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SÉRIE PARADIDÁTICA

GEOCIÊNCIAS

Mapeamento geomorfológico
para usos geotécnicos
Edir E. Arioli
Geólogo

Curitiba
2021
1. Introdução

Em artigo publicado na Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e


Ambiental, DINIZ (2012) afirma que "a interpretação de geoformas, associada à análise
da densidade em área de cicatrizes e feições erosivas e deposicionais, permite a
classificação do grau de suscetibilidade, do perigo e do risco e da aptidão". Segundo a
autora, esta abordagem é preferível à superposição de mapas e ao uso indiscriminado
de uma longa série de atributos do meio físico, na tentativa (acrescento eu) de
arremedar uma abordagem sistêmica. Coerente com a verdadeira abordagem
sistêmica, a autora enfatiza que o estudo dos processos do meio físico exige a escolha
de atributos condicionantes essenciais e a rejeição dos secundários.

Duas unidades de análise são apontadas por DINIZ (2012) como mais
adequadas à cartografia geotécnica: bacias hidrográficas e Unidades de Terreno (UT).
As primeiras são adequadas por vários motivos: delimitam naturalmente os processos
de concentração e fluxo das águas superficiais e subterrâneas, constituem UT que
podem ser subdivididas facilmente em sub-bacias e outras formas de relevo,
condicionam associações naturais de solo, água, cobertura vegetal e, muitas vezes, o
uso e ocupação do território. As UT representam, segundo a autora, "uma associação
natural em termos de geologia, geomorfologia e distribuição de solos".

O texto a seguir reúne conhecimentos e práticas aplicáveis à cartografia


geotécnica, com base nesses conceitos e de acordo com as recomendações desta
autora e de outros, que serviram a ela como referências na elaboração da sua
metodologia, tendo em vista a avaliação da suscetibilidade para eventos perigosos e da
aptidão do meio físico à ocupação humana. A metodologia do mapeamento
geomorfológico é acrescentada na intenção de facilitar a escolha de técnicas auxiliares
que possam complementar a cartografia geotécnica, quando necessário ou
conveniente.

2. Fundamentos teóricos
O método de mapeamento geomorfológico baseia-se na concepção de que o
relevo resulta da interação de forças internas e externas à crosta terrestre, elaborada
por PENCK (1953) e complementada pela classificação das formas de relevo em
morfoestruturas e morfoesculturas, desenvolvida por GUERASIMOV (1946) e
MECERJAKOV (1968). Outras contribuições vêm da escola pedogenética russa, com
DOKUCHAEV (1883) e SOTCHAVA (1962), e da escola francesa, com EHRART
(1956), CAILLEUX (1958) e TRICART (1968, 1979), entre outros.

Não se trata, portanto, de meramente cartografar feições do relevo, mas de


classificá-las e interpretar a sua dinâmica, de modo a prognosticar o seu
comportamento futuro em termos de instabilidade ou aptidão à ocupação humana.

3. Hierarquia das formas de relevo


Morfoestrutura é um produto fisiográfico das forças internas à crosta terrestre.
Morfoescultura é o resultado da ação do intemperismo e da força da gravidade sobre a
morfoestrutura. As morfoesculturas registram os efeitos do clima sobre a
morfoestrutura, desde o momento em que esta aflorou à superfície da crosta,
superpondo-se desta forma feições morfoesculturais de várias idades, que são
dominantemente pós-mesozóicas nos continentes da Terra.

Existe uma correlação entre escala e idade das formas de relevo: as formas
menores são acumuladas ou esculpidas sobre as maiores, de modo que a idade do
relevo decresce da escala regional para a escala local.

Em paralelo, existe correlação entre a altitude e a idade das formas de relevo de


uma mesma região: as feições mais antigas são mais elevadas do que as de menor
altitude. De um modo geral, os eventos mais recentes estão registrados ao nível do
mar e recuam no tempo à medida que entramos no continente, até as maiores
altitudes.

O mapeamento geomorfológico estabelece a hierarquia das feições geomórficas,


que é definida por seis taxons, ou unidades de classificação, segundo ROSS (1990) e o
IBGE (2009), cujos conceitos são comparados no Quadro 1 para escolha do mais
adequado a cada área de trabalho. A Figura 1 ilustra as relações espaciais e escalares
entre os vários taxons.
TAXON ROSS (1990) IBGE (2009)

Primeiro Unidades Morfoestruturais: escala Domínios Morfoestruturais: organizam


regional ou continental. os fatos geomorfológicos segundo o
arcabouço geológico, definido pelas
Ex: estruturas dobradas regionais, crátons
litologias e pela tectônica.
aplainados com relevos residuais, bacias
sedimentares com homoclinais.

Segundo Unidades Morfoesculturais: escala Regiões Geomorfológicas: representam


regional. compartimentos dos Domínios
Morfoestruturais, gerados por ação de
Ex: planaltos e serras lineares, depressões
fatores climáticos pretéritos e atuais, de
laterais de planaltos e serras, depressões
modo que agrupam feições semelhantes,
periféricas de bacias sedimentares.
associadas às formações superficiais e às
fitofisionomias.

Terceiro Unidades Morfológicas ou Padrões de Unidades Geomorfológicas: arranjos de


Formas Semelhantes do Relevo: se formas altimétrica e fisionomicamente
individualizam dentro do terceiro taxon por semelhantes em seus diversos tipos de
meio da rugosidade topográfica, padrão de modelados.
drenagem e índice de dissecação, bem
como formas de topos, vertentes e vales.
Ex: padrões repetitivos de serras, morros e
colinas.

Quarto Formas Individualizadas: subdivisões Modelados: padrões de formas de relevo


agradacionais (planícies sedimentares) e que apresentam definição geométrica
erosivas (colinas, morros, cristas) do similar em função de uma gênese comum
terceiro taxon. e dos processos morfogenéticos atuantes,
resultando na recorrência dos depósitos
Ex: cristas, planícies aluviais, morros e
correlativos superficiais.
colinas de diferentes tamanhos.

Quinto Tipos e Setores de Vertentes: Formas de Relevo Simbolizadas: feições


classificadas e subdivididas segundo os que só podem ser representadas por
perfis vertical e horizontal. símbolos lineares ou pontuais.
Ex: vertentes, setores côncavos, lineares
ou convexos de vertentes, terraços,
patamares.

Sexto Formas Lineares e Areolares Recentes: Sem definições para este nível.
feições locais, ou formas de processos
atuais, frequentemente induzidas pela
intervenção antrópica.
Ex: ravinas, voçorocas, cicatrizes de
MGMs, terracetes, bancos de
assoreamento a montante de barragens.

Quadro 1. Hierarquia das unidades de relevo segundo ROSS (1990) e o IBGE (2009).
Figura 1. Relações entre taxons e escalas de observação, segundo ROSS (1990).

Táxon
Formas
J. Ross, 1992 Escalas de análise
Escudos antigos, bacias sedimentares
1. Unidades Morfoestruturais 1:250.000 a 1:1.000.000
extensas.
Planaltos, serras, depressões periféricas,
2. Unidades Morfoesculturais 1:100.000 a 1:250.000
planícies litorâneas.
Planaltos específicos (Goiano, Terceiro
Planalto Paranaense), chapadas
3. Unidades Morfológicas 1:50.000 a 1:100.000
(Diamantina, Guimarães), depressões (do
Araguaia).
Formas de agradação (planícies e terraços
4. Formas de Relevo 1:25.000 a 1:50.000 fluviais ou marinhos) e denudação (colinas,
morros e cristas).
Topo, meia encosta e base de encosta,
5. Setores de vertentes 1:5.000 a 1:25.000
divisor d’água e fundos de vales.
6. Formas antrópicas 1:1.000 a 1:5.000 Voçorocas, ravinas, movimentos de massa.

Figura 2. Resumo da classificação de unidades geomorfológicas segundo Ross (1992).


4. Pressupostos do método de classificação das UTs
1. O método deve ter aplicação geral, o que impede o uso de critérios rígidos de
classificação ou de uma classificação muito detalhada ou profunda.

2. As UTs devem ser reconhecidas e delineadas primeiro em fotografias aéreas,


de acordo com a compartimentação natural do terreno, para garantir que os resultados
se apliquem à análise dos fenômenos e processos naturais.

3. As regras de classificação não devem interferir na criação e edição de tabelas


no banco de dados utilizado, de modo que os dados de campo devem ser aceitos pela
mesma estrutura de dados, independente da escala de mapeamento.

4. A classificação das UTs deve ser feita com base em atributos que possam ser
facilmente levantados, armazenados e representados em campo, laboratório e
escritório.

5. Tipos de cartas geotécnicas


DINIZ (2012) classifica as cartas geotécnicas em três tipos, com seus
respectivos conteúdos:

Carta geotécnica de planejamento

- Zoneamento de unidades de terreno levando em conta os diferentes tipos e


suscetibilidade a processos.

- Adequabilidade da ocupação em cada unidade de terreno: zonas favoráveis,


aceitáveis e desfavoráveis.

- Propostas de ações relacionadas à ocupação, valores ambientais e subsídios


gerais para a legislação municipal.

- Indicação de áreas que precisam de detalhamento para avaliação geotécnica


voltada à aptidão urbanística, devido a restrições a loteamentos, necessidades de
obras de infraestrutura viária, saneamento e drenagem, e riscos potencias a desastres
naturais.
Carta geotécnica de aptidão urbanística

- Informações detalhadas para expansão urbana.

- Normas para loteamentos em áreas de média suscetibilidade a processos,


necessitando de estudos de avaliação geotécnica.

- Avaliação de perigo em áreas ocupadas com riscos potenciais frente a


desastres naturais.

Carta geotécnica de risco

- Avaliação das condições de vulnerabilidade (grau de perda ou dano de um


elemento ou conjunto de elementos, associado a uma ameaça ou processo, com uma
dada intensidade ou magnitude de ocorrência) das ocupações sob risco.

- Elaboração de sistema de gestão de risco com ações estruturais e não


estruturais.

6. Requisitos da elaboração das cartas geotécnicas


O texto desta seção é uma cópia literal de trechos de um capítulo organizado por
DINIZ (2012) sobre Cartografia Geotécnica, para um livro publicado recentemente. Esta
transcrição é feita porque o texto está disponível na internet e porque ele é compatível
com outros textos da autora, servindo assim como complemento esclarecedor sobre os
requisitos necessários à elaboração das cartas geotécnicas.

Recomendações de ordem geral


• Os temas de avaliação são determinados a partir das demandas da área
estudada, após a análise socioeconômica, quais sejam:

- processos do meio físico: movimentos de massas, erosão, inundações


graduais e bruscas;

- aptidão à urbanização: parcelamentos, assentamentos, loteamentos;


- recursos naturais: principalmente materiais de construção civil, devido à sua
essencialidade para o desenvolvimento social e urbano.

A partir das finalidades de avaliação e definição dos atributos a serem


levantados, elabora-se a ficha de campo do levantamento geológico-geotécnico.

• A geomorfologia como critério essencial, mais especificamente no que se


refere à geomorfometria das geoformas, estabelecidas a partir da análise de feições
erosivas e deposicionais, e de processos do meio físico, para a definição de unidades
de terreno.

• A formulação de um modelo de compartimentação da área por meio de um


sistema hierárquico de classificação de terrenos, sendo a análise compatível com a
escala 1:10.000 ou maior, isto é, chegando ao detalhe do 4o ao 6o táxon.

• A utilização de perfis típicos de alteração de solos tropicais, como critério de


caracterização dos sistemas e unidades de terreno. Dada a diversidade litológica e
geomorfológica brasileira, determinam-se perfis típicos de alteração para as unidades
de terreno estabelecidas, dos quais cada nível de alteração, segundo a classificação
adotada para solos tropicais, poderá ser amostrado e ensaiado, quando necessário.

Recomendações para cada tipo de carta geotécnica

a) Carta Geotécnica de Suscetibilidade voltada ao Planejamento


Municipal

Essa cartografia tem por objetivo o planejamento e a gestão territorial, devendo


apresentar elementos do meio físico e dos modos de ocupação do solo que participem
dos dados de percepção e avaliação do gestor público para o estabelecimento de
metas e ações de desenvolvimento do território, e para sua implantação e
monitoramento. Em geral, as maiores solicitações desse tipo de carta geotécnica são
municipais, que agora devem ser elaboradas na escala 1:25.000, segundo a lei no.
12.608.

Para cumprir seus objetivos, essas cartas precisam:

• Partir dos processos significativos, presentes ou com possibilidade de


ocorrência no território, naturais ou alterados por atividades antrópicas, e buscar as
suas condicionantes mapeáveis (parâmetros do meio físico e formas de ocupação do
solo).

• Compilar os dados necessários, orientados para atender aos objetivos da


cartografia.

• Definir, preliminarmente, unidades de terreno de comportamento semelhante,


que correspondam a necessidades de práticas de prevenção e correção, distintas para
cada compartimento.

• Executar trabalhos complementares de campo.

• Estabelecer representação cartográfica final, buscando as relações de


diversidade de cada compartimento geotécnico estabelecido e a melhor percepção
visual na leitura cartográfica das informações. Assim, para uma comunicação eficaz, é
necessário observar cuidadosamente as propriedades perceptivas das variáveis
visuais, para aplicá-las convenientemente.

• Elaborar quadro-legenda com diretrizes/recomendações diferenciadas em cada


unidade de terreno delimitada, segundo a probabilidade de ocorrência de tipos de
processos ou problemas, de maneira a solicitar formas adequadas de ocupação e,
portanto, diferentes medidas e ações do Poder Público responsável no planejamento e
gestão. O quadro-legenda deve conter a descrição sucinta das unidades geotécnicas
delimitadas no mapa, caracterizando os diferentes terrenos que ocorrem na área
focalizada em termos de desempenho provável, frente a distintas formas de uso e
ocupação do solo.

• Anexar os mapas temáticos (geológico, geomorfológico, uso e ocupação do


solo, dentre outros) e texto explicativo, em papel e formato eletrônico (digital, vetorial e
georreferenciado).

Esses procedimentos metodológicos para elaboração da carta geotécnica


voltada ao planejamento municipal são, assim, fundamentados na caracterização e
análise dos principais processos do meio físico e suas alterações devido a atividades
antrópicas estabelecidas pelo processo tecnológico. Tais alterações antrópicas podem
ser traduzidas pelas variações nos atributos do meio (declividade do terreno, cobertura
vegetal, tipo de solo, drenagem, ocupação do local e entorno, entre outros), que
condicionam os processos. A delimitação dos terrenos de acordo com a variação dos
processos resultará em unidades específicas de terreno e permitirá apresentar
diretrizes às diferentes formas de ocupação.

Para o planejamento, essa carta geotécnica precisa fundamentar a elaboração


de planos e metas do município, portanto tem abordagem regional. Porém, como todo
plano, estabelece solicitações posteriores de projetos e ações específicas ou de
abrangência local. É o caso de recomendações para elaboração de carta geotécnica de
aptidão urbanística, com detalhamento de obras e infraestrutura. Ou de carta
geotécnica de risco, a partir de verificações de áreas com situações de perigo, em
ocupações de terrenos com alta ou média suscetibilidade a processos ocorrentes ou
potenciais, tais como deslizamentos, inundação, subsidência cárstica e fluxo de
detritos. Tais áreas são tratadas, no planejamento, apenas para o estabelecimento
geral de normas de gestão de sua ocupação.

A análise e o mapeamento de suscetibilidade, frente aos diferentes mecanismos dos


processos, devem-se levar em conta as características geomorfológicas, geológicas,
geoecológicas (vegetação e uso da terra), sintetizadas nas cartas geotécnicas de
planejamento. Esses fatores devem ser previamente cartografados na mesma escala
de interesse da análise e do mapeamento pretendido, o qual, junto com a análise de
ameaças e dos elementos sob risco (de natureza socioeconômica e geoecológica)
possibilitará a indicação para elaboração posterior das cartas geotécnicas de aptidão
urbanística e de risco. Como exemplo de diretrizes gerais de planejamento, em áreas
com alto e médio grau de suscetibilidade, tem-se:

• Grau Alto:

- em área não ocupada: restringir a forma de ocupação

- em área ocupada: elaborar carta geotécnica de risco detalhada

• Grau Médio:

- em área não ocupada: exigir estudo detalhado para ocupação

- em área ocupada: avaliação de risco e eventual cartografia geotécnica de risco


b) Carta Geotécnica de Aptidão Urbanística frente aos Desastres
Naturais para Parcelamento do Solo

A prevenção de novas situações de risco pode estar associada a processos de


urbanização que venham a ser instalados em áreas vazias, ainda não parceladas, e em
áreas já parceladas que ainda se encontram com urbanização incompleta e deverão
ser objeto de obras que podem prevenir os riscos eventualmente existentes. A Carta
Geotécnica de Aptidão Urbanística frente aos Desastres Naturais tem como meta
central o fornecimento de informações que orientem o parcelamento do solo no
processo de uso e ocupação, de forma equilibrada com a condição de suporte do meio
físico, evitando-se os riscos e as consequências dos desastres.

Um dos momentos estratégicos para o controle público do uso e ocupação do solo é o


licenciamento de novos projetos de parcelamento dos terrenos. Nesse processo de
licenciamento, tem especial interesse a etapa de fornecimento de diretrizes para o
desenvolvimento do projeto, que é uma prerrogativa do poder público municipal
prevista na Lei Federal 6766/79. A cartografia geotécnica tem uma importância chave
para essa ação, e essa importância é ainda mais significativa quando o município está
sujeito a situações de risco e a acidentes de natureza geotécnica.

Os estudos do meio físico deverão ser instrumentos básicos para subsidiar a


ação municipal de fornecimento de diretrizes aos projetos de parcelamento do solo, e
também para a preparação de planos e projetos de recuperação de áreas que já foram
parceladas, mas que apresentam urbanização precária e situações de risco. Essa
cartografia deverá ser ainda um instrumento para a elaboração dos projetos específicos
a serem executados quando o município altera seu perímetro urbano, conforme
previsto no artigo 42-B do Estatuto da Cidade (Lei no. 10.257/01).

A Carta Geotécnica para essa finalidade de orientar o parcelamento do solo


deverá ser elaborada em escala igual ou superior a 1:10.000, para que haja
detalhamento suficiente das informações de modo a permitir o fornecimento de
diretrizes para os projetos de parcelamento do solo. Entende-se que essa carta deve
ser elaborada para todos os locais do território municipal onde é permitido o
parcelamento do solo. Nos casos em que haja uma definição ou proposta de
perímetros urbanos pela legislação municipal, a carta será apresentada para o território
contido por esses perímetros. Nos municípios com grande extensão de área de
urbanização já consolidada ou com grandes extensões de áreas protegidas, em que
não é permitido o parcelamento do solo, a apresentação da carta poderá ser feita para
o território incluído no perímetro urbano, descontadas essas áreas, em especial se
forem constituídas por terrenos de baixa suscetibilidade a desastres naturais.

Para caracterização das áreas de urbanização consolidada sugere-se a utilização do


critério definido pela Lei 11.977 (artigo 47), que considera área urbana consolidada a
parcela da área urbana com densidade demográfica superior a cinquenta habitantes
por hectare e malha viária implantada, e que tenha, no mínimo, dois dos seguintes
equipamentos de infraestrutura urbana implantados: a) drenagem de águas pluviais
urbanas; b) esgotamento sanitário; c) abastecimento de água potável; d) distribuição de
energia elétrica; ou e) limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos.

Poderá ser necessário o mapeamento de uma área maior que aquela do


perímetro urbano, para contemplar a análise de processos que ultrapassam os limites
administrativos, como, por exemplo, a análise de riscos de escorregamentos na bacia
hidrográfica, em trechos situados fora do perímetro, mas que podem atingir áreas
dentro do perímetro. Vale destacar, porém, a importância de que a carta geotécnica na
escala 1:10.000 seja apresentada também para as áreas que já foram parceladas, mas
que ainda têm baixa ocupação, mesmo que situadas em locais onde a legislação não
permite o parcelamento do solo. Esse estudo deverá fornecer elementos para a
decisão sobre a consolidação urbanística desses núcleos ou seu eventual
reassentamento.

O desenvolvimento da carta geotécnica na escala 1:10.000 envolve uma série de


estudos de processos do meio físico e sua abordagem deve envolver também aspectos
do meio biológico e antrópico, relativos à ocupação, na medida em que sejam, da
mesma forma, componentes essenciais nos processos interativos responsáveis pela
alteração dos processos do meio físico. Nessa escala, com foco no fornecimento de
informações para o parcelamento do solo, os estudos e cartas básicas devem propiciar
a preparação de pelo menos duas cartas:

b1) Carta geotécnica de processos e unidades de terreno. Tem o caráter de


uma carta de perigo a desastres naturais, ou seja, é uma carta de suscetibilidade que
incorpora registro de cicatrizes e ocorrências geotécnicas em geral, de forma a que se
possa estimar a probabilidade de ocorrência de acidentes. É bem mais detalhada que o
levantamento elaborado na escala 1:25.000 e tem foco na identificação de processos
que podem trazer perigo para a ocupação urbana e/ou que podem ser induzidos pela
urbanização. O mapeamento visa indicar os processos do meio físico sensíveis à
urbanização, e inclui a indicação de:

- áreas de suscetibilidade do meio físico, em que processos de instabilidade


podem ser desencadeados pela urbanização. Inclui áreas de dunas, de elevada
declividade, de estabilidade condicionada à presença da vegetação, de recarga de
aquíferos, de solo mole, de solos colapsíveis, de alta erodibilidade, entre outras;

- áreas que podem ser afetadas por processos geotécnicos gerados dentro ou
fora da área de estudo, como, por exemplo, as áreas que podem ser atingidas por
movimentos de massa, por inundações, por variações do nível do mar, ou qualquer
outro processo que possa criar situações de perigo ou risco.

- áreas de risco associadas a atividades antrópicas, tais como cortes e aterros


inadequados, deposição de contaminantes no solo e na água etc.

- áreas que podem ser afetadas pela ação do mar.

b2) Carta geotécnica de síntese de aptidão à urbanização frente aos


desastres naturais. É uma síntese das recomendações para aplicação urbanística,
face aos estudos do meio físico e seus processos. Sua leitura é dirigida a técnicos com
pouco conhecimento específico de geotecnia e visa, de forma bastante pragmática,
instrumentar o fornecimento de diretrizes para novos parcelamentos do solo e para a
implantação de obras de urbanização em áreas de urbanização ainda não consolidada.
É recomendável que essas cartas e suas respectivas legendas sejam separadas
para as áreas ainda vazias e áreas de urbanização ainda não consolidada.

Para as áreas vazias, sugere-se que a legenda preveja:

- áreas de urbanização favorável (cor azul): locais de baixo perigo frente aos
desastres naturais e onde a ocupação demanda apenas os cuidados usuais com
relação aos estudos para fundação e obras de contenção;

- áreas de urbanização condicionada a controle especial (cor amarela): locais


onde são exigidos controles e estudos especiais como condição prévia à ocupação,
face ao perigo existente ou que pode ser potencializado pelo processo de urbanização.
Dentre essas medidas de controle, estão incluídas a exigência de implantação de
infraestrutura completa; a exigência de implantação das edificações
concomitantemente ao processo de parcelamento do solo, ou seja, não se permite a
venda de terra nua; a exigência de critérios especiais de uso e ocupação do solo de
forma a minimizar os riscos; e a exigência de estudos prévios, detalhados, como por
exemplo de estabilidade de encostas;

- áreas de urbanização restrita (cor vermelha): locais onde não se permitem


edificações de uso permanente, ou edificações de qualquer caráter ou ainda onde não
se permitem obras de urbanização de qualquer natureza. Face aos riscos da ocupação
irregular de áreas onde existem sérias limitações à urbanização (portanto, áreas de
urbanização restrita), entende-se que os estudos que levam à proposição das cartas de
aptidão à urbanização devem se aprofundar no estudo de alternativas de destinação de
uso e ocupação do solo para essas áreas de urbanização restrita. As possibilidades de
ocupação devem ser debatidas com a administração local e com os setores
organizados da sociedade, de forma que a limitação apresentada faça parte de uma
estratégia mais abrangente de destinação dessas áreas frágeis, do ponto de vista dos
riscos de acidentes. Ou seja, não se considera recomendável ou aceitável a mera
indicação de uma área como sendo de urbanização restrita sem que haja a clara
indicação dos usos possíveis e recomendáveis para a mesma.

Para as áreas de franjas de urbanização, ou seja, para as áreas já parceladas,


porém com urbanização ainda não consolidada, é necessário que a legenda da carta
de aptidão à urbanização contemple:

- os locais onde, face ao estudo de risco, não é permitida a edificação (de uso
permanente) - cor vermelha;

- as áreas onde se identifica a prioridade na implantação da infraestrutura, para


prevenção de riscos, e o tipo de infraestrutura demandada - cor amarela;

- locais onde a edificação e/ou a implantação de infraestrutura é condicionada a


estudos especiais - cor amarela;

- os locais onde se demanda a implantação de obras de contenção de encostas


ou de prevenção de riscos de acidentes geotécnicos - cor amarela;
- áreas onde não há limitações ou exigências especiais, em termos de
prevenção de riscos de desastres naturais - cor azul.

7. Procedimentos do mapeamento geotécnico


O método resumido a seguir foi utilizado por DINIZ (2012) no mapeamento
geotécnico da folha de Aguaí (SP), de acordo com a metodologia de ZUQUETTE
(1987), dentro de um programa de cartografia do Departamento de Geotecnia da
Escola de Engenharia de São Carlos.

Segundo a autora, o critério fundamental para a compartimentação do meio


físico foi a geomorfologia, à qual foram adicionados os materiais inconsolidados e o
substrato rochoso. Cada UT foi caracterizada por um perfil típico de alteração, cujos
níveis apresentam graus peculiares de diferenciação segundo a evolução genética, a
textura e a estrutura. As etapas de trabalho são resumidas a seguir.

1. Levantamento e análise da informação existente em relatórios, livros,


artigos de periódicos, laudos geotécnicos, fichas de campo, mapas, perfis, sondagens,
poços e outras formas de documentação.

2. Reconhecimento dos atributos, que foram definidos em função das


necessidades dos usuários da região, a partir das quais foram estabelecidos as
propriedades geotécnicas que seriam caracterizadas e, em função delas, os atributos
do meio físico que seriam levantados. Esses atributos orientaram a organização da
ficha de campo, dos mapas que seriam elaborados, das legendas e convenções, das
tabelas de classificação e de avaliação, entre outros instrumentos de trabalho.

3. Elaboração do mapa preliminar de UTs, baseado nas formas de relevo e


suas relações com os tipos de material inconsolidado e o substrato rochoso. Este mapa
foi montado por meio de fotointerpretação e compilação dos mapas existentes.

4. Reconhecimento preliminar da área de mapeamento, para verificação do


mapa de UTs e caracterização das grandes unidades e seus limites. Trata-se de um
reconhecimento geral que deve envolver um número mínimo de observações
qualitativas e quantitativas, com preenchimento das fichas de campo.
5. Elaboração de seções longitudinais e perfis típicos das UTs principais, o
que podem levar a dezenas de unidades de materiais inconsolidados, em função dos
níveis de alteração observados em cada perfil associado a um tipo de litologia.

6. Segunda etapa de fotointerpretação, para delimitação mais precisa das UTs


e seleção de pontos para amostragem.

7. Segunda etapa de levantamento de campo, para descrição de perfis de


alteração e coleta de amostras deformadas e indeformadas em cada nível.

8. Execução dos ensaios geotécnicos, com caracterização tátil-visual,


granulometria conjunta, determinação dos índices de campo, limites de Atterberg,
compactação por Proctor normal e determinação do comportamento laterítico por Mini-
MCV e perda por imersão. Estes parâmetros permitiram generalizar os atributos para
as UTs e prever o comportamento de cada uma face aos diferentes usos do solo.

9. Elaboração dos mapas básicos auxiliares, incluindo formas e feições de


relevo, substrato rochoso, materiais inconsolidados, águas superficiais e subterrâneas,
declividade, documentação e solos (mapa pedológico).

10. Definição das propriedades dos materiais inconsolidados e das rochas


em cada UT, com base nos dados geotécnicos de campo e laboratório.

11. Produção da carta de UTs, que inclui a avaliação dos terrenos, de acordo
com as necessidades dos usuários e no que se refere a riscos geológicos, aptidão para
os diversos tipos de uso e ocupação e recursos naturais.

8. Procedimentos do mapeamento geomorfológico


DEMEK (1976) propõe o seguinte encadeamento de operações para o
mapeamento geomorfológico, que deve ser adaptado às necessidades de cada projeto
e à qualidade da documentação disponível:

1. Escolher a escala em função da extensão da área que será mapeada. A


extensão da área determina os taxons que podem ser identificados e a escala mais
adequada para estudá-los em detalhe suficiente para os objetivos do projeto.

2. Identificar os taxons que podem ser cartografados na área, na escala


escolhida. A partir da informação disponível sobre a área, relacionar os taxons que
foram identificados anteriormente e os que podem ser ainda identificados, em função
da hierarquia apresentada no Quadro 1.

3. Analisar as cartas geológicas e tectônicas da área em estudo, em escalas


pequenas e grandes, transferindo os principais lineamentos para a base
planialtimétrica. Analisar a base planialtimétrica, com o objetivo de completar a carta
das rupturas tectônicas e das formas de relevo lineares, e elaborar uma carta dos
elementos do relevo segundo seus atributos morfográficos e morfométricos.

4. Traçar os elementos básicos do relevo (pontuais e lineares) em foto


aérea ou imagem de satélite, dependendo da escala, procurando especificar a
gênese dos elementos do relevo.

5. Transferir o traçado nas fotos ou imagens para a base planialtimétrica.


Uma vez transferidos os elementos para a base, medir as dimensões horizontais e
verticais das unidades cartografadas usando a escala e as curvas de nível como
referências morfométricas.

Os passos 4 e 5 são opcionais em relação ao 3, porque dependem da


documentação cartográfica disponível na área mapeada.

6. Elaborar perfis geológico-geomorfológicos, para estabelecer uma


estratigrafia das formas de relevo. Aqui se aplicam as regras: formas menores são mais
recentes do que as maiores e formas mais elevadas no relevo são mais antigas do que
as mais próximas do nível base de erosão.

7. Levantamento de campo para teste e correção das interpretações, utilizando


itinerários previamente definidos e, eventualmente, sobrevoos no caso de áreas de
difícil acesso, podendo incluir coleta de materiais para análise laboratorial.

8. Integração da informação obtida em campo. A carta das formas de relevo


resultante, considerando seus aspectos morfográficos e morfométricos, é revista,
assumindo um caráter genético, uma vez que devem permitir a explicação da origem
das formas e a esculturação do modelado.

9. Classificar as Unidades Morfológicas ou Padrões de Formas


Semelhantes (terceiro taxon) em função do índice de dissecação, usando a simbologia
dos Quadros 2, 3 e 4.
10. Classificar as Unidades Morfológicas de acordo com a fragilidade
ambiental, usando os critérios apresentados nos Quadros 5 a 9. A qualidade da
cobertura vegetal pode ser usada para dar mais consistência à análise do Quadro 6,
com base nos critérios apresentados no Quadro 10.

Como foi dito no início, algumas das técnicas do mapeamento geomorfológico


podem ser utilizadas dentro do mapeamento geotécnico, para complementá-lo e
enriquecer a interpretação da dinâmica do relevo. Desta maneira, é possível imprimir
maior significado à cartografia geotécnica, ao explorar a evolução futura dos processos
geomórficos e suas implicações para o risco sobre os elementos da ocupação do solo.

1
DIM → Muito grande Grande Média Pequena Muito
(1) (2) (3) (4) pequena (5)
GEV ↓
2 > 1.500 m 1.500 - 700 m 700 - 300 m 300 - 100 m < 100 m

Muito fraco (1)


11 12 13 14 15
< 10 m

Fraco (2)
21 22 23 24 25
10 - 20 m
Médio (3)
31 32 33 34 35
20 - 40 m

Forte (4)
41 42 43 44 45
40 - 80 m
Muito forte (5)
51 52 53 54 55
> 80 m
1 2
Dimensão interfluvial média. Grau de entalhamento dos vales.

Quadro 2. Matriz dos índices de dissecação do relevo, segundo RADAMBRASIL (1986) e


adaptada por ROSS (1990). Azul: fracamente dissecado; verde: moderadamente dissecado;
amarelo: fortemente dissecado; laranja: muito fortemente dissecado.
Quadro 3. Simbologia para uso em mapas digitais, segundo THIESEN e OLIVEIRA (2010).

Símbolos Descrição

A forma agradacional

Apf planície fluvial

Atf terraço fluvial

Apm planície marinha

Apl planície lacustre

Api áreas planas de inundação

Api42 áreas planas de inundação com GEV forte e DIM grande

D forma denudacional

Da interflúvio aguçado (crista)

Dc interflúvio convexo

Dt interflúvio tabular

Dp interflúvio plano

Dp15 interflúvio plano com GEV muito fraco e DIM muito forte

Vc vertente convexa

Vcc vertente côncava

Vr vertente retilínea

Tc topo convexo

Tp topo plano

Quadro 4. Exemplos de símbolos usados para classificar as formas de relevo.


Fatores de análise Elementos

Densidade e porte da cobertura vegetal.


Uso do solo e cobertura vegetal
Práticas conservacionistas.

Relevo Tipos de vertentes. Classes de declividade.

Textura. Profundidade. Espessura dos horizontes.


Solo
Permeabilidade. Compactação.

Clima Distribuição anual e intensidade das chuvas.

Quadro 5. Matriz para análise de fragilidade ambiental, modificado de AMARAL (2008).

Grau de proteção Tipo de uso da terra / Grau de cobertura

1 - muito alto Florestas e matas de grande porte e alta densidade

2 - alto Florestas e matas de médio porte e média densidade

3 - médio Capoeira

4 - baixo Pastagens e outras culturas sem práticas conservacionistas

Áreas desmatadas, queimadas recentes, solo exposto extensivamente


5 - muito baixo a nulo
e ao longo de estradas.

Quadro 6. Graus de proteção do terreno conforme uso da terra e do grau de cobertura vegetal.

Grau de fragilidade Tipos de vertentes / Classes de declividade

1 - muito baixo Tp: topos planos, declividades de 0-3%.

Tc: topos convexos, declividades de 0-12%


2 - baixo Pt: patamares planos, declividades de 3-12%.
Vc1: vertentes convexas, declividades de 3-12%

Vcc: vertentes côncavas, declividades de 3-12%.


3 - médio
Vc2: vertentes convexas, declividades de 12-30%.

4 - alto Vr2: vertentes retilíneas, declividades de 12-30%.

Vr1: vertente retilínea, declividades acima de 30%.


5 - muito alto
Pf: planícies fluviais, declividade de 0-3%.

Quadro 7. Graus de fragilidade em função do tipo de vertente e da declividade.

Grau de fragilidade Tipos de solo

1 - muito baixo Solo residual, argiloso, zonado, profundidade > 2 m

2 - baixo Solo residual, silte-arenoso, zonado, profundidade < 2 m

3 - médio Colúvio argiloso, sem blocos de rocha, qualquer profundidade

4 - alto Colúvio argiloso, com blocos de rocha, qualquer profundidade

5 - muito alto Colúvio arenoso, com blocos de rocha, qualquer profundidade

Quadro 8. Grau de fragilidade em função do tipo de solo.


Influência da
Características Integração morfogênese Aplicações na Aplicações na
Meios geodinâmicos morfogênese > Influência da litologia
geomorfológicas + pedogênese conservação agronomia
pedogênese
I V
II IV VI VII
III

Intemperismo e
pedogênese atuam com Alta lixiviação em
Estabilidade antiga. o máximo de zonas úmidas,
Litologia influencia cada formação de
Evolução superficial do interferência dos agentes
vez menos morfogênese crostas lateríticas
modelado muito lenta. de transporte. Produtos
Condições ideais para e pedogênese. Produtos em zonas de clima
Formas em equilíbrio de alteração superficial
classificação dos solos, de alteração superficial semiárido ou com
com as condições permanecem in situ ou
que evoluem em regime são espessos e estações muito
bioclimáticas há 100 sofrem ablação lenta.
permanente. A noção de homogêneos, secas. Adubação é
milhares de anos. Alta Nos domínios de
catena é utilizável. influenciando mais do eficaz devido à
influência biótica ou fraca evolução lenta os
que a litologia a estabilidade do
atuação dos agentes produtos de alteração e
A morfogênese. solo.
erosivos. os solos podem ser
Meios estáveis evoluídos, mas pouco
espessos.
Evolução lenta, Manter cobertura
tendendo a situações Estabilidade Associação de solos Solos polifásicos e Importante, se houver vegetal com
de clímax. relativamente recente. formados em períodos truncados ou recobertos, exposição do substrato densidade
diferentes, sob condições que podem ocorrer em rochoso. equivalente à
Pedogênese Mais comum do que original, para evitar
predomina sobre climáticas variadas. um mesmo perfil.
estabilidade antiga Mosaicos de solos Sobre a morfogênese: exposição do solo
morfogênese. devido às oscilações Solos truncados são influência variável, aos agentes
truncados por erosão e Mesmas condições
Fraca atividade climáticas quaternárias. novas pedogêneses. classificados por: dependendo das erosivos.
Início geralmente no condições climáticas, e acima, mas com
geodinâmica interna e Depósitos derivados em - tipo do solo truncado; -
Holoceno há 10.000 filtrada pela cobertura de grande variação
fraca atividade encostas registram nível da truncagem; -
anos. Formas reliquiares solo e produtos de regional, o que
mecânica externa. épocas de estabilidade. tipo da pedogênese
superpõem-se e alteração. impede
Nos baixios, os produtos superimposta. extrapolações.
complicam análise da de instabilização
ecodinâmica. Oscilações Sobre a pedogênese: Exige alto grau de
recobrem solos mais Solos recobertos são somente sobre a
climáticas produzem sofisticação no
antigos, geralmente classificados por: pedogênese inicial,
readaptações mapeamento dos
truncados. Regiões de - tipo do solo recoberto; depois os solos e solos.
sucessivas, com ablação relevo suave, submetidas
nos topos e deposição - espessura da cobertura; produtos de alteração
à alternância de climas - tipo da pedogênese são mais importantes do
nos baixios. Depósitos agressivos e bioestasia, superimposta. que a rocha para os
coluviais remanescentes favorecem esta situação.
a meia encosta registram solos mais recentes.
épocas de estabilização.

Equilíbrio
Pedogênese predomina: pedogênese/morfogênese As práticas
aproxima-se dos meios muito instável. Conceito agronômicas
B Morfogênese e estáveis, mas de catena pode ser usado Instabilidade devem contribuir
Meios transicionais pedogênese se morfogênese contém se for com sentido crescente do solo para estabilizar a
equivalem com dinâmico e não Sobre a morfogênese: exige cuidados no morfodinâmica,
(intergrades) avanço da pedogênese,
interferências recíprocas. meramente topográfico. diferenças de resistência manejo da uma vez que a
impedindo solos muito
Dinâmica controlada Quaisquer alterações Mosaicos de solos ao intemperismo cobertura, porque agricultura favorece
evoluídos.
pelo balanço entre sazonais de clima transicionais controlados mecânico ou químico há tendência à a morfogênese, em
morfogênese e alteram o equilíbrio entre Morfogênese predomina: pela dinâmica do sistema. controlam evolução do degradação nos detrimento da
pedogênese. elas. As propriedades do pode ser superficial, por Solos imaturos são modelado. períodos de clima pedogênese.
solo influenciam a erosão laminar, que não abundantes, com extremo. Onde a Pastagens densas
Predomina Sobre a pedogênese:
morfogênese e vice- altera o perfil do solo, horizontes pouco ou nada morfogênese protegem o solo
pedogênese: tendem influência muito forte,
versa. Trata-se de um exceto removendo desenvolvidos e mesmo predomina, erros contra erosão e
à estabilidade. com solo refletindo
equilíbrio delicado, que camadas de topo; ou misturados. Ablação e de manejo podem movimentos de
composição do substrato
Predomina pode ser rompido por profunda onde aprofundamento do solo deflagrar erosão e massa, por
rochoso.
morfogênese: tendem práticas equivocadas de movimentos de massa, tendem a se compensar, movimentos de aumento da difusão
à instabilidade. agronomia ou manejo. removem perfis inteiros e o que exige noção da massa. hidráulica e
expõem localmente o dinâmica do sistema para dispersão de
substrato. avaliar o que predomina energia.
em cada local.

Intensa morfogênese Promover a


devido à combinação de: Pedogênese pode ocorrer
estabilização
localmente, em zonas
- condições climáticas progressiva do
estabilizadas, formando Sobre a morfogênese:
extremas, que dificultam terreno, contendo
mosaico entre litossolos e litologias determinam
ou impedem processos
detritos. Onde a variações regionais e
desenvolvimento da Pedogênese pobre e torrenciais com
instabilidade é crescente, locais no grau de
cobertura vegetal e a subordinada à obras estruturais e
os solos são eliminados alteração química e Áreas impróprias
C pedogênese; morfogênese. instalando
por ablação. A fragmentação mecânica. para agricultura.
cobertura vegetal
- dinâmica interna Formação de solos instabilidade forma Reflorestamento
Meios instáveis Sobre a pedogênese: cada vez mais
intensa, com detríticos (litossolos), ravinamentos, que podem deve servir apenas
solos imaturos e densa e de maior
Forte predominância soerguimento e com rápido transporte evoluir e coalescer, à conservação e
detríticos dependem porte. Conter a
da morfogênese vulcanismo recentes ou para as zonas baixas, formando bad lands. Nas não para
totalmente do substrato produção de
sobre a pedogênese ativos. formando depósitos zonas de acumulação exploração
rochoso. A forte herança detritos nas
secundários como tálus e estabilizadas, os econômica.
Isto impede manutenção litológica facilita a cabeceiras é mais
terraços. depósitos detríticos são
de heranças separação de solos importante do que
formados por minerais e
pedogenéticas e formas residuais e construir diques
clastos rochosos,
reliquiares do relevo, transportados. nas áreas de risco,
podendo desenvolver
prejudicando onde a ruptura
perfis pedogenéticos
interpretação dos pode gerar danos
incipientes.
processos antigos. maiores.

Quadro 9. Caracterização dos meios estáveis, transicionais e instáveis (TRICART, 1977).


9. A cobertura vegetal como indicador de fragilidade
ambiental

A cobertura vegetal pode ser avaliada em função de porte, densidade e estágio


de sucessão, que indicam maior estabilidade ambiental quanto mais forem
desenvolvidos. Elas possuem importante papel na determinação das unidades de
instabilidade potencial do relevo, visto que se encontram intimamente relacionadas aos
processos modeladores do relevo, devido à sua interferência decisiva na dinâmica de
distribuição quantitativa e qualitativa dos fluxos hídricos superficiais e subsuperficiais.
Os tipos de vegetação podem ser encarados como reflexos imediatos do estado atual
de equilíbrio da paisagem natural ou do quadro momentâneo de sua fisiologia, servindo
como indicadores da ocorrência ou intensificação de certos fenômenos
geomorfodinâmicos severos.

As tipologias vegetais mostradas nos Quadros 6 e 10 sintetizam a interpretação


destes atributos e sua interpretação em termos de fragilidade ambiental. A
interpretação é simples e direta: quanto mais evoluída a cobertura vegetal, mais tempo
ela teve para se desenvolver, indicando que o ambiente natural se manteve por mais
tempo em condições estáveis.

A vegetação possui a capacidade de alterar a estabilidade superficial das


encostas de diversos modos significativos e importantes. Os benefícios protetores ou
estabilizadores da vegetação dependem essencialmente de sua tipologia e dos
processos de degradação recorrentes na encosta. No caso dos movimentos de massa,
os benefícios protetores da vegetação arbórea vão desde o reforço da contenção
mecânica pelas raízes e caules até a modificação da hidrologia da encosta, com
resultado da remoção de umidade dos solos pela evapotranspiração.
As chuvas pesadas e torrenciais que encontram o terreno já saturado são um
fator altamente instabilizador das encostas. Logo após o desmatamento, verifica-se
uma selagem dos poros da porção superficial do manto de intemperismo,
impermeabilizando-o e favorecendo o escoamento superficial. O crescimento da
vegetação rasteira rompe a selagem promovendo maior infiltração, porém, com
evapotranspiração reduzida e pouco significativa quando comparada com aquela da
floresta pretérita.
Estágios / Fragilidade Inicial / Alta Médio / Moderada Avançado / Baixa

Fisionomia Capoerinha: um único estrato Capoeirão: um ou dois estratos Floresta: 2 a 4 estratos, até 15
com até 3 m de altura. com até 6 m de altura. m de altura. Vegetação arbórea
Predomina vegetação herbácea Predomina vegetação arbórea predomina, formando um
e arbustiva de porte baixo, com e/ou arbustiva sobre a dossel fechado e uniforme no
cobertura vegetal fechada a herbácea, em estratos porte, eventuais árvores
aberta. diferenciados. Cobertura emergentes, semelhantes à
arbórea aberta a fechada e vegetação primária. Copas
eventuais indivíduos superiores amplas,grande
emergentes. variação de diâmetros.

Espécies lenhosas Baixa variação de DAP. Variação moderada de DAP, Grande variação de DAP.
predominando pequenos
diâmetros.

Epífitas Se existentes: liquens, briófitas Maior número de indivíduos e Com maior número de
e pteridófitas, com baixa espécies em relação ao estágio indivíduos e espécies em
diversidade. inicial, mais abundantes na relação ao estágio inicial, sendo
floresta ombrófila. mais abundantes na floresta
ombrófila.

Trepadeiras Se presentes, geralmente Quando presentes, Geralmente lenhosas, sendo


herbáceas. predominam espécies abundantes e ricas em
lenhosas. espécies na floresta estacional.

Sub-bosque Ausente Presente Menos expressivo do que no


estágio médio.

Biodiversidade Variável, com poucas espécies Significativa Muito grande devido à


arbóreas ou arborescentes, complexidade estrutural.
pode apresentar manchas de
espécies características de
outros estágios.

Serrapilheira Se existente, forma uma Presente, variando de Abundante e espessa, com


camada fina, pouco espessura, de acordo com as camada de húmus sob a
decomposta, contínua ou não. estações do ano e a camada de folhas.
localização.

Área basal Considerando os indivíduos Considerando os indivíduos Considerando os indivíduos


com DAP maior ou igual a 10 com DAP maior ou igual a 10 com DAP maior ou igual a 10
cm, pode variar de 2 a < 10 cm, pode variar de 10 a menor cm, variando de 18 a 30 m2 /ha.
m2/ha. que 18 m2/ha.

DAP: diâmetro à altura do peito, convencionado a 1,30 m do solo.

Quadro 10. Estágios de regeneração da vegetação nativa da mata atlântica, segundo


EMBRAPA (2007).

10. Comentários finais


Com base nas recomendações da Subcomissão de Cartas Geomorfológicas da
União Geográfica Internacional - UGI, a carta geomorfológica de detalhe, em escala
grande, deve comportar quatro tipos de dados: morfométricos, morfográficos,
morfogenéticos e cronológicos (TRICART, 1968).

a) Morfométricos: correspondem às informações métricas importantes,


apoiadas em cartas topográficas ou outras formas de levantamento. Geralmente as
informações métricas são intrínsecas aos sinais ou símbolos para a representação das
formas do relevo, a exemplo de extensão de terraços ou escarpas erosivas, declividade
de vertentes, dentre outras. Para se evitar a sobrecarga de informações na carta
geomorfológica, dificultando sua leitura, os dados morfométricos, como a declividade
das vertentes, a hierarquização da rede hidrográfica, dentre outros, podem ser
apresentados à parte, em uma representação cartográfica específica.

b) Morfográficos: correspondem a formas de relevo resultantes do processo


evolutivo, sendo sintetizadas como formas de agradação e de degradação. Como
formas de degradação destacam-se as formas de erosão diferencial, as escarpas de
falha ou erosivas, ravinas e boçorocas. Como formas de agradação destacam-se
depósitos aluviais em planícies de inundação, concentração de colúvios pedogenizados
ou pedimentos detríticos inumados. Os aspectos morfográficos encontram-se
estreitamente ligados aos morfogenéticos, ou seja, as formas geralmente expressam
as respectivas gêneses. Quanto às formas de relevo, o Projeto Radambrasil utiliza
formas estruturais, formas erosivas e formas de acumulação, tendo sido a segunda
desmembrada em formas de dissecação e formas de dissolução na Folha SD 23
Brasília. KLIMASZEWSKI (1963) sugere maiores especificidades para representações
morfográficas em escala grande, como formas tectônicas e estruturais, formas
influenciadas pela litologia e estrutura, formas de agradação e degradação, dentre
outras.

c) Morfogenéticos: referem-se aos processos responsáveis pela elaboração


das formas representadas. Assim, na representação cartográfica do relevo, as diversas
formas devem figurar de tal maneira que sua origem ou sua gênese sejam diretamente
inteligíveis. Por exemplo, as superfícies erosivas associadas a processo de
aplainamento devem conter referências ao processo de pediplanação, identificando a
gênese ligada ao recuo paralelo de vertentes em condição climática seca, podendo
incorporar referenciais de natureza cronológica, associados ao período de formação,
adicionando termos como de cimeira (mais antigo) ou intermontanas (mais recente).

d) Cronológicos: correspondem ao período de formação ou elaboração de


formas ou feições. A representação cronológica pode ser expressa através de cores,
que mesmo que adotadas com outro sentido, podem oferecer subsídios dessa
natureza. Exemplo são os mapas geomorfológicos ao milionésimo do Projeto
Radambrasil, onde a cor representa os relevos conservados e as tonalidades os
relevos dissecados. Partindo desse princípio, as formas estruturais e as formas
erosivas, associadas a relevos conservados, encontram-se relacionadas a processos
morfogenéticos ou morfoclimáticos bem mais antigo em relação aos modelados pós-
pliocênicos referentes aos relevos dissecados. As tonalidades adotadas para
deposições de materiais, como os terraços e planícies, que podem ocorrer tanto nos
relevos conservados como nos dissecados, mantêm relações genético-processuais
pleisto-holocênicas. Muitas vezes as informações morfocronológicas são incorporadas
na própria legenda, a exemplo das superfícies de aplainamento terciárias, planície de
várzeas holocênicas, pedimentos coluvionados pleistocênicos, dentre outros. Nas
representações geológicas as cores convencionadas expressam relações cronológicas
das estruturas litoestratigráficas, dispostas inclusive de forma cronológica na legenda.
Depreende-se, a partir destes requisitos, que o mapeamento geomorfológico não
pode ser executado por profissional técnico sem o devido treinamento, sob pena de
produzir resultados incorretos, inadequados e incapazes de contribuir para a avaliação
de fragilidade ambiental e para o planejamento territorial.

11. Referências bibliográficas


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de Janeiro: ... Paris: La Maison Rustique, 604 p, 1958.
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EMBRAPA. Manual para instalação e medição de parcelas permanentes nos biomas da
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ERHART, H. La theorie bio-rexistesique et les problemews biogeographiques et
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IBGE, Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Manual Técnico de
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KLIMAZEWSKI, M. Problems of geomorphological mapping. Intern. Conf. of the
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MESCERJAKOV, J.P. Les concepts de morphostructure et de morphosculture: um nouvel
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PENCK, W. Morphological analysis of landforms, New York, St. Martin's Press, 429 p, 1953.
ROSS, J.L.S. O registro cartográfico dos fatos geomórficos e a questão da taxonomia do
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SOTCHAVA, V. B. Por uma teoria de classificação dos geossistemas de vida terrestre.
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THIESEN, G.M.; OLIVEIRA, D. Os condicionantes geomorfológicos das vertentes como
orientação à ocupação: o entorno do Reservatório Paiva Castro a partir da sua
implantação no Sistema Cantareira. São Paulo, USP, Dep. Geogr., 2010.
TRICART, J. As relações entre morfogênese e pedogênese. Campinas, Notas
Geomorfológicas, v. 8, p. 5-18, 1968.
TRICART, J. Ecodinâmica. Rio de Janeiro, IBGE, 1977.
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Sobre o Autor
Edir E. Arioli é geólogo pela UFRGS (1969), doutor em Geologia pela UFPR
(2008), especialista em Gestão Tecnológica (1990) e Engenharia da Qualidade
(1991) pela PUC/PR. Dedica-se à produção de materiais paradidáticos para
uso de professores e estudantes de Ciências da Natureza. Email:
earioli@yahoo.com.br.

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