JOHN R. SEARLE
De uma forma ou de outra, muitas pessoas parecem acreditar que alguma coisa
extremamente importante será perdida caso não se comprove que somos computadores.
Creio não entender a fonte de tanta intensidade. Roger Penrose também observa que foi
extremamente ultrajado quando tentou refutar a visão computacional da mente. Suponho que tais
sentimentos acalorados são provenientes da convicção, presen-
te em várias pessoas, de que os computadores fornecem a base de um novo tipo de civilização.
Chame o de estado N". O próximo passo, então, consiste em descobrir se você pode ou
não induzir estados de consciência induzindo o estado N e se você pode ou não parar os estados
de consciência parando o estado N. Se você chegou tão longe assim, parece-me, então, que você
tem algo mais que uma correlação, você tem boas evidências para uma relação causal.
Se você pode manipular um termo manipulando o outro, sem alterar as outras coisas,
então você tem uma boa evidência de que o termo que você está manipulando é a causa do termo
manipulado, que por sua vez, é seu efeito. Este seria o primei-
to passo em direção a uma explicação teórica. Mas, que tipo de teoria explicaria como o cérebro
causa a consciência? O
que deveriam ser tais mecanismos?
Neste ponto, temos francamente de confessar nossa ignorância. Nem eu nem ninguém sabe
atualmente como tal teoria
seria, e acredito que fornecer tal teoria será uma responsabilidade para a próxima geração de
neurobiologistas. No entanto,
estou otimista devido à seguinte consideração evidente e, acredito, decisiva: se sabemos algo
sobre o mundo, temos, com certeza, conhecimento de que os processos cerebrais causam
realmente nossos estados de consciência. Já que sabemos, de fato, que isso acontece, devemos
pressupor, pelo menos em
princípio, a possibilidade de descobrir como isso acontece.
Mesmo que, no final das contas, não obtenhamos uma explicação causal da consciência, não
podemos supor esta impossibilidade no início do projeto. No começo, precisamos assumir que as
correlações são evidências de uma relação causal passivel de ser descoberta. No entanto, assim
que admitimos que há
uma relação causal passível de ser descoberta, também devemos admitir que ela é teoricamente
explicável. Pode acontecer que não tenhamos condições de explicá-la, que a relação causal do
cérebro e a consciência resista à explicação teórica", que o problema de se explicar a relação da
consciência com o cérebro esteja além das nossas capacidades cognitivas biologicas.
Já que havíamos rejeitado o dualismo, e com ele o mate-
lismo, como poderíamos prosseguir na obtenção de uma
explicação biológica da consciência? Uma vez que limpamos o
terreno de erros como a IA Forte e o reducionismo, o que vem
depois? Dos livros que estão sendo discutidos, o de Israel Ro-
senfield não aborda esta questão e o de Dennett, de fato, não
admite tal problema negando a existência de estados subjetivos
da consciência. David Chalmers torna a questão mais difícil
ainda ao oferecer uma explicação na qual o cérebro não pos-
dentre vários capacitados a sustentar a consciência. A meu ver,
sui um papel especial, mas é apenas um sistema de informação
Francis Crick, Gerald Edelman e Penrose, embora de formas
distintas, parecem estar no caminho certo. Crick, com certeza,
encontrar correlatos neuronais da consciência. No entanto, como
está certo ao afirmar que o primeiro passo consiste em tentar
chamei a atenção anteriormente, os correlatos neuronais não
serão suficientes. Mesmo sabendo que duas coisas estão corre-
lacionadas, ainda assim não explicamos a correlação. Pense no
relâmpago e no trovão, por exemplo: uma correlação perfeita,
mas não implica uma explicação enquanto não tivermos uma
teoria. Então, do que precisamos depois de obtermos uma cor-
relação? Basicamente, o próximo passo nas ciências é tentar
descobrir se a correlação é ou não uma relação causal. Às
vezes, dois fenômenos podem ser correlacionados porque pos-
suem a mesma causa. Manchas de sarampo e febre alta estão
correlacionadas porque ambas são causadas por um vírus.
Tentar manipular uma variável e observar o que acontece
com a outra é uma forma de descobrir se os correlatos são
causalmente inter-relacionados. Suponha, por exemplo, que te-
mos uma correlação perfeita e observável entre estar consciente e
estar em um determinado estado neurobiológico. Não acredito,
ao contrário de Crick, que serão descargas neuronais de 40
hertz, mas, mesmo não sendo isso, haverá algo presumivelmente correlacionado à consciência.
Diversos filósofos convencionais ainda acreditam que são forçados a aceitar algum tipo de
ontologia dualista. Segundo
eles, trata-se de escolher entre alguma versão do materialismo,
versão do dualismo, que estaria subentendida ao se aceitar a tamos a existência e a irredutibilidade
da consciência, seremos
que negaria a existência real de estados conscientes, e alguma
existência de estados conscientes. No entanto, o dualismo parece fora de questão. Aceitá-lo é o
mesmo que negar a visão
científica de mundo alcançada com muito esforço no decorrer
de vários séculos. É concluir que realmente vivemos em dois
mundos bem distintos, um mental e um físico, ou pelo menos
que há duas espécies diferentes de propriedades, mental e fisica. Espero ter esclarecido, no
decorrer deste livro, que, a meu
ver, é possível aceitar a existência e a irredutibilidade da consciência como um fenômeno
biológico sem admitir a ontologia do dualismo tradicional.
Uma atitude bem típica foi ironicamente expressada pela Universidade da Califórnia,
em San Francisco, na pessoa do neurocientista Benjamin Libet, quando ele me disse que nas
neurociências “não há problema em se interessar pela consciência, mas é melhor dominá-la
antes”. É evidente
que nem todos os neurocientistas foram relutantes em lidar
com o problema. Há uma tradição, surgida, aproximadamente,
no início deste século, que refere-se à tentativa de se obter
uma explicação neurobiológica da consciência com o trabalho
do grande fisiologista britânico Charles Sherrington.
Tal trabalho foi continuado, recentemente, por cientistas proeminentes tais como sir John Eccles
e Roger Sperry. No entanto, eles têm sido definitivamente considerados ovelhas negras na área.
Livros didáticos básicos da ciência cerebral até hoje não possuem um capítulo sobre a consciência
e dizem muito pouco para sugerir que trata-se de um problema científico importante.
Na filosofia, acredito que a situação é ainda pior. Tem
sido muito comum tentar negar a existência da consciência, no
sentido de estados internos qualitativos subjetivos de ciência e
sensibilidade. Isto foi raramente apresentado de forma explíci-
ta. Muito poucas pessoas em qualquer época estiveram dispos-
tas a se expor afirmando que: "Nenhum ser humano na história
do mundo foi consciente um dia". Mas o que eles ofereceram
foram análises da consciência onde ela não passava de disposi-
ções ao comportamento (behaviorismo), de vários tipos de re-
lações causais (funcionalismo), ou de estados de programas de
um sistema de computador (IA Forte). A tendência geral tem
sido supor que a consciência poderia ser reduzida a alguma
outra coisa ou, de acordo com uma versão ou outra do "mate-
rialismo", eliminada por completo.
Devido ao fato dos cérebros agirem causalmente, isto é, de seus processos internos realmente
fazerem com que eles se encontrem em estados conscientes, qualquer outro sistema deveria ter
capacidades causais, ao menos, equivalentes ao limiar das capacida causais do cérebro para gerar
a mesma ação. Considero tal asserção uma conseqüência lógica trivial do fato dos cérebros
agirem causalmente, e devo dizer "limiar das capacidades cau-
sais" porque, talvez, os cérebros tenham muito mais do que o
suficiente. Em tal situação, outro sistema não precisaria ter "todas” as capacidades que os cérebros
possuem, mas deveria, ao
menos, ser capaz de atravessar o limiar da não-consciência para a consciência. No entanto, por
não termos conhecimento
dos elementos causais específicos do cérebro responsáveis por
isto, não sabemos como começar a fabricar uma máquina cons-
ciente. Talvez seja uma propriedade bioquímica das estruturas
neuronais. Talvez seja uma combinação da velocidade de descargas neuronais e da sua arquitetura
neuronal específica, como sugerido por Crick. Talvez sejam as propriedades físicas dos elementos
subneuronais, tais como os microtúbulos, apresentados por Penrose. Ou quem sabe, seja uma
propriedade que possamos duplicar em silício ou válvulas eletrônicas. No momento,
simplesmente não sabemos. Como já expus, as dificul-
dades, no entanto, são uma questão de ignorância. Não se
tratam de dificuldades metafísicas ou lógicas.
Pensei que, segundo seu ponto de vista, o tecido cerebral era necessário à consciência.
A consciência é causada
pelo comportamento de microelementos de sistemas nervosos, e
é percebida nas estruturas desses si Portanto, podemos e, de fato, devemos, conceder a
irredutibilidade da consciência sem precisar afirmar que ela não é, de alguma forma,
metafisicamente parte do mundo físico ordinário. Podemos, em suma, aceitar a irredutibilidade
sem aceitar o dualismo. Aceitar esta realidade deve permitir-nos explorar o mistério da
consciência livre dos equívocos que têm confundido tantas discussões sobre o assunto.
REFERENCIAS