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Infectologia I

Dengue

Introdução

-> doença viral febril aguda, de evolução benigna na maioria dos casos, que é transmitida pela
picada do vetor artrópode, sendo então uma arbovirose.

-> doença de notificação compulsória: suspeita e confirmação da doença devem ser


notificadas.

Etiologia e vetor

-> O vírus da Dengue é um RNA vírus, do gênero Flavivírus, pertencente à família Flaviviridae.
Existem quatro sorotipos distintos: DEN 1, DEN 2, DEN 3 e DEN 4.

-> Uma pessoa que tenha entrado em contato com um sorotipo pode se infectar com um novo
sorotipo e adquirir a doença mais de uma vez. A imunidade é sorotipo-específica, com a
possibilidade, inclusive, de desenvolver formas mais graves, devido a uma ativação
imunológica pela reexposição nos que já possuem alguma imunidade prévia.

-> O genoma do vírus codifica várias proteínas virais, sendo que a NS1 está presente na fase
aguda da infecção e sua antigenemia está associada a apresentações clínicas de maior
gravidade. Além disso, a detecção laboratorial dessa proteína é base de testes diagnósticos na
fase aguda.

-> Os vetores são os mosquitos do gênero Aedes. Nas Américas, o vírus da dengue persiste na
natureza, mediante o ciclo de transmissão homem -» Aedes aegypti -» homem.

-> Seus hábitos são diurnos (início da manhã) e vespertinos (final da tarde). O mosquito tem
autonomia de voo limitada, afastando-se não mais de duzentos metros do local de oviposição.

-> O homem infectado apresenta um período de viremia desde o início da sintomatologia, com
seu pico máximo em três a cinco dias.

Fisiopatogenia

Após a inoculação, o vírus se replica inicialmente nas células mononucleares dos


linfonodos locais ou nas células musculares esqueléticas, produzindo viremia. No sangue, o
vírus penetra nos monócitos, onde sofre a segunda onda de replicação. No interior dessas
células ou livre no plasma, ele se dissemina por todo o organismo. Ocorre intensa replicação
em células musculares, justificando a mialgia que geralmente acompanha a doença.
Existem duas formas de resposta imune ao vírus: a primeira previne a infecção e
propicia a recuperação; a segunda relaciona-se com a imunopatologia da "dengue
hemorrágica”.

A primo-infecção pela dengue estimula a produção de imunoglobulinas M (IgM),


detectáveis a partir do quarto dia após o início dos sintomas, atingindo os níveis mais elevados
por volta do sétimo ou oitavo dia, declinando lentamente, passando a não ser detectáveis após
alguns meses. As imunoglobulinas G (IgG) são observadas, em níveis baixos, a partir do quarto
dia após o início dos sintomas. Elas elevam-se gradualmente, atingem valores altos em duas
semanas e mantêm-se detectáveis por vários anos, conferindo imunidade contra o sorotipo
infectante, provavelmente por toda a vida.

-> curva das imunoglobulinas no sangue: IgM a partir do quinto dia, com pico por volta do
sétimo e oitavo dia. IgG a partir do quarto dia, com pico em duas semanas e ficando
detectável por vários anos.

Os anticorpos obtidos durante a infecção por um tipo de vírus podem proteger da


infecção por outros tipos virais; entretanto, essa imunidade é mais curta, com duração de
meses ou poucos anos. Infecções por dengue em indivíduos que já tiveram contato com outros
sorotipos do vírus, ou mesmo outros flavivírus (como os vacinados contra febre amarela),
podem alterar o perfil da resposta imune, que passa a ser do tipo anamnéstico ou de infecção
secundária (reinfecção), com baixa produção de IgM e resposta precoce de IgG.

Nos quadros de dengue, a sintomatologia geral de febre e mal-estar relaciona-se à


presença, em níveis elevados, de citocinas séricas. As mialgias relacionam-se, em parte, à
multiplicação viral no próprio tecido muscular, acometendo inclusive o nervo oculomotor,
levando à cefaleia retro-orbitária.

Já na dengue hemorrágica/grave, uma infecção sequencial, foi claramente definida


como importante fator de risco, uma vez que os anticorpos preexistentes podem não
neutralizar um segundo vírus infectante de sorotipo diferente e, em muitos casos,
paradoxalmente, amplificam a infecção, facilitando a penetração em macrófagos. Com isto,
tais indivíduos possuem populações de macrófagos maciçamente infectadas, produzindo alta

viremia.
A presença de antígenos de dengue expressos na membrana macrofágica induz
fenômenos de liberação imune por linfócitos T CD4 e CD8 citotóxicos. Os macrófagos ativados
pelos linfócitos liberam tromboplastina, que inicia os fenômenos de coagulação e, também,
liberam proteases ativadoras do complemento, causadoras da lise celular e do choque. O fator
de necrose tumoral de origem macrofágica e linfocitária foi observado em níveis elevados, o
que pode contribuir para a trombocitopenia e o aumento da permeabilidade vascular.

Quadro e manejo clinico

-> A maioria dos casos tem evolução benigna e se comporta como uma febre indiferenciada
(oligossintomática) ou a forma clássica da doença. As três fases clínicas podem ocorrer: febril,
crítica e de recuperação.

Fase febril

-> A primeira manifestação é a febre, que tem duração de dois a sete dias. Geralmente é alta
(39°C a 40°C), seu início costuma ser abrupto, e os principais sintomas associados são: cefaleia,
adinamia, mialgia, artralgias e dor retro-orbitária. O exantema está presente em 50% dos
casos, é predominantemente do tipo maculopapular, atingindo face, tronco e membros de
forma aditiva, não poupando plantas de pés e palmas de mãos, podendo apresentar-se sob
outras formas, com ou sem prurido, frequentemente no desaparecimento da febre.

-> Anorexia, náuseas e vômitos podem estar presentes. A diarréia está presente em número
significativo de casos, e geralmente não é volumosa.

-> Após a fase febril, grande parte dos pacientes recupera-se gradativamente, com melhora do
estado geral e retorno do apetite. A presença de febre e 2 ou mais sintomas já é suficiente
para considerar caso suspeito de dengue.

Fase crítica

-> Esta fase pode estar presente em alguns pacientes, podendo evoluir para as formas graves.

-> Tem início com a defervescência da febre, entre o terceiro e o sétimo dia do início da
doença, acompanhada do surgimento dos sinais de alarme. A maioria dos pacientes não
passará por essa fase, com o curso da doença levando diretamente ao período de recuperação.

Fase recuperação

-> Nos pacientes que passaram pela fase crítica, haverá reabsorção gradual do conteúdo
extravasado com progressiva melhora clínica, com normalização ou aumento do débito
urinário, podendo ocorrer ainda bradicardia e mudanças no eletrocardiograma.

-> Alguns pacientes podem apresentar um rash cutâneo acompanhado ou não de prurido
generalizado.

-> importante: Manifestações hemorrágicas leves, como epistaxe, petéquias, gengivorragia,


sangramento vaginal ou uterino e outras, podem ser observadas em todas as apresentações
clínicas de dengue. Não confundir hemorragia com dengue grave! Formas graves de dengue
podem ter hemorragias mais pronunciadas, massivas (hematêmese, melena), mas a principal
manifestação de gravidade é o aumento de permeabilidade vascular.

-> principal achado laboratorial preditor de extravasamento nas formas graves:


hemoconcentração.
Manobras propedêuticas importantes

-> Na abordagem inicial, sempre realizar a prova do laço, manobra importante para triagem de
pacientes com potencial alteração da permeabilidade vascular.

-> Prova do laço positiva não é patognomônica de dengue e nem das suas formas graves,
podendo ocorrer em outras situações clínicas que cursam com alteração da permeabilidade
capilar.

-> sinais de alarme para forma grave na dengue: Alarmes (A = aumento hemotócrito; L =
letargia / lipotimia; A = dor abdominal; E = Raul – vômitos; M = megalia, E = Edema; S =
Sangramentos.

Formas graves

-> O fator determinante nos casos graves de dengue é o extravasamento plasmático, que pode
ser expresso por meio da hemoconcentração, hipoalbuminemia e/ou derrames cavitários.

-> Derrame pleural e ascite podem ser clinicamente detectáveis, em função da intensidade do
extravasamento e da quantidade excessiva de fluidos infundidos. Quanto maior a elevação do
hematócrito, maior a gravidade.

-> O choque ocorre quando um volume crítico de plasma é perdido através do


extravasamento, o que geralmente ocorre entre os dias quatro ou cinco (com intervalo entre
três a sete dias) de doença, geralmente precedido por sinais de alarme.

-> . O período de extravasamento plasmático e choque leva de 24 a 48 horas, devendo a


equipe assistencial estar atenta à rápida mudança das alterações hemodinâmicas.
Classificação do Min Saúde em grupos

-> A partir de 2014, o Brasil passou a utilizar uma nova classificação de dengue, baseado na
multiplicidade de evolução clínica. Isso significa que a doença pode evoluir para remissão dos
sintomas, ou pode agravar-se, exigindo constante reavaliação e observação, para que as
intervenções sejam oportunas e que os óbitos não ocorram.

-> É muito importante na abordagem uma história clínica detalhada e exame físico dirigido.

Avaliação inicial/anamnese e exame físico

-> Na anamnese, sempre prestar atenção à presença de febre, cronologia dos sintomas, sinais
de alarme, alterações gastrointestinais, nível de consciência, diurese nas últimas 24 horas,
existência de familiares com dengue ou na comunidade, história de viagem recente para áreas
endêmicas e condições preexistentes (idoso, gestante, obesidade, asma, diabetes mellitus,
hipertensão etc.).

-> Devemos valorizar e registrar os sinais vitais: temperatura, qualidade de pulso, frequência
cardíaca, pressão arterial, pressão de pulso e frequência respiratória; avaliar estado de
hidratação e hemodinâmico (tempo de enchimento), verificar a presença de derrame pleural,
ascite e hepatomegalia; verificar manifestações hemorrágicas espontâneas (petéquias) ou
provocadas (prova do laço, que frequentemente é negativa em pessoas obesas e durante o
choque).
-> A partir da avaliação clínico-laboratorial (hemograma), devemos ser capazes de responder a
algumas questões principais e norteadoras da conduta:

Classificação de risco

-> O manejo adequado dos pacientes depende do reconhecimento precoce dos sinais de
alarme, do contínuo acompanhamento, do reestadiamento dos casos (dinâmico e contínuo) e
da pronta reposição volêmica. Com isso, torna-se necessária a revisão da história clínica,
acompanhada de exame físico completo a cada reavaliação do paciente, com coleta de exames
adequados para cada grupo.

-> Não há antiviral específico para o vírus da dengue. A terapia se baseia no alívio sintomático
(analgésicos, antitérmicos, antieméticos e antipruriginosos), com ênfase na hidratação (oral
nos casos brandos, intravenosa nos casos graves). Em casos de choque (grupo D), iniciar
imediatamente fase de expansão rápida parenteral, com solução salina isotônica: 20 mL/kg em
até vinte minutos. Reavaliação clínica a cada 15-30 minutos e de hematócrito em duas horas.
Estes pacientes necessitam ser continuamente monitorados, com grande potencial de
morbidade. O manejo desses casos deve ser feito em unidade de terapia intensiva.

-> Assim, quando suspeita a doença, mesmo sem a confirmação etiológica, devemos
estratificar o paciente em quatro grupos de risco, de acordo com as informações colhidas pela
anamnese e exame físico. Esta avaliação deve ser dinâmica e contínua, tendo em mente que o
paciente pode passar de um grupo para outro rapidamente.
Manejo para os casos não graves (A e B)

Manejo para os casos graves (C e D)

-> Métodos de diagnósticos de dengue na fase aguda (até cinco dias) e após a sorocoversao (a
partir do sexto dia): Fase aguda – isolamento viral/PCR/Antigeno NS1 (1 – 3 dia). Após
soroconversao – sorologia ELISA IgM (até trinta dias).
Coagulopatia nos casos graves (C e D)

-> As manifestações hemorrágicas na dengue são causadas por alterações vasculares,


plaquetopenia e coagulopatia de consumo, devendo ser investigadas clínica e
laboratorialmente, com prova do laço, TAP, TTPA, plaquetometria, produto de degradação da
fibrina, fibrinogênio e D-dímero.

-> O estado prolongado de hipovolemia está associado com frequência aos sangramentos
importantes. A reposição volêmica precoce e adequada é um fator determinante para a
prevenção de fenômenos hemorrágicos, principalmente ligados à coagulopatia de consumo.

Critérios para internação hospitalar

Critérios de alta hospitalar


Diagnostico laboratorial

Exames inespecíficos

-> IMPORTANTE: nenhuma alteração destas define o diagnóstico etiológico da dengue. O


diagnóstico é dado pela sorologia com detecção de anticorpos contra os sorotipos existentes.
Este teste é realizado após cinco dias das manifestações clínicas, isto é, a partir do sexto dia. As
ferramentas para o diagnóstico são os exames específicos (sorologia e isolamento viral).

Exames específicos

-> Tem por objetivo identificar o patógeno e monitorar o sorotipo viral circulante. Para
realização da técnica de isolamento viral e reação em cadeia da polimerase (PCR), a coleta do
sangue deve ser realizada até o quinto dia do início dos sintomas. Raramente utilizado na
prática clínica.

-> Sorológico: a sorologia é utilizada para detecção de anticorpos antidengue e deve ser
solicitada a partir do sexto dia do início dos sintomas.

-> IMPORTANTE: Se coletada antes do sexto dia, podemos ter resultados falso-negativos.

-> O NS1 é a mais recente das ferramentas diagnosticas. Trata-se de um teste qualitativo,
usado na detecção da antigenemia NS1 da dengue. Tem valor se colhido até o terceiro dia do
início dos sintomas; depois desse período, perde muito em sensibilidade.
Diagnostico diferencial

-> Devido às características da dengue, pode-se destacar seu diagnóstico diferencial em


síndromes clínicas, com as mais diversas entidades, como síndromes febris (enteroviroses,
influenza, hepatites virais, malária, febre tifoide, chikungunya e outras arboviroses como zika e
mayaro); doenças exantemáticas (rubéola, sarampo, escarlatina, eritema infeccioso, exantema
súbito, enteroviroses, mononucleose infecciosa, parvovirose, CMV, farmacodermias);
síndromes hemorrágicas (febre amarela, leptospirose, hantavirose, malária grave); abdome
agudo (apendicite, obstrução intestinal, abscesso hepático, infecção urinária, colecistite
aguda); outras causas de choque (meningococcemia, septicemia, miocardites, febre purpúrica
brasileira, síndrome do choque tóxico) e meningites/encefalites virais ou bacterianas.
Prevenção

Controle de vetor

-> As medidas de controle se restringem ao vetor A. aegypti, uma vez que não há drogas
antivirais específicas. O combate ao vetor, portanto, deve ser o foco das ações, envolvendo
inspeções domiciliares, eliminação e tratamento de criadouros, associadas a atividades de
educação em saúde e mobilização social, de caráter continuado. A finalidade das ações de
rotina é manter a infestação do vetor em níveis incompatíveis com a transmissão da doença. A
intensificação das ações de controle na vigência de epidemias deve ocorrer, priorizando a
eliminação de criadouros e o tratamento focal.

Vacina

-> A Dengvaxia® foi registrada em 2015 no Brasil, com alguns problemas definidos em 2017,
sendo uma medida controversa e não recomendada em áreas não endêmicas, pelo risco de
desencadear formas graves. A vacina não está disponível no SUS, apenas na rede privada,
estando indicada para pacientes com idade entre 9 e 45 anos, e seu esquema posológico
consiste de três doses subcutâneas, com intervalo de seis meses entre cada dose (0, 6 e 12
meses).

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