade.

i. TIPOS E CLASSIFICAÇÕES DE MOVIMENTOS:

1. DE ACORDO COM A QUANTIDADE DE


MUSCULATURA ENVOLVIDA:

 Movimentos amplos: envolve movimento de grandes músculos ou grupos


musculares e estão presentes na maioria dos esportes.

 Movimentos finos: movimentos limitados de partes do corpo, que envolvem


pequenos grupos musculares, gerando movimentos de grande precisão, como
por exemplo, costurar, escrever, prati car arco e flecha.

2. FASES DOS MOVIMENTOS


FUNDAMENTAIS.

Também chamada de movimentos básicos, caracteriza -se por uma expansão dos
movimentos rudimentares, em que a criança explora e testa a capacidade de movimento
do seu corpo. Os principais movimentos ness a fase são andar, correr, saltar, arremessar,
rebater, quicar e chutar. Subdivide -se em:

 De dois a três anos: estágio inicial. Neste estágio, partes ou movimentos são
incompletos, pois ocorre um uso restrito ou exagerado do corpo e a
coordenação, ritmo e integração espaço-temporal são pobres.

 De quatro a cinco anos: estágio elementar. Os padrões de movimento aqui


continuam restritos ou exagerados, porém com um melhor controle do ritmo e
da coordenação. É importante frisar que muitos indivíduos não vão além deste
estágio.
242

 De seis a sete anos: estágio maduro. Neste estágio, as performances se


encontram bem controladas e coordenadas, possuindo uma grande eficiência
mecânica. A maioria das crianças deveria entrar neste estágio entre cinco e
seis anos.

ii. ACERCA DA ESTATURA

Sobre a estatura, pode-se afirmar que:

 Ocorre um aumento rápido do nascimento até três anos;

 Dos três aos nove anos, o crescimento é estável, com um aumento médio de
cinco a sete centímetros ao ano;

 Do nascimento até os nove anos, a maioria dos meninos é mais alta do que as
meninas;

 Dos dez aos treze anos, as meninas atingem a puberdade (estirão do


crescimento), tornando-se mais altas;

 Entre treze e catorze anos, os meninos atingem a puberdade, ultrapassando as


meninas. De um modo geral, as meni nas param de crescer mais cedo do que
os meninos, cujo crescimento é mais prolongado, representando uma
diferença de mais ou menos 13cm na idade adulta.

Uma criança mais alta e mais magra poderá ter mais facilidade para saltar e, na
maioria das vezes, apresentará uma melhor performance em exercícios que necessitam
de resistência muscular localizada, como abdominais, flexões de braço, etc. Por outro
lado, uma criança obesa terá mais dificuldades em realizar atividades que requerem
locomoção, quando comparad a a uma criança com menor percentual de gordura. Nas
atividades aeróbicas, ou que requerem força, na maioria das vezes a vantagem estará
para aquela que possuir uma maior quantidade de massa magra.

Na corrida, por exemplo, membros inferiores mais longos pr oporcionam uma


passada maior. Neste caso, se tivermos duas crianças com a mesma estatura, porém uma
243

com pernas mais longas, esta cobrirá um percurso maior. Já em atividade de arremesso,
os meninos se sobressaem, justificando que é devido a uma proporção ma ior de
ombro/quadril, que tem como resultado uma alavanca maior.

iii. ACERCA DA FLEXIBILIDADE

A flexibilidade é específica em cada articulação e não está relacionada ao


comprimento dos membros. As mulheres tendem a ser mais flexíveis do que os homens,
porém esta flexibilidade diminui após a puberdade para ambos os sexos. Atividade
física é um melhor indicador da flexibilidade do que a idade. Portanto, uma pessoa com
idade avançada, mas que faz exercícios de flexibilidade, será mais flexível do que um
jovem inativo.

iv. ACERCA DA TERMORREGULAÇÃO

Para os professores que irão trabalhar com crianças, é necessário saber que o
mecanismo de termorregulação de uma criança não é tão eficiente quanto o dos adultos.
Neste aspecto, elas começam a suar mais tarde, quando realiz am a mesma atividade que
os adultos, como também têm uma percepção de calor menos apurada, em conseqüência
principalmente da ineficiência das células sudoríparas.

Tendo em vista esses fatores, e durante a realização de atividades com crianças


em climas quentes e úmidos, recomenda -se que a prática seja feita em períodos menores
e, sempre que possível, com hidratação periódica, por meio da ingestão de líquidos
isotônicos ou de água.

A eficiência do mecanismo de termorregulação do corpo é bastante prejudicada


nos dias em que a umidade relativa do ar está muito elevada. Nestes dias, tem -se a
tendência de suar bastante, porém o suor escorre pelo corpo e não evapora pela pele.
Infelizmente, muitas pessoas pensam que o suor é um bom sinal de eficiência da
atividade física, entretanto este é um conceito errado. O resfriamento do corpo depende
da capacidade do organismo de suar e evaporar este suor, resfriando, consequentemente,
o sangue dos capilares, que retornará para o interior do corpo, mantendo a temperatura
interna dentro dos limites previstos (+/ - 37º C). Deste modo, o processo de hidratação
244

em dias úmidos é de extrema importância para qualquer indivíduo, principalmente


durante a realização de atividades físicas.

v. ACERCA DA CAPACIDADE PSICOFÍSICA DE


SUPORTAR CARGA

Os ossos da criança, devido a um armazenamento relativamente maior de


material orgânico mole, são mais flexíveis, porém menos resistentes à pressão e à
tração, o que leva, no geral, a uma menor resistência do sistema esquelético à carga.

O tecido dos tendões e ligamentos, devido à fraca ordenação micelar — as


micelas formam estruturas semelhantes a uma rede de cristais — é, em sua maior parte,
de substâncias intercelulares, ainda não suficientemente resistentes à tração.

O tecido cartilaginoso e os disc os epifisários que ainda não estão ossificados


demonstram um grande perigo em relação a todas as forças de pressão e torção, devido
à sua taxa de divisão, condicionada ao crescimento.

h) ASPECTO LÚDICO

Jogar é uma atividade natural do ser humano. Ao brincar e jogar, a criança fica
tão envolvida com o que está fazendo que coloca na ação seu sentimento e emoção. O
jogo, assim como a atividade artística, é um elo integrador entre os aspectos motores,
cognitivos, afetivos e sociais. Por isso, brincando e jogando , a criança ordena o mundo à
sua volta, assimilando experiências e informações e, sobretudo, incorporando atividades
e valores. Portanto, é através do jogo e do brinquedo que ela reproduz e recria o meio
circundante.

A mentalidade de uma criança se desenv olve mais rapidamente através dos jogos
e brincadeiras. Deve-se levar em conta que uma criança de 4 a 6 anos só consegue
seguir regras simples. Muitas vezes ela quebra as regras do jogo, mas não o faz
intencionalmente, e sim porque ainda não consegue se le mbrar de todas as regras. Neste
estágio, a criança não dá muito valor à competição, pois não tem uma idéia muito
definida do que é ganhar ou perder. Geralmente ela não joga para vencer ou superar os
245

outros, mas pelo simples prazer da atividade. O educador deve procurar não despertar o
sentimento de competição acirrada.

No período de 7 a 12 anos, os jogos se tornam cada vez mais coletivos e menos


individualistas, uma vez que a criança já tem noção do que seja cooperação e esforço
grupal e exigem-se regras definidas para regulamentar o jogo. A violação da regra gera
grandes discussões. Nesta fase, existe um forte sentimento de competição. O educador
deve procurar despertar o espírito de cooperação e de trabalho conjunto no sentido de
metas comuns. A criança p recisa de ajuda para aprender a vencer sem ridicularizar e
humilhar os derrotados e para saber perder esportivamente, sem se sentir diminuída ou
menosprezada.

i) CLASSIFICAÇÃO DOS ASPECTOS LÚDICOS

Sendo o aspecto lúdico uma linguagem natural e direta para a s crianças, o


hexagrama Wei Chi se constitui em sua base de elementos lúdicos. Sendo assim, numa
divisão didática, o hexagrama se constitui dos elementos:
 Lúdico-sensório-motor;
 Lúdico-vontade;
 Lúdico-imaginação;
 Lúdico-memória;
 Lúdico-atenção.

i. LÚDICO-SENSÓRIO-MOTOR

São atividades com valor exploratório, realizadas para explorar e exercitar os


movimentos do próprio corpo, seu ritmo, sua cadência, seu equilíbrio e seu
desembaraço, bem como os efeitos que sua ação pode produzir.

Andar, correr, levantar, tra nsportar, saltar, marchar, lançar e pegar, chutar,
atividades dígito-manuais, sons e movimentos e equilíbrio constituem a base do aspecto
lúdico-sensório-motor.
246

1. ANDAR

 Andar livremente, batendo palmas.


 Andar para frente, de lado e de costas.
 Andar com as mãos na cabeça ou na cintura.
 Andar na ponta dos pés.
 Andar sobre as linhas do tatame.
 Andar com as pernas abertas sobre uma corda esticada no dojo.
 Andar procurando seguir determinado ritmo, que poderá variar do mais
lento ao mais rápido (usar recursos com o bater palma para marcar o
ritmo).
 Andar aos pares ou trios, de mãos dadas, seguindo um estímulo auditivo
(palmas ou uma música, por exemplo); cessando o estímulo, as duplas
ou trios param.

2. CORRER

 Correr com as mãos na cintura ou na cabeça.


 Correr num pé só.
 Correr chutando uma bola.
 Correr e parar bruscamente a um sinal combinado.
 Correr seguindo o ritmo marcado por um tambor, palmas, etc.
 Correr sobre as linhas do dojo.
 Correr desviando de obstáculos no chão.
 Correr em duplas, de mãos dadas com o colega .
 Correr estando atrás do colega, sem, no entanto, tocá -lo.
 Correr em duplas ou trios, um atrás do outro, segurando no ombro do
colega que está à sua frente.
 Correr tentando pisar na sombra do colega.
 Corrida dos patos: correr de cócoras, com as mãos sobre o joelho e os
braços flexionados, como se fossem asas.
 Corrida de gigantes: correr na ponta dos pés, com os braços levantados.
247

 Corrida do pé à frente: colocar um pé à frente do outro o mais depressa


possível.
 Corrida de transporte: correr em duplas segura ndo o mesmo objeto (um
banquinho, um balde, etc.).
 Corrida do ovo: correr sustentando um ovo cozido equilibrado numa
colher.

3. LEVANTAR

 Deitados ou sentados, a um sinal combinado, levantar o corpo do chão


ou da cadeira.
 Elevar os braços pelos lados (como se fossem asas), levantando -os ou
abaixando-os. Solicitar à criança que imagine que é um passarinho que
está voando.
 Elevar os braços pelos lados até o alto da cabeça e bater palmas (repetir
várias vezes).
 Deitados de costas, com pernas e braços estendidos, elevar as pernas em
gancho, colocando os joelhos sobre o peito (repetir várias vezes).
 Abdominais, fazendo a criança esticar o corpo ao comando da palavra
“raposa” (ela deve se imaginar sendo uma raposa) e elevar o tronco e as
pernas ao comando de “tartaru ga” (se imaginar uma tartaruga).
 Dorsais, imaginando que é um super -homem que está voando.
 Levantar com os pés saquinhos de areia, feijão ou milho.

4. TRANSPORTAR

 Transportar pequenos objetos a um local combinado, empurrando -os


vagarosamente com os pés.
 Transportar na cabeça pequenos objetos (borracha, caderno, uma folha de
papel, etc.) até um local combinado.
 Em trio, transportar um colega sentado em uma cadeirinha.
 Em fila, passar a bola do primeiro ao último participante (por cima da
cabeça, por entre as pernas, pelo lado).
248

 Transporte em cadeia: sentados lado a lado, em torno de uma mesa,


transportar algumas tampinhas (colocadas numa das extremidades) para o
lado oposto da mesa, passando pela mão de cada participante.
 Em trio, transportar um colega sentado sobre os braços de dois
participantes (brincadeira de cadeirinha).

5. SALTAR

 Saltar no mesmo lugar, com os dois pés juntos.


 Saltar com os dois pés juntos, para frente, para trás e para os lados.
 Saltar no mesmo lugar, com um pé só; revezar os pés.
 Saltar com um pé só, sobre uma corda, para frente e para trás.
 Em duplas ou trios, pular de mãos dadas ou abraçados pela cintura.
 Pular corda.

6. MARCHAR

 Marcar passos no local e dar meia -volta.


 Marcar passos no local, batendo firme só um dos pés.
 Marchar de acordo com um estímulo sonoro.
 Marcha cadenciada com paradas bruscas.

7. LANÇAR E PEGAR

 Lançar um objeto (bola de meia) num alvo definido.


 Lançar uma bola de meia dentro de uma caixa de papelão.
 Jogar a bola na parede ou no chão e tornar a pegá -la.
 Em pares, lançar um para o outro.
 Lançar a bola para o alto e bater palmas uma ou mais vezes, antes de
pegá-la novamente.

8. CHUTAR

 Ensinar chute frontal, semicircular, lateral, etc., de acordo com o nível


da criança.
249

9. ATIVIDADES DÍGITO-MANUAIS

 Movimentos de defesa pessoal e d e ataque: socos e defesas básicas para


socos.
 Movimentar os pulsos para frente e para trás, girá -los, etc.
 Abrir e fechar as mãos, ora com as mãos voltadas para baixo, ora para
cima.
 Agarrar partes do próprio corpo (braço, dedos, tornozelo, etc.).
 Com a palma da mão sobre a mesa, levantar e abaixar cada dedo.
 Girar cada um dos dedos separadamente.

10. SONS E MOVIMENTOS

 Provocar sons com o próprio corpo: soprar, estalar a língua, estalar os


dedos, bater os pés no chão, bater um pé no outro, bater palmas, bater as
mãos no próprio corpo ou em objetos, etc.
 Fazer movimentos como andar, saltar, etc., ao som de um estímulo
sonoro; quando este cessar, as crianças cessam o movimento.
 Dançar e parar sucessivamente seguindo um ritmo sonoro.
 Reproduzir ritmos variados com o próprio corpo, com palmas, batendo
os pés no chão, etc.

11. EQUILÍBRIO

 Equilibrar-se em um pé só, primeiro com os olhos abertos, depois com os


olhos fechados.
 Ensinar a chutar por comandos, buscando o equilíbrio. No chute frontal,
fazê-lo em quatro movimentos: iniciar em posição de combate com a
perna direita atrás: 1) flexionar o joelho direito, equilibrando -se na perna
esquerda por cinco segundos aproximadamente; 2) esticar a perna direita
e mantê-la esticada por um período de cinco segundos aproximadamen te;
3) encolher a perna e voltar à posição 1; 4) Colocar a perna direita para
trás e voltar à posição original de combate. Na realidade, é o chute
frontal em quatro tempos, que, feito dessa maneira, resulta em equilíbrio
250

e no correto aprendizado do chute f rontal. Pode-se ensinar com uma


mecânica similar o chute lateral e semicircular.

ii. LÚDICO-VONTADE

Sustentar uma posição difícil o máximo de tempo possível para que, desde
pequena, a criança tome contato com forças que vão para além do físico, mesmo que ela
não tenha consciência disso.

 Exercício da árvore: com as pernas abertas e flexionadas, manter os


braços esticados e paralelos ao solo e sustentar essa posição, imaginando
ser uma árvore. Esse exercício, além de desenvolver a vontade e a
imaginação, libera os canais energéticos do ponto 3 (mais ou menos dois
centímetros abaixo do umbigo), fazendo a energia fluir com mais
facilidade pelas pernas e, dando mais potência e força às pernas e a toda
a região do ponto 3.

 Exercício "segurando a torre que cai": colo car as mãos na parede, como
se fosse uma flexão de braço, só que na parede, em vez de ser no solo,
com um ângulo de 45 graus para exercer um pequeno peso sobre os
braços. Manter-se nessa posição por um tempo e se imaginar como
alguém que está segurando uma torre que está caindo. Esse exercício,
além desenvolver a vontade e a imaginação, promove uma purificação do
ponto 2 (altura do externo), gerando mais força e potência nos braços e
uma conseqüente purificação de toda a região do ponto 2.

 Sustentar qualquer posição por um período de tempo.

iii. LÚDICO-IMAGINAÇÃO

Promove o desenvolvimento da imaginação e se apoia na formação das imagens


mentais.

 Metamorfose e desempenho de papéis: brincar de samurai, dentista,


médico, instrutor, etc.
251

 Imitar a forma de andar dos animais: andar como gato, pular como sapo,
etc.

 Galopar livremente montado sobre um cabo de vassoura.

 Imitar meios de transporte: voar como avião, correr como carro, andar
como trenzinho.

 Andar imitando pessoas e objetos: um velhinho, um cego atravessando a


rua, uma pessoa distraída, alguém carregando uma coisa muito pesada,
um robô, uma pessoa com sapato apertado, uma mãe carregando um filho
no colo, um bombeiro subindo a escada para apagar o fogo, um domador
de circo domando a fera com o chicote, um pade iro preparando pão, um
pintor pintando a parede, um pianista tocando piano, etc.

 Dramatização: representar estórias narradas ou imaginadas pelas


crianças.

 Teatro de sombras: fazer gestos, projetando suas sombras e, a partir daí,


criar estórias e adivinhaçõ es.

 Mímica: observar os movimentos realizados por um participante e tentar


adivinhar o que ele está imitando.

 Imaginar e relacionar outros usos, além do convencional, para objetos:


pensar no que se pode fazer com determinados objetos, além de seu uso
normal, como, por exemplo, com uma caixinha de fósforos, um lápis, um
barbante, etc.

 Telefone sem fio: duas crianças conversam uma com a outra num
telefone imaginário.

 Inventar finais diferentes para as estórias: o instrutor conta uma estória e


as crianças imaginam um final diferente para ela.

 Inventar estórias com base em gravuras: a criança observa duas ou três


gravuras contendo cenas relacionadas entre si e as coloca em ordem, de
acordo com as seqüências das ações. Depois, imagina uma estória vendo
a seqüência das cenas.
252

iv. LÚDICO-MEMÓRIA

Tem como objetivo desenvolver a memória da criança: memória visual, auditiva,


sinestésica, olfativa e memória relativa ao paladar, ou seja, a memória em sua expressão
nos cinco sentidos.

1. MEMÓRIA VISUAL

 Repetir e inventar: divid ir a turma em pequenos grupos, um ao lado do


outro. Um dos grupos faz um movimento, como, por exemplo, levantar o
braço ou a perna, dar um passo à frente, etc., o que está ao seu lado copia o
movimento e acrescenta mais um e assim sucessivamente. Recomeçar a
partir do último e realizar o exercício.

 "Quais os movimentos que fiz?": uma criança faz uma série de três, quatro
ou mais movimentos, enquanto as demais a observam. Depois as crianças
repetem os movimentos observados na mesma seqüência.

2. MEMÓRIA AUDITIVA

 "O que falei?": o instrutor fala, por exemplo, três nomes. As crianças
devem repeti-los, seguindo a mesma seqüência. Depois pede na ordem do
último para o primeiro.

 Bom dia! Formação inicial: ficar em círculo, de mãos dadas. No interior da


roda, fica um jogador com os olhos vendados. Desenvolvimento: o círculo
gira para a direita ou para a esquerda. Quando o jogador do centro fizer um
sinal combinado (bater palma, bater o pé no chão, etc.), o círculo pára. O
jogador do centro aponta para o círculo e a cr iança que estiver na direção
apontada dirá: “Bom dia”. A criança do centro tenta reconhecer pela voz,
seu colega, dizendo seu nome.

 Recordar com os olhos fechados o som do mar, o barulho de uma moto, etc.
253

3. MEMÓRIA SINESTÉSICA

 Recordar, com os olhos fechados , alguma dor que já sentiu no corpo, etc.

4. MEMÓRIA OLFATIVA

 Recordar, com os olhos fechados, o cheiro de algum perfume, de alguma


fruta, etc.

5. MEMÓRIA GUSTATIVA

 Recordar, com os olhos fechados, o gosto do abacaxi, do limão, etc.

v. LÚDICO-ATENÇÃO

Tem como objetivo, através da brincadeira, desenvolver a atenção.

 Movimentar-se, seguindo um som: executar movimentos pré -


estabelecidos de acordo com as características do som emitido (breve -
longo, forte-fraco, grosso-fino), como, por exemplo: ao ouvir um som
longo (aaaaaaa), colocar as mãos na cabeça; ao ouvir um som breve (aa),
sentar-se. Pode-se variar o exercício desenhando com uma cor
quando ouvir um som longo e continuar o desenho usando outra cor
quando ouvir um som curto.

 Batata quente. Formação inicial: se ntar em círculo; um participante fica


no centro, segurando uma bola de meia que representa uma batata quente.
Desenvolvimento: quem estiver no centro, joga a “batata” para qualquer
criança do círculo, dizendo "batata quente". A criança que recebe a
“batata” deve jogá-la imediatamente para outro jogador e assim
sucessivamente, até que todos tenham a oportunidade de pegar e lançar a
bola de meia que representa a batata quente.
254

j) HEXAGRAMAS DO NEI KUNG QUE DEVEM FAZER PARTE DO


PROGRAMA DE NEI KUNG INFANTIL

Os seguintes hexagramas devem se misturar com as brincadeiras de forma


natural, também tratada de forma lúdica.

i. CHI’IEN, MODÉSTIA, CUMPRIMENTO:

 Cumprimento aos símbolos.


 Cumprimento ao instrutor.
 Cumprimento realizado ao entrar e sair do dojo.
 Cumprimento realizado entre dois praticantes.

ii. CHING, O POÇO, MEDITAÇÃO:

 Fazer os oito passos sem explicação, somente adotar a postura de zensa e


repetir com os alunos os oito passos. Não se trabalham as mudras; as mãos
ficam repousadas no colo.

iii. FU, RETORNO, RESPIRAÇÕES :

As respirações devem ser feitas como contra -ritmo e sem esquemas. Devemos
fazê-los imaginar um cisne, uma flecha, um bambu, etc. Ensinar através do processo
repetitivo e da imitação.

 Respiração dos três mundos


 Respiração abraçando a lua
 Respiração do cisne
 Respiração da flecha
 Respiração do arqueiro
 Respiração do bambu
 Respiração da sacola de arroz
255

iv. HENG, DURAÇÃO, FORMAS:

Ensina-se somente a primeira e a segunda formas do cisne. O instrutor deve


fazer e as crianças devem imitar. Deve -se fazer somente uma vez (no máximo duas),
pois as crianças não fixam muito a atenção e gostam de diversidade.

v. LU, CONDUTA, RONDA:

Fazê-los imaginar a pedra, a faca na barriga, etc. Não se preocupar se giram para
o lado errado, pois esse tipo de coordenação vem naturalmente c om o tempo através de
um trabalho repetitivo. O importante é o “clima lúdico”.
 Pedra no rosto.
 Facada na barriga.
 Lança no peito.
 Pegando a mosca.
 Garra no ombro.
 Podem ser inventados elementos que no momento o instrutor ache
apropriados para brincar.

vi. LU, CONDUTA, RITMO E


COORDENAÇÃO:

Deve ser ensinado com paciência e um pouco a cada aula. Deve -se usar o
princípio da imitação. As crianças aprendem olhando.
 Descida da águia.
 Passeio do caminhante.

vii. SUN, DIMINUIÇÃO, CONTROLE DO


DESEJO:

Ao invés de fazer da forma tradicional, seria mais apropriado fazer da seguinte


maneira: colocar as crianças lado a lado, deitadas no tatame. Jogar uma moeda em
qualquer lugar do dojo e pedir para uma delas se levantar e rapidamente encontrar a
256

moeda e trazê-la para a mão do instrutor. Ensinar pouco a pouco a controlar o desejo e a
ansiedade através de uma linguagem coerente.

viii. SUN, SUAVIDADE, PENETRAÇÃO,


DEFESAS PESSOAIS:

Ensinar os elementos mais básicos. Certamente o instrutor ficará fascinado pela


desenvoltura, suavidade e criatividade das crianças. Projeções simples e rolamentos
também devem ser ensinados. Em relação aos rolamentos, deve -se começar por
cambalhotas, ficando atento para que o queixo fique encostado no externo, evitando que
se machuque.

ix. K’UN, OPRESSÃO, LUTA:

Deve-se começar com o combate da faixinha. Depois combates sem contato,


seguidos de combate com contato apenas para aqueles que já têm mais experiência. O
instrutor deve levar em consideração peso e estatura de forma geral.

É interessante o instrutor faze r combate com as crianças para ensinar e,


eventualmente, contra várias ao mesmo tempo, para criar um clima de brincadeira.
Também é interessante um combate em que todas as crianças lutam contra todas; o
combate consiste em tocar na cabeça do adversário e n ão deixar que toquem na sua. É
como se fosse cada um por si e deus contra todos. Isso gera um grau de atenção muito
bom nas crianças e um nível de descontração muito propício para a saúde da aula.

x. CH’IEN, CRIATIVO, CÉU (TIGRE E


DRAGÃO):

A primeira técnica de simultaneidade genuína já é o suficiente.

xi. LI, ADERIR, FOGO (FÊNIX -GÊMEOS):

Aplicar o que se aprendeu na ronda.


257

xii. YU, ENTUSIASMO, TÉCNICAS INUSITADAS:


HEXAGRAMA DE CARÁTER LÚDICO POR
NATUREZA.

 Cachorro.
 Cobra.
 Águia.
 Tigre, abismo.
 Paulada na cabeça.
 Samurai.

xiii. DO HEXAGRAMA WEI CHI – ANTES DA


CONCLUSÃO – NEI KUNG INFANTIL

Acima Li, o Aderir, Fogo.

Abaixo K’an, o Abismal, Água.

“Este hexagrama indica o período em que a transição da desordem à ordem


ainda não se contemplou. A transição já está, sem dúvida, preparada, uma vez que todas
as linhas do trigrama superior encontram -se em relação com as do trigrama inferior, mas
elas não se encontram em seus devidos lugares. Enquanto o hexagrama anterior se
assemelha ao outono, que realiza a transição do verão para o inverno, este hexagrama é
como a primavera, que conduz da estagnação do inverno à fertilidade do verão. O Livro
das Mutações termina, então, com essa perspectiva, cheia de esperança.

As condições são difíceis. A t arefa é grande e cheia de responsabilidade. Consiste em


nada menos que conduzir o mundo da confusão de volta à ordem. Mesmo assim, é uma
tarefa que promete sucesso, já que existe um objetivo capaz de reunir as forças
divergentes. Porém, no início é necessá rio caminhar com toda a cautela, como uma
velha raposa andando sobre o gelo”. I CHING
258

Capítulo III

1) A TRADIÇÃO DO NEI KUNG


Em relação ao Nei Kung,, devo dizer que é uma arte marcial milenária, que
guarda profundas raízes esotéricas e que, de alguma maneira, está relacionada com os
mestres de sabedoria e com os deuses.

Isto implica que o Nei Kung é, além de tudo, um pacto com os seres divinos, e
todo guerreiro desta arte marcial deve, em algum momento de sua vida, aprender a
estabelecer este pacto de maneira consciente e individual.

A estrutura deste pacto se compõe de várias partes:


 O sinal com as mãos;
 O caminho do dragão dourado;
 A visão do dragão dourado;
 A forma de vida do Nei Kung.

No I Ching, encontramos um hexagrama que nos transmite esta idéia, o


hexagrama KUAI, que significa penetração e determinação. Este hexagrama é composto
por dois trigramas:
__ __
_____
_____
_____
acima TUI

_____
_____ abaixo CH’IEN

Gera a idéia da alegria sobre o criativo, ou, dito de outra forma, do lago sobre o
céu, imagem que nos sugere fluidez equil ibrada ou harmonia dinâmica.

a) O SINAL COM AS MÃOS

Na arte Nei Kung, existe uma técnica de canalização denominada Mudra dos
Cinco Elementos, a qual se pratica com rito de consagração do tempo binário, ou seja,
dos dias e das noites.
259

Este mudra representa a harmonia dos cinco elementos alquímicos com o tempo
binário, gerando uma dinâmica constante e equilibrada entre o Eu Superior, a
consciência e a personalidade do guerreiro.

O mudra do Nei Kung promove a relação entre a voz interna, ou intuição, e o


comportamento do guerreiro no combate, fato profundamente mágico que define o
caminho do dragão dourado (movimento circular da luz).

b) O CAMINHO DO DRAGÃO DOURADO

Geralmente, os praticantes de artes marciais se enredam em uma série de


conceitos técnicos e acabam p erdendo de vista os princípios áureos da arte marcial e o
sentido de ligação entre o mundo mítico e o sagrado. Com isso, perdem a direção
vertical da vida e energia.

É comum escutar nos diferentes ambientes marciais que o melhor para o


combate é a aplicação de uma determinada técnica. Isso é um erro que nasce da
ignorância em relação à via ( Do) da arte marcial.

Esta via (Do), no Nei Kung, denomina -se o Caminho do Dragão Dourado e,
neste caminho, o importante não está em coisas específicas, mas no equilíbrio dinâmico
geral, que inclui uma direção acertada quanto ao verdadeiro sentido da vida universal.
Esta direção real se fundamenta na busca do ideal ou arquétipo da guerra interior,
caracterizada por sua visão transcendente do bem, da verdade, da justiça, da beleza, etc.

Este ideal ou arquétipo, no Nei Kung, denomina -se Dragão Dourado e sua
captação é conhecida como a Visão do Dragão Dourado.

c) A VISÃO DO DRAGÃO DOURADO

Esta visão é mencionada por todas as tradições filosófico -religiosas de todos os


tempos e povos cultos e sábios que existiram na história. Os Sudras budistas,
Upanishads, Livros Canônicos, etc. nos assinalam este arquétipo, coincidindo com as
tradições marciais, que nos falam de uma espécie de sabedoria armada com todos os
atributos guerreiros ou virtudes divinas.
260

A visão desta sabedoria guerreira mostra o estado superior da realidade, possível


de ser concebida e contemplada pelo guerreiro, que consegue, em definitivo, conhecer -
se a si mesmo. Esta visão permite compreender que o Eu do guerreiro é esta sabedoria
armada, uma espécie de Palas Atenea que existe no fundo de todo guerreiro.

Este Eu divino é denominado no Nei Kung de Dragão Dourado e sua visão


permite ao guerreiro libertar -se de todas as cadeias e enganos que o impedem de se
identificar plenamente com o ideal.

O combate de Nei Kung não depende, então, de técnicas específicas, mas sim de
uma postura interior em relação aos princípios da natureza e do Dragão Dourado. Esta
postura é a que deve prevalecer desde o instante em que o combate se inicia até o final.
Este fato, mais do que uma técnica ou uma série de recursos marciais, implica uma
forma de vida.

d) A FORMA DE VIDA DO NEI KUNG

Corresponde à aplicação consciente dos princípios das artes marciais


tradicionais no nível ou grau de atuação do guerreiro e em harmonia com sua própria
natureza. Isto significa que qualquer homem ou mulher, de qualquer extrato social, raça,
etc., pode ser um guerreiro, definindo seu potencial através da função que lhe é própria,
por mais humilde que esta seja. En tretanto, tal ação é constante na busca do ideal
marcial.

Esta forma de vida se caracteriza por virtudes como a vontade, a inteligência, a


imaginação, a perseverança, a bondade, a não -violência, etc. Não consiste em fazer ou
deixar de fazer algo específico , mas sim em compreender o sentido próprio de vida e
manter-se fiel ao ele constantemente. Para atingir isso, é necessário fazer com que os
princípios da razão superior guiem os instintos e as forças inferiores com estilo
guerreiro.

Quando este nexo existe, descobre-se o fim ou o sentido último de nossas vidas,
ou seja, nosso ideal, e isso, uma vez compreendido, permite determinar a via ou
caminho através do qual podemos conquistá -lo e encontrar todos os estímulos
261

necessários para viver neste mundo como gue rreiros, com alegria, valor e sabedoria
próprios de um discípulo de Nei Kung.

“Heroísmo, coragem, firmeza, resolução, sagacidade, impavidez no combate,


generosidade e domínio próprio, tal é o Karma dos guerreiros, de acordo com sua
natureza.
O homem que se aplica com alegria ao seu próprio Karma, qualquer que este
seja, alcança a perfeição, escuta agora como alcança a perfeição aquele que se atém
ao seu Karma.
Venerando, através do cumprimento de seu próprio Karma, aquele do qual
emanaram todos os seres e que preenche todo o Universo, o homem alcança a
perfeição.”
Krishna, Bhagavad Gita
262

2) OS CENTROS NEI KUNG EM CORRELAÇÃO COM OS


SUBCORPOS DA CONSTITUIÇÃO SEPTENÁRIA

(CAUDAL
ATMA
VIBRATÓRIO)

BUDHI

MANAS
(DIRECIONALIDADE
KAMA-MANAS E SENTIDO DE
MOVIMENTO)
ASTRAL

PRÂNICO

(POTÊNCIA DE
ÉTERO-FÍSICO
MOVIMENTO)

Quando nos referimos aos três centros Nei Kung (o cent ro 1, o centro 2 e o
centro 3), estamos falando de três zonas, com seus respectivos pontos de controle, que
dominam todo o étero-físico e suas funções.

Em relação aos subcorpos do veículo étero -físico, a correspondência deles com


os três centros é a seguin te: o centro 1 se corresponde com os três éteres superiores, ou
seja, éter 1, éter 2 e éter 3; o centro 2 guarda relação com o éter 4 e o subcorpo astral do
étero-físico e o centro 3 se corresponde com o étero -físico e étero-físico-prânico.

É assim, então, que o centro 1 tem, em sua parte mais elevada, uma relação com
o morador do umbral, que se situa no limite do veículo étero -físico e prânico,
correspondendo ao reflexo do primeiro logos com seus aspectos de Vontade, no
subjetivo, e Lei, no objetivo.

Por outro lado, o centro 2 guarda relação com o coração formal de veículo étero -
físico e canaliza Inteligência, no subjetivo, e Forma, no objetivo.

Por último, o centro 3 tem relação com o coração energético do étero -físico e
canaliza Amor-Sabedoria, no subjetivo, e Energia-Vida, no objetivo. (Ver gráfico 12).

O domínio destes três centros se realiza por intermédio da mente e de suas


funções, que são a atenção, a concentração, a memória e a imaginação. A harmonização
263

dessas quatro funções manifesta a vontade, o discernimento e o controle, virtudes que,


quando aplicadas à arte marcial, geram o efeito Nei Kung.

a) O EFEITO NEI KUNG

O efeito Nei Kung pode ser considerado através de uma divisão trina, já que
cada centro manifestará efeitos diferentes; entretanto, na pr ática, os três centros se
interrelacionam, produzindo efeitos simultâneos, o que torna muito difícil entendê -los.
Por esse motivo, aqui os dividiremos em três tipos de efeitos diferentes: efeitos do
centro 1, efeitos do centro 2 e efeitos do centro 3.

Além disso, estes efeitos podem ser encontrados em função de duas áreas
relativas à arte marcial, que são a área de técnicas terapêuticas e a área de técnicas
marciais.

EFEITOS DO CENTRO UM

i. TÉCNICAS TERAPÊUTICAS

Como sabemos, o éter 1 se localiza aproximada mente na região superior do


tronco, envolvendo a cabeça. Quando este centro é ativado, produz uma limpeza etérica
e física geral, criando uma defesa poderosíssima em todo o organismo contra qualquer
energia externa ou interna negativa. Ao mesmo tempo, prod uz um relaxamento
completo de todo o corpo físico, melhorando sua canalização nos canais ou meridianos
superiores pela ativação do éter 2. A ativação do éter 3 produz uma reestruturação geral
no corpo físico, corrigindo desvios e anomalias da estrutura fís ica em geral.

ii. TÉCNICAS MARCIAIS

O efeito produzido pelo centro 1 em relação a este aspecto tem relação com a
defesa do organismo frente a do inimigo. O efeito Nei Kung deste centro é ostentável, já
que o inimigo se vê impossibilitado de dobrar braços, abr ir anéis feitos com os dedos,
levantar nosso corpo do solo, etc.
264

Permite também quebrar tábuas sem impulso, característica da arte marcial Nei
Kung. Finalmente, transmite ao organismo uma energia adicional que lhe permite
antecipar situações variadas, rela cionadas com ataques de um ou mais oponentes e sem
usar, para isso, os sentidos externos. É uma técnica que o praticante pode realizar com
os olhos vendados. Por último, produz um efeito conhecido como corpo fechado.

EFEITOS DO CENTRO DOIS

i. TÉCNICAS TERAPÊUTICAS

Este centro, quando ativado, produz uma expansão psíquica e emocional de


grande alegria e, ao mesmo tempo, de saúde. Simultaneamente, destraumatiza a zona
dos ombros, do peito e dos pulmões.

ii. TÉCNICA MARCIAL

Neste campo, o efeito Nei Kung se manife sta como impostação de todas as
técnicas marciais e do vácuo do corpo, conseguindo movimentações, seja de ataque ou
de defesa, imperceptíveis. Também aqui o corpo físico adquire um sentido de adaptação
que o faz se livrar de qualquer chave ou tomada.

EFEITOS DO CENTRO TRÊS

i. TÉCNICAS TERAPÊUTICAS

Estes efeitos se manifestam através de uma purificação e destraumatização dos


órgãos das vísceras e dos canais energéticos das pernas, das articulações em geral e da
base da coluna.

ii. TÉCNICAS MARCIAIS

Os efeitos que se produzem aqui são a penetração da força interna em todas as


técnicas marciais e, ao mesmo tempo, um tipo de força que permite superar qualquer
técnica de defesa e resistência por parte do oponente. Também aqui se produz uma
265

espécie de efeito alavanca, que permite anular a guarda do oponente e qualquer ação
que ele pretenda fazer contra nós. Podem -se realizar provas de apagar velas sem tocá -
las, defender-se contra ataques de espada de guerra, facas, paus, revólveres, etc.
266

3) O MÉTODO SUPERIOR DE ENSINAME NTO NO NEI KUNG

Para abordar este tema, é necessário primeiro analisá -lo do ponto de vista
teórico, para depois desenvolvê -lo de forma prática. Este método se caracteriza por
trabalhar em um nível próximo ao físico, mas notoriamente superior. Todas as téc nicas
marciais devem ser feitas a partir do prânico, considerando o corpo físico como uma
projeção do mesmo.

Este é um trabalho de energia e não de corpo, sendo este último apenas um


terminal do primeiro. Por outro lado, é necessário que tudo isso seja com plementado
com um critério de equilíbrio entre fatores de tensão e fatores de relaxamento,
manifestados concretamente no processo técnico.

Para exemplificar este ponto, colocarei, no fator tensão, as formas tipo Karatê
moderno e, no fator relaxamento, as f ormas do Tai-Chi. O método superior, o Nei
Kung, supera ambas as técnicas através de um movimento relaxado mas
simultaneamente rápido, deixando que a potência da técnica se manifeste em função do
contato com o oponente, já que o fator força é visto como o limite natural que o
oponente coloca à técnica aplicada.

Outro elemento teórico importante a considerar neste método é que toda técnica
realizada deve responder à necessidade de canalização do fluido, ou Ki, mais além de
qualquer outro propósito, como pode ria ser, por exemplo, a eficácia combativa, que
neste método tem apenas um caráter secundário. Há que evitar tecnicamente qualquer
posição ou movimento demasiado estereotipado que se distancia dos propósitos naturais
da arte marcial. A técnica deve resulta r cômoda, fluida, desconflituada e isenta de
qualquer propósito superficial.

O último elemento teórico que acrescento é deixar o eu profundo tomar as


decisões e determinar o comportamento técnico de acordo com sua sabedoria, e não
com nossos anseios, ânsias, desejos, etc.

No campo prático e técnico, este método se compõe de sete passos, os quais,


uma vez aplicados, dão lugar à apresentação do eu guerreiro, que se manifesta através
267

da técnica Nei Kung genuína. À medida que se aperfeiçoam estes sete passos, o
guerreiro adquire rapidez, precisão e eficácia na ação.

Os sete passos são:


1. Circulação
2. Fluxo
3. Pulso
4. Irradiação
5. Iluminação
6. Focalização
7. Polarização

a) CIRCULAÇÃO
Esta primeira técnica consiste em colocar a ponta da língua no ponto de
união do céu da boca e do s dentes, com a boca fechada, inspirando e
expirando pelo nariz.

b) FLUXO
Concentrar-se na saída e entrada do ar através do ventre.

c) PULSO
Concentrar-se nas pulsações que a energia gera no corpo, em lugares
específicos.

d) IRRADIAÇÃO
Concentrar-se no calor que começa a irradiar do corpo. Esse calor se
expande quando as outras técnicas são bem realizadas.

e) ILUMINAÇÃO
Fazer com que a luz interior desça, penetrando pela cabeça até banhar todo o
corpo por dentro.
268

f) FOCALIZAÇÃO
Concentrar-se na luz e observá-la sem pensamentos ou sentimentos.

g) POLARIZAÇÃO
Concentrar-se no eu e na luz, simultaneamente, criando dois movimentos
também simultâneos: o movimento do eu de absorção e concentração e o
movimento da luz de expansão e dispersão.

Uma vez realizados todos estes pa ssos corretamente, os veículos do quaternário


se tornam independentes, manifestando sua natureza prístina. O Eu se libera de qualquer
identificação, estabelecendo -se dois extremos polarizados e tensionados, e é nessa
tensão que a chispa do Nei Kung se acen de e se manifesta, irrompendo como técnica
genuína de Nei Kung.

Este método superior do Nei Kung deve ser aplicado pelo instrutor com muito
discernimento e a partir do grau de principiantes, incluindo a repetição dos princípios do
livro “A arte do poder interno”, volumes I e II do mesmo autor, de maneira que todas as
aulas se repitam em conjunto, começando pelos princípios físicos, depois pelos
princípios de meditação, etc.

Uma aula de Nei Kung deve começar com:

1. Mudra dos Cinco Elementos.

2. Repetição em voz alta e em conjunto dos sete passos da técnica Nei Kung
genuína.

3. Repetição em voz alta e em conjunto do princípio da ação de potencial


inteligente que corresponda ao ciclo de:
a) Princípios físicos;
b) Princípios de meditação;
c) Princípios espirituais.

4. No caso da aula ser de faixas-pretas, o ciclo continuará com:


a) Preceitos de ouro;
269

b) Princípios da não-violência;
c) Reflexões da ação de potencial inteligente.
270

4) A ARTE DE AGIR E SE MOVER SEM CORPO. TA KUO.


PREPONDERÂNCIA DO GRANDE.

Mover-se sem corpo significa que se pod e agir com vontade, prescindindo da
intenção condicionada que comumente faz com que o corpo atue. Nesta arte, o corpo
trabalha por ordens mentais, incorporando a estrutura dos sete passos da técnica Nei
Kung genuína. Em seguido, o corpo se move através de seus próprios mecanismos,
resultando em um movimento natural e aparentemente espontâneo.

Esta arte nos leva a um estado de preparação muito parecido com a ação que o
corpo realiza quando está sujeito a situações limites e imprevistas. Esta preparação
seria, então, a maior aproximação que poderíamos realizar em relação a uma situação de
combate real de artes marciais, nos permitindo, ao mesmo tempo, treinar os sentidos
internos, os quais podem chegar a se desenvolver de tal modo que em algum momento
possam atuar independentemente do corpo e de seus sentidos físicos.

Esta arte, com o tempo, vai purificando o coração e afastando o fluido negativo e
inerte que é um obstáculo à ação eficaz, a qual permite a canalização de um fluido
positivo, brilhante, dinâmico e desenvolto. Quando esta purificação termina, o guerreiro
se unifica com sua essência espiritual interna.

a) PRÁTICAS DA ARTE DE AGIR E SE MOVER SEM CORPO

i. OS SETE PASSOS DO MÉTODO SUPERIOR, JÁ


DESCRITOS.

ii. PRÁTICAS COM OS OLHOS FECHADOS

Essas práticas poderão ser feitas primeiro em recintos fechados, mas muito bem
conhecidos pelo praticante e em ações que tenham sido repetidas inumeráveis vezes.
Por exemplo, a ação cotidiana de se levantar de manhã, de se assear, de se vestir e se
preparar para a ação diária, realizando todas estas operações com os olhos fechados.
271

Depois de se tornar perito neste tipo de operações, pode se aventurar em outras


de maior risco, como lugares ao ar livre com obstáculos naturais, realizando mudança
de coisas, etc. É possível também , em recintos abertos, parar e agarrar objetos lançados
contra o praticante.

Posteriormente, é possível efetuar combates de artes marciais no escuro e,


finalmente, fazer combates contra vários rivais com uma venda nos olhos.

iii. PRÁTICAS CROMÁTICAS

Cortar quadrados de superfície lisa de várias cores e familiarizar -se com as


diferentes vibrações que cada uma delas produz nas palmas das mãos. Depois, com os
olhos fechados, reconhecê -las ao aproximar as palmas dos quadrados. Passar depois a
captá-las à distância, para finalmente descobrir as cores à distância e em um ângulo de
45º do corpo, o qual ficará no centro, rodeado por quatro pessoas, cada uma segurando
um quadrado de cor na direção de 45º horizontal e 45º vertical. Finalmente, os
quadrados mudarão e o pra ticante deverá reconhecê -los em suas novas posições.

iv. BUSCAR A AÇÃO PERFEITA

No Nei Kung, ou na Filosofia Marcial, cada dia é uma nova batalha, a qual se
deve travar com o objetivo de realizá -la com maior eficiência. Esta mentalidade
promove melhores ações sistematicamente, conseguindo -se, pouco a pouco, um espírito
de superação, de aquisição de maior nível de vida e de superação progressiva dos nossos
limites.

Este sentido de superação nos aproxima gradualmente de um objetivo singular,


que é conseguir realizar uma ação perfeita e, quando esta se produz, realizamos um ato
mágico, elemento indispensável para entender esta arte de atuar sem corpo. Além disso,
conquistamos uma referência única e vital que será para o guerreiro o modelo mágico
para realizar todas as coisas do mesmo modo. Aqui encontramos o sentido de vida, ou o
caminho (Do) da arte marcial filosófica.
272

v. PRÁTICA INDIVIDUAL

Para complementar as práticas anteriormente descritas, é necessário que o


praticante adquira o hábito de praticar sozinho, em u m lugar isolado, para desenvolver
seu próprio espírito marcial e sua própria técnica todos os dias. Nesse lugar, o praticante
usará os tempos, os ritmos e o estilo de acordo com sua necessidade interior de busca e
de realização.

b) APERFEIÇOAMENTO DA ARTE

A prática constante do método de Nei Kung superior, além de todas as


vantagens, traz ao guerreiro uma limpeza dos éteres do físico, mostrando claramente
todos os centros étero-físicos com os quais finalmente o praticante consegue uma
relação concreta e prática. Aqui se pode desenvolver o aperfeiçoamento total da arte e,
quem chega a dominá-lo em menor tempo e com maior qualidade, será sem dúvida o
mais capacitado e eficaz. Esta relação concreta com os centros ou passos do Nei Kung
se constitui da seguinte fo rma:

i. CIRCULAÇÃO

Quando o praticante experimentado leva a língua ao céu da boca, sente no ato a


circulação da energia em todo o corpo fluindo em círculo, verticalmente, da cabeça até
os pés.

ii. FLUXO

Nesta passagem, estabelece -se uma relação direta entre o cen tro 3 e a planta dos
pés, elementos que adquirem sensibilidade e se tornam referências claras e precisas de
consolidação da guarda inferior do guerreiro.

iii. PULSO

Cria-se a relação com o centro 2 através de uma intensa pulsação no meio do


peito, à altura do esterno, no ponto que se une com a traquéia. Ao mesmo tempo, se
sensibilizam as palmas das mãos.
273

iv. IRRADIAÇÃO

Neste passo, fixa-se uma clara sensação do corpo em contato com os éteres e do
calor que se desprende de tal contato, sentindo uma onda expansiva e d e tensão
superficial, como se fosse um escudo de proteção com o qual se consolida a guarda
média do guerreiro.

v. ILUMINAÇÃO

Institui-se uma relação de verticalização interna que unifica a coluna vertebral


desde a base até a cabeça, criando uma sensação de p ureza e de liberdade interior.

vi. FOCALIZAÇÃO

Estabelece-se uma relação consciencial de percepção interna clara e potente e de


uma visão, através dos olhos, com sentido central e ao mesmo tempo periférico,
dinamizando todo o sistema étero -físico.

vii. POLARIZAÇÃO

Produz-se uma relação direta com a verticalização máxima do corpo, soltura e


caída dos ombros à sua posição natural, relaxamento completo do corpo e soltura de
todos os membros, consolidando a guarda superior do guerreiro.

A prática constante destes pass os gera também no praticante um sexto sentido,


que poderíamos chamar de sentido do centro, já que a consciência se localiza em um
espaço central livre e independente de todos e de qualquer ângulo. Este seria o objetivo
e a máxima virtude do guerreiro.

c) O CAMINHO DO CENTRO E OS QUATRO DRAGÕES

Este conceito corresponde ao estágio mágico da arte marcial Nei Kung e consta
de uma série de demonstrações com ou sem armas, na qual um guerreiro enfrenta quatro
oponentes simultaneamente, os quais assumem as posições dos quatro cantos e atacam
274

sucessivamente o guerreiro central, que pode atuar com os olhos fechados ou com os
olhos abertos, segundo o caso.

O sistema de trabalho desta técnica é feito, a princípio, com movimentos lentos


e, à medida que o guerreiro se tor na mais experiente, aumenta proporcionalmente a
velocidade. O objetivo fundamental desta técnica dos quatro dragões é alcançar o
centro, lugar mágico de onde se controlam e dominam os quatro elementos.

A disciplina de buscar o centro é dura e complicada, j á que o guerreiro se depara


com obstáculos fortíssimos. Em uma chave básica, poderíamos dar a cada dragão uma
equivalência em relação a quatro obstáculos:

a) Desejo = dragão mental;


b) Ansiedade = dragão emocional;
c) Agitação = dragão vital;
d) Rigidez corporal = dragão étero-físico.

Estes quatro obstáculos se interligam e, na prática, se manifestam como uma


massa crítica na zona do plexo estomacal em forma de pressão interna, que não só
dificulta os movimentos da arte marcial como os torna feios, pesados, lerdos, etc .

Para controlar e diminuir esta complicação, devem -se realizar os sete passos do
método superior, acrescentando a eles três práticas:

 Evitar, antes ou depois de qualquer movimento, respirar inconscientemente,


fazendo-o de tal forma que os músculos do estô mago e do abdômen realizem um
movimento de compensação da respiração. Isso é possível pressionando estes
músculos até a planta dos pés para depois inflar o ventre e, simultaneamente, abrir
as costelas para os lados e para cima. Depois, deve -se abrir o peito, pressionando os
ombros para baixo. A saída do ar acontece de forma mais simples, já que só é
necessário soltar a pressão do estômago, produzindo um relaxamento completo.

 Juntamente com esta prática, devem -se abrir as fossas nasais para inspirar o
ar com força, como se tratasse de um touro furioso.

 A terceira prática consiste em olhar duramente como uma águia pronta para
caçar sua presa.
275

Juntando as três práticas simultaneamente, temos a impressão de que o guerreiro


está furioso e possuído por um espírito brutal e colérico. O resultado dessa série de
práticas produz efeitos tremendamente positivos quanto à canalização do fluido ( Ki) e
ao fortalecimento do coração.

d) O ESPÍRITO DO NADA

Segundo as tradições marciais, quando se produz um duelo de espadas, esta s


cortam somente a forma. De acordo com o que sabemos, forma, na linguagem esotérica,
não é a forma corporal, mas sim a forma mental. Toda forma mental se manifesta
corporalmente gerando um ponto de risco ou de morte, já que a espada cortará a forma
mental através de sua expressão física ou corporal. Para evitar, então, os pontos de
morte, é necessário que o guerreiro afaste qualquer forma mental e abrace o Espírito do
nada, ou o vazio interior, espaço sagrado onde habita o Eu, ou deus da guerra interior.

Uma vez conseguido isso, o guerreiro não só se tornará inagarrável, como


também seu corpo se tornará inesperado, já que, como não existe forma mental prévia,
tampouco existe ação muscular prévia, o que permite à técnica marcial se manifestar
sem prévio aviso. Este fato implica também que o fluido se manifestará de forma
homogênea e fluirá livremente.

É neste ponto que se encontra o verdadeiro espírito das artes marciais, que tem
como atributos a estática de movimentos, a harmonia e eficiência na ação e a dec isão
oportuna e exata.

e) A CONSCIÊNCIA DO CENTRO

Fundamenta-se a partir de uma estrutura psicológica ternária composta por três


elementos:
 Parar o mundo psíquico;
 Simultaneidade de todos os fatores;
 Periodicidade gradativa.
276

i. PARAR O MUNDO PSÍQUICO

Significa que, para alcançar o espaço do centro, é necessário deter todo tipo de
conteúdo psíquico e mental, ainda que seja por um mínimo de tempo. Este esforço
realizado pela consciência focalizada permite alcançar uma percepção de não -tempo,
uma espécie de espaço internumeral através do qual se percebem todos os fatores que
envolvem a consciência e que a obrigam a atendê -los de forma irrefletida, fazendo -a
entrar no turbilhão do cotidiano e do condicionado.

ii. SIMULTANEIDADE DE TODOS OS FATORES

Este aspecto mostra como a consciência é requerida de forma simultânea por


todos os veículos que constituem a personalidade humana: físico, prânico, astral e
kama-manas, impondo a ela uma técnica comum, uma espécie de super -imposição
subjetiva, comparável à personalidade concr eta.

iii. PERIODICIDADE GRADATIVA

Apesar de existir uma solicitude simultânea de todos os fatores, podemos


também observar uma certa periodicidade ou rotação entre os quatro elementos da
personalidade que permite à consciência do centro captar ritmos e priorid ades, para
atender a cada um dos elementos de maneira refletida, criando, assim, um novo tempo
de caráter sagrado e mágico.

f) O INUSITADO

Este aspecto é talvez um dos mais importantes das artes marciais filosóficas,
uma vez que estabelece a ponte entre o mu ndo profano e o mundo sagrado.

Referindo-se aos subcorpos kama-manas e astral do étero-físico, criou-se uma


espécie de divisão entre o mundo dos éteres e o mundo físico propriamente dito. Esta
divisão geraria um dos obstáculos mais poderosos para a canaliz ação do Nei Kung
(potencial inteligente).
277

Os condicionamentos produzidos pela vida burguesa atuam sobre estes dois


subcorpos, além das forças magnéticas invisíveis que envolvem todas as coisas. Esses
tipos de influências, e outras mais, interagem no subcor po astral do étero-físico e, como
este subcorpo é um sistema de gases altamente sensível, deforma -se ou simplesmente
assume formas que não lhe são naturais. Nesta condição o subcorpo astral impede ao
éter 4 sua fluidez e expansão normal, restando ao corpo físico um imenso potencial que
se encontra nos éteres propriamente ditos.

A atividade desses dois subcorpos do étero -físico é, além de complexa, muito


intensa, pois força e acorrenta a consciência a estados muito inferiores, impedindo -a de
ter, embora por breves momentos, acesso a uma dimensão mais ampla e profunda.

Para superar esse tipo de atração densa em extremo, devem -se desenvolver
práticas de caráter inusitado, ou seja, reagir diante de estímulos imaginários, antes que o
éter 4 e o subcorpo astral po ssam intervir, condicionando a situação.

Esta série de práticas não pode ser pensada com antecipação, sendo necessário
transmitir uma série de símbolos -sinais que implicam atacantes inesperados de lugares
inesperados. Assim, o praticante será obrigado a re agir instintivamente com um tipo de
consciência observadora dos processos, mecanismos e ações realizadas inusitadamente.

g) SISTEMAS DE SÍMBOLOS -SINAIS

Estes sistemas se estruturarão em função dos seguintes fatores:


i. Imaginação específica (código de sinais);
ii. Perigos simulados;
iii. Figuração simbólica;
iv. Seqüências complexas;
v. Seqüências simples;
vi. Impostação;
vii. Cerimonial complementar.
i. Imaginação específica
278

Este aspecto é, talvez, um dos mais importantes deste sistema, pois implica, por
um lado, a descrição de todo o pro cesso e, ao mesmo tempo, o código de sinais que
determinará as ações respectivas.

Este fator deve ser trabalhado de tal modo a tornar possível um


descondicionamento que permita atuar sem esquemas prévios, possibilitando que o
instinto do guerreiro se desen volva para poder observá -lo claramente e ao mesmo tempo
conscienciá-lo.

ii. PERIGOS SIMULADOS

Trata-se de assumir imaginariamente qualquer tipo de ataque, seja de animais,


fenômenos naturais, acidentes de terreno, móveis em geral, inimigos com ou sem armas,
etc., de tal modo que o guerreiro se veja na necessidade de atuar de forma imprevista ou
inesperada.

iii. FIGURAÇÃO SIMBÓLICA

Tudo o que foi mencionado deve ser imaginado da forma mais clara e intensa
possível, já que é o momento em que serão disparados os códi gos de sinais, nomeando
inesperadamente cada um dos perigos assumidos, como se tratasse de uma situação real.

iv. SEQÜÊNCIAS COMPLEXAS

Esta prática pode contar com séries concatenadas de ataques ou perigos


assumidos, que obrigarão o guerreiro a se esforçar at é limites extenuantes ou exigentes
no maior grau possível.

v. SEQÜÊNCIAS SIMPLES

São aquelas nas quais se produz um ataque específico e inesperado, sem


desenvolvimento de continuidade. Cumprem duas funções: a primeira, como prática
279

individual, e a segunda, c omo módulos que, concatenados, geram uma seqüência


complexa.

vi. IMPOSTAÇÃO

Este aspecto corresponde a uma atitude de acordo com os acontecimentos


anteriormente descritos e que o guerreiro deve assumir para complementar e reforçar a
figuração simbólica.

vii. CERIMONIAL COMPLEMENTAR

O cerimonial que complementa este sistema corresponde a uma manifestação


espontânea do espírito da guerra interior e se chama “a dança da vitória”. Essa dança
consiste em um rito básico em que os praticantes colocam o Hashimaki, com os
símbolos do Império, na cabeça e depois amarram nos ombros e no peito um cordão
preto. Então, um a um, expressam seus sentimentos através de uma dança espontânea
que é acompanhada com sons guturais, ou melhor, um poema curto e marcial em voz
alta, para acabar com um grito de guerra, símbolo de homenagem à vitória do guerreiro.
Cabe mencionar aqui que esta dança é realizada sem pensar previamente, devendo ser
totalmente espontânea.

h) CONCLUSÃO PARCIAL

Procurei expor da maneira mais ampla possível o espírito d o Budô e do Bugei,


dois conceitos que no futuro deverão estar sempre unidos, pois as artes marciais do
futuro serão diferentes das atuais, e, não só diferentes, como também melhores. O Budô
é definido como “a senda da guerra” e o Bugei como “a arte da guer ra”. Assim sendo, o
primeiro considera a guerra como um meio e o segundo, como um fim.

Considerar a guerra como um meio para alcançar a realização implica em uma


atitude mistérica, que só pode ser desenvolvida por guerreiros de verdade. Por isso o
Bugei é também necessário, já que ninguém pode se realizar se não renuncia, em última
instância, ao que possui em termos práticos e eficazes.
280

Considerar a guerra como um fim implica uma mentalidade nitidamente militar,


que, uma vez alcançada de forma suficientemen te qualificada, deve ser liberada para
alcançar a verdadeira meta final.

O Budô só é justificado quando, podendo matar, transforma este ato em vida e


renascimento, ou renovação. É por esse motivo que na Antigüidade se ensinava este
caminho marcial aos comb atentes consumados e consagrados.

É fundamental, então, que, no Instituto Internacional de Artes Marciais


Filosóficas Bodhidharma, formemos os discípulos na forja firme e segura das artes e
técnicas da guerra, de forma eficaz e verdadeira, sem enganos ou a uto-indulgência e, ao
mesmo tempo, transmitindo o tradicional espírito da sabedoria guerreira. É importante
considerar também que deveremos estruturar os degraus exigentes e duros da arte da
guerra através de um critério pedagógico, pleno de amor e compree nsão por nossos
discípulos e suas limitações, sem esquecer nossas próprias limitações.

Contudo, essas limitações não podem negar a qualidade necessária à qual


devemos chegar. Somente assim poderemos nos sentir fiéis herdeiros das antigas
tradições marciais. Para os que entenderam e vivenciaram tudo o que foi dito
anteriormente, o Budô é o caminho que temos pela frente, um caminho no qual o
guerreiro encontra um poderoso aliado, “a morte”, que deve ser entendida como um
símbolo que se manifesta no cotidiano, a cada segundo.

Morte para o guerreiro-filósofo é sentir o medo e abrir o peito para compreender


seu sentido e vencê-lo; é também sacrificar nossos egoísmos nos altares de ideais mais
elevados; é cumprir com nosso dever quando desfalecemos. Morte é substi tuir nossas
paixões por sentimentos de fraternidade e de serviço; é ainda dar o passo à frente
quando não há outro que possa cumprir com a necessidade. Morte, em síntese, é o
domínio paulatino e definitivo de nossas personalidades, é suportar o frio, o can saço, as
feridas, a dor, a angústia e o desespero, sentindo ao mesmo tempo uma profunda e sutil
alegria de ter encontrado em tudo isso nosso próprio valor.

Por último, a morte não tem hora específica para chegar, assim como o Budô,
que está sempre presente em todas as coisas e que nos mostra constantemente que a
morte tem um segredo: por trás e dentro dela está Deus, nosso Senhor do Mundo. É por
281

isso que os guerreiros sempre cantam à morte e sempre lançam o mesmo grito de
guerra:
PARTE III
283

Capítulo I

1) A AÇÃO DE POTENCIAL INTELIGENTE: INTRODUÇÃO

Em geral, todas as artes marciais, sejam do país que for, possuem um fundo
filosófico que lhes deu origem. Essa filosofia é conhecida como "o caminho" (DO), que
é comum a todas as artes marciais que o percorrem. As diferenças existentes são de
caráter técnico, mas, para além disso, a filosofia é a mesma. Mas por que razão hoje em
dia as artes marciais se limitam apenas ao aspecto técnico, sem desenvolver o
filosófico?

Para responder a essa questão, é necessário que nos aprofundemos um pouco no


processo histórico das artes marciais para conhecermos seus ciclos. As artes marciais
que hoje conhecemos são uma espécie de iceberg que bóia num oceano puxado pelas
correntes da história, que esconde mais do q ue podemos ver em sua superfície.

Se considerássemos apenas as informações oficiais que possuímos em relação às


artes marciais, não saberíamos quase nada do que elas guardam. Para conhecer esse
conteúdo, é necessário fazer uma pesquisa comparada que inclu a simbologia, filosofia,
história universal, psicologia, esoterismo, etc.

De acordo com isso, é possível definir uma visão muito mais ampla das artes
marciais, cuja participação a nível cultural e civilizatório adquire proporções de grande
importância. Do estudo comparado, conclui -se que, historicamente, as artes marciais se
manifestam através de quatro ciclos bem definidos: ciclo mítico, ou da origem; ciclo de
grandes guerras; ciclo de escolas de artes marciais e ciclo filosófico, ou de retorno à
origem.

O ciclo mítico corresponde a uma etapa de ouro em que os clãs guerreiros


participam de um período mágico, em contato com forças de caráter divino e com
grandes mestres que criam estruturas de caráter iniciático -mágico.

Neste período, a guerra é mágica, o u seja, está entre forças celestes e telúricas, e
os clãs representam magicamente essas forças. Ainda não existe o bem e o mal, tudo
284

corresponde a uma necessidade relativa ao plano divino, que guarda relação com a
dinâmica evolutiva humana através de genea logias raciais.

a) O CICLO DE GRANDES GUERRAS

Corresponde à saga dos grandes guerreiros, que são preparados para consolidar
seus ideais e gerar uma grande expansão territorial. A guerra é aqui considerada como
um fim em si, é o que os japoneses definem atr avés do conceito do Bugei. Neste ciclo,
as divindades são guerreiras e os reis também, cada um desses reis cria as ordens de
cavalaria, que consolidam através da vivência dos mitos heróicos, simbolizando, com
isso, suas genealogias de antepassados ilustres .

b) O CICLO DE ESCOLAS DE ARTES MARCIAIS

Logo que o período de grandes guerras acaba, os chefes de clãs escondem seus
segredos militares e começam a transmiti -los por meio de escolas familiares de artes
marciais. No início, essas escolas são restringidas a o clã, mas aos poucos se abrem para
a sociedade, que lhes dá cobertura e reverência.

O que foi conhecimento militar -guerreiro se transforma em métodos e esquemas


marciais, com o objetivo de gerar um caminho. Os japoneses definiram este ciclo como
"o Budo", ou seja, a guerra como instrumento para conquistar a sabedoria. Porém, neste
ciclo aparecem grandes problemas em relação à transmissão do conhecimento das artes
marciais, causados por vários fatores inevitáveis: choque de mentalidades; período de
paz política e social; falta de legitimação genealógica e trocas inter -raciais.

O choque de mentalidades significa que os chefes de clãs, que são guerreiros de


ofício, conquistaram seus conhecimentos nos campos de batalha e se desadaptam, em
grandes períodos de paz, em relação à mentalidade das novas gerações, às quais
consideram débeis e de pouca honra. Os jovens, por sua vez, os consideram
ultrapassados e rígidos demais, fazendo com que muitos conhecimentos se percam.
285

c) O PERÍODO DE PAZ POLÍTICA E SOCIAL

Esse período gera interesses burgueses completamente diferentes dos campos de


batalha. Os interesses comerciais tornam as artes marciais um produto a mais de
consumo e aparecem grandes organizações, que exploram o afã de concorrência não
canalizado através de gra ndes sagas guerreiras, transformando as artes marciais em
esportes altamente competitivos. Polarizam a atenção antes global, em simples aspectos
técnicos e métodos de treinamento, perdendo, com isso, todo o potencial das artes
marciais.

d) A FALTA DE LEGITIM AÇÃO GENEALÓGICA

Significa que as artes marciais não necessitam, em tempos de paz, constatar sua
eficiência, motivo pelo qual relaxa a estrita disciplina e suas exigências legais em
tempos de guerra. Esse processo promove líderes que nem sempre possuem
qualificações necessárias e, em alguns casos, muitas escolas são dirigidas por
verdadeiros picaretas. Esse fator contribui para que as artes marciais sofram grandes
deturpações.

e) A TROCA INTER-RACIAL

Esse fator característico das trocas comerciais e cultura is entre diferentes nações
gera uma falta de comunicação entre as fontes e aqueles que se dedicam ao cultivo das
artes marciais. Por outro lado, as representações oficiais de diferentes governos
cumprem funções duvidosas, como espionagem e infiltração, usa ndo as artes marciais
como uma espécie de Cavalo de Tróia.

Muitas vezes, esses governos transformam as artes marciais em um canal de


expressão demagógica com infiltração em outras nações de áreas de interesse político.
Esses quatro fatores próprios desse ciclo abrem um abismo entre a humanidade e o
verdadeiro ideal das artes marciais, criando grandes contradições e deturpações e
produzindo nos seres humanos mais inteligentes uma espécie de indiferença e rejeição
indiscriminada às artes marciais.
286

f) O CICLO FILOSÓFICO OU DE RETORNO À ORIGEM

Este quarto ciclo se insere no caos do anterior e começa a preencher o vazio


existente. Caracteriza-se por sintetizar todos os aspectos das artes marciais: a magia, o
filosófico, os mistérios guerreiros, a saga de enfrentar o desafio imposto pela decadência
das artes marciais, buscando o retorno ao ciclo de ouro.

Esses ciclos têm regido as artes marciais desde sempre. Atualmente, todos os
estilos, em geral, derivam do Oriente e seus ciclos têm aproximadamente 1.500 anos.
Desde que Bodhidharma instaurou sua origem em Shaolin, posteriormente e durante
vários séculos as artes marciais oriundas deste centro mágico -iniciático serviram aos
senhores da guerra, chineses, coreanos e japoneses, para concluir com o surgimento de
muitos mestres fundadores de escolas, como Gigoro Kano, Morihei Uyeshiba, Gigin
Funakoshi, Choi-Jon-Ji, etc.

Na atualidade, nos deparamos com um fenômeno de grande expansão das artes


marciais no mundo inteiro, porém tal expansão carece de aprofundamento e de
conhecimento. Isso implica que hoje existe uma necessidade que deve ser preenchida
pelo surgimento de artes marciais filosóficas no mais verdadeiro e tradicional sentido.

Uma arte marcial se torna filosófica quando, iluminada pela filosofia à maneira
clássica, interpenetra todos os veículos da personalidade humana, de tal forma que as
técnicas relativas à arte marcial se tornam também filosóficas.

Embora a fonte da filosofia das artes marciais seja a filosofia clássica, esta se
transforma em filosofia marci al quando se adapta às necessidades da arte marcial. Essa
necessidade própria da arte marcial se manifesta através de quatro aspectos
fundamentais, que são a estrutura das artes marciais: os aspectos mágico, estratégico,
tático e técnico. Desenvolvemos est e tema de maneira suficiente no livro A Trilha
Iniciática das Artes Marciais .

Em todo caso, a arte marcial filosófica possui características que lhe são próprias
e que a diferenciam de qualquer outro sistema marcial não filosófico. A diferença
fundamental se deve a que a arte marcial filosófica possui uma concepção e uma visão
global e unitária que lhe permite gerar uma técnica independente dos opostos. Enquanto
287

que as artes marciais convencionais são de concepção binária, a arte marcial filosófica
não é binária, pois unifica os opostos através da consciência do centro.

A captação e a utilização da consciência do centro produzem uma técnica livre e


descondicionada dos fatores inerentes aos quatro veículos da personalidade humana.
Essa concepção, no físico, se manifesta como uma abertura e um caminho central que
modifica o sentido da luta marcial, já que para a arte marcial filosófica a luta é interior e
não depende da posição do adversário, mas da posição consigo próprio.

Quando isso se entende bem e se ap lica corretamente, a posição interior


modifica favoravelmente a posição exterior do adversário. No técnico, não se apóia no
físico, mas no etérico. Dessa forma, qualquer arte marcial que produza essa inversão é
filosófica e se torna um caminho válido para a compreensão dos mistérios guerreiros da
alma.
288

2) ASPECTO MÁGICO DAS ARTES MARCIAIS – AÇÃO DE


POTENCIAL INTELIGENTE

Geralmente, as artes marciais de caráter externo concebem a luta com dois


oponentes que se enfrentam através de uma série de técnicas de at aques e defesas
sucessivas, onde vence quem tiver maior destreza. Já nas artes marciais de caráter
filosófico, ou interno, o conceito da luta varia fato de existir não só uma doutrina interna
(luta interior), mas também uma visão interna diferente da exter na.

A diferença entre a visão externa e a interna é que, enquanto a externa vê as


coisas separadas (polaridade), a interna as vê unidas; enquanto a visão externa vê as
coisas em movimento, a visão interna as vê quietas e, enquanto a visão externa vê dois
oponentes, a visão interna vê apenas um.

Assim, a arte marcial interna não é uma questão técnica nem energética, mas sim
mental. Isso implica que a arte marcial interna não se desenvolve num tempo físico, mas
num tempo mental. Podemos dizer que, nas artes marciais externas, o que é energia para
o corpo físico, nas internas é vontade para a mente. Ou seja, o poder interno é um estado
de consciência onde a vontade predispõe a mente do guerreiro para resolver qualquer
conflito que venha do mundo exterior com técnicas superiores às meramente físicas.

Essas técnicas mentais se originam a partir de um tempo mental, anterior ao


tempo físico, motivo pelo qual o guerreiro adquire uma destreza que se manifesta
através de características como:

 Estar no lugar adequado, no momento justo.


 Gerar movimentos no menor tempo e na menor distância.
 Não ocupar a força, mas os defeitos de qualquer ataque.
 Ir ao encontro das situações no exato momento que elas começam a se
manifestar.
 Mudar a direção própria, livrando -se de qualquer intenção ou propósito do
adversário.
 Gerar de técnicas suaves, simples e estéticas.
289

a) AS ARTES MARCIAIS E O CÍRCULO DE POTENCIALIDADES

Esse diagrama representa o infinito. Foi o ensinamento fundamental que


Bodhidharma ensinou em Shaolin e significa:
 Consagração ao Deus Uno.
 Mistério da guerra e o respeito que o guerreiro tem por ele.
 A volta ou o retorno à origem.

i. A VIA PARALELA DE BODHIDHARMA

Pouco sabemos sobre Bodhidharma, apenas o que nos conta a lenda de S haolin.
Pelos seus traços físicos, era tibetano, de linhagem guerreira, filho de um rei e discípulo
de Panyatara, que lhe deu o nome de Bodhidharma.

Alguns comentaristas dizem que era um grande mestre de uma arte marcial
milenar, próprio da região à qual pertencia. É definido como o vigésimo oitavo patriarca
do budismo, mas, pelo que sabemos, os budistas originalmente não promoveram as artes
marciais, salvo o imperador Asoka; o resto se dedicou a uma vida de mendicância e
desapego de qualquer responsabilid ade política, militar, etc.

Concordamos com o fato de que Bodhidharma abraçou o budismo, mas que tipo
de budismo? Mahayana? Hinayana? Ou uma forma de budismo especial, conhecida
como Vajrayana?

É interessante observar, entre os japoneses, últimos recepto res dos ensinamentos


de Bodhidharma, uma clara tendência a esse tipo de budismo. É também interessante
290

que a palavra Vajra, no Japão, seja traduzida por Yawara, que significa centro de poder,
mas ao mesmo tempo “arma”, conotação original da palavra Vajra, com a qual na Índia
se designa a arma de Indra, o Deus da Casta Guerreira.

Esse cruzamento de doutrinas, por um lado budistas, por outro guerreiras, teve
seu ponto de partida em Shaolin, a partir dos ensinamentos de Bodhidharma. Isso
significa que, já no início, Bodhidharma ensinou essas duas vias paralelas, que, para ele,
devem ter sido uma e que no fundo não era nem budismo nem shaolin -tze, mas a
tradicional e antiga magia da guerra interior onde se integrava de uma forma particular e
específica a mais alta espiritualidade, a "parapsicologia", a psicologia, a destreza e o
domínio físico.

Originalmente, esse caminho ou via deve ser muito simples e natural, com o
único objetivo de harmonizar os três mundos, e suas técnicas devem ser simples,
enraizadas na vida una do começo ao fim. Entretanto, com o tempo elas foram se
complicando, se fragmentando e se especializando. Desde então, o esforço da grande
maioria dos instrutores foi juntá -las, mas uma coisa é juntar o que tem sido dividido e
outra é descobrir o que sempre foi, é e será único e genuíno.

Hoje, no mundo atual, existem muitas seitas religiosas e muitos tipos de artes
marciais, todos tão diferentes que é impossível conciliá -los, mas a via de Bodhidharma
continua impoluta, una e luminosa. É a mensagem desse grande mestre que interessa,
especialmente hoje, em que no mundo há tanta divisão, ódio e violência. É uma semente
que ficou no fundo da terra, coberta de neve, então a neve começou a se transformar em
água, a terra começou a esquentar com o sol e a semente começou brotar. Essa semente
crescerá e dará frutos, uma nova arte marcial, nova e melhor, para um homem também
novo e melhor.

ii. A MAGIA MARCIAL

 A CONSAGRAÇÃO AO DEUS INTERNO

Bodhidharma significa via luminosa, ou via de luz. Dharma é a via, o


caminho, a lei, e Bhodhi é a sabedoria, a luz do discernimento. Isso implica
291

toda uma doutrina de vida interna e espiritual, cuja fonte é a própria


divindade. De acordo com Bodhidharma, essa divindade é o próprio Eu do
homem, assento da divindade primordial e única. Assim, o Eu seria o deus
interno que ilumina o caminho do homem na busca de seu destino
transcendente.
Consagrar ao deus interno é, para o guerreiro, antes de agir e lutar,
convocar a luz desse deus interno, pronunciando seu nome e atraindo para
si próprio seu poder interno, para que guie seus passos na busca da
sabedoria. Essa consagração permite ao guerreiro canalizar o Círculo de
Potencialidade, ou seja, as virtudes e faculdades que lhe permitem
caminhar em direção ao mistério da guerra interio r.

 RESPEITO PELO MISTÉRIO DA GUERRA INTERIOR

Esse mistério se estrutura em base a quatro aspectos fundamentais: magia,


estratégia, tática e técnica. O mistério guerreiro é algo sagrado, que merece
ser considerado de uma forma muito especial, com o máximo respeito.
A invocação do deus interno se faz com o único motivo de poder viver a
marcialidade com honra, dignidade e glória. A luz do Círculo de
Potencialidade deve se manifestar para que o guerreiro possa atingir seu
destino, através de uma via luminosa na qual se exige que ele cumpra com
os seguintes requisitos: valor, responsabilidade, seriedade em todos os seus
atos, domínio da vaidade, não agir por mera curiosidade e, o mais
importante, saber quando começar a luta e quando pará -la. Como tudo o
que se aprende nesta via luminosa, isso deve ser colocado em prática e
usado como modelo de vida, evitando cair em atitudes infantis. A isto se
refere quando diz: "respeito pelo mistério da guerra".

 VOLTAR À ORIGEM

É o verdadeiro objetivo que encerra esse mistér io e que leva à purificação


do guerreiro. O combate, quando realizado com o sentido de via luminosa,
reintegra o guerreiro ao centro, que é o princípio e o fim mágico em sua
vida.
292

Uma vez ativado o Círculo de Potencialidade, ele leva, inexoravelmente,


para além do confronto consigo mesmo, no lugar do poder, onde o
guerreiro encontra sua origem primordial e o sentido da vida. Ali não é
mais guerreiro, é um, com o deus da guerra, é o único que sempre foi, é e
será: um discípulo da guerra interior.

iii. O TIGRE E O DRAGÃO

Esse diagrama representa o universo dual, o famoso combate entre o tigre e o


dragão de Shaolin. Tem um significado que podemos interpretar através de dois
axiomas que se aplicam ao combate das artes ma rciais internas.

1º axioma: o Círculo de Potencialidade inicia seu processo a nível mental quando o


guerreiro capta o 1º erro do adversário, bloqueando a técnica inicial de seu oponente.

2º axioma: existem quatro ciclos do Círculo de Potencialidade que são simultâneos e se


encontram já implícitos no início do combate, mas também se desenvolvem
progressivamente.

Esses quatro ciclos se manifestam em sincronia no mental (dragão) e no físico


(tigre), os quais mostrarei aqui através de duas colunas.
293

1º CICLO

1. O Círculo de Potencialidade não permite ansiedade, preconceitos ou desejo.

MENTE FÍSICO

Isso significa que, para canalizar o Círculo de O corpo físico deve atingir um total
Potencialidade, é preciso dominar todas as relaxamento.
flutuações da mente, como ansiedade,
preconceitos, desejos, angústias, d esespero, etc.

2. O Círculo de Potencialidade tem uma visão do ataque do adversário (código


direto), com sincronismo de defesa.

MENTE FÍSICO

O guerreiro consegue, através do Círculo de O corpo se harmoniza e gera uma


Potencialidade, interpretar de maneira simples técnica de caráter original e genuíno,
e direta o ataque do inimigo, já que neste ciclo sem condicionamentos de qualquer
o adversário não pode ocultar suas intenções. tipo, de forma que a defesa e o contra-
ataque surgem espontaneamente.

3. O Círculo de Potencialidade se bloqueia de forma diretamente proporcional à


energia canalizada nos itens 1 e 2.

MENTE FÍSICO

Nesse momento, a mente bloqueia e perde de Apesar deste bloqueio, o corpo físico
vista o Círculo de Potencialidade, em simultaneamente ataca, sem impulso e
proporção direta à quantidade de energia com continuidade. Sem impulso quer
aplicada nas duas etapas anteriores. Quanto dizer sem preparação prévia e de
maior a quantidade de energia, maior o forma coordenada com duas ou mais
bloqueio do Círculo de Potencialidade. técnicas em seqüência.

2º CICLO

1. O Círculo de Potencialidade desenvolve a iniciativa no combate.

MENTE FÍSICO

Quem canaliza o Círculo de Potencialidade Os mecanismos físicos se ativam,


assume a iniciativa no combate. definindo a distância certa para a luta,
fazendo com que o adversário tenha
que deslocar seu centro de gravidade.
294

2. O Círculo de Potencialidade aporta motivação para lutar para além dos limites
com alegria.

MENTE FÍSICO

A mente se torna mais receptiva, rápida e As técnicas se tornam versáteis,


criativa. superando qualquer técnica de defesa.

3. O Círculo de Potencialidade estabelece um ritmo e um contra -ritmo


simultaneamente.

MENTE FÍSICO

A mente adquire um grau de genialidade e As técnicas dispersam o poder de


imprevisibilidade. concentração do adversário.

4. O Círculo de Potencialidade define o código de sinais indireto (C.S.I.)

MENTE FÍSICO

O subconsciente vem à tona e gera a simulação Agora não existem golpes sem
entre os adversários para se enganarem sentido, todos eles têm um alvo
mutuamente e, ao mesmo tempo, interpretarem definido.
os ataques.

5. O Código de Sinais Indireto é bloqueado por vaidade e modelo exterior.

MENTE FÍSICO

A mente se bloqueia por esses fatores, que Se o C.S.I. não é bloqueado, o


devem ser controlados para gerar uma nova guerreiro desenvolve uma técnica
canalização. global de características próprias,
gerando a técnica genuína.

6. O Código de Sinais Indireto é su bliminal, surge como ação reflexa.

MENTE FÍSICO

O conteúdo do mental se torna intuitivo. A técnica cria uma inversão nas


técnicas de ataque do adversário,
transformando-as em defesas.
295

7. A agressividade anula o poder do adversário.

MENTE FÍSICO

A agressividade mental assume o comando da Começa a definição da técnica do


situação, ditando as regras do combate. centro.

3º CICLO

1. O Círculo de Potencialidade mostra o centro.

MENTE FÍSICO

A partir de agora, surge a percepção da via do As técnicas agora roubam o centro do


centro. adversário, anulando seu Círculo de
Potencialidade.

2.

MENTE FÍSICO

A mente se concentra na busca do centro. O físico aciona seus mecanismos de


eficiência.

3. A energia começa a fluir.

MENTE FÍSICO

A mente abre seus canais através dos outros A energia começa a fluir nas virilhas,
veículos. com deslocamentos angulares.

4. A mente ganha profundidade e irrompe no centro do oponente.

MENTE FÍSICO

Cria-se uma visão total que quebra a guarda do As técnicas começam a ser realizadas
adversário. com todo o coração.
296

5. Domínio do centro do adversário significa lógica seqüencial de combate.

MENTE FÍSICO

Conquistado o centro, surge a fluidez e a O corpo se descondiciona e vibra em


precisão com uma seqüência lógica. todas as suas partes simultaneamente.

6. O Código de Sinais Indireto cria iniciativa total.

MENTE FÍSICO

Total iniciativa com desenvolvimento Técnica de alvo móvel com total


estratégico. relaxamento físico.

4º CICLO

1. O Círculo de Potencialidade gera cri atividade e plano de luta por objetivo, com
potência total, sacrifício da energia e motivação de vitória total.

MENTE FÍSICO

Criação de ataque com objetivos claros. O Desenvolvimento da técnica inusitada e


C.S.I. se torna busca da vitória com toda a inibição da resposta do adversário.
energia disponível.

2. Criatividade surge do sentimento de ida sem retorno.

MENTE FÍSICO

A mente vê o fim. Técnicas ao coração do adversário.

3. Impostação e sacrifício do corpo em beneficio da vitória.

MENTE FÍSICO

Definição total da luta e consciência do Técnicas de Kiai, ou grito marcial.


mistério da guerra com entrega total.
297

b) O CONCEITO FILOSÓFICO DA GUERRA

Embora nossa cultura moderna não aceite a guerra, ela continua existindo de
forma sorrateira e escura e, embora todos tentem evitá -la, ela escorrega e explode em
qualquer lugar e em qualquer momento.

Esse fato nos assinala um limite que os homens comuns não têm poder para
ultrapassar e, ao mesmo tempo, um derradeiro caminho natural pelo qual a guerra
avança de forma independente à vontade do homem.

A filosofia das artes marciais ensina que a guerra é um evento da natureza,


devido à existência da dualidade cósmica, ou seja, essas duas forças polarizadas que são
o espírito e a matéria, como duas esferas que gi ram em sentido contrário e que, quando
se tocam, geram uma convulsão.

Em relação ao homem, as artes marciais ensinam que ele é o ponto de contato


entre essas duas forças, ou seja, que entre o espírito e a matéria haveria algo que é o
ponto de encontro ou encruzilhada que denominamos homem. O conceito do homem,
culturalmente falando, é muito importante nesta questão e, dependendo de suas
variações, será o tipo de mediação que acontecerá em relação a essa convulsão.

É fundamental, nesse sentido, conhecer a verdade do homem e, para isso,


devemos remontar às origens de tudo, ao ponto de partida onde tudo começou.

i. A CRIAÇÃO

Todas as tradições falam das origens como sendo uma guerra que aconteceu no
céu entre os próprios deuses, que, divididos em duas funções gerais, se confrontaram
para gerar o mundo. Essas duas funções mencionadas correspondem às funções que
surgiram a partir das duas forças anteriormente citadas: a espiritual e a material. De
acordo com isso, nos ensinam que os deuses criadores correspondem a duas categorias:
os que criam materialmente e os que criam espiritualmente.

Os deuses que criam materialmente são os da forma, os que dão os veículos


materiais ao homem. Os deuses que criam espiritualmente são os que aportam com os
elementos espirituais e com o ego ao homem. A partir daí, se estabelecem os dois pólos
contrários e, como conseqüência, a guerra no interior do homem.
298

ii. A EVOLUÇÃO

A evolução é na verdade o conceito esotérico que tanto o universo quanto o


homem manifestam para além da criação, já que ela, a criação, é simplesmente
simbólica e exotérica.

Nem o universo nem o homem foram criados do nada; tanto um quanto o outro
emanam através da evolução, que em si mesma contempla a guerra como um sistema de
destruição-regeneração constante e per iódico. A guerra é, então, um princípio da
natureza que se estabelece como alavanca e impulso de todas as coisas, devido ao fato
de que, para que algo nasça, algo tem que morrer.

Os dois pólos, espiritual e material, representam respectivamente a força


centrípeta, que se opõe harmoniosamente, e a força centrífuga. Esta oposição se instaura
periodicamente, sendo que às vezes vence uma tendência sobre a outra. A partir daqui,
se estabelece a guerra como princípio em todas as coisas, desde as galáxias até os
átomos.

De alguma forma, este princípio é a transformação permanente que encontramos


na natureza. Sendo assim, a humanidade não está isenta desta transformação, que se
manifesta nas diferentes raças humanas e principalmente no ego humano.

A guerra não implica violência ou brutalidade, isso se deve à ignorância


humana, já que qualquer homem que assume esse mistério da guerra interior comanda
as transformações de si mesmo em equilíbrio e externamente em paz. Mas quando o
homem não se conhece a si próprio e foge da sua responsabilidade de evoluir, ou seja,
de se aperfeiçoar, então engendra violência contra os demais, contra a natureza e contra
si mesmo.

A guerra do ego humano é a constante oposição das virtudes humanas em


relação aos vícios, instintos, hábit os e todos os mecanismos da personalidade
comandados pelo egoísmo. As virtudes do ego são valores espirituais comandados pelo
espírito humano, que, esotericamente, é o espírito da guerra interior.

Na medida em que as paixões egoístas morrem, nascem os pod eres latentes e


espirituais do homem. Isso é uma guerra no sentido filosófico e, no fundo, implica que,
na medida em que a morte toma conta do inferior no homem, o superior e permanente
299

surge do fundo do mistério humano, transcendendo a morte da personalid ade para


atingir a imortalidade do guerreiro -filósofo.

iii. A IMORTALIDADE

As artes marciais são, do ponto de vista filosófico, o caminho da guerra interior,


através do qual o guerreiro conquista seu aspecto espiritual sobre o material,
promovendo, com a morte do inferior, a imortalidade do superior.

É através da iniciação mágica que o guerreiro se torna imortal, reunificando -se


finalmente com o espírito marcial. A iniciação mágica é o fruto, a meta e o ideal da
filosofia marcial e se encontra no fim do camin ho das artes marciais.

c) AS ESCOLAS DE ARTES MARCIAIS

Originalmente, as escolas de artes marciais surgem como uma necessidade de


canalizar homens e mulheres de natureza marcial ou guerreira, com o objetivo de treiná -
las para defender e proteger os mais alt os ideais do Estado. São instituições públicas
prenunciadas oficialmente pelo Estado, onde se transmitem conhecimentos variados que
apontam para a formação integral dos indivíduos que logo formarão parte dos quadros
de dirigentes políticos. Como exemplo di sso, temos escolas como o Calmecal, entre os
maias e astecas, Shaolin, entre os chineses, etc.

Com o tempo e a perda dos valores unificadores do Estado, esta instituição se


fragmenta e se espalha por escolas familiares que se constituem na casa de algum
mestre de artes marciais que continua transmitindo conhecimentos para educar grupos
reduzidos de jovens.

Finalmente, os intercâmbios culturais, comerciais e as próprias guerras de


ocupação se encarregam de popularizar esses conhecimentos por meio de centro s
esportivos onde se desenvolvem apenas os aspectos técnicos desta tradição. É a atual
situação em que se encontram hoje as escolas de artes marciais.
300

i. PERÍODO FILOSÓFICO DE TRANSIÇÃO

É um fato conhecido por todos que, hoje em dia, uma escola de artes mar ciais
não é sinônimo de comportamento moral, nem de desenvolvimento de virtudes
cavalheirescas, onde possamos encontrar homens superiores. Isso se deve ao fato de
considerar as escolas de artes marciais como espécie de ginásios, onde os interessados
trabalham com uma série de técnicas físicas e repetitivas até a exaustão. Dificilmente
achamos ginásios com bibliotecas, salas de aulas, museus e atividades relativas a esses
espaços culturais.

Mais difícil ainda é que essas escolas tenham, além das práticas fí sicas, um
calendário de atividades filosóficas e culturais variado e extenso para equilibrar,
enquanto interesse, o espiritual e o psicológico com o físico e o técnico.

Por outro lado, é comum ouvirmos que o poder do homem que pratica artes
marciais radica única e exclusivamente no treinamento físico, sem considerar elementos
como a disciplina, a formação do caráter, os valores idealistas, a honra, a retidão, a
benevolência, a justiça etc.

Não resta dúvida de que um homem que possua tudo isso, mais os
conhecimentos técnicos necessários, será muito mais poderoso do que um homem
comum, que só sabe usar seu corpo. Mas também existe uma grande diferença entre o
homem comum que usufrui da tecnologia e o homem superior. Essa diferença só pode
ser salva através de um processo cultural e filosófico e do desenvolvimento de um
caminho de militância idealista das artes marciais.

ii. CONSAGRAÇÃO DO ESPAÇO DAS ESCOLAS


DE ARTES MARCIAIS

É importantíssimo e necessário criar condições para canalizar o espírito


filosófico de transição e, para isso, deve ser criado um espaço íntimo, de recolhimento
característico de uma escola de artes marciais. Este espaço não só é físico, mas também
psicológico e espiritual e constitui uma arte muito acurada onde se mistura o espaço
301

arquitetônico com os ritos e cerimônias e, o mais importante, um instrutor filósofo que


saiba catalisar e canalizar esse espírito filosófico de transição.

iii. O ESPÍRITO FILOSÓFICO DE TRANSIÇÃO

Isto implica uma educação e formação marcial integral e filosófica que permita
aos discípulos desenvolver a vocação heróica através de um esforço permanente para
superar as limitações do homem comum, e o desenvolvimento de comportamentos que
sejam semelhantes ao dos homens superiores.

O espírito filosófico de transição é pró prio de discípulos no verdadeiro sentido


do termo, ou seja, de homens e mulheres de condição guerreira que assumem desafios
de nível para instaurar um processo onde as Artes Marciais se desenvolvam
filosoficamente, de tal forma que a direção seja de retorn o às origens.

d) A FILOSOFIA DAS ARTES MARCIAIS

A doutrina filosófica das artes marciais é também denominada a Doutrina dos


Cinco Elementos e possui características alquímicas, ou de transmutação. Podemos
sintetizá-la através de dois esquemas, um relativo à natureza como um todo e o outro
relativo ao homem:

FIG. 1

ÉTER

FOGO AR

TERRA ÁGUA

NATUREZA
302

FIG. 2

EU

MENTAL EMOCIONAL

ETÉRICO
FÍSICO VITAL

HOMEM

Podemos falar da natureza como um todo, desde que se compreenda primeiro o


homem, já que precisamos de um refere ncial para então podermos nos relacionar
harmoniosamente e esse referencial somos nós mesmos, inseridos nos cinco elementos.

Quando concebemos o homem pelo ponto de vista da Doutrina dos Cinco


Elementos, o ponto mais alto, o ponto do poder humano é o cent ro ou o que na figura 2
se descreve como o Eu. É por essa razão que o objetivo mais importante é lograr a
centralização. Toda técnica, prática ou estilo de artes marciais persegue o objetivo de
centralização da mente no Eu e, para isso desenvolvem o Caminh o (DO), que é um
caminho paulatino de concentração. Cada um dos elementos que compõe o homem
possui um ponto de equilíbrio, devido ao fato de que em cada um deles existe o
caminho para o centro. O importante, então, é poder entender como o centro se
manifesta em cada um desses elementos.

Como isso é algo que podemos saber até um certo limite, começarei exatamente
por esse limite, o nosso corpo etérico -físico, ou o mais denso dos cinco elementos.

i. POR QUE CHAMAMOS NOSSO CORPO DE


ETÉRICO-FÍSICO?

Isso se deve a que nosso corpo se compõe de dois elementos: as partículas que o
compõe, ou a substância física propriamente, e a forma do corpo, ou a carga
eletromagnética que aglutina as partículas dando a forma que é característica do corpo
humano. Esse fenômeno é semelhante ao do ímã e as limalhas. Sendo o ímã um campo
303

de força eletromagnética, ele agrupa, de acordo com sua própria forma, as partículas ou
limalhas de ferro.

FIG. 3

Na figura 3, vemos os dois elementos que comp õem o corpo humano: a parte de
dentro é o físico e o que sobressai é o etérico, que, pelo fato de ter mais potência, se
estende 2 ou 3 cm para além do físico.

Considerando esse conhecimento, podemos dizer que o etérico é o que contém o


físico, ou seja, é seu centro.

ii. COMO PODEMOS CONCEBER, ENTÃO, O CAMINHO DO


CORPO ETÉRICO-FÍSICO NAS ARTES MARCIAIS
QUE NOS PERMITA TER ACESSO AO CENTRO?

Para localizar um centro, precisamos de dois vetores de força, um vertical e o


outro horizontal.

FIG. 4
304

Na figura 4, vemos o primeiro vetor vertical, que no corpo corresponde à coluna


vertebral.

FIG. 5

Na figura 5, vemos o segundo vetor horizontal, que no corpo correspon de à


articulação do externo.

FIG. 6

Na figura 6, vemos a intersecção do vetor vertical e horizontal e, por


conseqüência, o centro etérico -físico.
305

iii. O PONTO AGORA É: COMO PODEMOS NOS


CENTRALIZAR NESSE CENTRO?

Para conseguir essa centralização, existe uma técnica filosófica que é a técnica
do centro, que consiste em relacionar, de forma simultânea e coordenada, os dois
vetores, o vertical e o horizontal.

A coluna vertebral (vetor vertical) se divide em quatro zonas :

FIG. 7

O vetor vertical exige que cada uma dessas zonas seja tratada de uma maneira
específica, de tal forma que a coluna se mantenha relaxada e fluida em todas as suas
zonas. Para isso, é necessário dominar a Técnica dos Sete Passos. A língua no céu da
boca (Circulação) controla a zona coccígea; a saída e a entrada do ar no ventre (Fluxo)
controlam a zona lombar; o ritmo sanguíneo e cardíaco (Pulso) controla a zona dorsal e
o fluído nervoso (Irradiação) contr ola a zona cervical. Os três passos consecutivos
(Iluminação, Focalização e Polarização) controlam o cérebro e suas glândulas.

Junto com isso, o vetor horizontal (que representa não só a articulação do


externo, mas todas as articulações do corpo, que são um misto de partículas físicas e
forças etéricas) se desenvolve através da técnica das articulações, que, quando é
aplicada, liberta os músculos e os ossos de todo tipo de tensão, relaxando e se soltando.

A Técnica do Centro consiste, então, em realizar t odo e qualquer movimento e


prática de artes marciais aplicando a técnica vertical e horizontal simultaneamente.
306

FIG. 8

Corresponde ao centro no etérico físico, que é ao mesmo tempo símbolo de


todos os outros centros dos demais elementos. A Técnica do Centro é trabalhada de
forma direta pelos módulos da Ação de Potencial Inteligente.
307

CAPÍTULO II

1) TEMA I

a) A AÇÃO DE POTENCIAL INTELIGENTE

Do que foi dito no capítulo anterior, podemos concluir que se torna necessário
um elemento sintético que reúna a tradição das artes marciais – que hoje está esparsa e
fragmentada – com um caráter mágico. No atual momento histórico, é fundamental
desenvolver um estudo esotérico das artes marciais que permita aos praticantes se
defrontarem com o mistério de tal forma que possa ser viabilizada a trilha de retorno às
origens.

A Ação de Potencial Inteligente representa uma visão interior das artes marciais
e um diálogo direto com seu espírito, um Satori, como bem expressam os japoneses,
porém um Satori não só contemplativo, mas guerreiro.

b) A AÇÃO DE POTENCIAL INTELIGENTE E SEUS PRINCÍPIOS

A dificuldade que encontramos para transmitir esse segredo é metodológica, já


que a visão do Potencial Inteligente é intransferível. Porém, é possível c riar um sistema
que sirva de ponte para gerar as condições de conquistar uma intimidade com o
Potencial Inteligente.

Essa metodologia se divide em dois aspectos, que são os princípios da Ação de


Potencial Inteligente e os Módulos da Ação do Potencial Inte ligente.

i. OS PRINCÍPIOS DA A.P.I.

Representam o aspecto subjetivo do método. Compõem -se de duas partes, sendo


que cada uma delas é composta por três aspectos.
308

A primeira parte se compõe de princípios físicos, psicológicos e espirituais e a


segunda parte se compõe dos preceitos de ouro para o combate livre na Ação de
Potencial Inteligente, da Ação de Potencial Inteligente e a não -violência e de reflexões
da Ação de Potencial Inteligente.

ii. OS MÓDULOS DA A.P.I. KO - REVOLUÇÃO.

Representam o aspecto objetivo do método e se compõem de dois níveis com


sete módulos cada um. Cada módulo consiste em uma série de práticas para faixas
pretas ou praticantes avançados e familiarizados com o caminho filosófico. Cada
módulo tem um objetivo relacionado com o desenvolvimen to da consciência do
praticante.

c) OS OBJETIVOS DOS MÓDULOS DA A.P.I.

O método do A.P.I., como já foi descrito no capítulo anterior, se fundamenta


numa realidade interior não dualista, cujo caminho preliminar considera o corpo físico
composto de dois aspec tos: a substância física propriamente dita (físico) e sua forma
(etérico).

A substância é composta de partículas aglutinadas e a forma é a força


eletromagnética que as agrupa. Os objetivos gerais dos módulos são criar um circuito de
energias entre o físico e o etérico com finalidades regeneradoras e acelerar esses
circuitos etérico-físicos com a finalidade de criar um campo único, homogêneo e
poderoso.

i. OBJETIVOS DOS SETE MÓDULOS


DO PRIMEIRO NÍVEL

 Verticalização da energia interna do praticante.


 Concentração da energia no centro 2 (7ª cervical).
 Direcionalidade da energia.
 Impostação da energia.
309

 Aplicação da energia.
 Domínio da energia.
 Liberação da energia.

ii. OBJETIVOS DOS MÓDULOS


DO SEGUNDO NÍVEL

 Transferir a energia do etérico para o físico e vice -versa.


 Captar o campo etérico.
 Descobrir os sentidos etéricos.
 Desenvolver o sentido periférico do etérico.
 Definir o centro etérico.
 Dominar o centro etérico.
 Canalizar o centro etérico.

d) OS MÓDULOS DO PRIMEIRO NÍVEL

MÓDULO 1 - VERTICALIZAÇÃO DA ENERGIA:

 - Os sete passos
 - Respiração dos três mundos
 - Chikung do coração
 - Os quatro dragões
 - Respiração do sol
 - A tigela e a coluna de luz
 - O som de Buda

MÓDULO 2 - CONCENTRAÇÃO DA ENERGIA:

 - Os sete passos
 - Respiração abraçando a lua
 - Chikung do centro 2
310

 - Técnicas dos três mundos:


 - Respiração do bambu
 - Chikung dedos por dentro
 - Técnicas com interceptação com grito
 - Respiração do arqueiro
 - Chikung do coração
 - Técnicas de percepção interna
 - O silêncio de Buda

MÓDULO 3 - DIRIGIR A ENERGIA:

 - Os sete passos
 - Respiração da flecha
 - Chikung dedos por dentro
 - Técnicas inusitadas
 - Técnica da moeda
 - Respiração do bambu
 - Chikung dedos por fora
 - Chegar juntos
 - Som e silêncio do Buda

MÓDULO 4 - IMPOSTAR A ENERGIA:

 - Os sete passos
 - Respiração dos três mundos
 - Chikung do centro 3
 - Caminhar à guerra
 - Respiração do arqueiro
 - Chikung 50 toneladas
 - Braço, cotovelo, anel, pescoço e corpo Nei Kung
 - Respiração abraçando a lua
 - Chikung do centro 3
311

 - Simbolismo do centro
 - Técnica do centro
 - Técnica de som e imagem

MÓDULO 5 - APLICAR A ENERGIA:

 - Os sete passos
 - Condicionamento para combate
. Técnicas de soltar
. Técnicas de carregar
. Luta aberta
. Luta ao ponto
 - Meditação do mundo

MÓDULO 6 - DOMINAR A ENERGIA:

 - Os sete passos
 - Controle músculo-relaxamento
 - Técnicas de desvio
 - Técnicas de força nas pernas
 - Respiração do Sauce
 - Técnicas lúdicas
 - Respiração do cisne
 - Meditação do mundo

MÓDULO 7 - LIBERAR A ENERGIA:

 - Provas de coragem na natureza.


312

e) OS MÓDULOS DO SEGUNDO NÍVEL

MÓDULO 1 - TRANSFERÊNCIA DA ENERGIA:

 - Os doze passos
 - Técnicas da estátua articulada
 - Luta articulada com a técnica do centro
 - Uso das articulações sem músculos
 - Jogo de articulações
 - Meditação dos cinco elementos

MÓDULO 2 - CAPTAÇÃO DO CAMPO ETÉRICO:

 - Os doze passos
 - Respiração dos três mundos
 - Chikung centro 2
 - Respiração do sol
 - Leitura pela planta dos pés
. Ronda
. Antecipação
. Chegar juntos
. Articular
 - Deslocamentos angulares
 - Luta com os sete passos
 - Meditação dos cinco elementos

MÓDULO 3 - DESCOBRIR OS SENTIDOS ETÉRICOS:

 - Os doze passos
 - Respiração dos três mundos
 - Chikung do centro 2
313

 - Respiração do sol
 - Triângulo leitura interior
 - Luta no triângulo
. Antecipação
. Bloqueios
. Bloqueios e contra-ataques
 - Luta triangular
. A dança do guerreiro
 - Meditação dos cinco elementos

MÓDULO 4 - SENTIDOS ETÉRICOS PERIFÉRICOS:

 - Os doze passos
 - Respiração dos três mundos
 - Chikung do centro 3
 - Respiração do sol
 - Condicionamento de combate
 - Percepção no centro-círculo
 - Luta total
 - Meditação dos cinco elementos

MÓDULO 5 - DEFINIÇÃO DO CENTRO ETÉRICO:

 - Meditação dos três centros


 - Integração dos dois vetores
 - Técnica do corpo sem sombra
 - Troca do referencial físico pelo etérico
 - Luta contra vários adversários (simultaneamente)
314

MÓDULO 6 - DOMÍNIO DO CENTRO ETÉRICO:

 - Meditação dos três centros


 - Integração dos dois vetores
 - Apagar velas com força etérica
 - Cortar com armas sem corte
 - Luta contra vários adversários
 - Meditação do coração

MÓDULO 7 - CANALIZAR O CENTRO ETÉRICO:

 - Provas de valores em situações da vida onde há que ir até o final,


encarando todos os desafios até a vitória, na defesa de valores éticos,
idealistas, etc., de acordo com os princípios e as leis do caminho.
315

2) TEMA II

a) OS PRINCÍPIOS DA A.P.I. - PRIMEIRA PARTE

Correspondem a uma visão intuitiva da vida, da natureza e do homem e


caracterizam seu corpo etérico, gerando um descondicionamento do corpo físico e
aumentando consideravelmente seu potencial. No corpo et érico está o segredo das artes
marciais e seu caminho interno, a energia do artista marcial que deve ser canalizada
através do corpo físico. Essa é a razão pela qual um homem de constituição física menor
pode derrotar outro de constituição física maior.

i. PRINCÍPIOS FÍSICOS NA AÇÃO DE


POTENCIAL INTELIGENTE

1. Descondicionando o corpo, mantendo independente e natural a respiração,


pacificada a emoção, vazia a mente, compreenderás que a Ação de Potencial
Inteligente é a Arte de Viver.

2. Na natureza há um mome nto próprio para cada coisa, no qual todas as


energias fluem de maneira natural e, desta maneira, ela se manifesta
constantemente harmônica.
O homem busca continuamente esse momento, escutando a voz de seu
desejo, que lhe fala de carência e, no entanto, es se momento está
ininterruptamente e não o percebe. O artista do Potencial Inteligente
deve aprender a escutar seu desejo correto, que lhe fala de totalidade e que é
sua própria voz interior lhe falando constantemente sobre a naturalidade.
Foge, então, de todo movimento estereotipado e esquemático que te impeça
de sentir o fluir das energias de maneira natural e harmônica, tanto em teu
corpo físico como nos demais níveis. Isto, na Ação de Potencial Inteligente,
se chama "o fluir do Sol e da Lua de maneira na tural", o qual determina a
união de ambos e que é tua própria união. Experimentá -lo é nossa tarefa.
316

3. O neófito, quando atua, excede com sua resposta o estímulo que gerou sua
ação, ou não o alcança. No primeiro caso, onde permanece a energia
excedente? No segundo, onde está a energia para a ação? Ambos os casos têm
um efeito similar: a ineficiência. O artista do Potencial Inteligente nem
ultrapassa o estímulo nem tampouco fica abaixo dele. Emprega o necessário e
conveniente e sua resposta é a correta. Além disso, logra o mais alto dos
princípios, que é o de ocupar a energia que as circunstâncias lhe provêm,
guardando constantemente sua energia. Isso é eficiência.

4. Não imites a rocha, mas tampouco deves imitar o mar. A primeira é tosca e
rígida, dando uma aparência de indestrutibilidade. A segunda é persuasiva em
sua constância, já que logo destrói o escarpado, no entanto é lenta e sua ação
dura séculos. Tu podes ser ambos, ou seja, possuir a dureza da rocha e a
penetração do mar em um só instante.

5. Os membros do corpo têm articulações, mas os músculos são como látegos e


descansam nos tendões. Esse movimento de descansar nos tendões pode ser
um lategaço, mas cuidado para que as articulações não se danifiquem, já que
elas existem somente para possibilitar o movimento dos membros, e os
músculos e tendões são seu efeito.

6. O mangusto vence a cobra porque realiza o movimento do ponto em que se


encontra, desenvolvendo toda a sua capacidade no trecho mais curto possível,
ao contrário da cobra, que move sua cabeç a primeiro para trás e depois para
frente.

7. A natureza é sempre mais constante que suas formas, daí a mudança. A vida é
mais ágil que as criaturas inconscientes, daí o sofrimento. Somente a
consciência permanece estática e eternamente dinâmica. Portanto, evite toda
ação reflexiva que não tenha sido previamente compreendida na quietude da
consciência. Se ainda assim não triunfares, não te importas, já que no final teu
triunfo será eterno.
317

8. A agressão é produto do instinto; a paz, da inteligência. Na natu reza, o rei é a


inteligência e o instinto, subordinado a ele, lhe serve. Quando o instinto não
se submete à inteligência, a seleção natural sempre o detém, destruindo a
forma imperfeita que o contém. A energia liberada sempre se resolve em
favor da inteligência, já que ambas são da mesma natureza. O artista do
Potencial Inteligência, diante da agressividade do instinto, deve permanecer
em paz, transbordante de inteligência e, dessa maneira, o agressivo será
canalizado em um bem comum.

9. Na natureza sempre existe um eixo que mantém e permite a fluidez da


energia. Em sua evolução, a natureza vai mudando seu eixo de lugar como
uma carroça que, mantendo os eixos no mesmo lugar em relação a si mesma e
considerando que o ponto de ontem já não é o de hoje, mantém seu eixo no
instante atual, o que lhe permite avançar. O praticante do Potencial
Inteligente deve saber que, como a carroça, ele tem quatro rodas internamente
e que o eixo que moveu as artes marciais no passado está agora em outro
lugar. Portanto, o que ontem foi o ponto três, agora descansa no ponto dois,
que é a alavanca exata para elevar a natureza humana à divina.

10. Na Ação de Potencial Inteligente, a liberdade se manifesta através da criação


espontânea; ao desejo se antepõe a inércia; à inércia se an tepõe o desejo. O
artista do Potencial Inteligente está além dos dois, pousado na harmonia.

11. O furacão irrompe de improviso com toda a sua potência em continuidade,


mas, para conseguir isso, deve se associar ao ar, que não é potente, mas
inagarrável. Assim, da máxima quietude do céu surge a luz do relâmpago
enceguecedor.

12. Cada artista da Ação de Potencial Inteligente é perfeito em sua


individualidade e se manifesta de acordo a si mesmo, resolvendo -se
livremente em sua peculiar natureza. Desta forma, a escola é indefinível na
individualidade, mas se manifesta no conjunto, sendo, assim, uma escola sem
esquemas.
318

13. Quando o artista do Potencial Inteligente aprende e domina o ponto dois, é


como uma mangueira enrolada que, ao sair a água com toda a pressão , se
endireita e cumpre sua função, ou seja, a de regar. O artista do Potencial de
Inteligência consegue, então, alinhar sua natureza e, com isso, começa a fluir
livre e espontaneamente a ação que o conduz suavemente ao ponto onde
alcança sua maestria. O p onto dois é cor-de-rosa e tem a natureza da
compaixão e do amor para todos os seres e, em seu pulsar, todas as coisas
vivem.

ii. PRINCÍPIOS DE MEDITAÇÃO NA AÇÃO DE


POTENCIAL INTELIGENTE

1. Se concentrares tua mente num ponto determinado e "quieto", qualquer q ue


seja este, toda a energia irá somente para ele. A vida que não se encontra em
nenhum ponto e ao mesmo tempo em todos nos desconhecerá e tua vida será
apenas um processo, e processo é mudança. Deves, portanto, encontrar o
ponto que está em todas as coisa s e cujo círculo não está em nenhuma. Este
ponto é o Eu que permanece sentado no centro de teu próprio coração em
ação.

2. O homem é como uma coluna de luz que vai da terra ao céu. No céu, brilha o
Pai ou o Espírito; na terra, a Mãe ou a Matéria; no meio, o filho, que és tu.
Reunifica o Pai e a Mãe em teu próprio coração e tudo o mais te será dado
por acréscimo.

3. No coração humano existem três impulsos ou motores de ação: o da liberdade,


ou poder de mudança, que é azul; o da sabedoria, ou da conservação, que é
amarelo; e o do amor, ou da criação, que é cor -de-rosa. Para alcançar a
realização, deves conhecer o tempo exato e legal em que deves usar cada um
deles e então compreenderás que os três são um, "a consciência de ti mesmo".
319

4. A mente nos fala de con veniência; o coração, de amor. Ponha a mente no


coração e a conveniência se transforma em Lei de Necessidade; e ela é a voz
de teu Mestre, que fala de eternidade. O grande iluminador, então, está
constantemente diante de nós; pratica no coração e o verás, uma vez que o
vejas e sintas, segue-o.

5. Antes de começar a meditar no coração deves haver aprendido a perdoar -te a


ti mesmo e a aceitar-te como és. Com isto, terás perdoado a todos os que no
passado te castigaram ou perseguiram; então, se puderes estende r a mão
àquele que ontem foi teu inimigo, terás realizado com o coração, em um
instante, o que outros com a mente demoram vidas e vidas. Esta é a
verdadeira meditação no coração; pois teu coração e o de CRISTO são uno;
ele perdoou, por que não tu?

6. Porém, se ainda isso te é difícil realizar, não importa, medita no coração. A


compreensão é mais que suficiente, o Eu te proverá de todo o resto, desde teu
próprio coração.

7. A meditação no coração é o caminho do meio:


 Retas palavras
 Retos pensamentos
 Retas intenções
 Reta conduta
 Retos meios de vida
 Reto esforço
 Reta atenção
 Reta concentração
Tudo isso sem esforço, naturalmente, somente sentindo teu Deus interno no
coração. A natureza do Buda é a de todos os homens.
320

8. Se em ti existe a dúvida, o temor e a ang ústia, significa que tua mente se


voltou ao mundo ilusório do tempo e do espaço, ou seja, que evadiste até o
passado que descansa a um palmo abaixo de teu coração e que espera tua
descida para te acorrentar. Ou que projetaste até o futuro que se encontra a
um palmo acima de teu coração e que aguarda para te escravizar. Que
diferença há entre um e outro? Nenhuma, e tudo isso podes evitar conhecendo
um pouco de anatomia oculta e estética metafísica.

9. Abrir o ciclo da meditação do Potencial Inteligente é sab er destruir a criação


passada, eternizando-a na alma de quem a gerou. Simbolicamente, será
queimado esse livro que nos fala de passado e de futuro, mas não de presente
eterno. E, assim, tanto um como outro permanecerão sempre no coração do
instrutor, que o compreenderá no eterno aqui e agora: e seu livro se abrirá
para sempre.

10. A filosofia que conduz ao coração do Ser, em teu próprio coração, é uma
filosofia prática, que não endoculturiza, mas toma os elementos atuais que o
homem moderno possui e os orde na, fazendo com que a Unidade brilhe
diante de ti dia e noite. O contrário é uma filosofia pouco prática. O
intelectualismo conduz à mente e esta é ilusória. A filosofia prática é o
simples e direto caminho que te conduz ao coração; entre dois pontos, o
caminho mais curto é a reta e esse é o caminho do meio, em teu próprio
coração, a serviço dos demais.

11. Quando do Uno emanaram todas as coisas, estas vieram num rio de vida, que
segue seu curso e tu vais sentado em tua própria barca celeste, levando
somente o timão. Para quê remar a favor da corrente? Não é verdade que não
tem sentido? Bem, o que deves fazer agora que o conheces é contemplar a
paisagem que circunda a corrente, contemplar os altos e verdes pinheiros, os
austeros cumes nevados, as brincalhona s carpas que saltam na corrente, as
travessas gaivotas que te seguem, pois tua alma sabe que cedo ou tarde a
corrente te conduzirá ao oceano imaculado da luz eterna. Tudo isso está em
321

teu próprio coração, a presença de Deus, o Eu Sou e o fluir harmônico da


vida. Sabe que o timão é teu coração e este é tua própria Lei, que se manifesta
através do desejo, que te conduz à bem -aventurada Sede. Ilumina e serás
iluminado!

12. Enquanto tua mente divagar em como ajudar os demais, a Unidade não
brilhará em ti. A verdadeira meditação é aquela na qual fluis constantemente
no serviço desinteressado à humanidade. O fluir constantemente refere -se a
que tu podes servir natural e espontaneamente, sem que exista separação entre
o pensamento e a ação que realizas. A ponte atu al estendida na eternidade
pelos Mestres de Sabedoria é o coração humano e nele radica o mistério da
meditação.

13. Antes de aspirar a Deus, ou melhor, antes de aspirar ao superior, pensa, como
homem que és, no coração. Compreende isto será coerente com tu a própria
natureza e, a partir daí, ascende, agora, com paciência, até Deus, pois Este se
encontra no coração do homem. Vive em teu coração, dentro de teu coração e
verás que não existe dentro nem fora! O objetivo e o subjetivo se resolvem no
ser. O Eu Sou: tu e o coração são uma mesma coisa. Meditando em teu
coração apressas a vinda do Senhor do Mundo e tomas parte no plano divino.

iii. PRINCÍPIOS ESPIRITUAIS DA ARTE DA AÇÃO DE


POTENCIAL INTELIGENTE - ARTE DA ALMA

1. A Ação de Potencial Inteligente é como uma ponte estendida no tempo desde


o eterno; através dela descem os sonhos divinos dos imortais, até o sonho do
mundo dos mortais. Os sonhos dos mortais ascendem por ela, divinizando -se.
Não temas sonhar, enquanto teus sonhos forem melhores que o sonho ilusóri o
do nascimento e a morte. Não temas errar, pois a Ação de Potencial
Inteligente enquadra teus sonhos dentro de um mundo ideal.
322

2. A Ação de Potencial Inteligente se mostra somente através de estéticos e


harmônicos fenômenos físicos, mas sempre desde a ess ência interna de todas
as coisas e dá forma à relação do homem e do cosmo, com a natureza do
Absoluto.

3. A arte é uma expressão de vida que transcende no tempo e no espaço. Nós


devemos utilizar nossa própria alma através da arte, para dar uma nova forma
e um novo significado à natureza do mundo.

4. A expressão do artista do Potencial Inteligente é sua alma cristalizada, seu


passado condicionado, mas também seu futuro implícito, sempre
manifestando seu ser no presente eterno, através de cada movimento. Assi m,
a música de sua alma se manifestará, pois de outra maneira todo movimento
será vazio e o movimento vazio é como a palavra vazia que não guarda
significado. Elimina todo pensamento pouco claro e age a partir das tuas
raízes.

5. A arte que apenas é decora ção e embelezamento formal se afasta do Ser, já


que, além de tudo isso, a verdadeira arte é um trabalho de iluminação.
Portanto, é mister que saibas que a Ação de Potencial Inteligente é um
caminho que conduz à liberdade e ao mesmo tempo é a própria liberd ade.

6. A arte exige absoluto domínio da realidade que nos circunda, através de


técnicas nascidas de uma profunda meditação dinâmica, que nasce por
reflexão dentro da alma.

7. A Ação de Potencial Inteligente parece só um processo artístico, mas dentro


do artista é um todo que se manifesta, ou seja, "a arte da alma". Todo
movimento e toda técnica significam um passo no caminho até a estética
absoluta do mundo da alma.
323

8. A criação, na arte, é o desenvolvimento físico da personalidade e está


enraizada na eternidade. Seu efeito é um aprofundamento da dimensão
atemporal da alma.

9. A Ação de Potencial Inteligente é a arte da alma em quietude, como a luz da


lua refletida num lago profundo. A última meta do artista é usar sua atividade
diária para se converter num mestre pousado na vida e, assim, capturar a arte
do vivente. Os mestres em todos os ramos da arte tiveram que ser primeiro
mestres do vivente, porque a alma cria tudo.

10. Todas as noções vagas devem cair frente a um discípulo, antes que ele se
autodenomine mestre, embora, verdadeiramente, o mestre iluminado seja
como uma flecha sibilante através da noite. Somente será conhecido porque
sua obra atingiu o alvo.

11. A arte é o caminho ao Absoluto e à essência da vida humana. A meta da arte


não é a promoção de um só lado do espírito, da alma e dos sentidos; além
disso, é a abertura de todas as capacidades humanas, pensamentos,
sentimentos, força de vontade ao ritmo da vida, do mundo, da natureza.
Assim o fará a voz insonora, que será ouvida, e o ser será atraí do em
harmonia com ela.

12. A habilidade artística, então, é diferente da perfeição artística. A primeira é


um meio contínuo ou reflexão de várias passagens no desenvolvimento físico.
Por outro lado, a perfeição não é encontrada na forma e no modelo, pois
apenas irradia do espírito humano.

13. A atividade da Ação de Potencial Inteligente não descansa na arte mesmo


como tal, já que nela só se encontra o vestígio de Deus. Na verdade, descansa
só no Poder Interno do mundo, que, em sua profundidade, contém todo tipo
de vivências e todas as formas que o manifestam fluem juntas numa eterna
harmonia, sendo que tanto a alma como o cosmo têm no homem sua
324

realização eterna. Daí que também o processo artístico seja real e, por isso, só
conduza à Verdade.

b. OS PRINCÍPIOS DA A.P.I. - SEGUNDA PARTE

Correspondem a uma visão mágica da vida e têm como objetivo fundamental


mudar o referencial físico de vida pelo referencial etérico, característico dos grandes
fatos marciais.

i. PRECEITOS DE OURO PARA O COMBATE LIVRE


NA AÇÃO DE POTENCIAL INTELIGENTE

1. A CONFIANÇA

A natureza manifestada flui num devir ininterrupto e sua ação é


certeira e infalível. Tal certeza e infalibilidade lhe são proporcionadas
pelo Ser, que, mediante sua inteligência, determina e resolve,
confiando em Si mesmo com absoluta segurança, pois, entre seu
pensamento e sua ação, não reconhece o tempo e o espaço.
O artista do Potencial Inteligente sabe que "ele É" e que sua natureza
manifestará tal ação quando sua mente considerar que, para "Ele",
tudo é possível. Compreende, além disso, que pensamento como causa
e ação como efeito são uma mesma realidade. Portanto, deves saber
que, para triunfar na luta, a confiança em Deus, que és tu, e em seu
poder, deve ser total. Por outro lado, se duvidas, deixas de ser, o que te
precipitará ao mais profundo dos infernos e a certeza, a infalibilidade
e a confiança fugirão de ti.

2. A TRANQÜILIDADE

Se observas um entardecer, verás que cada coisa tem seu lugar, sua
função e individualidade, não obstante persista uma tranqüila Unidade
325

que, em compreensão, se estende. Quando a quietude vem, a


consciência se expande e domina. Busca na luta esse entardecer e
verás como cada técnica e movimento possuem seu exato e preciso
momento, mas ao mesmo tempo todos eles formam parte de uma
única Verdade. Assim lograrás expandir a consciência e, na quietude,
dominarás.

3. A DECISÃO

No tiro com arco, há uma infinidade de pontos para errar e um só para


acertar. Na ação, há inumeráveis momentos para equivocar e um só
para realizar. Quando o principiante no t iro cai na infinidade e quando
o ignorante no atuar se encontra na inumerabilidade, ambos são
aconselhados por uma funesta companheira: a indecisa incerteza. Ao
contrário, o perito no tiro com arco acerta e o Sábio na ação realiza,
pois ambos são levados p ela mão da excelente mensageira: a decisão
certa.
O artista do Potencial Inteligente deve buscar, com rapidez e presteza,
a segunda companheira e, para isso, é necessário apenas considerá -la e
saltar. O que o espera do outro lado só ele pode experimentar. Depois
ensinará a saltar.

4. O TRIUNFO

Na preparação do herói, os antigos consideravam vários fatores: o


primeiro, um duro e árduo treinamento que os enchia de idoneidade; o
segundo, um minucioso estudo do inimigo e do campo de batalha, que
lhes propiciava uma experiência real; o terceiro fator buscava a
compreensão das leis naturais e da divindade, o que lhes ensinava a
sacrificar – último fator ao qual, depois de toda a preparação, acima de
tudo, deviam se entregar.
O artista do Potencial Inteligente que qu eira compreender este preceito
deve apenas conhecer o momento justo e legítimo em que os três
326

primeiros preceitos devem ser aplicados e, desta maneira, só lhe resta


esperar, pois seu destino é infalivelmente o de chegar ao triunfo ideal.

5. A CONCENTRAÇÃO

Como pedra atada a uma grossa corda enrolada em rígida estaca e que,
lançada ao espaço pelo ágil braço em explosiva retenção, se detém e
estala; como águia atenta no solitário cume, avista sua presa e
inesperadamente cai sobre ela e seguramente captura; como impetuosa
onda, bate surdamente com o alcantilado e expansivamente estremece;
como ágil pluma de pintor maduro, estampa seu precioso e
indestrutível traço; como raio luminoso, penetra nas águas sem se
umedecer; só assim, e não de outra maneira, o artista do Potencial
Inteligente deveria, na luta, vencer e dominar qualquer inimigo e, para
encontrar este poder adormecido, apenas basta saber que: a
concentração da mente, emoção, energia e corpo num só momento
eficaz e certeiro só advém através da elasticidade do pensar, na
quietude consciencial por resolução firme, combinando sutil atitude
artística e brilhante intuição esclarecedora. Praticai -o desta forma e do
mundo Potencial Inteligente descobrireis para a vossa utilização.

6. A SENSIBILIDADE

No Universo manifestado, nada muda, tudo se adapta de acordo à lei


de necessidade, a qual toma sentido a partir da vacuidade. O vazio
persiste no cheio e o cheio nunca perde relação com o vazio, salvo na
ilusória aparência que da ignorância advém e que mantém o homem
inconsciente. Para descobrir a relação existente entre o vazio e o
cheio, o artista do Potencial Inteligente deve sensibilizar sua natureza
manifestada ao máximo, através de um contínuo ritmo pleno de
adaptabilidade, por meio do qual rapidamente sentirá um mom ento de
quietude no qual a vida flui na lei de polaridade espontânea e natural.
327

Deixa todo pensamento trivial e trabalha desde a raiz do sentimento


real que te fará compreender a lei de adaptabilidade, na qual a parte se
manifesta de forma eficaz, justa e fiel, por meio da sensibilidade. Com
tudo isso, deverás, na desidentificação, permanecer.

7. A SUAVIDADE

Como vento que silva entre o canavial, como fervente e deslizante


lava que desce por declives, como fino fio de óleo que imbativelmente
cobre todas as dobras da superfície que ocupa, como o ar interpenetra
todas as coisas sem esforço algum, assim o artista do Potencial
Inteligente deve avançar e, sigiloso, flexível e suave, sua resolução
qualquer obstáculo deve ultrapassar.
A suavidade é uma silenciosa al avanca que move da parte até a
totalidade. Tensionando, perderás; relaxando, ganharás. A lei da vida
é passar deslizando-se na consciência de eternidade.

8. A RETIRADA

Pelo desejo, o homem caiu de seus domínios. Pelo desejo, o homem


no campo inimigo teve de combater. O desejo fez com que o homem
se confundisse com as sombras, no entanto, o homem é luz e as
sombras vencerá. Portanto, o artista do Potencial Inteligente deve
conhecer o segredo da retirada e, evoluindo para dentro e para cima, é
como pode exercê-lo.
Como o Lótus cresce impetuoso para o Sol, primeiro com um
movimento de concentração e de latência em sua própria semente,
depois, e quase ao mesmo tempo, com um movimento plástico e
expansivo de sua matriz exterior que a cobre e, no fim, com o impulso
espiralado e ascendente produzido pela imanência solar, consegue
finalmente se manifestar, livre do lamaçal, tomando consciência de
sua própria forma e beleza ímpar.
328

Assim, o artista do Potencial Inteligente deve se manifestar, livre de


sombras aquosas e bebendo no éter superior, as raízes purificar e os
elementos lamacentos transmutar.

9. A CAMUFLAGEM
Todo bom General sabe que depois da fuga é imprescindível esquecer
a batalha e todo seu fragor. A partir do novo momento, ele se aplica na
ciência do ocultamento e do passar despercebido. Para isso, ele dispõe
de todas as coisas de maneira que estas imitem o meio ambiente que
as rodeia.
O artista do Potencial Inteligente deve saber imitar este General e deve
alcançar o perfeito equilíbrio e embalo no caos geral. A sombra atrai a
luz por lei natural, é por isso que se deve pacientemente esperar o
novo passo, pois a própria Mãe Natureza possibilitará e a luz da
vitória tarde ou cedo da obscuridade emergirá.

10. A ESPREITA

A retirada tática e surpreendente renova e acr escenta os brios do


exército inimigo. O bom General sabe que, apesar de sua bem
estudada camuflagem, o inimigo imediatamente o localizará, mas
também deve saber que este, imprudentemente, atacará exatamente no
mesmo esquema anterior e que, além disso, a bu scar algo bem
definido virá, primeiro com um amplo e modificado ataque simulado,
para no fim com o verdadeiro ataque concluir.
Assim como o velho General, o artista do Potencial Inteligente deve
esperar, suportando o débil ataque simulado e conhecendo
profundamente o "real", o qual também é relativo e falaz, já que é
gerado pelo temor e pela ansiedade daquele que quer terminar algo
rapidamente, pois sua mente não pode dominar.
Nesta pressa, de imediato, a própria debilidade há de demonstrar, a
qual o artista do Potencial Inteligente deve espreitar, já que é a única
329

brecha por onde este último pode entrar e contra -atacar. Aquele que
consiga, ao final, dominar sua mente será o dono da vitória final.

11. O CONTRA-ATAQUE

O fogo, quando avança na espessura da selva, é detido


momentaneamente pelo vento em sentido contrário, mas, quando este
deixa de soprar, novamente o fogo é quem prevalecerá, avançando em
vertiginosa corrida até o final.
Assim, o artista do Potencial Inteligente deve conter o inimigo, até
aplacar sua fúria e instinto e, havendo observado a brecha, com
controlado mas tenaz ímpeto deve contra -atacar, já que o exército
inimigo cederá e em novas posições laterais se posicionará, deixando
um corredor limpo que conduzirá o artista do Potencial Inteligente à
vitória definitiva.

12. A PROFUNDIDADE

Assim como o dique que, contendo o avanço do rio, com o tempo se


deteriora e abre, pelo centro, suas paredes, então as águas irrompem
sem se preocupar com os muros laterais e avançam entre montanhas
com tal profundidade que somente no mar procuram desembocar, sem
atender às montanhas que a seus costados um imenso corredor à
disposição das águas colocarão, ajudando -as em seu canalizar.
Assim, o artista do Potencial Inteligente deve avançar, imitando
exatamente este rio fugaz e, para isto, deve compreender que,
semelhante às montanhas, o inimigo se fixará querendo não já deter o
avanço para o mar, mas unicamente suas trincheiras por apegos e
temores defender, sem aspirar novamente a deter as águas, pois já não
lhe interessa mais nada que manter o pouco que deseja defender e que
tão só é seu próprio desejo de possuir.
Por tudo isso, o artista do Potencial Inteligente deve ver o largo e
limpo caminho que o inimigo deixou a seus pés e, esquecendo -se da
330

guerra, deve somente se preocupar em avançar tranqüila e


profundamente para o objetivo final, que já ninguém defenderá e que
na verdade o apego e o desejo nunca conheceu nem conhecerá.

13. O CONHECIMENTO DE SI MESMO.

Tão logo tenha a batalha última terminado e o artista do Pot encial


Inteligente a seu bastião tenha chegado, agora deve apenas se
preocupar em resgatar com piedade seu antigo inimigo, ensinando -lhe
a enamorar-se da verdade que significa esse bastião ideal. Dessa
maneira, o artista do Potencial Inteligente desenvolve rá o ideal
pedagógico e nele definitivamente a si próprio conhecerá.

ii. A AÇÃO DO POTENCIAL INTELIGENTE


E A NÃO VIOLÊNCIA

1. Quando quiseres subir uma montanha, faça -o como se subisse uma


escadaria imaginária que tem escalões pequeninos, então verás que a
encosta é como um ímã que atrai teus pés e não deixa que estes
escorreguem; para que isto suceda deves empreender a subida pouco a
pouco, lentamente.
O quente deve ser tomado pouco a pouco, do contrário queima o
paladar e perde o gosto; sem gosto não há pos sibilidade de saborear os
alimentos e estes não são bem digeridos; o quente deve ser tomado
pouco a pouco, mas com constância, ritmo e paciência.
A vida também queima nos lábios do ignorante, por outro lado, na
boca do artista do Potencial Inteligente, se recria constantemente,
dando novos gostos ao paladar. A vida deve ser tomada pouco a
pouco, como os ponteiros do relógio tomam as horas em rítmico e
constante avanço, sempre a partir do centro. Diante do avanço do
artista do Potencial Inteligente, o relógi o cósmico vai desvendando, no
devido tempo, as horas eternas.
331

2. Quando estiveres frente a um homem, qualquer que seja este, deves


considerar duas coisas: a primeira e fundamental é que nesse homem
está implícita a Lei Universal mais pura e profunda que e xiste e a
segunda é que também se encontra implícita a modificação de tal Lei,
a qual lhe possibilita a ação.
Recordando ambas as coisas, verás que tal homem não existe, já que
tão só estão a Lei, a ação e tu. Para corrigir tal ação e transmutá -la à
mais pura lei, seja veraz e atento à Verdade e então o milagre se fará e
verás que a ação te leva à Lei e, nesse estado, tu e ele são um e ambos
desejais o mesmo: tu, compreender com maior profundidade a Lei e
ele, corrigir sua ação, para assim encontrar -se contigo e, portanto, com
sua lei, que é também a tua e a de todos os seres.
Então a não-violência aparecerá, trazendo consigo o mais poderoso, o
mais sábio, o mais misericordioso e ambos o seguireis através do
Potencial Inteligente, que os deixará sob seus pés .

3. Se sábio aspiras ser, da sabedoria nada deves querer, somente observar


e compreender com verdadeira humildade o que ela queira te trazer,
assim como um menino não teme o mal nem se apega ao bem e em
tudo confia, entregando-se com obstinação ao jogo d a vida e, pelo fato
de confiar em tudo, nada o desafia nem o desvia de sua rota infantil.
Assim, e não de outro modo, o artista do Potencial Inteligente deve
ver a vida e buscar sempre nela a conveniência, porém, atento para
não se apegar.
No desenrolar dos acontecimentos, considerando que nada deve saber
nem fazer, mas apenas compreender e, assim, saltando de
compreensão em compreensão, soltará a pressão e fará os devidos
desabafos, sempre se entregando a seu Senhor e, assim, ao fim
ultérrimo cedo ou tarde chegará.

4. Quando o vento açoita o bambu, este se enverga e espera; depois que o


vento deixou de soprar, volta ao seu lugar, sem que o vento em sua
332

superfície tenha conseguido aderir. Quando o pensamento


tingido de emoção sopra, deixa -o passar e acompanha-o modelando
um pensamento próprio de um mundo melhor. Mas para o artista do
Potencial Inteligente não basta só isto, pois, apesar de fazer o mesmo
que tu, seu triunfo radicará em que ele, como tal, verdadeiramente não
fez nada, já que as diferentes situ ações apenas o pensamento as criou e
dele, o artista do Potencial Inteligente, jamais se aproximou, portanto
ao apego não chegou e assim nada se lhe impregnou.

5. O navegante, quando enfrenta a onda e pretende quebrá -la, sabe por


experiência que não pode se lançar, porque a onda anterior à praia o
leva, e lançar-se depois seria desastroso. Por tal motivo, espera que a
ressaca o leve ao interior e nesse instante rema a favor; o resultado se
traduz num belo e deslizante passo por cima e a estibordo.
Assim, o artista do Potencial Inteligente não deve se adiantar aos
fatos, mas tampouco atrasar o justo e exato momento em que deve
realizar seu trabalho. Se isso queres aprender, somente deves saber
que a vida é um oceano que constantemente se move do interior ao
exterior e desde o externo ao interno; a correta projeção então será a
que não deseja ir mais além, mas tampouco persegue o mais aquém.
Sem ansiedade, ao justo te deves amoldar.

6. Para o materialismo, o ponto um é a solução; para o Potencial


Inteligente, o ponto um é a realização. Mas aqui deves aprender algo
importante, prestando atenção: no materialismo, o ponto um descansa
no inferior, pois ao Tanden refere -se em sua final conclusão, porém,
para o Potencial Inteligente, o ponto um descansa no superior, pois ao
lótus das mil pétalas se refere em sua última compreensão.
A diferença fundamental é que o primeiro crê no poder da matéria e o
segundo apenas no poder espiritual. Perguntamos: quem move quem?
O vazio do eixo ao eixo e à roda? A resposta é que o p onto um é o
vazio do eixo, o ponto dois é o eixo e o ponto três é a roda; o ponto
333

um descansa na cabeça, o ponto dois no coração e o ponto três na


região inferior. Assim, conhecendo aquele que não descansa em
nenhum, mas que move todos, encontrarás a soluç ão e esta não
depende do vulgo nem da sua opinião, mas apenas de Deus.

7. O relojoeiro fez um relógio e o fez funcionar bastando -lhe tão só o


primeiro impulso, que o homem, através da corda, fez gerar. Quando
quer agora saber a hora, só lhe basta olhar a bola onde os ponteiros,
automática e inconscientemente, mostram as horas. A inteligência
manifestou a mente e esta começou a funcionar, bastando -lhe só o
primeiro impulso que o homem através do desejo fez gerar. Quando
quer, agora, conhecer a Lei, basta ap enas olhar a esfera onde os
pensamentos, automática e inconscientemente, mostram o próprio
dever.
O artista do Potencial Inteligente deve se atentar a isso, já que sua
personalidade não é mais do que um efeito mecânico -dinâmico
produzido por seus pensament os inconscientes e automáticos. Assim,
sabendo que a caminhada de seus veículos está já determinada, deve
se libertar à contemplação, pois seus veículos sozinhos realizarão a
ação por meio do pensamento em sua evolução.

8. Nas civilizações antigas, o Rei Iniciado comunicava a seus súditos e


ao povo apenas o que o Colégio de Iniciados lhe permitia comunicar,
mas tal Rei sabia perfeitamente o que ia acontecer.
Para ele, tanto o povo como a corte representavam o serviço diário que
devia realizar e oferecer ao s deuses e a seus mestres, pois sabia que
somente eles e Deus podiam lhe dar o que ele esperava. Por outro
lado, receber honras, crédito e admiração do povo e da corte era um
mal necessário, que devia resignadamente aceitar para seu caráter
temperar e, assim, as provas superiores poder superar e, para isso, o
correto silêncio devia guardar.
334

O artista do Potencial Inteligente deve saber que é apenas um


mensageiro, que deve ao homem constantemente mostrar a Lei através
do comportamento exemplar, sempre se man tendo em silenciosa
serenidade. Aprende, portanto, a calar tuas boas obras para o bem dos
demais, obras que no fundo são portas abertas que possibilitam a
superação daqueles que se movem ao redor; demonstra tão só
consentimento pelas lentas conclusões dos homens diante dos fatos
consumados.
Não busques o fruto deste mundo, mantenha -te distante das honras, do
reconhecimento e de tudo o que nesta terra te possam dar e, assim,
neste constante silêncio pessoal, o Senhor dos Senhores agradarás e
somente ele te premiará e reafirmará.

9. Quando nosso Senhor veio ao mundo, disse que Ele era o Rei e todos
pensaram que Ele governaria, mas Ele se pôs aos pés dos reis e
príncipes, ensinando-lhes a governar e Ele unicamente amou o poder
que do bom governo dos homens se pôde extrair. É que
verdadeiramente Ele não era apenas um Rei, mas sim dos reis de todos
os mundos, sua realeza e total essência, porém, apesar do seu grande
poder, só se dedicou a guiar o carro do melhor.
O artista do Potencial Inteligente deve manter est e exemplo e deve
proteger os homens bons, respeitando -os em suas próprias hierarquias,
pois é esta ordenada gradação a única coisa que acima de tudo deve
custodiar e defender. Ama a hierarquia natural onde e como é
estabelecida, pois tu és um Guardião da C hama e só a isto te deves
ater.

10. O sábio é virtuoso de forma natural; suas obras, portanto, lhe são
próprias e não lhe provocam admiração, já que não pode ser de outra
forma, porque ele só conhece o bem e do bem procede sempre o
melhor e, além disso, e le é o bem, portanto, o que mais pode esperar
se a vida é impessoal? Sabendo disso, quando ao Potencial Inteligente
335

chegares, compreenderás que tal Poder pertence à vida universal e a


todos os seres.
Na boa ação, então, sempre se destaca um brilho natural, que
geralmente se ofusca quando o homem de forma pessoal pretende
adjudicá-lo, porém, por mais que a nuvem queira ocultar o sol, seu
brilho igualmente se manifestará, pois os dias nublados são finalmente
dias claros e, como tal, não perdem o brilho jamais .

11. Quando o Rei abandona seus súditos e parte para a campanha, o


palácio e a corte ficam repletos de alimárias, pois, ao faltar o carisma
que vive para encaminhar todos para o mesmo fim, começam a primar
os interesses pessoais, mas à volta do Rei a jus tiça volta a se impor, só
pelo fato de que, agora, novamente, ele se encontra presente.
Geralmente os sediciosos fogem ao saber que o Rei logo há de voltar
e, na corte, o triunfo da luz sobre as sombras novamente começa a
aparecer. O artista do Potencial I nteligente deve saber que este Rei
descansa em seu próprio coração, cujo poder se manifesta por meio da
intenção que, por sua vez, desliza através da correta atitude e a atitude
aos distintos planos se amolda.
Assim, então, se uma desordem queres corrigir, a atitude psicológica
enérgica e potente, desde cima até embaixo, deves dirigir e, ao mesmo
tempo, deve-se dissolver a atitude fisiológica, com suavidade e
doçura, de dentro para fora.
A cortesia nunca deve ser confundida com a debilidade e a paciência
com a passividade, pois a paz interior não se contradiz com a atitude
exterior. O raio de poder e cerimonial é tal porque se fundamenta em
dita paz interior e, além disso, porque verdadeiramente nada contradiz,
ou melhor, complementa, já que sempre leva da d esordem anárquica à
ordem piramidal, que é da vida a síntese e a liberdade.

12. A velhice, entre suas muitas virtudes, mostra uma que é principal: a
serenidade, já que a velhice nada tem a perder, pois aprendeu que, em
336

lugar do desejo, é melhor o desapego e deve considerar a todos os


seres como seus filhos, para viver em unidade. É assim então como a
todos deves ver e dar a cada qual o que quer, mas conduzindo -o com
suavidade para o encontro com a realidade, demonstrando -lhe
carinhosamente que seu querer p ertence a um mundo irreal, já que
seus sonhos e fantasias o projetaram para se evadir da Verdade.
Entretanto, o artista do Potencial Inteligente deve considerar que, para
ele, existe um único meio possível, que é a própria serenidade.

13. Quando Daruma olhou, durante nove anos, o muro, o que viu?
O adepto do Potencial Inteligente responde: o muro, somente o muro.
O que é o muro? E volta a responder: a consciência refletida.
O que nos quis ensinar Bodhidharma com isso? O adepto do Potencial
Inteligente responde: quando o artista do Potencial Inteligente atua, o
que vê? O neófito responde: a ação, tão só a ação, e o adepto pergunta:
o que é a ação? O neófito volta a responder: a consciência refletida.
O adepto do Potencial Inteligente diz que, entre a luz q ue provém do
Sol e o Sol propriamente dito, não há diferença, assim como não
existe diferença alguma entre o manifestado e o imanifestado. O
acreditar que há diferença é apenas uma ilusão gerada pelo descuido
de não ver apenas o muro ou a ação.
Isto a Tamo também aconteceu, mas o que ele fez? Somente não
acreditou no pensamento -emoção nem no discernimento -razão, que
entre ele e o muro cruzou.
O Mestre do Potencial Inteligente disse, quando escutou esse
colóquio: o vazio se preenche e o cheio se esvazia porq ue o vazio é o
cheio e o cheio é o vazio. Depois perguntou: e entre o espírito e a
matéria, há alguma diferença? E finalmente disse: agora, em silêncio,
flui em Deus.
337

iii. REFLEXÕES DA ARTE DA AÇÃO DE


POTENCIAL INTELIGENTE.

1. Entre o psicológico e o fisiol ógico existe uma perfeita relação que


unifica ambos, desde que os fatores que os enquadram permaneçam
em harmoniosa estética.

2. O homem é um logos que foi mutilado em fragmentos pela ignorância


de não conhecer-se Uno.

3. A contemplação é da natureza do Uno, a ação, do outro; aprende a arte


de unir-te na contemplação e na ação e conhecerás a ciência do Uno
no outro. Isto e um fio de alento é somente o que separa o homem do
vôo da verdade no sempre e no jamais.

4. Desde que a mente humana logre compreende r uma realidade


determinada, a emoção do homem pode se expandir até o limite
demarcado pela esfera que a consciência estabelece. Só em casos
muito justificados e perfeitamente enquadrados pela sabedoria o
veículo emocional poderá ultrapassar tais limites, sempre e quando a
lei de necessidade o estabelecer como imperativo categórico em
relação ao serviço à humanidade e o bem -estar da raça humana.

5. O conhecimento do homem não consiste em mudar as coisas para


aperfeiçoá-las, mas sim em compreender o porquê tais coisas foram
instituídas e se verdadeiramente guardam relação com uma ordem
cósmica dada por alguma causa transcendental. A mudança verdadeira
e legítima consiste, então, em saber que nada há que mudar, mas
compreender o estabelecido, pois o mutável n ão está contemplado
como tal na natureza universal, apenas se deve a um ponto de vista
parcial da realidade universal total. Logo, a evolução do homem não
se pode compreender nem realizar na periferia dos nomes e formas,
338

senão na essência profunda da mente quieta. Só a partir de tal quietude


poderemos fazer prevalecer a visão de um mundo melhor.

6. Aquele que vê múltiplo não vê o Uno, mas aquele que compreende o


Uno possui o Uno e ao mesmo tempo o múltiplo. "Homem, conhece -
te a ti mesmo e conhecerás o univ erso e os deuses".

7. Quando, no instrutor, o pensamento e o sentimento se fazem Uno,


então escuta o sentir dos alunos e compreende qual é a direção correta,
para onde eles devem e querem ser levados. Do contrário, só existem,
por um lado, os interesses p essoais do instrutor, que considera bom o
que faz e, por outro lado, os gritos alterados dos alunos, que não
sabem o que querem.

8. O melhor ensinamento é o que não se dá de forma pessoal, o melhor


ensinamento é o que dá a vida de maneira impessoal. Para dar um
ensinamento, deves aproximar -te da vida, para que aqueles que te
observam somente vejam diretamente o ensinamento real. "Pelos seus
frutos os conhecereis".

9. A sabedoria consiste em não saber nada a partir do eterno aqui e agora


e, ao mesmo tempo, saber tudo através da observação da sucessão
manifestada em cada coisa, situação, circunstância, etc., ou seja,
compreendendo passo a passo o que dia a dia em nossas vidas
cotidianas acontece. "A paciência é a mãe das virtudes".

10. Para o artista do Potencial Inteligente, o segredo da vitória não radica


em fazer muitas ou poucas coisas, mas sim, melhor, em fazer sempre a
mesma, através de todas as formas que lhe seja possível aplicar e
conhecer, isto é, fazer nada de muitas maneiras diferentes, mas bem
feitas. "Nada há que fazer, TUDO É".
339

11. O segredo mais arcano de todos os segredos, o mistério mais oculto de


todos os mistérios, o poder mais real de todos os poderes é o ater -se à
verdade que se manifesta no dever próprio que nos toca cumprir, sem
acrescentar-lhe nem tirar-lhe nada. Entretanto, os homens buscam o
segredo, o mistério e os poderes em longínquos mundos que, sem
dúvida, não chegam além dos limites de suas próprias fantasias. "Nada
é superior à Verdade". Este é o Senhor... o mais Poderoso, o mais
Sábio, o mais Misericordioso. Aprendei a pronunciar seu verdadeiro
nome, que é o Dharma superior a todos os Dharmas. "Ater -se à
verdade é triunfar".

12. O brâmane hindu ensina que existe o que eles chamam de “palavra de
poder” e que, com ela, o homem pode obter tudo o que deseja e
realizar "milagres", mas tais milagres são mais simples do que
comumente o homem ocidental imagina, pois tudo isso consiste em
pedir que o sol saia quando tem que sair, nem antes nem depois.
"Deus é o único milagre, é o únic o sábio".

13. O artista do Potencial Inteligente é como um balão inflado e que, a


certa altura, uma multidão quer agarrar ao mesmo tempo e a única
coisa que consegue, ao tocá -lo, é elevá-lo ainda mais; se chegasse a
cair entre eles, estes o arrebentariam e veriam, então, que está vazio.
"O vazio é o cheio e cheio é o vazio".
340

3) TEMA III

a) CONSIDERAÇÕES FILOSÓFICAS SOBRE O CAMINHO

Para o guerreiro, o caminho está inserido em sua própria vida, como um destino
de busca e aperfeiçoamento contínuo. Ele busca nas experiências uma forma de vida
incomum e superior. Onde a maioria vê dificuldades e empecilhos, ele encontra
desafios. A adversidade é seu alimento cotidiano e suas ferramentas são a magia, a
estratégia, a tática e a técnica, mas uma técnica onde o guerre iro se manifesta de forma
natural e simples. A isso ele denomina perfeição.

Na vida do guerreiro, nada pode ser feito com violência ou brutalidade, nada
pode ser forçado nem violentado; suas ações contêm uma vivência sutil e etérica e os
fatos considerados difíceis ou impossíveis para os demais só podem ser realizados pelo
guerreiro com estilo, com suavidade e com estética. O guerreiro se realiza quando se
domina a si próprio e esse domínio é conquistado através desse estilo de vida.

i. O ESTILO DE VIDA DO G UERREIRO

A principal característica desse estilo de vida é a concentração, ou seja, a


capacidade de observar e compreender desde o centro a natureza de todas as coisas,
descobrindo com atenção penetrante a causa das ações e de suas conseqüências. Isso lhe
permite prever os efeitos das coisas sobre si mesmo, de forma que nada nem ninguém
possa surpreendê-lo.

Ele nunca substitui as emoções pelo corpo, não manipula ninguém, nem
dramatiza as situações e nestas três coisas encontra o caminho, porque nessas trê s coisas
está o segredo do aqui e do agora.

Não substituir as emoções pelo corpo significa que sua ação é etérico -física,
embora suas intenções sejam mentais e psicológicas. Comumente, as pessoas se
preocupam com tudo o que lhes acontece, tensionando e es tressando seu corpo etérico -
físico até o cansaço. O guerreiro, ao contrário, se mantém constantemente relaxado,
agindo com as articulações desimpedidas e os músculos soltos. Sua força é como um
341

vento cálido e provém de seu corpo etérico. Guerreiro é aquele que, quando age, não faz
reagir a natureza. Sua atitude e comportamento são serenos.

Não manipular significa não querer influenciar de forma egoísta as pessoas e


nem que os demais façam por ele o que ele deve fazer por si mesmo. Para o guerreiro, a
vida é livre e cada qual deve fazer o que lhe compete, sem interferir nem ser interferido,
por isso o guerreiro é reflexivo.

Não dramatizar significa não temer a dor, não dar pena a ninguém e, quando as
coisas são duras, rir alegremente para mudá -las com dignidade e altura. Por isso o
guerreiro é imperturbável.

ii. A NATUREZA DO CAMINHO (DO)

O caminho do guerreiro é tanto interno quanto externo. Internamente, é a luta


entre a consciência e os elementos mentais e psicológicos pelo domínio do centro;
externamente, é a luta entre o corpo etérico e o físico pela conquista do centro da ação.
O caminho tem um sentido próprio e específico e as ações e experiências não têm
importância por si mesmas, mas por seu significado e, nesse aspecto, o caminho é uma
arte estética e ética.

O centro da ação é o caminho para o centro da consciência guerreira, a qual tem


um ideal, o de cumprir com o dever em qualquer situação ou circunstância, com
destreza, eficiência, coragem, valor e impavidez no meio do combate.

Desse ponto de vista, o guerreiro realiza proezas que estão de acordo com a lei
do caminho e da natureza e que manifestam os chamados valores morais do cavalheiro.

b) OS VALORES CAVALHEIRESCOS DO CAMINHO

O cavalheiro se caracteriza por cumprir suas ações com um sentido virtu oso. As
virtudes morais lhe dão o caráter de nobreza e, nesse caminho, só se luta quando os
valores estão em jogo e sua luta tem a direção da verdade e da justiça. As ações do
cavalheiro têm um selo característico que o distingue do homem comum, por isso e le é
342

um homem superior. O caminho do guerreiro cria nele a aspiração constante de se


tornar um cavalheiro.

i. O QUE É UM CAVALHEIRO?

Cavalheiro é um homem ou uma mulher de natureza guerreira que cavalga sobre


suas próprias paixões, instintos e hábitos. Tem como escudo as virtudes, como espada o
discernimento, como armadura seu duplo etérico desenvolvido, como capas uma
personalidade subjugada, como símbolo o ideal cavalheiresco, como lança suas
vontades em ação, como castelo seu senhorio, como adaga a miseri córdia e como rei seu
mestre, pois só um mestre pode formar cavalheiros.

ii. AS VIRTUDES DE UM CAVALHEIRO

As virtudes do homem superior são:


 O valor, que é a capacidade de cumprir com o dever para além do prazer e
da dor.
 A disciplina, que é a força do carát er para atingir os objetivos do caminho.
 A retidão, que é o poder de não sair da trilha do cavalheiro.
 A cortesia, que é a capacidade de amar os semelhantes.
 A justiça, que é o poder de ordenar todas as coisas e assuntos relacionados
com a sociedade e consigo próprio.
 A benevolência, que é possuir uma alma nobre ao serviço dos débeis e dos
justos.
 A piedade, que é a devoção para com Deus e os seres divinos.

c) A OBRA FILOSÓFICA DO CAVALHEIRO

O cavalheiro é um exemplo no mundo e um exemplo para os jovens gue rreiros e,


na medida em que ele seja fiel a isso, já representa os alicerces de sua própria obra. A
obra do cavalheiro se compõe de três partes: a obra humana, a obra do cavalheirismo e a
obra divina.
343

i. A OBRA HUMANA

Compreende as realizações interiores do cavalheiro e fundamentalmente a


capacidade de transmitir o caminho a outros guerreiros que buscam o ideal. Por isso o
cavalheiro tem discípulos, os quais aprendem, na investigação, na devoção e no serviço
os segredos do caminho. Toda técnica marcial ensin ada deve ser praticada
constantemente para abrir canais no físico da energia etérica e isto implica um desafio
de disciplina, treinamento e realizações simbólicas, já que tudo o que é feito fisicamente
sob a aplicação desses padrões implica uma forma de vi da global de realização de
valores que se traduzem num comportamento de cavalheiro. O cavalheiro realiza essa
obra quando pode apresentar a seu mestre guerreiros preparados para serem investidos
como cavalheiros.

ii. A OBRA DO CAVALHEIRISMO

É a realização exterior do cavalheiro e, no presente momento histórico, se


manifesta através do ciclo filosófico, ou seja, a restituição de seu valor original pelas
artes marciais. Para isso, é necessário reinstaurar escolas ou centros de artes marciais, de
forma filosófica, desenvolvendo o caminho de forma integral. O cavalheiro se realiza
nesse aspecto quando forma núcleos sociais de cidadãos conscientes, responsáveis, úteis
e com visão de futuro.

iii. A OBRA DIVINA

Corresponde à meta do cavalheiro, aquela onde deposita seus sonhos, ideais e os


fatos logrados, como oferenda de consagração ao espírito guerreiro divino. Esse
caminho é um sacerdócio guerreiro que permite ao cavalheiro consagrar sua vida a esse
Ideal e, finalmente, quando seu destino se manifestar, à união com a divindade
guerreira. Por tudo isso, o mistério do cavalheiro se encontra encerrado no fato de ele
aceitar seu destino, ir conscientemente à busca dele e finalmente achá -lo. Por isso o
poder do cavalheiro é seu destino.
344

d) CONCLUSÕES

A Ação de Potencial Intel igente é um caminho marcial que pretende unir o físico
com o etérico, ou o cérebro com o coração, de tal forma que esses dois corpos se tornem
um símbolo de interpretação e de compreensão do Universo como um todo. A chave de
pesquisa é a doutrina dos cinco elementos, que se reflete com seus ciclos, sistemas e
dinâmica na integração desses dois corpos.

Quando o praticante consegue, então, reunir ambos, estabelece uma harmonia


entre os cinco elementos e o corpo etérico -físico e manifesta os poderes do resto dos
elementos numa posição de equilíbrio ou de centro.

Este livro é uma testemunha da existência do caminho interno das artes marciais
e, ao mesmo tempo, um convite para todos aqueles que pretendem encontrar nas artes
marciais uma forma de vida. Para eles , este livro é uma porta aberta ao mistério da
guerra interior, um caminho de discipulado que permite o domínio próprio.

Finalmente, este livro é uma homenagem àquele que trouxe esse conhecimento e
que plantou a semente em Shaolin, há aproximadamente 1.50 0 anos, o grande e sábio
Mestre da Lei da Iluminação, Bodhidharma. Seu espírito imortal continua alentando e
inspirando todos os verdadeiros buscadores do caminho da arte marcial, com o objetivo
de retornar as artes marciais às origens. Por isso, obrigado, Mestre.
PARTE IV
346

CAPÍTULO I

1) A MAGIA MARCIAL

A magia marcial é um tema que foge dos padrões convencionais e que


permanece na cultura humana, perpetuando -se no tempo através do folclore e das
lendas. É comum ouvir, em qualquer lugar do mundo, contos e estórias de fatos e
homens de poder, talvez aumentados ou exagerados pela imaginação dos próprios povos
que acrescentam, através do tempo, suas próprias apreciações, avaliações e variações
psicológicas em relação a es ses fatos. Porém, muitas vezes esses fatos se convertem em
história e chegam até nós com uma força inusitada que carrega um mistério que não
conseguimos decifrar, ficando como um enigma que adquire extraordinária importância
para homens e mulheres que poss uem uma peculiar natureza e mostram características
comuns. Esses homens e mulheres são os de vocação guerreira e carregam consigo
coisas que também não são convencionais, como, por exemplo, lembranças do mundo
mágico que é sugerido por essas estórias. Uma dessas estórias é a famosa batalha de
Kadesh, na qual o Faraó Ramsés II enfrenta os Hititas e os vence apenas com sua
presença, em companhia de seu Leão, que puxava sua viga de guerra.

Porém, se nos concentrarmos no tema e pesquisarmos com seriedade,


encontraremos estruturas e elementos bastante lógicos e racionais que nos levam a
considerar este tema de forma filosófica e, em alguns casos, científica. Para o
antropólogo de bom nível, não escapa a mensagem encerrada nos mitos heróicos de
todos os povos da humanidade que, em diferentes épocas e lugares, mostram
semelhanças extraordinárias e uma coerência de valores éticos superiores. Para o olho
experto do filósofo, tais semelhanças e coerência de valores se apresentam como uma
doutrina mágica, estratégica, tática e até técnica.

Por outro lado, encontramos também, num contexto um pouco mais conhecido, a
chamada cultura marcial, que forma parte de uma tradição universal, por ter sido,
durante muitas épocas, comum a todos os povos civilizados. Além de encontr armos
nesta cultura marcial grandes escolas de formação e educação guerreira, encontramos
347

uma idiossincrasia comum e uma trilha perfeitamente estruturada que, em todos os


casos, nos leva até mestres com características comuns, como as de Reis -Magos-
Guerreiros.

Como exemplo desse tipo de personagens, temos os Éforos, entre os Espartanos,


os Flâmines, entre os Romanos, os Anax, entre os Aqueus, os Dragões de Shaolin, os
Rigden, entre os guerreiros Tibetanos, os Shamanes, entre os Tártaros e mongóis, os
Pajés, entre os Tupis, os Druidas, entre os Celtas, etc.

O problema é que, mesmo existindo essa cultura marcial, o tema que aqui
tratamos, que é o da magia marcial, fica sujeito a interpretações, crenças e superstições.
Por esse motivo, é necessário estabelece r um critério geral para poder tratar o tema de
forma séria e, principalmente, clara. Esse critério será definido através dos fundamentos
da magia marcial, ou seja, de conceitos específicos que foram passados através da
tradição das artes marciais, pelos h omens de conhecimento, também conhecidos como
os guardiões da tradição guerreira. De qualquer forma, o tema, embora seja exposto da
forma mais didática possível, nunca será popular, pois não é de caráter intelectual e,
para que essa transmissão possa ser d e fato um aprendizado, é necessário que o
interessado estabeleça um laço e um compromisso com aquele que possa lhe ensinar
essa magia marcial e esse relacionamento implica que um deles seja o mestre e o outro o
discípulo: um mestre e um discípulo guerreiro s.

Por outro lado, a palavra magia hoje em dia tem uma conotação que não tem
nada a ver com seu significado real, o que dificulta bastante qualquer coisa que possa
ser dita ou escrita. É como se um leigo pudesse ver um artista consumado executar uma
obra de arte. Para o leigo, muitas coisas não ficariam claras nem poderiam ser
explicadas de uma forma didática, porém, para o artista, todos os procedimentos e
macetes têm um sentido e podem ser mostrados e ensinados para qualquer um que
queira saber do que se trata. A magia marcial, da mesma forma, possui seus próprios
procedimentos que, quando aprendidos e aplicados, se empresam como uma arte.

A primeira questão a considerar na arte da magia marcial é o sincronismo que


deve existir entre a mente e o corpo. Para que esse sincronismo se manifeste, é preciso
desenvolver uma boa concentração mental no círculo de potencialidades e aprender a
parar o tempo. De maneira simultânea à concentração mental, o corpo deve ser fixado
348

no coração para perder todo o medo e a ansiedade, mas, para conseguir conquistar essa
performance, é mister que desenvolvamos a vida interior e possamos conhecer e
explorar o universo mágico da nossa própria consciência.

A segunda questão que deve ser considerada é que devemos aprender a separ ar
os sentidos das percepções e que, a partir delas, podemos desenvolver nosso
conhecimento, cuja aplicação nos possibilita uma realização não só na arte, mas também
na vida. Para trabalhar as percepções, o conhecimento e a realização, precisamos
aprender fazer arranjos, já que no universo tudo se constitui a partir de arranjos.

A terceira questão importante é entender alguns conceitos específicos que fazem


parte da magia marcial, como o conceito de infinito, de área de influência, os
parâmetros de julgamento, o padrão infinito, etc. Além do mais, estes conceitos devem
ser inseridos na Doutrina dos Cinco Elementos, a qual é o método de ensino desta magia
marcial.

Por último, dentro deste contexto, é fundamental entender o que é o treinamento


e como ele pode gerar motivação, energia e determinação. Até aqui, a relação entre a
consciência e todos esses fundamentos é de caráter de vigília, mas também existe outra
relação, que abrange outros estados de consciência, aos quais poderíamos apelidar de
“estados inusitados de consciência”, que compreendem três armas fundamentais nesta
doutrina mágica: a visão, o sonho e as forças. A representação desse tipo de elemento
corresponde a toda a simbologia totêmica tão característica destas tradições.

Outra simbologia importante, já que constitui os alicerces da magia marcial por


ser o coração da tradição, tem a ver com os mitos heróicos e sua peculiar forma
pedagógica de serem transmitidos. Todo herói que faz parte dessa tradição, além de ser
mágico, mostra e desenvolve um caminho mágico que tem, ao mesmo tempo,
conotações estratégicas, táticas e técnicas. Esses mitos constituem também as estruturas
e os valores morais, que não é uma questão que dependa de opiniões ou preconceitos,
mas a real possibilidade de conhecer o bem através da iniciação íntima da consciência e
de seu universo mágico.

De qualquer forma, para que esses parâmetros não sejam deturpados ou


interpretados de qualquer forma, existe nessas tradições a figura do homem de
conhecimento, ou mestre, que transmite a seu discípulo todos os segredos da arte. Esse
349

homem de conhecimento é aquele que não só possui características heróicas, mas


também armas e poderes, mostrando tudo isso através de seu próprio exemplo.

A magia marcial se caracteriza pelo fato de que sua s técnicas são mágicas e
exprimem uma energia diferente da que é usada convencionalmente e, quando
aplicadas, não podem ser explicadas através de racionalismos comuns, mas sim através
de axiomas ao mesmo tempo filosóficos e científicos, já que essas técnic as negam todas
as crendices, tabus ou preconceitos vulgares.

Para além disto, ela possui uma espécie de selo de qualidade, que é a proposta de
trabalho e desenvolvimento da arte. Para obter esse selo, é mister possuir a força
também chamada de Potencial I nteligente, único fator que permite ao guerreiro vencer
sem lutar.

A tradição da magia marcial traz, através do tempo, um velho mistério que se


expressa no simbolismo das portas, de seus guardiões e do espírito que controla os
guardiões e as portas. Este espírito é o Senhor das Portas, que é o Mestre e iniciador de
todos os mestres de magia marcial. Isto não é uma questão religiosa, mas uma força da
natureza que flui através de canais de força que se expressam como estados de
consciência, com as suas técni cas de canalização e aplicação.

A relação entre essa força inteligente da natureza e o discípulo -guerreiro se


manifesta por meio de dois aspectos complementares: a própria consciência do
guerreiro e o aspecto vocacional, que, com o tempo, mostra ao discíp ulo-guerreiro uma
trilha de busca e encontro com esse espírito.

Essa aproximação do homem com o Senhor das Portas também se mostra


através da presença constante da sombra e do medo que acompanha os homens e as
mulheres de natureza guerreira. Esse contato gera, sem que eles saibam, uma espécie de
luta mágica, nos moldes da luta dos lutadores avançados na arte. Porém não têm clara
consciência disso e não sabem como gerar as condições para que isso aconteça sempre
que o discípulo-guerreiro desejar.

Outro aspecto importante neste tema é o treinamento, que não é realizado nos
moldes de condicionamentos de tipo reflexos condicionados. Ao contrário, é um
trabalho de descondicionamento de qualquer tipo de reação instintiva para agir de uma
350

forma consciente e intel igente. Esse treinamento, com o tempo, desenvolve uma
disciplina que acaba mudando não só a concepção da guerra, mas também a forma de
manifestar outra solução aos problemas, situações e circunstâncias geradas por ela. A
magia marcial considera que a guerr a pode ser evitada mediante uma visão inteligente
do mundo, das circunstâncias, dos litígios, das diferenças e seu objetivo é superar a
violência em qualquer uma de suas formas, interrompendo o ciclo predador -vítima da
violência.

Em síntese, a magia marci al propõe uma trilha discipular -guerreira que permite
mudar a forma de conduzir a si próprio e de conduzir os assuntos de polarizações em
qualquer uma de suas formas. É uma trilha que harmoniza os contrários, em termos
marciais, e contesta os padrões conve ncionais através dos quais são conduzidos os
assuntos marciais.

Um dos seus axiomas mais importantes diz: vencer sem lutar, erradicando
qualquer forma de violência, é possível desde que os instintos possam ser submetidos à
inteligência em prol de uma rea lidade de harmonia universal. A vitória só pode
acontecer sobre nós mesmos, já que a realidade da guerra é interior, ou seja, “lutar
contra nós mesmos para nos dominarmos e nos vencermos”.

A arte de vencer sem lutar se fundamenta na condição de domínio pr óprio para


poder se adequar à lei da necessidade, através da experiência e do desenvolvimento dos
poderes latentes do homem, ativando uma forma de ação diferente que não depende do
resultado. Portanto, não tem expectativas, o que elimina a hesitação, o med o, o conflito
e a violência. Esta forma de ação é a magia guerreira.
351

2) TEMA I

a) OS FUNDAMENTOS

Há dois tipos de fundamentos: os fundamentos técnicos e os fundamentos


cognitivos.

i. OS FUNDAMENTOS TÉCNICOS

Embora, na prática, esses dois tipos de fundamentos não funcionem

separadamente, para fins pedagógicos, é necessário tratá -los assim. Os fundamentos


técnicos são condições específicas e de resultados diretos que podem ser captados

através da percepção física, medidos e quantificados de maneira experimental .

1. SINCRONISMO MENTE-CORPO

Tudo no Universo funciona na base da polaridade, que é basicamente a

causa do movimento tanto do próprio Universo como de todas as


coisas. O sincronismo mente -corpo é um exemplo desta dualidade.

Sendo a mente de polaridade positi va e o corpo de polaridade negativa,


o sincronismo de ambos consiste em estabelecer um canal de relação

entre eles. Esta relação aparece quando conseguimos pensar e agir de


forma coerente e simultânea. Este canal se compõe, portanto, de uma

quantidade de energia mental e outra quantidade de energia física e é a


causa da criação de um campo de força eletromagnética de caráter

vertical.
352

Figura nº1

Este campo de força vertical, ao se expandir, gera polaridades em sua região


média, como se fossem polaridad es equatoriais, como são as emoções e a vitalidade,
que, quando se relacionam por um canal, se sincronizam, gerando outro campo de
polaridade, de caráter horizontal. Para estabelecer a relação emoções -vitalidade,
precisamos sincronizar a motivação com o mo vimento do nosso corpo.

Figura nº2

Estes dois campos de força, vertical e horizontal, unidos geram um campo de força
comum, no qual se organizam a mente, o corpo, as emoções e as energias, de forma
concêntrica, tendo como centro a consciên cia inteligente.
353

Figura nº3

Essa seria, então, a estrutura do sincronismo mente e corpo, cujo sistema é um


dos arranjos da magia marcial, dos quais falarei mais adiante. A instalação desta
estrutura permite gerar a condição de mudar padrões de comport amento instintivo para
padrões de comportamento inteligente.

2. CÍRCULO DE POTENCIALIDADES

É o conjunto de faculdades mentais que se relacionam com o tempo em


suas três formas e também os ciclos ou ritmos que as faculdades geram
quando se relacionam com o te mpo e o espaço.

Figura nº4
354

Os ciclos ou ritmos são quatro e cada um é representado por axiomas:

1º ciclo: O círculo de potencialidades não permite ansiedade, preconceitos nem


desejos, possui uma visão do ataque do adversário através de um códi go direto
de percepção com sincronismo de defesa e se bloqueia em proporção direta à
intensidade de energia aplicada nos dois ciclos anteriores.

2º ciclo: O círculo de potencialidades desenvolve iniciativa no combate,


estabelece ritmos e contra -ritmos simultaneamente, define o código de sinais
indireto e é bloqueado por vaidade e influências externas. O código de sinais
indireto é subliminal e surge de forma espontânea e intuitiva.

3º ciclo: O círculo de potencialidades mostra o centro. A energia interna c omeça


fluir livremente. A mente ganha em profundidade e irrompe no centro do
oponente. O domínio do centro do oponente se manifesta através de uma lógica
seqüencial de combate.

4º ciclo: O círculo de potencialidade gera criatividade e um plano de combate


por objetivos e com potência total, sacrifício da energia e motivação de vitória
total. A criatividade surge do sentimento de ida sem volta. Há impostação e
sacrifício do corpo em benefício da vitória.

3. OS ARRANJOS

Tudo o que existe, existe em função de arr anjos. O próprio universo,


para existir no infinito, precisa de um arranjo. Nossa existência, desde
as coisas mais simples até as mais complexas, passa por arranjos. Por
exemplo, se fosse pela estrutura física do olho, que é côncava e
convexa, nós veríamos as coisas de cabeça para baixo, porém nosso
cérebro cria um arranjo que nos permite ver as coisas do jeito que
vemos.

Os arranjos são sistemas que combinam e coordenam vários elementos


e fatores que geram as condições para a existência. Isto é uma lei ger al
que se aplica tanto em nível físico como em outros níveis também.
355

Falaremos, então, dos arranjos que devem ser criados para que a magia
marcial se manifeste.
 A regeneração do tempo.
 O reposicionamento do espaço.
 Estratégia do pensamento.
 As dezesseis pétalas.
 O padrão infinito.

a) A REGENERAÇÃO DO TEMPO

Esse arranjo se fundamenta na compreensão do que é o tempo em


relação ao universo, para além do que ele possa significar para nós.
Desse ponto de vista, o tempo é um movimento que gera energia, é o
movimento planetário, solar, galáctico e do próprio universo. Esse
movimento gera duas energias: a centrípeta e a centrífuga, que se
equilibram uma a outra, mas ao mesmo tempo se deslocam através do
espaço, que atua como suporte do tempo. Portanto, o espaço é
estrutural e o tempo é sistêmico. Isto significa que o tempo é um fator
externo e se movimenta por fora do centro ou do eixo de todas as coisas
existentes no Universo. O melhor exemplo que temos para visualizar
isso é o carrossel, pois, se o observador se posi ciona no centro, ele não
se movimenta, mas se posiciona fora dele, adquire movimento.

O arranjo da regeneração do tempo depende da capacidade que temos


de parar o tempo e isto se faz através da “concentração” da mente como
uma técnica que precisa de treina mento contínuo e regular. Este é um
treinamento específico, tanto objetivo quanto subjetivo. Porém, essa
capacidade de parar o tempo se refere também a um comportamento
concreto e de todos os dias, que também deve ser treinado
continuamente.

Quando conseguimos parar o tempo dentro de nós, obtemos como


resultado duas coisas muito importantes, que são a capacidade de unir
nossos pensamentos e sentimentos de forma consciente (no coração) e
356

aprendermos a pensar num tempo novo, que já não produz neurose nem
estresse, já que nosso comportamento também se torna consciente.

O treinamento diário e concreto é feito mediante o controle do desejo e


o trabalho sem visar resultados, simplesmente pela excelência do
trabalho. O resultado de qualquer trabalho ou ação que rea lizamos não
depende da nossa preocupação, mas da nossa eficiência. Um bom
trabalho gera um bom resultado e isto não é aleatório; o contrário
também não é.

b) O REPOSICIONAMENTO DO ESPAÇO

Para criarmos esse arranjo, precisamos reavaliar o conceito do espaço,


já que, em geral, para nos ele é muito vago e impreciso. A estrutura do
espaço se fundamenta no conceito de direção, ou direções, mas para
definir direções precisamos de um referencial e o único referencial que
podemos usar para isso é nosso próprio corpo . Portanto, a primeira
noção que temos do espaço é nosso próprio corpo. Para reposicionar o
espaço, devemos aprender a fixar o nosso corpo. A fixação do corpo é
uma técnica que gera várias condições muito positivas, que permitem
ao corpo agir em sincronism o com a mente.

A técnica de fixar o corpo gera as seguintes condições:

 Plantas dos pés se posicionam de maneira firme no chão.


 As palmas das mãos ficam aquecidas.
 O peito estica.
 Os ombros abaixam.
 O corpo relaxa.
 A coluna vertebral se flexibiliza.
 As articulações em geral ficam desimpedidas.
 O corpo se desloca de forma mais suave e precisa.
357

A fixação do corpo é uma técnica que é feita em duas fases. A primeira


é realizada com o corpo quieto, evitando qualquer movimento
mecânico ou reflexivo, como por exemp lo, as ásanas do Hatha-Yoga.
A segunda utiliza técnicas de movimentos como, por exemplo, os
aeróbicos. De qualquer forma, todas as técnicas para trabalhar a fixação
do corpo estão inseridas nos treinamentos de Nei Kung de maneira
especializada.

O que deve ser combatido e dominado para criar o arranjo do


reposicionamento é a ansiedade, por meio do controle das expectativas,
já que elas são a principal causa da ansiedade. Expectativa é sinônimo
de espera e passividade, que, neste arranjo, não tem nada a ver,
portanto é preciso eliminá -las da nossa conduta.

O arranjo cria duas perspectivas do espaço, o exterior e o interior, que


se transformam, com o tempo e com o treinamento, numa percepção da
consciência, como uma identidade espacial centralizada num sistema
de quatro elementos.

Figura nº5
358

c) A ESTRATÉGIA DO PENSAMENTO

Este é um arranjo dos mais complexos, porque coordena muitas coisas


ao mesmo tempo, como os oito passos, os sete princípios estratégicos,
o círculo de potencialidades e os cinco elementos.

Figura nº6

6a - Os Oito Passos:

Esta é uma técnica treinada na posição sentada sobre os joelhos e os


calcanhares e contém os seguintes passos:

1) Colocar a ponta da língua no céu da boca.

2) Concentrar-se na saída e entrada do ar no ventre.

3) Sentir os batimentos cardíacos em algum lugar do corpo.

4) Direcionar os batimentos para o centro do peito (7 a cervical).

5) Concentrar-se num ponto de luz interno.

6) Focalizar os pensamentos que aparecem na mente sem se


identificar com eles.

7) Polarizar-se para além do corpo, pelo topo da cabeça.

8) Visualizar o selo do Potencial Inteligente.


359

6b- Os Sete Princípios Estratégicos:

Os sete princípios estratégicos fazem parte de uma técnica que se compõe de


concentração, distância, tempo, regulação, ritmo, absorção e controle. Estas duas
técnicas são executadas em seqüência, primeiro os oito passos, logo os sete princípios
estratégicos, junto com o círculo de potencialidades e os cinco vetores da técnica dos
cinco elementos.

6c- Círculo de potencialidades

FUTURO PRESENTE
(ATIVO)

IMAGINAÇÃO INTUIÇÃO

ATENÇÃO MEMÓRIA

PRESENTE C = CONCENTRAÇÃO
(PASSIVO) PASSADO
360

6d- Os cinco elementos

FOGO

AR TERRA

ÁGUA

d) AS DEZESSEIS PÉTALAS

É um arranjo que se compõe de três partes, que são as dezesseis


virtudes, as dezesseis percepções e as dezesseis formas de olhar. As
dezesseis virtudes estão decodificadas em um vitral inicial.

Figura nº7
361

e) AS DEZESSEIS PERCEPÇÕES

Permitem dividir a percepção em dezesseis seguimentos,


simultaneamente, que permitem, com os olhos fechados, determinar e
definir objetos, sons e direções de forma específica e eficiente. Seu
treinamento se realiza em posição sentada sobre os calcanhares e com
os olhos fechados, aguçando a percepção de tudo o que acontece em
volta numa área de 380º, criando uma primeira divisão de frente e de
trás, uma segunda adicionada à primeira, do lado direito e esquerdo,
logo uma terceira, que surge da divisão pelo meio das duas anteriores e,
finalmente, uma quarta, que é a divisão da divisão.

Fig nº 8
362

f) AS DEZESSEIS FORMAS DE OLHAR

Com relação aos elementos, fatores, armas, etc. q ue constituem as artes marciais,
talvez os olhos sejam um dos elementos mais importantes, já que, além de tudo, eles são
instrumentos da visão – entendendo visão no sentido mágico, ou seja, a capacidade de
ver aquilo que está por trás de tudo o que é visív el, o implícito, aquilo que constitui os
propósitos, as atitudes, as intenções, as forças ocultas, etc.

Nos olhos estão também os elementos de controle das energias físicas e


eletromagnéticas que constituem todas as coisas e a capacidade de equilibrar tod as essas
energias. Dependendo da forma como olhamos, as coisas se comportam de uma maneira
ou de outra. O equilíbrio das energias depende de balancearmos, em termos de
proporção, tanto à luz que sai dos olhos quanto a luz que entra e isso se obtém com a
primeira forma de olhar, denominada “olho redondo”.

A técnica do olho redondo consiste em olhar todas as coisas de forma dupla e


simultânea, ou seja, olhar para o corpo e para o espaço em volta do corpo. Ao mesmo
tempo, é nos olhos que se concentra a maior quantidade de medo, por isso é necessário
aprender a não piscar quando as coisas se comportam de forma agressiva. Assim, o olho
redondo, além de olhar as coisas de maneira dupla, não pisca.

A segunda forma de olhar é a divisão horizontal, que consiste em dividir o olhar


em duas partes: a superior e a inferior. Pela parte superior, a energia entra e, na primeira
fase das dezesseis formas de olhar, é de cor azul. Pela parte inferior, a energia sai e,
nesta fase, é de cor branca. Simultaneamente, o olhar na p arte superior se caracteriza
por ser do tipo predador e, na inferior, por ser do tipo persuasor.

Figura nº9

a)
363

b)

A terceira forma de olhar é a divisão vertical, que consiste em dividir o olhar em


duas partes: a do lado direito e a do lado esquerdo. Pela parte direita, a energia sai e,
pela esquerda, ela entra. Na primeira fase, o lado direito é rosa e o esquerdo é verde.
Simultaneamente, o olhar pela direita é de ataque e pela esquerda é de defesa.

Figura nº10

A quarta forma de olhar é a d ivisão em quatro negativa e consiste em dividir o


olhar em quatro partes: direita superior, esquerda superior, esquerda inferior e direita
inferior. Pela primeira a energia sai; pela segunda, entra; pela terceira, sai e, pela quarta,
entra. A cor da direita superior é azul, da esquerda superior é rosa, da esquerda inferior
é branca e da direita inferior é verde.
364

Figura nº11

A quinta forma de olhar é a divisão em quatro positiva e é igual à anterior, só


que na direção contrária, ou seja, esquerda superio r, direita superior, direita inferior e
esquerda inferior. As cores são as mesmas e, pela primeira, entra a energia; pela
segunda, sai; pela terceira, entra e, pela quarta, sai.

Figura nº12

A sexta forma de olhar é o ícone em quatro negativ o e consiste em colocar em


movimento a quarta forma de olhar, o que é feito transformando a divisão em quatro
negativa numa espécie de ícone com quatro teclas. A primeira tecla é a da direita
superior, a segunda, a esquerda superior e assim por diante, de tal forma que o círculo,
ou o olhar, que para os efeitos é a mesma coisa, comece a girar da direita para a
365

esquerda, ou seja, no sentido contrário aos ponteiros do relógio, quando fazemos de


conta que começamos a apertá -las uma a uma nessa direção.

Figura nº13

A sétima forma de olhar é o ícone em quatro positivo e é igual ao anterior, porém no


sentido contrário.

Figura nº14
366

A oitava forma de olhar é a do padrão infinito e unifica a sexta e a sétima,

relacionando-as por seus próprios movimentos c omplementares, já que a sexta gira no

sentido contrário ao relógio e a sétima, no sentido do relógio e, como a sexta está em


cima e a sétima embaixo, elas podem ser relacionadas pelo símbolo do padrão infinito.

Figura nº15

Da nona à décima sexta forma de olhar, é como as oito primeiras, porém todas

ela tem uma irradiação dourado -amarela de fundo, semelhante à imagem de um eclipse
do sol.
367

Figura nº16

g) O PADRÃO INFINITO

Este arranjo consiste em relacionar o olhar do padrão infinito com os


três centros do Nei Kung, os códigos representados pela técnica dos
três mundos e pela técnica dos cinco elementos. Porém, neste arranjo,
talvez o mais importante seja entender os fundamentos cognitivos.
368

4) A TÉCNICA DOS CINCO ELEMENTOS

Esta técnica corresponde aos níveis superiores da magia marcial,


constituindo-se como método de trabalho específico e, ao mesmo
tempo, sistema de treinamento da Escola dos Cinco Elementos. Este
método se compõe de três partes, que são cerimonial, treinamento e
laboratório. Falaremos dos dois últimos, já que o primeiro é de caráter
secreto.

a) O TREINAMENTO

Consiste na montagem do elemento terra e água. O elemento terra é


montado quando treinamos os cinco vetores: o vetor vertical, o vetor
horizontal, o primeiro diagonal, o segundo d iagonal e o central; e o
coordenamos com a Técnica dos Sete Princípios Estratégicos. O
elemento água é montado quando, uma vez integradas todas as técnicas
do elemento terra, elas são aplicadas através da técnica do combate de
aprendizado.

b) O LABORATÓRIO

Consiste numa metodologia especial onde o treinamento é


desenvolvido como uma pesquisa de caráter empírico, na qual cada
participante deve aportar experiências, conhecimentos e percepções. O
laboratório serve para montar os elementos ar e fogo e consta das
seguintes partes:
 Fluidez dos gases
 Retirar o medo do corpo
 Técnica dos olhares
 Montagem dos campos magnéticos independentes
 Luta mágica
 Vencer sem lutar
369

ii. OS FUNDAMENTOS COGNITIVOS

Correspondem à parte dos conceitos específicos da magia marcial, com uma


visão filosófica e ao mesmo tempo científica. Talvez seja a questão mais importante do
tema, já que a magia marcial, antes de ser uma questão de aplicação técnica, é uma
visão do mundo e por isso é muito importante entender cada um dos conceitos que
constituem esta magia. Começaremos, então, a descrevê -los e a defini-los, com o intuito
de chegar a eles e integrá -los de forma teórica e pratica a este trabalho.

1) OS PARÂMETROS DE JULGAMENTO

Antes de “aceitar a realidade” de qualquer coisa, é fundamental estabe lecer


seus parâmetros de julgamento. Estes parâmetros não surgem
espontaneamente nem são próprios de uma forma comum de pensar, ao
contrário, são próprios de uma forma incomum de pensar. Dizem as
escrituras que o que é verdade para o leigo é mentira para q uem sabe e
vice-versa. Para estabelecer os parâmetros corretos, precisamos ser
filósofos no verdadeiro sentido do termo, para poder observar as coisas de
forma independente ao comum e coletivo, principalmente qualquer forma
de massificação do pensamento hu mano. Precisamos pensar com
discernimento e consciência em cada caso, ponto por ponto, e obter uma
boa leitura interna dos fatos. Este é o resultado natural do exercício
constante da vida interior, pois sem ela não podemos sair da polarização
natural das coisas. Para encontrarmos os parâmetros corretos de
julgamento, precisamos estar despolarizados, como se fôssemos meros
espectadores no mundo e amigos de todas as coisas.

Existem algumas regras importantes a serem consideradas em relação a esta


questão. Uma delas é entender que a questão mais importante para o ser
humano é a realização e que ela é o verdadeiro fim da evolução humana,
todo o resto são meios para atingir esse fim e talvez o mais importante deles
seja a felicidade. Realização como fim e felicid ade como meio garantem o
surgimento dos parâmetros de julgamento. Outra regra importante é que a
370

eficiência das ações humanas depende exclusivamente de escolhermos,


para desenvolver uma coisa qualquer, a pessoa certa, que atue do jeito
certo, no tempo certo e no lugar certo. Isto é o que normalmente chamamos
de oportunidade. A busca pela excelência ou pela qualidade nas nossas
obras passa, então, por isto. A busca por parâmetros de julgamento exige
também a estruturação de três arranjos especiais, que poder íamos
denominar arranjo da felicidade, arranjo da amizade e arranjo da vocação.
Esses três arranjos, quando presentes em alguém, o tornam a pessoa certa.
Também fazem parte destes fundamentos os dois conceitos mais
importantes da magia marcial: o conceito de infinito e o conceito de área de
influência. Como conclusão desta primeira parte, é importante entender
que, antes de avaliar, refletir e tomar decisões em relação a qualquer coisa,
devemos preparar o quadro de parâmetros completo.

2) O CONCEITO DA FELICIDADE

Uma questão importante de entender é que a felicidade não é um fim, mas


um meio, e que a condição real do ser humano passa pela vivência no aqui
e no agora. O problema, em geral, é que condicionamos a felicidade com
base em expectativas e a colocam os sempre de uma forma condicional.
Considerar a felicidade desta maneira é equivalente a olharmos para o
horizonte e sairmos apressadamente em seu encalço, acreditando que em
algum momento o alcançaremos. Porém, sendo a terra redonda, se a
percorrermos em toda a sua extensão, chegaremos ao mesmo ponto onde
começamos nossa caminhada. Dessa forma, podemos entender que o lugar
mais longe de nós em relação ao horizonte somos nós mesmos e que o
horizonte está exatamente no lugar onde nós estamos. Assim, a felic idade
está onde nós estamos ou, do contrário, nunca a alcançaríamos.

A grande dificuldade que temos para entender isto é que a nossa cultura
carece de verdades espirituais suficientes para permitir que a gente possa
descobrir a nossa natureza real e aprend er a conviver com ela de maneira
natural e em harmonia com todas as coisas do universo. Perdemos muito
371

tempo neste dilema de ter que viver o tempo todo correndo atrás da
felicidade, sem sequer poder vivenciá -la no fim de todos os nossos esforços
e já é tempo suficiente para considerá -la um estado de consciência que
pode ser trazido à tona através da vontade interior. Para canalizar a
vontade, devemos estabelecer um canal que possa direcionar essa vontade
até nós e, para isso, é mister descobrir nosso verdad eiro valor como seres
humanos.

O arranjo da felicidade consiste em:


 O encontro consigo próprio.
 A aceitação de quem somos e do jeito que somos.
 A descoberta do amor que vence o medo.
 A afinidade com todas as coisas.

A questão da felicidade pode ser conside rada através de três aspectos, com
seus respectivos axiomas:

 Como potencial, ela não é um fim, mas um meio de vida e fundamento


da moral.

 Como arranjos, ela é um refinamento das nossas percepções, mediante


o desenvolvimento e a aplicação do conhecimento.

 Como vida interior, ela é a substância da nossa consciência, que


relaciona nosso Eu e nossa personalidade. A felicidade nos conduz
para realização e nos nutre do sentimento da eternidade.

3) O CONCEITO DA AMIZADE

De acordo com os filósofos, a amizade faz part e dos mistérios divinos,


como um pacto entre os homens e os deuses. Junto com isso, a amizade
contempla uma promessa de reunião entre os sábios e seus discípulos.
Neste contexto, a amizade não é uma relação comum, mas uma das
expressões do amor. Em qualque r um destes dois tipos de amizade, os seres
humanos não podem fazer nenhuma escolha, porém pode se preparar,
372

propiciando seu advento. Existe também, como um desdobramento dessa


amizade, outra, que surge entre os seres humanos em algumas ocasiões
especiais e felizes: a amizade entre guerreiros. A amizade guerreira permite
fortalecer não só os laços entre dois guerreiros, mas, o que é mais
importante ainda, fortalecer ambos, pois ela possui um código moral muito
profundo e este código é justamente o arranjo d a amizade.

 A busca em duplas.
 A luta contra a divisão.
 A confiabilidade.
 A purificação.
 A companhia dos guerreiros.
 A causa que motiva a amizade.

Embora possa parecer paradoxal, começarei pelo fim, ou seja, pela causa, já
que o fim, o meio e o princípio, p ara a magia guerreira, são uma realidade
única no aqui e no agora.

A causa é o axioma da amizade e diz o seguinte: “Ali, onde dois, três,


quatro ou mais se reúnem em meu nome, ali Eu estarei com eles”.

Eis o verdadeiro e genuíno espírito da amizade. Todos os grandes mestres


guerreiros, numa língua ou em outra, em diferentes épocas e lugares,
ensinaram isso a seus discípulos, como uma espécie de pacto e promessa.
Esse ensinamento ficou registrado na tradição da magia marcial como a
verdadeira causa que os gu erreiros possuem, para além de qualquer outro
motivo, nos derradeiros momentos da luta. O guerreiro luta para proteger
seus companheiros, porque eles representam para ele o elo de união com o
espírito da amizade.

A busca em duplas: modelo da amizade guerre ira que, além de respeitar o


axioma da amizade, permite que o conhecimento da magia marcial se
manifeste através da relação do compromisso entre um instrutor e seu
discípulo.
373

A luta contra a divisão: é a prova do arranjo da amizade, o domínio sobre


ela cria um elo indestrutível, de onde emana a força da amizade entre
guerreiros.

A confiabilidade: é o sentido e a direção do arranjo. A confiança entre


guerreiros é o fundamento do pacto entre eles e confere à amizade uma
espécie de solda forte e sólida que imp ede que os guerreiros sejam
enganados e destruídos.

A purificação: é o meio alquímico do arranjo, onde intervém o verdadeiro


amor entre os amigos e o espírito do sacrifício de um pelo outro. É a causa
para aparecer em cada um seu metal mais nobre.

A companhia dos guerreiros: é o estandarte do clã e o espírito que conduz


os guerreiros à batalha.

4) O CONCEITO DA VOCAÇÃO

A relação de oportunidade, eficiência e êxito depende fundamentalmente da


vocação de cada indivíduo humano, em função das atividades que ele
realiza. É a vocação que define a pessoa certa, na hora adequada, no lugar
determinado e do jeito certo. Isso promove, de forma específica,
metodologias inteligentes e conscientes e níveis de verdadeira satisfação,
onde a realização, sendo superior ao resul tado, não o nega.

A dificuldade nesta questão existe na medida das nossas expectativas em


relação ao resultado. Quanto maior elas forem, mais difícil é descobrir os
fatores básicos da vocação. Outro problema que dificulta a definição da
vocação é não conhecer a relação que existe entre causa, efeito e êxito.
Pensamos que ele é aleatório e que, além do mais, nada tem a ver com a
moral. Dessa forma, perante o êxito, justificamos os meios e o
comportamento, sem saber que êxito e destino possuem uma relação tão
íntima que ambos acabam se fundindo num conceito comum: a
Providência.
374

A vocação é como um espelho que temos dentro de nós e que nos permite
encontrar a lei que regula as ações humanas, que é a direção moral que cada
um de nós deve encontrar, antes de faz ermos qualquer escolha em termos
vocacionais. A relação de causa e efeito só pode ser compreendida através
da nossa consciência e o resultado desta compreensão é o que chamamos de
realização.

Mais concretamente, podemos estabelecer classificações e parâmet ros que


podem medir a vocação de forma científica por meio de uma observação
acurada do temperamento, da natureza e das características humanas,
resultando em modalidades e escolhas tentativas e probatórias.

Podemos trabalhar a vocação com duas ferramentas principais: o modelo a


ser usado e a grade mnemotécnica. O modelo é o homem vitruviano, com
suas proporções, medidas, ritmos, razão e harmonia e, além do mais, com
seus 21 itens.

Figura nº17
375

A grade é um sistema visual de classificação num pentágono div idido em


21 partes.

Figura nº18
376

5) CONCEITO DE INFINITO

Fundamenta-se na idéia da dualidade, já que tudo que existe no universo é


dual e também a mente, que, ao conceber o finito, pode, ao mesmo tempo,
conceber o infinito. Mas este conceito não é final, é apenas um meio que,
quando aplicado da forma correta, dinamiza tudo aquilo que se enquadra
nele. Isso nos leva a conceber todas as coisas como finitas e ao mesmo
tempo infinitas. É o número e ao mesmo tempo o não -número, como nos
ensina nosso Mestre JAL, e m Introdução à Sabedoria do Oriente. Dito de
uma forma comum, é a existência das coisas e das não -coisas. É nesta
dualidade que encontramos um apoio para entender o constante e
permanente movimento do universo. Porém, estes dois opostos não podem
ser considerados de forma horizontal, mas sim como duas esferas que se
relacionam de uma forma tangencial, criando -se entre elas uma “área de
influência” que é a causa misteriosa, geradora da própria existência do
universo e de sua curvatura. O perpendicular é tão somente uma ilusão
produzida por uma perspectiva incompleta; a relação verdadeira entre todas
as coisas é a função tangencial própria do universo infinito. A magia
marcial se fundamenta nesta função e se manifesta através de “áreas de
influência”.

6) CONCEITO DE ÁREA DE INFLUÊNCIA

É a força consciente e inteligente do universo que determina o padrão moral


de seu comportamento, o padrão mágico das artes marciais, que é a causa
oculta de todos os movimentos que se produzem na natureza. A área de
influência é a relação das coisas com a não -coisa, considerando estas como
esferas que se relacionam entre si, em um “espaço” que as suporta e que em
definitivo é seu substrato, que se expressa como um meio de ligação de
todas as coisas. Este meio de ligação é a idéia da sabedoria e corresponde
ao símbolo do zero em sua relação com os números: 0102030405 etc.
Geometricamente, corresponde ao círculo e suas divisões.
377

a) A TRADIÇÃO

A magia marcial faz parte de uma tradição milenar que, em seu âmago,
guarda um mistério singelo, porém profundo, já que, na sua versão mais
esotérica, corresponde a uma forma de transmissão dos conhecimentos
mágicos guerreiros sempre expressados de boca ao ouvido por um mestre
guerreiro a um discípulo da mesma natureza. Estes ensinamentos encerram
uma memória de tempos “pré -históricos” e relatam de forma mítica a saga
de Reis-Magos-Guerreiros que integraram em suas grandiosas aventuras
homens de condição nobre e também guerreira e aos quais ensinaram a
lutar de forma mágica para defenderem o bom, o jus to e o belo. Também
lhes mostraram uma trilha em que a guerra é um meio de purificação para
atingir um grau de evolução maior, porém lhes ensinaram que essa guerra é
interior. Nesta tradição mágico -guerreira, os fatos não são públicos ou
conhecidos por todos, como é o caso de outras tradições. Porém, seu
resultado aparece na história através de uma filosofia e uma cultura marcial
que envolvem homens e seres de diferentes naturezas em processos
importantes da história da humanidade. Ao mesmo tempo, esses Rei s, dos
quais nos fala a tradição, representam um único grande Rei -Mago-
Guerreiro, cujo espírito seria invisível para os olhos comuns dos seres
humanos, mas que se faz presente em todos esses Reis, que são
representações visíveis desse único espírito guardi ão, conhecido na tradição
pelo nome genérico de “Senhor das Portas”. Interpretando a simbologia e a
história de muitos povos antigos, podemos observar que este mistério
encerra um tipo de iniciação mágico -guerreira com provas de valor, de
eficiência marcial, de superação de grandes limites, enfim, de
circunstâncias onde prevalece o medo em suas diferentes formas de
manifestação. Tanto é assim que o discípulo deve caminhar em direção ao
“coração do medo” e passar por desse portal. Nas tradições, conta -se que,
após atravessar esse portal, o discípulo encontra o contrário ao coração do
medo, ou seja, o coração do amor. Os tibetanos, talvez um dos povos que
mais falam sobre esta tradição, ensinam que o acesso aos mistérios do
“coração de diamante” só é possível de ser atingido por aqueles que são
378

capazes de encarar e penetrar para além do rosto do medo. Por isso seus
guardiões de portas possuem rostos apavorantes. Nesta tradição, o coração
do medo representa a morte e o coração do amor representa a vida, porém
não a vida comum, mas aquela que existe para além da morte. Isto significa
que a iniciação da magia marcial consiste em morrer para logo encontrar a
vida na morte, ou, como se ensina em outras culturas, por exemplo, na de
Tajin, o segredo da morte -viva. De acordo com esta tradição, isto é o que o
mestre ensina a seu discípulo, a descobrir o segredo da morte através do
domínio do medo. Estas tradições também ensinam que o Senhor das
Portas se manifesta nesta relação de mestre e discípulo guerreiro por meio
de um círculo de fogo, em cujo interior não existe ilusão nenhuma, só luz e
harmonia. É neste círculo de fogo que o discípulo aprende a magia marcial
e é dele que emana o código mágico da tradição. Outro aspecto que permite
o acesso aos conhecimentos da magia marcial é a predisposição de um ser
humano qualquer para avançar nesta trilha de guerra interior contra as
sombras do medo e da morte, para guiar outros seres humanos, mostrando -
lhes o caminho percorrido antes mesmo que o discípulo tenha encontrado o
mestre. Talvez a tônica mais clara desta tradição seja o fato de que as artes
marciais sejam, em sua origem, sistemas mágicos de movimentos de ataque
e defesa numa luta invisível, onde o importante é vencer a si mesmo,
adquirindo uma condição de vida caracteri zada pela existência de fatos que
canalizam um potencial inteligente.

Sobre as duas manifestações públicas da magia marcial, a filosofia e a


cultura marcial, encontramos bastante material espalhado por toda a
história. Da primeira, jóias como os ensinament os que Krishna passa para
Arjuna no Bhagavad Gita; da segunda, códigos de honra como o Bushido,
coisas que não são exclusivas de um povo ou de um momento histórico, já
que exemplos como esses vamos achar em todas as culturas onde as artes
marciais estiveram presentes e nas quais lhes deram a devida importância.

A filosofia das artes marciais se caracteriza por sua forma prática de


encarar um tipo específico de problema, relacionado com as vicissitudes do
379

destino e seus imponderáveis. Estratégia de vida, co mo lidar com o medo,


com a morte, com a violência, com a ansiedade, com a solidão, preservação
da saúde, controle do estresse, desenvolvimento da vocação, etc., são temas
fundamentais na compreensão desta filosofia nascida do contato direto com
a luta e seu espírito oculto. Ao mesmo tempo, encontramos na filosofia das
artes marciais uma trilha que está fora das contingências e que promove um
comportamento muito especial no guerreiro, já que seus parâmetros estão
para além de qualquer convencionalismo. Quebr ar tábuas sem impulso,
cortar bambus sem rasgar as folhas que os sustentam, dominar a força bruta
com suavidade e sem nenhum esforço, impedir que um adversário nos
levante do solo são provas demonstrativas de que existe uma forma
diferente de agir, com um resultado muito superior ao comumente
conhecido.

A cultura marcial aparece nestas tradições como códigos de honra que


regulam o comportamento do guerreiro através de uma forma de vida
nobre, inspirada em valores espirituais que transformam o guerreiro num
ser superior, protetor dos que sofrem e dos injustiçados. Esta cultura é
responsável pela formação do caráter destes homens e mulheres, que,
através do tempo, serviram de modelo e inspiração a todos aqueles que se
identificam com esse tipo de vida. Estétic a e beleza coroam esses modelos,
que também têm sido causa de transformações no seio das sociedades
humanas de todos os tempos.

A tradição da magia marcial não é transmitida para muitos, muito pelo


contrário; sempre encontramos um mestre e um discípulo, q uando muito
dois ou três discípulos, não mais. Isso se deve ao fato de que a magia
marcial é um ensinamento para formar líderes guerreiros, que serão os
encarregados de comandarem muitos outros, o que denota um grande poder
de ação, de estratégia e de dest ino. O meio pelo qual esses líderes se
manifestam entre os homens é sempre o de uma saga ou sagrada missão, só
a eles confiada. Quando um destes guerreiros aparece, sua capacidade de
380

promover fatos grandiosos e heróicos é sua marca registrada. Por isso


existem tantas estórias e lendas de fatos épicos extraordinários.

Existe, nesta tradição, um fato muito misterioso que se refere à transmissão


do potencial inteligente de um mestre a seu discípulo e que guarda uma
estreita relação com iniciações guerreiras de alto conteúdo espiritual. Ela se
constitui como o único aceso à magia marcial. Se pudéssemos traduzir em
palavras, essa iniciação seria como a abertura das portas interiores do
discípulo outorgado pelo Senhor das Portas através do coração do seu
mestre. Ou seja, para que o discípulo possa adquirir esse poder, deve
conseguir entrar de forma sutil e invisível no coração de seu mestre. Este
fato está corroborado numa das tradições da Índia, que é conhecida como o
último canto (Uthara Gita), onde Krishna ensin a a Arjuna como penetrar
em seu coração. Para estabelecer esse laço, o discípulo deve aprender a
construir seu olho interno, que lhe permita ver. Para isso, é necessário
praticar de forma constante o silêncio interior, com o objetivo de não
interferir na realidade que o mestre mostra ao discípulo no seio do seu
coração e aplicar passo a passo tudo o que o mestre inspira no discípulo.
Estas virtudes permitirão que o discípulo possa se unir ao mestre. A partir
daí, surgirá a magia marcial.

b) A CONSCIÊNCIA MÁGICA DAS ARTES MARCIAIS

Na magia marcial, a consciência é um ponto de contato onde as coisas são


vistas de uma forma específica e esta visão corresponde a um olho que vê
de maneira clara e profunda, para além da visão comum. Por esta razão, a
consciência é simbolizada por um olho, que deve ser construído. Na
tradição, a consciência mágica possui uma visão intuitiva, com apoio em
dois pontos, que são a cabeça e o coração. A cabeça representa a visão da
sabedoria marcial e o coração representa a força. Isso é s imbolizado por um
homem jovem e forte, porém cego, que carrega em seus ombros um velho
sábio, porém inválido. Pai e filho e uma profecia, onde os Deuses auguram
uma nova terra e um novo povo. O pai vê, o filho executa, assim ambos se
381

tornam um. Essa unidad e é o mundo da consciência mágica das artes


marciais, o Universo da consciência mágica.

Tudo o que é real para o universo comum neste universo da consciência é


ilusório; o que no comum é perpendicular, neste se comporta de forma
tangencial. Quando no mundo comum não ha saída, neste existe uma porta
e uma trilha, basta não formular as coisas para que a realidade não se veja
interferida e a não formulação é possível mediante a superação do desejo de
conquista. Quando o discípulo guerreiro domina seu desejo, c onquista a não
localidade e seu olho interior se torna um espaço aberto ao infinito. Sua luz
é a sabedoria, a qual aparece como um meio de ligação entre todas as
coisas, claro e luminoso. Este meio é uma área de influência que substitui
os desejos pessoais pelo decreto da lei universal através do caminho
próprio.

A construção do olho constitui, na magia marcial, o maior de todos os


objetivos. O elemento essencial na construção do olho é a imagem clara do
mestre e da substância que emana dele e que penetra n o discípulo. Logo
aparece a segunda questão mais importante, que é a definição do círculo
mágico. O terceiro elemento é o treinamento especial ao qual o mestre
submete o discípulo e está sintetizado em duas virtudes: esforço e
sacrifício, e uma premissa: o treinamento não tem hora para acontecer. O
quarto ponto importante na construção do olho é a montagem dos cinco
elementos.

A consciência mágica se estabiliza através do desenvolvimento de arranjos


de percepção, dos quais já falei anteriormente, e da capac idade do discípulo
para dominar o espelho das percepções. No universo mágico da
consciência, a experiência de conhecer se produz num ponto onde se
encontram as imagens das sensações e das percepções. Este ponto é
denominado espelho. As sensações provêm do mundo externo dos sentidos
e as percepções provêm do mundo interno da consciência. As primeiras
têm, portanto, uma direção de fora para dentro e as segundas, de dentro
para fora. Tanto as imagens sensoriais quanto as percepções conscientes se
382

manifestam de forma simultânea. É preciso um treinamento específico para


coordenar ambas num instante e numa ação só. Esta nova e diferente forma
de agir substitui a ação por desejo ou por apego ao fruto, pois é uma ação
consciente, superior à ação por reflexo. A prime ira é inteligente a segunda é
instintiva. A magia marcial se sustenta nessa ação consciente e inteligente.
Desta forma, o resultado é garantido com relação à eficiência, mas não há
uma busca egoísta nem pessoal. O objetivo final da consciência mágica é
simplesmente a realização do ser humano.

A consciência mágica se manifesta através da visão interior na qual o


guerreiro reaprende a avaliar o mundo de uma forma diferente da visão que
fornecem os sentidos comuns. A visão interior se fundamenta na bondade,
no valor, na veracidade e na liberdade de escolha. Com essas quatro
virtudes, estrutura-se um pilar que sustenta o céu e a terra, estabelecendo
uma ponte de união entre ambos. A partir desse fato, o guerreiro conquista
a si mesmo através do domínio do seu te mperamento, transformando -o em
seu caráter e em sua vida moral e estabelecendo dentro de si mesmo uma
união espiritual com todos os seres.
383

3) TEMA II

a) O HOMEM DE CONHECIMENTO

O conhecimento na magia marcial se fundamenta em dois fatos: o primeiro


corresponde à realidade exatamente como é e a visão que podemos ter dela e, o
segundo, a forma certa de agir, considerando o primeiro fato. A magia marcial não lida
com a última realidade, mas com a realidade que surge dela, pautada e regulada pelas
leis que regem todas as coisas, motivo pelo qual a realidade, desse ponto de vista, é um
regulamento que surge da visão que o guerreiro tem dela. Portanto, o que deve ser
aperfeiçoado e purificado é a visão que podemos ter dessas leis que nos regulam. O
regulamento é a origem do conhecimento da magia marcial e, ao mesmo tempo, a
origem do homem de conhecimento, pois é ele que possui a visão desse regulamento .
Essa visão é responsável pela eficiência do comportamento do guerreiro, porém ela não
lhe pertence. É o homem de c onhecimento que, vendo, pode guiar seu discípulo
guerreiro através da “malha” das leis, que constituem a realidade. A forma que o
discípulo tem da visão é a que emana dos ensinamentos do homem de conhecimento.
Assim, entende-se esse símbolo que nos mostra um jovem forte cego que leva em seus
ombros um velho paralítico, porém com visão. A segunda questão, relativa ao
conhecimento, refere-se à forma de comportamento que surge como conseqüência da
visão do regulamento e que corresponde por inteiro ao discípulo guerreiro. Na magia
marcial, esta associação entre o homem de conhecimento e seu discípulo guerreiro é
indispensável e não poderia existir tal magia se não existisse essa união. Nos primeiros
anos de treinamento do regulamento, o homem do conhecimento é o mestre pessoal do
discípulo, mas, através do tempo, esse mestre se afasta no físico e se internaliza, através
das “percepções” do discípulo. Assim, com o tempo, ambos, o mestre e o discípulo, se
tornam um. Mesmo assim, as duas funções do conhecimento, ou seja, a visão e o
comportamento, continuam separadas e se manifestam de forma independente. A
primeira se localiza a uns 15 cm sobre a cabeça e a segunda no corpo como um todo. Na
magia marcial, este ser que vê e que se comporta de acordo com essa visão é um espírito
invisível, causa e origem da magia marcial e, quando é cultivado e cultuado da forma
certa, se estabelece como um espírito tutelar que guia as escolas que transmitem esse
384

conhecimento. O espírito da magia marcial se expressa e pode ser transmit ido através do
arranjo dos cinco elementos, técnica e metodologia que só é conhecida por um homem
de conhecimento e que consiste basicamente em circunscrever o espírito da magia
marcial e todos os discípulos em um circulo mágico intransponível, no qual é p ossível
desenvolver os cinco elementos: terra, água, ar, fogo e éter. Os resultados finais destes
ensinamentos, que se realizam através de treinamentos muitos específicos e
especializados é a construção de um campo de visão e de força, chamado olho
holográfico, com o qual se desenvolvem as técnicas mágicas. A demonstração do efeito
deste campo de visão e força é realizada tampando os olhos do discípulo, para que lute,
assim, contra um ou quatro adversários e demonstre, através de seu comportamento
marcial, uma eficiência muito superior à de qualquer outro sistema de luta.

b) AS TÉCNICAS MÁGICAS

Surgem de forma espontânea do campo de visão e força do arranjo dos cinco


elementos e se caracterizam pela suavidade, precisão e eficiência na sua execução.
Embora as técnicas mágicas sejam espontâneas, todas elas são respostas conscientes do
lutador, seja como defesas ou como ataques e, uma vez executadas, ficam para sempre
registradas na memória do olho holográfico, passando a fazer parte da experiência e do
conhecimento técnico mágico do discípulo guerreiro e facultando -o a transmitir
ensinamentos da filosofia marcial. Estas técnicas mágicas são o ponto mais alto do
desenvolvimento da magia marcial e são, ao mesmo tempo, as plataformas de trabalho
do homem de conhecimento. Em geral, as técnicas mágicas anulam e superam qualquer
outra técnica de reflexos condicionados e, de forma prática e contundente, demonstram
que o espírito é superior à matéria. Correspondem também ao meio de ação
metodológica para desenvolver as a rtes marciais filosóficas. O inventário do
regulamento se constitui, então, pela soma infinita de técnicas mágicas que existem na
magia marcial e é patrimônio de todos os homens de conhecimento e de seus discípulos,
que já tenham existido e existam atualme nte. Este inventário das técnicas mágicas tem
também o valor de fazer parte dos recursos externos e físicos dos discípulos, com a
vantagem de usufruto delas sem ter que trabalhar circunscrito ao círculo mágico, o que
lhe permite também trabalhar com essas técnicas no mundo quotidiano, sem infringir o
385

regulamento. De um modo geral, as técnicas mágicas se classificam em dois grupos, as


do inventário e as do regulamento. As primeiras se sub -classificam em perimetrais e
intermédias e as segundas em nucleadas.

1. TÉCNICAS DO INVENTÁRIO
a) Perimetrais. - Curtas - duras
b) Intermédias. - Longas - brandas

2. TÉCNICAS DO REGULAMENTO
Nucleadas - Lisas - voláteis

Esta classificação surge porque o olho holográfico é constituído de três áreas de


influência: a perimetral, que é externa, a intermédia, que vem na continuação quando
nos internalizamos e, finalmente, o núcleo, que é o ponto de contato entre a visão e o
comportamento. Tanto as técnicas perimetrais quanto as intermédias correspondem ao
arquivo do inventário e fazem parte da experiência do discípulo. Já as nucleadas são
espontâneas e surgem quando se estabelece o contato direto entre a visão e o
comportamento. As perimetrais se manifestam com padrões de movimento curto e duro
como um trovão; as intermédias, long as e brandas como o vento e as nucleadas, lisas e
voláteis como o relâmpago. De qualquer forma, esta classificação é apenas um intento
de sistematizar o olho holográfico, com o objetivo de gerar um suporte de consciência,
memória, imaginação etc., que perm ita uma transmissão pedagógica deste
conhecimento, que, para além de qualquer método ou sistema, opera de forma mágica
nas esferas do padrão infinito e da área de influência, mesmo que não estejamos
conscientes disto. As técnicas mágicas servem para descob rir as pegadas deste espírito
mágico e conhecê-lo é uma experiência direta que não depende de alguma coisa
específica, mas de uma das leis do regulamento. Ou seja, essa experiência é
transcendental e depende de que um homem de conhecimento escolha um discí pulo para
transmitir-lhe esse espírito. A chave esotérica para a transmissão deste espírito é a
interna vontade de querer vencer sem lutar.
386

c) VENCER SEM LUTAR

O ideal da magia marcial é vencer sem lutar, mas em que consiste e o quê
significa esse Ideal? Cons iste, em primeiro lugar, no domínio sobre si mesmo; em
segundo lugar, ação consciente e, por último, conquistar sem produzir reação no
adversário. Vencer sem lutar significa que o objetivo mais profundo da magia marcial é
a paz guerreira.

1. Domínio sobre si mesmo: geralmente, quando os acontecimentos exigem uma


luta, nossos pensamentos, emoções e reações nos dominam e nos transformam
em seres irreflexivos, mecânicos, desesperados, angustiados e principalmente
cegos. Esses conteúdos psíquicos e somáticos não nos permitem ver o que está
acontecendo de forma inteligente para agir também de forma inteligente. O
domínio consiste em, nesse momento, manter a calma, tanto dentro quanto fora,
e um estado onde a consciência não se afaste da união com o que há de mais
luminoso dentro de nós. Diante do perigo, esta atitude se torna uma visão lúcida
do que é necessário fazer para vencer.

2. Ação consciente: na técnica do espelho, descobrimos que existem sensações que


provêm do mundo exterior e, simultaneamente, percepções que provêm do
mundo interior e, quando ambas se encontram num ponto, produz -se uma
espécie de espelho que mostra as coisas de uma forma diferente e mais clara.
Esse processo nasce do fato de que dentro de nós existem dois homens
diferentes: o homem externo e o homem interno, o discípulo e o mestre. O
primeiro atua por desejo e o segundo, por lei ou vontade. Quando o discípulo se
disciplina e sujeita seu desejo à vontade de seu mestre, produz -se um instante de
união mágica na ação, onde o desejo se transforma e m força e a vontade em
perfeição.

3. Conquistar sem produzir reação no adversário: os reflexos condicionados são a


expressão mais vulgar e primitiva do ser humano e carecem de inteligência. Eles
funcionam por esquemas e, do ponto de vista da evolução do ser h umano, são
cegos. Quando entendemos e realizamos a ação consciente, estes esquemas
ficam fora de tempo e, por conseqüência, sem respostas. O sistema nervoso não
387

transmite o fluído que lhe é próprio, porque o cérebro não produz sinapse e o
adversário se depara com uma realidade bizarra e incapaz de compreender. Este
processo funciona como uma espécie de trava que impede a reação em tempo
real, anulando o adversário sem luta e sem violência.

4. A paz guerreira: na magia marcial, isto é considerado como um espíri to mágico


que guia o guerreiro a um estado de consciência, onde a força e a perfeição se
unem produzindo uma estética espiritual junto com uma manifestação de poder
mágico guerreiro. É, ao mesmo tempo, a origem dos códigos de honra que
acompanham todas as manifestações deste espírito nos clãs de guerreiro de todos
os tempos. Manifesta-se através de quatro eixos, que, quando são devidamente
coordenados, geram a maior de todas as virtudes no homem: a prudência.

a. Eixo um: humildade e força.


b. Eixo dois: obediência e honra.
c. Eixo três: retidão e coragem.
d. Eixo quatro: paciência e valor.

Quando adicionamos ao primeiro eixo a admiração, obtemos a liderança. Ao


segundo, a nobreza, obtemos o cavalheirismo. Ao terceiro, o respeito, obtemos a regra
e, ao quarto, a determinação, obtemos o destino. Quando todas essas virtudes e forças se
conjugam, surgem no guerreiro a prudência e a autoridade.

O fundamento mágico deste ideal corresponde ao modelo que se encontra


encerrado no que se conhec e na tradição como o mito do herói. É muito interessante e
necessário pesquisar os diferentes mitos heróicos que aparecem nas tradições guerreiras
de praticamente todos os povos. O resultado destas pesquisas comparadas mostra um
modelo mágico guerreiro que , de forma muito geral, se compõe dos seguintes
elementos:

1. Condição semi-divina do herói. O herói é filho de um ser divino que se une a


um ser humano.

2. Essa condição faz com que algum poder queira puni -lo e, para isso, o
perseguirá.
388

3. Este fato predispõe o herói contra os poderes do mundo no qual ele se


encontra.

4. Tudo isto se focaliza em provas que o herói terá que superar para conquistar
seu destino.

5. As provas se constituem através de uma saga.

6. Os deuses o preparam e lhe fornecem as armas má gicas.

7. O herói supera e vence as provas e, por conseqüência, vence seus inimigos e


conquista seu lugar no mundo.

É importante destacar que um mito não é um processo histórico, mas um símbolo


e não devemos entendê -lo ao pé da letra. É possíve l, sim, que existam em todas as
épocas seres assim, porém o mais importante é que essa simbologia nos coloca em
contato com uma trilha inicíatica, ou seja, uma trilha interior, relacionada com as
origens, a evolução e a realização do homem. O valor desses mitos está nos
ensinamentos esotéricos que nos proporcionam, pois nos permitem entrar em contato
com nossa essência, nos permitem encontrar nossa identidade e, finalmente, nos
mostram o caminho que devemos trilhar para conquistar nosso destino. Desta forma ,
com a correta interpretação destes mitos não só chegamos a entender a magia marcial
como também obtemos a condição de vivenciá -la, a magia do homem de conhecimento
e dos seus discípulos. Mas a magia marcial se expressa também através de um contexto
que, na Antigüidade, era ensinado para pouquíssimos homens e mulheres, pois existem
coisas que só podem ser ensinadas e aprendidas quando somo capazes de passar através
das portas mágicas que conduzem às câmaras internas, onde existe uma luz e uma força
que guardam relação com a divindade da guerra interior, conhecida pelo nome do
Senhor das Portas.
389

4) TEMA III

a) O SENHOR DAS PORTAS

Este segredo encerra uma divisão muito importante na magia marcial. Tudo o que
foi descrito até aqui tem relação com a instr ução e formação dos irmãos menores e
maiores. Quando nos referimos ao Senhor das Portas, falamos da educação dos homens
de conhecimento como guardiões desta tradição, ou seja, daqueles que, neste mundo,
sabem abrir a porta que conduz ao encontro com o Senh or das Portas. Não se trata de
uma divindade como as que aparecem na simbologia teológica, mas de uma força que se
expressa através de Reis -Magos-Guerreiros, que, muito antes dos sacerdotes das
religiões aparecerem no mundo, eles já estavam aqui entre os h omens, conduzindo-os
nesta trilha. Existem muitas tradições que nos falam disto, porém o mais importante é
que esta força continua agindo na saga da magia marcial e, portanto, é possível
recuperá-la. Os Rigden, entre os Tibetanos, os Montuhotep, entre os E gípcios, Os Reis
da Etruria, Rama-Krihna, entre os Ários, etc., corroboram com esta tradição e com a
existência deste segredo. Mas, para além dos estudos e pesquisas que possam ser
realizadas nesta área, o mais importante é entender como este espírito ance stral se
regenera de tempos em tempos e como esta magia marcial perdura através do tempo.

Hoje já não existem Reis-Magos-Guerreiros no nosso mundo, porém continuam


existindo guardiões desta tradição e é neles que descansa o peso e a responsabilidade da
preservação deste segredo. Os Japoneses denominam Soke esses Guardiões da Tradição
em suas artes marciais mágicas. Eles não representam graus hierárquicos nem títulos
nobiliários, são simplesmente re -fundadores de linhagens de guerreiros que tenham a
condição de se tornarem discípulos incondicionais destes Sokes. É claro que, na maioria
dos casos, hoje, estas tradições, mesmo no Japão, se encontram bastantes deturpadas,
mas o importante é saber o que elas representam, para saber também como distingui -las
e descobri-las. Os guardiões da tradição da magia marcial são continuadores de um
processo instaurado através do tempo, porém que não é conhecido de forma pública,
mas só na intimidade de fraternidades guerreiras. Poderíamos dizer que essas
fraternidades guerreiras são uma das condições fundamentais para que essa regeneração
390

aconteça. Outra condição é que nessas fraternidades exista alguém de alma nobre e que
possua uma grande mística pelos ideais heróicos e que seja capaz de se responsabilizar
por uma missão que lhe seja transmitida por um misterioso instrutor de magia marcial
que, de forma desinteressada, lhe ensine a cultivar e a respeitar a tradição das artes
marciais. Além desse instrutor, outros vários intervêm na complementação dos estudos,
treinos e informações que o candidato recebe. Outra condição, talvez a mais importante,
é que nestas fraternidades guerreiras exista um antepassado que possua um grau
iniciático ou mágico e que represente para todos os discípulos o Senhor das Portas.

O contexto no qual esta tradição está inserida é de ensinamentos dados através do


que se conhece como as câmaras internas, onde os discípulos aprendem técnicas e
conhecimentos específicos da magia marcial. Existem câmaras de simbologia dos
animais, de domínio dos e lementos, de rituais mágicos, de estratégia, de destreza física,
de purificação e conhecimento de entidades invisíveis, etc. A dificuldade para sabermos
tudo o que gostaríamos de saber neste seguimento é total, já que somente aqueles que
tenham passado por essas câmaras sabem o que ali acontece e os que passaram por isto
nunca falaram em público como são esses ensinamentos. Porém, sendo como são
guardiões da tradição esses conhecimentos são passados quando é necessário.

b) O CHAMADO

O chamado para o encontro com o Senhor das Portas se realiza através da via
interna e um guardião da tradição traz certas características desde a infância que o
direcionam para tal encontro. Filho de guerreiro, é acompanhado por um poder que o
protege e que lhe permite realizar at os de muita destreza. É capaz de vencer grandes
desafios e, para além de si próprio, é capaz de agir de forma sobrenatural através de
forças que o distinguem como um totem, representado pela forma de algum animal, ave
ou ser especial. Antes de se encontrar com o Senhor das Portas, passa por muitas
provas, tanto físicas, psíquicas, quanto espirituais, que, ao longo do tempo,
desenvolvem nele quatro grandes vórtices de energia que lhe configuram no mundo
invisível uma forma capaz de penetrar dentro da câmara interna do coração onde se
encontra o Senhor das Portas.
391

Em termos racionais, o chamado se expressa através de códigos de reconhecimento


e, em termos intuitivos, existe uma espécie de predestinação para a realização do
encontro entre o guardião e o Senhor das Portas. O chamado envolve, além do guardião
da tradição, o reconhecimento dos discípulos de vocação mágica marcial como um todo.

Os códigos de reconhecimento só funcionam no contexto dos discípulos e os


guardiões; fora disto, não funcio nam com pessoas comuns. Isto já é algo que assinala a
existência ou não deles num momento dado e numa relação mágico -marcial. Códigos de
reconhecimento são o respeito, o carinho, a confiança, a identificação, o amor, o
sacrifício, a compreensão e o destino comum. O chamado, do ponto de vista intuitivo,
responde a uma experiência interna que afeta todos os elementos da personalidade do
guerreiro de forma alquímica estabelecendo uma hierarquização também interna de
valores mágicos, estratégicos, táticos e téc nicos. Podemos falar de uma trilogia, onde a
tradição mágica marcial se preserva, constituída pelo chamado, o guardião e o discípulo
com um ápice oculto, o Senhor das Portas. Esta é a origem, os fundamentos e a estrutura
do que, na tradição mágico -guerreira, se denomina “potencial inteligente”. Todo o
esforço realizado pelos guardiões da tradição e seus discípulos tem tido, através dos
tempos, o mesmo objetivo, que é transmitir esse potencial inteligente de vivo para vivo
através de um método de reconhecime nto racional e intuitivo. Isso é, em essência, o
chamado.

c) A LUTA MÁGICA

Podemos dizer, com toda a certeza, que a luta mágica é o ponto central da magia
marcial e, neste contexto, a luta nas artes marciais é um símbolo desta outra luta, que é
interior e profunda, no coração do discípulo (o guerreiro) e do mestre (o guardião). Essa
luta mágica estabelece uma hierarquia de valores e de prioridades e, ao mesmo tempo,
se compõe de preceitos de ouro que encerram em si toda a sabedoria contida na luta
mágica.

A hierarquização se deve ao fato de que a luta mágica acontece no interior do homem


confrontado consigo mesmo, ou seja, a primeira luta é a do Eu com o próprio eu, logo,
em segundo lugar, do eu com a mente, logo do eu com a emoção, depois com a energ ia
e, finalmente, com o próprio corpo.
392

Os preceitos de ouro são treze: confiança, tranqüilidade, decisão, triunfo,


concentração, sensibilidade, suavidade, retirada estratégica, camuflagem, espreita,
contra-ataque, profundidade e obra.

Com relação à hierarquização, a primeira luta surge porque o Eu mestre, por um lado,
é grande demais para o eu discípulo, a ponto de este último sentir medo só de imaginar
tanta grandeza e se nega a crescer, a se esforçar e a superar limites. O Eu mestre, ao
mesmo tempo, gera um grau de exigência bastante elevado e puxa para que seu
discípulo chegue à meta assinalada. Essa tensão gerada entre ambos produz uma
situação de opostos que se enfrentam, buscando a harmonia. O mestre faz isto sabendo o
que está acontecendo, mas o discípulo não tem consciência disto e essa inconsciência o
faz ver esta situação como ruim e destruidora de seus apegos, prazeres, comodidades
etc. Desta forma, o discípulo toma o falso pelo real, a sombra pela luz e se confunde
com sua própria mente, a qual se transforma numa espécie de espelho que inverte a
imagem do mundo e de si próprio, fazendo com que lute contra si mesmo, pensando que
está lutando contra algo alheio. Esta luta se torna totalmente irracional quando intervêm,
agora, as emoções; o me do se esconde por trás das situações e circunstâncias,
estabelecendo uma ilusão de se sentir ameaçado e justificar a luta pela necessidade de
sobrevivência. Depois, chega ao ponto de usar a própria energia para lutar com todas as
suas forças contra essa so mbra que foi gerada nessa confusão toda e, finalmente,
envolve seu corpo físico usando -o sem critério nem conhecimento, de uma forma
reflexiva, sem consciência nenhuma. Finalmente aparecem os inimigos físicos, vitais,
emocionais e mentais, como contraparte externa de uma guerra interna. Essa dualidade
externa e interna se transforma numa guerra de características mágicas pelo fato de que
as vitórias surgem de forma surpreendente quando o discípulo ganha em virtude e
sabedoria, devido a uma inspiração que ch ega de forma misteriosa e sem muita
explicação, através da qual o discípulo encontra o caminho correto. O mais mágico
nisso é que esta inspiração provém do mestre, que sempre acompanha e direciona seu
discípulo sem que ele perceba. Isto está refletido nas tradições através do símbolo de um
homem velho e sábio que anda junto com uma criança.

A forma correta de enfrentar essa situação e sair da confusão da criança é através da


aprendizagem e aplicação dos preceitos de ouro, que são os ensinamentos que os
393

guardiões da tradição (homens velhos) transmitem a seus discípulos (crianças). Na luta


mágica, o inimigo é a sombra que se manifesta através dos quatro dragões dos quatro
cantos e, nesta guerra, vence apenas quem dominar os preceitos.

Os preceitos de ouro:

1) A confiança

Este preceito se fundamenta no fato de que tudo na natureza se manifesta de


acordo com princípios e leis que emanam do Ser e da sua sabedoria e isto é um
modelo de aplicação em todas as circunstâncias e ações. Conhecendo esse
modelo, os homens de conhecimento e seus discípulos podem operar sem
divisão interna, sem dúvidas, com certeza e infalibilidade. A sombra aqui se
manifesta como dúvida e ela deve ser vencida. Assim surge a confiança.

2) A tranqüilidade

Para além do que possamos pensar, existe uma ordem no universo todo, em que
cada coisa tem seu lugar, sua própria função e seu valor próprio, porém mesmo
na multiplicidade persiste como tema de fundo a unidade, a qual se expressa em
tudo como uma compreensão quieta. Nessa quietude, a consc iência se expande e
domina. Esse modelo permite vencer a sombra da agitação e da violência.

3) A decisão

A hesitação é a mãe da incerteza, que é a causa de que tudo de errado. Em toda


situação existe só uma coisa certa a fazer, tomar a decisão certa, na ho ra certa e
do jeito certo. Essa decisão existe como faculdade permanente do Eu no centro
de todas as circunstâncias. Esse modelo permite que, num dado momento, possa
ser previsto com antecipação o desfecho de qualquer ação bem sucedida. Essa
decisão é a força que vence a sombra da incerteza e da hesitação.

4) O triunfo

Este é o espírito do lutador e deve ser cultivado através do treinamento árduo e


bem concebido, do estudo do adversário, do campo de batalha, das
circunstâncias, da compreensão das leis natur ais e da realização íntima da
394

divindade. O triunfo não é só um fim, mas também uma forma de vida que
manifesta em todo momento a vitória do espírito sobre a matéria, da vontade
sobre a personalidade, da alma sobre o corpo.

5) A concentração

É o único e verdadeiro modelo de ação real. Concentrar mente, emoção, energia


e corpo num único momento, com certeza e eficiência, permite vencer a sombra
da dispersão. Para isso é necessário cultivar uma forma de pensar flexível,
consciente e determinada e complementar tudo isso com uma atitude artística e
com a busca constante do esclarecimento.

6) A sensibilidade

Grande parte do poder da sombra consiste em que o ser humano, em geral,


encontra-se afastado da realidade e isolado dela, por sua própria ignorância. Para
evitar dar esse espaço à sombra, é necessário que o discípulo guerreiro seja
capaz de captar e sentir essa realidade através do universo e da necessidade
como lei de evolução. Entre todas as coisas existe um espaço, entre todos os sons
existe um silêncio. Sensibilizar-se consiste em captar o espaço e ouvir o silêncio.

7) A suavidade

Geralmente, não conhecemos as conseqüências das nossas ações, motivo pelo


qual precisamos ser sempre muito cuidadosos perante as circunstâncias e as
coisas que realizamos. Para se rmos fiéis a essa necessidade, devemos saber que
toda ação deve ser regulada e, para isso, devemos aprender a agir com muita
suavidade. Embora pareça o contrário, a suavidade é uma formidável alavanca,
já que ela não só não causa distúrbios na força, mas t ambém é capaz de se
transformar num movimento constante, no qual a sombra não pode esbarrar.

8) A retirada estratégica

O rosto da sombra é possível de observar através dos nossos desejos. Quando


nos deixamos arrastar por eles, é a sombra que nos conduz e n os manipula.
395

Nossos desejos são forças que nos fazem fugir para o mundo exterior e cair na
periferia das coisas. Para nos libertarmos desta cadeia, devemos aprender a
movimentar nossa alma para dentro de nós mesmos e logo para cima, com o
objetivo de entrarmos em contato com a realidade da nossa alma, e não do nosso
corpo.

9) A camuflagem

A sombra acorrenta através de fixações. Ela nos torna repetitivos, mecânicos e


bitolados. Para quebrar essa inércia, é fundamental aprendermos a nos
descondicionar. Isso é possível de fazer, uma vez que realizamos a retirada, pois
nesse instante estamos afastados do quotidiano e fica mais fácil deixar para trás
os pensamentos, as emoções e os movimentos repetitivos. É importante
aproveitar esse contra-ritmo, pois, após um tempo, as coisas voltam a se
manifestar como de costume.

10) A espreita

A sombra se manifesta através de esquemas mecânicos e faz parte de um


programa de violência, mas não possui inteligência em tempo real. Por esse
motivo, uma vez que o discípulo tenha d escondicionado sua natureza, deve ficar
em atitude de espreita para ver e observar esses esquemas, com o objetivo de
prever qual será a nova abordagem que a sombra usará para tentar acorrentá -lo
novamente. Essa observação é uma forma inteligente de espreit a onde a mente
tem que ser, por alguns instantes, dominada e superada.

11) O contra-ataque

Quando a sombra tenta envolver e abafar, o discípulo deve ser determinado e


conhecer os espaços que tem para evoluir até conquistar a vitória. Uma vez que
tenha visto a trilha que deve ser percorrida, deve percorrê -la com toda a força e
determinação possível para que todos os fatores de manifestação da sombra
sejam deslocados lateralmente, sem impedirem seu avanço.
396

12) A profundidade

O avanço deve se transformar num movimento contundente, com uma direção


clara e com fôlego suficiente para ir até o mais profundo das nossas decisões,
sem hesitar nem nos determos até termos conquistado tudo aquilo que nos
pertence por direito. A sombra é uma força de superfície e não ati nge ações
profundas nem definitivas.

13) A obra

Toda vez que conquistamos aquilo que procuramos, devemos nos parar e fazer
um exaustivo balanço. Consolidar o que possuímos, recuperar aquilo que, no
fragor da batalha, foi deixado para trás, mas que tem algu m valor, convencer
todos de que tudo o que foi feito não só foi necessário, mas também útil e buscar
novas alianças e formas de solidariedade, mesmo com aqueles que foram nossos
adversários num dado momento. O importante é preservar a obra, perpetuar a
tradição da magia marcial e criar todo tipo de condições para que essa obra tenha
continuidade.
397

5) TEMA IV

a) O TREINAMENTO

O treinamento da magia marcial consta de três pontos fundamentais: sincronismo


do Eu com a mente, da mente com o corpo e do Eu com o corpo. O conceito de
sincronismo tem vários significados, porém aqui se aplica como algo específico, ou
seja, como um comportamento consciente e inteligente que substitui o comportamento
instintivo de reflexos condicionados e reações compulsórias. Al ém disso, estabelece
uma relação de harmonia e eficiência entre o Eu, a mente e o corpo.

1. O SINCRONISMO DO EU COM A MENTE

Antes de falarmos deste treinamento, é fundamental entender o conceito, posto


que em geral não existe conhecimento com relaç ão ao que seja isso. Em princípio, o
sincronismo Eu-mente é resultado da ação do Eu sobre a mente, gerando nela duas
percepções de forma simultânea: a interna e a externa. Esta abertura é a consciência de
relação direta entre o Eu e a mente, tornando -a veículo de expressão do Eu e, ao mesmo
tempo, recebendo deste uma energia nova e original, de natureza espiritual, que lhe
permite comandar de forma mágica a personalidade como um todo. Essa forma mágica
se refere a que a personalidade responde com total fide lidade ao entendimento e aos
desígnios da mente direcionada pela vontade do Eu. Basta a mente compreender e ver
claramente as coisas para o corpo executar aquilo que tem sido impresso na mente pela
presença do Eu e pela imagem que ele imprime nela. O trein amento deste sincronismo
só pode ser realizado através de formas simbólicas e do desenvolvimento da
imaginação. A faculdade central deste treinamento é a concentração da mente no Eu, o
qual, até não se manifestar de forma direta, deve ser representado da f orma mais mágica
e sublime que a mente possa imaginar, acompanhado de valores de sublimação da
consciência de qualquer outro objeto. Os valores de sublimação correspondem a todos
os aspectos mais nobres que a mente humana possa imaginar como exemplos digno s a
serem imitados, são os valores heróicos.
398

2. O SINCRONISMO DA MENTE COM O CORPO

Este conceito corresponde a uma necessidade de ação, devido a que, para que o
corpo execute movimentos e ações com eficiência, precisa de percepções prévias que
substituam seus instintos e desejos e estas percepções só surgem quando a mente
focaliza as ações que o corpo está realizando. Este sincronismo consiste numa
canalização da mente no corpo, alinhando tanto as emoções quanto as energias, para que
passem, através delas, as novas e espirituais energias que o Eu transmite à mente no
sincronismo descrito anteriormente. O treinamento de sincronismo mente -corpo
consiste em formas de descondicionamento do corpo de toda compulsoriedade que o
torna mecânico e reativo a r eflexos condicionados.

Ao mesmo tempo, o treinamento deve tornar independentes e autônomas as


energias com relação às emoções, que devem estar pacíficas e quietas, para que a mente
possa trazer junto ao corpo as energias de regeneração e renovaçã o. A questão mais
importante neste método de treinamento é que o corpo atue por consciência e não por
condicionamentos. A faculdade mais importante neste método é a atenção sobre mente -
corpo e emoção-energia no momento de execução de qualquer movimento, pa ra que a
energia nova não se perca e possa ser aplicada de forma correta.

3. O SINCRONISMO DO EU COM O CORPO

Este conceito tem relação direta com a substituição dos sentidos físicos como meios
de ação por outros meios de ação que correspondem às pe rcepções do Eu. Esta ligação
direta do Eu com o corpo permite controlar mecanismos atávicos da natureza instintiva
por meio de outra natureza muito mais humana e mais consciente do indivíduo humano.
Permite também agir sem a restrição da dúvida no momento de executar as ações,
tornando-as muito seguras e certeiras. Mediante este sincronismo, é possível lutar com
uma venda nos olhos ou atirar flechas num alvo no escuro sem visão nenhuma e acertar,
ou quebrar uma tábua de uma polegada sem impulso, etc. O trei namento deste
sincronismo depende de uma disciplina consagrada à magia marcial.
399

b) A DISCIPLINA

Existe na tradição mágica um conceito de círculo de nobreza, onde há coisas que não
devem ser feitas e também maneiras de fazer as coisas que não podem ser ut ilizadas.
Isto torna a vida de um guerreiro um espaço consagrado às virtudes guerreiras e a uma
forma específica de comportamento, pautado por uma forma de vida que não claudica,
nem se rende às fraquezas e trivialidades. Ao mesmo tempo, correspondem a uma forma
de conduta onde esses valores, do que deve ser feito e do que não deve ser feito, são
determinados pela maneira de executar todas as ações. Isto torna esse círculo de nobreza
uma espécie de anel intransponível, ou seja, há energias que não podem sai r e energias
que não podem entrar nele. A disciplina da magia marcial sacraliza esse círculo e o
constroem como oferenda ao espírito mágico da guerra interior através de um ritual
específico, que determina que, quem foi admitido nele, já não pode agir de f orma
vulgar, covarde ou profana, devendo apreender a viver e a morrer dentro dele. O
conteúdo deste círculo corresponde à técnica dos cinco elementos e à sua aprendizagem
como forma de permitir que o Eu se manifeste através do corpo e do comportamento,
criando um selo de qualidade característica do discípulo da magia marcial. O elemento
terra consiste na montagem de cinco vetores; o elemento água, numa forma de
movimento fluído e sem expectativas; o elemento ar, no controle e domínio dos gases
que compõe o organismo e o elemento fogo, no domínio das percepções acima de
qualquer outro sentido. Finalmente, o quinto elemento se relaciona com os outros quatro
através de uma espécie de holograma, que funciona com um novo campo de visão onde
todos os elementos são sincronizados. O resultado técnico deste processo como
disciplina marcial é a criação de um vácuo no centro de nós mesmos. Este vácuo se
manifesta como um silêncio intuitivo que permite ouvir o ser interior, ou espírito
mágico, e transmite um conhecimento relacionado com um caminho onde é possível
vencer sem lutar, onde não existe a violência e onde a guerra e o amor se encontram e
geram o ser mais mágico das artes marciais: a paz guerreira.

c) CONCLUSÃO

Para terminar esse trabalho, pretendo fazer algu mas considerações e colocá -las
como tema de pesquisa e desenvolvimento para todos os discípulos que conseguirem
400

chegar a esse nível no Instituto de Artes Marciais Filosóficas Bodhidharma. Apesar de o


tema em geral estar completo, é importante que saibamos que cada tema em particular
deve ser altamente desenvolvido. Em alguns casos, ampliamos algumas coisas, como a
relação entre o infinito e a consciência humana, a arte de viver, a felicidade, a amizade,
a alquimia humana, mas, mesmo assim, ficam outros pont os que devem ser
desenvolvidos, o que representa uma ótima oportunidade para quem quiser conhecer
essa tradição a fundo.

Algumas considerações:

1. O conceito de magia marcial não é sinônimo do que se entende por magia nas
tradições mistéricas, mas um conc eito técnico e específico usado nas escolas
internas de artes marciais de todos os tempos.

2. A magia marcial é uma arte de desenvolvimento da percepção. É uma arte


perceptiva e seu poder e eficácia dependem da percepção, nunca da força
física ou psíquica.

3. A direção em que devem ser apontados os exercícios, trabalhos e práticas é a


do desenvolvimento das faculdades do corpo, da vitalidade, das emoções, da
mente e da consciência, estabelecendo um equilíbrio tanto das faculdades
quanto desses elementos.

4. As faculdades do corpo são a resistência, o controle da dor, a flexibilidade, a


agilidade, a soltura, a regeneração, etc.

5. As faculdades da vitalidade são a renovação, a saúde, a mobilidade, a


persistência, a penetração, a articulação, o fôlego, etc.

6. As faculdades das emoções são a motivação, a alegria, a tranqüilidade, a


determinação, a descontração, a assimilação, a fidelidade, a devoção, a
solidariedade, etc.

7. As faculdades da mente são a memória, a atenção, a concentração, a


imaginação, a focalização, a associação, etc.
401

8. As faculdades da consciência são a inteligência, o discernimento, a


reminiscência, a relação, a conexão, a visão direta, a canalização, a
consagração, o entusiasmo, a união, etc.

9. As investigações com relação à magia marcial surgem de fontes gerais,


porém de fatos especiais que comumente acompanham as manifestações das
tradições marciais. Por exemplo, “numa determinada batalha, entre dois
grupos, um guerreiro executou um ato que mudou o curso da batalha, etc.”
Outras vezes, encontramos elementos de pesquisa diretos, como no caso de
tradições de grandes escolas de guerreiros. Também encontramos material
nos mitos guerreiros e heróicos, na simbologia, nas cerimônias e protocolos
das escolas de elite. Porém, se não existir no prat icante nenhum tipo de
lembrança ou intuição com relação à possibilidade de executar ações desse
tipo, é melhor desistir da pesquisa, porque, sem dúvida, não chegará a nada
proveitoso. O correto é ter tido alguma ou algumas experiências diretas de
magia marcial para pesquisar e aprofundar no tema.

10. A magia marcial é uma trilha oculta nas artes marciais e, para caminhar
nesta trilha, é necessário ter vocação. A vocação para a trilha mágica marcial
é a dos ideais heróicos.

Finalmente, para terminar este t rabalho, uma singela homenagem com uma
máxima de um guerreiro que foi mago e mestre da magia marcial:

“Um cavaleiro é mais poderoso por suas virtudes


do que por suas armas.”

Jorge Angel Livraga

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