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Carmen González Táboas

Um sentido próprio

A psicanálise está a parte do mundo, é completamente à parte, é outra dimensão. Quando falo
de psicanálise somente falo aos que de algum modo podem entrar ou lhes pode interessar
esta experiência.

Há pessoas que me perguntam, são curiosas, querem saber e eu lhes conto.

Pela experiencia há que se passar, isso não há absolutamente nenhuma dúvida.

Sobre o sentido, justamente, as pessoas que aceitam uma experiencia analítica é porque não
há sentido que o conforme. Não há dúvida de que todos vivemos no sentido. Se chega na
psicanálise quando o sentido não é suficiente.

A psicanálise não tem nada a ver com viver no sem sentido (no absurdo) ou qualquer coisa
assim. No Seminário 20 Lacan fala do sentido da vida e disse que cada um tem muito bem
assimilado um sentido da vida. Onde o pegou, onde o armou, onde o construiu isso é um
assunto de cada um, mas cada um ao crescer em algum momento, vai constituindo seu sentido
da vida: negativo, positivo, lindo, feio, descabelado, delirante, não importa.

Sente-se em um bar por um momento, e escute o que as pessoas falam e verá que cada um
atribui um sentido. Inclusive há pessoas que dão lição, predicam e dizem: “Não! Porque o
sentido da vida está em dormir tranquilo...” isso não importa!

Mas o tema é quando o sentido que se sustentava não se sustenta mais, se adoece.

A psicanálise não é para as pessoas que estejam contentes, em absoluto. Nem para as pessoas
que estejam conforme com suas vidas, nem para as pessoas que acreditam que dois mais dois
são quatro, tão pouco. Esse é o equívoco. A pessoa acredita que se entendeu algo já se curou,
se viu o problema está curado, porque não sabe nada do gozo, não sabe que os gozos se
retêm, se guarda, se pratica, não podem não ir ao lugar do gozo.

Então sobre o sentido da vida, quando o sentido fracassa resulta que há de descobrir o gozo
que impede o bom sentido da vida. Isso é o que há de se descobrir em uma análise. Quais são
os gozos que travam o bom sentido da vida, mas somente para pessoas que querem se indagar
e aqui há de vir muito tempo, não digo muito, mas tempo! Lacan o disse em francês: “il faut
temps, il faut temps, il faut temps (leva tempo, leva tempo, leva tempo)”! leva tempo! Para
que essa experiência tome caminho primeiro será necessário esvaziar a quantidade de coisas
que se crê e que são falsas, isso se produz falando, nada mais!

Por exemplo, outro dia você e perguntou acerca dos “fantasmas coletivos”, são muitos, não
são um só e as diferentes pessoas têm diferentes. Então, suponha que chegue alguém que
acredita na amizade incondicional. Isso é uma loucura acreditar na amizade incondicional
quando os gozos estão em jogo. Que amizade incondicional? Que amor incondicional? É
impossível!

Mas, para Lacan, tudo isso passa por uma lógica verdadeiramente que toca esse real! Como
você vai acreditar? Então, vem alguém transtornado porque o grande amigo não sei o que lhe
fez ou o estafou! Então digo, as pessoas vêm com essas coisas “a justiça virá!!”. Onde virá a
justiça.
Essa é uma pergunta que atravessa todos os meus livros! O que ensina o mundo, a cultura do
ocidente? O que ensina sobre a bondade, a verdade, a beleza e o bem?

- O mundo é injusto?

O mundo é o que é, como, como disse Lacan? É ”inmundo”, é inmundo no sentido de que não
há mundo, cada um constrói o seu mundo e quando alguém constrói o mundo baseado em
ideais sofre como um louco. O gozo fica escondido atrás dos ideais: sou infeliz porque não há
justiça, sou infeliz porque meu amigo... , sou infeliz porquê... , não, você não está infeliz por
isso, és infeliz porque sonhas coisas que não existem, por isso é infeliz.

Agora o trabalho analítico, como disse Lacan no Seminário XI, siga a regra do cálculo
infinitesimal. O analista trabalha com quantidades mínimas. A famosa sessão breve de Lacan, o
que ela quer dizer? Quer dizer que quando alguém vem tem que ir com pequenos toques
sacando os inventos que fabricou para guardar um sofrimento que, entretanto, está firme e do
qual não quer saber nada.

Então se vai trabalhando passo a passo, mas tem que haver desejo, se não há desejo, se não
há esse desenganar-se (decepcionar-se)... aqui vem gente com anos de terapia, com anos de
outras terapias, uma senhora que veio que estava há 17 anos com uma terapeuta, é assim que
chamam, vem e disse: eu adoro minha terapeuta porque é muito boa e somos muito amigas,
mas eu sigo mal, eu estou mal, eu estou mal e há algo em mim que não me deixa viver e eu
estou mal e vem me ver. E tem que começar um trabalho quase do zero porque
evidentemente essa senhora passou 17 anos não querendo saber nada, com uma psiquiatra
que ela adorava e que lhe ensinava muitas coisas.

A análise não é isso. A psicanálise com Lacan é um dispositivo com dois lugares perfeitamente
claros que não se confundirão nunca: o lugar do analista, que a princípio é posto em um lugar
de saber e depois esse lugar desaparece.

Então, necessita que haja alguém ali para escutar-te, para deixar aparecer a raiz do gozo.

Mas tem que haver alguém que esteja aí e que possa ler o que ouve, que não é interpretar, é
tocar, quer dizer, é chegar em um ponto onde você diz: “por hoje basta, porque aqui isto é
importante” e a pessoa se vai.

Uma vez um paciente meu que odiava que eu cortasse a sessão, coisa que não podia fazer,
porque nós vamos regulando o dispositivo e assim o fazia para que não ficasse tão mal com o
corte. Eu o atendi mais de uma vez na ultima hora da noite para que tivesse todo o tempo que
quisesse, porque se trabalha com a angústia não pode aplicar uma regra fixa jamais e um dia
estava sentado na sala de espera, por uma troca de horário ou para um controle (supervisão
de controle), então ficou sentado no sofá e disse: “não entendo como saem sorrindo ou rindo
de uma sessão de 10 minutos!”. Porque justamente, não teriam essa coisa paranoide que tinha
ele cada vez que o analista cortava a sessão era um ataque. Com isso tive que trabalhar anos.
Normalmente não é assim, o paciente fica tão comovido e às vezes dis: “olhei o relógio e
pensei que havia estado aqui por meia hora aqui e estou há 10 minutos!”.

Eu trabalho sem relógio, não existe o relógio para mim, existe o acontecimento.

E esse acontecimento pode suceder em meia hora, ou não, por isso tenho uma sala de espera.
Por que uma sala de espera? Porque o tempo é o tempo do acontecimento, há um momento
que o psicanalista diz: “aqui”, “isto”. Mas o analista tem essa função, não é um senhor nem
uma senhora que sabe muito e que então sabe mais que você. Não!! É uma função! O que
Lacan trabalhou da matemática? A ideia de função, você sai de todo o palavrório com essa
ideia. O analista tem que operar uma função até o gozo que verdadeiramente adoece, nada
mais.

Então, o paciente, este que não encontrava sentido em nada, vai encontrar em si algo tão seu,
tão próprio que é aí que vai encontrar o sentido. Mas não o tinha quando veio se analisar.

Claro que todo mundo tem um sentido, e, enquanto o sentido funciona ninguém o critica ou o
questiona, é a perda do sentido que o traz à análise. E a análise, volto a dizer, é para muito
poucos, não é para todo mundo.

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