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que aconteceram depois que Nãrada revelou que Kfsna era o filho de Vasude-
va. Sentado ao lado dEle na casa de Nanda Mahãrãja, Akxüra narrou todas
as histórias em relação a Kamsa. Ele contou como Nãrada encontrou Kamsa
e como ele próprio foi delegado por Kamsa para que viesse até Vrndãvana.
Akrüra explicou a Krsna que Nãrada contara a Kaifasa tudo a respeito de
quando Krçija fora transferido de Mathura para Vrndãvana logo após o
nascimento d*Ele, e a respeito do fato de que Ele matara todos os demônios
que Kamsa enviara. Depois Akrüra explicou a Krsna qual era a finalidade
de sua vinda a Vrndãvana: levá-Lo de volta a Mathurã.
Após ouvirem falar nestes arranjos, Balaram a e Krsna, que têm muita
habilidade para matar adversários, riram suavemente dos planos de Kamsa.
Eles pediram a Nanda Mahãrãja que convidasse todos os pastorzinhos
de vacas a irem até Mathurã para participarem na cerimônia conhecida como
Dhanur-yafna. Kamsa queria que todos eles fossem até lá para participarem na
cerimônia. Após receber a ordem de Krsna, Nanda Mahãrãja mandou imedia
tamente chamar os pastorzinhos de vacas e disse-lhes que reunissem todas as
espécies de preparações lácteas e leite para presenteá-los na cerimônia. Ele
também mandou instruções para que o chefe de polícia de Vrndãvana infor
masse a todos os habitantes a respeito da grande cerimônia Dhanur-yajna de
Kamsa e os convidasse para que viessem com eles. Nanda Mahãràja informou
aos pastorzinhos de vacas que eles partiríam na manhã seguinte. Por isso,
eles fizeram arranjos para que as vacas e os touros os levassem até Mathurã.
Quando as gopls viram que Akrüra tinha vindo para levar Krsna e
Balarãma embora para Mathurã, elas se encheram de ansiedade. Algumas delas
ficaram tão aflitas que seus rostos escureceram. E começaram a respirar
apaixonadamente e tiveram palpitações cardíacas. Elas descobriram que
seus cabelos e roupas afrouxaram imediatamente. Ao ouvirem a notícia
de que Kr$r>a e Balarãma estavam de partida para Mathurã, outras gopis
que estavam ocupadas em seus deveres domésticos pararam de trabalhar
como se tivessem se esquecido de tudo, tal qual uma pessoa que é convocada
para morrer e deixar este mundo imediatamente. Houve outras gopis que
desmaiaram imediatamente devido à separação de Krsqa. Lembrando-se do
sorriso atraente d’Ele e das conversas que Ele tinha com elas, as gopis se
encheram de aflição. Todas elas se lembraram das características da Persona
lidade de Deus: a forma como Ele Se deslocava dentro da área de Vrndãvana e
a forma como Ele atraía todos os corações delas com gracejos. Pensando em
Krsna e na separação iminente dEle, as gopTs se reuniram com seus corações
batendo forte. Como estivessem completamente absortas pensando em
Krsna, dos olhos delas caíam lágrimas. Elas se puseram a conversar como se
segue:
“Õ Providência, Você étão cruel! Parece que Você não sabe como mostrar
Akrura viaja de volta e visita Visnuloka 259
clemência para com os outros. Por seu arranjo, os amigos entram em contato
uns com os outros, mas Você os separa sem satisfazer os desejos deles. Isto é
exatamente como uma brincadeira de crianças que não tem sentido algum.
É muito abominável que Você tenha planejado de nos mostrar o belo Krsna
~ cujo cabelo'azulado e encaracolado embeleza Sua testa larga e Seu nariz
fino, que está sempre sorrindo para minimizar toda a discórdia que há neste
mundo material — e depois então Você tenha arranjado de nos separar d’Ele.
ó Providência, Você é tão cruel! Mas o que mais nos surpreende é que agora
Você aparece como ‘Abrilra’, que significa ‘não cruel’. No começo nós apre
ciamos Seu trabalho ao nos dar estes olhos para podermos ver o belo rosto
de Krsna, mas agora, tal qual uma criatura tola, Você está tentando tirar
nossos olhos para que não vejamos Krsna aqui outra vez. Krsna, o filho
de Nanda Mahãrãja, também é muito cruel! Ele tem sempre que ter novos
amigos"; Ele não gosta de manter amizade por muito tempo com ninguém.
Depois de deixarmos nossos lares, amigos e parentes, nós, gopls de
Vrndãvana, nos tornamos servas de Krsna, mas Ele está nos negligenciando
e vai-Se embora. Embora sejamos completamente rendidas a Ele, Ele nem
sequer liga para nós. Agora todas as mocinhas de Mathurã terão a oportu
nidade. Elas estão esperando a chegada de Krsna, e hão de desfrutar Seu
doce rosto sorridente e hão de beber o mel deste rosto. Embora saibamos
que Krsna é muito constante e determinado, estamos ameaçadas de que
logo que Ele vir o belo rosto das mocinhas de Mathurã, Ele irá Se esquecer
de nós. Tememos que elas irão controlá-Lo e que assim Ele Se esquecerá
de nós, pois nós somos simples aldeãzinhas. Ele não será mais amável conosco.
Por esse motivo, não contamos com que Krsna regresse a Vrndãvana. Ele
não deixará a companhia das moças que vivem em Mathurã.”
As gopTs começaram a imaginar as grandes cerimônias na cidade de
Mathurã. Krsna atravessaria as ruas e as damas e mocinhas da cidade O
veríam das varandas de suas respectivas casas. A cidade de Mathurã
continha diferentes comunidades, conhecidas então como Dasãrha, Bhoja,
Andhaka e Sãtvata. Todas estas comunidades constituíam diferentes ramifi
cações da mesma família na qual Krsna aparecera, ã saber: a dinastia Yadu.
Eles também estavam esperando pela chegada de Krsna. Já se tinha descoberto
que Krsna, que é o descanso da deusa da fortuna e o reservatório de todo
o prazer e das qualidades transcendentais, iria visitar a cidade de Mathurã.
Então as gopis começaram a condenar as atividades de Akrura. Elas
declararam que Akrura estava levando Krsna, o qual, para elas, era mais
querido do que o mais querido e que era o prazer dos seus olhos. Akrura
O estava levanclo da vista sem as informar nem as consolar. Akrura não devia
ter sido tão desumano, mas devia ter tido compaixão por elas. As gopls
continuaram dizendo: “O que é mais surpreendente é que Krsna, o filho de
260 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
Krsna, com olhos que inspiravam compaixão. Krsna ficou muito comovido ao
ver a situação em que se encontravam as gopís, mas o. dever d*Ele era partir
para Mathurã, pois isto fora predito por Nãrada. Por esse motivo, Krsna
consolou as gopís. Ele lhes disse que elas não deviam se afligir; Ele ia voltar
muito breve, depois de terminar Seus negócios. Mas não foi possível persuadi-
las a se dispersarem. Contudo, a quadriga começou a dirigir-se para o lado
oeste, e enquanto prosseguia as mentes das gopís a seguiram tanto quanto
possível. Elas observaram a bandeira que havia na quadriga enquanto esta
esteve visível; finalmente a única coisa que podiam ver era a poeira da qua
driga à distância. As gopís não se moveram de seus lugares, senão que per
maneceram ali até que não foi mais possível ver a quadriga. Elas permaneceram
sem se mexer, como se fossem quadros pintados. Todas as gopís chegaram à
conclusão de que Krsna não iria regressar imediatamente, e assim voltaram
a seus respectivos lares com os corações grandemente desapontados. Como
estivessem muito perturbadas com a ausência de Krsna, elas simplesmente
pensavam todo dia e toda noite nos passatempos d*Ele e assim obtinham
alguma consolação.
Acompanhado por Akrura e Balarãma, o Senhor dirigiu a quadriga com
grande velocidade em direção à margem do Yamunã. Qualquer pessoa que sim
plesmente tome um banho no Yamunã pode diminuir as reações de suas ativi
dades pecaminosas. Tanto Krsna quanto Balarãma tomaram Seus banhos no
rio e lavaram os rostos. Depois de beberem a água transparente e cristalina do
Yamunã, Eles sentaram ^è novamente na quadriga. A quadriga se encontrava
debaixo da sombra de grandes árvores, e ali Se sentaram os dois irmãos.
Então Akrura pediu-Lhes permissão para também tomar banho no Yamunã.
De acordo com o ritual védico, depois que tomamos banho no rio, devemos
nos colocar pelo menos meio submersos e murmurar o mantra Gãyatri. De
repente, enquanto se encontrava no rio, Akrura viu tanto Balarãma quanto
Krsna dentro da água. E le‘ficou surpreso de vê-Los ali, porque estava certo
de que estavam sentados na quadriga. Confuso, ele saiu imediatamente da
água e foi ver onde estavam os meninos, ficando muito surpreso de ver que
estavam sentados na quadriga como antes. Quando Os viu na quadriga, ele
se pôs a perguntar se Os vira na água. Assim, ele voltou para o rio. Dessa
vez viu não apenas Balarãma e Krsna ali, mas também muitos dos semi-
deuses e todos os Siddhas, Cãranas e Gandharvas. Todos eles se encontravam
diante do Senhor, o qual estava deitado. Ele viu também a Sesa Nãga com
milhares de capelos. O Senhor Sesa Nãga estava coberto com roupas azuladas,
e os pescoços d’Ele eram completamente brancos. Os pescoços brancos de Sesa
Nãga pareciam exatamente com montanhas com o topo coberto de neve. No
colo curvado de Sesa Nãga, Akrura viu Krsna, sentado com muita sobriedade,
dotado de quatro mãos. Os olhos d’Ele eram como as pétalas avermelhadas da
262 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
flor de lótus.
Em outras palavras, após regressar, Akrüra viu Balarãma convertido em
Sesa Nãga e Krsna convertido em Mahã-Visnu. Ele viu a Suprema Personali
dade de Deus, dotado de quatro mãos, sorrindo com muito encanto. Ele
(Krsna) causava prazer a todos e olhava para todo mundo. Ele estava bonito
com o nariz afilado, a testa larga, as orelhas abertas e os lábios avermelhados.
Os braços d’Ele chegavam até os joelhos e tinham uma compleição muito
forte. Ele tinha os ombros altos, Seu peito era muito amplo e em forma de
búzio. Tinha um umbigo muito profundo, e Seu abdômen estava marcado com
três linhas. A cintura d ’Ele era ampla e grande, semelhante aos quadris de uma
mulher, e as coxas d ’Ele pareciam trombas de elefantes. As mitras partes das
pernas dTEle, as juntas e as extremidades inferiores, eram todas belíssimas, as
unhas dos pés d’Ele eram deslumbrantes, e os dedos dos pés d "Ele eram belos
como as pétalas da flor de lótus. 0 elmo d ’Ele estava decorado com jóias
muito valiosas. Em volta de Sua tintura Ele trazia um belo tinto, e por cima
do peito amplo usava um cordão sagrado. Tinha pulseiras nas mãos e braceletes
na parte superior dos braços. Usava sininhos nos tornozelos. Possuía uma
beleza deslumbrante e as palmas das mãos dE le eram como a flor de lótus. Ele
era ainda mais bonito com os diferentes emblemas do Visnu-mürti: o búzio, a
maça, o disco e a flor de lótus, os quais Ele segurava em Suas quatro mãos. O
peito d ’Ele estava marcado com os sinais particulares de Visnu e Ele usava
guirlandas de flores frescas. Considerando tudo isso, Ele era muito belo de
olhar. Akrüra também viu Sua Onipotência rodeado de associados íntimos tais
como os quatro KumzLras (Sanaka, Sanãtana, Sananda e Sanatkumãra), e
outros associados tais como Sunanda e Nanda, como também semideuses
tais como Brahmã e o Senhor Siva. Os nove sábios eruditos eminentes encon
travam-se ali, e devotos como Prahlãda e Nãrada estavam ocupados em ofere
cer orações ao Senhor, com corações limpos e palavras puras. Após ver a
Personalidade de Deus transcendental, Akrüra se encheu imediatamente de
grande devoção, sendo que todo o corpo dele tremia transcendentalmente.
Embora por hora estivesse confuso, ele manteve sua consciência limpa e
curvou sua cabeça perante o Senhor. Com as mãos postas e a voz hesitante, ele
se pôs a oferecer orações ao Senhor.
T
264 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
çao dos mlecchas, que estão abaixo da jurisdição dos princípios regulativos
védicos.
“Meu querido Senhor, Sua energia ilusória condiciona todo mundo que
vive neste mundo material. Sob a impressão da identificação falsa e da posse
falsa, todos transmigram de um corpo para outro no caminho das atividades
fruitivas e de suas reações. Meu querido Senhor, também não sou uma exceção
a estas almas condicionadas. Falsamente penso que sou feliz por possuir minha
casa, esposa, filhos, estado, propriedade e bens. Dessa maneira, atuo como se
estivesse numa terra de sonhos, porque nenhuma destas coisas é permanente.
Sou um tolo por estar sempre absorto em tais pensamentos, aceitando-os como
permanentes e verdadeiros. Meu querido Senhor, devido a minha identificação
falsa, tenho aceitado tudo que é impermanente, tal como este corpo material,
o qual não é espiritual e vem a ser a fonte de todas as espécies de condições
miseráveis. Por estar confuso com tais conceitos de vida, estou sempre absorto,
pensando na dualidade, e me esqueço de Você, que é o reservatório de todo
o prazer transcendental. Estou desprovido de Sua associação transcendental
e sou como uma criatura tola que vai procurar água no deserto, deixando
o lugar onde existe água, que está coberto por vegetais nutridos com água.
As almas condicionadas querem matar sua sede, mas não sabem onde encon
trar água. Elas abandonam o lugar onde existe realmente um reservatório
d’água e correm para o deserto, onde não há água. Meu querido Senhor,
sou completamente incapaz de controlar minha mente, que agora é guiada
pelos sentidos desenfreados e se sente atraída por atividades fruitivas e
pelos resultados delas. Meu querido Senhor, nenhuma pessoa que esteja
na fase condicionada da existência máterial é capaz de apreciar os Seus
pés de lótus, mas de uma forma ou outra eu me aproximei de Seus pés de
lótus, e considero que isto é Sua misericórdia sem causa para comigo. Você
pode atuar de qualquer maneira, porque Você é o controlador supremo.
Posso então compreender que quando uma pessoa se toma apta para ser
salva do caminho de nascimentos e mortes repetidos, é só por Sua miseri
córdia sem causa que ela progride mais, até se apegar a Seu serviço devo-
cional sem causa.”
Akrüra prostrou-se perante o Senhor e disse: “Meu querido Senhor,
Sua forma transcendental eterna é plena de conhecimento. Uma pessoa que
simplesmente concentra a mente em Sua forma pode compreender
com conhecimento total tudo que existe, porque Você é a fonte original
de todo o conhecimento. Você é o poderoso supremo, o qual possui todas
as espécies de energias. Você é o Brahman Supremo e a Pessoa Suprema,
o controlador supremo e o senhor das energias materiais. Ofereço-Lhe
minhas respeitosas reverências, porque Você é Vãsudeva, o lugar de
descanso de toda a criação. V ocê.é a Suprema Personalidade de Deus
Orações de Akrura 267
Por favor, não tente evitar-me; por favor, venha junto comigo, com Seu irmão
mais velho e Seus amigos pastorzinhos de vacas, e santifique a minha casa. Meu
querido Senhor, se Você vier, minha casa se santificara com a poeira de Seus
pés de lótus. A água que emana da transpiração de Seus pés de lótus, a saber: o
Ganges, purifica todo mundo, incluindo os antepassados, o deus do sol e todos
os outros semideuses. O rei Bali Mahãrãja se tornou famoso simplesmente por .
ter lavado os Seus pés de lótus, e todos os parentes dele alcançaram o planeta
celestial por ele ter entrado em contato com a água do Ganges. O próprio Bali
Mahãrãja desfrutou de todas as opulências materiais e mais tarde foi elevado â
mais elevada e exaltada posição de liberação. A água do Ganges não só santifi
ca os três mundos, mas também é levada sobre a cabeça do Senhor Siva. ô
Senhor Supremo de todos os senhores! ó senhor do universo!Ofereço-Lhe
minhas respeitosas reverências.”
Ao ouvir isto, Krsna, a Suprema Personalidade de Deus, respondeu:
“Akrüra, irei certamente a sua casa com Balarãma, Meu irmão mais velho, mas
só depois de matar todos os demônios que têm inveja da dinastia Yadu. Dessa
maneira, satisfarei todos os Meus parentes.” Embora ficasse um pouco
desapontado com essas palavras da Suprema Personalidade de Deus,
Akrüra não podia ignorar a ordem. Assim, ele entrou em Mathura e informou
Kaim>axa respeito da chegada de Krsna, e depois então, entrou em sua própria
casa.
Após a partida de Akrüra, o Senhor Krsna, Balarãma e os pastorzinhos de
vacas entraram em Mathura para ver a cidade. Eles observaram que o portão de
Mathura era feito de mármore de primeira classe, muito bem construído, e que
as portas eram feitas de ouro puro. Havia jardins deslumbrantes por toda a parte
e toda a cidade estava rodeada por canhões para que nenhum inimigo pudesse
entrar com facilidade. Eles viram que todos os cruzamentos das estradas esta
vam decorados com ouro. Havia muitas casas de homens ricos, as quais pare
ciam todas simétricas, como se um único engenheiro as tivesse construído. As
casas estavam decoradas com jóias caras, sendo que cada uma delas tinha belas
áreas com árvores, frutas e flores. Os jardins, os corredores e as varandas das
casas estavam decorados com tecidos de seda e bordados com jóias e pérolas.
Pombos e pavões andavam e arrulhavam na frente das janelas das varandas. To
das as lojas de negociantes de grãos que havia dentro da cidade estavam decora
das com diferentes tipos de flores e guirlandas, relva verdinha e rosas desabro-
chando. As portas centrais das casas estavam decoradas com cântaros cheios de
água, e por toda a parte se borrifara uma mistura de água com iogurte. Havia
flores decoradas com lâmpadas acesas de diferentes tamanhos, penduradas nas
portas, e havia também decorações de folhas verdes de mangas e de grinaldas
de seda em todas as portas das casas.
Quando se espalhou a notícia de que Krsna, Balarãma e os pastorzinhos
270 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
chame a atenção do Senhor, ele tem que servi-Lo com grande amor e devo
ção. Nenhuma outra ação além do serviço transcendental amoroso a Krsna
pode satisfazê-Lo. Pensando dessa maneira, o Senhor Krsna apertou os
pés da corcunda com os dedos dos pés d’Ele e, pegando nas bochechas dela
com os dedos dTEle, deu-lhe um puxão para endireitá-la. Imediatamente, a
corcunda tomou a aparência de uma bela moça esguia, com amplos quadris,
cintura fina e seios muito bonitos e bem formados. Já que Krsna estava
satisfeito com o serviço prestado pela corcunda, e já que as mãos de Krsna
tocaram nela, ela se tom ou a mais bela jovem entre as mulheres. Este inci
dente mostra que o devoto que serve a Krsna eleva-se imediatamente à
posição mais exaltada. Sob todos os pontos de vista, o serviço devocional
é tão potente que qualquer pessoa que o adota toma-se qualificada com
todas as qualidades divinas. Krsna Se sentiu atraído pela corcunda não
por causa da beleza dela,'m as sim por causa do serviço que ela prestou;
assim que ela prestou serviço, tomou-se imediatamente a mais bela das
mulheres. Uma pessoa consciente de Krsna não precisa ser competente,
nem bela; depois que se torna consciente de Krsna e que presta serviço
a Krsna, ela se torna muito competente e bela.
Quando a mulher se converteu numa mocinha delicadamente bela, pelo
favor de Krsna, ela se sentiu naturalmente muito obrigada para com Krsna,
e também se sentiu atraída pela beleza d^Ele. Sem hesitar, pegou da parte
traseira da roupa d Ele e começou a puxá-la para si. Ela sorriu galanteado -
ramente e admitiu que estava agitada, sentindo desejos luxuriosos. Esque
ceu-se de que se encontrava na rua e diante do irmão mais velho de Krsna
e dos amigos d’Este.
Ela propôs francamente a Krsna: “Meu querido herói, não posso deixá-Lo
desta maneira. Você tem que vir a minha casa. Já me sinto por demais
atraída por Sua beleza, e por isso tenho que recebê-Lo bem, pois entre os
varões Você é o melhor. Você também tem que ser muito amável comigo.” Em
palavras simples ela propôs que Krsna viesse até a casa dela e lhe satisfizesse os
desejos luxuriosos.
Naturalmente, Krsna Se sentiu um pouco embaraçado na frente de Bala-
rãma, Seu irmão mais velho, mas Ele sabia que a mocinha era simples e estava
sentindo-se atraída; por isso, Ele simplesmente riu das palavras dela. Olhando
em direção a Seus amigos, os pastorzinhos de vacas, Ele respondeu â mocinha;
“Minha querida e bela mocinha, estou muito satisfeito com seu convite, e
deverei ir a sua casa depois que terminar com o outro negócio que tenho a
fazer aqui. Uma mocinha bela como você é o único meio de consolo para uma
pessoa como Eu, pois estou longe de casa e não sou casado. Certamente, como
você é uma namorada adequada, você pode nos aliviar de todas as espécies de
276 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
agitação mental.” Desta maneira, Krsna satisfez a mocinha com palavras doces.
Ele a deixou ali e continuou a caminhar pela rua do mercado onde os cidadãos
estavam prontos para recebê-Lo com diversos tipos de presentes, especialmente
nozes de betei, flores e sândalo.
Os homens mercantis que se encontravam no mercado adoraram Krsna
e Balarãma com grande respeito. Quando Krsna passava pela rua, todas
as mulheres nas casas circunjacentes vinham vê-Lo, e algumas das mulheres
mais jovens quase desmaiavam, sentindo-se cativadas pela beleza d*Ele. O
cabelo e a roupa justa delas se soltavam, e elas se esqueciam de onde se
encontravam.
A seguir, Krsna perguntou aos cidadãos a respeito da área onde se encon
trava o lugar do sacrifício. Kamsa tinha tomado providências para a execução
do sacrifício chamado Dhanur-yajna, e havia colocado um grande arco perto
do altar sacrificial para designar este sacrifício particular. O arco era muito
grande e maravilhoso e semelhava o arco-íris do céu. Muitos policiais e vigias
empregados do rei Kamsa protegiam este arco dentro da arena sacrificial.
Quando Krsna e Balarãma se aproximaram do arco, avisaram-Nos de que não
Se aproximassem mais, porém Krsna ignorou este aviso. Ele prosseguiu ener
gicamente e pegou o grande arco imediatamente com Sua mão esquerda. Após
esticar a còrda do arco na presença da multidão, Ele o puxou e quebrou-o no
meio em duas partes, exatamente como um elefante quebra a cana-de-açúcar
no campo. Todas as pessoas presentes apreciaram o poder de Krsna. O som do
arco a quebrar encheu tanto o céu quanto a terra e foi ouvido por Kamsa.
Quando foi informado do que acontecera, Kamsa começou a temer por sua
vida. A pessoa encarregada de tomar conta do arco, que se encontrava perto a
vigiar, ficou muito irada. Esta pessoa mandou que seus homens tomassem das
armas, e pôs-se a correr em direção a Krsna gritando: “Prendam-Noí Matem-
No! Matem-No!” Krsna e Balarãma estavam cercados. Quando viram os
movimentos ameaçadores dos guardas, Eles Se irritaram, ao que começaram a
surrar todos os homens do guarda, tomando dos dois pedaços do arco
quebrado. Enquanto esta agitação continuava, Kamsa mandou um pequeno
grupo de tropas para ajudar aos guardas, mas tanto Krsna quanto Balarãma
lutaram com eles também e os mataram.
Depois disso, Krsna não prosseguiu em direção à arena sacrificial, saindo,
isso sim, do portão e caminhando em direção ao acampamento de descanso
d ’Eles. Pelo caminho, Ele visitou diversos lugares na cidade de Mathurã, com
grande deleite. Vendo as atividades e a intrepidez maravilhosa de Krsna, todos
os cidadãos de Mathurã começaram a considerar que os dois irmãos eram
semideuses que haviam descido até Mathurã, e todos eles olharam para Eles
com grande admiração. Os dois irmãos perambulavam à vontade pela rua, sem
ligar para a lei e a ordem de Kamsa.
Krsna quebra o aico na arena sacrificíal 277
o cidadão que atua desta maneira alcança todas as espécies de boa fortuna.
Uma pessoa que não dá importância para atuar obedientemente torna-se
infeliz por causa da ira do rei. Vocês são pastorzinhos de vacas, e ouvimos
falar que Vocês Se divertem lutando um com o outro enquanto tomam conta
de Suas vacas na floresta. Por isso, esperamos que Vocês Se juntem a nós
na luta, para que todas as pessoas aqui presentes, juntamente com o rei,
fiquem satisfeitas.”
Krsna compreendeu imediatamente o objetivo das declarações de Cãnüra,
ao que Se preparou para lutar com ele. Mas levando em consideração o tempo
e as circunstâncias, Ele falou como se segue: “Você é o súdito do rei de Bhoja
e vive na selva. Indiretamente Nós também somos súditos dele, e tentamos
satisfazê-lo tanto quanto possível. A oferta desta luta é um grande favor da
parte dele, mas o fato é que Nós somos simples meninos. Às vezes brincamos
na floresta de Vrndãvana com Nossos amigos que têm a mesma idade que Nós.
Achamos que é bom para Nós lutar com pessoas que tenham a mesma idade
e a mesma força, mas não seria bom para a audiência que lutássemos com
grandes lutadores como vocês. Isto contradiría os princípios religiosos delas.”
Assim Krsna indicou que os fortes e famosos lutadores não deviam desafiar
Krsna e Balãrãma para lutar.
Em resposta a isto, Cãnüra disse: “Meu caro Krsna, podemos compreen
der que Você não é nem uma criança nem um jovem. Você é transcendental
a todos, assim como Balarãma, Seu irmão mais velho. Você já matou o elefan
te Kuvalayãplda, que era capaz de lutar e derrotar outros elefantes. Você o
matou duma forma maravilhosa. Por causa de Sua força, convém que Você
compita com os mais fortes'lutadores que há entre nós. Por isso, eu desejo
lutar com Você; e Balarãma, Seu irmão mais velho, lutará com Mustika.”
luta não são muito iluminadas; por isso, quer falem, quer fiquem caladas, elas
estão se sujeitando às reações de atividades pecaminosas.” “Mas meus queridos
amigos” , falou outra pessoa na assembléia, “olhem só para o rosto de Krsna.
Ele tem o rosto suado de perseguir Seu inimigo, e o rosto d ’Ele parece com a
• flor de lótus com gotas d ’água. E vocês repararam como o rosto do Senhor
Balarama cstácspecialmcnte bonito? O rosto branco d’Ele tomou um matiz aver
melhado porque Ele está ocupado numa sessão de luta violenta com Mustika.”
As damas presentes na assembléia também se dirigiram umas às outras.
“Queridas amigas, imaginem só quão afortunada é a terra de Vrndãvana, onde
está presente a própria Suprema Personalidade de Deus, enfeitado sempre com
guirlandas de flores e ocupado em cuidar das vacas juntamente com o Senhor
Balarama, o irmão d*Ele. Os Seus amigos, os pastorzinhos de vacas, sempre O
acompanham, e Ele toca Sua flauta transcendental. Os residentes de Vrndãvana
têm a fortuna de poderem ver os pés de lótus de-Krsna e Balarama constante
mente, pés que são adorados por grandes semideuses, tais como o Senhor Siva
e Brahmã e a deusa da fortuna. Não podemos avaiiar o número de atividades
piedosas que as donzelas de Vrajabhümi executaram para que pudessem des
frutar da Suprema Personalidade de Deus e olhar para a beleza incomparável
do corpo transcendental d ’Ele. A beleza do Senhor é incomparável. Não há
ninguém que seja superior ou igual a Ele em beleza e compleição, ou de
brilho corpóreo. Krsna e Balarama são o reservatório de todas as espécies de
opulência — a saber: riqueza, força, beleza, fama, conhecimento e renúncia.
As gopls são tão afortunadas que podem ver Krsna e pensar n*Ele vinte e
quatro horas por dia, começando da hora em que ordenham as vacas, ou de
bulham o arroz com casca, ou batem a manteiga pela manhã. Enquanto se
dedicam a limpar suas casas e a lavar os pisos, estão sempre absortas, pen
sando em Krsna.”
As gopls dão um exemplo perfeito de como podemos executar a cons
ciência de Krsna, mesmo que tenhamos diferentes tipos de ocupações mate
riais. Uma pessoa que está constantemente absorta, pensando em Krsna, não
pode ser afetada pela contaminação de atividades materiais. Por isso, as
gopls estão perfeitamente em transe, samãdhi, a fase perfeccional mais ele
vada do poder místico. No Bhagavad-gítã se confirma que dentre todos os
tipos de yogis, aquele que pensa constantemente em Krsna é um yogi de pri
meira classe. “Minhas queridas amigas” , disse uma dama a outra, “temos que
aceitar que as atividades das gopls são a forma mais elevada de piedade; se não,
como poderíam elas ter conseguido a oportunidade de ver Krsna tanto pela
manhã, quando Ele vai para o campo de pastagem com Suas vacas e amigos
pastorzinhos de vacas, quanto à noite, quando Ele regressa? Elas O vêem fre-
qüentemente, tocando Sua flauta e sorrindo brilhantemente.”
Quando o Senhor Krsna, a Superalma de todos os seres vivos, compreendeu
A morte de Karhsa 285
que as damas na assembléia estavam ansiosas acerca dTsle, Ele decidiu não
continuar lutando, mas sim matar os lutadores imediatamente. Os pais de
Krsna e Balarãma, a saber: Nanda Mahãrãja, Yasodã, Vasudeva e DevakT,
também estavam muito ansiosos, porque não conheciam a força ilimitada
de seus filhos, O Senhor Balarãma estava lutando com o lutador Mustika,
da mesma forma que Krsna, a Suprema Personalidade de Deus, estava lutando
com Cãnüra. 0 Senhor Krsna pareceu ser cruel com Cãnüra, e imediatamente
deu-lhe três sopapos com o punho. Para o espanto da audiência, o grande luta
dor estava abalado. Então Cãnüra aproveitou sua última oportunidade e ata-*
cou Krsna, assim como um falcão cai sobre outro. Com as duas mãos fecha
das, começou a dar socos no peito de Krsna, mas o Senhor Krspa nem de leve
Se perturbou, assim como um elefante que é atingido por uma guirlanda de
flores. Krsna agarrou as duas mãos de Cãnüra rapidamente e começou a rodá-
lo à volta, e com esta simples ação centrifuga Cãnüra perdeu sua vida. Depois
então Krsna atirou-o ao solo. Cãnüra caiu como a bandeira de Indra, e todos
os ornamentos bem decorados dele estavam espalhados para lá e para cá.
Mustika também deu pancadas em Balarãma, e Balarãma retribuiu as
pancadas com grande força. Mustika começou a tremer, e de sua boca correu
sangue e vômito. Aflito, ele abandonou a sua força vital e caiu como uma
árvore cai durante um ciclone. Depois que os dois lutadores foram mortos,
um lutador chamado Küta se apresentou. O Senhor Balarãma agarrou-o
imediatamente com a Sua mão esquerda e matou-o com um ar de
indiferença. Outro lutador chamado Sala se apresentou, ao que Krsna
chutou-o imediatamente e partiu-lhe a cabeça. Outro lutador chamado
Tosala apresentou-se e foi morto da mesma maneira. Assim, Krsna
e Balarãma mataram todos os grandes lutadores, e os lutadores restantes
puseram-se a fugir da assembléia, temendo por suas vidas. Todos os
amigos pastorzinhos de vacas de Krsna e Balarãma aproximaram-se
d ’Eles e felicitaram-Nos com grande prazer. Enquanto batiam tambores
e conversavam sobre a vitória, os sininhos de perna, nos pés de Krsna
e Balarãma, tilintavam.
Todas as pessoas ali reunidas começaram a bater palmas com grande
êxtase, e não seria possível avaliar os limites do seu prazer. Os brãhmanas
presentes puseram-se a louvar Krsna e Balarãma extaticamente. Karhsa era
o único que estava taciturno; ele nem batia palmas, nem abençoava Krsna.
Kamsa ressentiu-se de que tivessem tocado os tambores pela vitória
de Krsna, e lamentou muito pelo fato dos lutadores terem sido mortos e terem
fugido da assembléia. Por isso, mandou que parassem imediatamente de tocar
tambor e pôs-se a falar com seus amigos como se segue: “Ordeno que esses
dois filhos de Vasudeva sejam afastados imediatamente de Mathurã. Vocês
286 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
Deus é completamente bom, qualquer pessoa que pense nTíle, seja como um
inimigo seja como um amigo, obtém a liberação. Porém, a liberação do devoto
e a liberação do inimigo não são iguais. De um modo geral, o inimigo obtem
a liberação de sãyufya, sendo que às vezes obtém a liberação sãrüpya.
Kamsa teve oito irmãos, encabeçados por Kanka. Todos estes irmãos
eram mais novos que Kamsa; quando souberam que o irmão mais velho deles
tinha sido morto, eles .se juntaram e, com grande ira, se precipitaram em
direção a Krsna para matá-Lo. Kamsa e seus irmãos eram todos tios maternos
de Krsna. Todos eles eram irmãos de Devakl, a mãe de Krsna. Quando Krsna
matou Kamsa, Ele matou Seu tio materno, o que vai de encontro á regulação
da injunção védica. Embora Krsna seja independente de todas as injunções
védicas, Ele só viola a injunção védica em circunstâncias inevitáveis. Ninguém
além de Krsna poderia ter matado Kamsa; por isso, Krsna foi obrigado a matá-
lo. Quanto aos oito irmãos de Kamsa, Balarãma Se encarregou de matá-los.
Rohini, a mãe de Balarãma, não era irmã de Kamsa, embora fosse esposa de
Vasudeva; por isso, Balarãma Se encarregou de matar todos os oito irmãos
de Kamsa. Imediatamente Ele tomou de uma arma disponível, mais prova
velmente o dente do elefante que levava conSigo, e matou os oito irmãos um
após o outro, assim como um leão mata um bando de veados. Krsna e
Balarãma confirmaram assim a declaração de que a Suprema Personalidade
de Deus aparece para dar proteção aos piedosos e para matar os demônios
• impiedosos, que são sempre inimigos dos semideuses.
Os semideuses dos sistemas planetários superiores começaram a lançar
flores, felicitando Krsna e Balarãma. Entre os semideuses encontravam-se
personalidades poderosas como o Senhor Brahmã e Siva, que se juntaram
todos para manifestar o júbilo que sentiam com a morte de Kamsa. Dos
planetas celestiais, os semideuses tocavam tambores e lançavam flores, e as
esposas começaram a dançar em êxtase.
As esposas de Kamsa e de seus oito irmãos se afligiram por causa das
mortes repentinas de seus esposos, e todas elas estavam dando pancadas nas
testas e vertendo torrentes de lágrimas.
Estavam chorando muito alto e abraçando os corpos de seus esposos.
As esposas de Kamsa e de seus irmãos puseram-sc a lamentar, falando para os
cadáveres: “Nossos queridos esposos, vocês são tão amáveis e são os protetores
de seus dependentes. Agora, depois que vocês morreram, nós também estamos
mortas, juntamente com seus lares e filhos. Já não estamos parecendo muito
prósperas. Por causa da morte de vocês, as cerimônias auspiciosas que iriam
acontecer, tais como o sacrifício do arco, estão completamcnte prejudicadas.
Nossos queridos esposos, vocês trataram mal a pessoas que eram impecáveis, e
como resultado foram mortos. Isto é inevitável, porque uma pessoa que
atormenta uma pessoa inocente deve ser punida pelas leis da natureza.
288 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
governasse porque Eles eram súditos dele (de Mahãrãja Ugrasena). A palavra
prajã é usada tanto no sentido de progênie quanto no sentido de cidadãos, de
modo que Krsna pertencia ao prajã, tanto como um neto de Mahãrãja
Ugrasena, quanto como um membro da dinastia Yadu. Ele aceitou voluntaria
mente o poder de Mahãrãja Ugrasena. Krsna disse a Ugrasena: “Os reis da
dinastia Yadu não se revoltarão contra o trono porque foram amaldiçoados
pelo Yayãti. Para Nós será um prazer servi-lo como seus servos. A plena
cooperação que Nós vamos lhe dar tornará sua posição mais exaltada e segura,
de modo que os reis de outras dinastias não hesitarão em pagar suas respecti
vas rendas. Como Nós o protegeremos, até os semideuses dos planetas celes
tiais hão de honrá-lo. Meu querido avô, por temor a Meu falecido tio Kamsa,
todos os reis pertencentes à dinastia Yadu, à dinastia Vrsni, à dinastia
Andhaka, à dinastia Madhu, à dinastia Dasãrha e à dinastia Kukura estavam
muito ansiosos e perturbados. Agora o senhor pode pacificar a todos e
garantir-lhes segurança. Todo o reino estará em paz.”
Todos os reis da área vizinha tinham deixado seus lares, com receio
de Kamsa, e estavam vivendo em partes distantes do pais. Agora, após a
morte de Kamsa e o restabelecimento de Ugrasena como rei, os reis vizinhos
receberam presentes e confortos de todas as espécies. Depois então, regressa
ram a seus lares respectivos. Após este bom arranjo político, os cidadãos de
Mathurã estavam satisfeitos de estarem vivendo em Mathurã, pois estavam
sendo protegidos pelos fortes braços de Krsna e Balarãma. Por causa do bom
govemo, na presença de Krsna e Balarãma, os habitantes de Mathurã sentiam
completa satisfação na realização de todos os seus desejos e necessidades
materiais, e como viam Krsna e Balarãma de forma direta, diariamente,
esqueceram-se logo e completamente de todas as misérias materiais. Quando
viam Krsna e Balarãma saindo na rua, vestidos tão bem e sorrindo e olhando
para cá e para lá, os cidadãos se enchiam imediatamente de êxtase amoroso,
simplesmente por verem a presença pessoal de Mukunda, Mukunda se refere
à pessoa que pode outorgar liberação e bem-aventurança transcendental. A
presença de Krsna atuava como um tônico tão vitalizante que não somente a
geração mais nova, mas até mesmo os homens idosos de Mathurã, fortificavam-
se completamente com energia e força jovens, por verem-No regularmente.
Nanda Mahãrãja e Yaíodã também estavam vivendo em Mathurã porque
Krsna e Balarãma Se encontravam ali, mas após algum tempo eles quiseram
regressar a Vrndãvana. Krsna e Balarãma foram ter com Nanda e Yasodã e
abraçaram-nos com muito sentimento e afeição. Krsna pôs-Se a falar como se
segue: “Meus queridos pai e mãe, embora Eu tenha nascido de Vasudeva e
DevakT, vocês têm sido os Nossos pai e mãe verdadeiros, porque desde Nosso
nascimento e Nossa infância vocês Nos criaram com grande afeição e amor. O
amor afetuoso que vocês Nos ofereceram foi maior do que o amor que uma
292 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
pessoa pode oferecer a seus próprios filhos. Vocês são realmente Nossos pai e
mãe, porque Nos criaram como seus próprios filhos, no momento em que Nós
estávamos vivendo como se fôssemos órfãos. Por certos motivos Nossos pai e
mãe Nos rejeitaram, e vocês Nos protegeram. Meus queridos pai e mãe, sei que
vocês sentirão separação se regressarem a Vrndãvana e Nos deixarem aqui, mas,
por favor, estejam certos de que regressarei a Vrndãvana assim que der alguma
satisfação a Meus pai e mãe verdadeiros (Vasudeva e DevakT), a Meu avô e a
outros parentes e membros familiares." Krsna e Balarama satisfizeram Nanda e
Yasodã com palavras doces e presentearam-nos com diversas roupas, ornamen
tos e utensílios, feitos com decência. Krsna e Balarama satisfizeram Nanda e
Yas'odã, juntamente com os amigos e vizinhos destes, que tinham vindo com
eles de Vrndãvana para Mathurã, tão completamente quanto possível. Nanda
Mahãrãja sentiu que caíram lágrimas de seus olhos por causa de sua excessiva
afeição paterna por Balarãina e Krsna; ele Os abraçou e partiu com os pastores
de vacas para Vrndãvana.
Depois disto, Vasudeva providenciou para que seu filho fosse iniciado
com o cordão sagrado, como prova do segundo nascimento, que é essencial
para as castas superiores da sociedade humana. Vasudeva mandou chamar o
sacerdote de sua família e brãhmanas eruditos, e assim a cerimônia do cordão
sagrado de Krsna e Balarama foi devidamente executada. Durante esta
cerimônia, Vasudeva deu diversos ornamentos em caridade aos brãhmanas e
dotou-os com vacas enfeitadas com roupas de seda e ornamentos dourados.
Anteriormente, na época do nascimento de Krsna e Balarama, Vasudeva tinha
querido dar vacas em caridade aos brãhmanas, mas como Karhsa o havia
prendido ele só conseguiu fazer isto mentalmente. Com a morte de Kamsa,
Vasudeva deu vacas de verdade aos brãhmanas. Aí então Balarama e Krsna
foram devidamente iniciados com a cerimônia do cordão sagrado, e repetiram
o canto do mantra GãyatrT. Após a cerimônia do cordão sagrado, o mantra
Gãyatri é oferecido aos discípulos, e Balarama e Krsna cumpriram
devidamente as funções do cantar deste mantra. Qualquer pessoa que executa
o cantar deste mantra tem que se manter fiel a certos princípios e votos.
Embora Balarama e Krsna fossem ambos personalidades transcendentais, Eles
seguiam estritamente os princípios regulativos. Ambos foram iniciados por
Gargãcãrya, o sacerdote da família d*Elcs, conhecido geralmente como
Gargamuni, o ãcãrya da dinastia Yadu. Segundo a cultura védica, toda pessoa
respeitável tem um ãcãrya, ou mestre espiritual. Uma pessoa que não tenha
sido iniciada, nem instruída por um ãcãrya, não é considerada perfeitamente
culta. Por isso se diz que aquele que tenha se aproximado de um ãcãrya tem
realmente conhecimento perfeito. O Senhor Krsna e Balarama são a Suprema
Personalidade de Deus, o mestre de toda a educação e conhecimento. Não era
necessário que Eles aceitassem um mestre espiritual, ou ãcãrya; não obstante, a
Krsna recupera o filho de Seu mestre 293
voltar da casa de Seu mestre, Krsna ficou satisfeito de ver Uddhava, o qual era
o Seu mais querido amigo. Krsna queria enviar Uddhava até Vrndãvana, com
uma mensagem para os residentes, a fim de apaziguar o profundo sentimento
de separação destes.
Como se declara no Bhagavad-gitã, ye yathã mãm prapadyante: Krsna é
muito responsivo. Ele corresponde, em proporção, ao avanço que o devoto
tenha feito em serviço devocional. As gopis pensavam em Krsna, sentindo se
paração d ’Ele vinte e quatro horas por dia. Krsna também pensava sempre nas
gopis, em mãe Yasodã, em Nanda Mahãrãja e nos residentes de Vrndãvana,
muito embora parecesse estar separado deles. Krsna podia compreender o
quanto eles estavam transcendentalmente aflitos, e por isso quis enviar
Uddhava imediatamente, para que este lhes desse uma mensagem de consolo.
Descreve-se que Uddhava é a mais exaltada personalidade da dinastia
Vrsni, quase à altura de Krsna. Ele era um grande amigo de Krsna, e como era
discípulo direto de Brhaspati, o mestre e sacerdote dos planetas celestiais, ele
era muito inteligente e arguto em suas decisões. Considerando do ponto de
vista intelectual, ele era altamente competente. Como era um amigo muito
amoroso de Uddhava, Krsna quis enviá-lo até Vrndãvana justamente para ele
poder estudar o serviço devocional extático e altamente elevado praticado ali.
Mesmo que uma pessoa tenha uma educação material muito elevada e mesmo
que seja discípulo de Brhaspati, ainda assim ela tem que aprender com as
gopis e com os residentes de Vrndãvana a como amar Krsna até o ponto mais
elevado. Krsna concedeu um favor especial a Uddhava quando o enviou para
Vrndãvana, portando uma mensagem, com o objetivo de pacificar os residentes
de Vrndãvana.
Um dos nomes do Senhor Krsna é Hari, que significa Aquele que afasta
toda a aflição das almas rendidas. O Senhor Caitanya declara que jamais pode
rá haver uma adoração tão exaltada quanto a adoração realizada pelas gopis.
Como estivesse muito ansioso acerca da aflição das gopis, Krsna conversou
com Uddhava e pediu-lhe polidamente que fosse até Vrndãvana. Krsna cumpri
mentou Uddhava, apertando-lhe as mãos com Suas próprias mãos, e disse: “Meu
querido e gentil amigo Uddhava, por favor, vá imediatamente a Vrndãvana e
tente pacificar Meu pai e Minha mãe, Nanda Mahãiãja e Yasodãdevl, e as
gopis. Eles estão demasiadamente dominados pela dor, como se estivessem so
frendo de grandes padecimentos. Vá e dê-lhes uma mensagem. Espero que as
dores deles sejam parcialmente mitigadas. As gopis estão sempre absortas
pensando em Mim. Elas têm dedicado o corpo, o desejo, a vida e a alma a Mim.
Sinto-Me ansioso não somente pelas gopis, mas também por qualquer pessoa
que sacrifica a sociedade, a amizade, o amor e os confortos pessoais por Minha
causa. É Meu dever proteger tais devotos exaltados. As gopis Me são muito
queridas. Elas estão sempre pensando em Mim de tal maneira que permanecem
Uddhava visita Vrndavana 301
confusas e quase que mortas de ansiedade por causa da separação que sentem
de Mim. Elas se mantêm vivas simplesmente porque pensam que brevemente
regressarei para elas.”
Logo depois de receber este pedido do Senhor Krsna, Uddhava partiu em
sua quadriga, levando consigo a mensagem para Gokula. Ele se aproximou de
Vrndãvana durante o crepúsculo no momento em que as vacas regressavam
ao lar, provenientes do pasto. Uddhava e sua quadriga estavam cobertos com a
poeira levantada pelos cascos das vacas. Ele viu que havia touros correndo atrás
das vacas para acasalar-se; havia outras vacas que estavam com os úberes exces
sivamente carregados e corriam atrás dos bezerros para enchê-los de leite.
Uddhava viu que toda a terra de Vrndãvana estava cheia de vacas brancas com
seus bezerros. Por toda a Gokula se viam vacas correndo para aqui e para lá, e
ele pôde ouvir o som da ordenha. Todas as casas residenciais em Vrndãvana
estavam decoradas para a adoração ao deus do sol e ao deus do fogo e para a
recepção aos convidados, às vacas, aos brãhmanas e aos semideuses. Todos os
lares estavam iluminados com luz e incenso, dispostos para a santificação. Por
toda a Vrndãvana havia belas guirlandas de flores, pássaros voando e o zumbi
do das abelhas. Os lagos estavam cheios de flores de lótus e dc patos e cisnes.
Uddhava entrou na casa de Nanda Mahãrãja e foi recebido como um
representante de Vãsudeva. Nanda Mahãrãja ofereceu-lhe um lugar para sentar-
se e sentou-se com ele para perguntar-lhe a respeito das notfeias de Krsna,
Balarãma e outros membros da família em Mathurã. Ele podia compreender
que Uddhava era um amigo muito confidencial de Krsna e que por isso devia
ter vindo com boas noticias. “Meu querido Uddhava, como vai levando a vida
o meu amigo Vasudeva? Ele foi solto da prisão dc Karhsa e agora se encontra
com os amigos e os filhos, Krsna e Balarãma. De modo que deve estar muito
feliz. Diga-me como está ele e como vai de saúde. Também nos sentimos muito
felizes de que Kariisa, o mais pecaminoso dos demônios, esteja morto agora.
Ele sempre teve inveja da família dos Yadus, de seus amigos e seus parentes.
Por causa de suas atividades pecaminosas, agora ele está morto e se foi, junta
mente com todos os seus irmãos.”
“Por favor, diga-nos agora se Krsna Se lembra de Seu pai, Sua mãe, Seus
amigos e companheiros que vivem em Vrndãvana. Por acaso Ele gosta de Se
lembrar de Suas vacas, de Suas gopTs, de Sua Colina de Govardhana, de Seu
pasto em Vrndãvana? Ou será que agora Ele Se esqueceu dc todas estas coisas?
Há alguma possibilidade de que Ele volte para Seus amigos e parentes, de
modo que possamos ver novamente o belo rosto d "Ele com o nariz arrebitado e
os olhos de lótus? Lembramo-nos de como Ele nos salvou do incêndio na
floresta, de como .nos salvou da grande serpente Kãliya, no Yamunã, de como
nos salvou de tantos outros demônios, e simplesmente pensamos o quanto Lhe
somos gratos por nos ter dado proteção em tantas situações perigosas. Meu
302 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
querido Uddhava, quando pensamos no belo rosto e nos belos olhos de Krsna e
nas diferentes atividades que Ele executou aqui em Vrndãvana, ficamos tão
confusos que todas as nossas atividades param. Ficamos simplesmente pensan
do em Krsna, no modo como Ele costumava sorrir e no modo como olhava
■para nós. Quando vamos às margens do Yamunã e a outros lagos de
Vrndãvana, ou próximo da Colina de Govardhana, ou do campo de pastagem,
vemos que as impressões das pegadas de Krsna ainda se encontram na superfí
cie da terra. Lembramo-nos de quando Ele tocava nesses lugares, porque Ele os
visitava constantemente. Quando a aparição d Fie se manifesta dentro de
nossas mentes, imediatamente nos absorvemos pensando nFle.
“Por esse motivo, achamos que Krsna e Balarãma devem ser os principais
semideuses que há no céu, os quais apareceram diante de nós como meninos
comuns a fim de executar deveres particulares na Terra. Gargamuni também
predisse a mesma coisa quando fazia o horóscopo de Krsna. Se Krsna não
fosse uma grande personalidade, como podería Ele ter matado Kamsa, o qual
tinha a força de dez mil elefantes? Além de Kamsa, Ele matou muitos lutado
res fortes, como também Kuvalayãplda, o elefante gigante. Ele matou todos
estes animais e demônios assim como um leão mata um animal comum. Como
é maravilhoso que Krsna tenha tomado com uma mão o grande e pesado arco
feito de três palmeiras juntas e o tenha quebrado rapidamente jComo é mara
vilhoso que por sete dias seguidos Ele tenha levantado a Colina de Govardhana
com uma única mão! Como é maravilhoso que tenha matado todos os demô
nios, tais como Pralambãsura, Dhenukãsura, Aristãsura, Trnãvarta e Bakãsural
Esses demônios eram tão fortes que até os semideuses que se encontram nos
planetas celestiais tinham medo deles; porém, Krsna os matou tão facilmente
como se não tivesse feito nada.”
à medida que descrevia as atividades incomuns de Krsna perante
Uddhava, Nanda Maliãrãja foi gradualmente ficando confuso e acabou não
conseguindo falar mais. Quanto à mãe Yas'odã, ela se sentou ao lado de seu
esposo e ouviu os passatempos de Krsna, sem falar. Simplesmente chorava
incessantemente, e de seus seios vazava leite. Quando Uddhava viu Mahãrãja
Nanda e Yasodã tão extraordinariamente dominados, pensando em Krsna, a
Suprema Personalidade de Deus, e quando experimentou o afeto extraordiná
rio que cies tinham por Krsna, ele também se sentiu dominado e começou a
fuiar-como se segue: “Meus queridos mãe Yasodã e Nanda Mahãrãja, vocês são
os mais respeitáveis dos seres humanos, porque não há ninguém além de voces
que possa meditar com tal êxtase transcendental.”
Tanto Balarãma quanto Krsna são as Personalidades de Deus originais,
dos quais emana a manifestação cósmica. Eles são as personalidades princi
pais entre todas as personalidades. Ambos são a causa efetiva desta criação
material. A natureza material é conduzida pelas encarnações punisa, as quais
Uddhava visita Vrndãvana 303
toda a parte e no coração de todo mundo, assim como o fogo está presente na
madeira. Uma vez que Krsna é a Superalma, ninguém é inimigo d The, ninguém
é amigo d ’Ele, ninguém é igual a Ele e ninguém é superior ou inferior a Ele. Na
realidade, Ele não tem pai, mãe, irmão, nem parente, nem tampouco necessita
de sociedade, amizade e amor. Ele não tem um corpo material; jamais aparece,
nem nasce como um ser humano comum. Ele não aparece nas espécies de vida
.inferiores, ou superiores, como as entidades vivas comuns, as quais são força
das a nascer por causa de suas atividades anteriores. Ele aparece por intermédio
de Sua potência interna, simplesmente para dar proteção ao devoto d The. Os
modos da natureza material jamais O influenciam, mas quando Ele aparece
neste mundo material, parece que atua como uma entidade viva comum, sob o
encantamento! dos modos da natureza material. De fato, Ele é o supervisor
desta criação material e não Se afeta com os modos materiais da natureza. Ele
cria, mantém e dissolve toda a manifestação cósmica. Pensamos erradamente
que Krsna e Balarãma são seres humanos comuns. Somos como homens tontos
que veem o mundo inteiro girando à volta deles mesmos. A Personalidade de
Deus não é filho de ninguém; na realidade, Ele é o pai, a mãe e o controlador
supremo de todo mundo. Não há dúvida quanto a isto. Tudo que seja experi
mentado, tudo que já exista, tudo que não exista, tudo que existirá no futuro,
tudo que seja o menor e tudo que seja o maior —nenhuma dessas coisas exis
te separadamente da Suprema Personalidade de Deus. Tudo descansa nThe,
mas Ele está fora do contato de todas as coisas manifestas.”
Assim, Nanda e Uddhava passaram toda a noite conversando sobre Krsna.
Pela manhã, as gopls prepararam-se para o ãrãtrika matutino, acendendo suas
lamparinas e borrifando manteiga misturada'com iogurte. Após acabarem com
seu mangala-ãmtrika, elas se dedicaram a bater manteiga do iogurte. Enquanto
as gopls estavam assim ocupadas, as lamparinas refletidas nos ornamentos delas
iluminaram-se mais ainda. O bastão de bater manteiga, os braços delas, os brin
cos delas, os braceletes delas, os seios delas — tudo se mexia, e o pó de
kuhkuma dava-lhes aos rostos um brilho açafroado, comparável ao sol nascen
te. Além disso, elas cantavam as glórias de Krsna enquanto batiam a manteiga.
As duas vibrações sonoras se misturavam, ascendiam aos céus e santificavam
toda a atmosfera. Como de costume, após o nascer do sol as gopls vieram
oferecer seus respeitos a Nanda Mahãrãja e Yasodã, mas quando viram a qua
driga dourada de Uddhava à porta," elas começaram a se perguntar. Que quadri
ga era aquela e a quem pertencia? Algumas se perguntaram se Akrüra, o qual
havia roubado Krsna, voltara novamente. Elas não estavam muito satisfeitas
com Akrüra porque este levara Krsna para a cidade de Mathurã, a serviço de
Kamsa. Todas as gopls conjeturaram que Akrüra devia ter vindo outra vez para
levar a cabo um outro plano cruel. No entanto, pensaram: “Agora somos cadá
veres sem o nosso senhor supremo, Krsna.- Que outro ato poderá ele perpetrar
Uddhava visita Vrndãvana 305
Quando viram Uddhava, as gopís observaram que ele tinha feições quase
que exatamente semelhantes às feições de Krsna, c puderam compreender que
ele era um grande devoto de Krsna. Uddhava tinha mãos muito longas c seus
braços eram como as pétalas da flor de lótus, listava vestido com roupas de cor
amarela e usava uma guirlanda de flores de lótus. O rosto dele era muito boni
to. Como alcançara a liberação de sarupya e como tivesse as mesmas feições
corpórcas que o Senhor, Uddhava era quase como Krsna. Na ausência de
Krsna, as gopís tinham se habituado a visitar respeitosamente a casa de mãe
Yasoda de manhã cedo. Elas sabiam que Nanda Maharaja e mãe Yasoda esta
vam sempre dominados pela dor, de modo que haviam decidido que seria o
primeiro dever delas vir prestar seus respeitos às mais exaltadas personalida
des idosas de Vrndavana. Quando viam as amigas de Krsna, Nanda e Yasoda
lembravam-se do próprio Krsna c ficavam satisfeitos, e as gopís também fica
vam satisfeitas quando viam Nanda e Yasoda.
Quando viram que Uddhava representava Krsna até mesmo em suas
feições corpórcas, as gopís julgaram que ele devia ser uma alma totalmcnte
rendida à Suprema Personalidade de Deus. Elas puseram-se a contemplar:
“Quem é este rapaz que parece exatamente com Krsna? Ele tem os mesmos
olhos semelhantes a pétalas de lótus, o mesmo nariz arrebitado e o mesmo
rosto belo, e ri da mesma maneira. Sob todos os aspectos ele se assemelha a
Krsna, Syamasundara, o belo menino negro. Está até vestido exatamente cofno
Krsna. De onde vem este rapaz? Quem é a mocinha afortunada que o tem por
esposo?” Assim conversaram elas entre si. Estavam muito ansiosas por saber
quem era ele, e como fossem simples aldeãs sem sofisticação, rodearam
Uddhava.
Uddhava entrega a mensagem de Krsna às gopis 307
Krsna e pôs-Se a falar com ele da seguinte maneira: “Abelhão, você está habi
tuado a beber o mel das flores, e por isso preferiu ser um mensageiro de Krsna,
o qual tem a mesma natureza que você. Vejo em seus bigodes o pó vermelho
de kunkuma que manchou a guirlanda de flores de Krsna enquanto Este com
primia o seio de alguma outra mocinha que é Minha rival. Você está se sentin
do muito orgulhoso de ter tocado nessa flor, e seus bigodes ficaram vermelhos.
Você chegou aqui trazendo uma mensagem para Mim e está ansioso por tocar
em Meus pés. Mas meu caro abelhão, deixe-me preveni-lo: não Me toque ÍNão
quero nenhuma mensagem de seu senhor inconstante. Você é o servo incons
tante de um senhor inconstante.” Pode ser que SrTmatT RãdhãrãnT tenha Se di
rigido propositadamente a esse abelhão em tom de sarcasmo, a fim de criticar
o mensageiro Uddhava. Indiretamente, Snmatl RãdhãrãnT considerava que
Uddhava não só possuía feições corpóreas semelhantes às de Krsna, mas tam
bém que ele era igual a Krsna. Dessa maneira, Elâ indicou que Uddhava era tão
inconstante quanto o próprio Krsna. Srlmati RãdhãrãnT quis dar os motivos
específicos por que Ela estava insatisfeita com Krsna e os mensageiros dTBle.
Assim falou Ela ao abelhão: “O seu senhor Krsna tem exatamente a
mesma qualidade que você. Você pousa numa flor, e depois de tirar um pouco
de mel dela, voa imediatamente e pousa em outra flor para saborear o mel.
Você é igualzinho a seu senhor Krsna. Ele nos deu a oportunidade de saborear
o contato com os lábios d ’Ele e depois nos deixou de todo. Sei também que
LaksmT, a deusa da fortuna, a qual se encontra sempre no meio da flor de
lótus.está constantemente ocupada no serviço a Krsna. Porém, não sei por que
ela se tornou tão cativada por Krsna. Embora conheça o verdadeiro caráter
d ’Ele, está apegada a Ele. Quanto a nós, somos mais inteligentes que esta deusa
da fortuna. Não vamos mais nos deixar enganar por Krsna, nem pelos mensa
geiros dTTle."
Segundo a opinião perita, LaksmT, a deusa da fortuna, é uma expansão
subordinada de SrTmatT RãdhãrãnT. Assim como Krsna tem numerosas.expan
sões de Vlmu-mürtis, da mesma forma RãdhãrãnT, a potência de prazer d ’Ele,
também tem inumeráveis expansões de deusas da fortuna. Por esse motivo,
LaksmijT, a deusa da fortuna, está sempre ansiosa por ser elevada à posição das
gopis. ‘
árlm atl RãdhãrãnT continuou: “Seu abelhão tolo, você está tentando'Me
satisfazer e obter uma recompensa, cantando as glórias de Krsna. Mas esta é
uma tentativa inútil. Estamos privadas de todas as nossas posses. Estamos
longe de nossos lares e nossas famílias. Sabemos muito bem quem é Krsna.
Sabemos até mais que você. Assim, tudo que você criar a respeito d ’Ele será
coisa do passado para nós. Agora Krsna Se encontra na cidade e é mais co
nhecido como o amigo de Arjuna. Agora Ele tem muitas namoradas novas, e
não resta dúvida de que elas estão muito felizes associadas com Ele. Como
Uddhava entrega a mensagem de Krsna às gopis 309
Krsna tem satisfeito a sensação de luxúria que lhes queima os seios, agora elas
estão felizes. Se você for até lá e glorificar Krsna, talvez elas se dignem recom
pensá-lo. Você está simplesmente tentando Me apaziguar com seu comporta
mento de lisonjeador, c por isso pôs sua cabeça sob Meus pés. Mas conheço a
peça que você está tentando pregar. Sei que você é um mensageiro enviado por
um grande trapaceiro, Krsna. Por isso, por favor, deixe-Me.
“Posso compreender que você tem muita habilidade em reunir duas pes
soas brigadas, mas ao mesmo tempo saiba que não posso confiar em você, nem
tampouco em seu senhor Krsna. Abandonamos nossas famílias, nossos esposos,
nossos filhos e parentes unicamente por causa de Krsna, e mesmo assim Ele
não sentiu nenhuma obrigação em troca. Ele nos deixou perdidas. Você acha
que poderemos confiar n’Ele outra vez? Sabemos que Krsna não pode ficar
muito tempo sem Se associar com jovens mulheres. Esta é a natureza dTSle.
Ele está tendo dificuldade em Mathurã porque não está mais na aldeia, entre
inocentes pastorzinhos de vacas. Ele está na sociedade .aristocrática e deve
estar sentindo dificuldade para fazer amizade com as mocinhas. Talvez você
tenha vindo aqui para angariar votos novamente ou para levar-nos para lá. Mas
por que haveria Krsna de esperar que nós fôssemos até lá? Ele tem muita habi
lidade para seduzir todas as outras mocinhas, não apenas em Vrndãvana, ou em
Mathurã, mas também em todo o universo. O sorriso maravilhosamente encan
tador d’Ele é tão atrativo e o movimento das sobrancelhas dTde é tão belo que
Ele pode chamar por qualquer mulher dos planetas celestiais, intermediários
ou plutônicos. Mahã-Laksmi, a maior de todas as deusas da fortuna, também
anseia por prestar-Lhe algum serviço. Que somos nós em comparação com
todas estas mulheres do universo? Somos muito insignificantes.
“Krsna faz propaganda de Si Mesmo dizendo que é muito magnânimo, e
os grandes santos O louvam. As qualificações d*Elc poderíam ser utilizadas per-
feitamente se ao menos Ele tivesse misericórdia de nós, porque Ele nos opri
miu e nos desprezou. Ó pobre mensageiro, você não passa de um servo pouco
inteligente. Você não sabe muita coisa a respeito de Krsna, o quanto Ele tem
sido ingrato e sem coração, não apenas nesta vida, mas também em Suas vidas
anteriores. Paurnamãsi, nossa avó, nos contou tudo a respeito dessas coisas.
Ela nos contou que, antes deste nascimento, Krsna nasceu numa família
ksatriya e era conhecido como Rãmacandra. Neste nascimento, Ele matou
Vãli, um inimigo do amigo d *Ele, tal qual um caçador, em vez de matá-lo à
maneira de um ksatriya. Um caçador se esconde num lugar seguro e então
mata um animal sem enfrentá-lo. Assim, como estava representando o papel
de um ksatriya, o Senhor Rãmacandra devia ter lutado face a face com Vãli;
porém, instigado por Seu amigo, matou-o por detrás de uma árvore. Desse
modo, Ele Se desviou dos princípios religiosos prescritos para um ksatriya.
Além disso, Ele estava tão atraído pela beleza de Sltã que converteu Sürpa-
310 Krsna, a Supiema Personalidade de Deus
tomando cada vez mais luxuriosas por nos associar com Ele; por isso, peço-lhe
que não fale mais de Krsna;”
Esta conversa de Rãdhãrãnl com o mensageiro abelhão e a acusação que
Ela fez contra Krsna, e, ao mesmo tempo, a incapacidade que Ela tinha de
deixar de conversar sobre Ele, são sintomas do mais elevado êxtase transcen
dental, chamado mahãbhãva, A manifestação extática mahabhãva só é possível
na pessoa de Rãdhãrãnl e na pessoa das associadas dTSla. Grandes ãçãryas
como Srlla Rüpa Gosvãml e Visvanãtha CakravartI Thãkura tem analisado
estes discursos mahãbhãva de SrimatI Rãdhãrãnl, e descrevem os diferentes
sentimentos como, por exemplo, uclghürnã (desnorteamento) e jalpapratijalpa
(conversar de diferentes maneiras). Encontramos em Rãdhãrãnl a ciência do
ujjala, ou a mais brilhante das jóias, ou amor a Deus. Enquanto Rãdhãrãnl
conversava com a abelha e a abelha voava daqui para ali, de repente esta
desapareceu da vista dT31at Ela andava numa melancolia completa por causa da
separação que sentia de Krsna e estava sentindo êxtase com a conversa que
estava tendo com a abelha. Mas logo que a abelha desapareceu, Ela quase
enlouqueceu, pensando que a abelha mensageira tinha regressado para infor
mar a Krsna sobre tudo que Ela (Rãdhãrãnl) falara contra Ele. “Krsna deve ter
ficado muito triste ao ouvir isto”, pensou Ela. Dessa maneira, Ela Se viu
superdominada por um outro tipo de êxtase.
Entrementes, a abelha, voando daqui para ali, apareceu outra vez perante
Ela. Ela pensou: “Krsna ainda é amável coMigo. Apesar do mensageiro ter-Lhe
transmitido mensagens disruptivas, Ele é tão amável que enviou a abelha outra
vez para que esta Me leve até Ele.” Dessa vez Srlmatl Rãdhãrãnl teve muito
cuidado para não dizer nada contra Krsna. “Seja bem-vinda, Minha querida
amiga”, disse Ela. “Krsna é tão amável que enviou você de volta. Krsna é tão
amável e afetuoso coMigo que, afortunadamente, enviou você de volta, apesar
de você ter transmitido Minha mensagem contra Ele. Minha querida amiga,
pode Me pedir o que quiser: Hei de dar-lhe qualquer coisa porque você é tão
amável coMigo. Você veio para levar-Me até Krsna, porque Ele não pode vir
aqui. Em Mathurã, Ele está rodeado por novas namoradas. Mas você é uma
criatura minúscula. Como poderá você Me levar até lá? Como poderá você Me
ajudar a encontrar Krsna enquanto Ele estiver descansando juntamente com a
deusa da fortuna e a abraçando contra o peito? Não importa. É melhor que
nos esqueçamos de todas estas coisas a respeito de Minha ida para lá, ou de Eu
enviá-la lá. Por favor, diga-Me como Krsna está passando em Mathurã. Diga-Me
se Ele ainda Se lembra de Nanda Mahãrãja, o pai adotivo dTSle, de Yas'odã, a
afetuosa mãe dTEle, dos pastorzinhos de vacas, os amigos d*Ele, e das pobres
amigas d*Ele como nós, as gopls. Estou certa de que às vezes Ele deve cantar
sobre nós. Nós O servimos tal qual criadas, sem nenhum pagamento. Haverá
alguma possibilidade de que Krsna volte novamente e nos envolva com Seus
312 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
Quando Uddhava disse que trazia uma mensagem de Krsnai as gopis fica
ram mais interessadas em ouvir a mensagem do que em ouvir falar na posição
exaltada delas. Elas não gostaram muito de serem louvadas por sua posição
elevada. Mostraram a ansiedade que estavam sentindo por ouvir a mensagem
que Uddhava trouxera de Krsna. Uddhava disse: “Minhas caras gopis, fui
especialmente delegado para trazer-lhes esta mensagem. Krsna enviou-me
especificamente até vocês, que são devotas tão grandiosas e gentis, porque eu
sou o mais confidencial dos servos dTSle.”
Uddhava transmitiu às gopis a mensagem escrita que trouxera de Krsna,
porém leu-a pessoalmente. A mensagem foi escrita com muita gravidade, para
que não somente as gopis, mas também todos os filósofos empíricos, compre
endessem que o amor puro a Deus se integra intrinsicamente a todas as diferen
tes energias do Senhor Supremo. Segundo a informação védica, compreende-se
que o Senhor Supremo tem energias múltiplas: parãsya saktir vividhaiva
srüyate. Álém disso, as gopis eram amigas pessoais tão íntimas de Krsna que
Este ficou muito comovido enquanto escrevia a mensagem para elas, e não
conseguiu escrever com clareza. Como era discípulo de Brhaspati, Uddhava
tinha uma inteligência muito aguda, de modo que em vez de entregar a mensa
gem escrita, ele julgou atilado lê-la pessoalmente e explicá-la a elas.
Uddhava continuou: “Estas são as palavras da Personalidade de Deus.
‘Minhas queridas gopis, Minhas queridas amigas, saibam, por favor, que a se
paração entre nós é impossível em qualquer tempo, em qualquer lugar ou sob
quaisquer circunstâncias, porque Eu sou todopenetrante.’ ”
Esta todopenetrâneia de Krsna é explicada no Bhagavad-gitã, tanto no
Nono quanto no Sétimo Capítulos. Krsna é todopenetrante em Seu aspecto
impessoal; tudo descansa nTile, porém Ele não Se encontra presente pessoal
mente em toda a parte. No Sétimo Capítulo também se declara que os cinco
elementos grosseiros: a terra, a água, o fogo, o ar e o céu, e os três elementos
sutis: a mente, a inteligência e o ego, são todos energias inferiores d ’Ele.
Porém, há uma outra energia, a energia superior, que se chama entidade viva'.
As entidades vivas também são diretamente partes integrantes de Krsna. Por
tanto, Krsna é a fonte tanto da energia material quanto da energia espiritual.
Ele está sempre misturado com todas as coisas como a causa e o efeito. Não
somente as gopis, mas também todas as entidades vivas estão sempre insepa-
ravelmente ligadas a Krsna em todas as circunstâncias. Contudo, as gopis
cooperam perfeita e completamente na relação que têm com Krsna, enquan
to que as entidades vivas que estão sob o encanto de mãyã estão esquecidas
de Krsna. Elas se consideram identidades separadas que não têm ligação algu
ma com Krsna;
O amor a Krsna, ou a consciência de Krsna, é portanto a fase perfeccional
de conhecimento verdadeiro para se compreender as coisas como elas são.
314 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
Nossas mentes não podem jamais estar vazias. A mente está constantemente
ocupada com algum tipo de pensamento, e o tema de tal pensamento não pode
estar fora dos oito elementos da energia de Krsna. Aquele que conhece este as
pecto filosófico de todos os pensamentos é realmente um sábio, e se entrega a
Krsna. As gopís constituem o exemplo típico desta fase perfeccional de conhe
cimento. Elas não são simples especuladores mentais. As mentes delas estão
sempre em Krsna. A mente nada mais é que a energia de Krsna. Na realidade,
qualquer pessoa que possa pensar, sentir, atuar e desejar não pode estar separa
da de Krsna. Porém, a fase na qual ela pode compreender sua relação eterna
com Krsna chama-se consciência de Krsna. 0 estado doentio no qual ela não
é capaz de compreender sua relação eterna com Krsna é a fase contaminada,
ou mãyã. Uma vez que as gopls estão na plataforma de conhecimento trans
cendental puro, as mentes delas estão sempre cheias de consciência de Krsna.
Por exemplo: assim como entre o fogo e o ar não há separação, da mesma for
ma, entre Krsna e as entidades vivas não existe separação. Quando as entidades
vivas se esquecem de Krsna, elas não se encontram em seu estado normal.
Quanto às gopís, elas estão na fase absoluta de perfeição em conhecimento
porque estão sempre pensando em Krsna. Às vezes os assim chamados filóso
fos empíricos pensam que o caminho de bhakti destina-se às pessoas pouco
inteligentes; mas a menos que o assim chamado homem de conhecimento che
gue à plataforma de bhakti, por certo o conhecimento dele é impuro e imper
feito. Na realidade, a fase em que aperfeiçoamos nossa relação eterna com
Krsna é a fase do amor em separação. Mas isto também é ilusório, porque
nao existe separação alguma. As gopís jamais estiveram separadas de Krsna.
Mesmo considerando-se do ponto de vista filosófico, não houve separação
alguma.
A manifestação cósmica também não está separada de Krsna. “Não há
nada separado de Mim; toda a manifestação cósmica descansa em Mim e não
está separada de Mim. Eu existia antes da criação.” Isto está confirmado na li
teratura védica: antes da criação, somente Nãrãyana existia. Não havia Brahmã,
nem havia Siva para ajudá-Lo. Toda a manifestação cósmica é manipulada
pelos três modos da natureza material. Brahmã é a encarnação da qualidade da
paixão. Diz-se que Brahmã criou este universo, porém Brahmã é o criador se
cundário; o criador original é Nãrãyana. Sahkarãcãxya também confirma isto:
nãrãyanah paro ’vyaktãt. Nãrãyana é transcendental, Ele está além desta cria
ção cósmica.
Krsna cria, mantém e aniquila toda a manifestação cósmica expandindo-
Se em diferentes encarnações. Tudo é Krsna e tudo depende de Krsna, mas não
se pode percebê-Lo na energia material. A energia material chama-se mãyã, ou
ilusão. Entretanto, na energia espiritual pode-se perceber Krsna a cada passo,
em todas as circunstâncias. Esta fase perfeccional de compreensão está presen
Uddhava entrega a mensagem de Kisna às gopis 315
prazer. Todas nós sabemos destas coisas, mas para nós é muito difícil abando
nar a esperança de que'Krsna voltará outra vez. Quem pode se esquecer de uma
conversa solitária com Krsna, sobre cujo peito a deusa da fortuna sempre
permanece, apesar de Krsna não a desejar? Meu caro Uddhava, Vrndãvana é a
terra dos rios, florestas e vacas. Aqui se ouve a vibração da flauta, e Krsna,
juntamente com Srl Balarãma, Seu irmão mais velho, desfrutaram a atmosfera
em nossa companhia. Assim é que o ambiente de Vrndãvana nos faz lembrar
constantemente de Krsna e Balarãma. A impressão das pegadas dTle encon
tra-se na terra de Vrndãvana, que é a residência da deusa da fortuna; porém,
tais sinais não podem nos ajudar a conseguir Krsna.”
As gopis expressaram ainda que, além do mais, Vrndãvana estava cheia de
toda a opulência e de toda a boa fortuna; quanto às necessidades materiais, em
Vrndãvana não havia escassez nem carência alguma; mas apesar de tal opulên
cia, elas não conseguiam se esquecer de Krsna e Balarãma.
“Lembramo-nos constantemente de diversos aspectos atrativos do belo
Krsna: o andar, o sorriso e os gracejos d ’Ele. Todas nós nos perdemos com as
relações que tivemos com Krsna, e para nós é impossível esquecê-Lo. Estamos
sempre orando para Ele, exclamando: ‘Querido Senhor, querido esposo da
deusa da fortuna, querido Senhor de Vrndãvana e salvador dos devotos aflitos!
Agora estamos caídas e mergulhadas num oceano de aflição. Por isso, por fa
vor, volte outra vez para Vrndãvana e nos liberte desta condição lamentável.”
Uddhava estudou minuciosamente o estado anormal transcendental das
gopTs na separação que elas sentiam de Krsna, e julgou sensato repetir todos os
passatempos de Srl Krsna várias vezes. As pessoas materialistas estão sempre
num estado ardente por causa do fogo ardente das misérias materiais. As gopis
também estavam queimando num fogo ardente transcendental, devido à sepa
ração de Krsna. Entretanto, o fogo ardente que exasperava as gopis é diferente
do fogo do mundo material. As gopTs queriam associar-se constantemente com
Krsna, enquanto que a pessoa materialista quer a vantagem dos confortos ma
teriais.
Visvanãtha CakravartT Thãkura declara que Krsna salvou os pastorzinhos
de vacas do ardente incêndio na floresta no raio de um segundo —enquanto os
olhos destes estavam fechados. Similarmente, Uddhava avisou as gopis de que
elas poderíam se salvar do fogo da separação se fechassem os olhos e meditas
sem nas atividades de Krsna desde o momento em que começaram a se associar
com Ele. Por fora, as gopis eram capazes de visualizar todos os passatempos de
Krsna quando ouviam as descrições de Uddhava, e por dentro elas conseguiam
se lembrar desses passatempos. Com a instrução de Uddhava, as gopis puderam
compreender que Krsna não estava separado delas. Assim como estavam pen
sando constantemente em Krsna, Krsna também estava pensando constante
mente nelas enquanto Se encontrava em Mathurã.
Uddhava entrega a mensagem de Krsna às gopls 319
Uddhava se sentiu atraído pela atitude das gopls porque elas estavam
completamente apegadas a Krsna, e a ansiedade das gopls por Krsna o. inspi
rou. Ele começou a oferecer-lhes suas respeitosas reverências e compôs as se
guintes canções, louvando as qualidades transcendentais delas: “Entre todas as
entidades vivas que tenham aceitado a forma humana de vida, as gopls são
super bem sucedidas na missão delas, Elas têm o pensamento completamente,
absorto nos pés de lótus de Krsna. Há grandes sábios e pessoas santas que tam
bém estão tentando absorver-se meditando nos pés dè lótus de Krsna, que é o
próprio Mukunda, Aquele que dá a liberação; contudo, por terem aceitado o
Senhor amorosamente, as gopls estão automaticamente acostumadas com este
hábito. Elas não dependem de nenhuma prática ióguica. A conclusão é que
uma pessoa que tenha alcançado a condição de vida das gopls não precisa nas
cer como o Senhor Brahmi, nem nascer numa família brãhniana, nem ser ini
ciada como um brãhmana
SrT Uddhava confirmou a declaração que o Senhor Krsna faz no
Bhagavad-gltõ; aquele que se refugiar n ’Ele com a intenção certa, seja ele um
sudra, ou mais baixo que um sudra, alcançará o mais elevado objetivo da vida.
As gopls estabeleceram o padrão de devoção para todo o mundo. Uma pessoa
que seguir os passos das gopls, pensando constantemente em Krsna, poderá al
cançar a fase perfeccional mais elevada da vida espiritual. As gopls não haviam
nascido de nenhuma família aitamente culta; elas nasceram de pastores de va
cas, e não obstante desenvolveram o mais elevado amor por Krsna. Para alcan
çarmos a auto-realização, ou a realização de Deus, não é necessário que nasça
mos numa família elevada. A única coisa necessária é o desenvolvimento extá
tico do amor a Deus. Para que alcancemos a perfeição na consciência de Krsna,
não necessitamos de nenhuma outra qualificação além. de estarmos constante
mente ocupados no serviço amoroso a Krsna. Krsna é o néctar supremo, o re
servatório de todo o prazer. O efeito de se adotar a consciência de Krsna é
como o efeito de se beber néctar; o processo atuará, quer saibamos, quer não.
O princípio ativo da consciência de Krsna manifestar-se-á em toda a parte. Não
importa como e onde tenhamos nascido. Não resta dúvida de que Krsna have-
■rá de conceder Sua bênção a qualquer pessoa que adotar a consciência de
Krsna. Apesar das gopls terem nascido na família de pastores de vacas, a bên
ção suprema que elas alcançaram jamais fora alcançada nem sequer pela pró
pria deusa da fortuna, e certamente também não fora alcançada pelos habitan
tes do céu, embora estes tenham corpos com formas semelhantes a lótus. As
gopls são tão afortunadas que Krsna as abraçou pessoalmente com Seus braços
durante a rãsa-lílã. Krsna as beijou face a face. Certamente não é possível nos
três mundos que nenhuma mulher, exceto as gopls, consiga isto.
Uddhava apreciou a posição exaltada das gopls e desejou cair ao chão
para pôr a poeira dos pés delas sobre sua cabeça. Contudo, não ousou pedir às
Uddhava entrega a mensagem de Krsna às gopls 321
gopls que oferecessem a poeira dos pés delas; talvez elas não concordassem.
Portanto, ele desejou passar a poeira dos pés das gopls em sua cabeça sem que
elas soubessem. Ele desejou tornar-se apenas um insignificante pedaço de rel
va ou ervas na terra de Vrndãvana.
As gopls se sentiam tão atraídas a Krsna que quando ouviram a vibração
da flauta d ’Ele deixaram imediatamente suas famílias, filhos, honra e timidez
feminina para correrem até o lugar onde Krsna Se encontrava. Elas não consi
deraram se estavam passando pela estrada ou através das selvas. Imperceptivel-
mente, a poeira dos pés delas foi outorgada a pequenas relvas e ervas de Vrndã
vana. Como não ousasse pôr a poeira dos pés das gopls sobre sua própria cabe
ça, Uddhava aspirou a nascer no futuro na posição de um pedaço de relva e er
vas. Aí então ele conseguiría ter a poeira dos pés das gopls.
Uddhava apreciou a fortuna extraordinária das gopls, que se libertaram
de todas as espécies de contaminação material ao colocarem sobre seus belos e
altos seios os pés de lótus de Krsna, que são adorados não só pela deusa da for
tuna, mas também por semideuses exaltados, tais como Brahmã e o Senhor
Siva, e nos quais grandes yogls meditam dentro de seus corações. Assim,
Uddhava desejou ser capaz de orar constantemente para poder ser honrado
com a poeira dos pés de lótus das gopls. O cantar dos passatempos transcen
dentais do Senhor Krsna feito pelas gopls tornou-se famoso em todos os três
mundos.
Após ter vivido em Vrndãvana por alguns dias, Uddhava desejou voltar
para Krsna, e pediu a Nanda Mahãrãja e a Yasodã permissão para partir. Ele
teve um encontro de despedida com as gopls, e após pedir permissão a elas
também, montou em sua quadriga e partiu para Mathurã.
Quando Uddhava estava prestes a partir, todos os habitantes de Vrndã
vana, encabeçados por Mahãrãja Nanda e Yasodã, vieram dar-lhe adeus e pre
sentearam-no com diversos tipos de artigos valiosos obtidos em Vrndãvana.
Eles exprimiram seus sentimentos com lágrimas nos olhos, devido ao intenso
apego a Krsna. Todos eles desejavam ser abençoados por Uddhava. Eles deseja
vam lembrar-se sempre das atividades gloriosas de Krsna e queriam que suas
mentes estivessem sempre fixas nos pés de lótus dTUe, que suas palavras esti-
vesssem sempre ocupadas a glorificar Krsna e que seus corpos estivessem sem-*
pre ocupados prostrando-se perante Ele e lembrando-se constantemente d ’Ele.
Esta oração dos habitantes de Vrndãvana constitui o tipo superexcelente
de auto-realização. O método é muito simples: fixar a mente sempre nos pés de
lótus de Krsna, falar sempre de Krsna sem mudar para nenhum outro assunto e
ocupar o corpo no serviço a Krsna constantemente. Nesta forma de vida hu
mana, em especial, devemos ocupar nossas vidas, nossos recursos, palavras e
inteligência no serviço ao Senhor. Atividades desse tipo podem apenas elevar
um ser humano ao nível mais alto de perfeição. Este é o veredito de todas as
autoridades.
322 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
Por dias a fio, Krsna ouviu Uddhava contando todos os detalhes de sua vi
sita a Vmdãvana, sobre o estado de Seu pai e de Sua mãe, e sobre as gopís e os
pastorzinhos de vacas. O Senhor Krsna ficou plenamente satisfeito de que
Uddhava fora capaz de consolá-los por intermédio de suas instruções e da men
sagem que se lhes transmitiu.
Nessa ocasião o Senhor Krsna decidiu ir até a casa de Kubjã, a mulher
corcunda que 0 havia satisfeito, oferecendo-Lhe sândalo quando Ele entrava
na cidade de Mathurã. Como se declara no Bhagavad-gitã, Krsna sempre tenta
satisfazer Seus devotos, ao passo que os devotos tentam satisfazer Krsna.
Assim como os devotos sempre pensam em Krsna no íntimo deles, da mesma
forma Krsna pensa em Seus devotos no íntimo d^Ele. Quando Kubjã foi con
vertida nüma bela moça da sociedade, ela quis que Krsna viesse até a casa
dela para que pudesse tentar recebê-Lo e adorá-Lo a sua própria maneira. Ge
ralmente as moças da sociedade tentam satisfazer seus clientes oferecendo-lhes
os corpos para eles desfrutarem. Mas esta moça da sociedade, Kubjã, sentiu-sc
realmente cativada por uma luxúria de satisfazer seus sentidos com Krsna.
Certamente Krsna não teve desejo de satisfazer Seus sentidos quando desejou
ir até a casa de Kubjã. Kubjã já havia satisfeito os sentidos de Krsna ao Lhev
fornecer a polpa de sândalo Sob o pretexto de satisfazer os sentidos dela, Ele
decidiu ir até a casa dela, não rcalmente para satisfazer os sentidos, mas sim
para convertê-la numa devota pura. Krsna é sempre servido por muitas milha
res de deusas da fortuna; portanto, Ele não precisa Se dirigir até uma moça da
sociedade para satisfazer Seus sentidos. Porém, como é amável com todo mun
do, Ele decidiu ir até lá. Diz-se que a lua não retira seu brilho do pátio de uma
pessoa desonesta. Similarmente, a misericórdia transcendental de Krsna jamais
■
324 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
é negada a ninguém, quer a pessoa tenha Lhe prestado serviço através da luxú-
ria, da ira, do temor ou do amor puro, No Caitanya-caritãmrta se declara que
se um devoto quiser servir a Krsna e ao mesmo tempo quiser satisfazer seus
próprios desejos luxuriosos, Krsna vai manejar as coisas de modo que este de
voto se esqueça de seu desejo luxurioso.e se purifique completamente, ocU-
pando-se constantemente no serviço ào Senhor,
Krsna foi à casa de Kubjã juntamente com Uddhava, a fim de cumprir a
promessa que fizera no passado, Quando chegou à casa dela, Krsna viu que a
casa estava completamente enfeitada, de modo a excitar os desejos luxuriosos
de um homem. Isto sugere que havia muitos quadros de nus, sobre os quais
havia dosséis e bandeiras bordadas com colares de pedras, além de camas con
fortáveis e cadeiras almofadadas. Os quartos estavam providos com guirlandas
de flores e estavam bem perfumados com incenso e borrifados com água perfu
mada; além disso, estavam iluminados com belas lâmpadas. Quando Kubjã viu
que o Senhor Krsna viera até a casa dela a fim de cumprir com a promessa que
fizera de que a visitaria, ela levantou-se imediatamente da cadeira para vir rece-
bê-Lo. Acompanhada por suas muitas amigas, ela pôs-se a conversar com Ele
com grande respeito e honra. Após oferecer um lugar confortável para o Se
nhor Krsna sentar-Se, ela O adorou duma forma que convinha exatamente à
posição dela. Uddhava foi recebido de forma similar por Kubjã e suas amigas,
mas como não se encontrava ao mesmo nível que Krsna, ele simplesmente
sentou-se no solo.
Sem perder mais tempo, como se faz em situações assim, Krsna entrou no
quarto de dormir de Kubjã. Entrementes, Kubjã tomou seu banho e passou
polpa de sândalo em seu corpo. Ela se vestiu com roupas bonitas, jóias valiosas,
ornamentos e guirlandas de flores, e se apresentou perante Krsna a mastigar
noz de betei e outros comestíveis inebriantes e a se borrifar com perfumes. En
quanto se encontrava graciosamente diante do Senhor Krsna, o qual é conheci
do como Madhava, o esposo da deusa da fortuna, seu olhar sorridente e seus
olhos vivos estavam cheios de timidez feminina. Quando percebeu que Kubjã
hesitava em se aproximar d’Ele, Krsna imediatamente agarrou-lhe a mão, a
qual estava decorada com braceletes. Com grande afeto, Ele a puxou para Si e
^fê-la sentar-se ao lado d’Eie. Pelo simples fato de anteriormente ter oferecido
polpa de sândalo a Krsna, o Senhor Supremo, Kubjã livrou-se de todas as rea
ções pecaminosas e tornou-se apta para desfrutar com Ele. Então ela pegou os
pés de lótus de Krsna e colocou-os sobre seus seios, que queimavam com o fo
go ardente da luxúria. Ao cheirar afragrância dos pés de lótus de Krsna, ela se
libertou imediataménte de todos os desejos luxuriosos. Deste modo, Krsna
permitiu que ela O abraçasse com os dois braços e mitigasse assim-o desejo há
muito acalentado de ter Krsna como visitante de sua casa.
Krsna satisfaz Seus devotos 325
afetuoso quanto Você é com Seus devotos, quem é que sera tolo ao ponto de
negar tornar-se um devoto Seu? Em toda a literatura védica se declara que
Você é o mais querido amigo de todas as entidades vivas. Isto está confirmado
no Bhagavad-gítã: suhrdam sarva-bhütãnãm. Você é a Suprema Personalidade
de Deus, completamente capaz de satisfazer os desejos de Seus devotos. Você 6
o verdadeiro amigo de todo mundo. Apesar de Se dar a Seus devotos, Você
jamais Se esgota de Sua potência original. Sua potência não diminui, nem au
menta em volume.
“Meu querido Senhor, até mesmo os grandes yogTs místicos e semideuses
têm muita dificuldade em verificar Seu movimento. Eles não são capazes de se
aproximar de Você, e não obstante, por Sua misericórdia sem causa, Você con
sentiu amavelmente em vir até minha casa. Este é o momento mais auspicioso
na viagem de minha existência material. Unicamente por Sua graça posso com
preender que minha casa, minha esposa, meus filhos e minhas posses mundanas
são todos diferentes laços à existência material. Por favor, corte o nó e salve-
me deste enredamento de sociedade, amizade e amor falsos.”
0 Senhor Srl Krsna ficou muito satisfeito com as orações que Akrura Lhe
ofereceu. O sorriso d ’Eie cativava Akrura cada vez mais. O Senhor respondeu-
lhe como se segue: “Meu querido Akrura, apesar de sua submissão, considero
que você é Meu superior, que você está ao nível de Meu pai, de Meu mestre e
de Meu mais benquerente amigo. Por isso, você é digno de Minha adoração, e
uma vez que você é Meu tio, você sempre há de Me proteger. Desejo que você
Me mantenha porque sou um de seus próprios filhos. Afora esta relação filial,
você haverá de ser adorado sempre. Qualquer pessoa que deseje boa fortuna
deve oferecer suas respeitosas reverências a personalidades como você. Você é
superior aos semideuses. As pessoas adoram os semideuses quando necessitam
de alguma gratificação dos sentidos; os semideuses oferecem bênçãos aos de
votos deles depois que estes os adoram. Mas um devoto como Akrura está sem
pre pronto a oferecer a maior bênção às pessoas. Uma pessoa santa ou um de
voto tem liberdade para oferecer bênçãos a todo mundo, ao passo que os semi
deuses só podem oferecer bênçãos depois que são adorados. Só podemos tirar
proveito do lugar de peregrinação depois que chegamos lá. Demora muito tem
po para que uma pessoa satisfaça um desejo se ela adora um semideus particu
lar; mas as pessoas santas como você, Meu caro Akrura, podem satisfazer ime
diatamente todos os desejos dos devotos. Meu querido Akrura, você é sempre
nosso amigo e bem-querente. Você está sempre disposto a atuar para o nosso
bem-estar. Por isso, por favor, vá até Hastinãpura e veja o que arranjaram para
os Pãndavas.”
Krsna estava muito ansioso por receber notícias dos filhos de Pãndu, por
que estes haviam perdido seu pai quando ainda eram muito jovens. Como é
muito amigável com Seus devotos, Krsna estava ansioso por receber noticias de
Krsna satisfaz Seus devotos 329
Uma vez que o Senhor Krsna delegou-o para visitar Hastinãpura, compre
ende-se que ele tinha muita inteligência para analisar uma situação diplomáti
ca. Após a morte do rei Pãndu, Dhrtarastra estava ocupando o trono ilegalmen
te, apesar da presença dos filhos de Pãndu, Akrüra queria investigar toda a si
tuação, de modo que permaneceu ali.Elé pôde compreender muito bem que o
mal-intencionado Dhrtarastra estava muito inclinado a favor de seus próprios
filhos. De fato, Dhrtarastra já havia usurpado o reino e agora estava instigando
e planejando libertar-se dos cinco irmãos Pãndava. Akrüra soube também que
todos os filhos de Dhrtarastra, encabeçados por Duryodhana, eram políticos
muito desonestos. Dhrtarastra não atuava em conformidade com as boas ins
truções dadas por BhTsma e Vidura, mas se deixava conduzir, isso sim, pela
má instrução de pessoas tais como Karna-, Sakuni e outros. Akrüra decidiu fi
car em Hastinãpura por alguns meses, a fim de estudar toda a situação políti
ca.
Aos poucos, Akrüra ficou sabendo, com KuntT e Vidura, que Dhrtarastra
era muito intolerante e invejava os cinco irmãos Pãndava por causa da erudição
extraordinária que estes tinham na ciência militar e por causa da força corporal
altamente desenvolvida que eies tinham. Eles atuavam como verdadeiros heróis
cavalheirescos, exibiam todas as boas qualidades dos ksatriyas e eram príncipes
muito responsáveis, que sempre pensavam no bem-estar dos cidadãos. Akrüra
também ficou sabendo que o invejoso Dhrtarastra, em consulta com seu filho
mal-intencionado, tinha tentado matar os Pãndavas, envenenando-os,
Akrüra era um dos primos de KuntT; por isso, depois que se encontrou
com ele, KuntT começou a perguntar sobre seus parentes paternos. Ela come
çou a chorar quando pensou em sua terra natal. Perguntou a Akrüra se o pai
dela, a mãe dela, os irmãos, as irmãs e os outros amigos em casa ainda se lem
bravam dela. Indagou especialmente a respeito de Krsna e Balarãma, seus glo
riosos sobrinhos. Ela perguntou: “Por acaso Krsna, que é a Suprema Personali
dade de Deus, que é muito afetuoso com Seus devotos, por acaso Ele Se lem
bra de meus filhos? Balarãma Se lembra de nós?” Dentro de si, KuntT se sentia
como uma corça no meio de tigres, e na realidade esta era a posição em que ela
se encontrava. Depois da morte do seu marido, o rei Pãndu,supostamente ela
deveria tomar conta dos cinco filhos Pãndava, mas Dhrtarastra estava sempre
fazendo planos para matá-los. Por certo que ela estava vivendo como um pobre:
animal inocente no meio de vários tigres. Como era uma devota do Senhor
Krsna, estava sempre pensando n ’EIe e esperando que um dia Krsna viesse e os
salvasse da posição perigosa em que se encontravam. Ela perguntou a Akrüra se
Krsna Se propusera a vir aconselhar os órfãos Pãndavas sobre como se livrar da
política intrigante de Dhrtarastra e seus fühos. Enquanto conversava com
Akrüra sobre todas estas coisas, ela se sentiu desamparada e começou a excla
mar: “Meu querido Krsna, meu querido Krsna, Você é o místico supremo, a
332 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
Pãndu era o rei legitimo e Dhrtarastra não devia ter ocupado o trono na
presença dos Pãndavas, os filhos de Pãndu.
Então Akrííra disse: “Meu caro filho de Vicitravirya, você usurpou o tro
no dos Pãndavas ilegalmente. Em todo o caso, de uma forma ou de outra você
agora está no trono. Por isso, eu tomo a liberdade de aconselhar-lhe que, por
favor, governe o reino segundo princípios morais e éticos. Se você fizer isto
e tentar ensinar seus súditos dessa maneira, então seu nome e sua fama serão
perpétuos.” Akrüra deu a entender que embora Dhrtarastra estivesse maltra
tando seus sobrinhos, os Pãndavas, estes eram súditos dele. “Mesmo que você
não os trate como os donos do trono, e sim como súditos seus, você deve pensar
de modo imparcial no bem-estar deles, como se eles fossem seus próprios fi
lhos. Mas se você não seguir este principio e atuar justamente da maneira opos
ta, então vai ficar sendo impopular entre seus súditos, e na próxima vida terá
que viver numa condição infernal. Por isso, espero que você trate seus filhos e
os filhos de Pãndu igualmente. Akrííra deu a entender que se Dhrtarastra não
tratasse os Pãndavas e os filhos dele igualmente, então certamente haveria uma
luta entre os dois grupos de primos. Uma vez que a causa dos Pãndavas era
justa, eles sairiam vitoriosos, e os filhos de Dhrtarãstra seriam mortos. Esta
foi uma profecia que Akrura fez para Dhrtarãstra.
Akrüra aconselhou ainda a Dhrtarãstra: “Ninguém neste mundo material
pode manter-se como companheiro eterno de outra pessoa. É só por acaso que
nos reunimos na família, na sociedade, na comunidade ou na nação, mas no
fim temos que nos separar, porque cada um de nós tem que abandonar o cor
po. Por isso, não devemos ser desnecessariamente afetuosos com os membros
familiares.” O afeto de Dhrtarãstra era além disso ilegal e não mostrava muita
inteligência. Em simples palavras, Akrüra deu a entender a Dhrtarãstra que o
dedicado afeto familiar deste devia-se à ignorância grosseira que este tinha da
realidade. Embora pareçamos estar combinados na família, na sociedade ou na
nação, cada um de nós tem um destino individual. Cada um nasce de acordo
com seu trabalho individual anterior; portanto, todos têm que desfrutar ou
sofrer individualmente o resultado de seu próprio karma. Não é possível que
melhoremos nosso destino vivendo em cooperação. Às vezes acontece que o
pai de uma pessoa acumula riqueza através de meios ilegais, e que o filho
rouba o dinheiro, mesmo que o pai o tenha ganho com o suor de seu rosto.
É como um peixinho que no oceano come o corpo material do velho peixão.
No final das contas, não podemos acumular riquezas ilegalmente para a satisfa
ção de nossa família, sociedade, comunidade ou nação. Uma coisa que serve
para ilustrar este princípio é o fato de que muitos grandes impérios que se de
senvolveram no passado já não existem mais, porque a riqueza deles foi esban
jada pelos últimos descendentes. Uma pessoa que não conhece esta lei sutil das
atividades fruitivas e deste modo abandona os princípios morais e éticos, leva
334 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
do perante ele. Ele pôde compreender que Krsna ali estava para remover todos
os fardos desnecessários do mundo. Os filhos dele constituíam um fardo desne
cessário, e por isso ele imaginava que seus filhos seriam mortos. Ao mesmo
tempo, não conseguia se livrar de seu afeto ilegal pelos filhos. Compreendendo
este dois fatores contraditórios, ele começou a oferecer suas respeitosas reve
rências à Suprema Personalidade de Deus. “É muito difícil compreender os
caminhos contraditórios da existência material; estes caminhos só podem ser
compreendidos como a execução inconcebível do plano do Supremo, que por
intermédio de Sua energia inconcebível cria este mundo material, entra nele e
aciona os três modos da natureza. Quando tudo é criado, Ele entra em cada
uma das entidades vivas e no átomo mais pequeno. Ninguém é capaz de com
preender os planos incalculáveis do Senhor Supremo.”
Após ouvir essas declarações, Akrüra pôde compreender claramente que
Dhrtarastra não ia mudar sua política de discriminação contra os Pãndavas em
favor dos filhos dele. Akrüra despediu-se imediatamente de seus amigos em
Hastinãpura e regressou a sua casa no reino dos Yadus. Após regressar a casa,
ele informou vividamente ao Senhor Krsna e a Balarãma a respeito do que es
tava acontecendo realmente em Hastinãpura e das intenções de Dhrtarastra.
Krsna enviara Akrüra a Hastinãpura para que este fizesse investigações. Pela
graça do Senhor, Akrüra saiu bem sucedido ke informou Krsna a respeito do
que estava acontecendo realmente.
poucos, â medida que Krsna atirava Suas flechas, todos os elefantes come
çaram a cair, com as cabeças cortadas pelas flechas. Similarmente, todos os ca
valos caíram e as quadrigas também, juntamente com suas bandeiras. Os luta
dores de quadriga e os quadrigários caíram também. Quase todos os soldados
de infantaria caíram no campo de batalha, com as cabeças, as mãos e as pernas
cortadas. Dessa maneira, foram mortos muitos milhares de elefantes e cavalos,
cujo sangue começou a correr como as ondas de um rio. Parecia que nesse rio
os braços cortados dos homens eram serpentes, as cabeças deles pareciam tarta
rugas, e os cadáveres dos elefantes pareciam ser pequenas ilhas. Os cavalos mor
tos pareciam tubarões. Por arranjo da vontade suprema, surgiu um grande rio
de sangue cheio de parafernália. As mãos e as pernas dos soldados da infantaria
flutuavam como algas marinhas e os arcos flutuantes dos soldados pareciam
ser ondas do rio. E todas as jóias dos corpos dos soldados e comandantes pare
ciam tantos seixos que fluíam rio de sangue abaixo.
O Senhor. Balarãma, que também é conhecido como Sankarsana, pôs-Se
a lutar com Sua maça de uma forma tão heróica que o rio de sangue criado
por Krsna transbordou. Os que eram covardes ficaram com muito medo ao
verem a cena sinistra e horrível. Mas os que eram heróis começaram a conver
sar entre si, com satisfação, sobre o heroísmo dos dois irmãos. Embora
Jarãsandha estivesse equipado com um vasto oceano de força militar, a luta do
Senhor Krsna e de Balarãma converteu toda a situação numa cena sinistra que
era muito mais que uma luta comum. As pessoas de mentalidade comum não
são capazes de avaliar como isto foi possível, mas se aceitamos tais atividades
como passatempos da Suprema Personalidade de Deus, sob cuja vontade tudo
é possível, aí então isso pode ser compreendido. A Suprema Personalidade de
Deus cria, mantém e dissolve a manifestação cósmica unicamente por Sua von
tade. Para Ele, criar uma cena de devastação tão vasta enquanto luta com um
inimigo não é tão maravilhoso. E apesar disso, como Krsna e Balarãma estives
sem lutando com Jarãsandha tal qual seres humanos comuns,- a coisa pareceu
ser maravilhosa.
Todos os soldados de Jarãsandha foram mortos, sendo ele o único que
restou vivo. Certamente, neste ponto ete ficou muito deprimido. Srl Balarãma
prendeu-o imediatamente, assim como um leão captura outro leão com grande
força. Mas enquanto o Senhor Balarãma amarrava Jarãsandha com a corda de
Varuna e com cordas comuns também, o Senhor Krsna pediu-Lhe que não o
prendesse, pois tinha um plano melhor para o futuro. Então Krsna soltou
Jarãsandha. Como era um lutador muito heróico, Jarãsandha ficou muito en
vergonhado, e decidiu que não vivería mais como um rei, mas que se demitiría
de sua posição na ordem real e iria para a floresta praticar meditação, sob aus-
teridades e penitências severas.
Contudo, quando regressava a.casa com outros amigos reais, estes aconse
340 Kxsna, a Suprema Personalidade de Deus
lharam-no que não se retirasse, mas que recuperasse força para num futuro
próximo lutar com Krsna outra vez. Os amigos príncipes de Jarãsandha come
çaram a informar-lhe que normalmente não teria sido possível que ele fosse
derrotado pela força dos reis Yadus, mas que a derrota que ele experimentara
devia-se simplesmente a sua má sorte. A ordem principesca animou o rei
Jarãsandha. A luta dele, disseram eles, era certamente heróica; por isso, ele não
devia levar esta derrota muito a sério, já que se devia unicamente a seus erros
anteriores. Além do mais, ele lutara sem incorrer em erros.
Dessa maneira, Jarãsandha, o rei da província de Magadha, não pôde fazer
nada além de regressar a seu reino depois que perdeu toda a sua força e foi in
sultado ao ser preso e subseqüentemente solto. Deste modo, o' Senhor Krsna
conquistou os soldados de Jarãsandha. Embora o exército de Krsna fosse mui
to pequeno em comparação com o de Jarãsandha, nem uma pitada de Sua for
ça foi perdida, ao passo que todos os homens de Jarãsandha foram mortos.
Nessa ocasião os habitantes do céu ficaram muito satisfeitos e começaram
a oferecer seus respeitos, cantando em glorificação ao Senhor e lançando flores
sobre Ele. Eles aceitaram a vitória com grande apreciação. Jarãsandha regres
sou a seu reino e assim a cidade de Mathurã foi salva do perigo de um ataque
iminente. Os cidadãos de Mathurã organizaram os serviços combinados de um
circo de cantores profissionais, tais como os sütas e os mãgadhas, e de poetas
que eram capazes de compor belas canções - e começaram a cantar em glorifi
cação à vitória do Senhor Krsna. Quando, após a vitória, o Senhor Krsna en
trou na cidade, soaram muitos bugies, búzios e timbales, e as vibrações de di
versos instrumentos musicais, tais como a bherya, a türya, a vínã, á flauta e a
mrdahga - juntaram-se todos para dar uma bela recepção. Enquanto Krsna en
trava, toda a cidade estava muito limpa, todas as diferentes ruas e estradas es
tavam borrifadas com água, e os habitantes, alegres, decoraram suas respectivas
casas, estradas e lojas com bandeiras e festões. Os brãhmanas cantavam
mantras védicos em numerosos lugares. As pessoas construíram cruzamentos,
estradas.., veredas e ruas. Quando o Senhor Krsna entrava na bem decorada ci
dade de Mathurã com uma atitude festiva, as damas e mocinhas de Mathurã
prepararam diferentes tipos de guirlandas de flores para fazer a cerimônia mais
auspiciosa. De acordo com o costume védico, elas pegaram iogurte misturado
com relva verde recém-crescida e começaram a espalhar esta mistura
aqui e ali para tornar o júbilo da vitória ainda mais auspicioso. À medida quer
Krsna passava pela rua, todas as damas e mulheres começaram a fitá-Lo com '
grande afeição. Krsna e Balarãma traziam conSigo diversos tipos de presas,.
ornamentos e jóias arrecadadas cuidadosamente do campo de bataljia e presen-
tearam-nas ao rei Ugrasena. Deste modo Krsna ofereceu Seu respeito a Seu
avô, porque este era nessa ocasião o rei coroado da dinastia Yadu.
Jarãsandha, o rei de Magadha, não sitiou a cidade de Mathurã apenas uma
Krsna levanta o forte de Dvarakã 341
vez, senão que a atacou dezessete vezes da mesma maneira, equipado com o
mesmo número de falanges militares. Cada uma das vezes ele foi derrotado, e
cada uma dessas vezes Krsna matou todos os soldados dele. Cada uma das ve
zes ele teve que regressar desapontado da mesma maneira. Cada uma das ve
zes a ordem principesca da dinastia Yadu prendeu Jarãsandha da mesma forma
e o soltou outra vez de uma forma insultuosa, e cada vez Jarãsandha regressou
a casa desavergonhadamente.
Enquanto Jarãsandha intentava um de tais ataques, um rei Yavana de al
gum lugar ao sul de Mathurã sentiu-se atraído pela opulência da dinastia Yadu
e também atacou a cidade. Diz-se que o rei dos Yavanas, conhecido como
Kãlayavana, foi induzido a atacar Mathurã por Nãrada. Esta história é narrada
no Visnu Purãna. Certa -vez, o genro do sacerdote da dinastia Yadu,
Gargamuni, tratou-o com sarcasmo. Quando ouviram falar no escárnio, os reis
da dinastia Yadu riram de Gargamuni, e por isso este se irritou com os reis
Yadus. Gargamuni decidiu que produziría alguém que seria muito temido pela
dinastia Yadu, de modo que agradou o Senhor Siva e recebeu deste a bênção
de um filho. Este filho, chamado Kãlayavana, ele gerou na esposa de um rei
Yavana. Este Kãlayavana perguntou a Nãrada: “Quem são os reis mais podero
sos que há no mundo?” Nãrada lhe disse que os Yadus eram os mais podero
sos. Depois de receber essa informação de Nãrada, Kãlayavana atacou a cidade
de Mathurã, ao mesmo tempo que Jarãsandha intentava atacá-la pela décima
oitava vez. Kãlayavana estava muito ansioso por declarar guerra contra um rei
do mundo que fosse um combatente à altura dele, porém não havia encontra
do nenhum. Entretanto, quando Nãrada lhe informou a respeito de Mathurã,
ele julgou sensato atacar esta cidade. Quando atacou Mathurã, trouxe consigo
trinta milhões de soldados Yavana. Com Mathurã assim sitiada, o Senhor Sn
Krsna começou a considerar a intensidade da aflição da dinastia, que estava
sendo ameaçada pelos ataques de dois inimigos formidáveis, Jarãsandha e
Kãlayavana. O tempo passava rapidamente, Kãlayavana já sitiara Mathurã por
todos os lados, e se esperava que no dia seguinte Jarãsandha também viria, e-
quipado com o mesmo número de divisões de soldados que vieram em suas
dezessete tentativas anteriores. Krsna estava certo de que Jarãsandha aprovei
taria a oportunidade para capturar Mathurã, agora que também estava sendo
sitiada por Kãlayavana. Por isso, Ele julgou sensato-' tomar medidas de precau
ção para defender os pontos estratégicos de Mathurã. Se tanto Krsna quanto
Balarãma lutassem com Kãlayavana num único lugar, talvez Jarãsandha viesse
a outro lugar para atacar toda a família Yadu e vingar-se deles. Jarãsandha era
muito poderoso, e como tinha sido derrotado dezessete vezes, talvez matasse
vingativamente os membros da família Yadu ou os prendesse e os levasse
para seu reino. Por isso, Krsna decidiu construir um forte formidável num lu
gar onde nenhum animal bípede, fosse homem ou fosse demônio, pudesse en
342 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
trar. Ele decidiu manter Seus parentes ali, de modo que então ficasse livre para
lutar com o inimigo. Parece que antigamente Dvãrakã também fazia parte
do reino de Mathurã, porque no SrTmad-Bhãgavatam se declara que Krsna cons
truiu um forte no meio do mar. Oí restos do forte-construído por Krsna ain
da existem na baia de Dvãrakã.
Em primeiro lugar, Ele construiu um muro muito forte que cobria uma
área de cento e sessenta quilômetros quadrados, sendo que o muro em si se
encontrava dentro do mar. Por certo que era maravilhoso, e fora planejado e .
constando por Visvakarma. Nenhum arquiteto comum poderia construir um
forte assim dentro do mar, mas um arquiteto como VisVakarma, que é consi
derado o engenheiro entre os semideuses, pode executar tal trabalho maravi
lhoso em qualquer parte do universo. Sc planetas imensos podem flutuar em
antigravidade no espaço exterior por arranjo da Suprema Personalidade de
Deus, certamente a construção arquitetônica de um forte dentro do mar, que
cobria um espaço de cento e sessenta quilômetros quadrados, não constituiu
um ato muito maravilhoso.
No Srimad-Bhãgavatam está declarado que esta nova e bem construída ci
dade, que se desenvolvera dentro do mar, tinha estradas, ruas e veredas planeja
das c regulares. Havia não só estradas, ruas c veredas bem planejadas, mas tam
bém havia caminhos c jardins bem planejados, cheios de plantas conhecidas
como kalpavrksas, ou árvores dos desejos. Estas árvores dos desejos não são
como as árvores comuns no mundo material; as árvores dos desejos são encon
tradas no mundo espiritual. Tudo-é possível pela vontade suprema de Krsna,
de modo que tais árvores dos desejos foram plantadas nessa cidade de Dvãrakã,
construída por Krsna. Além disso, a cidade era cheia de muitos palácios e
gopuras, ou grandes portões. Ainda podemos encontrar estes gopuras em al
guns dos templos maiores, Eles são muito altos e são construídos com extrema
habilidade artística. Tais palácios e portões tinham vasos d ’água dourados
(kalasa). Considera-se que estes vasos d ’água sobre os portões, ou nos palácios,
são sinais auspiciosos.
Quase todos os palácios eram arranha-céus. Em cada casa havia grandes
vasos de ouro e prata e grãos armazenados em quartos subterrâneos. E dentro
dos quartos havia muitos vasos d ’água dourados. Os quartos de dormir eram
completamente ornados com jóias, e os pisos tinham revestimento de mosai
co com jóias marakata, A Deidade de Visnu, que era adorada pelos descenden
tes de Yadu, foi instalada cm cada casa da cidade. Os bairros residenciais foram
arrumados de tal modo que as diferentes castas: os brãhmanas, os ksatriyas, os
vaisyas e os südras, tinham seus bairros respectivos. Daí parece que o sistema
de castas existia já naquela época. No centro da cidade havia um outro bairro
residencial, feito especificamente para o rei Ugrasena. Nesta área se encontrava
a mais deslumbrante de todas as casas.
Krsna levanta o forte de DvãrakS 343
Quando viram que Krsna estava construindo uma cidade particular por
Sua própria escolha, os semideuses mandaram a famosa flor pãrijãta do planeta
celestial, para que fosse plantada qa nova cidade, e também mandaram uma ca
sa parlamentar, a Sudharmã. A característica específica desta casa parlamentar
era que qualquer pessoa que participava numa reunião dentro dela não era do
minada pela influência da invalidez causada pela velhice. O semideus Varuna
também presenteou um cavalo, o qual era completamente branco, com exce
ção das orelhas negras, e que podia correr à velocidade da mente. Kuvera, o te
soureiro dos semideuses, presenteou a arte de se alcançar as oito fases perfec-
cionais das opulências materiais. Dessa maneira, todos os semideuses puseram-
se a presentear suas prendas respectivas de acordo com suas diferentes capaci
dades. Existem trinta e três milhões de semideuses, e cada um deles está encar
regado de um departamento particular da administração universal. Todos os
semideuses aproveitaram a oportunidade em que a Suprema Personalidade de
Deus construía uma cidade por Sua própria escolha para presentearem suas
respectivas prendas, fazendo de Dvaraka uma cidade única dentro do universo.
Isto prova que sem dúvida há inumeráveis semideuses, mas que nenhum deles é
independente de Krsna. Como se declara no Caitanya-caritamrta, Krsna é o
Senhor Supremo, enquanto que todos os outros são servos. De forma que to
dos os servos aproveitaram a oportunidade para prestar serviço a Krsna quando
Este esteve pessoalmente presente neste universo. Todos devem seguir este
exemplo, especialmente aqueles que são conscientes de Krsna, pois eles devem
servir a Krsna com seus dons respectivos.
Quando a nova cidade estava totalmente construída de acordo com os
planos estabelecidos, Krsna transferiu todos os habitantes de Mathurã e con
fiou a SrT Balarãma a função de protetor da cidade. Depois disso, Ele aconse-
lhou-Se com Balarãma; e depois de ser enguirlandado com flores de lótus saiu
da cidade para enfrentar Kãlayavana, que já havia tomado Mathurã sem se va
ler de nenhuma arma.
Quando Krsna saiu da cidade, Kãlayavana, que jamais vira Krsna antes,
viu que Ele era extraordinariamente belo e que vestia roupas amarelas. En
quanto passava por Seu grupo de soldados, Krsna parecia a lua que atravessa
um agrupamento de nuvens no céu. Kãlayavana teve a fortuna de ver as linhas
da Srlvatsa, uma impressão particular que existe no peito de Sn Krsna, e a
jóia Kaustubha que Ele estava usando. No entanto, Kãlayavana O viu em Sua
forma de Visnu, com um corpo bem construído, quatro mãos e os olhos seme
lhantes a pétalas de lótus recém-dcsabrochadas. Krsna estava bem-aventurado,
com uma testa graciosa e um belo rosto, os olhos sorridentes e inquietos e os
brincos se mexendo. Antes de ver Krsna, Kãlayavana ouvira Nãrada falar a
respeito d The e agora ele confirmava as descrições de Nãrada. Notou as marcas
específicas de Krsna e as jóias sobre o peito d Tile, Sua bela guirlanda de flor de
344 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
aparecí na dinastia dos Yadus como um dos membros da família deles. Nasci
especificamente como o filho de Vasudeva na dinastia Yadu, e de tal modo
as pessoas Me conhecem como Vasudeva, o filho de Vasudeva. Saiba também
que matei Kamsa, o qual numa vida anterior era conhecido como Kãlanemi,
como também matei Praíambãsura e muitos outros demônios. Eles têm atuado
como Meus inimigos e têm sido mortos por Mim. O demônio que se apresen
tou diante de você também atuou como Meu inimigo, e você o reduziu gene
rosamente a cinzas, lançando seu olhar sobre ele. Meu querido rei Mucukun-
da, você é Meu grande devoto, e Eu apareci nesta forma apenas para mostrar-
lhe Minha misericórdia sem causa. Sinto-Me muito afetuosamente inclinado
para com Meus devotos. E em sua vida anterior, antes do estado em que se
encontra agora, você atuou como um grande devoto Meu e orou por Minha
misericórdia sem causa. Por isso, vim vê-lo para satisfazer seus desejos. Agora
você pode Me ver para sua completa satisfação. Meu querido rei, agora você
pode Me pedir qualquer bênção que desejar, que Eu estou disposto a
satisfazer seu desejo. Meu principio eterno é que qualquer pessoa que
buscar o Meu refúgio há de ter todos os seus desejos satisfeitos por Minha
graça.’’
Quando o Senhor Krsna mandou que o rei Mucukunda Lhe pedisse
uma bênção, o rei ficou muito alegre, lembrando-se imediatamente da pre-
dição que Gargamuni fizera há muito tempo atrás, de que o Senhor Krsna
aparecería neste planeta durante o vigésimo oitavo milênio de Vaivasvata
Manu. Logo que se lembrou desta predição, ele começou a compreender
que Nãrãyana, a Pessoa Suprema, estava presente diante dele como o Se
nhor Krsna. Prostrou-se imediatamente aos pés de lótus d*Ele e começou a
orar como se segue.
“Meu querido Senhor, ó Suprema Personalidade de Deus, posso com
preender que todas as entidades, vivas que vivem neste planeta estão iludi
das por Sua energia externa e estão enamoradas da satisfação ilusória da
gratificação dos sentidos. Como estão totalmente ocupadas em atividades
ilusórias, elas relutam em adorar os Seus pés de lótus, e como não têm co
nhecimento dos benefícios derivados de se render a Seus pés de lótus, estão
sujeitas a diversas condições miseráveis de existência material. Estão tola
mente apegadas às assim chamadas sociedade, amizade e amor, que sim
plesmente produzem diferentes tipos de condições miseráveis. .Iludidas por
Sua energia externa, todas as pessoas, tanto o homem quanto a mulher, es
tão apegadas a esta existência material, e todos se dedicam a enganar-se uns
aos outros, numa grande sociedade de enganadores e enganados. Estas
pessoas tolas não sabem o quanto são afortunadas de terem obtido esta forma
de vida humana e relutam em adorar os Seus pés de lótus. Por causa da
influência de Sua energia externa, elas estão simplesmente apegadas ao
0 salvamento de Mucukunda 351
serviço devocional. Estou muito satisfeito de ver que embora tenha lhe ofere
cido a oportunidade de Me pedir qualquer tipo de bênção, você não aproveitou
para pedir-Me benefícios materiais. Posso compreender que agora você tem a
mente fixa em Mim e que nenhuma falta material a perturba.
“São três as qualidades materiais, a saber: a bondade, a paixão e a igno
rância. Quando somos colocados nas qualidades materiais misturadas de pai
xão e ignorância, diversos tipos de sujeiras e desejos luxuriosos nos impelem
a tentar encontrar conforto neste mundo material. Quando estamos situados
na qualidade material da bondade, tentamos nos purificar, executando diver
sos tipos de penitências e austeridades. Quando chegamos â plataforma de um
brãhmana verdadeiro, aspiramos fundir-nos na existência do Senhor, mas quan
do desejamos simplesmente prestar serviço aos pés de lótus do Senhor, isto é
transcendental a todas estas três qualidades. Portanto, a pessoa puramente
consciente de Krsna está sempre livre de todas as qualidades materiais. Meu
querido rei, Eu Me ofereci para lhe conceder qualquer tipo de bênção, só
para testar o quanto você tem avançado em serviço devocional. Agora posso
ver que você está na plataforma dos devotos puros, porque nenhum tipo de
desejo cobiçoso ou luxurioso deste mundo material perturba a sua mente. Os
yogJs que estão tentando elevar-se controlando os sentidos e que meditam em
Mim, praticando o exercício respiratório de prãnãyãma, não estão tão comple
tamente livres dos desejos materiais. Em diversos casos tem-se visto que tais
yogís descem novamente à plataforma material assim.que alguma atração os
envolve.”
O exemplo vivido que confirma esta declaração é Visvãmitra Muni.
Visvamitra Muni era um grande yogT que praticava prãnãyãma, um exercí
cio respiratório, mas mesmo assim, quando foi visitado por Menakã, uma mu
lher da sociedade do planeta celestial, ele 'perdeu o controle completamente e
gerou nela uma filha chamada Sakuntalã. 0 devoto puro Haridãsa Thãkura,
porém, jamais.se perturbava, mesmo quando as prostitutas lhe ofereciam todas
essas seduções.
“Meu querido rei”, continuou o Senhor Krsna, “por isso dou-lhe a bên
ção especial de que você pensará sempre em Mim. Deste modo você será ca
paz de atravessar este mundo material livremente, sem que as qualidades o con
taminem.” Esta declaração do Senhor confirma que uma pessoa que esteja na
verdadeira consciência de Krsna, ocupada no serviço transcendental amoroso
ao Senhor sob a direção do mestre espiritual, jamais está sujeita à contamina
ção de qualidades materiais.
“Meu querido rei” , disse o Senhor, “como você é um ksatriya, você tem
cometido a ofensa de matar animais, tanto durante a caça quanto em seus
compromissos políticos. Dedique-se à prática de bhakti-yoga para poder puri
ficar-se, e mantenha sua mente sempre absorta em Mim. Brevemente você esta
O salvamento de Mucukunda 355
rá livre de todas as reações a tais atividades sórdidas.” Com esta declaração, pa
rece que embora aos ksatriyas se lhes permita matar animais no processo de
caçar, eles não estão livres da contaminação de outras reações pecaminosas. Por
tanto, não importa que a pessoa seja ksatriya, vaisya ou brühmana; recomenda-
se que todos tomem sannyãsa ao fim. da vida, para que se dediquem completa
mente ao serviço do Senhor e deste modo se livrem de todas as reações peca
minosas de suas vidas passadas.
Aí então o Senhor garantiu ao rei Mucukunda: “Em sua próxima vida
você nascerá como um Vaisnava de primeira classe, o melhor dos brãhmanas, e
nessa vida seu único interesse será dedicar-se a Meu serviço transcendental.” O
Vaisnava é o brãhmam de primeira classe, porque uma pessoa que não tenha
adquirido a qualificação de um brãhmana autêntico não pode chegar à plata
forma de um Vaisnava. Quando chegamos à plataforma de um Vaisnava, de-
dicamo-nos completamente a atividades beneficentes para todas as entidades
vivas. A atividade beneficente mais elevada que se pode prestar às entidades
vivas é a pregação da consciência de Krsna. Aqui se declara que aqueles a quem
o Senhor favorece especificamente, podem se tornar absolutamente conscien
tes de Krsna e dedicar-se ao trabalho de pregação da filosofia Vaisnava.