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Pedagogia do esporte: jogos coletivos de invasão

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R349p

Reverdito, Riller Silva


Pedagogia do esporte: jogos coletivos de invasão/Riller Silva Reverdito, Alcides José
Scaglia. - São Paulo: Phorte, 2009. 264p.: il.

Anexo
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7655-210-9

1. Esportes - Estudo e ensino. 2. Jogos em grupo. I. Scaglia, Alcides José. II. Título.

09-0977. CDD: 796.07


CDU: 7 9 6 ( 0 7 6 )

05.03.09 09,03.09 011356

Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Dedicamos este trabalho às nossas famílias, que, por meio do amor
incondicional, acomodou no seio da vida nosso viver plenamente.
Riller e Alcides

Dedico este livro aos m?us amados pais, Ri ver e Lúcia, e à minha irmã,
Rilane.
Riller

Dedico este livro à minha família, em especial à minha amada esposa,


Fabrina, e aos meus queridos filhos, Annelise e Hugo.
Alcides
Pedagogia do esporte

a manifestação da condição mais humana do sujeito, por meio


das práticas esportivo-corporais, indiscutivelmente facilitadoras
na formação de sujeitos conscientes de suas responsabilidades
sociais, críticos e autônomos, quando metodicamente conduzi-
das à reflexão na pedagogia, nas quais em muito transcende a
simples prática de movimentos corporais, métodos e conteúdos,
capazes de estabelecer objetivos maiores e um ambiente que efe-
tivamente promova o sujeito em sua totalidade potencial.
Capítulo 1
Pedagogia e pedagogia do esporte:
análise conceituai de algumas das
principais abordagens
Pedagogia do esporte

meios de comunicação (TV, jornal, rádio etc.), levando Libâneo


(2002b, p. 27) a afirmar que "estamos diante de uma sociedade
genuinamente pedagógica".
Embora já esteja claro que a pedagogia não se apresenta
em um único seguimento, e também está para além do saber
metodológico, educativo e procedimental do ato de ensinar, ainda
assim, muitas vezes é compreendida dessa forma, sendo limitada
a um caráter reducionista.
Libâneo (2002b) delineia o campo especifico de estudos da
pedagogia e das práticas educativas e afirma que a pedagogia, "sn i
do ciência da e para a educação, estuda a educação, a instrução
e o ensino" (libâneo, 19ÍM. i> ="•) < <
' >n< «1««un<lo loni libâneo
(2002b. p. 2f 10), a i iedag< »gla r i triã ( a prática da educação:

I Ia è um «ampo de conhecimentos sobre a

j.ii .lilpinAtu a educativa na sua totalidade e historici-

dade t-, ao mesmo tempo, uma diretriz orientadora

da ação educativa.

Pedagogia é, então, o campo do conhecimento

que se ocupa do estudo sistemático da educação,

isto é, do ato educativo, da prática educativa concreta

que se realiza na sociedade como um dos ingredien-

tes básicos da configuração da atividade humana.

(Libâneo, 2002b, p. 30)

an
Pedagogia e pedagogia do esporte:,
análise conceituai de algumas das principais abordagens

Em Durkheim (1995), vemos que a pedagogia é a reflexão -


teoria prática e prática teórica - de forma metódica dos diversos
campos de estudos relacionados à educação; é estudo do ensi-
no - historicidade - na busca de uma ideal pedagógico. Segundo o
autor, quando partimos de um ato de reflexão realizado de forma
metodológica, estamos fazendo pedagogia. Esta constitui objeto de
seu estudo o processoformativo,a educabilidade do ser humano, ou
seja, é o estudo do ato educativo, da prática educativa do ser humano
a ser educado que se estabelece, portanto, como uma prática social,
e "configura a realidade individual e grupai, para realizar nos sujeitos
humanos características de "ser humano" (Libâneo, 2002b, p. 30).

A pedagogia investiga os fatores reais e concretos

que concorrem para a formação humana, no seu

desenvolvimento histórico, para dai extrair objetivos

sociopoliticos e formas de intervenção organizativa e

metodológica em tomo dos processos que correspon-

dem à açSo educativa. (Libâneo, 2002b, p. 96)

Com isso, i pedagogia estabelece seu campo de investi-


gação - cientifico, filosófico e técnico - nos diferentes aspectos
REL.U ÍOM.KIOS À I Í M L . I . U I Í ' ediicucioiul, cm constante transforma-
ção salir] m' lir.i.,ii( M , podendo, assim, explicar objetivos
(poj quê?, para quf?) c piocc.s.sos de intervenção metodológica
(' • imi l?)r < llganll&ttvi (o quê?, quando?) referentes à transmissão-
av,lniil,ji,i'i 'ÍF s.il>< H", c modos cl«' ação.

31
Pedagogia do esporte

Podemos analogicamente compreender pedagogia como o ho-


mem descrito por Freire (1991, p. 39), que vive simultaneamente três
vidas: "O homem cria o passado e o futuro. Vive três vidas ao mesmo
tempo. Transforma o passado em presente, projetando-o no futuro".
A pedagogia se ocupa daquilo que foi produzido pela
humanidade ao longo de sua historicidade, e vivendo o homem
que criou o passado no presente, a pedagogia analisa, interpreta
e compreende a problemática educativa para selecionar diretrizes
ni> (in-v nu-, (|iif sejam orientadoras «la ação educativa, projetan-
,1,, ii,, luiiu. > im;i< .li. ni<-. paia . oiiiiviii.it.,it) da atividade humana
I][it inrit. nla | .III .1 r>lu< silva concreta, em busca de um ideal
, 1 F f i . . . . . . . . , ,i| ',</ 1 ic i «-alizar nos indivíduos a formação humana,
111 m«-ío de saberes e modos de ações sistematizadas e organiza
das culturalmente; um processo de reflexão capaz de levá-los ao
conhecimento (Scaglia, 1999a; Libâneo, 2002a; Reverdito, 2005)
Como visto anteriormente, o campo de inve.siíjMçãi • «la
pedagogia são as práticas educativas, e cabe a essa veiilii J<,Ã..

compreender as diferentes manifestações e modalidade.-, <|f- pi átí


ca educativa. Para libâneo (2002a), a prática educativa -.r a p r o n t a
em informal, não formal e formal,
A prática edU'-itiva informal ,\e apresenta fiti a . <><••. e
influir» ias P H C I I id I- no meio âiiibirnte -.oclot ultui.il a partir
das ( #la< õéS e-.l aliei ei i< la', el It I r illi llvidii«r,«- Knipí>s, <i cjue remete
a mu | • uMf-nuii/aili. i ai oi};ani/.ado, apresentado
Diflindo dil Intel relações humanas em ambiente ou situação
pPHiiçto, i ' liiii • t elaç.li • (Ir pais e filhos.

j;
Pedagogia e pedagogia tio esporte:
análise conceituai de algumas das principais abordagens
(

Nas práticas educativas não formal e formal, o marco dife-


rencial está nos aspectos institucionais. A não formal está fora do
âmbito institucional, mas com um grau apresentável de estrutu-
ração e sistematização do saber. A formal se apresenta no âmbito
institucional, com objetivos educacionais específicos, tendo uma
ação intencional institucionalizada, estruturada e sistemática.
Dessa forma, pautando em LLbâneo (2002b), a prática edu-
cativa não formal, assim como a formal, apresenta dois aspectos
que a configuram como educação intencional: a atividade humana
intencional (sistematizada e estruturada) e a prática social.
(
a pedagogia ocupa-se das práticas educativas

intencionais destinadas a favorecer o desenvolvimen-

to dos indivíduos no interior de sua cultura por meio

dos processos de transmissão e assimilação ativa de

experiências, saberes e modos de ação culturalmente

organizada. (Iibâneo, 2002b, p. 162-3)

<
Sendo, segundo Libâneo (2002b), toda prática educativa
intencional correspondente a uma pedagogia, isso nos permite
compreender que as reflexões que decorrerão são próprias de uma (
prática educativa da pedagogia do esporte, portanto estabelecida
dentro do contexto de uma educação intencional.
Embora havendo, ainda, na pedagogia do esporte muito a
se desenvolver no contexto prático-teórico e teórico-prático,
já a constituímos como um ato pedagógic o e, segundo Balbino

(
(
33 (
Pedagogia do esporte

(2005), estamos transcendendo seus aspectos metodológicos e


procedimentais, ou, ainda, segundo Scaglia (1999a), para o qual
não se esgota unicamente no saber técnico-esportivo, mas em
uma ação educativa alicerçada para o individuo que joga; para um
cidadão autônomo que, impregnado pela cultura - que também a
impregna a transforma (Scaglia, 1999a-b; 2003; Korsakas e Rose
Jr„ 2002; Freire e Scaglia, 2003; Scaglia e Souza, 2004).
Para Freire (1997; 2002), Scaglia (1999a), Kunz (2000;
2001), Barbieri (2001), Paes (2001; 2002), Paes e Balbino (2005)
e Balbino (2005) entre outros autores, o "fenômeno espor-
te" não poderia ser compreendido diferentemente. Este se
desenvolveu de tal forma t|ii<- ultrapassou sua própria fronteira
imaginária, Influenciando e sendo influenciado por milhões
<|p | . .•...i Pm todo <i mundo, direta (profissionais do es-
M i u ai!. |ei-., iliii>:riii< . pie.) c* indiretamente (espectadores,
J>IATTC* i•!T« rIH iiioinriitos livres, crianças, adolescentes etc.)
(Garcia, 2002),
A partir de sua caracterização e o reconhecimento de sua
importância de ordem social, políticá e cultural, o esporte tornou-
se área de conhecimento - Ciências do Esporte o que se deu
graças às investigações feitas em distintas disciplinas das ciências.
Com o desenrolar da mais profunda elaboração e refle-
xão dos conhecimentos gerados nas diversas áreas científicas,
permitiu ao esporte a sustentabilidade dos pilares de sua cientifi
cidade, sua autojustificação, um fenômeno gerado e transformado
sociocultuxalmente, impregnado de humanitude.

34
Pedagogia e pedagogia do esporte:,
análise conceituai de algumas das principais abordagens

Paia Garcia (2002), Teodorescu (2003), Scaglia (2003) e


Balbino (2005), o esporte é um fenômeno de ordem sociocultural,
que se desenvolveu no seio das relações humanas (cultu-
ral) simultaneamente ao seu processo civilizador (social); um
patrimônio da humanidade (Freire, 1997).
Entretanto, entender o esporte como fenômeno sociocultu-
ral não será possível por meio de uma abordagem unilateral, que o
reduz à situação de apenas esporte - manifestação de jogo na sua
forma mais organizada ou conjunto de habilidades/capacidades
físicas direcionadas a um objetivo comum - a priori Deverá partir
da sua forma condicionante de esporte, analogicamente a Freire
(1987), do mundo da consciência, reconhecendo sua existência
como esporte unicamente em virtude da condição existencial do
ser humano em percebê-lo e representá-lo como esporte.
Paulo Freire menciona em sua obra Pedagogia do oprimido um
diálogo com um de seus alunos, em que este admite que o mundo so-
mente é percebido como mundo em razão da situação existencial do
homem em percebê-lo e reconhecê-lo como mundo. Estabelecendo
sobre o mundo uma condicionante - de condição existencial -
de reconhecimento somente capaz em virtude da existência e da
capacidade do homem, nele, de percebê-lo e reconhecê-lo como
mundo. AÍIKI.» p<,<lemos í,Y/.er retcrência a Morin (2003, p. 223), para

" 'i11-'1 " " <!''!' conhecemos, sem nós, não é mundo; conos-
CO é mundo". Ocorre, portanto, a necessidade de compreender o
esporte |'. iii! <Ío homem que o faz esporte. Assim, não expulsan-
do 0 lUjeiii > dft ciência "do esporte" (Morin, 2002).

35
Pedagogia do esporte

Para Garcia (2002, p. 326), "mais importante que tentar de-


finir desporto é tentar perceber o praticante, ou seja, o homem
praticante de desporto". Do mesmo modo, segundo Teodorescu
(2003, p. 15) "o conhecimento e a prática do desporto constituem
actos de cultura; a cultura desportiva - tal com a cultura física - re-
presenta domínios da cultura material e espiritual universal".
E aqui chegamos a duas situações que sustentam uma práti-
(,i educativa, ronio verific ado anteriormente, em que recorremos
,i l )iu klirií» (l1»'»'.) c .< ÍAbAneo (1994,2002b) para uma breve com-
piceiisrm em pedagogia:

• O esporte reconhecido como um fenômeno de


ordem sociocultural;
• O esporte compreendido e percebido a partir do
homem que o faz esporte.

Quando reconhecemos o esporte como um fenômeno de


ordem sociocultural, estamos dizendo que ele é uma resultante
de relações, interações e manifestações intrínsecas (desejo,
fantasia, simbolismo etc.) do ser humano - atividade huma-
na - estabelecidas e transformadas ao longo de sua existência.
Quando o percebemos a partir do sujeito, estamos possibilitan-
do-o como prática sistematizada e organizada pelo indivíduo,
culturalmente objetivando potencializar o seu desenvolvimento
por meio de um processo de transmissão e assimilação de conhe-
cimento, portanto uma ação pedagógica, uma possibilidade do
Pedagogia e pedagogia do esporte:,
análise conceituai de algumas das principais abordagens

ato de "'pedagogizar' o fenômeno esporte", ou seja, uma prática


educativa (Paes e Balbino, 2005, p. 17).
Entretanto, segundo Freire (2000), mesmo o esporte passan-
do por inúmeras transformações, visivelmente percebidas em nos-
sos dias, até mesmo pela grande quantidade de investimentos que
tem sido oferecida a esse fenômeno, pouco ainda se desenvolveu
em pedagogia, ou em uma pedagogia do e para o esporte.
Segundo Freire (2000), em grande parte, isso acontece em vir-
tude da pouca credibilidade que os profissionais (pedagogos do es-
porte) que se propõem a ensinar esportes dão à prática pedagógica,
ou seja, em um processo sistematizado, organizado e objetivado.
Por isso, corroborando Libâneo (1994), Greco e Brenda
(1998), Scaglia (I999a-b), Freire (2000, 2003), Kunz (2000), Tani
(2000), Paes (2002), Paes e Balbino (2005), compreendemos o
esporte como processo pedagógico, não simplesmente envol-
vido, mas comprometido com o ensinar, com o formar e com a
prática educativa.
O esporte deverá, pois, deixar sua face instrumentalista e,
segundo Freire (2000), suas ideias inatistas, nas quais o indivíduo
é apenas percebido como parte exterior ao processo, como uma
possibilidade resultante. Porém, pensando em processo pedagógi-
co - txansmissão-assimilação e assimilação-transmissão - por meio
do e pelo esporte, este deverá ser entendido como um conjunto de
atividades em que, organizadas por professor e alunos, objetivam
determinado resultado (Libâneo, 1994).

37
Pedagogia do esporte

meio de desenvolver a capacidade de formular e

resolver problemas, estimular a curiosidade, é en-

tendê-la como processo de formação de indivíduos

autônomos e investigadores, é nutrir o desejo de sa-

ber, de ver, de conhecer, de aprender, posicionando

o processo educativo não mais como obrigação, mas

no plano das vontades do ser humano, da criança.

(Korsakas e Rose Jr„ 2002, p. 89)

Com o objetivo de compreender o esporte sobre os pila-


res que foram apresentados nos parágrafos anteriores, partimos
apresentando algumas das principais construções em pedagogia
do «porte, t i quais tltrutundu a partir de um estudo de revisão
IhIIIíi igiifu ... ajiirsTiiiaadi > alguns tios principais autores que têm
11 I h- ãdo na miss.io ih* sustentar uma abordagem pedagógica
i oiii li/í-nir < . .i|m/. de atender às necessidades atuais do ser hu-
mano, mapeando o que lhes é de consenso.

1.1 A pedagogia do esporte segundo Paes e Balbino

1.1.1 A pedagogia do esporte segundo Paes

Paes (2001; 2002) deixa bem claro seu posicionamento quan


to ao fenômeno esportivo atual. Segundo o autor, temos de ler nn i
novo olhar sobre o esporte. Não cabe mais ao esporte uma visão
exclusivista e elitizada, em que somente os atletas com alto desern-

OD
Pedagogia e pedagogia do esporte:,
análise conceituai de algumas das principais abordagens

penho são capazes de desfrutar, mas com múltiplas possibilidades


e nas suas diferentes expressões em toda a sociedade.

É preciso "pensar o esporte" com múltiplas pos-

sibilidades, atendendo tanto as pessoas que o praticam

como ocupação de tempo livre, quanto por questões

de saúde; enfim, é preciso trabalharmos com a iniciação

esportiva que permita aos cidadãos uma prática cons-

ciente, reflexiva e crítica. (Paes, 2001, p. 12)

Suas críticas são apontadas às propostas que se apresentam


de forma reduzida e exclusivista, nas quais dificulta a possibilidade
de um tratamento pedagógico do esporte, principalmente em se
tratando da iniciação esportiva precoce, centrada na busca pelo
resultado imediato, desconsiderando o ser que joga.
Para isso, Paes (2002) apresenta alguns delineadores necessá-
rios para a transformação do esporte:

• O esporte deverá ser mais bem compreendido


como fenômeno, sobretudo quando tratamos de
suas funções;
• O conteúdo que será desenvolvido deverá acontecer
de maneira planejada, organizada e sistematizada;
• Deverão ser considerados os diferentes níveis
de ensino;

39
Pedagogia do esporte

• Deve ser considerada a diversificação de possibilida-


des, tanto de movimentos quanto de modalidades
esportivas, disponibilizando ao aluno uma gama
variada de possibilidades.

Uma proposta pedagógica para o ensino dos esportes


deverá transcender os aspectos metodológicos e o conhecimento
técnico-tático, sem necessariamente diminuir a importância des-
se conhecimento, mas estabelecendo uma forma equilibrada e
harmoniosa entre os saberes metodológico e técnico-tático, os
valores e os modos de comportamentos, considerando sua função
educacional, uma ação educativa para os indivíduos participantes
e inseridos no processo (Paes, 2002).
Com isso, Paes (2001; 2002) direciona alguns aspectos im-
portantes a serem considerados na formulação de uma estrutura
de proposta pedagógica:

• Qual modalidade a ser ensinada? Ou seja, qual


modalidade esportiva se pretende desenvolver;
• Em que cenário? Refere se ao ambiente onde se
pretende desenvolver essa proposta Paes (2002)
là/, referência ao ensino louti.il, que acontece no
atniíit<i (Ir en.vïiii> u ruiu, pai («~11l.11 mente tia Edu-
, içíq i i i ! , ilâr, i ao não formal, que ocorre
• p. • iln .mutile ü,c. escolas de esportes (clubes,
i • • instituições etc.);
(
Pedagogia e pedagogia do esporte:
análise conceituai de algumas das principais abordagens
(
Quais os personagens dessa prática? Enten-
dendo que o esporte não deverá mais ser analisado
de forma exclusivista, em que somente os mais
talentosos participam, devem-se conhecer os
personagens que serão envolvidos nesse processo
(crianças, adolescentes, jovens) e em quais faixas
etárias estão;
Quais os significados? Na perspectiva do esporte
como patrimônio da humanidade, passível de di-
versos significados e re-significados, ele poderá se (
apresentar com diferentes objetivos, como recrea-
ção, iniciação esportiva, fins estéticos etc. (
(

(
Na construção dos pressupostos metodológicos, Paes (2002)
c
organiza sua estrutura-base respondendo a três referenciais: O
(
que ensinar? Quando ensinar? Como ensinar? No entanto, Paes
(2001; 2002) considera como complementar a essa estrutura um
referencial socioeducativo, ou seja, um referencial que permitiria c
responder de que forma o ser humano poderia se beneficiar nesse
processo educativo. (
Como meio de intervenção no ensino-aprendizagem dos es- (
portes coletivos, defende o jogo possível que remete a uma forma
simplificada do jogo principal, ou seja, jogos pré-desportivos, e
a pequenos jogos/brincadeiras, apresentados com características
técnico-táticas e uma estrutura funcional similar às características
dos esportes coletivos, tendo o seu nível de exigência estabelecido

( )
()
41 (
Pedagogia do esporte

conforme a característica e o conhecimento dos indivíduos envol-


vidos no processo (Paes, 2001; 2002).
Segundo Paes (2002), o jogo possível possui um caráter
lúdico e, ao mesmo tempo, é um facilitador para os alunos com-
preenderem a lógica técnico-tática dos jogos coletivos.

Para nós, o jogo possível possibilita o resga-

te da cultura infantil no processo pedagógico de

ensino do esporte, tornando seu aprendizado uma

atividade prazerosa e eficiente no que diz respeito

à aquisição das habilidades básicas e especificas.

(Paes, 2001, p. 94)

t fina Intervém,ão .i parlti do jogo possível possibilitará a in-


l'-i.>i,,lti nitre o«, <pir jà .abein jogai e os que querem aprender,
dáni dr -.ri «iiii ÍJ< ilii.iil<li dos piint ípios norteadores valores e
modos de comportamento para a formação de crianças e jovens
capazes de utilizar o conhecimento adquirido em seu beneficio e
de acordo com seus interesses.
Em Paes (2001; 2002), a distribuição dos conteúdos e a orga-
nização das fases de ensino se dão a partir da estrutura de ensino
formal. Sua organização se divide em três grandes grupos:

• Ensino Infantil: o objetivo é definido para a aqui-


sição das habilidades básicas, desenvolvimento das
inteligências, valores e comportamento;

42
Pedagogia e pedagogia do esporte:,
análise conceituai de algumas das principais abordagens

• Ensino Fundamental: este é subdividido da se-


guinte forma:
- Pré-iniciação (lse2ã sériej. domínio de corpo
e manipulação da bola;
- Iniciação I (J3 e 43 série}, fundamentos básicos
(passe, recepção e drible);
- Iniciação II (Ss e 6S série}, finalizaçõe s e fun da-
mentos específicos;
- Iniciação IH(73 e 8ã série}, situações de jogo, transi-
ções e sistemas envolvendo várias modalidades.
• Ensino Médio: desenvolvimento das modalidades
de forma específica (futebol, handebol, basquetebol,
voleibol etc.).

1.1.2 A pedagogia do esporte segundo Balbino

Balbino (2001; 2002; 2005) delineia por balizadores e pi-


lares na construção de sua proposta em pedagogia do esporte:
uma abordagem sistêmica1 dos jogos desportivos coletivos (JDC)
e uma proposta de ação pedagógica sob a ótica das inteligências
múltiplas1 para o ensino-aprendizagem.
2 Capra (1994). na teoria sistêmica dos organismos vivos, vê o mundo a partir de suas relações e intera-
ções, em que suas estruturas específicas s&o resultantes das interações e da interdependência de suas
partes, portanto totalidades integradas, nas quais nSo se limitam a um único organismo vivo ou apenas
às suas partes, mas também considera seu aspecto social e ecossistêmico. Segundo Capra (1994, p. 40),
"os sistemas vivos sSo organizados de lai modo que formam estruturas de múltiplos níveis, cada nível
dividido em subsistemas, sendo cada um deles um todo' em relação as suas partes, e uma 'parte' rela-
tivamente a 'todos' maiores".
3 Gardner (1994; 2001) e Balbino (2001) conceituam Inteligência como um potencial biopisicológico, no
qual é ativado maitibirutr uilmijÍ]Mr.is)liiuoiiai pii >l)Icmas ou criar produtos, em que poderá ou não se
desciiviilvri, drprmlrtxUnknmlunik» ir.cHidos <• dos aspectos motivadonais que afetam diretamente
o Individuo. Para Gardner (2001, p. 47), a inteligência é "um potencial biopsicológico para processar infor-
mações que pode sei JUVJ.IO mnu M-H-IIHX ultur.ilp.ira solucionar problemas ou criarprodutos que sejam
valorizados niuiu tulniia"

43
Pedagogia do esporte

No aspecto sistêmico, os JDCs são compreendidos como


um microssistema social a partir das relações estabelecidas pelos
integrantes da equipe envolvida no jogo; um sistema de organis-
mo vivo, runa totalidade integrada e autorregulável, apresentando
suas características essencialmente a partir das relações de intera-
ção e interdependência de suas partes.
Segundo Balbino (2001; 200S), uma proposta de ensino-
•<prmdl/.igem sob a ótica das inteligências múltiplas, além de
p. rmliii ti,i!i';c -endei o . aspectos metódicos pela pedagogia,
i .rimiir h. is um « »Ibar ruai.s ampliado do ser humano, para além do
]<..„•>) r de m us nirtodoK de ensino aprendizagem, considerando
mu fiHin.iç.lo na dimensão de sua totalidade, dessa forma, "a
valorização do indivíduo e de suas capacidades potenciais e
.sua relação com os sistemas e subsistemas que o cercam, na
medida em que coopera para inferir de maneira positiva neste
contexto" (Balbino, 2001, p. 78).
Balbino (2001; 2002) delineia sua ação pedagógica sobre oito
inteligências: corporal cinestésica, verbal linguística, lógico-matemá-
tica, musical, espacial, naturalista, interpessoal e iritrapessoal:

• Inteligência corporal cinestésica: permite ao ser


humano utilizar potencialmente seu corpo, ou partes
dele, com intuito de resolver determinados proble-
mas e a explorar diversos movimentos segmentares;
• Inteligência verbal linguística: trata-se da
sensibilidade de utilizar a linguagem para

âá
Pedagogia e pedagogia do esporte:,
análise conceituai de algumas das principais abordagens

estabelecer relações ou alcançar certos objetivos,


tanto a língua quanto a escrita;
• Inteligência lógico-matemática: envolve a capa-
cidade de o individuo analisar e resolver problemas
lógico-matemáticos e de investigação científica;
• Inteligência musical: envolve a capacidade do
indivíduo em responder ou apreciar determina-
dos padrões sonoros;
• Inteligência espacial: capacidade ou potencial
de o indivíduo reconhecer e manipular determi-
nados espaços;
• Inteligência naturalista: envolve a capacidade
do indivíduo estabelecer relação com a natureza
(plantas, animais etc.);
• Inteligência interpessoal: capacidade de com-
preender as intenções, motivações e desejos
relacionados ao próximo e sua intervenção em
situações que envolvem terceiros;
• InteligênciaintrapessoaL-capacidadedomdivíduo
em compreender de modo individual seus desejos,
intenções e motivações, tornando-o capaz de agir
de forma consciente em sua própria vida.

Embora as oito inteligências tenham sido apresentadas se-


paradas unitárias -, Balbino (2001) observa que elas não deverão
ser compreendidas no ambiente dessa forma, tampouco sua ação

45
Pedagogia do esporte

de forma isolada. Segundo o autor, elas podem até se apresentar


independentes, mas interagem entre si quando o propósito é re-
solver ou criar determinadas situações.
Para Balbino (2001), o ambiente dos JDCs é repleto de
possibilidades para o desenvolvimento do individuo envolvido
em seu processo. Os JDCs, nesse aspecto, são entendidos como
um sistema complexo, que apresenta diversas singularidades com
o contexto estabelecido em sociedade, permitindo uma constru-
ção para além do ensino das particularidades específicas dos jogos
coletivos (motora, técnica, estratégica e tática), transpassando for-
mulações de metáforas conscientes para a vida.
Nessa perspectiva, para Balbino (2001; 2002; 2005), o esporte
surge como um construtor de valores (personalidade, espírito cole-
livn, ai eif.u a-, regras, resolver problemas, analisar situações etc.) e
rompuitJiiíentos, i|ue, por meio de sua constante sistêmica de au-
toitej.ulagem, pennite aos indivíduos constatarem a resolução e a
construção de problemas em um ambiente de intensidade e fascina-
ção, levando-os a diferentes níveis de experiências e vivências.

o esporte é considerado um meio válido para

adquirir valores como cidadania, perseverança,

superação, cooperação, conhecimento dos próprios

limites, autoestima, criatividade, respeito aos demais,

tolerância, responsabilidade, controle emocional, au-

todisciplina, justiça, trabalho em equipe, integridade.

(Balbino, 2005, p. 62)

AR
Pedagogia e pedagogia do esporte:,
análise conceituai de algumas das principais abordagens

A partir desse contexto que se cria pela possi-

bilidade de ser o jogo ura instrumento pedagógico,

ampliando-se e transformando suas possibilidades,

adquirindo novos significados dentro e por meio de

sua prática, permitindo a quem joga, aprender inces-

santemente. (Balbino, 2001, p. 17)

Na concepção do autor, o ensino dos JDCs, a partir das inte-


ligências múltiplas, deve acontecer em um ambiente estimulador
do desenvolvimento das diversas inteligências e nos agentes pe-
dagógicos - professor, técnico, pais, torcedores, dirigentes etc. - a
responsabilidade de facilitadores desse processo.
Segundo Balbino (2001), essa proposta insere-se na
necessidade de propostas pedagógicas que valorizam nos in-
divíduos - aluno-professor/professor-aluno - a capacidade de
resolver problemas e de transformar e produzir em diferentes
ambientes, permitindo transpor a situação de apenas repeti-
dor; uma abordagem que trate da compreensão dos JDCs na
sua totalidade - sistêmica - e pluralidade estabelecidas cons-
tantemente nas relações e imprevisibilidades promovidas no
ambiente do jogo.
Para Balbino (2001; 2002), todos os indivíduos são
possuidores das diversas inteligências, as quais são passíveis de
transformação, quando estimuladas devidamente, Dependendo
do ambiente para seu desenvolvimento, uma capacidade poderá
se desenvolver mais que a outra.

47
Pedagogia do esporte

em longo prazo, Balbino (2001) busca seu referencial teórico em ou-


tros quatro: Greco, Grosser, Hahn e Werneck,4 que confirmam uma
das grandes dificuldades estabelecidas no meio teórico-prático, na
organização temporal das etapas e/ou em determinar de forma con-
victa uma estrutura delineadora de todo o processo, que também é
questionada por Balbino (2001) quanto à existência ou não de um
ponto de divisão entre uma fase e outra.
Embora seja necessário apresentar a organização e a siste-
matização do processo, partindo da compreensão de que o ser
humano, em determinados períodos de seu desenvolvimento e
maturação esteja mais suscetível a diferentes estímulos - ensino-
aprendízagem - e capacidades, esse não poderá se configurar
, orno li li*« .uir.iiK»limitador do indivídu< > nele inserido, entendeu
,]<, quf p-tps cm -rii ()<••,i'iiviilvioieiito (motor, Hsu <>, cognitivo,
i |IÍH|I),I! rh ). influem ia p r dilPtfUiiriitr influenciado pelo
iiiiMriitr !iti qual inif id^f, podendi» .ipiespiii.ir «llfereiiies níveis
ilc <)r-..-nvolvimputo < maturação t* n-sponder a determinado es-
tiinulo d<* lòt nia mais rápida ou de forma mais lenta, configurando
o princípio da individualidade. Isso significa que o processo de-
pende dos estímulos recebidos no ambiente ao longo da história
do indivíduo.
Para Balbino (2001), os períodos de desenvolvimento e matu-
ração do indivíduo não acontecem de forma linear, predeterminada
4 As obras referidas pelo autor sâo: GRECO, J. P; BENDA, R. N. (Org.). InlcUçSo esportiva unlvcr
sal. Belo Horizonte: Editora U F M G , 1998. GRECO, J. P. CogniçJo e AçSo, In: S A M U I M I . D M (Isd )
Novos conceitos em treinamento esportivo. Brasilia: INDESP, 1999. GROSSER, M; BRUSOIMAMN, 1',
Zn-m, F. Allo rendimiento deportivo: planiíicación e tlesarrollo, Barcelona M« tine?, Roea, ISHfi
GROSSER, M . ; NEUMAIER, A. Técnica» de entrenamiento. Barcelona: Martinez Hora. I V I K MNITN, 1
Entrenairiiento com nlAoK teoria, prictica, problemas específicos. Barc elona: Maillne/ Rot a.
1989. WBINECK, J, Treinamento ideal. S5o Paulo: Manole, 1999,
Pedagogia e pedagogia do esporte:,
análise conceituai de algumas das principais abordagens

ou ordenadamente, mas a partir de pequenos períodos sensíveis


para a aprendizagem de determinadas capacidades, nas quais
também acontecem de forma individualizada.
Nesse mesmo aspecto, Balbino (2001) faz referência às
diferenças existentes entre crianças ou adolescentes dos sexos
feminino e masculino, considerando que em determinadas fases ou
etapas meninos e meninas apresentam diferenças significativas que
influenciarão todo o processo, principalmente quando observamos
e comparamos ambos e suas características na puberdade.
De acordo com o autor, em uma mesma fase não pode-
rão ser considerados ambos (masculino e feminino) de forma
unilateral, mas multilateralmente considerar suas particularidades
individuais, características do desenvolvimento e maturação.
Apresentado todo esse contexto complexo em sistematizar
o conteúdo a ser desenvolvido em um processo de treinamen-
to em longo prazo, tendo por princípio-base as características
de desenvolvimento e a maturação do indivíduo em cada fase e
suas individualidades, Balbino (2001) o faz a partir das capacidades
sensíveis, que poderão estar suscetíveis ao treinamento em deter-
minada fase. Sua organização se apresenta da seguinte forma:

• Capacidades sensoriais, cognitivas e psíquicas:


apresentam-se de maneira favorável ao treinamen-
to entre 9 e 13 anos;
• Capacidades de aprendizagem e coordenação:
entre 7 e 12 anos apresenta maior capacidade de

51
Pedagogia do esporte

assimilação de informações (aprendizado), e entre


9-10 e 13 anos está favorável ao aprendizado mo-
tor e da técnica;
• Capacidade de resistência: está sensível ao
treinamento somente na ou a partir da puberdade;
* Capacidade de força: 11-13 a 15-17 anos está
sensível ao desenvolvimento da capacidade de for-
ma explosiva e resistência de força, e dos 15-17 e
17-19 anos está sensível ao treinamento da capaci-
dade de força máxima;
* Capacidade de velocidade: 7 a 12 anos está sen-
sível para treinamento com velocidades de reação
e cíclica, e entre 9 a 13 anos, para força explosiva e
aceleração para as meninas e entre 10-11 a 15 anos
para os meninos;
• Capacidade de flexibilidade: encontra-se sensí-
vel para meninas entre 8 e 11-12 anos e para os
meninos entre 8-9 a 12 anos.

Para confirmar sua proposta em ato pedagógico, tendo por


pilares de sua construção as inteligências múltiplas, Balbino (2001)
apresenta alguns fundamentos que deverão conduzir para os
pressupostos práticos da ação pedagógica.
Estabelece como elemento fundamental para a prática
educativa compreender os JDCs, seus componentes internos
e externos como propício para o desenvolvimento integral do

RO
Pedagogia e pedagogia do esporte:
ariólise conceituai de algumas das principais abordagens

indivíduo, potencialmente um ambiente favorável e capaz de


estimular as inteligências múltiplas em um contexto facilitado
pela ação do agente pedagógico, que, embasado em pressupostos
estabelecidos, possibilite a prática pedagógica.
Os pressupostos pedagógicos de sua proposta buscam
delinear a ação do agente pedagógico para além do ambiente
interno dos JDCs, que quase sempre limita as possibilidades de
uma ação pedagógica sobre um ser integral. Para Balbino (2002), a
iniciação e a formação esportiva deverão ser entendidas essencial-
mente como educativas, pressupondo que toda ação sistematiza-
da, na qual objetiva-se provocar transformações, estando sobre a
intervenção de um agente pedagógico com a responsabilidade de
tornar o ambiente potencialmente favorável para o estímulo das
múltiplas inteligências, educativo. Assim,
(
o ambiente torna-se responsável pelo estímulo e

desenvolvimento deste potencial biopsicológico,

por meio das intervenções do agente pedagógico,

dos desafios propostos em dinâmicas, exercícios,

jogos, competições. (Balbino, 2001, p. 100)

Segundo Balbino (2001; 2002), todos os indivíduos pos- (


suem todas is inteligências, mas é importante e necessário (
também entender qut o que as diferencia nos indivíduos é a í
capacidade de ai UtíUMPtm em resposta a uma ação e aos estí- '
mulos recebidos ao louyo de sua de vida, além de compreender
(
(
(
53 í
Pedagogia do esporte

que em uma ação encontraremos diferentes respostas em e de


indivíduos diferentes.
Portanto, para esse autor, o ambiente e a estrutura das
atividades poderão estimular diferentes inteligências ao mesmo
tempo, consequentemente nos levando a considerar a elabora-
ção e a proposta de atividades. Assim, o ambiente nos JDCs não
deverá ser compreendido de forma reduzida - partes isoladas -,
mas como um sistema integrado.

Ao elaborar e organizar atividades, a visão de

sistema para o processo torna-se essencial, na me-

dida em que a qualidade das relações que se criam,

contribuem para o estabelecimento das analogias

com os outros momentos de vida do individuo,

na perspectiva de que ele não é uma parte isolada

de uma engrenagem, mas suas atitudes e compor-

tamentos afetam de alguma maneira o sistema, da

mesma foram que o individuo é afetado pela ma-

nifestação das outras relações do mesmo sistema.

(Balbino, 2001, p. 102)

Outro aspecto considerado por Balbino (2001) referir-se-á


às relações estabelecidas no ambiente dos JDCs entre os indiví-
duos inseridos nesse processo (alunos/atletas, pais, professores,
técnicos, torcedores etc.), sendo a qualidade dessas relações, em
grande parte, responsável pelos resultados alcançados.
Pedagogia e pedagogia do esporte:,
análise conceituai de algumas das principais abordagens

É importante ter na ação pedagógica uma possibilidade


para além dos aspectos metódicos. Balbino (2001; 2002) entende
que a ação pedagógica exercida pelo agente facilitador deverá
transcender o método. Assim, "nesse exercício de transcender, a
ação pedagógica pode atingir níveis externos que estão acima do
ambiente físico de treinamentos e jogos" (Balbino, 2005, p. 175).

Quadro 1.1 - A pedagogia do esporte de acordo com Paes e Balbino


Paes (2001)
Educação Física Escolar: o esporte como conteúdo pe-
dagógico do Ensino Fundamental
Autores e
obras principais Balbino (2001)
Jogos Desportivos Coletivos e os Estímulos das
Inteligências Múltiplas: bases para uma proposta em
pedagogia do esporte

Por meio da pedagogia, busca transcender a simples


repetição de movimentos para iniciação e formação
esportiva consciente, crítica e reflexiva, fundamentada
Caracterização sobre os pilares da diversidade, inclusão, cooperação e
autonomia, sustentando sua pràxis pedagógica sobre o
movimento humano, inteligências múltiplas, aspectos psi-
cológicos, princípios filosóficos e aprendizagem social.

Estão condicionadas à essencialidade complexa do


jogo, em que o jogar somente se aprende jogando;
a aprendizagem dos jogos se dá por meio do jogo
Estratégias
possível - atividades lúdicas, jogos pré-desportivos e
e metodologia
brincadeiras populares, jogos reduzidos, jogos condi
cionados e situacionais, constituído de um ambiente
fascinante e estimulador.

Faz-se sobre o pensamento sistêmico, no seio do con.s


trutivismo e da teoria das inteligências múltiplas, na
Fundamentação
perspectiva de compreender o sujeito a partir de suas
capacidades potenciais na dimensão de sua totalidade.

55
Pedagogia do esporte

Mas para que possa existir a construção do ato pedagógi-


co, este deverá ser conduzido por alguns princípios balizadores.
Freire (1996), em sua obra Pedagogia da autonomia, estabelece
alguns desses princípios: ensinar exige rigorosidade metódica,
pesquisa, respeito ao saberes do educando, criticidade, estética e
ética, corporeificação das palavras pelo exemplo, risco, aceitação
do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação, reflexão
crítica sobre a prática, respeito à autonomia do ser do educando,
bom senso, reconhecimento e a assunção da identidade cultural e
a convicção de que a mudança é possível.
Esses princípios apresentados por Freire (1996) são os
referenciais balizadores de Scaglia (1999b) para o ensino nos es-
portes, e, quando nos propormos a ensinar esportes, devemos
entendê-lo sob a ótica desses princípios e condutas pedagógicas.
Para Scaglia (1999b), a pedagogia é um caminho refletido
que conduz a um saber, o ato de ensinar, tendo compromisso
com o formar, a prática educativa; portanto, o ensino dos
esportes deverá ser pensado dentro de um processo de ensino-
aprendizagem

que leve em conta o sujeito aluno, criando

possibilidades para a construção desse conhecimen-

to, inserindo e fazendo interagir o que o aluno já

sabe, como o novo, ampliando-se assim, sua bagagem

cultural. (Scaglia, 1999b, p. 25)


Pedagogia e pedagogia do esporte:,
análise conceituai de algumas das principais abordagens

Após a compreensão do ato de ensinar, exposto por Scaglia


(1999b) e Scaglia e Souza (2004), aqui já se torna possível retomar-
mos aos aspectos já citados nos parágrafos anteriores delineadores
e balizadores da construção de um ato pedagógico.

1.2.1.1 • que ensinar?

Para Scaglia, o ato pedagógico no esporte deve caminhar


para além dos aspectos físicos, técnicos, estratégicos e táticos, sem
que seja diminuído, pois se trata de um conhecimento cultural,
desenvolvido ao longo da história da humanidade. O referencial do
processo deverá ser o sujeito, ser humano, capaz de partilhar "da
humanitude acumulada e participar com seu próprio contributo"
(Scaglia, 1999b, p. 21).
Sendo este um compromisso com o formar, não poderá
deixar de estar imerso aos valores sociais, éticos e morais. Scaglia
(I999a-b) entende que o esporte para a criança e o jovem de-
verá ser compreendido como um meio para levá-los a um ser
melhor, um ambiente facilitador na construção de valores, os
quais o conduzirão por toda a vida.
Segundo Scaglia e Souza (2004), a pedagogia do esporte deve
ser capaz de proporcionar ao aluno obstáculos, novos desafios e exi-
gências, em que possa ser instigado a aprender esportes de fornia
critica e autônoma e ser capaz de transformá-los.

em todo momento em que uma prátii .i pnij^ógir.i

estiver promovendo o desenvolvimento esportivo,

59
Pedagogia do esporte

que contemple a generosidade e o respeito às regras

e adversários, e sua ideologia, o esporte mostrar-se-á

educativo. (Scaglia e Souza, 2004, p. 4)

Para Scaglia (1999a-b), o ensino no esporte é um ato de


responsabilidade, não se limitando apenas na transmissão do
conhecimento puramente técnico, tampouco o aprendizado
em meio a um ato de passividade do aluno, mas consideran-
do um indivíduo inserido integralmente em um ambiente
sociocultural, no qual ele (o aluno) é parte integrante, interagin-
do, influenciando e sendo influenciado, e, nesse aspecto, ensinar
tem o comprometimento com o formar, com o lapidar, indivíduos
críticos e autônomos, capazes de compreender e transformar de
forma consciente sua prática esportiva.

1.2.1.2 Como ensinar?

Scaglia (1999a-b) delineia sua construção metodológica


para o ensino dos esportes coletivos - planejada e elaborada -
partindo dos fundamentos de uma abordagem interacionista,
no qual o conhecimento é permitido por meio de desafios
adequados e oportunos aos alunos, segundo suas fases de de-
senvolvimento. O autor parte da seguinte concepção:

Uma boa metodologia, respaldada por uma ino-

vadora pedagogia, não é aquela que demonstra um

gesto para ser imitado, automatizado, mas é aquela


Pedagogia e pedagogia do esporte:,
análise conceituai de algumas das principais abordagens

que permite ao educando vivenciar um processo de

ensino aprendizagem, em que, por meio da possi-

bilidade de exploração, a criança constrói não um

gesto motor apenas, mas uma conduta motora, fruto

de sua competência interpretativa. (Scaglia e Souza,

2004, p. 10)

Para compreender esse processo, o autor busca, inicial-


mente, uma compreensão do jogo a partir de sua complexidade.
Segundo Scaglia (1999b, 2003) e Scaglia e Souza (2004), o jogo é
uma unidade complexa - dinâmica/sistêmica em que o todo
não pode ser compreendido pelas partes isoladas, tampouco
sem que haja a compreensão de suas partes.
O jogo não se reduz a partes isoladas e, quando o faz dessa
forma, perde seu contexto funcional sistêmico, organizacional, de im-
previsibilidade, de cooperação, de autorregulação etc. Scaglia (2003)
traz, também, os princípios estabelecidos por Morin (2003) de or-
dem, desordem, interação e organização para analisar a interrelação
estabelecida no jogo a partir de sua unidade complexa.
Para Scaglia (2003, p. 53), o jogo é complexo, em que "ordem
e desordem, certezas e incertezas, confusão e clareza coabitam em
um mesmo sistema, que não prevê apenas soluções, mas problemas,
sem eliminar a simplicidade e tampouco a complexidade". De
acordo com o autor, "o jogo se caracteriza como uma unidade
complexa, envolto pela organização sistêmica de suas estruturas
padrões, definida pelo seu ambiente (contexto)" (p. 55).

61
Pedagogia do esporte

Envolto a toda essa complexidade em meio ao jogo, para


Scaglia (1999b) e Scaglia e Souza (2004), não basta somente saber
jogar bem para também ensinar bem esportes, situação constan-
temente encontrada em escolinhas de esportes com ex-jogadores
na função de professores de esportes (futebol, handebol, basquete
etc.) e confirmada por Scaglia (1999b), quando se propôs a verifi-
car a relação entre o aprender e o ensinar futebol nas escolinhas
de esportes.
Scaglia (1999b), ao entrevistar professores (dos quais de um
total de oito entrevistados, quatro eram ex-jogadores) de escoli-
nhas de futebol na tentativa de saber como eles haviam aprendido
a jogar, percebeu que as respostas dadas não condiziam com a
realidade praticada por eles quando se propunham a ensinar fu-
tebol, Os professores relatavam que aprenderam a jogar futebol
D,í" ruas, nos < ampinhos de terra batida, jogos/brincadéiras com
bolas nos pés etc., mas sua prática pedagógica era extremamen-
te mecanicista e estereotipada, em razão da busca por resultados
imediatos. Para Scaglia (1999a-b, 2003), esse modelo pouco contri-
bui para o desenvolvimento de jogadores conhecedores do jogo,
um craque capaz de "compreender a dinâmica do jogo" (Scaglia,
1999b, p. 22).
O inicio do ensino nos esportes deverá contemplar o que o
aluno já sabe, ou seja, sua historicidade motora, social e cultural.
Na perspectiva do autor, o aluno já traz consigo uma bagagem
motora-social-cultural, que foi experimentada em seu ambiente so-
ciocultural, a partir da qual se desenvolverá. Para via de exemplo e
Pedagogia e pedagogia do esporte:,
análise conceituai de algumas das principais abordagens

confirmação dessa situação, poderá um aluno de classe média alta


ter acesso à informação, tecnologia, alimentação adequada etc., mas
apresentar grandes dificuldades motoras, em razão das poucas ex-
periências vividas, quase que unicamente dentro de apartamentos;
e, poderá uma criança pobre apresentar uma capacidade motora
muito desenvolvida, em virtude de um ambiente de grandes possi-
bilidades (subir em muros, em árvores, correr pelas ruas etc.).
Para Scaglia (I999a-b) e Scaglia e Souza (2004), o ensino nos es-
portes deverá considerar a sua compreensão, pressupondo que se
buscamos compreender o jogo a partir de sua complexidade, um
ambiente imprevisível, uma microssociedade, em que o todo não se
reduz a partes isoladas, tampouco as partes isoladas são capazes de
contemplar o todo. Assim, também deveremos compreender o seu
processo de ensino-aprendizagem.
Segundo Scaglia (1999a-b) e Scaglia e Souza (2004), nos espor-
tes o processo de ensino-aprendizagem deverá contemplar o jogo a
partir de sua abordagem tática, no qual, o aluno possa compreender
o jogo, suas estruturas fundamentais e sua funcionalidade, desen-
volvendo o jogo pelo jogo e, dessa forma, pensar

um processo que parta do jogo para as suas

particularidades, teremos um aprendizado voltado

muito mais às situações exigidas pelo jogo, em

detrimento das correções técnicas e exacerbada busca

de modelos seletivos. (Scaglia e Souza, 2004, p. 15)

63
Pedagogia do esporte

Segundo Scaglia (1999b) e Scaglia e Souza (2004), nessa pro-


posta para o ensino-aprendizagem nos esportes coletivos, a técni-
ca deverá ser desenvolvida em virtude de uma necessidade tática
no jogo e ser reconhecida neste pelo aluno. Com isso, para Scaglia
e Souza (2004, p. 15), "é o princípio do jogo que deve regular a
necessidade do surgimento da técnica". Portanto, caracterizando
em seu processo o aprendizado da técnica em razão de uma ne-
cessidade tática de jogo.
Os meios para alcançar os objetivos dessa proposta
metodológica, segundo Scaglia (1999b), deverão se respaldar
no princípio de levar ao aluno perguntas e problemas, os quais
o ajudarão a encontrar suas respostas, traçar seu próprio cami-
nho e não dar respostas prontas se encontrar facilidades nas
brincadeiras e nos jogos grandes e adaptados. Esses meios são
verificados a partir de sua estrutura fundamental, funcional e
dinâmica do jogo.
Scaglia (2003) verificou que todos os jogos de bola com os
pés apresentavam similaridades com uma unidade complexa - j ogo
de futebol -, mas se diferenciavam por meio de particularidades
em sua dinâmica organizacional, ou seja, a estrutura se apresen-
tava segundo uma ordem de estrutura fundamental (jogadores,
bola, regras, ambiente etc.), mas sua dinâmica organizacional
(autorregulação) se apresentava em função do jogo e dos joga-
dores, que eram influenciados por aspectos socioculturais (inte-
rações humanas). Portanto, apresenta situações particulares de
autonomia, segundo a sua autorregulação dinâmica, de forma

P A
Pedagogia e pedagogia do esporte:,
análise conceituai de algumas das principais abordagens

conexa, coabitando um no outro de maneira retrógrada e com


mútua dependência entre si (Scaglia, 2003).
Em meio a essa diversidade dinâmica organizacional
transferida para a unidade complexa - jogo formal -, apresenta-se
a diversidade de resposta às situações de imprevisibilidade e com-
plexidades do jogo.

Quanto mais inusitado o campo de jogo,

consequentemente, um desafio a mais a vencer

se estabelece. Desse modo os jogadores e suas

habilidades são tão exigidos quanto no futebol,

porém as constantes e diferentes modificações exis-

tentes jogos/brincadeiras, geram a construção de

uma grande atividade de respostas (possíveis) para,

especificamente, resolver os inúmeros problemas

propiciados pelas regras convencionadas e, conco-

mitantemente, pelas condições externas. (Scaglia,

2003, p. 94)

Portanto, nessa proposta, apresentam-se os jogos/brincadeiras


como meio viável para o ensino-aprendizagem pela compreensão,
entendidos como uma unidade complexa, ou seja, partes que
detêm a essência do todo, permitindo a transferência dinâmica
organizacional à unidade complexa do jogo formal. Dessa forma,
segundo o autor, coabita o universo lúdico da criança e do ambien-
te, prazeroso e diversificado, proporcionado pelo jogo/brincadeira,

65
Pedagogia do esporte

com o fazer sistematizado e objetivado; o ensinar, por meio do

jogo-trabalho.5
Assim, Scaglia (2003) privilegia o ensino dos jogos pelos
jogos, no qual se cria um ambiente favorável para o desenvolvi-
mento da inteligência para o jogo, possibilitando ao aluno jogar
de forma a conversar com ele, que para o autor «é entendê-lo en-
quanto linguagem, pressupondo uma metacomunicação, na qual
o jogador aprende e aprende à medida que joga (interage com o
jogo e sua dinâmica sistêmica)" (Scaglia, 2003, p. 98).
Para Scaglia, o professor/técnico deverá ser o agente esti-
mulador desse processo, propondo atividades coesas com o nível
de habilidade dos Indivíduos (alunos) e também com a responsa-
hlMidr de propor atividades desafiadoras que possibilitem aos
j 11 i i tos conitmii dê fem» gradativa sua Inteligência para o jogo.
,„..(. <[rir (rui por fmu.ao desequilibrar o aprendiz, ou
i«ji, propor dificuldades constantes e graduais que, instigando-o
a ir além, superar novos desafios, leva-o a esta descoberta" (Scaglia,
1999b, p. 60).
A partir do desenvolvimento da inteligência do jogador para
o jogo, possibilita-se ao aluno ser capaz de ler o jogo e, em meio à
S Sejnmdo Scaglia (2004), o jogo-trabalho surge a partir do equilíbrio entre o jogo-livre e o jogo-
L S N O jogo-livre. ofimettâ em si mesmo (espontaneidade, ludicidade. prazer);caracter e
principalmente pelo seu caráter inatista. em que o professor assume apenas a cond.çao de agente
observador. Ao jogo-funcional. atribui-se um valor utilitário, ob)euva-se urucamente aprender al-
coisa que esta além do jogo, centrada na figura do professorcomoagentequecoo^.da,
organiza os jogos, sendo ao aluno apenas o agente receptor do conteúdo e de seu desenvolvimento.
Dessa forma segundo Freire e Scaglia (2003) e Scaglia (2004) o jogo-üaballro »tender! às necess.-
dades essenciaifda criança e aproximará o seu pensamento da .ÇÍO ff*"^»*^£
eme foi produzido pelo homem, da mesma forma que poderi ressigntfcl-lo, permitido pelo fator
mtencionai estabelecido no ambiente do jogo. Nesse contexto, o professor é<> «,-nt- >
pnK-es«, |K»teiidaJi/JiMlo as s i t u a i s d, tren as de nilo.m.u, , tne. HU que . K . ' «
poder de dèdsões nas aulas, permitindo assim a tomada de consdínci. du »ÇÔM desenvolvidu
nas aulas e ao passo que aumenta o grau de comprometimento e responsabilidade dos alunos no
desenrolar de seu processo de aprendizagem" (Scaglia, 2004, p. 12)).
Pedagogia e pedagogia do esporte:,
análise conceituai de algumas das principais abordagens

diversidade de soluções, resolver diversos problemas decorrentes


do ambiente de jogo

a partir desse estudo, penso a habilidade motora

(o movimentos descontextualizado) preterida

em favor das condutas motoras (ação motora

contextualizada), justificando uma pedagogia que

parta das intenções do jogo - jogado e jogante -

e não de suas habilidades - técnicas/padrões de

movimentos; que priorize por meio de ações meto-

dológicas não o aprendizado de movimentos, mas

sim a compreensão da lógica tática e organizacional

de cada jogo. (Scaglia, 2003, p. 134)

1.2.1.3 Para quem ensinar?

Como vimos anteriormente em Scaglia (I999a-b, 2003) e


Scaglia e Souza (2004), o ensinar está diretamente relacionado
com o formar e, para o autor, as mesmas responsabilidades e obri-
gações de um professor que se propõem a ensinar matemática
deverão existir para o professor que se propõe a ensinar esportes,
pois em nada diferencia ou diminui as responsabilidades em en-
sinar matemática ou esporte; ambos têm um compromisso com o
ensinar, com o formar.
Para Scaglia (1999b) e Scaglia e Souza (2004), o princípio
balizador de sua proposta é a responsabilidade com o formar

67
Pedagogia do esporte

(ensinar), caminhando na perspectiva de ensinar bem esporte a


todos e em iguais condições, "que tenha por principal princípio
pedagógico a inclusão de todos" (Scaglia, 2003, p. 134).
Por conseguinte, o autor compreende que para o ensino-
aprendizagem nos esportes coletivos, por meio do e pelo jogo,
não são necessários pré-requisitos ou habilidades específicos, pois
esses são construídos em decorrência das exigências e circunstân-
cias apresentadas no ambiente do jogo, o que sabe jogar mais ou
menos podendo se desenvolver de acordo com suas individuali-
dades e motivações, contemplando a todos e não somente a uma
minoria seleta (Scaglia, 1999b).
Na necessidade de uma construção sistematizada referente
aos conteúdos, organizacional e distribuída segundo as faixas etá-
rias e uma ordem pedagógica sequenciada, Scaglia (1999) apresen-
ta uma estrutura organizada em quatro faixas etárias e sistematiza
os conteúdos distribuídos sequencialmente em três blocos, da se-
guinte forma:

• 7-8 anos
- Jogo alicerçado pelos fundamentos básicos;
- Objetiva nessa faixa etária a aquisição e a am-
pliação do vocabulário motor das crianças;
- Ênfase sobre a exploração das habilidades
motoras.
Pedagogia e pedagogia do esporte:,
análise conceituai de algumas das principais abordagens

9-10 anos
- Jogo alicerçado pelos fundamentos básicos;
- Ênfase maior na execução dos movimentos
aprendidos anteriormente;
- Concretização dos fundamentos básicos já
assimilados;
- Aprimoramento e desenvolvimento dos fun-
damentos específicos das modalidades alicer-
çados sobre o acervo motor já adquirido.

11-12 anos
- Jogo alicerçado pelos fundamentos secundá-
rios, os quais são derivados dos básicos e que
não acontecem sem que os anteriores tenham
sido desenvolvidos de forma correta;
- Objetiva o aprimoramento e o desenvolvi-
mento dos fundamentos derivados.

13-14 anos
- Jogo alicerçado pelos fundamentos táticos
específicos, que se referem às posições dos
jogadores, às suas funções e às suas carac-
terísticas próprias, bem como às estratégias
utilizadas por estes no jogo;
- Maior ênfase no aprendizado dos posiciona-
mentos táticos e estratégicos, assim como as
posições dos jogadores durante o jogo.

69
Pedagogia do esporte

1.2.2 A pedagogia do esporte segundo Freire

Freire (1997; 2000; 2002; 2003) apresenta um ideário de


pedagogia do esporte que, para ele, ainda pouco se desenvolveu
no Brasil. Parte do ser humano como principal agente dessa cons-
trução, observado e refletido a partir de suas interações com o
ambiente e suas motivações intrínsecas.
Para Freire (1997; 2002), uma pedagogia do esporte deverá ser
pensada sob uma nova ótica, deflagrando críticas diretas aos modelos
apresentados de maneira reducionista, em que o indivíduo toma-se
apenas objeto resultante do processo; abordagens embasadas
somente sobre o marco ideológico da seletividade empírica, tendo
seu principal fim resultado culminando em urna prática esportivi-
zada prtcocciiiciiic, transformando crianças em miniaturas de adul-
tos, m qual lomtnte oi mais fortes são capazes de praticar, e ainda,
ai (Piia^ I i >it io meros reprodutores acríticos. Isso levou Freire (2002) a
questionar se essa é realmente a única forma de se praticar esporte.

A única forma de fazer esporte seria essa, es-

túpida, que transforma jogadores em trabalhadores

forçados, crianças em miniaturas de adultos, diver-

timento em rotina de trabalho? A arte corporal do

esporte só pode ser conseguida com torturas, com

drogas, com doses cavalares de creatina? Um jovem

precisa transformar-se num monstro para ser atleta?

O esporte tem mesmo que consolidar-se como um

circo de horrores? (Freire, 2002, p. 365)


Pedagogia e pedagogia do esporte:,
análise conceituai de algumas das principais abordagens

Para responder a esses questionamentos, Freire (1997) com-


preende inicialmente o esporte. Para o autor, este surgiu a partir das
representações simbólicas da humanidade, construídas por meio das
relações estabelecidas entre os homens ao longo de sua história.
Sendo assim, ao pensar o ensino (esporte) - ato pedagógico
- proposto em pedagogia do esporte, compromete-se com uma
compreensão integrada, considerando a atividade interna dos in-
divíduos - suas representações simbólicas, motivações - e suas
condições ambientais (sociocultural); uma ação que considere as
relações estabelecidas pelos indivíduos simultaneamente em seu
meio, por meio de uma ação planejada, a qual permita a transfor-
mação de ambos (Freire, 1997; 2000; 2002; 2003).
Freire (1997; 2000; 2002; 2003), com o propósito de apre-
sentar uma pedagogia do esporte em função do indivíduo que
joga - e não sobre os resultados de um processo -, delineia alguns
norteadores básicos:

• O esporte é compreendido como uma representa-


ção do jogo, tuna manifestação que se desenvolveu
a partir das representações simbólicas e das rela-
ções estabelecidas entre os seres humanos;
• Um conhecimento acumulado histórico e cultu-
ralmente e apresentado na forma mais socializada
como esporte.

71
Pedagogia do esporte

Segundo Freire (1997; 2002; 2003), afinalidadeobjetivada no


processo deverá ser considerada a partir das motivações do indi-
víduo envolto a um ambiente sociocultural, diretamente integra-
do ao processo e segundo suas individualidades. O ambiente do
jogo/esporte é, sem dúvida, favorável para a educação/formação
moral, ética, social etc. Mas, para que possjt ter essa finalidade, o
individuo deverá estar integrado a essa ação, o fazer caminhar de
rnioutto ao compreender, assim como o compreender permita
ao aluno um novo fazer.
Estabelecidos os norteadores de sua construção, Freire
(2000; 2003) sugere alguns princípios que tornam possível a apli-
cabilidade da proposta pedagógica, da seguinte forma:

• Ensinar esportes a todos: está diretamente


compromissado com conhecimento, aprendiza-
do; portanto, este deverá ter o comprometimen-
to de ensinar a todos, independentemente do
conhecimento já estabelecido. Segundo Freire
(2003), o ensinar esporte a todos deverá estar
orientado tanto para aquele que já joga, sendo
que, para este, deverá proporcionar o aprender
ainda mais, aprender a jogar melhor; e para o que
não sabe jogar, se responsabilizando por fazer
que este possa aprender o mínimo suficiente
para poder jogar - praticar esporte. E, se enten-
demos o jogo/esporte como um conhecimento

"70
Pedagogia e pedagogia do esporte:,
análise conceituai de algumas das principais abordagens

que se desenvolveu culturalmente, também


devemos compreendê-lo como "um direito
humano que deve ser estendido a todos os cida-
dãos, não a um pequeno grupo de privilegiados"
(Freire, 2000, p. 94);
Ensinar bem esportes a todos: ou seja, "não basta
ensinar; é preciso ensinar bem" (Freire, 2003, p. 9).
Além de ser um direito humano a ser estendido a
todos os homens, também deverá estar compro-
metido com o ensinar bem a todos, ou seja, um
ensinar comprometido com o indivíduo estabele-
cido dentro do processo pedagógico;
Ensinar mais que esportes a todos: "não
pensamos só no craque; pensamos, mais que isso,
na sua condição humana" (Freire, 2003, p. 10),
ou seja, para ensinar esporte, o professor deve
estar ciente de sua tarefa educacional. O ensinar
- uma ação intencional, portanto sistematizada,
deverá estar compromissado com princípios éti-
cos, morais, afetivos, sociais etc. e, de forma au-
tônoma, levar os indivíduos a compreender suas
próprias ações;
Ensinar a gostar do esporte: para que não se li-
mite a fazer somente na escola de esporte ou nas
aulas de Educação Física, mas que o esporte possa
sei reproduzido, praticado nos momentos de lazer

73
Pedagogia do esporte

e recreação. Para isso, Freire (2003, p. 10) diz que


"antes de qualquer ensinamento, o aluno precisa
aprender a gostar do que faz".

A partir desses princípios pedagógicos estabelecidos e orien-


tadores, o autor delineia sua proposta metodológica para o ensino
do jogo/esporte respaldado e fundamentado por uma abordagem
interacionista. Sua proposta parte da integração do indivíduo e
suas relações estabelecidas no ambiente.
Para Freire (1997), se nos propusermos a ensinar esporte,
este sendo uma representação do jogo de forma mais sociali-
zada, deveremos compreendê-lo de forma integrada, em que o
ensino dos esportes não poderá estar reduzido a partes isoladas,
e muito tnenOi ptniâ-lo em função de uma única resposta entre
todoi Oi llunoi. Segundo Freire (2002, p. 372), "o segredo está
na harmonia da integração".
O exemplo disso, para Freire (2002; 2003), é que inexiste a pos-
sibilidade do desenvolvimento da inteligência para o jogo, subdivi-
dindo o ensino dos esportes em capacidades/habilidades motoras, ou
mesmo o ensino/treinamento desconexo do ambiente do jogo, bem
como, inexiste o fazer motor desconexo de um plano mental, mas
uma resposta motora em virtude de um plano estratégico mental em
resposta a uma situação proposta pelo ambiente (ambiente do jogo).
Segundo Freire (2003), o ensino dessas habilidades deverá
estar integrado ao jogo, às situações requeridas pelo ambiente,
adaptando cada habilidade em razão das especificidades do esporte

7 A
Pedagogia e pedagogia do esporte:,
análise conceituai de algumas das principais abordagens

praticado e sociabilizá-la em razão das relações estabelecidas no


jogo. O que determinará o sucesso ou o insucesso dessas capacida-
des/habilidades no jogo é a história do indivíduo, suas experiências
motoras e a diversidade na qual ele esteve ou está inserido.

Na aprendizagem desportiva, as questões sociais é

que orientam o exercício das ações de cada um; em se-

guida, o exercício social das habilidades motoras exigirá

o aperfeiçoamento e a integração, entre si, de diversas

habilidades individuais. (Freire, 2003, p. 19)

Do ponto de vista da motricidade, caso o am-

biente da criança seja rico para que ela expresse

com liberdade suas produções internas (emoções,

pensamentos, julgamentos...), o comportamento

será constituído por uma gama muito variada de

expressões corporais. (Freire, 2003, p. 23)

Considerando o esporte como uma manifestação de jogo,


o autor compreende que uma proposta metodológica para o
ensino-aprendizagem nos esportes coletivos também deverá ser
conduzida por esse viés, ou seja, quando nos propomos a desen-
volver nos indivíduos uma inteligência para o jogo, ele somente
será capaz de compreender ou desenvolver essa inteligência
fazendo/praticando/jogando. Assim, "o jogo deve ser jogado" e
"no jogo, ser inteligente é jogar" (Freire, 2002, p. 372).

75
Pedagogia do esporte

e, portanto, somente jogando os alunos conseguirão aprender a


jogar coletivamente, não cabe, para o autor, nos esportes coleti-
vos, uma divisão em partes isoladas, tampouco tentar a partir da
soma das partes isoladas chegar a um todo (jogo).
Freire (2003) apresenta, para o ensino nos esportes, a organi-
zação dos conteúdos em habilidades utilizadas em particular pela
criança em direção às habilidades utilizadas coletivamente, do auto-
centrismo para o heterocentrismo. Para o autor, o desenvolvimento
da criança está voltado inicialmente para as habilidades que ela utiliza
para resolver seus problemas individualmente, para o desenvolvimen-
to de habilidades que surgirão da interação com outros indivíduos e
de habilidades de atuação sobre o todo. Essas habilidades se apresen-
tam da seguinte forma nos esportes coletivos:

• Habilidades voltadas para a própria pessoa:


condução, controle, finalização e cabeceio (exem-
plos no futebol);
• Habilidades coletivas: passe, desarme, drible e
defesa (exemplos no futebol);
• Habilidades de atuação no jogo como um todo:
táticas, estratégicas.

Para Freire (2003), essa estrutura organizacional permite ao


aluno estabelecer conexão/relação entre as categorias e construir,
por meio de um campo virtual, o jogo real, suas situações estraté-
gicas, hipóteses etc.

•7Q
Pedagogia e pedagogia do esporte:,
análise conceituai de algumas das principais abordagens

Em se tratando da formação do aluno segundo as caracte-


rísticas de desenvolvimento biológico, cognitivo, social e afetivo,
Freire (2003) apresenta em sua proposta pedagógica os níveis dis-
tribuídos em seis grupos:

• Iniciantes I (6 e 7 anos): ensinar noções básicas


dos fundamentos; promover entre os alunos a
construção de regras a serem seguidas; crianças na
fase final de formação das habilidades básicas; ativi-
dades lúdicas; as aulas deverão ser orientadas para
brincadeiras relacionadas ao esporte; maior inte-
resse pelas habilidades voltadas para si; não deverá
existir especialização em função de posições; dar
ênfase para atividades prazerosas e diversificadas;
• Iniciantes II (7, 8 e 9 anos): nesse nível não
haverá grandes diferenças do nível anterior, estas
serão determinadas pelo nível de exigências; con-
tinuarão a aprender a construir regras, mas agora,
também, a discuti-las, para assim compreendê-las;
noções básicas dos grandes espaços do campo;
• Básico I (9, 10 e 11 anos): os jogos já poderão
acontecer segundo as regras do esporte; as posi-
ções poderão ser vivenciadas em forma de rodízio;
as atividades ainda continuam com predominância
lúdica; uma maior dedicação ao desenvolvimen-
to dos fundamentos técnicos (referente ao nível

79
Pedagogia do esporte

anterior); princípio das correções dos erros téc-


nicos e táticos; formas adaptadas do esporte/jogo
para alcançar determinados objetivos;
Básico EL (11, 12 e 13 anos): vivenciar com maior
intensidade as posições específicas; pode se
iniciar a preparação física, mas associada à técnica;
introdução da tática, segundo Freire (2003), da ra-
cionalidade do jogo; um maior tempo dedicado a
correções técnicas;
Especial I (13, 14 e IS anos): criar nos alunos
preferências por posições, mas, ainda, pelo prisma
de -vivenciar o maior número possível de posições;
transição entre os diferentes espaços do jogo
(campo); maior tempo à preparação física, mas,
preferencialmente, junto da preparação técnica;
maior número de atividades competitivas, sem que
haja o detrimento do lúdico; aumento do conheci-
mento teórico dos alunos;
Especial II (15,16 e 17 anos): ênfase nas questões
táticas; o preparo técnico deverá ser desenvolvido
em função das exigências táticas; recomenda-se
que o treinamento físico seja integrado ao técnico;
é importante todas as atividades envolverem bola;
trabalhar com sistemas e subsistemas táticos.
Pedagogia e pedagogia do esporte: (
análise conceituai de algumas das principais abordagens
(
Quadro 1.2 - A pedagogia do esporte de acordo com Scaglia e Freire

Scaglia (1999; 2003)


O futebol que se aprende e o futebol que se ensina
Autores e O futebol e o jogo/brincadeira de bola com os pés: to-
obras principais dos semelhantes e todos diferentes
Freire (2003)
Pedagogia do futebol

A prática é orientada por princípios pedagógicos,


em que o processo seja estabelecido em função do
sujeito que joga, suas motivações intrínsecas e huma-
nitude, no comprometimento com o ensinar e com
a sua transformação, por meio do desenvolvimen-
Caracterização to de sua autonomia, criticidade e compreensão do
fazer, integrada à sua cultura corporal e social. A prá-
xis pedagógica sustenta-se sobre a diversidade e os
princípios pedagógicos do ensinar esportes a todos,
ensinar bem, ensinar mais que esportes e ensinar a
gostar de esportes.

A aprendizagem do jogo por meio do jogo jogado.


O ensino orienta-se para a compreensão do jogo,
objetivando o desenvolvimento da capacidade tática
Estratégias
(cognitiva) em direção à especificidade técnica (mo-
e metodologia
tora específica) e privilegiando situações de jogos e
brincadeiras populares da cultura infantil, metodolo-
gicamente orientadas pelo jogo-trabalho.

Apoia-se nos fundamentos das abordagens internacio-


nistas e do pensamento sistêmico-complexo para as
bases da teoria do jogo, privilegiando o aprendizado
Fundamentação
na interação entre a capacidade de aprender e as dife-
rentes produções culturais já existentes, sendo o jogo
principal ambiente dessa interação.

(
(
<
c
I
c
81
Pedagogia do esporte

1.3 A pedagogia do esporte segundo Garganta e


Graça

1.3.1 A pedagogia do esporte segundo Garganta

Garganta (1995) é um dos estudiosos que têm influenciado


diferentes abordagens metodológicas em diversas partes do
mundo, principalmente quando idealizou em seu trabalho o de-
senvolvimento da Teoria dos Jogos Desportivos Colectivos. Seus
trabalhos estabeleceram novos referenciais para a compreensão
dos JDCs, tanto na problematização das abordagens já existentes
que se propunham ao ensino-aprendizagem quanto nos pilares
para novas propostas, sustentadas a partir da complexidade do
jogo (pensamento sistêmico).
Para Garganta (1995), o JDC em sua essência (riqueza de si-
tuações) é um ambiente formativo por excelência, mas quando
orientado corretamente e objetivando o desenvolvimento de vá-
rias competências em diferentes planos. Nessa perspectiva existem
dois traços fundamentais nos JDCs: a cooperação e a inteligência.
A cooperação é entendida pelo autor como capacidade
de comunicação possibilitada pelos recursos disponibiliza-
dos e de referencial comum no ambiente do jogo, ou seja, a
comunicação estabelecida entre os integrantes de uma mesma
equipe e a contracomunicação estabelecida entre os jogado-
res de equipes adversárias (cooperação-oposição). Dessa for-
ma, o jogo é um "campo privilegiado para que os praticantes

BO
Pedagogia e pedagogia do esporte:,
análise conceituai de algumas das principais abordagens

exprimam a sua individualidade, manifestem as suas capacida-


des e simultaneamente aprendam a subordinar os interesses
pessoais aos interesses da equipe" (Garganta, 1995, p. 12).
A inteligência é entendida como a capacidade de o indivíduo
(jogador) se adaptar às situações aleatórias, imprevisíveis e diver-
sificadas, elaborando e dando respostas adequadas às situações
do jogo. Com isso, portanto, dependerá do conhecimento que o
jogador tem do jogo, tendo por resultante sua capacidade inteli-
gível (cognitiva) de organizar as informações recebidas em reposta
às ações-situacionais apresentadas no ambiente do jogo. Segundo
Garganta (1995, p. 13),

quer isso dizer que a forma de actuação de um

jogador está fortemente condicionada pelos seus

modelos de explicação, ou seja, pelo modo como ele

concebe e percebe o jogo.

Garganta (1995; 1996; 2000; 2001; 2002) busca a compreensão


dos JDCs em um referencial para além das partes reduzidas do
jogo e, para isso, estabelece seus princípios norteadores, estrutu-
rais e funcionais na abordagem sistêmica.
Nesse caso, em um ambiente que se caracteriza particular-
mente, segundo Garganta (1995; 1996), pela sua imprevisibilidade
e aleatoriedade, e por um sistema aberto, dinâmico, complexo e
não linear torna impossível de determinar seus acontecimentos
antecipadamente, permitindo aos JDCs serem classificados dentro

83
Pedagogia do esporte

de uma mesma unidade estrutural, em virtude de suas característi-


cas/princípios comuns em sua unidade complexa.
A primeira característica que Garganta (2002) cita nos JDCs
é o confionto entre duas equipes - cooperação-oposição - envol-
to ao cumprimento de princípios reguladores (regulamentos), em
conformidade com objetivos bastante específicos entre as equipes
de marcar gois ou pontos, o que acontece em um ambiente de
ordem complexa, indeterminada, verificada na relação de coope-
ração entre jogadores de uma mesma equipe e pela inter-relação
estabelecida na oposição exercida pelos jogadores oponentes.

Por essa razão, as situações que surgem no con-

texto dos JD devem ser entendidas como encadea-

mentos de unidades de ação que possuem uma na-

tureza complexa, decorrente não apenas do número

de variáveis em jogo, mas também da imprevisibili-

dade e aleatoriedade das situações que se apresen-

tam ao jogadores. (Garganta, 2002, p. 283)

Garganta (1995; 1996) compreende os JDCs como um mi-


crossistema social complexo e dinâmico, em que o todo não
se apresenta no somatório das partes (valores individuais), mas
na capacidade de interação entre seus elementos constituintes
(valores coletivos) de equipe. A equipe apresenta uma totalida-
de em constante construção, permitida por meio das ações dos
jogadores individual (aparentemente) e coletivamente, influindo
Pedagogia e pedagogia do esporte:
análise conceituai de algumas das principais abordagens
[(
sobre o todo (equipe) pela complexa trama de cooperação e opo- (
sição com diferentes níveis organizacionais.
Outro princípio norteador dos JDCs, denominado congruente,
verificado por Garganta (1995; 1996; 2002), são os elementos caracte-
rísticos do jogo: um objeto (bola) comum que possibilita alcançar o
objetivo; espaço de jogo, onde acontece o confronto entre as equi-
pes; alvo a ser atacado e simultaneamente defendido; regras comuns
a ambas as equipes, as quais deverão ser respeitadas; e a existência de
jogadores que cooperam (equipe) e opositores.
Dessa forma, a partir das semelhanças nos JDCs, Garganta
(1995) verifica a possibilidade de uma prática transferível, teoria
apresentada e desenvolvida por Bayer (1994), a qual privilegia o
ensino-aprendizagem a partir da estrutura do jogo, ou seja, busca
fazer o aluno perceber as características funcionais e estruturais
comuns nos JDCs, permitindo a ele compreender a estrutura do
jogo, facilitando o aprendizado quando percebe as semelhanças
existentes em suas unidades complexas.
Para Garganta (1995; 2002), é nessa concepção que deverá
estar comprometido o ensino-aprendizado nos JDCs, privilegian-
do o ensino-aprendizagem-treinamento por meio de sua caracte-
rística estrutural e funcional, sendo a equipe (unidade complexa)
o elemento central do processo. (
Um dos grandes problemas dos JDCs está em reduzi-los a partes (
isoladas, tentando compreender sua unidade complexa, dicotomizan- (
do suas partes (técnica-tática-estratégica-coordenativas). Os JDCs são (
compreendidos como uma unidade complexa - microssistema social '
(
(
í
85
Pedagogia do esporte

complexo e dinâmico -, portanto não poderá ser apresentado em par-


tes isoladas, reduzindo-o a fundamentos e/ou gestos técnicos desco-
nexos do jogo. O fazer nos JDCs deverá contemplar o modo (técnica)
e as razões de fazer (tática) (Garganta, 1995).
Garganta (1995) contempla em sua abordagem o ensino nos
JDCs centrado na formas de jogos condicionados. O jogo é decom-
posto em unidades funcionais, e sua complexidade é sistematiza-
da progressivamente, sendo o princípio regulador para o ensino-
aprendizagem, o próprio jogo. Mesmo sendo reduzido a unidades
funcionais, mantém as características essenciais de cooperação, a
oposição e afinalização.O fazer está relacionado aos aspectos fun-
damentais do jogo, "como a oposição, afinalização,a atividade lúdi-
ca e os saberes sobre o jogo" (Garganta, 1995, p. 23).

As estratégicas mais adequadas para o ensinar os

JDC passam por interessar o praticante, recorrendo

a formas jogadas motivantes, implicando-o em

situações problema que contenham as característi-

cas fundamentais do jogo.

[...]
Deve, por isso, propor-se um jogo ou formas

jogadas acessíveis, isto é, com regras pouco com-

plexas, como menos jogadores e num espaço mais

pequeno, de modo a permitir a continuidade das

acções e elevadas possibilidades de concretização.

(Garganta, 1995, p. 18)

no
Pedagogia e pedagogia do esporte:
análise conceituai de algumas das principais abordagens

Garganta (1995; 1996; 2001; 2002) tem como referencial em


sua proposta o desenvolvimento da inteligência tática e/ou capa-
cidade estratégica-tática para o jogo. Com isso, busca desenvolver
no aluno-atleta a compreensão do jogo, apresentando-lhe cená-
rios - unidades complexas - estruturados a partir dos princípios
funcionais do jogo.
Assim, permite ao aluno-atleta ser capaz de observar e anali-
sar as situações apresentadas

face à continuidade, velocidade, amplitude, variabili-

dade e número de mudanças que ocorrem durínte o

jogo, vendo-se o adeta obrigado a decidir e a elaborar

respostas adequadas em função da configuração do

jogo apresentada. (Garganta, 2001, p. 15)

Dessa forma, Garganta (1995; 2001; 2002) rompe com o


fazer técnico desprovido da razão do fazer (tático), mas não em
detrimento à importância da técnica para o jogador. Para o au-
tor, a reposta-ação-execução elaborada em uma situação de jogo
não se esgota unicamente na capacidade estratégico-tática e/ou
cognitiva, mas depende, também, de uma capacidade energética
e coordenativa.

A técnica e a táctica devem, portanto, ser

entendidas como expressões vitais duma mesma

realidade, o jogo e a acção do jogador, tomarido-

R7
Pedagogia do esporte

se conveniente perceber que conexões devem

estabelecer-se entre estes factores do rendimento,

no intuito de maximizar a prestação desportiva.

(Garganta, 2002, p.299)

A ressalva que o autor faz trata-se de desenvolver uma técnica re-


I acionai, em que o fazer técnico esteja relacionado ao estratégico-tático,
(»u seja, em resposta à situação do jogo: o quê (objetivo); quando (mo-
mento); onde (espaço); como (forma). Dessa maneira,

a técnica é entendida como um meio da táctica, pois

implica uma execução coordenada de todos os sis-

temas de resposta do jogador, em relação com as pe-

culiaridades do envolvimento. Deste modo, técnica

e táctica condicionam-se reciprocamente, formando

uma unidade. (Garganta, 2001, p. 03)

Para um propósito didático que permita sistematizar o conte-


údo com um nível de complexidade e exigência sequenciada - do
conhecido para o desconhecido, do fácil para o difícil, do menos
para o mais complexo - a partir daquilo que o praticante já conhe-
ce e seja capaz de fazer/executar, Garganta (1995) apresenta uma
proposta de organização estruturada, da seguinte forma: jogador-
objeto (eu-bola); jogador-objeto-alvo (eu-bola-alvo); jogador-obje-
to-adversário (eu-bola-adversário); jogador-objeto-colega-adversá-
rio (eu-bola-colega-adversário); jogador-objeto-colegas-adversário
Pedagogia e pedagogia do esporte; (

análise conceituai de algumas das principais abordagens


/
(eu-bola-colegas-adversário); jogador-objeto-equipe-adversário (eu-
bola-equipe-adversário).
Os primeiros aspectos eu-bola e eu-bola-alvo tratam de levar o
aluno a estabelecer - manuseando, manipulando - conexões entre
ele e os elementos fundamentais do jogo, que o permitiram atingir
o objetivo do jogo, marcar pontos/gois atingindo um determinado
alvo. O segundo referencial, eu-bola-adversárío e eu-bola-colega-
adversárío, refere-se a desenvolver no aluno-adeta a capacidade de
combinar o que já foi desenvolvido anteriormente, em resposta às
situações de aleatoriedade e imprevisibilidade estabelecidas pela <
comunicação entre o eu e os companheiros e pela contracomu-
nicação entre o eu e os adversários no jogo, com o objetivo de
conservar a posse de bola e marcar pontos. Em relação ao eu-colega
e ao adversário, refere-se ao combinar (comunicação) estratégias e
táticas, em reposta à contracomunicação estabelecida com o ad-
versário, ou seja, de cooperação, o fazer combinado em função de
um objetivo comum em detrimento ao individualismo, mas sem
excluí-lo. O terceiro aspecto, eu-bola-colegas-adversáríos e eu-bola-
equipe-adversários, trata do ambiente formal do jogo, da aplicação
dos princípios do jogo - comunicação e contracomunicação - es- ç
tabelecida em um único ambiente (ataque - defesa, cooperação - (
oposição), onde, segundo Garganta (1995; 2001; 2002), o resultado (
final é impossível de ser predeterminado, com objetivo comum en- (
tre os jogadores e suas equipes.
Para que haja a possibilidade de uma construção
sequenciada, permitindo uin processo de ensino-aprendizagem

(
(
89 (
Pedagogia do esporte

continuado e com uma maior possibilidade de concretização do


conhecimento pretendido, partindo daquilo que o aluno já co-
nhece, de forma lúdica, com regras simples e com o propósito
de diminuir e trazer o jogo para as necessidades objetivadas, se-
gundo as necessidades e motivações do aluno, Garganta (1995,
p. 22-3) propõe a organização em forma de unidades funcionais
estabelecidas por princípios e regras do jogo, estando as fases
características reveladas pelos alunos durante o processo organi-
zadas da seguinte forma:

• Jogo anárquico: nessa fase, os alunos apresentam


grandes dificuldades para compreender o jogo;
concentram-se unicamente em função da bola;
caracteriza-se pela comunicação verbal;
• Descentralização: já apresenta certa compreen-
são do jogo, mas ainda determinada pelos elemen-
tos do jogo, prevalecendo a comunicação verbal;
• Estruturação: apresenta conscientização sobre
as respectivas funções no jogo, melhor distribui-
ção nos espaços da quadra e comunicação não
verbal, mas gestual;
• Elaborada: as ações dos praticantes são capazes
de responder a ações estratégicas da equipe; a
distribuição nos espaços se dá em função da tática
coletiva e da otimização da capacidade de comu-
nicação motora.
Pedagogia e pedagogia do esporte:,
análise conceituai de algumas das principais abordagens

Em sua proposta, para que o jogo seja apresentado de forma


adequada aos praticantes, Garganta (1995) propõe o conteúdo sis-
tematizado em unidades funcionais em vez de elementos (passe,
chute e lançamentos), em que a aprendizagem se dá orientada por
princípios de ação e regras de gestão do jogo. As unidades funcio-
nais apresentadas são:

• Estruturação do espaço (ofensivo e defensivo):


ocupação e criação dos espaços do jogo de forma
equilibrada, em virtude da distância, da largura e
da profundidade estabelecidas pela comunicação
entre jogadores de uma mesma equipe e contra-
comunicação aos opositores;
• Comunicação e ação (ofensivo e defensivo):
utilização de funções estratégico-táticas combi-
nadas em resposta às situações do jogo propostas
por uma ação ofensiva (marcar pontos) e/ou em
resposta a uma ação defensiva, com a finalidade
de impedir um ataque adversário (por exemplo,
antecipar uma linha de passe);
• Relação com a bola: relação com o elemento
do jogo (bola) combinado com suas capacida-
des coordenativas-técnicas (motoras), estraté-
gicas e táticas (cognitivas) de forma integrada
e relacional.

91
Pedagogia do esporte

1.3.2 A pedagogia do esporte segundo Graça

Graça (1995), em sua obra Os comos e os quandosno ensino


dos jogos, trouxe uma abordagem conceituai para os JDCs que
permitiu fundamentar novos referencias e romper com modelos
que privilegiavam a simplificação do jogo. Para o autor, as habilida-
des para os JDCs são de natureza aberta, não existindo uma ordem
previsível, sequenciada e ordenada, em que possamos antecipar e/
OII prever urna situação.
Segundo Graça (1995, p. 27),

a siu oportunidade e, em parte, •> sua execução estSo

dependentes das configurações particulares de cada

momento do jogo, que ditam o tempo e o espaço

para a sua realização,

regulada no jogo pela relação de cooperação e oposição estabe-


lecida pelos jogadores de duas equipes opositoras com objetivos
estabelecidos (marcar gois/pontos) e comuns a ambas.
Para o ensino dos JDCs, o autor apresenta dois referenciais
importantes a serem considerados para então adentrar o proces-
so de ensino-aprendizagem. Primeiramente, devemos ter de forma
clara que o aluno nunca vem em branco. Ele já dispõe de um
repertório de habilidades que deverá ser considerado. O segundo
relérencial é que a especialização técnica do jogo deverá aconte-
cei a partir das "habilidades motoras que os alunos já dominam"
(Graça, 1995, p. 27).

oo
(
Pedagogia e pedagogia do esporte:
análise conceituai de algumas das principais abordagens
(

O processo de ensino-aprendizagem deverá privilegiar e (


oportunizar ao aluno responder às situações estabelecidas no
jogo, utilizando seu repertório de habilidades de forma aber-
ta em condições de dupla tarefa. Adentrando o processo de
ensino-aprendizagem nos JDCs, entendendo que este deve-
rá privilegiar situações que exijam habilidades abertas, existem
duas ponderações que, segundo o autor, deverão ser considera-
das (Graça e Mesquita, 2002). A primeira trata de compreender o
processo de ensino-aprendizagem sobre sua ordem problemática.
Graça (1995) apresenta duas ordens de problema:

• O quê, quando e por quê? São problemas de


ordem de seleção das informações e respostas à
situação de jogo;
s Como? Trata-se da resposta motora às situações-
problema estabelecidas no jogo.

Para o autor, o aluno deverá, desde o inicio do processo,


familiarizar-se com situações das duas ordens. A segunda traz um
conceito de competência para as habilidades do jogo envolto ao
processo, que é um importante referencial para a determinação (
dos objetivos a serem alcançados. O autor compreende que as (
habilidades para o jogo se estabelecem sobre um conceito de
competência multidimensional, envolvendo nesse conceito três
dimensões Graça (1995, p. 28):
(1
( )
(>
(
93 (
Pedagogia do esporte

• Dimensão de eficiência: privilegia a realização


correta da habilidade segundo os critérios de exe-
cução mecânica estabelecidos;
• Dimensão de eficácia: trata-se da exigência de
rendimento resultante da execução da habilidade;
• Dimensão de adaptação: ajustamento das so-
luções e respostas aos contextos variáveis das
situações de jogo.

Segundo Graça (1995), mesmo essas dimensões apresen-


tando caracteres diferenciais, elas não estão desconexas umas das
outras, mas se apresentam no condicionamento de sua reciproci-
dade e na sua relação de interdependência.
Para o autor, envolto à dimensão de habilidades abertas e ao
caráter multidimensional, o ensino das habilidades do jogo deverá
privilegiai o desenvolvimento da capacidade de jogo, ou seja, a
relação de problemas de ordem motora (o como?) com os proble-
mas de ordem informacional e respostas às situações do jogo (o
quê, o quando e o porquê?).
Graça (1995, p. 31) privilegia o ensino dos JDCs em uma am-
biente variável, solicitando várias formas de execução a partir das
situações que se apresentam em respostas elaboradas e dadas no
jogo. O autor preconiza uma abordagem formulada sobre formas
modificadas e simplificadas do jogo formal, sempre orientadas pelas
capacidades (motoras, flsicas e cognitivas) dos alunos envolvidos no
processo e orientado por uma "ideia de bom jogo para esse nível".

94
Pedagogia e pedagogia do esporte:,
análise conceituai de algumas das principais abordagens

Para isso, as formas modificadas de jogo deverão primar por


manter a característica estrutural e funcional do jogo formal, sua
autenticidade, portanto, um ambiente caracterizado pela impre-
visibilidade e aleatoriedade de suas ações, de cooperação e de
oposição, com situações e habilidades de ordem aberta. O jogo é
reduzido a formas simplificadas do jogo formal, para, então, serem
trabalhos em formas parceladas que "procuram, no entanto, pre-
servar os ingredientes específicos do jogo, apelando à utilização
das habilidades em situações-problema" (Graça, 1995, p. 31).
No entanto, para que exista um processo de ensino-aprendi-
zagem estabelecido de forma organizacional e sequenciada, Graça
(1995) apresenta três referenciais: progressão, refinamento e apli-
cação. A progressão está relacionada às decisões estabelecidas que
envolvem a estruturação sequencial do grau de complexidade das
tarefas. O refinamento se apresenta tanto na qualidade das res-
postas dos alunos às tarefas propostas quanto a execução motora
e estratégica. A aplicação está relacionada à exposição dos alunos
em situações de competição e/ou autoavaliação nas situações es-
tabelecidas no jogo.
Ocorre, geralmente, quando apresentam uma forma de
progressão das abordagens para os JDCs, uma organização se-
quenciada e orientada pelo nível de complexidade das situações
em forma de tipologia. Graça (1995, p. 30) apresenta-se diver-
gente a esse modelo. Para o autor, não há a necessidade de um
sequenciamento crescente e ordenado das situações, pois "qual-
quer tipo de situação é por si só inesgotável, o que quer dizer

95
Pedagogia do esporte

que a passagem de um tipo para outro não implica o abandono

do anterior".
O autor preconiza a organização e o sequenciamento do
processo considerando a transferência das aprendizagens para
o jogo e, desse modo, conectando diferentes formas modifica-
das de jogo para as do jogo formal. E, nesse aspecto, recaem
sobre os professores algumas responsabilidades que determi-
narão todo o desenrolar do processo.

o professor terá que tomar decisões sobre a profun-

didade, a extensão, a sequência e a ênfase com que

irá abordar os diversos conteúdos, obviamente de

acordo com a sua concepção do que é importante

aprender, das expectativas para a aprendizagem dos

alunos, do que conhecimento das suas dificuldades

e possibilidades, do papel que lhe cabe desempe-

nhar enquanto professor. (Graça, 1995, p. 29)

O professor é o agente principal desse processo, estando


sobre ele a responsabilidade de intervir energicamente no jogo,
levando o aluno a desenvolver a capacidade de jogo, para que nele
possa participar ativamente. Assim, Graça (1995) apresenta alguns
pressupostos estratégicos importantes no ensino dos JDCs e refe-
renciais para a intervenção do professor,
Para o ensino, segundo o autor, é importante levar o
aluno a compreender o jogo (leitura do jogo), ou seja, uma

QR
Pedagogia e pedagogia do esporte- (
análise conceituai de algumas das principais abordagens
,(

problematização deste, tendo por referencial o ambiente do jogo


e suas inter-relações estabelecidas por seus agentes em sua estru-
tura organizacional e funcional.
Para isso, o professor deverá ser um agente participativo, ten-
do a responsabilidade de levar ao aluno questionamentos, e não
respostas prontas, tampouco acreditar que o processo por si tão-
somente será capaz de se realizar (Graça, 1995).
Um professor participativo e atento às situações do jogo,
segundo o autor, muitas vezes a demonstrará, de forma gráfica,
as movimentações da bola e dos jogadores, apresentar segundo
a capacidade do aluno, formas de movimentos, verificará, junto
aos alunos possibilidades de resolverem determinada situação
de jogo, confrontando a forma como os jogadores percebem a
situação e como ela deveria ser feita, em muitas vezes, partici-
pará do jogo e apresentará de forma resumida aos alunos como
eles estão jogando e as evidências, em que eles deverão corrigir
possíveis falhas e questionar/apresentar ao aluno o motivo da
interrupção do jogo. (
Dessa forma, com o objetivo de sempre proporcionar ao
aluno um conhecimento ainda mais elaborado sobre as formas
de jogo e do jogo formal, o professor deve reconhecer, de acor-
do com Graça (1995, p. 33), "a importância de realizar ensino
explícito do jogo e delimitar objetivos claros para a aprendiza-
gem dos alunos".
c
(
(D
(
(
97 (
Pedagogia do esporte

Quadro 1.3 - A pedagogia do esporte de acordo com Garganta


e Graça
Garganta (199S)
Autores e
Para uma teoria dos jogos desportivos colectivos
obras principais
Graça (1995)
Os comos e quandos no ensino dos JDC

Dão-se sobre o jogo e o indivíduo que joga, sendo forma-


tivo por excelência quando induz ao desenvolvimento
da cooperação e da inteligência, referenciais para uma
cultura esportiva, articulando os aspectos fundamentais
dos jogos, tendo por conceito a natureza aberta das ha-
Caracterização bilidades e regulada pelos constrangimentos surgidos
nos fatores exteriores. Sua práxis pedagógica orienta-se
pela especificidade de equipe, entendida como um mi-
< rossistema social complexo e dinâmico, articulando os
aspectos fundamentais dos jogos pelos conhecimentos
gerais em pedagogia.

Garganta (1995)
O ensino dos jogos coletivos por meio dos jogos
condicionados, unidades funcionais, orientados para
compreensão do jogo (razões do fazer) e integrado à
sua especificidade técnica (modo de fazer), contem-
plando uma prática transferível a partir da assimilação
dos princípios comuns nos jogos, por meio de formas
jogadas acessíveis, motivadoras e desafiadoras.
Estratégias Graça (1995)
e metodologia O ensino orientado para a aprendizagem das
habilidades básicas para jogos, orientando para o de-
senvolvimento da capacidade de jogo dos praticantes,
por meio de jogos e atividades simplificados e modi-
ficados, combinação e formas de jogos e transferência
da exercitação para os jogos, por meio de situações
que exijam duplas tarefas (o quê e como), em virtude
das especificidades das habilidades para os jogos e seu
caráter multidimensional.

Para uma teoria nos jogos desportivos coletivos, susten-


tados pela abordagem das teorias fenômeno-estrutural,
para uma prática transferível das similitudes comuns
Fu ndamentação
aos jogos, e sistêmica, para compreensão, operacion.«
lização e otimização da totalidade complexa fenomenal
do jogo.

RR
Pedagogia e pedagogia do esporte:,
análise conceituai de algumas das principais abordagens

1.4 A pedagogia do esporte segundo Kröger e


Roth e Greco e Benda

1.4.1 A pedagogia do esporte segundo Kröger e Roth

Kroger e Roth (2002) apresentam o referencial de sua pro-


posta questionando a necessidade que hoje existe de runa cultura
de jogar. Uma escola da bola natural. A Escola da Bola trata-se do
jogar na rua e/ou formas de pequenos jogos com bola (na mão, nos
pés, com raquetes etc.).
Segundo Kroger e Roth (2002), as crianças aprenderam an-
teriormente a jogar em parques, praças, ruas e praias, que foram
substituídos por clubes e escolas de esporte. Nestes, muitas ve-
zes, estão orientadas para o rendimento imediato, preconizando
práticas formuladas de treinamento, resultando em um processo
de especialização precoce, e, ainda, condicionadas a uma única
modalidade esportiva.
O ensino dos esportes deverá estar orientado para formas
variadas e experimentações livres em vários esportes. Segundo
Kroger e Roth (2002, p. 9), "crianças não são, na sua natureza, es-
pecialistas: elas são generalistas", sendo assim, priorizando uma
aprendizagem geral, objetivada por uma gama variada de experi-
mentações em movimentos.
A proposta está orientada para uma Escola da Bola - cre-
ches esportivas -, facilitadora de uma cultura do jogar, em que,
para Kroger e Roth (2002, p. 11), "jogar se aprende jogando",

99
Pedagogia do esporte

concretizando multilateralmente o desenvolvimento da capaci-


dade de jogo.
Contudo, para o desenvolvimento dessa proposta, Kroger e
Roth (2002) apoiam-se em alguns pilares, os quais chamam de um
ABC da Escola da Bola:

• Jogos orientados para a situação: objetiva-


se aprender a jogar com liberdade, ou seja, no
desenvolvimento da capacidade tática básica para
o reconhecimento das situações de jogo;
• Orientação para as capacidades coordenativas:
trata-se do desenvolvimento das capacidades mo-
toras básicas, que permitirão uma transferência
para as técnicas específicas de uma modalidade es-
portiva orientada para a melhora da coordenação
com bola, uma inteligência sen sório-motriz..
• Orientaçio para as habilidades: trata-se do de-
senvolvimento <!<• uma variada gama de habilidades
técnii as e elementos comuns em vários esportes,
permitindo desenvolver maiores possibilidades
técnicas a partir da exercitação de elementos téc-
nicos básicos dos diferentes esportes.

A Escola da Bola orientada para jogos situacionais preconiza


formas de jogos próprios, ou seja, formas de jogos situacionais sis-
tematizados, organizados e orientados em virtude dos objetivos

i nn
Pedagogia e pedagogia do esporte:,
análise conceituai de algumas das principais abordagens

que se pretende alcançar, em que, para a Escola da Bola, é desen-


volver a capacidade de jogo.
Segundo Kroger e Roth (2002), o desenvolver a capacidade
de jogo - adquirir experiência de jogo - por meio do deixar jogar
é resultante das consequências das ações da criança no ambiente
do jogo; uma forma combinada de ação incidental proporcionada
pelo ambiente do jogo - jogar de fonna variada e livre -, em pa-
ralelo às formas jogadas e/ou jogos situacionais - sistematizados,
organizados e orientados em virtude de objetivo - apresentados
pelo professor/técnico sequencialmente.

Na Escola da Bola fundamentalmente se objetiva

o desenvolvimento da capacidade de jogo geral, da

competência tática básica (objetivo). Serão oferecidas

formas de jogadas que são construídas tomando-se

os elementos básicos para construir a ideia do jogo

(conteúdo). Estes jogos devem ser apresentados às

crianças e deixar que estas joguem (método). (Kroger

e Roth, 2002, p. 15)

Os jogos situacionais, para Kroger e Roth (2002), es-


tão orientados por classes de tarefas - elementos táticos - que
orientarão e apresentarão sistematicamente os procedimentos para
o desenvolvimento da capacidade geral do jogo e competência
tática. Apresentam-nos organizados em:

101
Pedagogia do esporte

• Relacionamento com o objetivo: acertar o alvo;


transportar a bola ao objetivo;
• Relacionamento com o colega: tirar vantagem
tática no jogo; jogo coletivo.
• Relacionamento com o adversário: reconhecer
espaços; superar o adversário;
• Relacionamento com o ambiente: oferecer-se e
orientar-se.

Kroger e Roth (2002) preconizam alguns critérios de ordena-


mento, que deverão ser considerados quanto às formas de jogos,
jogos situacionais. O primeiro critério trata-se da estrutura tática
dos jogos, o segundo é o ordenamento conforme a bola é jogada
- com as mãos, com os pés, com raquetes - e o terceiro é o seu
nivel de complexidade,
O ordenamento dos jogos, segundo Kroger e Roth (2002),
está sob a responsabilidade do professor, que permanentemente
deverá avaliar as condições ambientais. Os jogos deverão preencher
algumas exigências mínimas, como ter caráter próprio e não ser
preparatórios para um esporte específico; poderão ser utilizados
ou adaptados em função de outros requisitos da aprendizagem;
deverão ser apresentados de forma simples e de fácil compreen-
são e com estruturas organizacionais simples e sem a necessidade
de elementos (aparelhos) complexos.
A Escola da Bola orientada para o desenvolvimento das
capacidades e/ou exigências coordenativas com bola se trata

mp
Pedagogia e pedagogia do esporte:,
análise conceituai de algumas das principais abordagens

do desenvolvimento da capacidade de coordenação geral com


bola. Tendo em vista as inúmeras discussões e diferenças con-
ceituais para esse tema, Kroger e Roth (2002) se posicionam
na perspectiva de considerar que as diferenças conceituais,
quando compreendidas e aceitas considerando sua variabilida-
de, poderão conduzir a formas ainda mais ricas e variadas na
prática, se aplicadas de forma sistematizada.
As exigências coordenativas com bola, para Kroger e Roth (2002)
são capacidades que dependem da elaboração de informações, que se
apresentam por dois canais: eferente, ou seja, das motricidades grossa
e fina, e aferente, formas sensitivas de controle e resposta motora
(óptico, acústico, tátil, cinestésico e vestibular), mas essas exigências
coordenativas são influenciadas pelas condicionantes da motricida-
de da ação, ou seja, apresentam-se em resposta a uma situação ou
exigência de controle motor em pressões de tempo, de precisão, de
complexidade, de organização, de variabilidade e de carga.

Na Escola da Bola orientada para o desenvol-

vimento das capacidades, objetiva-se a melhoria da

coordenação geral com a bola (objetivo). Serão apre-

sentados elementos para a superação de atividades

que contêm diferentes exigências informacionais

(conteúdos). A exercitação segue a formula básica:

habilidades motoras com bola simples + variabilida-

de + condições de pressão (método). (Kroger e Roth,

2002, p. 22)

103
Pedagogia do esporte

Kröger e Roth (2002) evidenciam que, quando nos propomos


ao ensino das exigências coordenativas, devemos privilegiar o en-
sino a partir das habilidades que as crianças já dominam de forma
estável e, a partir daí, incrementar com variáveis informacionais e
com os componentes de pressão, ou seja, o ensino partindo das ha-
bilidades básicas com a bola, seguida da exigência de variabilidade
(aferente e eferente) na elaboração de informações e em situações
de pressão, tendo por resultante o sequenciamento de um proces-
so sistematizado de treinamento de coordenação com abola.
A /•;.%( D / . I dl Bola orientada para o desenvolvimento das ha-
IhIkI.kU1' tiaI.I se da ideia de exercitação de habilidades técnicas
fundamentais, que poderão ser transferidas para os jogos/esportes
diversos, ou seja, segundo Kröger e Roth (2002, p. 26), "consiste
na aquisição de variada forma de materiais de construção para os
movimentos esportivos".
Nessa perspectiva, objetiva-se prioritariamente o exercitar
habilidades gerais. Portanto, o jogar já não mais se caracteriza de
forma livre. As atividades são orientadas para a exercitação das ha-
bilidades gerais para formulação de uma técnica básica.

Na Escola da Bola orientada para as habilidades

dever-se tomar um material de construção que seja pas-

sível de transferência e geial a todos os esportes coletivos

(objetivo). Serão exercitados elementos individuais por

si próprios, deformasimples, e também de combinados

uns com os outros (método). (Kroger e Roth, 2002, p. 28)


ar '
Pedagogia e pedagogia do esporte:
análise conceituai de algumas das principais abordagens
(
1.4.2 A pedagogia do esporte segundo Greco e Benda
(
Greco e Benda (1998), em Iniciação Esportiva Universal I: da
aprendizagem motora ao treinamento técnico, direcionam críticas
às propostas exclusivamente humanistas e tecnicistas que se esta-
beleceram na Educação Física e no esporte brasileiro. Na primeira
(humanista), criticam a dicotomia que esse modelo traz entre o
fazer prático e o conhecimento teórico. Para os autores, o modelo
humanista descaracteriza o esporte quando o exclui de seu fazer
prático. Na segunda (tecnicista), os autores criticam sua aplicabi-
lidade exclusivamente técnica no fazer mecânico e estereotipa-
do. Para Greco (1995) e Greco e Benda (1998), isso acontece em
virtude da formação dos profissionais da área que décadas atrás
privilegiavam esse modelo, no qual em nada contribui para uma
compreensão do jogo.
Greco e Benda (1998, p. 16) privilegiam uma proposta huma-
nista, mas dentro de um contexto prático, que não perca seu refe-
rencial prático-teórico e teórico-prático sob uma visão progressista.
Aspiram "que as crianças e adolescentes tenham oportunidade de
'contextualizar' o jogo que praticam dentro do marco sociopolíti-
co e cultural".
Para esses autores, o esporte tem um valor significativo na
infância e na adolescência, considerando tanto o ponto de vista da
integração, quanto da socialização. Porém, o esporte, quando em ,
seu contexto piáti< o, em virtude das diferentes formas de expres-
são e sHjnifi< .ul«'. atribuídos pela sociedade atual, passa a ser tam- (
brm um determinante d«- regras e padrões de comportamento. (
(
(
105 { •
Pedagogia do esporte

A partir das considerações apresentadas no parágrafo ante-


rior, Greco e Benda (1998, p. 17) propõem o processo de ensino
nos esportes privilegiando a compreensão do jogo, apresentado
em três tópicos básicos, da seguinte forma:

• Tomada de decisão e a formação de conceitos por


parte dos alunos;
• Compreensão dos contextos dos jogos esportivos;
• Importância da tática na iniciação esportiva.

Greco e Benda (1998) reivindicam, para sua proposta, um


processo de ensino-aprendizagem que considere a compreensão
do jogo por meio de uma situação problematizada deste - estru-
turas funcionais - contextualizada em sua forma prática - jogos
modificados - apresentada ao aluno e permitindo a ele melho-
rar seu rendimento, ou seja, uma metodologia para o que fazer
- tática - e como fazer - técnica.

Nossa proposta busca a autonomia do aluno em

seus atos e decisões, através de uma maior compreen-

são do jogo e de um aumento do conhecimento táti-

co, por meio da prática do próprio jogo, através da suas

estruturas funcionais. (Greco e Benda, 1998, p. 22)

Para desenvolvê-la, Greco e Benda (1998) consideram dois mo-


mentos em particular e fundamentais para o processo de ensino,

106
Pedagogia e pedagogia do esporte:
análise conceituai de algumas das principais sbordapens

estruturados por um sistema de formação e treinamento esportivo


(conceitosfilosóficos,políticos, sociais e conteúdos) em longo prazo.

• Iniciação Esportiva Universal: inicia-se nos 4 e


vai até 10-12 anos - da aprendizagem motora ao
treinamento técnico;
• Metodologia da Iniciação Esportiva: inicia-se
nos 10-12 e vai até 16-18 anos - desenvolvimento
da capacidade de jogo ao treinamento tático.

Na Iniciação Esportiva Universal (4 a 10-12 anos), Greco e


Benda (1998) privilegiam um processo de ensino-aprendizagem-
tremamento que implica uma estruturação da aprendizagem
motora para o treinamento técnico. Nessa fase, o tema central do
processo é o desenvolvimento das capacidades coordenativas ge-
rais, necessárias para a aprendizagem da técnica.
As capacidades coordenativas estão diretamente relacio-
nadas às capacidades básicas dos individuos no dia-a-dia, e as
tarefas motoras são exigidas em uma situação de jogo, da mes-
ma forma que as capacidades coordenativas estão ligadas dire-
tamente com o nível da capacidade de aprendizagem do indiví-
duo. Assim, "o desenvolvimento das capacidades coordenativas
é o objeto principal da aprendizagem motora" (Greco e Benda,
1998, p. 118).
Greco e Benda (1998) interpretam as capacidades coordenati-
vas como um conjunto de processos e operações que determinam

1D7
Pedagogia do esporte

o processo coordenativo. Para isso, definem e conceituam as capa-


cidades coordenativas classificando-as em sete capacidades:

• Capacidade de diferenciação: refere-se à quali-


dade do movimento, proporcionando, assim, runa
execução perfeita dos movimentos e os varia;
• Capacidade de acoplamento: refere-se à capacida-
de de unir movimentos e/ou combinar sequência
de movimentos de forma coordenada;
• Capacidade de reação: refere-se à resposta dada a
determinado sinal, reação;
• Capacidade de orientação: refere-se à capacida-
de de orientação no espaço e relação estabeleci-
da neste;
o Capacidade de equilíbrio: refere-se à capacidade
de recuperar ou manter a estabilidade, tanto no
plano estático quanto em movimento;
• Capacidade de mudança: observa-se na capacida-
de de adaptação às novas situações;
• Capacidade de ritmo: refere-se à capacidade de o
indivíduo se adaptar a um ritmo externo.

De acordo com Greco e Benda (1998), para a apresentação de


uma proposta metodológica que propõem ao ensino-aprenizagem-
treinamento das capacidades coordenativas, estas deverão apresen-
tar algumas variáveis, determinadas pelo nível de exigência e pelos
T Pedagogia e pedagogia do esporte:,
análise conceituai de algumas das principais abordagens

canais de elaboração da informação [aferente, ótico, acústico, tàtil,


cinestésica, vestibular; eferenter. motricidade grossa, motricidade
fina). As variáveis são seis condições de pressão:

• Pressão de tempo: diminuição ou aumento da


exigência segundo o tempo de execução;
• Pressão de precisão: máximo de exigência na
execução;
• Pressão de organização: variáveis de situações de
forma simultânea;
• Pressão de complexidade: nível de exigência da
atividade;
• Pressão de carga: exigência de sobrecarga, de or-
dem psíquica e física (psicofisica);
• Pressão de variabilidade: condições modificadas
no ambiente.

Greco e Benda (1998) apoiam sua proposta sobre o desenvol-


vimento das capacidades coordenativas, em que a aprendizagem
motora deverá culminar em uma melhor aprendizagem técnica, e
trazem para o seio de sua proposta as atividades lúdicas e as brinca-
deiras, que deverão ser facilitadoras no processo de aquisição dessas
capacidades. A proposta se desenvolverá de forma eficiente se algu-
mas medidas metodológicas forem adotadas pelo professor.
Para os autores, o professor/técnico deverá privilegiar uma
variação de execução de movimentos, modificar as condições

109
Pedagogia do esporte

externas, combinar elementos das diferentes habilidades motoras


e técnicas, apresentar atividades com diferentes exigências no pla-
no de velocidades dos movimentos e variar as formas de percep-
ção da informação aos indivíduos. Portanto, a Iniciação Esportiva
Universal trata-se de um processo em parte do desenvolvimento
das capacidades coordenativas gerais para um aprendizado técni-
co geral.

fica claro que estamos nos referindo a um proces-

so de ensino-aprendizagem-treinamento que parte

da aprendizagem motora ao treinamento técnico,

sendo o desenvolvimento da coordenação, a estru-

tura básica necessária para a aprendizagem. (Greco e

Benda, 1998, p. 1S7)

Antes de adentrar o processo de treinamento técnico,


Greco (1998, p. 17) busca um conceito de técnica e de trei-
namento técnico. Segundo o autor, técnica é "a interpretação
no tempo-espaço e situação do meio instrumental operativo
necessária à execução da tarefa ou problema que se defronta
no esporte", e treinamento técnico consiste em "desenvolver a
competência para solucionar questões motoras específicas do
esporte, através do desenvolvimento das capacidades coorde-
nativas e técnico-motoras".
Para Greco (1998, p. 17), o treinamento técnico deverá ter
alguns princípios objetivados, como:
Pedagogia e pedagogia do esporte:,
análise conceituai de algumas das principais abordagens

• Formação de automatismos flexíveis dos movi-


mentos ideais conforme modelos;
• Otimização dos programas motores generalizados;
• Otimização da imagem de movimento;
• Aprimoramento da capacidade de variação, com-
binação e adaptação do comportamento motor
do esportista na execução da técnica na situação
de competição.

A partir desses objetivos, Greco (1998) apresenta um mode-


lo de treinamento técnico, que acontece em um processo contí-
nuo de estabilização e automatização.
Para Greco (1998), uma nova aquisição técnica somente será
possível quando o esportista for capaz de perceber sua ação - mo-
vimento -, portanto, um controle consciente de sua ação. E, a
partir de uma estruturada variedade e variabilidade de atividades,
o processo caminha em direção à estabilização da técnica. Entre-
tanto, uma técnica somente será considerada estabilizada quando
o esportista for capaz de apresentá-la com um padrão de execu-
ção considerado sem desvios, ou seja, eficiente.
O processo de automatização da técnica, segundo Greco
(1998), acontece quando o esportista for capaz de executar um
movimento técnico sem concentrar atenção em sua execução
em variadas formas de atividades, sendo o desenvolvimento da
capacidade técnica (Iniciação Esportiva Universal) transitório ao
desenvolvimento da capacidade de jogo e ao treinamento tático

111
Pedagogia do esporte

[Metodologia da iniciação esportiva), ou seja, uma aplicabilidade


integrada, técnico-tática relacional (Greco, 1998).

Nos esportes coletivos, realizar um treinamen-

to técnico de forma isolada, sem conexão com a

situação de jogo, é equivocado e conduz a automa-

tismos rígidos, pouco flexíveis e invariáveis, o que

leva à repetição inadequada na situação de competi-

ção. (Greco, 1998, p. 38)

Segundo o autor, a potencialização de uma capacidade téc-


nica também poderá acontecer por meio de uma metodologia
que privilegie situações reduzidas de jogo em pequenos grupos.
Portanto, Greco (1998, p. 23) diz "que o treinamento técnico é
integrado ao treinamento tático".
Dessa forma, Greco (1998) sintetizou todo o seu processo
de treinamento técnico-tático em três classes de tarefas, orga-
nizadas em virtude da classificação das atividades. O primeiro
grupo (A - tarefas fechadas) trata de atividades e/ou, segundo
o autor, "classe de tarefas fechadas". As atividades desse grupo
estão baseadas em forma de movimentos simplificados (analíti-
cos). O segundo grupo (B - variação e combinação da técnica)
traz atividades (A B) combinando os dois grupos. O terceiro
grupo (C - adaptação das técnicas ás exigências táticas) é com-
posto por atividades que combinam capacidades técnicas e
táticas. As atividades desse grupo apresentam uma simplifica-
Pedagogia e pedagogia do esporte:,
análise conceituai de algumas das principais abordagens

ção da estrutura e/ou situações de jogo reduzidas à condição


de exercícios.

No final da fase Iniciação Esportiva (TEU) - na faixa

etária dos 11-12 anos - e na passagem para a fase de

orientação - entre os 13-14 anos - é que estaremos

possibilitando dos primeiros contatos de forma siste-

mática, planejada e consciente da criança, já na pré-

adolescência, com o processo de desenvolvimento das

capacidades técnicas paralelo à iniciação tática, através

de proposta metodologia baseada na apresentação de

situações de jogo em pequenos grupos. É fundamen-

tal que a aprendizagem-treinamento de uma técnica

aconteça de forma paralela com o desenvolvimento da

capacidade tática. {Greco, 1998, p. 24)

Greco (1998), na Metodologia da iniciação esportiva, objetiva


o desenvolvimento da capacidade de jogo ao treinamento tático,
mas, segundo ele, quando objetivamos o ensino-aprendizagem
nos jogos esportivos coletivos, temos de compreendê-lo como
processo, não o limitando à condição apenas de um conhecimen-
to em capacidades coordenativas, técnico-táticas e/ou das capa-
cidades do jogo. O professor terá a incumbência de facilitar esse
ambiente, utilizando diferentes formas metodológicas e situações
de jogo adequadas ao nível de capacidade técnico-motora e de
compreensão do jogo por parte do aluno/esportista.

113
Pedagogia do esporte

Para Greco (1998), uma proposta metodológica para o ensi-


no dos jogos esportivos coletivos deverá privilegiar situações de
jogo com diferentes estruturas funcionais.

O método de ensino-aprendizagem-treinamen-

to dos jogos esportivos coletivos, portanto, deve

relacionar e considerar que a aprendizagem pode

se compreendida como a construção e modificação

constante dos sistemas individuais de ação; a apren-

dizagem está ligada ao prolongado desenvolvimento

e aumento da experiência de jogo que exige a apre-

sentação de uma alternativa pedagógica, em que o

jogo, na sua ideia básica, não seja alterado. (Greco,

1998, p. 48)

Compreendendo a necessidade de um método que possa


atender a essa proposta, que privilegie o desenvolvimento dos pro-
cessos cognitivos (percepção, antecipação e tomada de decisão),
Greco (1995b; 1998) apresenta o método situacional, fundamen-
tado na estrutura funcional do jogo. Segundo o autor, o método
situacional "se compõe de jogadas básicas extraídas de situações
padrões do jogo" (Greco, 1998, p. 51).
Sua grande vantagem, de acordo com Greco (1995; 1998),
R-.iá RIH sua proximidade com as situações-problema apresentadas
un jogo formal, permitindo ao esportista relacionar-se e aproxi-
mai >»,• d,is situações <!<> próprio jogo, utilizando simultaneamente
Pedagogia e pedagogia do esporte:,
análise conceituai de algumas das principais abordagens

capacidades técnicas (como fazer) e táticas (o que fazer), ou seja,


privilegiando o desenvolvimento da capacidade de jogo e per-
mitindo progressivamente caminhar em direção ao treinamento
tático. Portanto, "nesse caso, o ensino do jogo baseia-se na união
da técnica ao processo tático, mediante a apresentação de situa-
ções de jogo que exigem uma solução" (Greco, 1995, p. 5).
Conforme Greco (1998), a capacidade de jogo refere-se à
interação de diferentes capacidades, que permitirão ao esportista
responder a uma situação-problema no jogo apresentando
determinado rendimento esportivo, ou seja, "um estruturado con-
junto de habilidades técnicas e táticas que nos servem de apoio
para solucionar problemas e tarefas específicas de jogo" (Greco,
1995, p. 6).

O termo capacidade de jogo, na nossa concep-

ção, está caracterizado pela interação do desenvolvi-

mento das diferentes capacidades que compõem o

rendimento esportivo em uma situação de jogo, ou

seja, na tarefa motora que a criança resolve na prática,

com a sua ação. (Greco, 1998, p. 59)

Assim, para Greco (1998, p. 63), as capacidades que com-


põem o rendimento esportivo são as capacidades técnica e tática,
sustentadas pelo "nível de rendimento das capacidades motoras
e coordenativas", desenvolvidas na fase anterior, o que nos leva a
uma capacidade técnica determinada pelo conhecimento técnico,

115
Pedagogia do esporte

ou seja, o saber fazer, experimentado e desenvolvido em situações


práticas, junto ao conhecimento do saber teórico orientadas para

a inteligência do jogo.
A capacidade tática surge da capacidade de abstração do jogo,
ou seja, da elaboração de um pensamento tático - convergente e
divergente - que permita ao indivíduo elaborar planos e perceber
situações do jogo, com o objetivo de superar a adversidade.

Para nós, pensamento tático é a capacidade do

esportista de relacionar, em vima situação de competi-

ção, as alternativas e os planos de ação próprios e os do

adversário, utilizando-se deformaadequada à situação,

para obter êxito em sua ação. (Greco, 1998, p. 63)

Ambas as capacidades (técnica e tática), portanto, privile-


giam o que fazer e como fazer de forma relacional em resposta
às situações problematizadas no jogo. Assim, segundo Greco
(1998, p. 67), o processo de ensino-aprendizagem-treinamento
deverá privilegiar o desenvolvimento da capacidade de jogo:
"o desenvolvimento das capacidades táticas deve ser vinculado
ao desenvolvimento paralelo das capacidades técnicas, físicas e
psicológicas".
Após o desenvolvimento da capacidade de jogo, Greco
(1998, p. 77) privilegia um processo de treinamento tático, que
somente será possível respeitando algumas condições básicas e
determinantes para o nível de rendimento do esportista:
r
Pedagogia e pedagogia do esporte:
ariólise conceituai de algumas das principais abordagens

• Ordenamento tempo-espacial das ações;


• Flexibilidade do comportamento tático;
• Disponibilidade de alternativas de decisão.

Segundo o autor, requer uma condição de treinamento


integrando capacidades cognitivas e táticas simultaneamente, sem
necessariamente descaracterizar o treinamento técnico, explici-
tando que "um bom treinamento tático exige paralelamente o
treinamento técnico" (Greco, 1998, p. 78).
Para o treinamento tático, Greco (1998) faz referência a
três tipos de tática: individual (situação ou comportamento de
um jogador), grupai (coordenações combinas entre dois ou três
jogadores) e coletiva (ações sucessíveis e simultâneas envolvendo
mais de três jogadores). Segundo o autor, para que esse processo
de treinamento se concretize efetivamente, dependerá muito da
capacidade didático-pedagógico do professor/técnico em siste-
matizar e organizar todo o processo.
No desenvolvimento de todo o processo apresentado, enten-
dendo-o como um sistema de formação esportiva para crianças em
longo prazo, Greco (1996) e Greco e Benda (1998) desenvolvem e
analisam uma estrutura temporal sob os pilares de alguns princípios
norteadores, como princípios pedagógicos, metodológicos, biológi-
cos, de organização e gerenciamento. A preocupação dos autores está
em apresentar uma estrutura temporal que pemnita um sequencia-
mento sistematizado e organizado de acordo com os princípios do
desenvolvimento do ser humano e suas respectivas limitações.
Pedagogia do esporte

Segundo Greco (1996) e Greco e Benda (1998), essa


organização permite o desenvolvimento de um processo para a
criança, respeitando suas limitações e potencializando-as cons-
cientemente nos períodos sensíveis o desenvolvimento das
capacidades necessárias para a prática do esporte, bem como para
toda a sua vida. Eles apresentam a organização temporal de seu
processo em nove fases:

Pré-escolar: objetiva-se a aprendizagem na com-


plexidade do sistema de cognição, emoção e
motivação; atividades básicas de deslocamen-
to, equilíbrio, acoplamento, esquema corporal,
relação espaço-temporal; deverão ser apresentadas
em formas de jogos de imitação e perseguição;
Universal - 6 a 11-12 anos: procura-se desenvolver
todas as capacidades motoras e coordenativas, do fácil
para o difícil e do simples para o complexo; deverá ser
ressaltado o fazer lúdico; o jogo didático-pedagógico
deverá ser apresentado à criança conforme sua carac-
terística evolutiva; utilização de elementos de forma
sequenciada (por exemplo: primeiro com o elemen-
to corda, depois corda com bola etc.); privilegiar o
desenvolvimento das capacidades coordenativas;
Orientação - 11-12 a 13-14 anos: desenvolvi-
mento e aperfeiçoamento das capacidades físicas
(motoras e coordenativas) e início do processo de
Pedagogia e pedagogia do esporte:,
análise conceituai de algumas das principais abordagens

fixação e aprimoramento da capacidade técnica


na sua forma global (automatização-estabilização);
aperfeiçoamento da coordenação de movimentos
paralelos à capacidade sensório-perspectivas; o
jogo deverá ter um sentido recreativo;
Direção - 13-14 a 15-16 anos: iniciam-se o aper-
feiçoamento e a especialização técnica orientada
para uma ou duas modalidades; apresentar ativida-
des de ordem complexa para o desenvolvimento
da inteligência de jogo;
Especialização - 15-16 a 17-18 anos: caracteri-
za-se por uma especialização motora (atividades
fechadas), aperfeiçoamento e otimização do po-
tencial técnico-tático; integração do treinamen-
to técnico-tático;
Aproximação/integração - 18 a 21 anos: fase de
direcionamento, ou seja, esporte de alto rendi-
mento (profissionalização) ou de integração;
Alto nível: aprimoramento do dominio fisico-
técnico-tático-psíquico e social; relativo aumento
da carga de treinamento;
Recuperação/readaptação: atividade física orien-
tada para os benefícios da saúde;
Recreação e saúde: atividade orientada para a
manutenção da função fisiológica, bem como para
o prazer e as motivações envolvidas na prática.

119
Pedagogia do esporte

Quadro 1.4 - A pedagogia do esporte de acordo com Kroger e


Roth e Greco e Benda
Kroger e Roth (2002)
Escola da Bola: um ABC para iniciantes nos jogos es-
portivos
Autores e
obras principais Greco e Benda e Greco (1998; 1998)
Iniciação Esportiva Universal I: da aprendizagem motora
ao treinamento técnico Iniciação Esportiva Universal II:
metodologia da iniciação esportiva na escola e no clube
Kroger e Roth (2002)
Constitui-se de uma ação pedagógica orientada para o
desenvolvimento da cultura do jogar, uma Escola da
Bola natural, livre e variada, orientada e universal a to-
dos os esportes.

Greco e Benda e Greco (1998; 1998)


Caracterização Apresenta-se para a iniciação esportiva universal, orienta-
da paia uma aprendizagem incidental sobre o controle e
desenvolvimento das capacidades em meio às inter-rela-
ções estabelecidas entre professor e aluno, na pretensão
do desenvolvimento das capacidades coordenativas, para
a construção e constituição do potencial do indivíduo,
oferecendo-lhe a possibilidade de compartilhar decisões e
conscientização político-social contextualizada à sua ação.
Kroger e Roth (2002)
O ensino dos jogos coletivos por meio de jogos
situacionais, e uma aprendizagem incidental, para o
desenvolvimento da capacidade de jogo e das capaci-
dades coordenativas, privilegiando os fatores de pressão
(tempo, precisão, complexidade, organização, variabili-
dade e carga) condicionantes da motricidade e o desen-
volvimento das habilidades com bola e da construção de
movimentos específicos aos esportes (técnica).
Estratégias
e metodologia Greco e Benda, Greco (1998; 1998)
Para o desenvolvimento das capacidades coordenativas,
inicialmente da aprendizagem motora ao treinamento
da técnica, por meio de jogos e exercícios dirigidos,
de perseguição e estafetas, e, subsequentemente, o de-
senvolvimento da capacidade de jogo ao treinamento
tático, por meio de jogos funcionais e situacionais, pri-
vilegiando fatores de pressão (tempo, precisão, comple-
xidade, organização, variabilidade e carga) condicionan-
tes da motricidade.
Continua

i ? n
Pedagogia e pedagogia do esporte:,
análise conceituai de algumas das principais abordagens

Continuação

Sob uma visão progressista, na integração entre ciências


biológicas e pedagógicas, apoiando-se nas teorias de
Fundamentação controle e aprendizagem motora e da psicologia geral e
cognitiva, nas áreas da aprendizagem formal e inciden-
tal, e da criatividade.

Como podemos perceber nesta revisão bibliográfica das


principais produções e autores da pedagogia do esporte, há vasto
campo de ideias e discussões sustentadas por diferentes abor-
dagens, mas, como citamos anteriormente, corroborando com
Freire (2000), acreditando que uma pedagogia do esporte pouco
se desenvolveu, portanto, não poderíamos encontrar situação di-
ferente em um campo tão propenso à reflexão.
Com isso, deparamos-nos com a necessidade da estruturação
de um novo capítulo, comprometido com o objetivo de uma análi-
se reflexiva em pedagogia do esporte, apoiando-nos nas diferentes
abordagens revisadas neste capítulo, sob a ótica do comprome-
timento de uma proposta pedagógica inovadora; uma reflexão
comprometida com o desenvolvimento de uma pedagogia do e
para o esporte, nos diferentes caminhos que se apresentam atual-
mente para a ação pedagógica no esporte.

121
Capítulo 2
Consensos em
pedagogia do esporte
Nas ciências, quando há sugestão de verificar em um texto
diferentes abordagens, ocasionalmente, as primoiias fonnulaçôei
feitas estão ligadas à ânsia de embate entre diferentes abordagens
Eventuamente, são enaltecidas na perspectiva iiiformacíonal e
pouco reflexiva, resultando na celebração da morte de uma abor-
dagem e no esplendor de outra, como se suas construções fossem
apenas meras insurgências do acaso. No entanto, não compartilha-
mos desse conceito paradigmático.
Em tempos de discussões veementemente exploradas pelo
pensamento complexo,1 não poderíamos nos limitar a uma dis-
cussão tão reducionista e pouco significante ao propósito desse
trabalho. Corroboramos com Morin (2003, p. 60), para o qual a
ciência não nasce do nada, como se estivesse entre quatro pare-
des. "A cientificidade se constrói, se desconstrói e se reconstrói
sem cessar, já que existe um movimento ininterrupto" cultural-
social-histórico. Logo, o conhecimento científico não se exclui e
não surge em um ponto da história, puro e simplesmente, mas se
transforma, permite ser observado de outras formas, com outra
visão e estrutura de mundo.
Assim, como consenso ou possíveis divergências, não nos
cabe desconsiderar essa ou aquela teoria. O certo é que todas
detêm significativa importância, pois, a partir de sua construção,
foram permitidas a desconstrução e a reconstrução, sobretudo
fundamentadas pela busca progressiva incessante da eliminação
1 Para Morin (2003), a ideia de pensamento complexo deve ser a de nos despertar e nos levar à ex-
ploração de tudo. No entanto, segundo o autor, o pensamento complexo não poderá acontecer sem
estar sustentado por princípios. Segundo Morin (2003, p. 231), "o pensamento complexo é o pensa-
mento que, equipado com os princípios de ordem, leis, algoritmo, certezas e ideias claras, patrulha o
nevoeiro, o incerto, o confuso, o indizível, o indecidível".
Pedagogia do esporte

do erro, na procura da verdade e pela revolução paradigmática de


nossa visão de mundo (Morin, 2003).
Ao que constatamos na revisão bibliográfica das várias
correntes existentes em pedagogia do esporte, as diferentes abor-
dagens apresentaram-se consensuais em pedagogia do esporte,
sobretudo na busca pela ruptura ideológica e paradigmática, ou
seja, na busca por uma proposta inovadora,2 em oposição aos
modelos tradicionais.
Nossa busca se dará anterior à resultante conceituai dos
possíveis pontos consensuais e divergentes, sem que possamos
descaracterizá-las, respeitando seus pressupostos conceituais,
princípios filosóficos e teórico-práticos. Transporemos pelo viés
de ligação entre as diferentes abordagens, na busca pela ruptura
ideológica e paradigmática em pedagogia do esporte.

2.1 Educar - esporte - formar: ensinar a viver


Educar é mais que transmitir conteúdos, é mais
que determinar comportamentos restritos; educar
é ensinar a viver.
João Batista Freire (2005)

Indiscutivelmente, o esporte é um excelente facilitador na


educação e na formação de jovens (Teodorescu, 2003; Paes, 2001;
2002; Balbino, 2001; 2002; Paes e Balbino, 2005; Freire, 1997; 2000;
2002; 2003; 2005; Freire e Scaglia, 2003; Scaglia, 1999a-b; 2003;
Garganta, 1995; Graça, 1995; Greco e Benda, 1998; Greco, 2000),
2 Scaglia (1999) e Scaglia, e Souza (2004] usam o termo inovador paia marcarem as diferenças en-
tre propostas tradicionais e inovadoras. As propostas inovadoras, segundo Scaglia e Souza (2004)
são todas as propostas, que se opondo a paradigmas reducionistas (mecânico), se comprometem
a revolucionarias propostas pedagógicas.
Consensos i m pedagogia tio M p o r t s

mas será realmente essa a realidade com que noi diparamos


diariamente? Seriam realmente educacionais as situações que se
apresentam no alto rendimento esportivo, principalmente quando
observamos nos veículos de comunicação social, a "espetaculari-
zação esportiva", em que quase sempre o fim justifica os meios?
(Korsakas e Rose Jr„ 2002, p. 88).
Seria esse um modelo ideal de pedagogia do esporte? Freire
(2002) questiona se essa seria realmente a única forma de fazer
esporte. Com certeza não!
A pedagogia do esporte está de fato tratando dessas ques-
tões? Na pretensão de superar esses modelos, sobretudo seu ins-
trumento alienador, corroboramos com Sérgio (2003) em três as-
pectos fundamentais:

• Não podemos estar entregues a ignorantes em


pedagogia;
• Antes da pretensão de promover um campeão,
deve-se promover o homem em sua infinita po-
tencialidade e complexidade;
• Vestir-se da seriedade necessária para a função de
educador.

A pedagogia do esporte, no decorrer do seu desenvolvimen-


to, esteve a serviço de uma estrutura reducionista e seletista,
atendendo especificamente à potencialização seletiva daqueles
que pudessem torná-la significativamente própria de sua eficácia.
PndagoçjiQ do esporte

Com isso, as proposta se estruturavam a partir de seu media-


dor empírico, atendendo apenas aos mecanismos resultantes,
independentemente do caminho percorrido e/ou de quantos
conseguiriam chegar até o final do processo. A função do indi-
viduo, este apenas como parte agregada exterior ao processo,
somente vale enquanto resultado.
Scaglia e Souza (2004) analisaram esquematicamente duas
propostas de ensino em pedagogia do esporte e a resultante de
seus processos, em que fica clara essa situação: a pedagogia do
esporte tradicional e a inovadora.
A pedagogia tradicional, segundo Scaglia e Souza (2004), está
centrada na reprodução de modelos e padrões de eficiência e de-
termina pré-requisitos seletivos. Por consequência, a resultante
do processo é um estado de dependência multifatorial, não só na
dimensão da prática esportiva, mas representada em diferentes
estruturas segmentarias socioculturais.
A pedagogia inovadora, conforme Scaglia e Souza (2004),
cria e estimula um ambiente de criatividade e diversidade,
inexistindo pré-requisito à seletividade, e abre-se uma gama
infinita de diferentes níveis de experiências (motoras, sociais,
culturais, afetivas, cognitivas etc.). Por consequência, a resultante
do processo possibilita ao indivíduo o desenvolvimento de sua
autonomia, sendo ele capaz de construir significados e ressignifi-
car sua prática,
A prática pedagógica tradicional, como revelada por Scaglia
e Souza (2004), constantemente se apresenta em diferentes
CoiiHanaOB em pêdl|B|Ía ti» sipor te

segmentos da prática espoiiiva, refletindo a nu apa< idade de com


preender a complexidade envolvida no ato de ensinar esporte
Segundo Freire (2000), o problema já parte com aqueles
que se propõem a ensinar esporte, não acreditando suficiente-
mente que esporte se ensina. Scaglia (1999b) e Scaglia e Souza
(2004) acrescentam, ainda, a incapacidade de compreender as
implicações próprias ao ato de ensinar esporte.
Contudo, a dimensão de fenômeno sociocullural do esporte
e a complexidade reflexiva integrada à sociedade atual - uma nova
estrutura de mundo - tornam a pedagogia do esporte impossí-
vel de ser aceita exclusivamente sobre seu fim. Paes (2001; 2002),
Balbino (2001; 2002; 200S), Freire (1997; 2000; 2002; 2003), Scaglia
(1999b) e Scaglia e Souza (2004) reivindicam para a pedagogia do
esporte um olhar mais fecundo. Para esses autores, o esporte não
poderá mais estar unicamente na dimensão da seletividade, tam-
pouco desconhecer seu processo e suas funções.
Assim, entendemos que para o esporte assumir genuina-
mente sua função de mediador entre o educar e o formar, que
coabitam uma mesma unidade complexa - o ensinar - mediada
pela ação do agente pedagógico, a pedagogia do esporte deverá
ser lançada no campo da complexidade do pensamento, aceitan-
do sobre si, de fato, a pedagogia, a práxis educativa (Morin, 2003).
Acreditamos na prática esportiva quando mediada pela ação
do agente pedagógico, como facilitadora no papel de formadora
de cidadãos melhores, e ainda acrescentamos cidadãos autô-
nomos, capazes de refletir e transformar sua prática esportiva,

1 PQ
Pedagogia do esporte

deixando de ser apenas meros repetidores (Freire, 2003; Scaglia,


1999b; Freire e Scaglia, 2003; Balbino, 2003; Scaglia e Souza, 2004;
Lima, 2004).

Nós temos uma forte convicção cultural e

pedagógica do alcance educativo das atividades des-

portivas sempre que estas são levadas à prática por

agentes que assumem um papel de "fazedores" de

melhores cidadãos. (lima, 2004, p. 3S)

Para Paes (2001; 2002), Balbino (2001; 2002; 2005), Paes e


Balbino (2005), Freire (2002; 2003), Scaglia (1999b; 2003), Scaglia
e Souza (2004) e outros autores, o fenômeno esporte é um patri-
mônio da humanidade e não deverá ser compreendido apenas em
uma perspectiva vertical - da resultante -, mas, também, da hori-
zontal, ou seja, do processo. Para Balbino (2003) e Paes e Balbino
(2005, p. 17), isso se torna possível quando, por meio da pedago-
gia, transcendemos os aspectos metódicos, tornando possível o
"pedagogizar o fenômeno esporte".
Paes (2001; 2002), Balbino (2001; 2005), Freire (1997; 2000;
2002; 2003), Greco e Benda (1998), Greco (1998), Garganta (1995),
Graça (1995), Graça e Mesquita (2002), Kroger e Roth (2002), Scaglia
(1999a-b; 2003), Freire e Scaglia (2003) e Scaglia e Souza (2004)
entre outros destacam vários aspectos importantes inseridos no
contexto da prática esportiva, os quais permitem à pedagogia
do esporte abraçar objetivos maiores que apenas seus aspectos
s m
Consenit» (iRtlngogiõ rio HB(itif+s

procedimentais, estratégicos, metodológicos, conteudistas e orga


ni/.at ionais, sem que ••••
.<
. ••. < onh«*< inientos sejam diminuídos, mas
que permitam .10 homem aprender a v i v e i , a viver em sociedade,
a compartilhar sua humanitude
O conhecimento desenvolvido em pedagogia do esporte es-
teve limitado ao saber de suas partes, desconsiderando a essência
do todo e acreditando que na soma de suas partes se chegaria à
totalidade. Além de não acreditarem suficientemente que esporte
realmente se ensina, como observado por Freire (2003), aqueles
que se propuseram a ensinar esporte, erroneamente, limitaram-se
em conhecer o melhor método-procedimento para desenvolver
as capacidades coordenativas, físicas, técnicas, táticas, estratégicas,
psicológicas etc.
Não desconsideramos a importância do conhecimento pro-
duzido por esse viés, mas não podemos aceitar que a simples soma
dessas partes e sua aplicação prática, de fato, seja pedagogizar o
esporte, assim, como Sergio (2003) menciona a desproporciona-
lidade existente entre os estudos da metodologia do treino e os
que tratam efetivamente da educação pelo esporte, permitida pela
atividade lúdica esportiva da criança.
Greco e Benda (1998) e Greco (1998; 2001) apresentam con-
siderados estudos desenvolvidos no campo das teorias das capa-
cidades coordenativas, sobretudo de seu processo de aprendiza-
gem-desenvolvimento e importância dessa capacidade na prática
esportiva. Podemos, também, citar Greco (1995b; 2000), tendo por
referenciais as teorias da psicologia e cognitivista, que trouxeram
Pedagogia do esporte

significativas contribuições para a compreensão da aprendizagem


da tàtica-estratégica nos jogos esportivos coletivos, resultando em
um avanço significativo em seu processo de ensino.
Kroger e Roth (2002) trazem para a discussão a necessidade
do resgate de uma Escola da Bola Natural e apresentam alguns
princípios estratégicos e organizativos desse processo. Sua funda-
mentação privilegia uma Escola da Bola que vise ao aprendizado
a partir de formas situacionais de jogos, no cumprimento do
desenvolvimento das capacidades coordenativas e das habilidades
fundamentais para os esportes.
Garganta (1995) contribui significativamente para a compreen-
são, a problematização e o ensino dos JDCs ao apresentar a Teoria
dos Jogos Desportivos Coletivos, dando fundamentação à comple-
xidade sistêmica nos jogos coletivos em seu campo teórico-prático.
Garganta (1996), Garganta e Silva (2000) e Garganta e Gréhaigne
(1999) dão início a uma notória discussão e estruturação do
ensino-aprendizagem nos JDCs, privilegiando o desenvolvimento
da inteligência tática (cognitiva) para o jogo, integrada às capacida-
des energética e coordenativa por meio dos jogos condicionados.
Graça (1995) responde a questões fundamentais para o
ensino-aprendizagem dos JDCs, dando respostas aos "como" e
"quando" no processo de ensino. Nos "como", traz em foco um
tratamento sobre a compreensão do jogo em sua funcionalida-
de, apresentando princípios estratégicos e metodológicos para o
ensino. No "quando", busca responder às questões dos processos
organizativos e sequenciais do ensino-aprendizagem.
Conieneoa em padagogia do BBpnrté

No entanto, as respostas trazidas por esses autores são


apenas a ponta da totalidade complexa da pedagogia do esporte,
as quais, mesmo estando e se apresentando tio próximas, não
bastará submetê-las a simples soma e/ou justaposição de suas
partes, acreditando que, assim, serão capazes de se apresenta-
rem reformuladas.
Para tanto, será preciso que o pensamento em pedagogia
do esporte ultrapasse a linha de seus métodos e conteúdos,
procedimentos e princípios organizacionais para aceitar a
condição humana, a prática educativa, permitida unicamente
à condição inacabada do homem, que, em um ambiente com
inúmeras variáveis, o ensino-aprendizagem é imprescindível
para sua condição existencial e histórica-social-cultural (Scaglia,
1999b). Corroboramos com Paes e Balbino (2005, p. 20): "vale
ressaltar que defende-se uma pedagogia centrada na criança
e não nos movimentos de uma modalidade", e, ainda, Freire
(2000; 2003), Scaglia (I999a-b; 2003) e Scaglia e Souza (2004),
sobre uma pedagogia do esporte comprometida com o indiví-
duo, sua humanitude e motivações intrínsecas, logo, uma prá-
tica contextualizada à historicidade do aluno, integrada à sua
cultura corporal e social.
Paes (2001; 2002) observa que na prática esportiva coabitam
múltiplas possibilidades de expressões socioeducativas, nas quais
estão para além do seu conteúdo e seus pressupostos metodoló-
gicos e procedimentais. No processo de ensino-aprendizagem, de-
verão ser considerados harmoniosamente os valores e os modos
Pedagogia do esporte

de comportamento. As observações feitas pelo autor atêm-se à


formação do individuo por meio da prática esportiva, permitindo
ao educando observar conscientemente sua prática e refletir criti-
camente seus significados e ressignificados.
De acordo com Balbino (2001), além dos valores e modos de
comportamento, o esporte apresenta situações singulares de or-
dem complexa - sistemas e subsistemas que estabelecemos em
sociedade, permitidas em um ambiente de grande manifestação
social e cultural. O esporte permite uma representação consciente
da vida e para a vida, considerando a dimensão de formação do ser
humano em sua totalidade, integralmente.
Esse construtor formativo, segundo Balbino (2001; 2002), é
proporcionado pela constante sistêmica de autorregulagem apre-
sentada no ambiente do jogo, permitindo diferentes níveis de
experiências e vivências.
Paes (2001; 2002), Balbino (2001; 2002; 2005) e Paes e Balbino
(2005, p. 21) fundamentados por uma prática pedagógica no seio
do construtivismo em pedagogia do esporte, este dar-se-á pela
necessidade de o aluno não ser mais apenas um mero repetidor,
mas precisar compreender sua prática em constante interação no
ambiente, promovido e facilitado pela ação do agente pedagógico,
e nas concepções da teoria das inteligências múltiplas, conforme
é possível valorizar e potencializar o aluno nas suas várias dimen-
sões, na sua multiplicidade potencial.
Isso se dá, segundo Balbino (2001), pela necessidade de
propostas teóricas que valorizam os indivíduos na dimensão e na
Conisnioi am padagoglH rio Bstiurts

capacidade <1e resolverem, transformarem e produzirem proble


mas em diferentes ambientes.
Sobretudo, Paes e Balbino (2004) destacam que uma proposta
pedagógica no esporte deverá privilegiar a diversidade, a inclusão,
a cooperação e a autonomia daqueles que estiverem envolvidos
no processo. Nessa perspectiva, Paes (2002), Balbino (2001) e Paes
e Balbino (2005) tratam a pedagogia do esporte centrada no aluno
em sua dimensão integral.
Freire (1997; 2000; 2003), Scaglia (I999a-b) e Scaglia e Souza
(2004), sustentados por uma abordagem interacionista, destacam
que o princípio para a estruturação de uma proposta pedagógica
deverá permitir ao aluno compreender a sua prática, assim como
compreendê-lo e encaminhá-lo em direção a um novo fazer, portan-
to, sendo ele, o aluno, integrado à sua ação de ensino-aprendizagem,
levando-o incessantemente a aprender mais; uma proposta pedagó-
gica orientada pelo princípio do ensinar esportes a todos, ensinar
bem, ensinar mais que esportes e ensinar a gostar de esportes.
Para Scaglia (1999b) e Scaglia e Souza (2004), além da con-
textualização dos princípios pedagógicos expostos, de responder
e identificar questões de ordem do que ensinar - fruições e pro-
cesso -, como ensinar - princípios metodológicos e os meios - e
para quem ensinar - grupo e motivações a pedagogia do esporte
deverá ser capaz de compreender e estar atenta às obrigações e às
implicações do ato de ensinar.
Segundo Sergio (2003, p. 100), "já que a pedagogia é uma
ciência e não é possível orientar uma criança à base da intuição,

1 QR
Pedagogia do esporte

esquecendo as exigências bdiernas da pedagogia", Scaglia (1999)


e Scaglia e Souza (2004), sol a mesma linha de reflexão, entendem
que o ensinar deverá ser mas bem compreendido na pedagogia do
esporte, pois se trata da edicabilidade do ser humano, do formar
o homem em sua totalidade, ou seja, da formação do indivíduo, de
sua educabilidade, conforrre Sergio (2003, p. 77), "na totalidade de
sua complexidade", na perpectiva de ensiná-lo a viver, viver em
sociedade, compartilhar su; humanitude.

Insinar não é, e nunca será, tarefa simples e

despDvida de responsabilidades. Ao ensinar tem-

se o ompromisso com o formar. Formar o cidadão

que, sara se superar e ser sujeito histórico no mun-

do, recessita desenvolver sua criticidade, sua auto-

nomi, sua liberdade de expressão, sua capacidade

de relexão, sintetizando sua cidadania. Assim sendo,

alunt/sujeito/cidadão, lapidado por quem ensina,

não srá mais aquele que simplesmente se adapta ao

munlo, mas o que se insere, deixando a sua marca

na hstória. (Scaglia, 1999b, p. 25)

O ensinar esporte, iegundo Scaglia (1999b), deverá estar


comprometido da mesma forma que qualquer outra disciplina,
pois em nada diminui a resaonsabilidade de formar, portanto, esta
não poderá estar desprovila de condutas e princípios pedagógi-
cos. Ern conformidade com Sérgio (2003, p. 100), "a educação pelo
CaneonsoB em pedBynyln do nperts

desporto, na infância é trabalho dos mais senos que se depaiam a


qualquer educador".
Já que a pretensão é a educãhilldâde do ser humano, pois
a pedagogia do esporte trata de uma educação intencional, deve-
mos logo perguntar: que cidadãos se formarão pelo esporte? Para
que tipo de sociedade? Com certeza não queremos a que apresen-
tamos nos primeiros parágrafos deste tópico.
Para Paes (2001; 2002), Balbino (2001; 2005), Freire (1997;
2000; 2003), Freire e Scaglia (2003), Scaglia e Souza (2004) e Paes e
Balbino (2005), o ensinar pelo esporte deverá estar comprometido
com a autonomia do ser humano, com a formação de cidadãos
críticos, capazes de formular e reformular sua prática esportiva e
contextualizá-la em seu meio sociocultural. Mas a autonomia da
qual os autores se referem, e nos referimos aqui, como colocada
por Morin (2002, p. 118), não se trata de uma "liberdade absoluta,
emancipada de qualquer dependência", mas uma autonomia que
reconheça a noção de dependência, a coletividade, a humanitude
e o sujeito.
A prática educativa no esporte deverá permitir às crianças e
aos jovens identificarem sua condição mais humana, respondendo
às questões básicas de sua existência, valorizando sua capacida-
de de resolver problemas e de aprendizagem, contribuindo para
o nascimento do homem em sua totalidade (Morin, 2002; 2003;
Balbino, 2001; Scaglia, 1999; Freire, 2003; Sergio, 2003). A partir
daí, segundo Sergio (2003, p. 77), "o homem poderá ser, depois, o
que foi a criança".
Pedagogia do esporte

A pedagogia do esporte para a autonomia do individuo deverá


estar voltada para sua condição sociocultural, em que o ensinar
aprendendo-aprender ensinando, aconteça simultaneamente em
uma via ininterrupta entre educador e educando e esteja ao encon-
tro da necessidade de viver em sociedade e cooperar; uma educação
pelo esporte que permita ao indivíduo aprender a viver, a ter critici-
dade e autonomia para decidir de forma independente e coesa sobre
suas decisões e influências sobre os demais (Freire, 1996).
Contudo, segundo Freire e Scaglia (2003), autonomia
somente se aprende sendo autônomo, tendo atitudes autônomas.
Para isso, jogo apresenta um ambiente facilitador desse processo
e, principalmente, conforme Balbino (2001), por suas situações
transpassarem as metáforas conscientes para a vida. Mas não
bastará somente o ambiente ser um facilitador desse processo. Ele
deverá ser problematizado pela ação do educador, que precisará
ser m e t o d o l o g i c a m e n t e refletido com rigorosidade.

podemos conceber que o pedagogo promove

intervenções em determinados processos, em

jogo constante com o ambiente e os fenômenos

ali observados, e o campo de conhecimentos que

sustentam e orientam sua prática, determinando

a dinâmica da praxis educativa. Estabelecer

intencionalidade, que orienta a ação, conhecer

o objeto que se quer transformar na direção da

intencionalidade e intervir de acordo com planos


CilniifliOi gm pêdgy-yi^ ;

embasados pelo conhecimento fienliflr» ^ir?

direção a um pnhw.i> <lr li ititJ«Mmis«.,in (isisam

caracterizam a piáxis edut ativa, (Bilbihu íOOi. p

Longe de descaracterizar a prática esportiva, nu jogo, itn


virtude unicamente da teorização da prática, como muito bern Í •
locado por Greco e Benda (1998), o que entendemoi ler ífhi »OrtlfUt
é justamente humanizar a prática esportiva, e não ex( luí Ia, J» isstbi
litá-la para um viés maior do que unicamente a íbimaçiu do íiiUiru
jogador, sem que essa perspectiva seja diminuída, ensinando bntt
esportes a todos, mas, por meio da prática esportiva, j» >-.-.ilnliui >
humanização do sujeito como inserido no procedo, ,»PN INIHUIUI. •
o fazer prático de sua compreensão, pemiitmdo-0 IntpregJW I i l í
impregnado por uma cultura esportiva mais humana (Pifirf
Scaglia e Souza, 2004).
Para isso, segundo Freire e Scaglia (2003), a-, a I, fie sustpíttidaf
pelo pedagogo deverão permitir a autonomia do % mdiví.liM , • . <.
meçar já em seu contexto prático. De acordo com Scaglia e> i®UH
(2004), a autonomia dos sujeitos devei,í mu i,u < mu jh. .(<
estimulando processos criativos e enriquei «<I«.it <- de »••Ihi-U ?
motoras e cognitivas, com a humanização dos grstoS t,
técnicos, respeitando aquilo que o aluno já d.. < i puti» ^ -
ponto, permitir um novo aprendizado, > o li« ando iimi-
permitirão ao aluno tomar consciência dr n i i> • •• - -n< dH> ••
tes níveis, portanto, segundo Durkhein ;: • * * 1 r « !! •••• I i 1'!
2002b) a pedagogia, sendo ciência di e para ã tduci'.
Pedagogia do esporte

de um ideal refletido metodologicamente de educação, com o


objetivo da educabilidade do ser humano, com a função de desen
volver nos sujeitos humanos sua condição mais humana, a educa-
ção pelo esporte não poderá negar sua função educacional.
A pedagogia do esporte deverá aceitar a responsabilidade
da educabilidade do ser humano, seu comprometimento educa-
cional, da potencialização de sujeitos mais humanos, capazes de
compartilhar sua humanitude, de reconhecerem nas diferenças
sua condição existencial, permitindo-lhes identificar sua identida-
de terrena, ensinando-os sua condição humana (Morin, 2002).

2.2 A pedagogia do esporte: do jogo aos jogos


esportivos coletivos

As abordagens que se apresentaram em pedagogia do


esporte revisadas nesse trabalho, entre outras tantas que ca-
beriam ricamente em nossa verificação, como Sanchez (1986),
Moreno (1989), Bayer (1994), Bota e Colibaba-Evulet (2001), Kunz
(2001), Teodorescu (2003), Herrero (2001; 2003), Bengué (2005),
apresentaram como principal campo de atuação e investigação da
pedagogia do esporte as práticas esportivo-corporais e o praticante

dessas atividades.
As diferentes abordagens apresentaram o campo de investi-
gação da pedagogia do esporte, mas nos colocaram de frente a um
problema significativamente complexo, principalmente sobre seu
objeto, que efetivamente é condicionante da prática esportiva,
dos jogos esportivos, do jogo coletivo: o jogo (Teodorescu, 2003).
Consensos em padagogli do eipart»

Utilizando em f< ti nu de analogia as rolot ações feitas poi


Morin (2003, p. <182), cm que "a noção de autõnornlfL somente
pode ser concebida em leiaçao à ideia <le dependência", como
podemos compreender o esporte/jogo c< )k*livo sem sermos capa
zes de reconhecer a sua própria essência enquanto jogo? O que
vem primeiro, o jogo ou o esporte/jogo coletivo?
O problema para nós não está em encontrar uma linha
paradoxal entre um e o outro, mas em compreender a essência co-
mum em ambos; o ato de jogar, permitido unicamente à capacida-
de humana de simbolizar e reconhecer sua condição existencial.
Aqui, atemo-nos a algumas ponderações. A primeira
ponderação à qual nos reportamos é a de Scaglia (2003), que con-
sidera o jogo e a cultura como manifestações que se encontram
justapostas, ou seja, foram tecidas juntas, permitidas pela capaci-
dade do homem lúdico de simbolizar. A segunda à qual nos repor-
tamos é a de Teodorescu (2003), que vê o esporte/jogos coletivo
como um fenômeno social criado pelo homem, que se desenvol
veu simultaneamente ao seu processo civilizador. Portanto, não
temos duas manifestações paradoxais ou excludentes, mas uma
única manifestação sociocultural, promovida em um ambiente so
cializado e permitido pela representação do jogo,
O problema surge na pedagogia do esporte quan-
do esta se limita a compreender apenas uma manifestação,
descaracterizando a outra, ou seja, somos capazes de verificar em
grande parte as implicações existentes nos jogos esportivos co
letivos de ordem técnica, tática e estratégica existente', na.-, null

1/11
Pedagogia do esporte

diversas modalidades esportivas, mas nos esquecemos que eles


somente l i o permitidos por terem em seu contexto (ambiente)
uma manifestação de jogo jogado.
A exemplo disso, podemos recorrer a Scaglia (2003), que
observa que o futebol, mesmo tendo status de esporte não dei-
xou de ser jogo, assim como um dia foi apenas jogo/brincadeira,
apenas se tornou o mais famoso e complexo da família dos jogos/
brincadeira de bola com os pés, e a Balbino (2001), quando remete
ao jogo como célula básica na gênese essencial na manifestação
dos jogos esportivos coletivos.
Ainda assim, somos incapazes de compreender o ato de jo-
gar. Segundo Freire e Scaglia (2003), em grande parte, isso se deve
à incapacidade daqueles ligados à pedagogia em compreender o
jogo como fenômeno.
O que é o ato de jogar? Um pergunta que qualquer criança se
atreveria a responder, sem medo de errar, e talvez nos desse a res-
posta mais própria desse ato, segundo Sergio (2003), por conviver
jogando e, jogando intensamente, está imersa em uma complexa
trama dinâmica, coabitando uma multiplicidade cultural transpas-
sada entre gerações, em uma manipulação constante do real e do
abstrato, da ordem e da desordem, do lúdico e do sério.
Para Scaglia (2003), o ato de jogar coabita uma trama incessan-
te, permitida pelo ambiente do jogo, onde o jogador joga o jogo
e é jogado por ele, sendo absorvido, embreado em sua teia com-
plexa. De acordo com Freire e Scaglia (2003), ê uma manifestação
comprometida com o presente.
CoriHutistiB gffi pedagogia tfn rmportf)

Nesse ambiente1 complexo do jogo, abordado a partir do


pensamento sistêmico-eomplexo, "é necessário compreender o
jogo como elemento fundamental do esporte, bem como sua es-
sencial conexão com o sentido de jogar" (Balbino, 2005, p. 68).
Por fim, corroboramos com Freire e Scaglia (2003) e Scaglia
(2004): o jogo é uma manifestação maior e, por isso, "é necessário
que o jogo seja melhor investigado" (Scaglia, 2004, p. 112).
A pedagogia do esporte tem como campo de investigação
as práticas esportivo-corporais e os sujeitos dessa prática em sua
perspectiva sociocultural, permitidos unicamente pela condição
existencial do ser humano em reconhecê-lo como esporte. Dessa
forma, o esporte estando condicionado a uma manifestação e a um
ambiente de jogo, não poderá ser descaracterizado, pois "o jogo
está contido na cultura, é produto cultural, concomitantemen-
te se autoafirma, desencadeando contínuos processos culturais"
(Scaglia, 2004, p. 112). Portanto, segundo Sergio (2003, p. 28),

no principio é o jogo! Quero eu dizer: não se trata de

uma fase, mas de umadimensãoda própria vida, < jue y<n.i

a cultura, a arte e o desporto, sob o signo da criatividade

pessoa] e de um sentimento pleno de festa,

Com a finalidade de compreender o jogo, ainda que sucinta-


mente, iremos nos aprofundarem sua dimensão complexa, tendo
corno referência e obra orientadora a Teoria do Jogo, elaborada
por Scaglia (2003) em sua tese de doutorado.
Pedagogia do esporte

Assim como colocado por Scaglia (2003), não iremos nos


ater aos significados da palavra jogo, tendo em vista a sua infinita
gama de significados e atributos, nem à sua caracterização, pois
não é o objetivo deste texto, mas ao jogo jogado, ao ato de jogar,
revelando a essência de seu ambiente (contexto) e estado de }ogo
(Freire e Scaglia, 2003).

2.2.1 • jogo: contexto e o estado de jogo


O jogo era uma fissura, uma paixão, uma copul-
são. Sempre que podia, passava na quadra o dia
inteiro, treinando, jogando e. exausto, voltava
para casa e ia dormir sonhando que continuava
no jogo.
Nicolau Sevcenko (2004)

Ao indagarmos a uma criança sobre jogo, possivelmente, ela


não terá em seu vocabulário de palavras uma suficientemente capaz
de transmitir, em plenitude, as manifestações e/ou inquietudes
intrínsecas em sua complexa trama reflexiva relacionado ao seu am-
biente. E, talvez, para uma criança, não existam palavras que sejam
capazes de descrever plenamente toda a emoção refletida em seus
olhos quando joga/brinca, pois, mais do que buscar fundamentação
teórica, ela vive o jogo incessante e intensamente; é arrebatada ao
mundo do jogo (Scaglia, 2003), fato este revelado nas palavras de
Sevcenko (2004), quando diz que, mesmo dormindo, continuava
sonhando que estava no jogo. Talvez, buscando pela memória, de-
paremo-nos com situações semelhantes vividas por nós.
li é nesse contexto, que Scaglia (2003) sustenta a Teoria
do Jogo. Para o autor, o jogo está além de sua caracterização
nnnBíínti™ cm padegugia du nsperti

de jogo e .somente poderá ser vende.ulo como manifestação de


jogo quando revelado no alo de jogar Scaglia (2003) o considera
como um sistema complexo e, ao aceitar sua complexidade,
não se poderá esperar que a fragmentação de sua trama com-
plexa em partes menores - apenas sua caracterização - ve-
nha revelar o todo. Para o autor, dever-se-á verificado em sua
totalidade integrada, logo, será analisado considerando sua for-
ma dinâmica.

O jogo é complexo, logo, ordem e desordem,

certezas e incertezas, confusão e clareza, coabitam

um mesmo sistema, que não prevê apenas soluções,

mas, problemas, sem eliminar a simplicidade e tam-

pouco a complexidade. (Scaglia, 2002, p. 53)

A sua forma dinâmica se revela no ato de jogar, em sua


tendência integrativa, revelando sua dependência a um todo
maior, e autoafirmativa, afirmando e preservando sua autono
mia. Portanto, "um processo contínuo de auto-organizações e
autorrenovações", permitido e determinado por seu "alto grau
de flexibilidade e plasticidade interna", ou seja, um ambiente au
torregulador "influenciado por fatores externos (socloculttirais) e
internos (individuais)" (Scaglia, 2003, p. 59).
Nesse caso, os fatores externos (sociocultuiai.-,) permitem ao
jogador jogar o jogo de outros jogadores, ser InfluifH llflO p«la
marca histórico-cultural deixada por õutroi JopdoPil, qut, da

1 /IR
Pedagogia do esporte

mesma forma, jogaram o jogo que fora deixado por outros, assim
como outros irão jogar o jogo deixado por ele (jogador).
Os fatores internos (individuais) < jiu* influenciam diretamente
cada jogador permitem diferenciar e manipular o jogo e manter
a sua construção humana. No entanto, comum a todos os joga-
dores que nele deixaram sua condição humana, ressignihcando o
jogo, Scaglia (2003) atém-se à existência de um ambiente de jogo
(contexto) fruto das motivações intrínsecas. Scaglia (2003, p. 60) diz
que "o estabelecimento de um ambiente de jogo advém de motiva-
ções intrínsecas, dependentes da entrega e do desejo do jogador".
Segundo o autor, esse ambiente de jogo é habitado - existe
um nicho ecológico - por três componentes, coabitando um no
outro, em um jogo intenso de instabilidade (desordem) e estabi-
lidade (ordem): o mundo do jogo, um Ser que joga e um Senhor
do jogo, e é nesse ambiente que o estado de jogo se revela, onde
é evidenciada a predominância da subjetividade em detrimento
da objetividade.
Ao observarmos Sevcenko (2004) transcrevendo as emoções
vividas em uma quadra de handebol, ao longo de alguns anos de
sua vida nessa modalidade, facilmente reconheceremos o mun-
do do jogo em que ele fora absorvido, ou melhor, está e continua
absorvido3 quando transpõe para o papel as sensações permitidas
no ambiente de jogo. Da mesma forma, Scaglia (2003) descreve
as sensações externalizadas que se manifestam intrinsecamente
3 Para Scaglia (2003), o ato de jogar é mais do que simplesmente a manifestação de um compor-
tamento. fim seu contexto, existem outros componentes que o integram, como: desejo de jogar,
simbolismo e/ou manifestação mental da situação de jogo, manifestações intrínsecas (anseios,
desejos, necessidades pessoais, satisfação) e extrínsecas (problema a ser resolvido, regulamentos),
permitindo ao jogo ser representado também no plano simbólico (cognitivo) - capacidade hu-
mana - como manifestação de jogo.
(;<iiMitiuuu mui pedBQDBlfl ilu «wpnrtH

(fissura, paixão, compulsão etc) na dimensão pela qual estivera


eilitePLie au j«»s»*t» Isso se ilá pelo fato «Ir tio mundo «lo jogo ser
permitida momentaneamente uma suspensão da realidade, sem
que esta seja excluída, cedendo espaço ao simbólico, à subjetivi
dade. Nesse contexto subjetivo (simbólico) do mundo do jogo,
é permitido um universo de transformações, havendo a opor-
tunidade de extravasar (liberdade) em um mar de incertezas as
sensações (motivações) reveladas intrinsecamente.
A oportunidade de extravasar as sensações intrínsecas e
externalizadas, ou seja, a liberdade, o poder de manipular e trans-
formar o jogo, revela o Ser que joga, o Ser do jogo, o criador do
jogo, mas, segundo Scaglia (2003), essa liberdade é aparente, não
se conclui no sentido cabal do termo, pois no jogo o real se en-
contra suspenso, e não excluído. O Ser criador do jogo não o faz
de maneira descomprometida com o real ao passo que o transfor-
ma, mas o constrói, comprometido com o refinamento do jogo,
mediante as leis (imposições) do seu Senhor.
O Ser e o Senhor do jogo coabitam harmoniosamente
jogando e sendo jogado, revelando o mundo do jogo. O Se-
nhor do jogo, segundo Scaglia (2003), é um ser metafórico que
media a dimensão subjetiva que dá forma ao jogo, Ou seja, o le-
gislador, que ao mesmo tempo que acondiciona o Ser em sua
dimensão irreal (subjetiva), impõe limites para que possa haver
sentido na representação de jogo, determinando as leis que
regularão o acaso. "O Senhor do jogo controla o jogo para que
não se extrapole a dimensão subjetiva do Ser que joga. É aquele

147
Pedagogia do esporte

que estabelece sanidade aos jogos, concebendo aos jogadores a


lucidez necessária para que não se percam" no mundo do jogo

(Scaglia, 2003, p. 63).


Logo, temos uma trama complexa coabitando harmoniosa-
mente estabilidade e instabilidade, um sistema complexo, em que
"o Ser do jogo influencia e é influenciado pelo Senhor do jogo,
ao mesmo tempo em que isso repete nas relações entre o Ser e o
Mundo e o Senhor e o Mundo, gerando o ambiente de jogo, ins-
tável" (Scaglia, 2003, p. 67).

Por fim, no jogo processo coexistem, o jogador

joga o jogo e é jogado por ele numa relação

interdependente e complexa. O jogador traz para o

jogo seus desejos e vontades advindas e construídas

ao longo de sua historia de vida, concomitante ao

ambiente que se relaciona. Já o jogo reúne (traz)

os desejos e vontades de outros que jogaram e lá

os deixaram ao serem absorvidos, para que outros

sejam jogados pelos desejos dahumanitude, ao mes-

mo tempo em que a transformam (ressignificam).

(Scaglia, 2003, p. 68)

E, nesse ambiente de compulsão e arrebatador, o jogo, em


sua dimensão complexa, permite revelar infinitas implicações pe-
dagógicas. Para Freire e Scaglia (2003), essas implicações poderio
ser dispostas sobre quatro princípios:
I '.llflBBriBOa BIt) purlayocjiíi rlfl fiftpiic te

• Na«» rs<|ii«M ri C O I J M N aprendidas: <> jogi> pei iiiilt«


.i riiauça não ,i ânsia de re vivencial' a satislaçio
eufórica, provocada ao aprender/resolver um
problema, mas a repetir intensamente aquilo
que aprenderá, permitindo, por conseguinte,
continuar a praticar, garantindo "a permanente
rememoração das novidades assimiladas" (Freire e
Scaglia, 2003, p. 168);
• Manter a aprendizagem: na mesma condição ex-
posta anteriormente, o jogo permite à criança e
ao jovem exercitarem o que aprenderão, só pelo
prazer de repetir e vivenciar todas as sensações
manifestas no momento de sua aprendizagem;
• Aperfeiçoar a aprendizagem: é natural na criança,
quando assimilado prazerosamente, a busca pelo
aperfeiçoamento daquela capacidade/movimen-
to/ação. A criança, repetidamente, busca o aper-
feiçoamento do que fora aprendido; pela beleza
da ação/gesto/movimento (Freire e Scaglia, 2003);
• Novos desafios: após esse processo de estabilida-
de e fixação do aprendido, a criança está pronta,
suficientemente segura e encorajada para uma nova
aquisição, "um novo desafio, uma nova situação
que mantenha laços com aquela que foi superada"
(Freire e Scaglia, 2003, p. 171),

•1 /in
Pedagogia do esporte

O jogo ocupa grande parte do cotidiano da criança, no en


tanto, a sua dimensão é pouco compreendida e suas implicações
pedagógicas muitas vezes são descaracterizadas em virtude de seu
ambiente fascinante e arrebatador, sob a justificativa de o traba-
lho de ensino-aprendizagem ter de estar submetido à seriedade
procedimental. Não são poucas as situações que, ocasionalmente,
podemos nos recordar de algum professor/técnico dizendo aos
alunos que eles somente são capazes de pensar no jogo. No en-
tanto, não discordamos disso. O jogo é sério, mas na dimensão do
mundo da criança (Freire e Scaglia, 2003; Scaglia, 2003).
De certa forma, como colocado por Sergio (2003, p. 27), na
sistemática de uma educação repressiva e dominadora, "ignoram
que a criança convive, jogando e, mais, que só por meio do jogo
ela pode reduzir a oposição existente entre o princípio do prazer
e o princípio da realidade".

2.9.2 üs jogos coletivos: um olhar sobre sua natureza complexa

A complexidade sistêmica manifesta-se, sobre-


tudo, no fato de que o todo possui qualidades
e propriedades que não se encontram no nível
das partes consideradas isoladas e, inversamen-
te, no fato de que as partes possuem qualidades
e propriedades que desaparecem sob o efeito das
coações organizacionais do sistema.
Edgar Morin (2003)

Durante muito tempo, os jogos coletivos caracterizaram-se


pela sua justificação quase sempre na intuição e no empirismo. A
sua busca centrou-se no princípio da simplificação e/ou elimina-
ção de sua natureza complexa (imprevisibilidade e aleatoriedade),
ConfSünROS em peilnguglu t)u importa

j)iín< ipalmenlc |» >i si 1,1 racionalização mecânica e nducionista


(Bayer, 1994).

< ) pensamento mecanicista e reciudoiiista caracteriza-se


pela simplificação <los deu temos constituintes da totalidade, em
categoria cle elementos isolados e simplificados (reduzidos), e,
por meio da simplificação e/ou eliminação da complexidade, ge-
rada na lógica interna dos jogos esportivos coletivos, buscava-se
compreender a totalidade e, posteriormente por meio da soma
- justaposição - das partes, objetivava-se fundamentar a constitui-
ção e/ou reconstituição da totalidade.
No entanto, essa dimensão refutava dos jogos coletivos as
suas condicionantes de essencialidade: a estratégico-tática, a im-
previsibilidade e a aleatoriedade, o equilíbrio e o desequilíbrio,
ou seja, sua condição essencial de existencialidade, sua dimensão
tática (Garganta, 1996).
Para Freire (2000; 2003), Scaglia (1999b; 2003), Scaglia e Souza
(2004), Garganta (1995), Graça (1995), Paes (2001), Balbino (2001;
2005) e Paes e Balbino (2005), a dimensão simplificadora e elimi-
nadora da complexidade dos jogos coletivos deverá dar lugar à
observação e à gestão de sua natureza legitimamente complexa.
Os denominados jogos coletivos integram o grupo dos
esportes designados de cooperação/oposição, os quais têm em
suas ações resultantes a constante interação entre jogadores coo-
perando entre si em oposição à outra equipe, que atuam, também,
cooperando em oposição à primeira equipe, em cumprimento de
um regulamento comum a ambas, com o objetivo de conseguir

A c^l
Pedagogia do esporte

e gerir situações de proveito próprio (Bayer, 1994; Greco, 19951);


2000; Paes, 2001; Garganta, 1995; 1996; Garganta e Oliveira, 1996;
Garganta, 2002; Tavares, 2002; Teodorescu, 2003).
As ações de jogo são genuinamente de natureza comple-
xa, em virtude da condição de situações de imprevisibilidade e
aleatoriedade que se apresentam aos jogadores. Suas ações são
entendidas como sequência de unidades de ação determinadas
pela condição característica das ações de jogo que se apresentam
especificamente na ordem tática-estratégica (Garganta e Oliveira,
1996; Garganta, 1996; 2002; Tavares, 2002).

Falamos, pois, de actividades férteis em acon-

tecimentos que ocorrem num contexto permanen-

temente variável de oposição e cooperação, e cuja

frequência, ordem cronológica e complexidade não

podem, portanto, ser determinadas antecipadamen-

te. (Garganta, 2002, p. 283)

Nesse contexto, os jogos esportivos coletivos são marcados


pelo encadeamento de unidades de ação. As tarefas são caracteriza-
das pela comunicação (cooperação) estabelecida entre os jogado-
res da mesma equipe e da contracomunicação (oposição) exercida
por jogadores de uma equipe adversária, de constante aleatorieda-
de, imprevisibilidade e indeterminismo (Garganta, 1996).
Outra característica dos jogos coletivos é a condição decisória
dos jogadores - autonomia -, que, segundo Tavares (2002), se
GonSânsoo r:í11 |itxjstj< itjifi rln nnpnrti

apresenta na pressuposição da condição unitária «los jogadores


na dimensão láliea, ou seja, as decisões dos jogadores são conver-
gentes a um movimento ininterrupto d«< relações reciprocas cie
comunicação-cooperação em função de um objetivo comum.
Os jogos coletivos caracterizam-se, também, segundo Tavares
(2002, p. 133), pela "variabilidade das situações de jogo, a rapidez
com que se devem tomar decisões tácticas e a velocidade na rea-
lização das ações motoras", bem como pela imensa quantidade e
pelas combinações de movimentos e ações motoras.
Essas ações são desencadeadas em resposta às situações de con-
flito, reveladas no confronto de objetivos (cooperação/oposição).

Assim, a dimensão tática parece constituir a

condição essencial da existência do jogo, na me-

dida em que os comportamentos dos jogadores,

porque decorrem das relações de cooperação e de

oposição, ocorridas num contexto aleatório, são

fortemente influenciados e determinados pelas su-

cessivas configurações (linhas de força) que o jogo

vai apresentando- (Garganta, 1996, p. 67)

Ao passo que uma equipe procura provocar desequilíbrios,


para superar a condição organizacional e de estabilidade da equipe
contrária, esta, em resposta à condição situacional (acontecimental)
provocada, desencadeia diversas unidades de ação em resposta às
situações de desequilíbrios geradas, objetivando equilibrar o seu

1 qq
Pedagogia do esporte

sistema organizacional, ao mesmo tempo em que gera situações


de desequilíbrio para superar a estabilidade organizacional do sis-
tema contrário.

o jogo é um acontecimento caótico, particularmente

sensível às condições iniciais. É um dos exemplos

mais eloquentes do "caos determinista", na medida

em que se joga na fronteira entre o caos e a ordem.

É ai que se encontra o desequilíbrio permanente

capaz de criar estrutura a partir dos mecanismos

de auto-organização dos sistemas complexos.

(Garganta e Cunha e Silva, 2000, p. 6)

Em virtude de se perceber na natureza dos jogos coleti-


vos um sistema adaptativo e acontecimental, um sistema aberto,4
dinâmico, complexo e não linear, com múltiplas conexões e
capacidade de se auto-organizar, autoproduzir e autotransfor-
mar o comportamento dos seus componentes, deverá buscar
uma abordagem que reconheça as propriedades de sua intera-
ção dinâmica, sua natureza multifactral,5 entre os seus elemen-
tos na dimensão de sua totalidade (Garganta, 1996; Garganta e
Gréhaigne, 1999; Garganta e Cunha e Silva, 2000).
4 Segundo Durand (1992, p. 49), "um sistema aberto é um sistema que troca matéria, energia e
informação com o seu meio: essas numerosas e diversificadas trocas permitem que o sistema
se autopioduza, tenha autorreferências, goze de autonomia e possa se auto-orgamzar .
c E s s e termo surgiu no seio das Ciências do Caos. Sua conceituação busca revelar e compreender
padrões de irregularidades, ou seja, segundo Gleick (200S, p. 136) "o m u n d o apresentava sempre
L a irregularidade regular". Portanto, "para os olhos da mente, um fractú é uma maneira de
entrever o infinito" (Gleick, 200S, p. 137). Nos JDCs, segundo Garganta e Cunha e Silva (2000),
esse conceito se aplica ao fato de. mesmo as variações ocorridas no jogo serem imprevisíveis, elas
mantêm um padrão quando comparadas com outras sequências de ações ocorridas.
Consensos em pedagogia do esporte

A partir da conjectura revelada nos jogos coletivos, Garganta e


Gréhaigne (1999) e Balbino (2005) dizem que, para ser entendido de
maneira abrangente e adequada, o jogo deve ter por princípio para-
digmático sua compreensão elevada à perspectiva do pensamento
sistêmico,6 na concepção sistêmica, perceber os jogos coletivos a
partir de relações e interações como uma totalidade integrada, en-
fatizando seus princípios básicos de organização (Capra, 1996).
A sistêmica constitui uma abordagem, na ordem de uma
disciplina que se opõe ao paradigma reducionista, que objetiva
precisar fronteiras, relações internas e externas, estruturas e leis
ou propriedades emergentes, agrupando procedimentos teóricos,
práticos e metodológicos, frente a problemas relacionados ao
modo de observação, de representação, modelação e simula-
ção de totalidades, considerados em demasiado complexos para
serem tratados por caráter reducionista (Durand, 1992; Garganta e
Gréhaigne, 1999; Morin, 2003).
Essa perspectiva nos jogos coletivos, para Garganta e
Gréhaigne (1999) e Morin (2003), não está na pretensão de um
caráter abstrato de sistema, de capa frente à totalidade, mas na
emergência "por métodos que contemplem a sua totalidade, a sua
complexidade e a sua dinâmica própria" (Garganta, 1996, p. 70).
De frente a uma abordagem sistêmica nos jogos esporti-
vos coletivos, conforme Garganta e Gréhaigne (1999), é possível
estabelecer as relações de dependência e independência do seu
sistema complexo, considerando que um sistema é constituído
por outros (subsistemas) no caráter complexo de suas relações.
6 Compreendemos por pensamento sistêmico a observância da complexidade na totalidade
fenomenal (Durand, 1992; Morin, 2003).

1 FiF
Pedagogia do esporte

O todo é efetivamente uma macrounidade,

mas as partes não estão fundidas ou confundidas

nele; tem dupla identidade, identidade própria que

permanece (portanto, não redutível ao todo) identi-

dade comum, a da sua cidadania sistêmica. (Morin,

2003, p. 260)

Para perceber o jogo em sua complexidade - relação entre o


todo (macrossistema) e suas partes (subsistemas) segundo Morin
(2003, p. 265), é imprescindível perceber o caráter complexo des-
sas relações. O todo é mais do que a soma das partes, é menos
do que a somas das partes e é mais do que o todo, e "o conjunto
dessas interações constitui a organização do sistema".
Portanto, não é possível explicar a complexidade dos jogos
coletivos, seu dinamismo organizacional, sem recorrer a estratégias
e instrumentos que comportem em sua realidade os princípios
(macroconceito) de sistema, organização e interação (Garganta e
Gréhaigne, 1999; Morin, 2003).
Segundo Morin (2003, p. 265) seu conceito se dá em três faces:

• Sistema: exprime a unidade complexa e o caráter


fenomenal do todo, bem como o complexo das
relações entre o todo e as partes;
• Interação: exprime o conjunto das relações,
ações e retroações que se efetuam e se tecem em
um sistema;
Consensos em pedagogia do esporte

• Organização: exprime o caráter constitutivo


dessas interações - aquilo que forma, mantém,
protege, regula, rege, regenera-se - e que dá à ideia
de sistema à sua coluna vertebral.

Conforme Garganta (1996) e Garganta e Gréhaigne (1999),


tendo em vista nos jogos coletivos seu entendimento abordado
por uma concepção de abordagem sistêmica,7 contemplando sua
totalidade, complexidade e dinâmica própria, deverá assentar-se
sobre quatro categorias fundamentais:

• Interativo: em virtude de uma relação de recipro-


cidade entre os jogadores;
• Global ou total: "porque o valor das equipes pode
ser maior ou menor que a soma dos valores indivi-
duais dos jogadores que as constituem" (Garganta,
1996, p. 70);
• Organizado: em razão da existência de uma
estrutura e funcionalidade configuradas a partir
das relações de cooperação e oposição, em con-
sonância ao respeito a princípios e regras e em
virtude de finalidades e objetivos;
• Complexo: condição das inter-relações existen-
tes entre os elementos do jogo, sobretudo suas
ligações, "constituído de um grande número de
7 Os JDCs podem ser considerados um sistema na medida em que existem manifestações de
componentes: a) que o integram a outros subsistemas; b) possui decisores - autonomia - e pro-
cessos de decisão; c) um objetivo e unidades de avaliação (Garganta e Gréhaigne, 1999).

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