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A empatia ao longo da vida.

Chapter · June 2021

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Augusta D. Gaspar
Universidade Católica Portuguesa
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CAPÍTULO 8 - A empatia ao longo da vida In JC.Pinto e H.R.Pinto (2021).
ENVELHECIMENTO: DIMENSÕES E
Augusta Gaspar CONTEXTOS

«People must learn to hate, and if they can learn to hate,


they can be taught to love, for love comes more naturally to the
human heart than its opposite.»

Nelson Mandela, Long Walk to Freedom

«Perfect love sometimes does not come until the first


grandchild.»

Provérbio do País de Gales

A empatia é uma capacidade universal do ser humano e, para o melhor e para o


pior, sincroniza-nos com os outros. Digo “para o melhor e para o pior” porque para
quem experimenta empatia, esta comporta consequências objetivas que podem ser
positivas ou negativas, e mesmo no plano da experiência mental subjetiva, esta pode
variar, dependendo da situação, ao longo do contínuo muito agradável a muito
desagradável. Não obstante o facto de alguns investigadores e autores que refletem
sobre a empatia assinalarem nesta experiência afetiva mais aspetos negativos do que
positivos, estes encontram-se em minoria, e a maior parte dos estudiosos desta matéria é
consensual no facto de a empatia se encontrar inexoravelmente ligada às condutas mais
positivas de que os humanos são capazes – o chamado comportamento prosocial. Nesta
categoria se incluem a compaixão, o consolo, a ajuda, a cooperação e o sacrifício pelo
outro - o altruísmo (Gaspar, 2016). Não há amor sem empatia. O entendimento entre as
pessoas, o equilíbrio societal, o combate ao caos, e a constante luta pela coesão social
passam por ela. Nos tempos que correm, em que somos desafiados a “salvar o planeta”
a contra-relógio, a empatia é parte da solução, é chave do comportamento sustentável,
por ser uma força motivadora, intrínseca, capaz de nos perturbar e fazer agir pela
percepção que temos do sofrimento das pessoas noutras partes do mundo mais afetadas
pela crise climática, ou pelo sofrimento dos ursos polares, ou ainda pelo que
conseguimos imaginar que virão a ser as penas das gerações vindouras.
Para o bem-estar individual e coletivo, é crucial conhecer melhor o que é a
empatia – como se desenvolve, o que subjaz ao seu progresso, e também ao seu
declínio. E compreender como a promover empatia e não a deixar “apagar”-se no
enquadramento do processo de desenvolvimento ao longo da vida.

Empatia – o conceito

Experimentar empatia é sentir uma reação emocional que pode espelhar a


emoção de outra pessoa ou envolver um estado emocional diferente, mas igualmente
poderoso, e que nas devidas circunstâncias, leva o indivíduo a querer ajudar a essa outra
pessoa. A empatia envolve, para além da experiência emocional, a compreensão do que
se passa com o outro – a descodificação das suas emoções, motivações e intenções. Por
isso, ela é normalmente considerada um pilar da cooperação e da ajuda. Décadas de
investigação têm mostrado que a empatia é o principal preditor destas condutas
prosociais, mais do que os códigos morais de cada cultura, mais do que senso moral
desenvolvido por cada pessoa (para uma revisão ver Gaspar, 2016).

Dois grandes componentes da empatia têm sido identificados por diferentes


autores e incluídos em modelos distintos: a Empatia Cognitiva e a Empatia Emocional
ou Afetiva. A primeira abrange o conhecimento e a consciência do estado de espírito do
outro, enquanto a segunda inclui as respostas emocionais e motoras automáticas como o
contágio emocional, a empatia motora e a experiência subjetiva da empatia afetiva.
Estes dois grandes componentes da empatia têm sido validados através de estudos que
revelam também a ativação de redes cerebrais distintas (Decety & Michalska, 2010;
Preckel, Kanske & Singer, 2019), apresentando padrões diferenciados e sendo a empatia
afetiva mais precoce do que a cognitiva (Decety & Svetlova, 2012).

As manifestações precoces da empatia

A dimensão afetiva da empatia começa a revelar-se muito cedo na vida humana,


principalmente se considerarmos separadamente o contágio emocional e a preocupação
empática.
O contágio emocional é, desde logo, observado em bebés, espelhado no exemplo
clássico da creche onde, se um bebé chora, todos os outros bebés choram também. O
fenómeno não requer qualquer atividade cognitiva consciente, trata-se de pura sincronia
automática da emoção. Nos adultos, podemos também observar este fenómeno -
quando, numa multidão, uma ou algumas pessoas entram em pânico, toda a multidão é
movida por essa emoção, fugindo e gritando; ou, quando um membro de um grupo ri e
todos compartilham risadas genuínas, mesmo quando nem todos entendem a piada que
foi contada.

A preocupação empática é um aspeto crucial da empatia emocional, implicando o


efeito emocional que as emoções dos outros têm sobre as do próprio (o recetor, quem
empatiza) mas não necessariamente refletindo a emoção desses outros, como sucede no
contágio. É considerado um aspeto central da experiência subjetiva, encontrando-se na
base da motivação para ajudar, sendo particularmente ativado na resposta à dor ou ao
sofrimento de outras pessoas. Desde a década de 1980’s que a maior parte dos estudos
indica que a preocupação empática emerge a partir dos 2-3 anos de idade. Quando uma
criança, já nesta idade, fica visivelmente perturbada com o sofrimento de alguém, a sua
resposta de preocupação empática tende a ser a oferta de "ajuda" sob a forma de
consolo, com um abraço, um beijo, um toque ou ... a oferta do seu ursinho de pelúcia,
como relata Eisenberg (Eisenberg & Mussen, 1989; para uma revisão, ver Gaspar,
2016). É notório que as crianças desta idade carecem ainda da perspetiva adequada do
que a outra pessoa precisa e da natureza da sua dor, para a qual têm ainda de
desenvolver a empatia cognitiva, com um progresso mais lento e mais tardio (Decety &
Svetlova, 2012). Ainda assim, os pilares da empatia estão presentes – o que acontece ao
outro “abala” a criança e gera o impulso e o desejo de o ajudar.

A empatia cognitiva não é observável antes dos 4-7 anos, idade em que algumas, e
apenas algumas, crianças começam a apresentar sucesso nas tarefas de tomada de
perspetiva (como a clássica tarefa das 3 Montanhas de Piaget). Os estudos do cérebro de
crianças validam este período de emergência, mostrando que a maturação neuronal
necessária para essas tarefas é atingida apenas nessa faixa etária (Decety & Svetlova,
2012).

Embora a experiência da empatia possa ser claramente aceite como parte do


repertório humano de respostas afetivas e cognitivas, a probabilidade de diferentes
pessoas a experimentarem em qualquer momento da sua vida difere substancialmente de
pessoa para pessoa. Nesse sentido, fala-se de empatia-traço. Este traço, ou
predisposição, tem sido objeto de vários estudos, com resultados interessantes: por
exemplo, as mulheres apresentam essa tendência com maior prevalência, precocidade e
maior intensidade (Decety & Michalska, 2010) e os gêmeos monozigóticos apresentam
esse traço de maneira mais previsível do que gêmeos falsos (Knafo et al, 2008),
sublinhando-se o papel dos genes nessa predisposição. De notar que a estes fatores
biológicos acresce que o traço empático é influenciado pelos estilos de parentalidade a
que se esteve exposto durante a infância, e pelo próprios modelos de conduta prosocial
dos pais (e.g. Hoffman, 2000) sendo também permeável a influências culturais que
atuam durante o desenvolvimento de crianças e adolescentes (e.g. Cassels et al., 2010;
De Greck et al. 2012).

A empatia na adolescência

Desde os estudos mais antigos até aos mais recentes, todos indicam uma progressão no
desenvolvimento da empatia da infância para a adolescência (e.g. Dymond, Hughes &
Raab, 1952; Eisenberg & Mussen, 1989), e até ao ínicio da vida adulta (Gaspar, 2016;
Gaspar, Emauz & Esteves, 2014; Grühn et al., 2008). No entanto, a análise da empatia
enquanto traço individual nas suas várias dimensões - Preocupação Empática,
Desconforto pessoal, Tomada de Perspetiva e Fantasia – baseada em dados obtidos na
população portuguesa através do Interpersonal Reactivity Index (Davis, 1980), bem
como em medidas de reações empáticas (Esteves, Emauz & Gaspar, 2015; Gaspar,
Emauz & Esteves, 2014) revela que este percurso não é inteiramente linear. Com efeito,
apesar de os adultos apresentarem valores, em média, mais elevados de empatia traço,
os adolescentes atingiam maior pontuação na componente Preocupação empática, que
se considera ser a dimensão que melhor traduz a predisposição para a resposta
vicariante. As medidas de empatia emocional (incluindo as medidas implícitas como a
resposta de condutância e a atividade dos músculos da face) dos adolescentes mais
novos (12-13 anos) aumentavam bastante até cerca dos 15-16 anos, atingindo valores
superiores aos apresentados por adultos. A partir dos 16 anos verificava-se uma descida
na empatia emocional que os aproximava mais dos valores dos adultos, o que sugere
que a resposta empática poderá experimentar o seu pico no final da adolescência.
A empatia ao longo da vida adulta

Os poucos investigadores que têm estudado a empatia em fases mais avançadas da


vida, e em especial nos mais velhos, têm assinalado consistentemente a falta de estudos
prévios com este grupo etário e a dificuldade inerente ao estabelecimento de
comparações com os grupos mais novos.

De um ponto de vista fenomenológico e reflectindo sobre as biografias de figuras


históricas - da política à ciência- que foram ou são, pessoas reconhecidamente
empáticas, o que se parece evidenciar é que a preocupação empática com os outros
fermenta ao longo da vida. Será talvez alimentada por um conhecimento que não cessa
de aumentar? Por uma capacidade de refletir sobre os problemas que se vai
aperfeiçoando? Por uma rede de relações humanas e experiências que se expande
continuamente, promovendo oportunidades de contacto com realidades novas, ao
mesmo tempo que vai tornando mais definida uma perspetiva panorâmica dos vários
alvos de empatia? Trata-se de um conjunto de interrogações que, não se fundamentando
em dados empíricos, decorrem apenas da reflexão acerca de alguns exemplos de figuras
públicas eminentes – não extraídas ao acaso, também é certo, mas da memória,
naturalmente enviesada da autora deste capítulo, como uma pequena extração de heróis
pessoais. Quatro exemplos apenas.

- Mahatma Ghandi, que partiu do seu próprio interesse pessoal no tratamento de


pessoas como ele mesmo, de origem indiana, cultas e prósperas, que se consideravam
britânicas, para o dos restantes hindus na África do Sul, para finalmente se dedicar por
completo à causa da libertação de todos os Hindus do regime imposto pelo Império
Britânico, à custa de tremendo sacrifício pessoal.

- Oskar Schindler, membro do partido Nazi e negociante considerado bastante


oportunista, que foi saindo do seu conforto para uma situação de perigo iminente ao
investir resolutamente na sua missão de salvar judeus. No processo gastou todo o
dinheiro que ganhava com as suas indústrias e quando a segunda guerra mundial
terminou tornou-se um fugitivo sem dinheiro, sem negócios e sem pátria.

- Nelson Mandela, que partiu da luta armada do ANC pelo fim do Apartheid, para
a tarefa da conciliação de todos os sul-africanos, a bem da segurança e paz entre todos
os grupos étnicos, protegendo também, enquanto presidente, os antigos opressores, e
pagando o preço da impopularidade e da incompreensão vinda de muitos dos que mais
beneficiaram com a sua ação.

- Dian Fossey, que foi, por curiosidade e gosto de aventura, fazer censos dos
gorillas das Montanhas Virunga, num terreno difícil onde ninguém ficava mais do que
dias. Persistindo duas décadas no local, compreendeu, deu a conhecer, como nunca
ninguém antes, os “gentle giants” e, salvou centenas de gorilas, perdendo finalmente a
vida na luta feroz que travou com interesses políticos e caçadores de troféus.

No meio de tantas diferenças entre estas personalidades, ressalta em comum o


facto dos contextos de vida e do contacto próximo com novas realidades que até então
deconheciam terem, em todos, despertado emoções novas e sido interruptor de mudança
– na sensibilidade às causas, na motivação para mudar situações, na determinação e
stamina com que o fizeram. Assim, são verdadeiras ilstrações de como a experiência de
vida e a oportunidade, aliadas naturalmente a elementos disposicionais, aumentaram a
empatia sentida em relação a alvos específicos.

Longevidade e empatia

A terceira idade tem sido reportada como uma das faixas etárias onde mais
frequentemente ocorrem comportamentos de ajuda: voluntariado nas mais diversas
causas (e.g. May & Aligood, 2000), apoio na criação dos netos (Tsai et al, 2011), o
estabelecimento de objetivos generativos, como a mentoria de colegas mais novos, a
preocupação de deixar marcos com impacto para os outros, diferenciando-se neste
aspeto particular dos adultos mais jovens (Hoppmann, Coats, & BlanchardFields, 2007).

Atendendo a que nas populações mais novas - e que têm sido mais estudadas - a
empatia é o principal preditor dos comportamentos de ajuda, seria expectável que as
medidas de empatia nos grupos etários mais velhos fossem particularmente elevadas.
Paradoxalmente, porém, e na escassa literatura científica existente sobre a empatia nos
idosos, o panorama é outro. Alguns estudos que comparam pessoas em diferentes fases
da vida, assinalam um declínio da empatia a partir dos primeiros anos da vida adulta
(Grühn et al., 2008), declínio esse que se acentua bastante mais em idades mais
avançadas (Eysenck et al., 1985; May & Alligood, 2000).
May & Aligood (2000) estudaram adultos entre 43 e 96 anos, avaliando-os com
dois intrumentos: a Hogan Empathy Scale - HES (escala dicotómica de V/F, que
pretende avaliar a empatia como uma sensibilidade básica e inata à perspetiva do outro
(Hogan, 1969)) e a Adjective Check List Empathy Scale -ALES (escala de 18 adjetivos
relacionados com Empatia, extraída da Adjective Check List, ACL de 300 adjetivos,
que inclui atributos de preocupação empática, comportamento prosocial e reação
empática). Ao comparar as pontuações dos participantes com as de outros estudos
prévios seus, em que haviam usado as mesmas escalas, as autoras verificaram que as
pontuações eram mais baixas nos estudos com idosos do que nos estudos com adultos
mais novos. É de notar porém, que as duas medidas se correlacionaram fracamente entre
si, o que indicia que podem não estar a avaliar os mesmos aspetos da empatia ou que há
dificuldades, acrescidas com a idade, na compreensão dos próprios questionários.
As medidas de empatia cognitiva parecem ser as que apresentam maior redução
nos adultos de idade mais avançada, quando comparadas com as medidas de empatia
emocional e comportamento prosocial neste mesmo grupo. Neste âmbito, por exemplo,
Amorim e colaboradores (2019) compararam crianças (7-11 anos), adolescentes (12-17
anos), jovens adultos (20-30 anos) e adultos mais velhos (58-82 anos), numa tarefa de
identificação das designações de diversas emoções a partir de gravações de voz,
recorrendo a um instrumento de escolha múltipla. Através da análise dos dados obtidos,
foi possível conclui que o nível de desempenho da tarefa aumentava das crianças para
os jovens adultos e sofria um declínuo nos adultos mais velhos. Apesar de as tarefas de
reconhecimento de emoções não serem uma medida direta de empatia cognitiva -
porque a empatia emocional também influencia a empatia cognitiva - esta é
normalmente a componente mais envolvida no reconhecimento, sendo inclusivamente
considerada como independente e frequentemente elevada nos psicopatas (que
apresentam muito baixa empatia emocional).
Medindo separadamente a empatia emocional, a progressão da empatia já parece
ser diferente. Sze & Gyurak (2011) compararam a empatia emocional em 3 grupos
etários: jovens adultos (20-30 anos); adultos de meia idade (40-50 anos) e adultos de
idade avançada (60-80 anos), recorrendo a medidas explícitas (auto-relato) e implícitas
de empatia (resposta elétrica da pele e atividade cardíaca) e a uma medida do
comportamento prosocial (donativos em dinheiro para causas) e verificaram um
aumento destas medidas do grupo etário mais novo para o mais velho. No domínio das
medidas explícitas, foram avaliadas as componentes de preocupação empática e
desconforto pessoal (personal distress) através das respetivas subescalas do
Interpersonal Reactivity Index (Davis, 1980), bem como a autopercepção do grau
experimentado de diferentes emoções, antes e depois da obervação de 2 filmes
selecionados para desencadear respetivamene emoções positivas ou emoções negativas.
Quer em resposta a um quer ao outro filme, os autores verificaram uma relação linear
com a idade tanto nas medidas implícitas de empatia como nas explícitas, e também no
comportamento prosocial, sendo a dimensão de preocupação empática mediadora da
relação da idade com o comportamento prosocial.
É importante por isso compreender o declínio (ou não) da empatia nos adultos, a
partir da meia-idade com medidas mais finas do que escalas unidimensionais da
Empatia, que avaliam o construto como um todo. Trata-se aqui de uma séria limitação
do método, como admitem Grühn e colaboradores (2008). Dois fatores críticos no
desenvolvimento da empatia e na sua avaliação mais detalhada são a experiência
(Hoffman, 2000), por um lado, e o estado de maturação (nos mais novos) e
integridade/funcionalidade (nos mais velhos) de estruturas cerebrais cruciais à
experiência da empatia, bem como, idealmente a conectividade destas estruturas com
outras partes do cérebro. Ao abordar as estruturas e funcionalidade é de relevância
fundamental avaliar as redes neuronais que suportam a empatia-traço, b) as estruturas e
redes que suportam a empatia cognitiva e c) e as redes neurais de que dependem as
reações emocionais empáticas. Ao avaliar discriminadamente estas estruturas e os
efeitos funcionais de cada uma destas dimensões da empatia, poderemos ter um ponto
de partida para a compreensão do declínio da empatia na idades mais avançadas, ou
pelo menos da compreensão dos processos que afetam cada um destes componentes da
empatia.
Quando aqui se refere “experiência” inclui-se todo um conjunto de situações
vividas, em primeira mão ou indiretamente. Vários estudos indicam que a familiaridade
com os alvos de empatia tem um efeito decisivo para um grau mais elevado de empatia
dirigida a esses alvos (e.g. Emauz, Gaspar & Esteves, 2018; Gaspar et al., 2014;
Hoffman, 2000). Também a experiência de sofrimento parece levar os indivíduos a uma
maior sensibilidade ao sofrimento dos outros, ao ponto de o poderem “detectar” quando
ele não existe (Eidelman-Rothman e colaboradores, 2016). A diversidade de emoções e
situações emocionalmente carregadas a que se está exposto ao longo da vida parece ser
um elemento chave da relevância da experiência para a empatia (Hoffman, 2000).
A possibilidade de modificar a resposta empática a partir do contacto com
realidades específicas foi estudada amplamente por Hojat (2007) no contexto médico,
através do recurso a diversas estratégias que resultaram no incremento das medidas de
empatia. Um bom exemplo é a utilização de filmes de pacientes em sofrimento com
jovens profissionais de saúde em fase de treino. Também o recurso à literatura parece
produzir efeitos positivos na empatia de crianças e adolescentes (Kidd & Castano,
2013); o uso de vídeos disseminados pela web sobre o sofrimento dos animais parece
ter um efeito poderoso na mudança de comportamentos de consumo dos jovens adultos
(Gaspar & Guimarães, em prep.). A tendência para a redução de experiências decorrente
de situações de isolamento social, muito comum em pessoas de idade mais avançada,
deve ser tomada em consideração quando se analisam os seus comportamentos
empáticos, que andam a par e passo com o declínio das funções cognitivas e das
manifestações de empatia (e.g. Cozolino, 2008, 2014).

No que se refere às estruturas, há todo um conjunto delas no cérebro humano que


estão na primeira linha da experiência da resposta empática, como a amígdala, a ínsula e
o córtex cíngulado anterior, e na compreensão e preocupação empáticas, redes do cortéx
frontal, do cortex pré-frontal, do cortex fronto-temporal e orbitofrontal (para revisões
ver Shamay-Tsoory, 2009; 2011). O desenvolvimento de redes nestas áreas do cérebro
tem vindo a ser fortemente associado a experiências na infância e, em particular, nos
primeiros 3 anos de vida (para uma revisão ver Gaspar, 2016). Como tende a haver um
aumento da substância branca dos neurónios até à adultez média, e só a partir daí um
declínio gradual da mesma (Cozolino, 2014), não seria, em termos gerais, esperado
observar um declínio da empatia, ou de outras funções, antes dos 45-50 anos.

Tratando separadamente a empatia emocional e a empatia cognitiva, alguns


investigadores têm tentado compreender como é que outras funções cognitivas podem
estar, numa idade mais avançada, a interferir na empatia. A redução das funções
executivas, incluindo do controlo inibitório voluntário que ocorre em muitos idosos,
tem vindo a ser associada à redução de componentes cognitivos da empatia, como a
tomada de perspetiva e ao aumento do desconforto pessoal (ou stress empático)
(Eisenberg & Eggum, 2009), uma dimensão emocional nada positiva e pouco
conducente à prosocialidade
Moore e colaboradores (2015) conduziram um estudo detalhado dos correlatos
neuronais da empatia (e da sua redução) em participantes idosos, recorrendo à
ressonância magnética funcional (fMRI) para a neuroimagem e a duas escalas de
autorelato para medir a empatia. O controlo inibitório e a memória de trabalho dos
participantes foram também testadas com testes neuropsícológicos específicos
(respetivamente a tarefa Go/No-go e a tarefa n-Back). Os resultados evidenciaram uma
relação positiva entre a empatia cognitiva, o controlo inibitório e a ativação bilateral da
ínsula e mostraram que os idosos que apresentavam níveis mais elevados de empatia
emocional, também apresentavam menor ativação bilateral da amígdala durante tarefas
difíceis de memória de trabalho – o que levou os autores a sugerir que estes idosos mais
empáticos eram mais eficientes a ativar processos regulatórios em regiões do cérebro
cruciais para as tarefas cognitivas. Considerando outros estudos que também mostram
esta mitigação da atividade da amígdala em indivíduos empáticos quando confrontados
com estímulos negativos, Moore e colaboradores (2015) consideram que o controlo
inibitório é crítico para a empatia cognitiva e para a manutenção de interações sociais
satsfatórias. A redução destas últimas, e a solidão que dái advém, têm também um efeito
retroalimentador na perda de empatia cognitiva. A redução no controlo inibitório pode
em parte explicar um retorno ao foco da atenção em si mesmo e a uma incapacidade de
manter várias perspetivas (a sua e a dos outros) em simultâneo (ver Moore et al., 2015).
Estes investigadores refletem também sobre como a redução dos níveis de oxitocina
com a idade podem reduzir a empatia emocional; e como as condições
neurodegenerativas, como a demência fronto-temporal, podem reduzir a empatia
emocional e cognitiva ao afetarem o processamento de estímulos e memórias
emocionais.
Sendo a depressão um preditor (negativo) de empatia (Grühn et al., 2008) é
plausível que na população idosa, onde a depressão tem maior prevalência, seja também
este um fator explicativo do decréscimo da empatia reportado nas populações mais
idosas de alguns estudos.
Há ainda um outro aspeto a considerar no estudo da empatia em populações de
idade mais avançada. É o que respeita às estratégias de pensamento e de
comportamento, que também mudam ao longo da vida. Se, por um lado, a velocidade de
processamento de informação e de resposta é substancialmente mais curta nos mais
jovens, as respostas mais integradas e sincronizadas, socialmente indicadas para cada
tipo de situação melhoram com a idade em indivíduos experientes nas situações e
contextos específicos com que estão a lidar (Cozolino, 2008).
Todos esses indicadores, no seu conjunto, abrem caminho para delinear,
provisoriamente, como pode ser vista a empatia nos adultos mais velhos, abrindo
caminho a novas, mais alargadas e mais específicas, pesquisas com estas populações, e
com os grupos muito distintos que as constituem. Em primeiro lugar, parece confirmar-
se nesta fase da vida, uma certa prevalência da componente afetiva da empatia,
fortemente alicerçada em áreas que se desenvolveram mais precocemente no cérebro,
como o córtex orbitofrontal e o cortex cingulado anterior, e que, com redes robustas em
comparação com outras redes mais recentes no processamento emocional, como as do
cortex prefrontal, se mantêm em funcionamento pleno, assegurando vinculação,
afetividade e prosocialidade (Cozolino, 2014). No caso da doença de Alzheimer, por
exemplo, a perda de funcionalidade no cortex cingulado anterior (CAA), mesmo na fase
inicial (Cozolino 2014), pode comprometer a empatia com a dor, a capacidades de
análise e a tomada de decisão, entre outras funções em que o CAA está fortemente
envolvido.
Por outro lado, o declínio no processamento de estímulos emocionais, associado à
perda de funcionalidade em regiões do cortex pré-frontal, gera variáveis confusas na
avaliação da empatia, pois sem a mediação destas estruturas e dos processos associados
é impossível responder adequadamente a estímulos emocionais. Não é tanto a empatia
que está em causa, mas a atribuição de significado ao estímulo. Claro que, sendo sede
do controlo inibitório, o declínio funcional nesta região também compromete aspetos
importantes da resposta empática, que por vezes pode resultar em irritação ou furia, que
é necessário regular.
É assim fundamental para aqueles que interagem com a população de idade mais
avançada, certificar-se que o conteúdo das mensagens foi bem recepcionado, ter em
conta os diferentes canais sensoriais. Nas medidas utilizadas é também importante, para
além da discriminação fina dos componentes da empatia de que acima se falou,
assegurar-se de que se controlam os efeitos da compreensão da tarefa, dos sentidos
visual e audtivo, da atenção e da velocidade de resposta, ou não será a empatia que
estará a ser medida. E,…como para tantas outras coisas, valorizar sobretudo aquilo que
a pessoa faz, não se ficar pelo auto-relato.
Dito isto, não sabemos de facto se a empatia não diminui com a idade, em
declínio linear a partir da jovem adultez. Para o saber ao certo são necessários estudos
longitudinais, pois os idosos que nos servem de ícones da empatia e da generosidade
nessa fase avançada da vida podem ter sido sempre assim, estáveis nas suas tendências
empáticas, mas encontrarem maiores oportunidades de as traduzir em comportamentos
prosociais nesta fase da vida. Como se comparam dentro do seu cohorte num estudo
longitudinal? Não tenho conhecimento, no momento da escrita deste capítulo, de que tal
abordagem tenha sido feita, nem controladas as variáveis sociais que potencialmente
favorecem a expressão da empatia. Seria mesmo importante investir nesta frente.
Atendendo a que a maior parte dos estudos de empatia se baseia em medidas de
autorelato não é surpreendente que se descrevam níveis de empatia elevados nas
populações amostradas. Os estudos longitudinais ideais deveriam conter também
medidas implícitas de reatividade emocional, que se podem obter através de registos
neurofisiológicos de condutância, atividade cardíaca ou electromiografia facial, por
exemplo. Estes permitem validar as apreciações dos autorelatos e produzem ainda
informação nova, como a que alvos específicos o indivíduo responde mais intensamente
ou mais prontamente (com menor latência). Medidas comportamentais são também
muito importantes – insistindo que na empatia e nas suas consequências na interação
social diz mais o que se faz do que o que se reporta que se sente. É possível criar tarefas
experimentais para induzir comportamento prosocial mesmo nos contextos limitados
que um laboratório de Psicologia permite. Algumas variáveis que deveriam ser medidas
ao longo dos vários pontos temporais, pela sua importância na resposta emocional, são
por exemplo: acuidade visual e auditiva (dada a importância da perceção das emoções
dos outros através destes dois canais); controlo executivo da atenção (determinante
daquilo a que o indivíduo está exposto e das percepções que irá formar - e essencial para
participar nas próprias experiências laboratoriais da resposta empática), dimensões da
personalidade, como a amabilidade e a estabilidade emocional; eventos de vida,
contextos e oportunidades de experimentar um leque de emoções, atendendo a que
experiência direta é um facilitador da resposta empática (Hoffman, 2000).
Até sabermos mais, o estudo de intervenções promissoras para o incremento da
empatia, como as que se conduzem com crianças, jovens e grupos profissionais, e de
que foram mencionados exemplos neste capítulo, também pode ser conduzido com os
mais velhos. É uma abordagem que não envolve a complexidade de meios que os
estudos longitudinais requerem. E nela podemos tirar partido da experiência indireta
para fins de investigação – podendo testar, com alguma simplicidade, efeitos na
empatia emocional e na empatia cognitiva, da exposição a uma variedade de Media e de
intensidades e durações de estímulos emocionais para ajustar aos requisitos sensoriais e
limitações da atenção e memória dos indivíduos em estudo. Validadas as intervenções, a
experiência indireta poderá ser uma poderosa aliada, não só para incrementar a empatia
dos mais velhos, mas também para induzir empatia naqueles que trabalham junto desta
população, que com ela convivem ou irão conviver.
Se formos afortunados com uma longa vida, chegaremos à velhice, com um
historial de experiências, negativas ou positivas, mas sempre enriquecedoras da nossa
capacidade de entendermos e sentirmos o mundo dos outros e de com eles nos
relacionarmos melhor. Porque as motivações e prioridades nas fases mais avançadas da
vida também mudam (como é descrito neste livro, por F. Esteves) será grande o
potencial para a prosocialidade, para um legado generoso. Também por isso é tão
fundamental fazer a triagem e a devida mitigação das limitações sensoriais e cognitivas
que possam estar a obscurecer a empatia e a prosocialidade do idoso.

Referências bibliográficas

Amorim, M., Anikin, A., Mendes, A.J., Lima, C.F., Kotz, S.A., & Pinheiro, A.P.
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Cassels, T. G., Chan, S., Chung, W., Birch, S. A. J. (2010). The role of culture in
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