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38/ Akrüra viaja de volta e visita Visnu- • •

loka situado dentro do rio Yamunã


0 Senhor Krsna e Nanda Mahãrãja receberam Akrüra calorosamente e
ofereceram-lhe um lugar para descansar à noite. No entanto, os dois irmãos,
Balarãma e Krsna, foram tomar a Sua ceia. Akrüra sentou-se em sua cama e
começou a refletir que todos os desejos, ao encontro dos quais ele fora
enquanto vinha de Mathurã para Vrndãvana, tinham sido satisfeitos. 0
Senhor Krsna é o esposo da deusa da fortuna; quando Se satisfaz com Seu
devoto puro, Ele pode oferecer tudo que o devoto deseje. Porém, o devoto
puro não pede nada ao Senhor paia seu benefício pessoal.
Após tomarem a ceia, Krsna e Balarãma vieram dar boa-noite a Akrüra.
Krsna pediu informações sobre Karhsa, Seu tio m aterno: “Como trata ele de
seus amigos?” Depois Ele perguntou: “Como estão meus parentes?” Ele
também indagou a respeito dos planos de Kamsa, A í então a Suprema
Personalidade de Deus informou a Akrüra que a presença deste era muito
bem-vinda. Ele perguntou a Akrüra se todos os parentes e amigos deste
estavam bem e livres de todas as espécies de incômodos. Krsna declarou
que lamentava muito que Kamsa, Seu tio materno, fosse o dirigente do reino;
Ele disse que Kamsa era o maior dos anacronismos em todo o sistema do
governo e que eles não podiam contar com nenhuma prosperidade para
os cidadãos enquanto Kamsa governasse. Então Krsna disse: “Meu pai
tem passado por muita tribulação simplesmente porque Eu sou filho dele.
Também por esta razão ele perdeu muitos outros filhos. Julgo-Me tão
afortunado de que você tenha vindo -como Meu amigo e parente. Meu bom
amigo Akrüra, por favor, diga-Me qual é a finalidade de sua vinda a
Vrndãvana.”
Depois destas perguntas, Akrüra, que pertencia à dinastia de Yadu,
explicou os eventos acontecidos recentemente em Mathurã, incluindo a
tentativa de Kamsa de matar Vasudeva, o pai de Krsna. Ele relatou as coisas
258 Kjçna, a Suprema Personalidade de Deus

que aconteceram depois que Nãrada revelou que Kfsna era o filho de Vasude-
va. Sentado ao lado dEle na casa de Nanda Mahãrãja, Akxüra narrou todas
as histórias em relação a Kamsa. Ele contou como Nãrada encontrou Kamsa
e como ele próprio foi delegado por Kamsa para que viesse até Vrndãvana.
Akrüra explicou a Krsna que Nãrada contara a Kaifasa tudo a respeito de
quando Krçija fora transferido de Mathura para Vrndãvana logo após o
nascimento d*Ele, e a respeito do fato de que Ele matara todos os demônios
que Kamsa enviara. Depois Akrüra explicou a Krsna qual era a finalidade
de sua vinda a Vrndãvana: levá-Lo de volta a Mathurã.
Após ouvirem falar nestes arranjos, Balaram a e Krsna, que têm muita
habilidade para matar adversários, riram suavemente dos planos de Kamsa.
Eles pediram a Nanda Mahãrãja que convidasse todos os pastorzinhos
de vacas a irem até Mathurã para participarem na cerimônia conhecida como
Dhanur-yafna. Kamsa queria que todos eles fossem até lá para participarem na
cerimônia. Após receber a ordem de Krsna, Nanda Mahãrãja mandou imedia­
tamente chamar os pastorzinhos de vacas e disse-lhes que reunissem todas as
espécies de preparações lácteas e leite para presenteá-los na cerimônia. Ele
também mandou instruções para que o chefe de polícia de Vrndãvana infor­
masse a todos os habitantes a respeito da grande cerimônia Dhanur-yajna de
Kamsa e os convidasse para que viessem com eles. Nanda Mahãràja informou
aos pastorzinhos de vacas que eles partiríam na manhã seguinte. Por isso,
eles fizeram arranjos para que as vacas e os touros os levassem até Mathurã.
Quando as gopls viram que Akrüra tinha vindo para levar Krsna e
Balarãma embora para Mathurã, elas se encheram de ansiedade. Algumas delas
ficaram tão aflitas que seus rostos escureceram. E começaram a respirar
apaixonadamente e tiveram palpitações cardíacas. Elas descobriram que
seus cabelos e roupas afrouxaram imediatamente. Ao ouvirem a notícia
de que Kr$r>a e Balarãma estavam de partida para Mathurã, outras gopis
que estavam ocupadas em seus deveres domésticos pararam de trabalhar
como se tivessem se esquecido de tudo, tal qual uma pessoa que é convocada
para morrer e deixar este mundo imediatamente. Houve outras gopis que
desmaiaram imediatamente devido à separação de Krsqa. Lembrando-se do
sorriso atraente d’Ele e das conversas que Ele tinha com elas, as gopis se
encheram de aflição. Todas elas se lembraram das características da Persona­
lidade de Deus: a forma como Ele Se deslocava dentro da área de Vrndãvana e
a forma como Ele atraía todos os corações delas com gracejos. Pensando em
Krsna e na separação iminente dEle, as gopTs se reuniram com seus corações
batendo forte. Como estivessem completamente absortas pensando em
Krsna, dos olhos delas caíam lágrimas. Elas se puseram a conversar como se
segue:
“Õ Providência, Você étão cruel! Parece que Você não sabe como mostrar
Akrura viaja de volta e visita Visnuloka 259

clemência para com os outros. Por seu arranjo, os amigos entram em contato
uns com os outros, mas Você os separa sem satisfazer os desejos deles. Isto é
exatamente como uma brincadeira de crianças que não tem sentido algum.
É muito abominável que Você tenha planejado de nos mostrar o belo Krsna
~ cujo cabelo'azulado e encaracolado embeleza Sua testa larga e Seu nariz
fino, que está sempre sorrindo para minimizar toda a discórdia que há neste
mundo material — e depois então Você tenha arranjado de nos separar d’Ele.
ó Providência, Você é tão cruel! Mas o que mais nos surpreende é que agora
Você aparece como ‘Abrilra’, que significa ‘não cruel’. No começo nós apre­
ciamos Seu trabalho ao nos dar estes olhos para podermos ver o belo rosto
de Krsna, mas agora, tal qual uma criatura tola, Você está tentando tirar
nossos olhos para que não vejamos Krsna aqui outra vez. Krsna, o filho
de Nanda Mahãrãja, também é muito cruel! Ele tem sempre que ter novos
amigos"; Ele não gosta de manter amizade por muito tempo com ninguém.
Depois de deixarmos nossos lares, amigos e parentes, nós, gopls de
Vrndãvana, nos tornamos servas de Krsna, mas Ele está nos negligenciando
e vai-Se embora. Embora sejamos completamente rendidas a Ele, Ele nem
sequer liga para nós. Agora todas as mocinhas de Mathurã terão a oportu­
nidade. Elas estão esperando a chegada de Krsna, e hão de desfrutar Seu
doce rosto sorridente e hão de beber o mel deste rosto. Embora saibamos
que Krsna é muito constante e determinado, estamos ameaçadas de que
logo que Ele vir o belo rosto das mocinhas de Mathurã, Ele irá Se esquecer
de nós. Tememos que elas irão controlá-Lo e que assim Ele Se esquecerá
de nós, pois nós somos simples aldeãzinhas. Ele não será mais amável conosco.
Por esse motivo, não contamos com que Krsna regresse a Vrndãvana. Ele
não deixará a companhia das moças que vivem em Mathurã.”
As gopTs começaram a imaginar as grandes cerimônias na cidade de
Mathurã. Krsna atravessaria as ruas e as damas e mocinhas da cidade O
veríam das varandas de suas respectivas casas. A cidade de Mathurã
continha diferentes comunidades, conhecidas então como Dasãrha, Bhoja,
Andhaka e Sãtvata. Todas estas comunidades constituíam diferentes ramifi­
cações da mesma família na qual Krsna aparecera, ã saber: a dinastia Yadu.
Eles também estavam esperando pela chegada de Krsna. Já se tinha descoberto
que Krsna, que é o descanso da deusa da fortuna e o reservatório de todo
o prazer e das qualidades transcendentais, iria visitar a cidade de Mathurã.
Então as gopis começaram a condenar as atividades de Akrura. Elas
declararam que Akrura estava levando Krsna, o qual, para elas, era mais
querido do que o mais querido e que era o prazer dos seus olhos. Akrura
O estava levanclo da vista sem as informar nem as consolar. Akrura não devia
ter sido tão desumano, mas devia ter tido compaixão por elas. As gopls
continuaram dizendo: “O que é mais surpreendente é que Krsna, o filho de
260 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

Nanda, sem nenhuma consideração, já Se sentou na quadriga. A tirar.disto


parece que Krsna não é muito inteligente. Talvez Ele seja muito inteligente —
mas não é muito civilizado. Não apenas Krsna como também todos-os pastores
de vacas são tão insensíveis que já estão atrelando os touros e os bezerros para
a viagem até Mathurã. Em Vrndãvana, as pessoas mais idosas também são
cruéis; elas não levam a nossa situação em consideração, nem param com a
viagem de Krsna para Mathurã. Até os semideuses são muito rudes para
conosco: eles não estão impedindo que Ele vá para Mathurã.”
As gopís oraram aos semideuses pára' que estes criassem algum distúrbio
natural, como, por exemplo, um ciclone, uma tempestade ou um aguaceiro
pesado, para que Krsna não pudesse ir até Mathurã. Depois então elas começa­
ram a considerar: “Apesar de nossos parentes mais velhos e de nossos tutores,
vamos pessoalmente impedir que Krsna vá a Mathurã. Não temos outra alter­
nativa senão tomar esta providência diretamente. Todo mundo se colocou
contra nós para levar Krsna de nossas vistas. Sem Ele não podemos viver nem
um momento.” Assim, as gopís decidiram obstruir a passagem através da qual
a quadriga de Krsna supostamente passaria. Elas se puseram a conversar entre
si: “ Passamos uma longuíssima n o i t e . que pareceu durar nada mais que um
instante — ocupadas na dança da.- r.õsa com Krsna. Olhavamos para o doce
sorriso d*Ele e O abraçávamos e*conversavamos. Agora, como poderemos viver,-
mesmo que por um momento ^ se. Elç Se afastar de nós? No final do dia, à
tardinha, Krsna regressava ao' lar- com Seus amigos e Balarãma, Seu irmão
mais velho. O rosto d ’Ele ficava manchado pela poeira levantada pelos
cascos das vacas, e Ele sorria e tocava em Sua flauta e olhava para nós
com tanta amabilidade. Como.-poderemos nós nos esquecer d ’Ele? Como
poderemos nos esquecer de Krsna, que é nossa vida e nossa alma? Ele
já roubou nossos corações de tantas maneiras no decorrer de nossos
dias e noites, que se Ele for -embora não será possível que continuemos
a viver.” Pensando -'desta maneira, as gopís ficaram cada vez mais
dominadas pela dor com o fato de que Krsna ia deixar Vrndãvana. Elas
não conseguiram controlar suas mentes, e começaram a chorar alto,
chamando ds diferentes nomes de Krsna: “Ó querido Dãmodaraí Querido
Mãdhava!”
As gopís choraram toda ã noite antes da partida de Krsna. Logo que
o sol nasceu, Akrüra terminou seu banho matutino, subiu na quadriga e
pôs-se de partida para Mathurã com Krsna e Balarãma. Nanda Mahãrãja
e os pastores de vacas subiram em carros de boi, depois de os carregarem
com preparações lácteas, tais como iogurte, leite e ghee, colocadas em grandes
recipientes de barro, e começaram a seguir a quadriga de Krsna e Balarãma.
Apesar de Krsna ter-lhes pedido que- não obstruíssem • o caminho deles,
todas as gopTs cercaram a quadriga e se mantiveram paradas para ver
Akrura viaja de volta e visita Visnuloka 261

Krsna, com olhos que inspiravam compaixão. Krsna ficou muito comovido ao
ver a situação em que se encontravam as gopís, mas o. dever d*Ele era partir
para Mathurã, pois isto fora predito por Nãrada. Por esse motivo, Krsna
consolou as gopís. Ele lhes disse que elas não deviam se afligir; Ele ia voltar
muito breve, depois de terminar Seus negócios. Mas não foi possível persuadi-
las a se dispersarem. Contudo, a quadriga começou a dirigir-se para o lado
oeste, e enquanto prosseguia as mentes das gopís a seguiram tanto quanto
possível. Elas observaram a bandeira que havia na quadriga enquanto esta
esteve visível; finalmente a única coisa que podiam ver era a poeira da qua­
driga à distância. As gopís não se moveram de seus lugares, senão que per­
maneceram ali até que não foi mais possível ver a quadriga. Elas permaneceram
sem se mexer, como se fossem quadros pintados. Todas as gopís chegaram à
conclusão de que Krsna não iria regressar imediatamente, e assim voltaram
a seus respectivos lares com os corações grandemente desapontados. Como
estivessem muito perturbadas com a ausência de Krsna, elas simplesmente
pensavam todo dia e toda noite nos passatempos d*Ele e assim obtinham
alguma consolação.
Acompanhado por Akrura e Balarãma, o Senhor dirigiu a quadriga com
grande velocidade em direção à margem do Yamunã. Qualquer pessoa que sim­
plesmente tome um banho no Yamunã pode diminuir as reações de suas ativi­
dades pecaminosas. Tanto Krsna quanto Balarãma tomaram Seus banhos no
rio e lavaram os rostos. Depois de beberem a água transparente e cristalina do
Yamunã, Eles sentaram ^è novamente na quadriga. A quadriga se encontrava
debaixo da sombra de grandes árvores, e ali Se sentaram os dois irmãos.
Então Akrura pediu-Lhes permissão para também tomar banho no Yamunã.
De acordo com o ritual védico, depois que tomamos banho no rio, devemos
nos colocar pelo menos meio submersos e murmurar o mantra Gãyatri. De
repente, enquanto se encontrava no rio, Akrura viu tanto Balarãma quanto
Krsna dentro da água. E le‘ficou surpreso de vê-Los ali, porque estava certo
de que estavam sentados na quadriga. Confuso, ele saiu imediatamente da
água e foi ver onde estavam os meninos, ficando muito surpreso de ver que
estavam sentados na quadriga como antes. Quando Os viu na quadriga, ele
se pôs a perguntar se Os vira na água. Assim, ele voltou para o rio. Dessa
vez viu não apenas Balarãma e Krsna ali, mas também muitos dos semi-
deuses e todos os Siddhas, Cãranas e Gandharvas. Todos eles se encontravam
diante do Senhor, o qual estava deitado. Ele viu também a Sesa Nãga com
milhares de capelos. O Senhor Sesa Nãga estava coberto com roupas azuladas,
e os pescoços d’Ele eram completamente brancos. Os pescoços brancos de Sesa
Nãga pareciam exatamente com montanhas com o topo coberto de neve. No
colo curvado de Sesa Nãga, Akrura viu Krsna, sentado com muita sobriedade,
dotado de quatro mãos. Os olhos d’Ele eram como as pétalas avermelhadas da
262 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

flor de lótus.
Em outras palavras, após regressar, Akrüra viu Balarãma convertido em
Sesa Nãga e Krsna convertido em Mahã-Visnu. Ele viu a Suprema Personali­
dade de Deus, dotado de quatro mãos, sorrindo com muito encanto. Ele
(Krsna) causava prazer a todos e olhava para todo mundo. Ele estava bonito
com o nariz afilado, a testa larga, as orelhas abertas e os lábios avermelhados.
Os braços d’Ele chegavam até os joelhos e tinham uma compleição muito
forte. Ele tinha os ombros altos, Seu peito era muito amplo e em forma de
búzio. Tinha um umbigo muito profundo, e Seu abdômen estava marcado com
três linhas. A cintura d ’Ele era ampla e grande, semelhante aos quadris de uma
mulher, e as coxas d ’Ele pareciam trombas de elefantes. As mitras partes das
pernas dTEle, as juntas e as extremidades inferiores, eram todas belíssimas, as
unhas dos pés d’Ele eram deslumbrantes, e os dedos dos pés d "Ele eram belos
como as pétalas da flor de lótus. 0 elmo d ’Ele estava decorado com jóias
muito valiosas. Em volta de Sua tintura Ele trazia um belo tinto, e por cima
do peito amplo usava um cordão sagrado. Tinha pulseiras nas mãos e braceletes
na parte superior dos braços. Usava sininhos nos tornozelos. Possuía uma
beleza deslumbrante e as palmas das mãos dE le eram como a flor de lótus. Ele
era ainda mais bonito com os diferentes emblemas do Visnu-mürti: o búzio, a
maça, o disco e a flor de lótus, os quais Ele segurava em Suas quatro mãos. O
peito d ’Ele estava marcado com os sinais particulares de Visnu e Ele usava
guirlandas de flores frescas. Considerando tudo isso, Ele era muito belo de
olhar. Akrüra também viu Sua Onipotência rodeado de associados íntimos tais
como os quatro KumzLras (Sanaka, Sanãtana, Sananda e Sanatkumãra), e
outros associados tais como Sunanda e Nanda, como também semideuses
tais como Brahmã e o Senhor Siva. Os nove sábios eruditos eminentes encon­
travam-se ali, e devotos como Prahlãda e Nãrada estavam ocupados em ofere­
cer orações ao Senhor, com corações limpos e palavras puras. Após ver a
Personalidade de Deus transcendental, Akrüra se encheu imediatamente de
grande devoção, sendo que todo o corpo dele tremia transcendentalmente.
Embora por hora estivesse confuso, ele manteve sua consciência limpa e
curvou sua cabeça perante o Senhor. Com as mãos postas e a voz hesitante, ele
se pôs a oferecer orações ao Senhor.

Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Trinta


e Oito de Krsna, intitulado “Akrüra Viaja de Volta e Visita Visnuloka
Situado Dentro do Rio Yamunã. ”
39/ Orações de Akrura

Akrura ofereceu suas orações como se segue: “Meu querido Senhor,


presto-Lhc aqui minhas respeitosas reverencias, porque Vocc é a causa suprema
de todas as causas e a Personalidade original inexaurível, Nãrãyana. De Seu
umbigo cresce uma flor de lótus, e desse lótus nasce Brahmã, o criador deste
universo. Uma vez que Brahmã é a causa deste universo, Vocc é a causa de
todas as causas. Todos os elementos desta manifestação cósmica — a terra,
a água, o fogo, o ar, o éter, o ego e a energia material total, como também a
natureza, a energia marginal, as entidades vivas, a mente, os sentidos, os
objetos dos sentidos c os seinideuses que controlam os assuntos do cosmo —
todos eles são produzidos de Seu corpo. Você é a Superalma de todas as coisas,
porem ninguém conhece Sua forma transcendental. Todas as pessoas que
vivem neste mundo material são influenciadas pelos modos da natureza mate­
rial. Por estarem cobertos pela influência da natureza material, semideuses tais
como o Senhor Brahmã não conhecem exatamente a Sua existência transcen­
dental, que está além da manifestação cósmica dos três modos da natureza
material. Grandes sábios e místicos adoram-No como a Suprema Personali-
r dade de Deus, a causa originai de todas as entidades vivas, de toda a manifes­
tação cósmica e de todos os semideuses. Eles O adoram como Aquele que
inclui tudo. Alguns dos brãhmanas eruditos também O adoram, observando
a cerimônia ritualística do Rg-veda, Eles oferecem diferentes tipos de sacri­
fícios em nome de diferentes deuses. E também há outros que gostam de
adorar o conhecimento transcendental. Eles são muito pacíficos e desejam
abandonar todas as espécies de atividades materiais. Dedicam-se‘à busca
filosófica para realizá-Lo, conhecida como jiíãna-yoga.
“Há devotos que também são conhecidos como Bhãgavatas, que O
adorain como a Suprema Personalidade de Deus. Depois que são devidamente
iniciados no método de Pãncarãtra, eles decoram seus corpos com tilaka e se

T
264 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

dedicam a adorar Suas diferentes formas de Visnu murti. Há também outros,


conhecidos como Sivaístas, que são seguidores dos diferentes ãcãryas, os quais
O adoram na forma do Senhor Siva.”
No Bhagavad-gltã se declara que a adoração aos semideuses também é,
indiretamente, adoração ao Senhor Supremo. Porém, tal adoração não é
ortodoxa, porque o Senhor adorável é Narãyana, a Suprema Personalidade
de Deus. Semideuses tais como Brahmã e S”iva são encarnações das qualidades
materiais, as quais também são emanações do corpo de Nãrãyanã.^Na
realidade, não existia ninguém antes da criação exceto Narãyana, a Suprema,
Personalidade de Deus. A adoração a um semideus não está ao nível da adora­
ção a Narãyana.
Akrüra disse: “Como Você é a Superalma de todas as entidades vivas,
incluindo os semideuses, a adoração aos semideuses vai indiretamente para
Você, mesmo que as mentes daqueies que são devotos dos semideuses estejam
fixas num semideus particular. Às vezes, depois de descerem das montanhas
durante a estação chuvosa, há riachos que não conseguem chegar até o mar;
alguns chegam até o mar e outros não. Similarmente, pode ser que os adorado­
res dos semideuses O alcancem ou não. Não há garantia. O êxito deles depende
da potência de sua adoração.”
Segundo o principio védico, quando um adorador adora um semideus
particular, ele também conduz um ritual para Narãyana, Yajnesvara, pois no
Bhagavad-gltã se menciona que os semideuses não são capazes de satisfazer
os desejos de seus adoradores sem a sanção de Narãyana, ou Krsna. As pala­
vras exatas que se usam no Bhagavad-gltã são mayaiva vihitãn hi tãn, o que
significa que os semideuses podem conceder uma bênção depois que são
autorizados pelo Senhor Supremo. Quando o adorador dos semideuses volta
a si, ele pode raciocinar como se segue: “Se o semideus só pode oferecer
bênçãos depois de ser autorizado pelo Senhor Supremo, por que não adorar
o Senhor Supremo diretamente?” Pode ser que os adoradores dos semi­
deuses aproximem-se da Suprema Personalidade de Deus, mas os outros,
que consideram que os semideuses são tudo, não podem alcançar o obje­
tivo último.
Akrüra continuou orando: “Meu querido Senhor, o mundo inteiro
está ocupado com os três modos materiais da natureza, a saber: bondade,
paixão e ignorância. Todo mundo que vive neste mundo material — desde
o Senhor Brahmã até as plantas e árvores imóveis — está coberto por estes
modos. Meu querido Senhor, ofereço-Lhe minhas respeitosas reverências,
porque Você está além da influência dos três modos. Afora Você, todos
estão sendo levados pelas ondas destes modos. Meu querido Senhor, o fogo
é a Sua boca, a terra são os Seus pés, o sol é o Seu olho, o céu é o Seu umbigo
Orações de Akrüra 265

e as direções são os Seus ouvidos. O espaço é a Sua cabeça, os semideuses


são Seus braços, os oceanos e os mares são o Seu abdômen, e os ventos e o
ar são Sua força e vitalidade. Todas as plantas e ervas são os pelos de Seu
corpo; as nuvens são o Seu cabelo, as montanhas são os Seus ossos e unhas,
os dias e as noites são o piscar de Seus olhos; Prajãpati (o progenitor) constitui
os Seus órgãos genitais, e as chuvas são o Seu sêmen.
“Meu querido Senhor, todas as entidades vivas, incluindo os diferentes
graus de semideuses, os diferentes graus de suseranos, reis e outras entidades
vivas, descansam em Você. Como somos partes integrantes da grande unidade,
não podemos conhecê-Lo através do conhecimento experimentai. Podemos
simplesmente compreender que Sua existência transcendental é o grande ocea­
no no qual estão incluídos diferentes graus de entidades vivas, ou então é a
fruta kadamba, da qual saem pequenos mosquitos. Meu querido Senhor, todas
as formas de encarnações eternas que Você aceita e que aparecem neste mundo
destinam-se a libertar as entidades vivas da ignorância, ilusão e lamentação
delas. Por isso, todas as pessoas podem apreciar as encarnações e passatempos
de Sua Onipotência e glorificar eternamente as Suas atividades. Ninguém é
capaz de avaliar quantas formas de encarnações tem Você, tampouco pode
alguém avaliar o número de universos que existem dentro de Você.
“Por isso, deixc-me oferecer minhas respeitosas reverências à encarnação
de peixe, a qual aparecqu durante a devastação, embora Sua Onipotência seja
a causa de todas as causas. Deíxe-me oferecer minhas respeitosas reverências
à encarnação Hayagriva, que matou os dois demônios, Madhu e Kaitabha;
deixe-me oferecer minhas respeitosas reverências a Você, que apareceu como a
tartaruga gigantesca e sustentou a grande montanha Mandara, e que apareceu
como o javali, o qual salvou o planeta Terra, que havia caído na água de Gar-
bhodaka. Deixe-me oferecer minhas respeitosas reverências a Sua Onipo­
tência, que apareceu como Nrsimhadeva, o qual libertou todos os tipos de
devotos da temerosa condição de atrocidade ateísta. Deixe-me oferecer minhas
respeitosas reverências a Você, que apareceu como Vãmanadeva e cobriu os
três mundos simplesmente por ter expandido os Seus pés de lótus. Deixe-me
oferecer minhas respeitosas reverências a Você, que apareceu como o Senhor
dos Bhrgus, a fim de matar todos os administradores infiéis do mundo. E
deixe-me oferecer minhas respeitosas reverências a Você, que apareceu como o
Senhor Rama para matar demônios como Rãvana. Todos os devotos O adoram
como o Senhor Rãmacandra, o governante da dinastia Raghu. Deixe-me
oferecer minhas respeitosas reverências a Você, que apareceu como o Senhor
Vãsudeva, o Senhor Sankarsana, o Senhor Pradyumna e o Senhor Aniruddha.
Deixe-me oferecer minhas respeitosas reverências a Você, que apareceu
como o Senhor Buddha a fim de confundir os ateístas e os demoníacos. E
deixe-me oferecer minhas respeitosas reverências a Você, que apareceu como
Kalki a fim de punir a assim chamada ordem real, degradada à abominável condi-
266 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

çao dos mlecchas, que estão abaixo da jurisdição dos princípios regulativos
védicos.
“Meu querido Senhor, Sua energia ilusória condiciona todo mundo que
vive neste mundo material. Sob a impressão da identificação falsa e da posse
falsa, todos transmigram de um corpo para outro no caminho das atividades
fruitivas e de suas reações. Meu querido Senhor, também não sou uma exceção
a estas almas condicionadas. Falsamente penso que sou feliz por possuir minha
casa, esposa, filhos, estado, propriedade e bens. Dessa maneira, atuo como se
estivesse numa terra de sonhos, porque nenhuma destas coisas é permanente.
Sou um tolo por estar sempre absorto em tais pensamentos, aceitando-os como
permanentes e verdadeiros. Meu querido Senhor, devido a minha identificação
falsa, tenho aceitado tudo que é impermanente, tal como este corpo material,
o qual não é espiritual e vem a ser a fonte de todas as espécies de condições
miseráveis. Por estar confuso com tais conceitos de vida, estou sempre absorto,
pensando na dualidade, e me esqueço de Você, que é o reservatório de todo
o prazer transcendental. Estou desprovido de Sua associação transcendental
e sou como uma criatura tola que vai procurar água no deserto, deixando
o lugar onde existe água, que está coberto por vegetais nutridos com água.
As almas condicionadas querem matar sua sede, mas não sabem onde encon­
trar água. Elas abandonam o lugar onde existe realmente um reservatório
d’água e correm para o deserto, onde não há água. Meu querido Senhor,
sou completamente incapaz de controlar minha mente, que agora é guiada
pelos sentidos desenfreados e se sente atraída por atividades fruitivas e
pelos resultados delas. Meu querido Senhor, nenhuma pessoa que esteja
na fase condicionada da existência máterial é capaz de apreciar os Seus
pés de lótus, mas de uma forma ou outra eu me aproximei de Seus pés de
lótus, e considero que isto é Sua misericórdia sem causa para comigo. Você
pode atuar de qualquer maneira, porque Você é o controlador supremo.
Posso então compreender que quando uma pessoa se toma apta para ser
salva do caminho de nascimentos e mortes repetidos, é só por Sua miseri­
córdia sem causa que ela progride mais, até se apegar a Seu serviço devo-
cional sem causa.”
Akrüra prostrou-se perante o Senhor e disse: “Meu querido Senhor,
Sua forma transcendental eterna é plena de conhecimento. Uma pessoa que
simplesmente concentra a mente em Sua forma pode compreender
com conhecimento total tudo que existe, porque Você é a fonte original
de todo o conhecimento. Você é o poderoso supremo, o qual possui todas
as espécies de energias. Você é o Brahman Supremo e a Pessoa Suprema,
o controlador supremo e o senhor das energias materiais. Ofereço-Lhe
minhas respeitosas reverências, porque Você é Vãsudeva, o lugar de
descanso de toda a criação. V ocê.é a Suprema Personalidade de Deus
Orações de Akrura 267

todopenetrknte, e Você é também a Alma Suprema que reside no coração


de todas entidades vivas e dá orientação para elas atuarem. Agora, meu Senhor,
rendo-me completamente a Você. Por favor, dê-me Sua proteção.”

Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Trinta


e Nove de Krsna, intitulado t(Orações de Akrüra. ”
40/ Krsna entra em Mathura
• • •

Enquanto Akrüra oferecia suas orações à Suprema Personalidade de Deus,


o Senhor desapareceu da água, exatamente com um ator dramático habilidoso
muda sua roupa e assume seu aspecto original. Depois que a Visnu-mürti
desapareceu, Akrüra saiu da água. Ao terminar o resto de sua execução
ritualistica, ele se aproximou da quadriga de Balarãma e Krsna e ficou pas­
mado. Krsna perguntou se ele havia visto algo maravilhoso dentro da água ou
no espaço. Akrüra disse : “Meu querido Senhor, na realidade todas as coisas
maravilhosas que acontecem neste mundo, seja no céu, seja na água, seja
na terra, aparecem em Sua forma universal. Então, agora que eu O vi, que
outras coisas maravilhosas não vi ainda?” Esta declaração confirma a versão
védica de que aquele que conhece Krsna conhece tudo, e aquele que viu
Krsna viu tudo, sem olhar a quão maravilhosa possa ser uma coisa. “Meu
querido Senhor”, continuou Akrüra, “não pode haver nada mais maravilhoso
que Sua forma transcendental. Agora que já vi Sua forma transcendental,
o que mais resta para se ver?”
Após dizer isto, Akrüra pôs imediatamente a quadriga em movimento. Ao
final do dia, eles tinham quase chegado aos arredores de Mathura. Quando
todos os transeuntes que passavam pelo caminho que vai de Vrndãvana a
Mathura viam Krsna e JBalarãma, não conseguiam deixar de olhar para Eles
repetidamente. Entretanto, os outros habitantes de Vrndãvana, encabeçados
por Nanda e Upananda, ja haviam chegado a Mathura após terem atravessado
florestas e rios, e estavam esperando pela chegada de Krsna e Balarãma. Ao
chegarem à entrada de Mathura, Krsna e Balarãma desceram da quadriga e
cumprimentaram Akrüra, apertando-lhe as mãos. Krsna disse a Akrüra:
“Pode ir para casa agora porque Nós entraremos em Mathura juntamente
com Nossos associados.” Akrüra respondeu: “Meu querido Senhor, não posso
ir para Mathura sozinho, deixando Você de lado. Sou Seu servo rendido.
Krsna entra em Mathura 269

Por favor, não tente evitar-me; por favor, venha junto comigo, com Seu irmão
mais velho e Seus amigos pastorzinhos de vacas, e santifique a minha casa. Meu
querido Senhor, se Você vier, minha casa se santificara com a poeira de Seus
pés de lótus. A água que emana da transpiração de Seus pés de lótus, a saber: o
Ganges, purifica todo mundo, incluindo os antepassados, o deus do sol e todos
os outros semideuses. O rei Bali Mahãrãja se tornou famoso simplesmente por .
ter lavado os Seus pés de lótus, e todos os parentes dele alcançaram o planeta
celestial por ele ter entrado em contato com a água do Ganges. O próprio Bali
Mahãrãja desfrutou de todas as opulências materiais e mais tarde foi elevado â
mais elevada e exaltada posição de liberação. A água do Ganges não só santifi­
ca os três mundos, mas também é levada sobre a cabeça do Senhor Siva. ô
Senhor Supremo de todos os senhores! ó senhor do universo!Ofereço-Lhe
minhas respeitosas reverências.”
Ao ouvir isto, Krsna, a Suprema Personalidade de Deus, respondeu:
“Akrüra, irei certamente a sua casa com Balarãma, Meu irmão mais velho, mas
só depois de matar todos os demônios que têm inveja da dinastia Yadu. Dessa
maneira, satisfarei todos os Meus parentes.” Embora ficasse um pouco
desapontado com essas palavras da Suprema Personalidade de Deus,
Akrüra não podia ignorar a ordem. Assim, ele entrou em Mathura e informou
Kaim>axa respeito da chegada de Krsna, e depois então, entrou em sua própria
casa.
Após a partida de Akrüra, o Senhor Krsna, Balarãma e os pastorzinhos de
vacas entraram em Mathura para ver a cidade. Eles observaram que o portão de
Mathura era feito de mármore de primeira classe, muito bem construído, e que
as portas eram feitas de ouro puro. Havia jardins deslumbrantes por toda a parte
e toda a cidade estava rodeada por canhões para que nenhum inimigo pudesse
entrar com facilidade. Eles viram que todos os cruzamentos das estradas esta­
vam decorados com ouro. Havia muitas casas de homens ricos, as quais pare­
ciam todas simétricas, como se um único engenheiro as tivesse construído. As
casas estavam decoradas com jóias caras, sendo que cada uma delas tinha belas
áreas com árvores, frutas e flores. Os jardins, os corredores e as varandas das
casas estavam decorados com tecidos de seda e bordados com jóias e pérolas.
Pombos e pavões andavam e arrulhavam na frente das janelas das varandas. To­
das as lojas de negociantes de grãos que havia dentro da cidade estavam decora­
das com diferentes tipos de flores e guirlandas, relva verdinha e rosas desabro-
chando. As portas centrais das casas estavam decoradas com cântaros cheios de
água, e por toda a parte se borrifara uma mistura de água com iogurte. Havia
flores decoradas com lâmpadas acesas de diferentes tamanhos, penduradas nas
portas, e havia também decorações de folhas verdes de mangas e de grinaldas
de seda em todas as portas das casas.
Quando se espalhou a notícia de que Krsna, Balarãma e os pastorzinhos
270 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

de vacas estavam na cidade de Mathurã, todos os habitantes se reuniram, e


as damas e mocinhas subiram imediatamente para os telhados das casas a fim
de vê-Los, Eles tinham esperado pela chegada de Krsna e Balarãma com grande
ansiedade, e as damas não se vestiram corretamente por causa da extrema
ansiedade que estavam sentindo de ver Krsna e Balarãma. Algumas delas
colocaram a roupa no lugar errado. Algumas só maquiaram-.os olhos de um
lado, e algumas usavam sinos de tornozelo apenas numa perna ou só usavam
um brinco. Foi assim, com muita pressa e sem nem mesmo estarem apropri­
adamente enfeitadas, que elas foram ver Krsna dos telhados. Algumas delas
estavam almoçando, mas assim que ouviram falar que Krsna e Balarãma
estavam na cidade, elas pararam de comer e correram para os telhados.
Algumas delas encontravam-se no banheiro tomando seus banhos, porém
vieram ver Krsna e Balarãma sem ter terminado apropriadamente de tomar
banho, O Senhor Krsna passou bem devagar e sorrindo, roubando-lhes imedi­
atamente os corações. Ele, que é o esposo da deusa da fortuna, passou pela rua
tal qual um elefante. Por muito tempo as mulheres de Mathurã tinham ouvido
falar a respeito de Krsna e Balarãma e de Suas características incomuns, ao
que se sentiram muito atraídas e ansiosas por vê-Los. Agora que tinham-
realmente visto Krsna e Balarãma passando pela rua e Os tinham visto sorrindo
docemente, a alegria das damas atingira o ponto do êxtase. Quando Os.viram
realmente com seus olhos, elas puseram Krsna e Balarãma dentro de seus cora­
ções e começaram a abraçá-Los, satisfazendo assim todos os desejos delas.
Os cabelos delas se arrepiaram de êxtase. Elas tinham ouvido falar de Krsna,
mas jamais O haviam visto, e agora a ânsia delas estava mitigada. Após subirem
para os telhados dos palácios de Mathurã, as damas puseram-se a lançar flores
sobre Krsna e Balarãma. Quando os irmãos estavam passando pelas ruas, todos
os brãhmaiws da vizinhança também saíram com sândalo e flores e respeitosa­
mente deram-Lhes as boas-vindas â cidade.
Todos os residentes de Mathurã começaram a conversar entre si a respeito
das atividades elevadas e piedosas da gente de Vrndãvana. Os residentes de
Mathurã estavam surpresos com as atividades piedosas que os pastores de vacas
que viviam em Vrndãvana deviam ter executado em suas vidas anteriores para
poderem ver Krsna e Balarãma diariamente como pastorzinhos de vacas.
Enquanto passavam dessa maneira, Krsna e Balarãma viram um lavador
e tingidor de roupas. Krsna sentiu prazer em pedir-lhe umas roupas bóas. Ele
também prometeu que se o lavador Lhe desse a melhor roupa tingida, ele
(o lavador) seria muito feliz e teria toda a boa fortuna. Krsna não era pedinte
nem necessitava de roupa. Mas com este pedido Ele indicou que todos devem
estar prontos a oferecer a Krsna tudo que Ele quer. Este é o objetivo da cons­
ciência de Krsna.
infelizmente, este lavador era um servo de Karhsa e por esse motivo não
Krsna entra em Mathura 271

pôde apreciar o pedido do Senhor Krsna, a Suprema Personalidade de Deus.


Este é o efeito da má associação. Ele podia ter dado imediatamente a roupa
à Suprema Personalidade de Deus, o qual lhe prometeu toda a boa fortuna,
mas como era um servo de Kamsa, o demônio pecaminoso não pôde aceitar a
oferta. Em vez de ficar satisfeito, ele ficou muito irritado e rejeitou o pedido
do Senhor, dizendo: “Como é que Você Vem me pedir a roupa que se destina
ao rei?*’ Depois, então, o lavador começou a dar instruções a Krsna e Balarã-
ma: “Meus queridos meninos, não tenham a insolência de no futuro pedir
coisas que pertençam-ao rei, Se não, Vocês serão punidos pelos homens do
governo. Eles hão de prendê-Los e de castigá-Los, e aí Vocês vão Se ver em
dificuldades. Tenho experiência prática deste fato. Qualquer pessoa que
queira utilizar a propriedade do rei ilegalmente é castigada muito seve­
ramente”.
Ao ouvir isto, o Senhor Krsna, o filho de Devakl, ficou com muita raiva
do lavador, e com a parte superior de Sua mão deu uma pancada no homem,
a qual lhe separou a cabeça do corpo. 0 lavador caiu morto no solo. Dessa
maneira, o Senhor Krsna confirmou a declaração de que cada membro do
corpo d’Ele é capaz de fazer tudo que Ele queira. Com o simples uso de Sua
mão, sem espada, Ele cortou a cabeça do lavador. Isto serve para provar
que o Senhor Supremo é onipotente. Se Ele quer fazer algo, pode fazê-lo
sem o auxílio alheio.
Após este incidente horroroso, os empregados do lavador dispersaram-se
imediatamente, deixando a roupa. Krsna e Balarãma Se apossaram dela e
Se vestiram segundo a escolha d’Eles; o resto da roupa foi oferecido aos pastor-
zinhos de vacas, que também a usaram como desejaram. Aquilo que eles não
usaram permaneceu ali. Então eles prosseguiram. Entretanto, um devoto-
alfaiate aproveitou a oportunidade para prestar serviço e com o tecido
preparou algumas roupas boas para Krsna e Balarãma. Depois de serem assim
bem vestidos, Krsna e Balarãma ficaram parecendo com elefantes vestidos com
roupas coloridas no dia de lua cheia. Krsna ficou muito satisfeito com o
alfaiate e deu-lhe a bênção do sãrüpya-mukti, que significa que após deixar o
corpo o alfaiate se libertaria e alcançaria um corpo exatamente como o corpo
que o Nãrayana de quatro mãos tem nos planetas Vaikuntha. Krsna também
concedeu ao alfaiate o favor de que enquanto este vivesse ganharia opulências
suficientes para ser capaz de desfrutar de gratificação dos sentidos. Com este
incidente Krsna provou que aqueles que são devotos conscientes de Krsna
não carecerão de gozo material ou gratificação dos sentidos. Eles terão
oportunidades suficientes para ter tais coisas, mas depois que deixarem esta
vida se lhes permitirá- entrar nos planetas espirituais de Vaikunthaloka ou
Krsnaloka, Goloka Vrndãvana.
Depois de Se vestirem decentemente, Krsna e Balarãma foram até um
272 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

florista chamado Sudãmã. Assim que chegaram às imediações da casa do


florista, este saiu imediatamente e com grande devoção prostrou-se para ofere­
cer suas respeitosas reverências. Ele ofereceu um lugar confortável para Krsna
e Balarãma Se sentarem e mandou que seu ajudante trouxesse flores e nozes
de betei untadas com polpa de candana. As boas-vindas do florista satisfizeram
muito o Senhor.
Com muita humildade e submissão, o florista ofereceu suas orações ao
Senhor, dizendo: “Meu querido Senhor, como Você veio até minha casa,
acho que todos os meus antepassados e todos os meus superiores adoráveis
estão satisfeitos e salvos. Meu querido Senhor, Você é a causa suprema de
todas as causas desta manifestação cósmica, mas para o beneficio dos resi­
dentes deste planeta Terra, Você apareceu com Sua porção plenária para dar
proteção a Seus devotos e aniquilar os demônios. Como o amigo de todas as
entidades vivas, Você tem inclinação igual por todas elas; Você é a Superalma
e não faz discriminação entre amigo e inimigo. Contudo, Você tem prazer
em dar a Seus devotos o resultado especial das atividades devocionais destes.
Meu Senhor, oro para que, por favor, me diga tudo o que Você deseja que
eu faça, porque sou Seu servo eterno. Se Você permitir que eu faça algo,
seyá para mim um grande favor.” Sudãmã, o florista, ficou muito satisfeito
no íntimo de seu coração ao ver Krsna e Balarãma na casa dele, e assim, como
era seu desejo mais escolhido, ele fez duas guirlandas requintadas com flores
variadas e as presenteou ao Senhor. Tanto Krsna quanto Balarãma ficaram
muito satisfeitos com o serviço sincero prestado por ele, e Krsna ofereceu
ao florista Suas saudação e bênção, que Ele está sempre pronto a outorgar às
almas rendidas. Quando o Senhor ofereceu Sua benção ao florista, este pediu
ao Senhor que pudesse permanecer servo eterno d*Ele, executando serviço
devocional, e que com tal serviço fizesse o bem para todas as criaturas vivas.
Com este evento, fica claro que um devoto do Senhor na consciência de Krsna
não deve se satisfazer simplesmente com seu próprio avanço no serviço
devocional; ele deve ter a vontade de trabalhar para o beneficio de todas as
outras pessoas. Os seis Gosvãmls de Vrndãvana seguiram este exemplo. Por
esse motivo, na oração oferecida a eles se declara: lokãnãm hitakãrinau: os
Vaisnavas, ou os devotos do Senhor, não são egoístas. Qualquer beneficio que
obtenham da Suprema Personalidade de Deus como bênção d ’Este, eles
querem distribuir para todas as outras pessoas. Esta é a mais elevada de todas
as atividades humanitárias. Como ficou, satisfeito com o florista, o Senhor
Krsna deu-lhe não só a bênção de obter tudo que quisesse, mas além
disso ofereceu ao florista todas as opulências materiais, prosperidade familiar,
longa duração de vida, e todas as outras coisas que o coração do florista
desejasse no mundo material.
Kxsna entra em Mathura 273

Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Qua­


renta de Krsna, intitulado <eKrsna Entra em Mathura. **
41 / Krsna quebra o arco na arena sacrifi-
ciai
Após deixarem a casa do florista, Krsna e Balarãma viram uma jovem
corcunda, levando um prato com polpa de 'sândalo pelas ruas. Uma vez que
Krsna é o reservatório de todo o prazer, Ele quis alegrar todos os 3eus compa­
nheiros, pregando uma peça na corcunda. Krsna disse a ela: “Ó jovem alta,
quem é você? Diga-Me, para quem você está levando esta polpa de sândalo
que está na sua mão? Acho que você devia Me oferecer este sândalo, e se
o fizer estou certo de que você será afortunada.” Krsna é a Suprema
Personalidade de Deus, e Ele sabia de tudo a respeito da corcunda. Com
a pergunta d’£le, Ele indicou que não havia' vantagem alguma em servir a
um demônio; era melhor servir a Krsna e a Balarãma e se livrar do
resultado dos pecados.
A mulher respondeu a Krsna: “Meu querido Syãmasundara, querido
e belo menino negro, saiba que eu trabalho como serva de Kamsa. Diariamente
forneço-lhe polpa de sândalo. O rei está muito satisfeito comigo por eu lhe
estar fornecendo esta coisa agradável; porém, agora vejo que não há ninguém
que possa ser melhor servido com esta polpa de sândalo do que Vocês, os dois
irmãos.”
Como se sentisse cativada pelas belas feições de Krsna e Balarãma,
pelo jeito d ’Eles conversarem, pelo sorriso dTries, pelo olhar e por outras
atividades d’£lcs, a corcunda começou a passar a polpa de sândalo sobre
os corpos d ’Eles com grande- satisfação e devoção. Krsna e Balarãma, os
dois pedintes transcendentais, eram naturalmente belos e tinham complei­
ções belas, além de estarem bem vestidos com roupas coloridas. As partes
superiores dos corpos d ’Eles já eram muito atraentes, mas quando a corcunda
passou polpa de sândalo em Seus corpos, Eles ficaram ainda mais belos. Por
ter ficado muito satisfeito com este serviço, Krsna pôs-Se a considerar como
recompensá-la. Em outras palavras, para que o devoto consciente de Krsna
Krsna quebra o arco na arena sacrificial 275

chame a atenção do Senhor, ele tem que servi-Lo com grande amor e devo­
ção. Nenhuma outra ação além do serviço transcendental amoroso a Krsna
pode satisfazê-Lo. Pensando dessa maneira, o Senhor Krsna apertou os
pés da corcunda com os dedos dos pés d’Ele e, pegando nas bochechas dela
com os dedos dTEle, deu-lhe um puxão para endireitá-la. Imediatamente, a
corcunda tomou a aparência de uma bela moça esguia, com amplos quadris,
cintura fina e seios muito bonitos e bem formados. Já que Krsna estava
satisfeito com o serviço prestado pela corcunda, e já que as mãos de Krsna
tocaram nela, ela se tom ou a mais bela jovem entre as mulheres. Este inci­
dente mostra que o devoto que serve a Krsna eleva-se imediatamente à
posição mais exaltada. Sob todos os pontos de vista, o serviço devocional
é tão potente que qualquer pessoa que o adota toma-se qualificada com
todas as qualidades divinas. Krsna Se sentiu atraído pela corcunda não
por causa da beleza dela,'m as sim por causa do serviço que ela prestou;
assim que ela prestou serviço, tomou-se imediatamente a mais bela das
mulheres. Uma pessoa consciente de Krsna não precisa ser competente,
nem bela; depois que se torna consciente de Krsna e que presta serviço
a Krsna, ela se torna muito competente e bela.
Quando a mulher se converteu numa mocinha delicadamente bela, pelo
favor de Krsna, ela se sentiu naturalmente muito obrigada para com Krsna,
e também se sentiu atraída pela beleza d^Ele. Sem hesitar, pegou da parte
traseira da roupa d Ele e começou a puxá-la para si. Ela sorriu galanteado -
ramente e admitiu que estava agitada, sentindo desejos luxuriosos. Esque­
ceu-se de que se encontrava na rua e diante do irmão mais velho de Krsna
e dos amigos d’Este.
Ela propôs francamente a Krsna: “Meu querido herói, não posso deixá-Lo
desta maneira. Você tem que vir a minha casa. Já me sinto por demais
atraída por Sua beleza, e por isso tenho que recebê-Lo bem, pois entre os
varões Você é o melhor. Você também tem que ser muito amável comigo.” Em
palavras simples ela propôs que Krsna viesse até a casa dela e lhe satisfizesse os
desejos luxuriosos.
Naturalmente, Krsna Se sentiu um pouco embaraçado na frente de Bala-
rãma, Seu irmão mais velho, mas Ele sabia que a mocinha era simples e estava
sentindo-se atraída; por isso, Ele simplesmente riu das palavras dela. Olhando
em direção a Seus amigos, os pastorzinhos de vacas, Ele respondeu â mocinha;
“Minha querida e bela mocinha, estou muito satisfeito com seu convite, e
deverei ir a sua casa depois que terminar com o outro negócio que tenho a
fazer aqui. Uma mocinha bela como você é o único meio de consolo para uma
pessoa como Eu, pois estou longe de casa e não sou casado. Certamente, como
você é uma namorada adequada, você pode nos aliviar de todas as espécies de
276 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

agitação mental.” Desta maneira, Krsna satisfez a mocinha com palavras doces.
Ele a deixou ali e continuou a caminhar pela rua do mercado onde os cidadãos
estavam prontos para recebê-Lo com diversos tipos de presentes, especialmente
nozes de betei, flores e sândalo.
Os homens mercantis que se encontravam no mercado adoraram Krsna
e Balarãma com grande respeito. Quando Krsna passava pela rua, todas
as mulheres nas casas circunjacentes vinham vê-Lo, e algumas das mulheres
mais jovens quase desmaiavam, sentindo-se cativadas pela beleza d*Ele. O
cabelo e a roupa justa delas se soltavam, e elas se esqueciam de onde se
encontravam.
A seguir, Krsna perguntou aos cidadãos a respeito da área onde se encon­
trava o lugar do sacrifício. Kamsa tinha tomado providências para a execução
do sacrifício chamado Dhanur-yajna, e havia colocado um grande arco perto
do altar sacrificial para designar este sacrifício particular. O arco era muito
grande e maravilhoso e semelhava o arco-íris do céu. Muitos policiais e vigias
empregados do rei Kamsa protegiam este arco dentro da arena sacrificial.
Quando Krsna e Balarãma se aproximaram do arco, avisaram-Nos de que não
Se aproximassem mais, porém Krsna ignorou este aviso. Ele prosseguiu ener­
gicamente e pegou o grande arco imediatamente com Sua mão esquerda. Após
esticar a còrda do arco na presença da multidão, Ele o puxou e quebrou-o no
meio em duas partes, exatamente como um elefante quebra a cana-de-açúcar
no campo. Todas as pessoas presentes apreciaram o poder de Krsna. O som do
arco a quebrar encheu tanto o céu quanto a terra e foi ouvido por Kamsa.
Quando foi informado do que acontecera, Kamsa começou a temer por sua
vida. A pessoa encarregada de tomar conta do arco, que se encontrava perto a
vigiar, ficou muito irada. Esta pessoa mandou que seus homens tomassem das
armas, e pôs-se a correr em direção a Krsna gritando: “Prendam-Noí Matem-
No! Matem-No!” Krsna e Balarãma estavam cercados. Quando viram os
movimentos ameaçadores dos guardas, Eles Se irritaram, ao que começaram a
surrar todos os homens do guarda, tomando dos dois pedaços do arco
quebrado. Enquanto esta agitação continuava, Kamsa mandou um pequeno
grupo de tropas para ajudar aos guardas, mas tanto Krsna quanto Balarãma
lutaram com eles também e os mataram.
Depois disso, Krsna não prosseguiu em direção à arena sacrificial, saindo,
isso sim, do portão e caminhando em direção ao acampamento de descanso
d ’Eles. Pelo caminho, Ele visitou diversos lugares na cidade de Mathurã, com
grande deleite. Vendo as atividades e a intrepidez maravilhosa de Krsna, todos
os cidadãos de Mathurã começaram a considerar que os dois irmãos eram
semideuses que haviam descido até Mathurã, e todos eles olharam para Eles
com grande admiração. Os dois irmãos perambulavam à vontade pela rua, sem
ligar para a lei e a ordem de Kamsa.
Krsna quebra o aico na arena sacrificíal 277

Quando anoiteceu, Krsna e Balarãma, juntamente com Seus amigos,


os pastorzinhos de vacas, dirigiram-se para os limites da cidade, onde estavam
reunidos todos os carros deles. Assim, Krsna e Balarãma deram a Kamsa algu­
mas insinuações preliminares da chegada d’Eles, ao que Kamsa pôde compreen­
der o tipo severo de perigo que no dia seguinte esperava por ele na arena sa-
crificial.
Quando Krsna e Balarãma estavam indo de Vrndãvana para Mathurã, os
habitantes de Vrndãvana imaginaram a grande fortuna dos cidadãos de Mathu­
rã de poderem ver a beleza maravilhosa de Krsna, o qual é adorado por Seus
devotos puros, bem como pela deusa da fortuna. As fantasias dos residentes de
Vrndãvana tornaram-se realmente verdadeiras, pois os cidadãos de Mathurã
se satisfizeram completamente ao verem Krsna.
Quando Krsna regressou a Seu acampamento, servos cuidaram d ’Ele
lavando-Lhe os pés de lótus, sentando-0 confortavelmente e oferecendo-
Lhe leite e pratos de comidas gostosas. Após tomar a ceia e pensar no progra­
ma para o dia seguinte, Ele começou a descansar pacificamente. Assim passou
Ele a Sua noite ali.
Do outro lado, quando Kamsa foi informado de que Krsna quebrara seu
arco maravilhoso e matara o guarda e os soldados, ele pôde compreender em
parte o poder da Suprema Personalidade de Deus. Ele pôde compreender que
o oitavo filho de Devaki aparecera e que agora sua morte era iminente. Pen­
sando em sua morte iminente, ele ficou sem dormir a noite inteira. Começou
a ter muitas visões inauspiciosas, podendo compreender que tanto Krsna
quanto Balarãma, os quais haviam Se aproximado dos limites da cidade, eram
os mensageiros da morte dele. Kamsa passou a ver diversos tipos de sinais
inauspiciosos, tanto enquanto estava acordado, quanto enquanto dormia.
Quando olhava no espelho, não conseguia ver sua cabeça, embora na realidade
a cabeça estivesse presente. Podia ver os astros no céu em dobro, embora
na realidade só houvesse um conjunto de astros. Passou a ver furos em sua
sombra, e podia ouvir um zumbido alto dentro dos ouvidos. Todas as árvores
que apareciam na frente dele pareciam ser feitas de ouro, e ele não conseguia
ver suas próprias pegadas na poeira ou no barro lamacento. Sonhando, via
diversos tipos de fantasmas, sendo levados numa carruagem puxada por burros.
Também sonhava que alguém lhe dava veneno e que ele o estava bebendo.
Sonhava também que andava nu, com uma guirlanda de flores, e que passava
óleo por todo o corpo. Assim, como percebesse diversos sinais de morte, tanto
acordado quanto dormindo, Kamsa pode compreender que a morte era
certa, e dessa maneira, com grande ansiedade, não conseguiu descansar naquela
noite. Depois que a noite acabou, ele se dedicou ativamente aos preparativos
para a sessão de luta.
A arena da luta foi bem limpa e enfeitada com bandeiras, festões e flores,
278 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

c anunciaram a competição com batidas de timbales. A plataforma estava


muito bonita por causa das flâmulas e das bandeiras. Dispuseram diferentes
tipos de tribunas para as pessoas respeitáveis — os reis, os brãhmanas e os ksa-
triyas. Os diversos reis tinham reservado tronos, e havia outros que também
tinham reservado lugares. Finalmente Kamsa chegou, acompanhado por vários
ministros e secretários, e sentou-se na plataforma elevada, feita especialmente
para ele. Infelizmente, embora estivesse sentado no centro de todos os chefes
executivos do governo, o coração dele palpitava, com medo da morte. Eviden­
temente, a morte cruel não liga nem sequer para uma pessoa poderosa como
Kamsa. Quando a morte vem, ela não liga para a posição exaltada de ninguém.
Quando tudo estava pronto, os lutadores, que iríam exibir suas habilida­
des diante da assembléia, entraram na arena. Estavam enfeitados com
ornamentos e roupas brilhantes. Dentre os famosos lutadores estavam
Cãnüra, Mustika, Sala, Küta e Tosala. Sentindo-se animados com o concerto
musical, eles passaram pela arena com grande aiacridade. Todos os respeitáveis
pastores de vacas que tinham vindo de Vrndãvana, encabeçados por Nanda,
também receberam as boas-vindas de Kamsa. Após presentearem Kamsa com
os produtos lácteos que haviam trazido com eles, os pastores de vacas também
ocuparam seus respectivos assentos ao lado do rei, numa plataforma feita
cspecialmentc para eles.

Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Qua­


renta e Um de JKrsna, intitulado (CKrsna Quebra o Arco na Arena Sacrificial. ”
42/ A morte do elefante Kuvalayapida

Após tomarem Seus banhos e terminarem todos os outros deveres matu­


tinos, Krsna e Balarãma puderam ouvir o bater dos timbales no campo da luta.
Imediatamente Eles Se prepararam para ir até o local e assistir ao divertimento.
Quando Krsna e Balarãma chegaram ao portão do campo da luta, Eles viram
um guarda, tomando conta de um grande elefante, chamado Kuvalayapida. O
guarda estava deliberadamente bloqueando a entrada d'Eles, conservando o
elefante na frente do portão. Krsna pôde compreender qual era a intenção do
guarda, e por isso Se preparou, apertando Sua roupa antes de lutar com o
elefante. Ele começou a falar ao guarda com uma voz muito grave, retumbante
como uma nuvem: “Seu guarda patife, abra caminho e deixe-Me passar pelo
portão. Se você bloquear Minha passagem, mandarei você e seu elefante para
a casa da morte personificada.”
Quando Krsna insultou o guarda desta maneira, este ficou muito irrita­
do, e fez com que o elefante atacasse Krsna, a fim de desafiá-Lo, como fora
planejado anteriormente. Então o elefante se deslocou para a frente de Krsna,
tal qual a morte inevitável. Ele correu em direção a Krsna e tentou agarrá-Lo
* com sua tromba, mas Krsna moveu-Se para trás do elefante, com muita des-
l treza. Como só conseguisse ver até a extremidade do seu nariz, o elefante
I não pôde ver Krsna escondido atrás de suas pernas; porém, tentou capturá-
! Lo com sua tromba. Mais uma vez Krsna escapou rapidamente de ser
capturado, e correu novamente para trás do elefante, agarrando-lhe o rabo.
i Krsna segurou o elefante pelo rabo e começou a puxá-lo, e com uma força
muito grande, arrastou-o por pelo menos vinte e cinco quilômetros, da mesma
forma que Garuda arrasta uma serpente insignificante. Krsna puxou o elefante
de um lado para o outro, da direita para a esquerda, exatamente como costu-
^ mava puxar o rabo de um bezerro quando era criança. Depois disso, Krsna
foi paxa a frente do elefante e deu-lhe uma forte bofetada. Em seguida, Ele
280 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

escapuliu-Se da vista do elefante e. correu paia trás dele. Depois, jogando-Se


no chão, Krsna Se colocou na frente das duas pernas do elefante e fez com
que este tropeçasse e caísse. Krsna levantou-Se imediatamente, mas o elefante,
pensando que Ele ainda estava deitado, tentou enfiar um dente de marfim no
corpo de Krsna, trespassando o solo violentamente com ele. Embora o elefan­
te estivesse perturbado e irritado, o guarda que estava montado sobre sua
cabeça tentou provocá-lo ainda mais. Então o elefante correu loucamente
em direção a Krsna. Logo que o elefante ficou ao alcance de Krsna, Este
agarrou-lhe a tromba e deitou-o abaixo. Quando o elefante e o guarda caíram,
Krsna pulou nas costas do elefante, quebrou-as e matou o guarda também.
Após matar o elefante, Krsna colocou um dente de marfim sobre Seu ombro.
Decorado com gotas de suor e borrifado com o sangue do elefante, Ele sentiu-
Se muito bem-aventurado, e desse modo prosseguiu em direção ao campo
da luta. O Senhor Balarãma colocou o outro dente do elefante sobre Seu
ombro. Acompanhados por Seus amigos,- os pastorzinhos de vacas, Eles
entraram na arena.
Quando Krsna entrou na arena da luta com Balarãma e Seus amigos,
Ele apareceu diferentemente para diferentes pessoas, de acordo com as diferen­
tes relações (rasas) que elas tinham com Ele. Krsna é o reservatório de todo
o prazer e de todos os tipos de rasas, tanto favoráveis quanto desfavoráveis.
Para os lutadores Ele apareceu exatamente como um raio. Para as pessoas
em geral Ele apareceu como a mais bela personalidade. Para as mulheres Ele
pareceu ser o mais atrativo dos varões, o Cupido personificado, e desse modo
aumentou-lhes a luxúria. Os pastores de vacas que estavam presentes ali olha­
ram para Krsna como se Este fosse o próprio parente' deles, advindo da
mesma aldeia de Vrndãvana. Os reis ksatriya que estavam presentes viram
n ’EIe o mais forte dos governantes. Para os pais de Krsna, Nanda e Yasodã,
Ele pareceu ser o filho mais adorado. Para Karhsa, o rei da dinastia Bhoja,
Ele pareceu ser a morte personificada. Para os ininteügentes, Ele pareceu
ser uma personalidade incapaz. Para os yogís ali presentes, Ele pareceu
ser a Superalma. Para os membros da dinastia Vrsni, Ele pareceu ser o
mais famoso dos descendentes. Apreciado assim diferentemente, por
diferentes tipos de pessoas, Krsna entrou na arena da luta com Balarãma
.e Seus amigos, os pastorzinhos de vacas. Ao ser informado de que Krsna
já havia matado Kuvalayãplda, o elefante, Kamsa entendeu que, sem
dúvida, Krsna era formidável. Desse modo, ficou com muito medo d ’Ele
(Krsna). Krsna e Balarãma tinham longos braços. Estavam belamente
vestidos e eram atrativos para todas as pessoas reunidas ali. Estavam vestidos
como se fossem atuar no palco de um teatro, e chamavam a atenção de todas
as pessoas.
Os cidadãos da cidade de Mathurã que viram Krsna, a Suprema
A morte do elefante Kuvalayãplda 281

Personalidade de Deus, ficaram muito contentes, e passaram a olhar para o


rosto d’Ele com olhares insaciáveis, como se estivessem bebendo o néctar do
céu. O ato de ver Krsna deu-lhes tanto prazer que parecia que eles estavam não
somente bebendo o néctar de estarem vendo o rosto d ’Ele, mas também
cheirando o aroma e lambendo o gosto do corpo d ’Ele e abraçando-0 e a Bala-
rãma com os braços deles. Eles começaram a conversar entre si a respeito dos
dois irmãos transcendentais.
Por muito tempo tinham ouvido falar na beleza e nas atividades de Krsna
e Balarãma, mas agora Os estavam vendo pessoalmente, face a face. Eles
julgavam que Krsna e Balarãma fossem duas encarnações plenárias da Suprema
Personalidade de Deus, Nãrãyana, que haviam aparecido em Vrndãvana.
Os cidadãos de Mathurã começaram a recitar os passatempos de Krsna:
o nascimento d ’Ele como o filho de Vasudcva, Nanda Mahãrãja e sua esposa
cuidando d’Ele em Gokula, e todos esses eventos que conduziram à
vinda d’Ele para Mathurã. Eles falaram da morte da demônia Pütanã, como
também da morte de Trnãvarta, que aparecera como um redemoinho. Evoca­
ram também a salvação dos irmãos gêmeos de dentro das árvores yama-
la arjuna. Os cidadãos de Mathurã falaram entre si: “Em Vrndãvana, Krsna e
Balarãma mataram Sankhãsura, KesI, Dhenukãsura e muitos outros demônios.
Krsna também salvou todos os pastores de vacas de Vrndãvana do incêncio
devastador. Ele puniu a serpente Kãliya na água do Yamunã, e refreou o
orgulho falso de Indra, o rei celestial. Krsna ergueu a grande Colina de Govar-
dhana com uma só mão, durante sete dias seguidos, e salvou todas as pessoas
de Gokula da chuva incessante, dos ciclones e das tempestades de ventos.”
Eles também se puseram a lembrar de outras atividades vivificantes: “As don­
zelas de Vrndãvana ficaram tão satisfeitas ao verem a beleza de Krsna e ao
participarem em Suas atividades, que se esqueceram do objetivo da existência
material. Por terem visto e pensado em Krsna, elas se esqueceram de todas
as espécies de fadiga material.” Os cidadãos de Mathurã conversaram sobre
a dinastia de Yadu, dizendo que os Yadus ficariam sendo a família mais
famosa em todo o universo, porque Krsna aparecera nesta dinastia. Enquanto
conversavam assim a respeito das atividades de Krsna e de Balarãma, eles
ouviram as vibrações de diferentes bandas musicais, anunciando a sessão
de luta.
Então o famoso lutador Cãnüra começou a falar com Krsna e Balarãma:
“Meus queridos Krsna e Balarãma”, disse ele, “temos ouvido falar de Suas
atividades passadas. Vocês são grandes heróis, e foi por isso que o rei Os
chamou. Ouvimos falar que os Seus braços são muito fortes. O rei e todas
as pessoas presentes aqui desejam ver uma exibição de Suas habilidades na
luta. Um cidadão deve ser obediente e satisfazer a mente do rei governante;
282 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

o cidadão que atua desta maneira alcança todas as espécies de boa fortuna.
Uma pessoa que não dá importância para atuar obedientemente torna-se
infeliz por causa da ira do rei. Vocês são pastorzinhos de vacas, e ouvimos
falar que Vocês Se divertem lutando um com o outro enquanto tomam conta
de Suas vacas na floresta. Por isso, esperamos que Vocês Se juntem a nós
na luta, para que todas as pessoas aqui presentes, juntamente com o rei,
fiquem satisfeitas.”
Krsna compreendeu imediatamente o objetivo das declarações de Cãnüra,
ao que Se preparou para lutar com ele. Mas levando em consideração o tempo
e as circunstâncias, Ele falou como se segue: “Você é o súdito do rei de Bhoja
e vive na selva. Indiretamente Nós também somos súditos dele, e tentamos
satisfazê-lo tanto quanto possível. A oferta desta luta é um grande favor da
parte dele, mas o fato é que Nós somos simples meninos. Às vezes brincamos
na floresta de Vrndãvana com Nossos amigos que têm a mesma idade que Nós.
Achamos que é bom para Nós lutar com pessoas que tenham a mesma idade
e a mesma força, mas não seria bom para a audiência que lutássemos com
grandes lutadores como vocês. Isto contradiría os princípios religiosos delas.”
Assim Krsna indicou que os fortes e famosos lutadores não deviam desafiar
Krsna e Balãrãma para lutar.
Em resposta a isto, Cãnüra disse: “Meu caro Krsna, podemos compreen­
der que Você não é nem uma criança nem um jovem. Você é transcendental
a todos, assim como Balarãma, Seu irmão mais velho. Você já matou o elefan­
te Kuvalayãplda, que era capaz de lutar e derrotar outros elefantes. Você o
matou duma forma maravilhosa. Por causa de Sua força, convém que Você
compita com os mais fortes'lutadores que há entre nós. Por isso, eu desejo
lutar com Você; e Balarãma, Seu irmão mais velho, lutará com Mustika.”

Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Qua­


renta e Dois de Krsna, intitulado “A Morte do Elefante Kuvalayapida."
43/ A morte de Kamsa
Depois que os lutadores de Kamsa expressaram sua determinação, a
Suprema Personalidade de Deus, o matador de Madhu, confrontou Cãnüra; e
o Senhor Balarãma, o filho de Rohiní, confrontou Mustika. Krsna e Cãnüra,
e depois Balarãma e Mustika, cerraram-se mão a mão, perna a perna, e cada
um pôs-se a atacar o outro, visando a sair vitorioso. Eles se juntaram palmo
a palmo, perna a perna, cabeça a cabeça, peito a peito, e começaram a espancar
uns os outros. A luta aumentava à medida que se empurravam de um lado para
o outro. Um capturava o outio o o atirava ao solo, e um corria das costas para
a frente de outro e tentava subjugá-lo com um golpe. A luta aumentava
passo a passo. Eles se levantavam, arrastavam-se e se empurravam, e então as
pernas e as mãos se embaraçavam. Os grupos exibiam todas as artes da luta
perfeitamente, pois cada grupo tentou o melhor que pôde para derrotar o
grupo oponente.
Porém, a audiência presente na arena da luta não estava muito satisfeita,
porque os combatentes não pareciam estar medindo forças de igual para igual.
Eles consideravam que Krsna e Balarãma não passavam de meninos perante os
lutadores Cãnüra c Mustika, que eram homens imensos, sólidos como pedra.
Como sentissem compaixão de Krsna e Balarãma e estivessem do lado d ’Eles,
muitos membros da audiência começaram a conversar como se segue: “Queri­
dos amigos, aqui há perigo.” Outra pessoa disse: “Esta luta entre lados incom­
patíveis está acontecendo bem na frente do rei.” A audiência havia perdido
seu sentido de prazer. Eles não podiam apoiar a luta entre os fortes e os
fracos. “Mustika e Cãnüra são como raios, fortes como grandes montanhas, e
Krsna e Balarãma são dois meninos delicados, ainda nos Seus verdes anos.
O principio da justiça já abandonou esta assembléia. As pessoas que têm
conhecimento dos principios civilizados da justiça não ficarão assistindo
esta competição injusta. As pessoas que estão participando desta sessão de
284 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

luta não são muito iluminadas; por isso, quer falem, quer fiquem caladas, elas
estão se sujeitando às reações de atividades pecaminosas.” “Mas meus queridos
amigos” , falou outra pessoa na assembléia, “olhem só para o rosto de Krsna.
Ele tem o rosto suado de perseguir Seu inimigo, e o rosto d ’Ele parece com a
• flor de lótus com gotas d ’água. E vocês repararam como o rosto do Senhor
Balarama cstácspecialmcnte bonito? O rosto branco d’Ele tomou um matiz aver­
melhado porque Ele está ocupado numa sessão de luta violenta com Mustika.”
As damas presentes na assembléia também se dirigiram umas às outras.
“Queridas amigas, imaginem só quão afortunada é a terra de Vrndãvana, onde
está presente a própria Suprema Personalidade de Deus, enfeitado sempre com
guirlandas de flores e ocupado em cuidar das vacas juntamente com o Senhor
Balarama, o irmão d*Ele. Os Seus amigos, os pastorzinhos de vacas, sempre O
acompanham, e Ele toca Sua flauta transcendental. Os residentes de Vrndãvana
têm a fortuna de poderem ver os pés de lótus de-Krsna e Balarama constante­
mente, pés que são adorados por grandes semideuses, tais como o Senhor Siva
e Brahmã e a deusa da fortuna. Não podemos avaiiar o número de atividades
piedosas que as donzelas de Vrajabhümi executaram para que pudessem des­
frutar da Suprema Personalidade de Deus e olhar para a beleza incomparável
do corpo transcendental d ’Ele. A beleza do Senhor é incomparável. Não há
ninguém que seja superior ou igual a Ele em beleza e compleição, ou de
brilho corpóreo. Krsna e Balarama são o reservatório de todas as espécies de
opulência — a saber: riqueza, força, beleza, fama, conhecimento e renúncia.
As gopls são tão afortunadas que podem ver Krsna e pensar n*Ele vinte e
quatro horas por dia, começando da hora em que ordenham as vacas, ou de­
bulham o arroz com casca, ou batem a manteiga pela manhã. Enquanto se
dedicam a limpar suas casas e a lavar os pisos, estão sempre absortas, pen­
sando em Krsna.”
As gopls dão um exemplo perfeito de como podemos executar a cons­
ciência de Krsna, mesmo que tenhamos diferentes tipos de ocupações mate­
riais. Uma pessoa que está constantemente absorta, pensando em Krsna, não
pode ser afetada pela contaminação de atividades materiais. Por isso, as
gopls estão perfeitamente em transe, samãdhi, a fase perfeccional mais ele­
vada do poder místico. No Bhagavad-gítã se confirma que dentre todos os
tipos de yogis, aquele que pensa constantemente em Krsna é um yogi de pri­
meira classe. “Minhas queridas amigas” , disse uma dama a outra, “temos que
aceitar que as atividades das gopls são a forma mais elevada de piedade; se não,
como poderíam elas ter conseguido a oportunidade de ver Krsna tanto pela
manhã, quando Ele vai para o campo de pastagem com Suas vacas e amigos
pastorzinhos de vacas, quanto à noite, quando Ele regressa? Elas O vêem fre-
qüentemente, tocando Sua flauta e sorrindo brilhantemente.”
Quando o Senhor Krsna, a Superalma de todos os seres vivos, compreendeu
A morte de Karhsa 285

que as damas na assembléia estavam ansiosas acerca dTsle, Ele decidiu não
continuar lutando, mas sim matar os lutadores imediatamente. Os pais de
Krsna e Balarãma, a saber: Nanda Mahãrãja, Yasodã, Vasudeva e DevakT,
também estavam muito ansiosos, porque não conheciam a força ilimitada
de seus filhos, O Senhor Balarãma estava lutando com o lutador Mustika,
da mesma forma que Krsna, a Suprema Personalidade de Deus, estava lutando
com Cãnüra. 0 Senhor Krsna pareceu ser cruel com Cãnüra, e imediatamente
deu-lhe três sopapos com o punho. Para o espanto da audiência, o grande luta­
dor estava abalado. Então Cãnüra aproveitou sua última oportunidade e ata-*
cou Krsna, assim como um falcão cai sobre outro. Com as duas mãos fecha­
das, começou a dar socos no peito de Krsna, mas o Senhor Krspa nem de leve
Se perturbou, assim como um elefante que é atingido por uma guirlanda de
flores. Krsna agarrou as duas mãos de Cãnüra rapidamente e começou a rodá-
lo à volta, e com esta simples ação centrifuga Cãnüra perdeu sua vida. Depois
então Krsna atirou-o ao solo. Cãnüra caiu como a bandeira de Indra, e todos
os ornamentos bem decorados dele estavam espalhados para lá e para cá.
Mustika também deu pancadas em Balarãma, e Balarãma retribuiu as
pancadas com grande força. Mustika começou a tremer, e de sua boca correu
sangue e vômito. Aflito, ele abandonou a sua força vital e caiu como uma
árvore cai durante um ciclone. Depois que os dois lutadores foram mortos,
um lutador chamado Küta se apresentou. O Senhor Balarãma agarrou-o
imediatamente com a Sua mão esquerda e matou-o com um ar de
indiferença. Outro lutador chamado Sala se apresentou, ao que Krsna
chutou-o imediatamente e partiu-lhe a cabeça. Outro lutador chamado
Tosala apresentou-se e foi morto da mesma maneira. Assim, Krsna
e Balarãma mataram todos os grandes lutadores, e os lutadores restantes
puseram-se a fugir da assembléia, temendo por suas vidas. Todos os
amigos pastorzinhos de vacas de Krsna e Balarãma aproximaram-se
d ’Eles e felicitaram-Nos com grande prazer. Enquanto batiam tambores
e conversavam sobre a vitória, os sininhos de perna, nos pés de Krsna
e Balarãma, tilintavam.
Todas as pessoas ali reunidas começaram a bater palmas com grande
êxtase, e não seria possível avaliar os limites do seu prazer. Os brãhmanas
presentes puseram-se a louvar Krsna e Balarãma extaticamente. Karhsa era
o único que estava taciturno; ele nem batia palmas, nem abençoava Krsna.
Kamsa ressentiu-se de que tivessem tocado os tambores pela vitória
de Krsna, e lamentou muito pelo fato dos lutadores terem sido mortos e terem
fugido da assembléia. Por isso, mandou que parassem imediatamente de tocar
tambor e pôs-se a falar com seus amigos como se segue: “Ordeno que esses
dois filhos de Vasudeva sejam afastados imediatamente de Mathurã. Vocês
286 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

devem saquear os pastorzinhos de vacas que vieram com Eles, roubando-lhes


todas as riquezas. Prendam Nanda Mahãiãja imediatamente e matem-no por
seu comportamento astuto, e também o patife Vasudeva deve ser morto sem
demora. Além disso, Ugrasena, meu pai, que sempre contra minha vontade
apoiou meus inimigos, deve ser m o rto /’
Depois que Kamsa falou dessa maneira, o Senhor Krsna ficou muito irado
com ele, e num segundo pulou em cima dos altos guardas do rei Kamsa. Kamsa
estava preparado para o ataque de Krsna, pois sabia desde o começo que Krsna
seria a causa de sua morte. Imediatamente desembainhou sua espada e se
preparou para responder ao desafio de Krsna, com espada e escudo. Quando
Kamsa bramiu sua espada para cima e para baixo, para lá e para cá, o Senhor
Krsna, o Supremo Senhor poderoso, agarrou-o com grande força. A Suprema
Personalidade de Deus, que é o refúgio de toda a criação e de cujo umbigo
de lótus se manifesta toda a criação, derrubou imediatamente a coroa da
cabeça de Kamsa e agarrou-lhe o longo cabelo com a mão. Depois então, Ele
arrastou Kamsa de seu assento para o estrado da luta e atirou-o ao chão. Em
seguida, Krsna sentou-Se imediatamente, de pernas escarranchadas, sobre
o peito de Kamsa e pôs-Se a espancá-lo repetidamente. Simplesmente com
as pancadas do punho dTile, Kamsa perdeu sua força vital.
A fim de assegurar a Seus pais que'Kamsa estava morto, o Senhor
Krsna arrastou-o assim como um leão arrasta um elefante após matá-lo.
À vista disto, ouviu-se um grande som ribombante de todos os lados, enquanto
alguns espectadores expressavam seu júbilo e outros choravam, a lamentar-se.
Desde o dia em que Kamsa ouvira falar que seria morto pelo oitavo filho de
DevakT, ele esteve sempre pensando em Krsna vinte e quatro horas por dia,
sem parar — até mesmo enquanto comia, caminhava, respirava —e, natural­
mente, obteve a bênção da liberação. No Bhagavad-gitã se declara: saclã tad-
bhãva-bhãvitah: uma pessoa obtém sua vida seguinte de acordo com os pen­
samentos nos quais se absorva sempre. Kamsa pensava em Krsna com a
roda d ’Ele, o que significa Nãrãyana, que segura uma roda, um búzio, uma flor
de lótus e uma maça.
Segundo a opinião das autoridades, Kamsa alcançou sãrüpya-mukti após
a morte, o que significa dizer que ele alcançou a mesma forma que
Nãrãyana (Visnu). Nos planetas Vaikuntha todos os habitantes têm os mesmos
aspectos corpóreos que Nãrãyana. Após sua morte, Kamsa alcançou a liberação
e foi promovido ao Vaikunthaloka. Com este exemplo podemos compreender
que até uma pessoa que pense na Suprema Personalidade de Deus como inimi­
go dela obtém a liberação e um lugar num planeta Vaikuntha, e isto para não
falar dos devotos puros, que estão sempre absortos pensando favoravelmente
em Krsna. Até mesmo um inimigo que Krsna mate obtém a liberação e é colo­
cado no brahmajyoti impessoal. Uma vez que a Suprema Personalidade de
A morte de Kamsa 287

Deus é completamente bom, qualquer pessoa que pense nTíle, seja como um
inimigo seja como um amigo, obtém a liberação. Porém, a liberação do devoto
e a liberação do inimigo não são iguais. De um modo geral, o inimigo obtem
a liberação de sãyufya, sendo que às vezes obtém a liberação sãrüpya.
Kamsa teve oito irmãos, encabeçados por Kanka. Todos estes irmãos
eram mais novos que Kamsa; quando souberam que o irmão mais velho deles
tinha sido morto, eles .se juntaram e, com grande ira, se precipitaram em
direção a Krsna para matá-Lo. Kamsa e seus irmãos eram todos tios maternos
de Krsna. Todos eles eram irmãos de Devakl, a mãe de Krsna. Quando Krsna
matou Kamsa, Ele matou Seu tio materno, o que vai de encontro á regulação
da injunção védica. Embora Krsna seja independente de todas as injunções
védicas, Ele só viola a injunção védica em circunstâncias inevitáveis. Ninguém
além de Krsna poderia ter matado Kamsa; por isso, Krsna foi obrigado a matá-
lo. Quanto aos oito irmãos de Kamsa, Balarãma Se encarregou de matá-los.
Rohini, a mãe de Balarãma, não era irmã de Kamsa, embora fosse esposa de
Vasudeva; por isso, Balarãma Se encarregou de matar todos os oito irmãos
de Kamsa. Imediatamente Ele tomou de uma arma disponível, mais prova­
velmente o dente do elefante que levava conSigo, e matou os oito irmãos um
após o outro, assim como um leão mata um bando de veados. Krsna e
Balarãma confirmaram assim a declaração de que a Suprema Personalidade
de Deus aparece para dar proteção aos piedosos e para matar os demônios
• impiedosos, que são sempre inimigos dos semideuses.
Os semideuses dos sistemas planetários superiores começaram a lançar
flores, felicitando Krsna e Balarãma. Entre os semideuses encontravam-se
personalidades poderosas como o Senhor Brahmã e Siva, que se juntaram
todos para manifestar o júbilo que sentiam com a morte de Kamsa. Dos
planetas celestiais, os semideuses tocavam tambores e lançavam flores, e as
esposas começaram a dançar em êxtase.
As esposas de Kamsa e de seus oito irmãos se afligiram por causa das
mortes repentinas de seus esposos, e todas elas estavam dando pancadas nas
testas e vertendo torrentes de lágrimas.
Estavam chorando muito alto e abraçando os corpos de seus esposos.
As esposas de Kamsa e de seus irmãos puseram-sc a lamentar, falando para os
cadáveres: “Nossos queridos esposos, vocês são tão amáveis e são os protetores
de seus dependentes. Agora, depois que vocês morreram, nós também estamos
mortas, juntamente com seus lares e filhos. Já não estamos parecendo muito
prósperas. Por causa da morte de vocês, as cerimônias auspiciosas que iriam
acontecer, tais como o sacrifício do arco, estão completamcnte prejudicadas.
Nossos queridos esposos, vocês trataram mal a pessoas que eram impecáveis, e
como resultado foram mortos. Isto é inevitável, porque uma pessoa que
atormenta uma pessoa inocente deve ser punida pelas leis da natureza.
288 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

Sabemos que o Senhor Krsna é a Suprema Personalidade de Deus. Ele é o


senhor supremo de todas as coisas e o desfrutador supremo de todas as coisas,
e por isso qualquer pessoa que despreza a autoridade dTEle não pode jamais
ser feliz, e no final das contas, encontra a morte, como aconteceu com vocês.”
Como Krsna era amável e afetuoso com Suas tias, Ele pôs-Se a consolá-las
tanto quanto possível. Às cerimônias ritualistieas que se observa depois da
morte foram então conduzidas sob a supervisão pessoal de Krsna, porque Ele
era o sobrinho de todos os príncipes mortos. Após acabarem com isso, Krsna e
Balarãma soltaram imediatamente o pai e mãe dTSies, Vasudeva e Devakl, que
tinham sido aprisionados por Kamsa. Krsna e Balarãma caíram aos pés de
Seus pais e ofereceram-lhes orações. Vasudeva e Devakl tinham sofrido tantas
dificuldades porque Krsna era filho deles; era por causa de Krsna que Kamsa
estava sempre lhes dando problemas. Devakl e Vasudeva estavam completa­
mente conscientes da posição exaltada de Krsna como a Suprema
Personalidade de Deus; por esse motivo, embora Krsna tivesse tocado em
seus pés e lhes oferecido reverências e orações, eles não O abraçaram, ficando
simplesmente parados para ouvir a Suprema Personalidade de Deus. Embora
Krsna tivesse nascido como filho deles, Vasudeva e Devakl estavam sempre
conscientes da posição d ’Ele.

Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Qua­


renta e Três de Krsna, intitulado {<A Morte de Kamsa. **
44/ Krsna recupera o filho de Seu mestre

Quando o Senhor Krsna viu que Vasudeva e DevakT mantinham-se para­


dos, numa atitude reverencia], Ele expandiu imediatamente Sua influência de
yogamãyã para que eles pudessem tratá-Lo c a Balaram a como filhos. Assim
como no mundo material a relação que existe entre pai, mãe e filhos pode ser
estabelecida entre diferentes entidades vivas pela influência da energia ilusória,
da mesma forma, pela influência de yogamãyã, o devoto pode estabelecer uma
relação na qual a Suprema Personalidade de Deus seja filho dele. Após criar
esta situação por intermédio da yogamãyã d ’Elc, Krsna, que aparecera com
Balarãma, Seu irmão mais velho, como os filhos mais ilustres na dinastia dos
Sãtvatas, dirigiu-Sc muito submissa e respeitosamente a Vasudeva e DevakT:
“Meus queridos pai e mãe, embora vocês tenham sempre estado muito ansio­
sos acerca da proteção de Nossas vidas, vocês não puderam desfrutar do prazer
de Nos ter como seus bebes, como seus filhos crescidos e como seus jovens
adolescentes.” In diretamente, Krsna louvou a paternidade de Nanda Mahãrãja
e a maternidade de Yas'odã, considerando-as muito gloriosas, porque embora
Ele e Balarãma não fossem filhos nascidos de Nanda e Yasodã, estes desfruta­
ram realmente dos passatempos infantis dTEles. Pelo próprio arranjo da nature­
za, os pais desfrutam a infância do ser vivo corporifiçado. Até mesmo no
reino animal ve-se que os país têm afeição pelos filhos. Sentindo-se cativados
pelas atividades de seus filhos, eles se preocupam muito com o bem-estar
destes. Quanto a Vasudeva e DevakT, eles estavam sempre muito ansiosos
acerca da proteção de seus filhos, Krsna e Balarãma. É por isso que Krsna, após
Seu aparecimento, foi transferido imediatamente para a casa de outra pessoa.
Balarãma também foi transferido do ventre de DevakT para o ventre de Rohini.
290 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

Vasudeva e DevakT viviam cheios de ansiedades acerca da proteção de


Krsna e Balarãma, e não puderam desfrutar os passatempos infantis dTlles.
Krsna disse: “Infelizmente, por ordem de Nosso destino, não pudemos ser
criados por Nossos próprios pais, gozando dos prazeres infantis em casa. Meus
queridos pai e mãe, um homem tem uma divida a pagar para seus pais, dos
quais ele obtém este corpo que lhe pode conceder todos os benefícios da
existência material. Segundo a injunção védica, esta forma de vida humana
capacita-nos a executar todas as espécies de atividades religiosas, a satisfazer
todas as espécies de desejos e a adquirir todas as espécies de riqueza. E é só
nesta forma humana que há toda possibilidade de que possamos nos libertar da
existência material. Este corpo é produzido pelos esforços combinados do pai
e da mãe. Todo ser humano deve se sentir agradecido a seus pais e compre­
ender que não pode retribuir a dívida que tem com eles. Um filho que, depois
de crescido, não tenta satisfazer seus parentes através de suas ações, ou através
de uma doação de riqueza, é certamente castigado após a morte pelo supe­
rintendente da morte e é obrigado a comer sua própria carne. Se uma pessoa
que é capaz de cuidar de, ou dar proteção aos pais idosos, aos filhos, ao mestre
espiritual, aos brãhmanas e aos outros dependentes, não o faz, considera-se que
ela já está morta, mesmo que supostamente esteja respirando. Meus queridos
pai e mãe, vocês sempre estiveram muito ansiosos acerca de Nossa proteção,
mas infelizmente não pudemos lhes prestar nenhum serviço. Até hoje temos
simplesmente desperdiçado o Nosso tempo; não pudemos servi-los por motivos
que estão além de Nosso controle. Mãe e pai, por favor, perdoem-Nos por
Nossa ação pecaminosa.”
Quando a Suprema Personalidade de Deus falava como um menino
inocente, com palavras muito doces, tanto Vasudeva quanto DevakT,
sentiram-se cativados pela afeição paternal e Os abraçaram com grande prazer.
Eles ficaram espantados e não conseguiram falar, nem responder às palavras
de Krsna, mas simplesmente abraçaram-No e a Balarãma com grande afeição e
mantiveram-se calados, vertendo lágrimas incessantemente.
' Consolando assim o pai e a mãe dTTle, a Suprema Personalidade de Deus,
que aparecera como o amado filho de DevakT, aproximou-Se de Ugrasena, o
Seu avô, e anunciou que Ugrasena seria agora o rei do reino de Yadu. Kamsa
tinha estado governando o reino de Yadu à força, apesar da presença de seu
pai, o qual ele havia prendido. Mas após a morte de Kamsa, o pai de Kamsa foi
solto e se anunciou que ele seria o rei do reino de Yadu. Parece que nesses dias
havia muitos reinos pequenos na parte ocidental da índia, reinos estes que
eram governados pela dinastia Yadu, a dinastia Andhaka, a dinastia Vrsni e a
dinastia Bhoja. Mahãrãja Ugrasena pertencia à dinastia Bhoja; por isso, Krsna
declarou indiretamente que o rei da dinastia Bhoja seria imperador dos outros
reinos pequenos. Ele pediu espontaneamente a Mahãrãja Ugrasena que Os
Krsna recupera o filho de Seu mestre 291

governasse porque Eles eram súditos dele (de Mahãrãja Ugrasena). A palavra
prajã é usada tanto no sentido de progênie quanto no sentido de cidadãos, de
modo que Krsna pertencia ao prajã, tanto como um neto de Mahãrãja
Ugrasena, quanto como um membro da dinastia Yadu. Ele aceitou voluntaria­
mente o poder de Mahãrãja Ugrasena. Krsna disse a Ugrasena: “Os reis da
dinastia Yadu não se revoltarão contra o trono porque foram amaldiçoados
pelo Yayãti. Para Nós será um prazer servi-lo como seus servos. A plena
cooperação que Nós vamos lhe dar tornará sua posição mais exaltada e segura,
de modo que os reis de outras dinastias não hesitarão em pagar suas respecti­
vas rendas. Como Nós o protegeremos, até os semideuses dos planetas celes­
tiais hão de honrá-lo. Meu querido avô, por temor a Meu falecido tio Kamsa,
todos os reis pertencentes à dinastia Yadu, à dinastia Vrsni, à dinastia
Andhaka, à dinastia Madhu, à dinastia Dasãrha e à dinastia Kukura estavam
muito ansiosos e perturbados. Agora o senhor pode pacificar a todos e
garantir-lhes segurança. Todo o reino estará em paz.”
Todos os reis da área vizinha tinham deixado seus lares, com receio
de Kamsa, e estavam vivendo em partes distantes do pais. Agora, após a
morte de Kamsa e o restabelecimento de Ugrasena como rei, os reis vizinhos
receberam presentes e confortos de todas as espécies. Depois então, regressa­
ram a seus lares respectivos. Após este bom arranjo político, os cidadãos de
Mathurã estavam satisfeitos de estarem vivendo em Mathurã, pois estavam
sendo protegidos pelos fortes braços de Krsna e Balarãma. Por causa do bom
govemo, na presença de Krsna e Balarãma, os habitantes de Mathurã sentiam
completa satisfação na realização de todos os seus desejos e necessidades
materiais, e como viam Krsna e Balarãma de forma direta, diariamente,
esqueceram-se logo e completamente de todas as misérias materiais. Quando
viam Krsna e Balarãma saindo na rua, vestidos tão bem e sorrindo e olhando
para cá e para lá, os cidadãos se enchiam imediatamente de êxtase amoroso,
simplesmente por verem a presença pessoal de Mukunda, Mukunda se refere
à pessoa que pode outorgar liberação e bem-aventurança transcendental. A
presença de Krsna atuava como um tônico tão vitalizante que não somente a
geração mais nova, mas até mesmo os homens idosos de Mathurã, fortificavam-
se completamente com energia e força jovens, por verem-No regularmente.
Nanda Mahãrãja e Yaíodã também estavam vivendo em Mathurã porque
Krsna e Balarãma Se encontravam ali, mas após algum tempo eles quiseram
regressar a Vrndãvana. Krsna e Balarãma foram ter com Nanda e Yasodã e
abraçaram-nos com muito sentimento e afeição. Krsna pôs-Se a falar como se
segue: “Meus queridos pai e mãe, embora Eu tenha nascido de Vasudeva e
DevakT, vocês têm sido os Nossos pai e mãe verdadeiros, porque desde Nosso
nascimento e Nossa infância vocês Nos criaram com grande afeição e amor. O
amor afetuoso que vocês Nos ofereceram foi maior do que o amor que uma
292 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

pessoa pode oferecer a seus próprios filhos. Vocês são realmente Nossos pai e
mãe, porque Nos criaram como seus próprios filhos, no momento em que Nós
estávamos vivendo como se fôssemos órfãos. Por certos motivos Nossos pai e
mãe Nos rejeitaram, e vocês Nos protegeram. Meus queridos pai e mãe, sei que
vocês sentirão separação se regressarem a Vrndãvana e Nos deixarem aqui, mas,
por favor, estejam certos de que regressarei a Vrndãvana assim que der alguma
satisfação a Meus pai e mãe verdadeiros (Vasudeva e DevakT), a Meu avô e a
outros parentes e membros familiares." Krsna e Balarama satisfizeram Nanda e
Yasodã com palavras doces e presentearam-nos com diversas roupas, ornamen­
tos e utensílios, feitos com decência. Krsna e Balarama satisfizeram Nanda e
Yas'odã, juntamente com os amigos e vizinhos destes, que tinham vindo com
eles de Vrndãvana para Mathurã, tão completamente quanto possível. Nanda
Mahãrãja sentiu que caíram lágrimas de seus olhos por causa de sua excessiva
afeição paterna por Balarãina e Krsna; ele Os abraçou e partiu com os pastores
de vacas para Vrndãvana.
Depois disto, Vasudeva providenciou para que seu filho fosse iniciado
com o cordão sagrado, como prova do segundo nascimento, que é essencial
para as castas superiores da sociedade humana. Vasudeva mandou chamar o
sacerdote de sua família e brãhmanas eruditos, e assim a cerimônia do cordão
sagrado de Krsna e Balarama foi devidamente executada. Durante esta
cerimônia, Vasudeva deu diversos ornamentos em caridade aos brãhmanas e
dotou-os com vacas enfeitadas com roupas de seda e ornamentos dourados.
Anteriormente, na época do nascimento de Krsna e Balarama, Vasudeva tinha
querido dar vacas em caridade aos brãhmanas, mas como Karhsa o havia
prendido ele só conseguiu fazer isto mentalmente. Com a morte de Kamsa,
Vasudeva deu vacas de verdade aos brãhmanas. Aí então Balarama e Krsna
foram devidamente iniciados com a cerimônia do cordão sagrado, e repetiram
o canto do mantra GãyatrT. Após a cerimônia do cordão sagrado, o mantra
Gãyatri é oferecido aos discípulos, e Balarama e Krsna cumpriram
devidamente as funções do cantar deste mantra. Qualquer pessoa que executa
o cantar deste mantra tem que se manter fiel a certos princípios e votos.
Embora Balarama e Krsna fossem ambos personalidades transcendentais, Eles
seguiam estritamente os princípios regulativos. Ambos foram iniciados por
Gargãcãrya, o sacerdote da família d*Elcs, conhecido geralmente como
Gargamuni, o ãcãrya da dinastia Yadu. Segundo a cultura védica, toda pessoa
respeitável tem um ãcãrya, ou mestre espiritual. Uma pessoa que não tenha
sido iniciada, nem instruída por um ãcãrya, não é considerada perfeitamente
culta. Por isso se diz que aquele que tenha se aproximado de um ãcãrya tem
realmente conhecimento perfeito. O Senhor Krsna e Balarama são a Suprema
Personalidade de Deus, o mestre de toda a educação e conhecimento. Não era
necessário que Eles aceitassem um mestre espiritual, ou ãcãrya; não obstante, a
Krsna recupera o filho de Seu mestre 293

fim de instruir as pessoas comuns, Eles também aceitaram um mestre espiritual


para avançar no conhecimento espiritual.
Geralmente, depois que uma pessoa é iniciada no mantra Gãyatri, ela vive
longe de casa por algum tempo, sob os cuidados do ãcarya, para se treinar na
vida espiritual. Durante este período tem-se que trabalhar sob as ordens do
mestre espiritual como um servo subalterno comum. Um brahmacãri que vive
sob os cuidados de um ãcãrya tem que observar muitas regras e regulações, e
tanto o Senhor Krsna quanto Balarãma seguiram estritamente esses princípios
regulativos, enquanto viveram sob as instruções de Sãndlpani Muni, o mestre
espiritual d ’Eles, no lugar onde ele vivia, ao norte da índia. Segundo as injun-
ções escriturais, devemos respeitar um mestre espiritual e considerá-lo em
nível de igualdade com a Suprema Personalidade de Deus. Tanto Krsna quanto
Balarãma obedeceram exatamente a esses princípios, com grande devoção, e Se
submeteram às regulações da brahmacarya, e desse modo satisfizeram o Seu
mestre espiritual, que Os instruiu no conhecimento védico. Como ficou muito
satisfeito, Sãndlpani Muni deu-Lhes instruções a respeito de todas as comple­
xidades da sabedoria védica, como também das literaturas suplementares, tais
como os Upanisads. Como Krsna e Balarãma eram ksatriyas, Eles foram
treinados especificamente na ciência militar, na política e na matemática. Há
seis departamentos de conhecimento na política - como fazer a paz, como
lutar, como pacificar, como dividir e governar, como dar proteção, etc. Todos
estes pontos foram completamente explicados e instruídos a Krsna e Balarãma.
O oceano é a fonte da água que há num rio. A nuvem é criada pela
evaporação da água do oceano, e a mesma água é distribuída como chuva por
toda a superfície da Terra e depois volta ao oceano pelos rios. Assim é que
Krsna e Balarãma, a Suprema Personalidade de Deus, são a fonte de todos os
tipos de conhecimento, mas como estavam representando o papel de meninos
humanos comuns, Eles deram o exemplo, para que todos recebessem conheci­
mento da fonte certa. Assim, Eles concordaram em receber conhecimento de
um mestre espiritual.
Depois de ouvirem uma única vez da parte do mestre, Krsna e Balarãma
aprenderam todas as artes e ciências. Em sessenta e quatro dias e sessenta e
quatro noites Eles aprenderam todas as artes e ciências necessárias na socieda­
de humana. Durante o dia o mestre Lhes dava lições sobre um assunto, e ao
cair da noite, depois que tinham ouvido o mestre falar, Eles estavam peritos
nesse departamento particular de conhecimento.
Primeiramente, Eles aprenderam a cantar, a compor canções e a reconhe­
cer as diferentes melodias; aprenderam as intensidades e metrificações
favoráveis e desfavoráveis, a entoar diferentes tipos de ritmos e melodias e a
acompanhá-los, batendo em diferentes tipos de tambores. Aprenderam dança
rítmica, melodias e diferentes canções. Aprenderam a escrever dramas e apren-
294 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

deram os diversos tipos de pintura, começando de diferentes artes aldeãs-até a


fase perfeccional mais elevada. Aprenderam, também, a pintar tilaka no rosto e
a fazer diferentes tipos de pontos na testa e nas bochechas. Depois aprenderam
a arte de pintar no chão, com pasta líquida de arroz com farinha; tais pinturas
são muito .populares em cerimônias auspiciosas, executadas em ambientes
domésticos ou no templo. Aprenderam a construir um lugar de descanso com
flores e a enfeitar tecidos e folhas com pinturas coloridas. Aprenderam
também a dispor diferentes jóias preciosas e ornamentos. Aprenderam a arte
de produzir sons em recipientes com água. Enchem-se os recipientes com água
até uma determinada medida, de modo que ao se bater nos recipientes
produzam-se diferentes melodias, e quando se bate nos recipientes ao mesmo
tempo eles produzem um som melodioso. Também aprenderam a atirar água
enquanto se toma banho com amigos nos rios ou nos lagos. Aprenderam
também a fazer decorações com flores. Ainda pode-se ver esta arte de
decoração em diversos templos de Vrndãvana durante a estação do verão. Esta
arte chama-se phulabãçli. O dossel, o trono, as paredes e os tetos são todos
completamente decorados, e no centro coloca-se uma pequena fonte aromática
de flores. Por causa destas decorações florais, as pessoas que se esgotam com o
calor da estação do verão refrescam-se.
Krsna e Balarãma aprenderam a arte de usar diversos tipos de penteado e
de fixar um elmo em diferentes posições sobre a cabeça. Aprenderam,
também, a representar num palco de teatro, a decorar atores dramáticos com
ornamentos de flores sobre o ouvido, e a borrifar polpa de sândalo com água, a
fim de produzir uma fragrância gostosa. Aprenderam, também, a arte de
executar proezas mágicas. Dentro do campo da mágica há uma arte chamada
bahurupl através da qual uma pessoa se veste de tal maneira que não pode ser
reconhecida quando se aproxima de um amigo. Aprenderam, também, a fazer
bebidas que são necessárias em ocasiões variadas, e examinaram xaropes,
sabores e os efeitos da intoxicação. Aprenderam a manipular cordões finos
para fazer marionetes dançar, e aprenderam a pôr cordas em instrumentos
musicais, tais como a vim , a sitar e a tampura, para produzir sons melodiosos.
Depois, aprenderam quebra-cabeças e a como armá-los e resolvê-los.
Aprenderam a arte de ler livros, com os quais até mesmo um estudante tolo
pode aprender com rapidez a ler o alfabeto e a compreender a escrita. Depois
aprenderam a ensaiar e representar um drama. Estudaram também a arte de
resolver palavras cruzadas, preenchendo os espaços em branco e completando
as palavras.
Aprenderam, também, a desenhar literatura pitográfica, A literatura
pitográfica ainda é corrente em alguns países do mundo. Representa-se uma
história com quadros; por exemplo, retrata-se um homem em uma casa para
representar que ele está indo para casa. Krsna e Balarãma também aprenderam
Krsna recupera o filho de Seu mestre 295

a arte da arquitetura — a construção de prédios residenciais. Aprenderam a


reconhecer jóias preciosas, estudando o brilho e a qualidade de suas cores.
Depois Eles aprenderam a arte de dispor jóias no ouro e na prata. Aprenderam
também a estudar o solo com a finalidade de descobrir minerais. Hoje em dia
este estudo do solo é uma ciência muito especializada, mas outrora era conhe­
cimento comum mesmo para o homem vulgar. Aprenderam a estudar ervas e
plantas e a extrair remédios dos elementos. Quando estudaram as diferentes
espécies de plantas, Eles aprenderam a fazer cruzamento de plantas, para
obter, assim, diferentes tipos de frutas. Aprenderam a treinar e a ocupar cor­
deiros e galos na luta, para fins desportivos. Depois, aprenderam a ensinar os
papagaios a falar e a responder às perguntas dos seres humanos.
Aprenderam a psicologia prática - como influenciar a mente dos outros e
desse modo induzi-los a atuar de acordo com nossos próprios desejos. Às vezes
isto é chamado de hipnotismo. Aprenderam a lavar cabelos, a tingi-los de cores
diferentes e a encaracolá-los de diferentes maneiras. Aprenderam a arte de
contar o que está escrito no livro de alguém sem tê-lo realmente visto.
Aprenderam a contar o que está contido dentro da mão de outra pessoa. Ãs
vezes as crianças imitam esta arte, ainda que de modo não muito exato. Uma
criança esconde algo em sua mão e pergunta a seu amigo: “Adivinhe o que
tenho em minha mão?” E o amigo dá uma sugestão, embora na realidade não
consiga adivinhar. Mas há uma arte através da qual podemos compreender e
realmente adivinhar o que se encontra na mão de uma pessoa.
Krsna e Balarãma aprenderam a falar e a compreender as línguas de diver­
sos países. Não foi só as línguas dos seres humanos que Eles aprenderam.
Krsna também podia falar até com os animais e os pássaros. A literatura
Vaisnava compilada pelos GosvãmTs dá a prova disto. Depois Eles aprenderam
a fazer carruagens e aeroplanos de flores. No Rãmãyana se diz que, depois de
derrotar Rãvana, Rãmacandra foi levado de Laiikã para Bhãratavarsa num
avião de flores chamado puspa-ratha. Em seguida, Krsna aprendeu a arte de
predizer eventos percebendo sinais. Num livro chamado Khanãrvacana descre­
vem-se os diversos tipos de sinais e presságios. Se, quando estamos saindo,
vemos alguém com um balde cheio d ’água, este é um ótimo sinal. Mas se
alguém vê uma pessoa com um balde vazio, este não é um sinal muito bom.
Similarmente, se uma pessoa vc o leite da vaca junto com o bezerro, este é um
bom sinal. O resultado de se compreender esses sinais é que podemos predizer
os eventos, e Krsna aprendeu esta ciência. Krsna também aprendeu a arte dc
compor matrkã. Um mãtrkã ê uma seção de palavras cruzadas com três letras
numa linha; quaisquer três letras que se contar de qualquer lado, darão nove.
Há mãtrkas dc diferentes tipos c para diferentes finalidades.
Krsna aprendeu a arte de lapidar pedras preciosas, tais como os diaman­
tes, e aprendeu a arte de perguntar e responder através do processo mental de
296 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

compor poesia imediatamente. Ete aprendeu a ciência da ação e da reação das


combinações e permutações físicas. Aprendeu a arte de um psiquiatra, que ê
capaz de compreender os movimentos psíquicos de outra pessoa. Aprendeu a
satisfazer os desejos de uma pessoa. É muito difícil satisfazer os desejos; mas'se
uma pessoa deseja algo que seja despropositado e que. jamais possa ser satis­
feito,- é possível dominar o desejo e satisfazê-lo, e isto c uma arte. Com esta
arte podem-se, também, dominar os desejos sexuais quando estes despertam,
visto que surgem até na vida de brahmacãn. Com esta arte podemos conver­
ter até um inimigo em amigo nosso, ou podemos transferir a ação direta de
um elemento físico para outras coisas.
O Senhor Krsna e Balarãma, o reservatório de todo o conhecimento das
artes e das ciências, exibiram Sua compreensão perfeita quando Se ofereceram
para servir ao mestre d’Eles, concedendo-lhe tudo que ele desejasse. Este ofe­
recimento que o estudante faz ao preceptor ou mestre espiritual chama-se
guru-daksinã. É essencial que um estudante satisfaça o mestre em troca de
qualquer ensinamento que tenha recebido, seja material, seja espiritual.
Quando Krsna e Balarãma ofereceram Seu serviço dessa maneira, o mestre,
Sãndipani Muni, considerou sensato pedir-Lhes algo extraordinário, algo que
nenhum estudante comum pudesse oferecer. Por isso, ele consultou sua esposa
para saber o que devia Lhes pedir. Eles já tinham reparado as potências
extraordinárias de Krsna e Balarãma e podiam compreender que os dois
meninos eram a Suprema Personalidade de Deusi Decidiram pedir pelo
regresso do filho deles, que havia se afogado no oceano às margens de
Prabhãsaksetra.
Quando ouviram Seu mestre falar que o filho dele morrera às margens do
Prabhãsaksetra, Krsna e Balarãma partiram imediatamente para o oceano na
quadriga d’Elcs. Ao chegarem à praia, Eles pediram à deidade que controla o
oceano para devolver o filho do Seu mestre. A deidade do oceano apareceu
imediatamente perante o Senhor e ofercceu-Lhe todas as reverências respeito­
sas, com grande humildade.
O Senhor disse: “Há algum tempo atrás você provocou o afogamento do
filho de Nosso mestre. Ordeno que você o devolva.”
A deidade do oceano respondeu: “Na verdade não fui eu quem tomou o
menino; foi um demônio chamado Pancajana que o capturou. E s te ‘grande
demonio geralmente permanece no fundo da água, na forma de um búzio.
Pode ser que o filho de Seu mestre esteja dentro da barriga do demônio, visto
que este o devorou.”
Ao ouvir isto, Krsna mergulhou fundo na água e agarrou o demônio
Pancajana. Krsna matou o demônio imediatamente, porém não conseguiu en­
contrar o filho de Seu mestre dentro da barriga do demônio. Assim, Ele pegou
o cadáver do demônio (que tinha a forma de um búzio) e voltou a Sua quadri­
Krsna recupera o fiLho de Seu mestre 297

ga, que se encontrava na praia de Prabhasaksetra. Dali Ele partiu para


SamyamanT, a residência de Yamarãja, o superintendente da morte. Acompa­
nhado por Balarãma, Seu irmão mais velho, o qual também é conhecido por
Halãyudha, Krsna chegou nesse lugar e soprou Seu búzio.
Assim que ouviu a vibração do búzio, Yamarãja apareceu e recebeu SrT
Krsna com todas as respeitosas reverências. Yamarãja podia compreender
quem eram Krsna e Balarãma, e por isso ofereceu imediatamente seu serviço
humilde ao Senhor. Krsna aparecera na superfície da Terra como um ser
humano comum, mas na realidade Krsna e Balarãma são a Superalma que vive
no coração de, cada entidade viva. Apesar de serem o próprio Visnu, Eles
estavam representando o papel de meninos humanos comuns. Como Yamarãja
oferecesse seus serviços ao Senhor, SrT Krsna pediu-lhe que Lhe devolvesse o
filho de Seu mestre, filho este que o mestre tivera como resultado de seu
trabalho. “Considerando que Eu sou o governante supremo”, Krsna disse,
“você deve devolver o filho do Meu mestre imediatamente.”
Yamarãja devolveu o menino à Suprema Personalidade de Deus, e Krsna e
Balarãma trouxeram-no para o pai. Os irmãos perguntaram ao mestre se este
queria Lhes pedir mais alguma coisa, ao que o mestre respondeu: “Meus
queridos filhos, Vocês já fizeram o suficiente por mim. Agora estou completa­
mente satisfeito. Que mais pode querer um homem que tenha discfpulos como
Vocês? Meus queridos meninos, podem ir para casa agora. Estes Seus atos
gloriosos serão sempre famosos em todo o mundo. Vocês estão além de todas
as bênçãos, não obstante é meu dever abençoá-Los. Dou-Lhes a benção de que
tudo que Vocês falarem permanecerá eternamente tão fresco como a instrução
dos Vedas. Os Seus ensinamentos serão honrados não só dentro deste universo,
ou neste milênio, mas também em todos os lugares e em todas as eras, e
permanecerão cada vez mais novos e importantes.” Por causa desta bênção
dada por Seu mestre, o Bhagavad-gitã do Senhor Krsna é sempre e cada vez
mais fresco e é famoso não somente dentro deste universo, mas também em
outros planetas e em outros universos.
Após receberem a ordem do mestre d’Eles, Krsna e Balarãma regressaram
imediatamente ao lar em Suas quadrigas. Viajaram a grandes velocidades, como
o vento, e produziram sons como o som que produz o choque das nuvens. Os
residentes de Mathurã, que há muito tempo não viam Krsna e Balarãma,
ficaram muito satisfeitos de vê-Los novamente. Todos eles se sentiram alegres,
assim como uma pessoa que recupera sua propriedade perdida.

Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Qua­


renta e Quatro de Krsna, intitulado ‘‘Krsna Recupera o Filho de Seu Mestre. ”
Nanda Mahãrãja regressou a Vrndãvana sem Krsna nem Balarãma. Ele
voltou acompanhado somente pelos pastorzinhos e pastores de vacas. Para as
gopJs, mãe Yasodã, Srlmatl Rãdhãrãnl e todos os habitantes e residentes de
Vrndãvana, foi certamente uma cena muito patética. Muitos devotos têm
tentado retificar o fato de Krsna ter Se afastado de Vrndãvana porque, segun­
do a opinião perita, Krsna, a Suprema Personalidade de Deus original, jamais
dá nem sequer um passo para fora de Vrndãvana. Ele permanece sempre ali.
Os devotos peritos explicam que na realidade Krsna não esteve ausente de
Vrndãvana; Ele regressou com Nanda Mahãrãja, como havia prometido.
Quando safa de partida para Mathurã na quadriga dirigida por Akrüra, e
as gopls praticamente obstruíam o caminho, Krsna assegurou às gopls que
regressaria logo que acabasse com Seus negócios em Mathurã. Ele lhes disse
para não se oprimirem e dessa maneira as apaziguou. Mas como não regressasse
com Nanda Mahãrãja, pareceu que Ele ou as tinha enganado, ou não pôde
cumprir Sua promessa. Contudo, os devotos peritos decidem que Krsna não foi
nem um enganador, nem um transgressor de promessas. Em Sua identidade
original, Krsna regressou com Nanda Mahãrãja e ficou com as gopls e mãe
Yasodã em Sua expansão bhava. Krsna e Balarãma permaneceram em Mathurã,
não em Suas formas originais, mas sim em Suas expansões como Vãsudeva e
Sahkarsana. 0 Krsna e o Balarãma verdadeiros encontravam-Se em Vrndãvana
em Sua manifestação bhava, ao passo que em Mathurã Eles apareceram nas
expansões prabhava e vaibhava. Esta é a opinião perita de devotos avançados
de Krsna. Porém, quando Nanda Mahãrãja se preparava para regressar a
Vrndãvana, houve uma discussão entre ele, Krsna e Balarãma a respeito de
como os meninos poderiam viver enquanto estivessem separados de Nanda.
Eles chegaram à conclusão de se separarem de comum acordo.
Uddhava visita Vm dava na 299

Vasudeva e Devakl eram os verdadeiros pais de Krsna e Balarãma. Agora


eles queriam tê-Los consigo por causa da morte de Kariisa. Enquanto Kamsa
esteve vivo, Krsna e Balarãma foram conservados sob a proteção de Nanda
Mahãrãja, em Vrndãvana. Naturalmente, agora o pai e a mãe de Krsna e
Balarãma queriam que Estes permanecessem com eles, especificamente para
executarem a cerimônia reformatória de purificação, a cerimônia do cordão
sagrado. Queriam dar-Lhes, também, uma educação conveniente, pois este é o
dever do pai. Outra coisa que levaram em consideração foi que todos os amigos
de Karhsa que se encontravam fora de Mathurã estavam planejando atacar
Mathurã. Também por este motivo a presença de Krsna era necessária. Krsna
não queria que inimigos como Dantavakra e Jarãsandha perturbassem
Vrndãvana. Se Krsna fosse para Vrndãvana, esses inimigos atacariam não
apenas Mathurã, mas também íriam para Vrndãvana, e assim os pacfficos
habitantes de Vrndãvana seriam perturbados. Por isso, Krsna decidiu permane­
cer em Mathurã, enquanto que Nanda Mahãrãja voltou para Vrndãvana.
Embora os habitantes de Vrndãvana estivessem sentindo separação de Krsna,
Krsna estava sempre presente com eles, por intermédio de Sua lilã, ou ■
passatempos, e isto fazia os habitantes de Vrndãvana extáticos.
Desde a época em que Krsna partira de Vrndãvana para Mathurã, os
habitantes de Vrndãvana, especialmente mãe Yasodã, Nanda Mahãrãja, SrimatI
Rãdhãrãnl, as gopTs e os pastorzinhos de vacas, viviam simplesmente pensando
em Krsna a cada passo. Eles pensavam: “Krsna brincava assim, Krsna tocava
Sua flauta. Krsna mexia conosco, e Krsna nos abraçava.” Isto se chama lí lã
smarana, que é o processo para se associar com Krsna que os grandes devotos-
mais recomendam; até mesmo o Senhor Caitanya desfrutou a associação ITlã
smarana com Krsna quando esteve em Purl. Aqueles que se encontram na mais
exaltada posição de serviço devocional e de êxtase podem viver sempre com
Krsna, lembrando-se dos passatempos d ^ le . Srila Visvanãtha CakravarfT
Thãkura nos dá uma literatura transcendental intitulada Krsna- bhãvariãmrta, a
qual é cheia de'passatempos de Krsna. Os devotos que leem tais livros podem
manter-se absortos, pensando em Krsna. Qualquer livro de Krsna lílã ~ até
mesmo este livro, Krsna, e o nosso Ensinamentos do Senhor Caitanya — é na
realidade um consolo para os devotos que estejam sentindo separação de
Krsna.
Pode-se retificar o fato de que Krsna e Balarãma não vieram para Vrndã­
vana da seguinte maneira: Eles não quebraram a promessa que fizeram de que
voltariam para Vrndãvana, nem tampouco estavam ausentes, porém era neces­
sário que estivessem presentes em Mathurã.
Entrementes, Uddhava, um primo-irmão de Krsna, veio de Dvãrakã para
ver Krsna. Ele era o filho do irmão de Vasudeva e tinha quase a mesma idade
que Krsna. Tinha feições corpóreas quase que semelhantes às de Krsna. Após
300 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

voltar da casa de Seu mestre, Krsna ficou satisfeito de ver Uddhava, o qual era
o Seu mais querido amigo. Krsna queria enviar Uddhava até Vrndãvana, com
uma mensagem para os residentes, a fim de apaziguar o profundo sentimento
de separação destes.
Como se declara no Bhagavad-gitã, ye yathã mãm prapadyante: Krsna é
muito responsivo. Ele corresponde, em proporção, ao avanço que o devoto
tenha feito em serviço devocional. As gopis pensavam em Krsna, sentindo se­
paração d ’Ele vinte e quatro horas por dia. Krsna também pensava sempre nas
gopis, em mãe Yasodã, em Nanda Mahãrãja e nos residentes de Vrndãvana,
muito embora parecesse estar separado deles. Krsna podia compreender o
quanto eles estavam transcendentalmente aflitos, e por isso quis enviar
Uddhava imediatamente, para que este lhes desse uma mensagem de consolo.
Descreve-se que Uddhava é a mais exaltada personalidade da dinastia
Vrsni, quase à altura de Krsna. Ele era um grande amigo de Krsna, e como era
discípulo direto de Brhaspati, o mestre e sacerdote dos planetas celestiais, ele
era muito inteligente e arguto em suas decisões. Considerando do ponto de
vista intelectual, ele era altamente competente. Como era um amigo muito
amoroso de Uddhava, Krsna quis enviá-lo até Vrndãvana justamente para ele
poder estudar o serviço devocional extático e altamente elevado praticado ali.
Mesmo que uma pessoa tenha uma educação material muito elevada e mesmo
que seja discípulo de Brhaspati, ainda assim ela tem que aprender com as
gopis e com os residentes de Vrndãvana a como amar Krsna até o ponto mais
elevado. Krsna concedeu um favor especial a Uddhava quando o enviou para
Vrndãvana, portando uma mensagem, com o objetivo de pacificar os residentes
de Vrndãvana.
Um dos nomes do Senhor Krsna é Hari, que significa Aquele que afasta
toda a aflição das almas rendidas. O Senhor Caitanya declara que jamais pode­
rá haver uma adoração tão exaltada quanto a adoração realizada pelas gopis.
Como estivesse muito ansioso acerca da aflição das gopis, Krsna conversou
com Uddhava e pediu-lhe polidamente que fosse até Vrndãvana. Krsna cumpri­
mentou Uddhava, apertando-lhe as mãos com Suas próprias mãos, e disse: “Meu
querido e gentil amigo Uddhava, por favor, vá imediatamente a Vrndãvana e
tente pacificar Meu pai e Minha mãe, Nanda Mahãiãja e Yasodãdevl, e as
gopis. Eles estão demasiadamente dominados pela dor, como se estivessem so­
frendo de grandes padecimentos. Vá e dê-lhes uma mensagem. Espero que as
dores deles sejam parcialmente mitigadas. As gopis estão sempre absortas
pensando em Mim. Elas têm dedicado o corpo, o desejo, a vida e a alma a Mim.
Sinto-Me ansioso não somente pelas gopis, mas também por qualquer pessoa
que sacrifica a sociedade, a amizade, o amor e os confortos pessoais por Minha
causa. É Meu dever proteger tais devotos exaltados. As gopis Me são muito
queridas. Elas estão sempre pensando em Mim de tal maneira que permanecem
Uddhava visita Vrndavana 301

confusas e quase que mortas de ansiedade por causa da separação que sentem
de Mim. Elas se mantêm vivas simplesmente porque pensam que brevemente
regressarei para elas.”
Logo depois de receber este pedido do Senhor Krsna, Uddhava partiu em
sua quadriga, levando consigo a mensagem para Gokula. Ele se aproximou de
Vrndãvana durante o crepúsculo no momento em que as vacas regressavam
ao lar, provenientes do pasto. Uddhava e sua quadriga estavam cobertos com a
poeira levantada pelos cascos das vacas. Ele viu que havia touros correndo atrás
das vacas para acasalar-se; havia outras vacas que estavam com os úberes exces­
sivamente carregados e corriam atrás dos bezerros para enchê-los de leite.
Uddhava viu que toda a terra de Vrndãvana estava cheia de vacas brancas com
seus bezerros. Por toda a Gokula se viam vacas correndo para aqui e para lá, e
ele pôde ouvir o som da ordenha. Todas as casas residenciais em Vrndãvana
estavam decoradas para a adoração ao deus do sol e ao deus do fogo e para a
recepção aos convidados, às vacas, aos brãhmanas e aos semideuses. Todos os
lares estavam iluminados com luz e incenso, dispostos para a santificação. Por
toda a Vrndãvana havia belas guirlandas de flores, pássaros voando e o zumbi­
do das abelhas. Os lagos estavam cheios de flores de lótus e dc patos e cisnes.
Uddhava entrou na casa de Nanda Mahãrãja e foi recebido como um
representante de Vãsudeva. Nanda Mahãrãja ofereceu-lhe um lugar para sentar-
se e sentou-se com ele para perguntar-lhe a respeito das notfeias de Krsna,
Balarãma e outros membros da família em Mathurã. Ele podia compreender
que Uddhava era um amigo muito confidencial de Krsna e que por isso devia
ter vindo com boas noticias. “Meu querido Uddhava, como vai levando a vida
o meu amigo Vasudeva? Ele foi solto da prisão dc Karhsa e agora se encontra
com os amigos e os filhos, Krsna e Balarãma. De modo que deve estar muito
feliz. Diga-me como está ele e como vai de saúde. Também nos sentimos muito
felizes de que Kariisa, o mais pecaminoso dos demônios, esteja morto agora.
Ele sempre teve inveja da família dos Yadus, de seus amigos e seus parentes.
Por causa de suas atividades pecaminosas, agora ele está morto e se foi, junta­
mente com todos os seus irmãos.”
“Por favor, diga-nos agora se Krsna Se lembra de Seu pai, Sua mãe, Seus
amigos e companheiros que vivem em Vrndãvana. Por acaso Ele gosta de Se
lembrar de Suas vacas, de Suas gopTs, de Sua Colina de Govardhana, de Seu
pasto em Vrndãvana? Ou será que agora Ele Se esqueceu dc todas estas coisas?
Há alguma possibilidade de que Ele volte para Seus amigos e parentes, de
modo que possamos ver novamente o belo rosto d "Ele com o nariz arrebitado e
os olhos de lótus? Lembramo-nos de como Ele nos salvou do incêndio na
floresta, de como .nos salvou da grande serpente Kãliya, no Yamunã, de como
nos salvou de tantos outros demônios, e simplesmente pensamos o quanto Lhe
somos gratos por nos ter dado proteção em tantas situações perigosas. Meu
302 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

querido Uddhava, quando pensamos no belo rosto e nos belos olhos de Krsna e
nas diferentes atividades que Ele executou aqui em Vrndãvana, ficamos tão
confusos que todas as nossas atividades param. Ficamos simplesmente pensan­
do em Krsna, no modo como Ele costumava sorrir e no modo como olhava
■para nós. Quando vamos às margens do Yamunã e a outros lagos de
Vrndãvana, ou próximo da Colina de Govardhana, ou do campo de pastagem,
vemos que as impressões das pegadas de Krsna ainda se encontram na superfí­
cie da terra. Lembramo-nos de quando Ele tocava nesses lugares, porque Ele os
visitava constantemente. Quando a aparição d Fie se manifesta dentro de
nossas mentes, imediatamente nos absorvemos pensando nFle.
“Por esse motivo, achamos que Krsna e Balarãma devem ser os principais
semideuses que há no céu, os quais apareceram diante de nós como meninos
comuns a fim de executar deveres particulares na Terra. Gargamuni também
predisse a mesma coisa quando fazia o horóscopo de Krsna. Se Krsna não
fosse uma grande personalidade, como podería Ele ter matado Kamsa, o qual
tinha a força de dez mil elefantes? Além de Kamsa, Ele matou muitos lutado­
res fortes, como também Kuvalayãplda, o elefante gigante. Ele matou todos
estes animais e demônios assim como um leão mata um animal comum. Como
é maravilhoso que Krsna tenha tomado com uma mão o grande e pesado arco
feito de três palmeiras juntas e o tenha quebrado rapidamente jComo é mara­
vilhoso que por sete dias seguidos Ele tenha levantado a Colina de Govardhana
com uma única mão! Como é maravilhoso que tenha matado todos os demô­
nios, tais como Pralambãsura, Dhenukãsura, Aristãsura, Trnãvarta e Bakãsural
Esses demônios eram tão fortes que até os semideuses que se encontram nos
planetas celestiais tinham medo deles; porém, Krsna os matou tão facilmente
como se não tivesse feito nada.”
à medida que descrevia as atividades incomuns de Krsna perante
Uddhava, Nanda Maliãrãja foi gradualmente ficando confuso e acabou não
conseguindo falar mais. Quanto à mãe Yas'odã, ela se sentou ao lado de seu
esposo e ouviu os passatempos de Krsna, sem falar. Simplesmente chorava
incessantemente, e de seus seios vazava leite. Quando Uddhava viu Mahãrãja
Nanda e Yasodã tão extraordinariamente dominados, pensando em Krsna, a
Suprema Personalidade de Deus, e quando experimentou o afeto extraordiná­
rio que cies tinham por Krsna, ele também se sentiu dominado e começou a
fuiar-como se segue: “Meus queridos mãe Yasodã e Nanda Mahãrãja, vocês são
os mais respeitáveis dos seres humanos, porque não há ninguém além de voces
que possa meditar com tal êxtase transcendental.”
Tanto Balarãma quanto Krsna são as Personalidades de Deus originais,
dos quais emana a manifestação cósmica. Eles são as personalidades princi­
pais entre todas as personalidades. Ambos são a causa efetiva desta criação
material. A natureza material é conduzida pelas encarnações punisa, as quais
Uddhava visita Vrndãvana 303

atuam todas sob as ordens de Krsna e Balaram a. Eles entram no coração de


todas as entidades vivas por intermédio da representação parcial dEles. Eles
são a fonte de todo o conhecimento e também de todo o esquecimento. Isto
está confirmado no Décimo Quinto Capítulo do Bhagavad-gitã: “Estou presen­
te no coração de todo mundo e faço com que uma pessoa se lembre e se
esqueça. Sou o compilador original do Vedãnta e sou Aquele que realmente
conhece os Vedas.” Se, à hora da morte, uma pessoa é capaz de fixar sua
mente pura em Krsna, mesmo que por um momento, ela se toma apta para
abandonar este corpo material e aparecer em seu corpo espiritual original, da
mesma forma que o sol nasce com toda a sua iluminação. Abandonando sua
vida dessa maneira, ela entra imediatamente em Vaikuntha, o reino espiritual.
Este é o resultado obtido quando se pratica a consciência de Krsna.
Se praticarmos a consciência de Krsna neste corpo atual, enquanto nos
encontramos num estado • saudável e com mente boa, por intermédio do
simples processo de cantar o santo mahã-mantra Hare Krsna, teremos toda a
possibilidade de fixar nossa mente em Krsna no momento da morte. Se assim o
fizermos, então nossa vida tomar-se-á bem sucedida, sem dúvida alguma. Simi­
larmente, se mantivermos nossa mente sempre absorta em atividades fruitivas
para obter gozo material, então naturalmente estaremos pensando em tais ati­
vidades, no momento da morte e seremos novamente forçados a entrar num
corpo material condicionado, para sofrer as três espécies de misérias da
existência material. Por isso, o padrão dos habitantes de Vrndãvana era
manter-se sempre absortos na consciência de Krsna, como se mostra nos
exemplos de Mahãrãja Nanda, Yas^odã e as gopis. Se pudermos simplesmente
seguir-lhes os passos, mesmo que por uma proporção diminuta, certamente
nossas vidas tornar-se-ão bem sucedidas, e haveremos de entrar em Vaikuntha,
o reino espiritual.
“Meus queridos mãe Yasodã e Nanda Mahãrãja”, continuou Uddhava,
“assim é que vocês têm fixado suas mentes única e exclusivamente nesse
Nãrãyana, a Suprema Personalidade de Deus, em Sua forma transcendental, a
causa do Brahman impessoal. A refulgência Brahman não passa do raio corpó-
reo de Nãrãyana, e já que vocês estão sempre absortos, pensando extaticamen­
te em Krsna e Balarãma, qual outra atividade restaria para vocês executarem?
Eu trouxe uma mensagem de Krsna que informa que brevemente Ele regressará
a Vrndavana para satisfazer a ambos vocês com a presença pessoal d Ele. Krsna
prometeu que regressaria a Vrndãvana depois que acabasse com Seus negócios
em Mathurã. E por certo esta promessa Ele cumprirá. Por isso, peço que ambos
vocês, que são as melhores entre todas as pessoas afortunadas, não se aflijam
por causa da ausência de Krsna;
“Vocês já percebem a presença d Ele vinte e quatro horas por dia, e não
obstante Ele virá para vê-los brevemente. Na realidade, Ele está presente em
304 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

toda a parte e no coração de todo mundo, assim como o fogo está presente na
madeira. Uma vez que Krsna é a Superalma, ninguém é inimigo d The, ninguém
é amigo d ’Ele, ninguém é igual a Ele e ninguém é superior ou inferior a Ele. Na
realidade, Ele não tem pai, mãe, irmão, nem parente, nem tampouco necessita
de sociedade, amizade e amor. Ele não tem um corpo material; jamais aparece,
nem nasce como um ser humano comum. Ele não aparece nas espécies de vida
.inferiores, ou superiores, como as entidades vivas comuns, as quais são força­
das a nascer por causa de suas atividades anteriores. Ele aparece por intermédio
de Sua potência interna, simplesmente para dar proteção ao devoto d The. Os
modos da natureza material jamais O influenciam, mas quando Ele aparece
neste mundo material, parece que atua como uma entidade viva comum, sob o
encantamento! dos modos da natureza material. De fato, Ele é o supervisor
desta criação material e não Se afeta com os modos materiais da natureza. Ele
cria, mantém e dissolve toda a manifestação cósmica. Pensamos erradamente
que Krsna e Balarãma são seres humanos comuns. Somos como homens tontos
que veem o mundo inteiro girando à volta deles mesmos. A Personalidade de
Deus não é filho de ninguém; na realidade, Ele é o pai, a mãe e o controlador
supremo de todo mundo. Não há dúvida quanto a isto. Tudo que seja experi­
mentado, tudo que já exista, tudo que não exista, tudo que existirá no futuro,
tudo que seja o menor e tudo que seja o maior —nenhuma dessas coisas exis­
te separadamente da Suprema Personalidade de Deus. Tudo descansa nThe,
mas Ele está fora do contato de todas as coisas manifestas.”
Assim, Nanda e Uddhava passaram toda a noite conversando sobre Krsna.
Pela manhã, as gopls prepararam-se para o ãrãtrika matutino, acendendo suas
lamparinas e borrifando manteiga misturada'com iogurte. Após acabarem com
seu mangala-ãmtrika, elas se dedicaram a bater manteiga do iogurte. Enquanto
as gopls estavam assim ocupadas, as lamparinas refletidas nos ornamentos delas
iluminaram-se mais ainda. O bastão de bater manteiga, os braços delas, os brin­
cos delas, os braceletes delas, os seios delas — tudo se mexia, e o pó de
kuhkuma dava-lhes aos rostos um brilho açafroado, comparável ao sol nascen­
te. Além disso, elas cantavam as glórias de Krsna enquanto batiam a manteiga.
As duas vibrações sonoras se misturavam, ascendiam aos céus e santificavam
toda a atmosfera. Como de costume, após o nascer do sol as gopls vieram
oferecer seus respeitos a Nanda Mahãrãja e Yasodã, mas quando viram a qua­
driga dourada de Uddhava à porta," elas começaram a se perguntar. Que quadri­
ga era aquela e a quem pertencia? Algumas se perguntaram se Akrüra, o qual
havia roubado Krsna, voltara novamente. Elas não estavam muito satisfeitas
com Akrüra porque este levara Krsna para a cidade de Mathurã, a serviço de
Kamsa. Todas as gopls conjeturaram que Akrüra devia ter vindo outra vez para
levar a cabo um outro plano cruel. No entanto, pensaram: “Agora somos cadá­
veres sem o nosso senhor supremo, Krsna.- Que outro ato poderá ele perpetrar
Uddhava visita Vrndãvana 305

contra estes cadáveres?” Enquanto elas conversavam dessa maneira, Uddhava


terminou suas abluçõcs, orações e cânticos matutinos e apareceu diante delas.

Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Qua­


renta e Cinco de Krsna, intitulado “Uddhava Visita Vrndãvana. **
46/ Uddhava entrega a mensagem de
Krsna às gopís

Quando viram Uddhava, as gopís observaram que ele tinha feições quase
que exatamente semelhantes às feições de Krsna, c puderam compreender que
ele era um grande devoto de Krsna. Uddhava tinha mãos muito longas c seus
braços eram como as pétalas da flor de lótus, listava vestido com roupas de cor
amarela e usava uma guirlanda de flores de lótus. O rosto dele era muito boni­
to. Como alcançara a liberação de sarupya e como tivesse as mesmas feições
corpórcas que o Senhor, Uddhava era quase como Krsna. Na ausência de
Krsna, as gopís tinham se habituado a visitar respeitosamente a casa de mãe
Yasoda de manhã cedo. Elas sabiam que Nanda Maharaja e mãe Yasoda esta­
vam sempre dominados pela dor, de modo que haviam decidido que seria o
primeiro dever delas vir prestar seus respeitos às mais exaltadas personalida­
des idosas de Vrndavana. Quando viam as amigas de Krsna, Nanda e Yasoda
lembravam-se do próprio Krsna c ficavam satisfeitos, e as gopís também fica­
vam satisfeitas quando viam Nanda e Yasoda.
Quando viram que Uddhava representava Krsna até mesmo em suas
feições corpórcas, as gopís julgaram que ele devia ser uma alma totalmcnte
rendida à Suprema Personalidade de Deus. Elas puseram-se a contemplar:
“Quem é este rapaz que parece exatamente com Krsna? Ele tem os mesmos
olhos semelhantes a pétalas de lótus, o mesmo nariz arrebitado e o mesmo
rosto belo, e ri da mesma maneira. Sob todos os aspectos ele se assemelha a
Krsna, Syamasundara, o belo menino negro. Está até vestido exatamente cofno
Krsna. De onde vem este rapaz? Quem é a mocinha afortunada que o tem por
esposo?” Assim conversaram elas entre si. Estavam muito ansiosas por saber
quem era ele, e como fossem simples aldeãs sem sofisticação, rodearam
Uddhava.
Uddhava entrega a mensagem de Krsna às gopis 307

Quando ficaram sabendo que Uddhava trazia uma mensagem de Krsna,


as gopis ficaram muito felizes e chamaram-no para sentar-se num lugar isola­
do. Elas queriam conversar muito à vontade com ele e não queriam se emba­
raçar diante de pessoas desconhecidas. Com grande submissão, elas começaram
a dar-lhes as boas-vindas, com palavras polidas. “Sabemos que você é um asso­
ciado muito confidencial de Krsna e que por isso Ele o enviou até Vrndavana
para que você consolasse o pai e a mãe d'Ele. Podemos compreender que a
afeição familiar é muito forte. Até grandes sábios que aceitam a ordem renun­
ciada da vida não conseguem abandonar os membros familiares. Por isso, Krsna
o enviou para ver a mãe e o pai d*Ele; fora disso, Ele não tem mais nada a re­
solver em Vrndavana. Agora Ele está. na cidade. O que querería Ele saber sobre
a aldeia de Vrndavana ou os pastos das vacas? Para Krsna estas coisas não são
úteis em absoluto, porque agora Ele é um homem da cidade.
“Por certo que Ele não tem nada a ver com pessoas que não sejam mem­
bros da família d’Ele. Por que haveria uma pessoa de se incomodar com aque­
les que não pertencem à família dela, especial e especificamente aqueles que
estão apegados como as esposas dos outros? Krsna Se interessa neles desde que
haja uma necessidade de satisfação, assim como os zangões que têm interesse
nas flores desde que queiram tirar o mel delas. É muito natural e psicológico
que uma prostituta não ligue mais para seu amante assim que este perde seu
dinheiro. Similarmente, quando os cidadãos descobrem que um governo não é
capaz de dar-lhe total proteção, eles deixam o país. Após terminar seus estu­
dos, um estudante abandona sua relação com o mestre e a escola. Depois que
obtém sua recompensa de seu adorador, um homem rico abandona tal adora­
dor. Quando a estação das frutas termina, as aves jão não se interessam mais
pela árvore. Logo depois de comer na casa de um senhor, o convidado abando­
na sua relação com o hospedeiro. Depois de um incêndio na floresta, quando a
grama verde fica escassa, os veados e outros animais abandonam a floresta. E
da mesma forma, um homem abandona sua ligação com a namorada depois
que a desfruta.” Dessa maneira, todas as gopis começaram a acusar Krsna indi­
retamente, citando tantas símiles.
Uddhava compreendeu que todas as gopis de Vrndavana estavam simples­
mente absortas, pensando em Krsna e nas atividades infantis dTile. Enquanto
conversavam sobre Krsna com Uddhava, elas se esqueceram de tudo em relação
a seus afazeres domésticos. Esqueceram-se até de si mesmas à medida que o in­
teresse delas por Krsna aumentava cada vez mais.
Uma das gopis — a saber: Srimati Radharani — estava tão absorta pen­
sando em Krsna, à força do contato pessoal que teve com Ele, que Se pôs real­
mente a conversar com um abelhão que voava por ali, tentando tocar nos pés
dTEla. Enquanto uma outra gopi conversava com Uddhava, o mensageiro de
Krsna, Srimati Radharani confundiu esse abelhão com um mensageiro de
308 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

Krsna e pôs-Se a falar com ele da seguinte maneira: “Abelhão, você está habi­
tuado a beber o mel das flores, e por isso preferiu ser um mensageiro de Krsna,
o qual tem a mesma natureza que você. Vejo em seus bigodes o pó vermelho
de kunkuma que manchou a guirlanda de flores de Krsna enquanto Este com­
primia o seio de alguma outra mocinha que é Minha rival. Você está se sentin­
do muito orgulhoso de ter tocado nessa flor, e seus bigodes ficaram vermelhos.
Você chegou aqui trazendo uma mensagem para Mim e está ansioso por tocar
em Meus pés. Mas meu caro abelhão, deixe-me preveni-lo: não Me toque ÍNão
quero nenhuma mensagem de seu senhor inconstante. Você é o servo incons­
tante de um senhor inconstante.” Pode ser que SrTmatT RãdhãrãnT tenha Se di­
rigido propositadamente a esse abelhão em tom de sarcasmo, a fim de criticar
o mensageiro Uddhava. Indiretamente, Snmatl RãdhãrãnT considerava que
Uddhava não só possuía feições corpóreas semelhantes às de Krsna, mas tam­
bém que ele era igual a Krsna. Dessa maneira, Elâ indicou que Uddhava era tão
inconstante quanto o próprio Krsna. Srlmati RãdhãrãnT quis dar os motivos
específicos por que Ela estava insatisfeita com Krsna e os mensageiros dTBle.
Assim falou Ela ao abelhão: “O seu senhor Krsna tem exatamente a
mesma qualidade que você. Você pousa numa flor, e depois de tirar um pouco
de mel dela, voa imediatamente e pousa em outra flor para saborear o mel.
Você é igualzinho a seu senhor Krsna. Ele nos deu a oportunidade de saborear
o contato com os lábios d ’Ele e depois nos deixou de todo. Sei também que
LaksmT, a deusa da fortuna, a qual se encontra sempre no meio da flor de
lótus.está constantemente ocupada no serviço a Krsna. Porém, não sei por que
ela se tornou tão cativada por Krsna. Embora conheça o verdadeiro caráter
d ’Ele, está apegada a Ele. Quanto a nós, somos mais inteligentes que esta deusa
da fortuna. Não vamos mais nos deixar enganar por Krsna, nem pelos mensa­
geiros dTTle."
Segundo a opinião perita, LaksmT, a deusa da fortuna, é uma expansão
subordinada de SrTmatT RãdhãrãnT. Assim como Krsna tem numerosas.expan­
sões de Vlmu-mürtis, da mesma forma RãdhãrãnT, a potência de prazer d ’Ele,
também tem inumeráveis expansões de deusas da fortuna. Por esse motivo,
LaksmijT, a deusa da fortuna, está sempre ansiosa por ser elevada à posição das
gopis. ‘
árlm atl RãdhãrãnT continuou: “Seu abelhão tolo, você está tentando'Me
satisfazer e obter uma recompensa, cantando as glórias de Krsna. Mas esta é
uma tentativa inútil. Estamos privadas de todas as nossas posses. Estamos
longe de nossos lares e nossas famílias. Sabemos muito bem quem é Krsna.
Sabemos até mais que você. Assim, tudo que você criar a respeito d ’Ele será
coisa do passado para nós. Agora Krsna Se encontra na cidade e é mais co­
nhecido como o amigo de Arjuna. Agora Ele tem muitas namoradas novas, e
não resta dúvida de que elas estão muito felizes associadas com Ele. Como
Uddhava entrega a mensagem de Krsna às gopis 309

Krsna tem satisfeito a sensação de luxúria que lhes queima os seios, agora elas
estão felizes. Se você for até lá e glorificar Krsna, talvez elas se dignem recom­
pensá-lo. Você está simplesmente tentando Me apaziguar com seu comporta­
mento de lisonjeador, c por isso pôs sua cabeça sob Meus pés. Mas conheço a
peça que você está tentando pregar. Sei que você é um mensageiro enviado por
um grande trapaceiro, Krsna. Por isso, por favor, deixe-Me.
“Posso compreender que você tem muita habilidade em reunir duas pes­
soas brigadas, mas ao mesmo tempo saiba que não posso confiar em você, nem
tampouco em seu senhor Krsna. Abandonamos nossas famílias, nossos esposos,
nossos filhos e parentes unicamente por causa de Krsna, e mesmo assim Ele
não sentiu nenhuma obrigação em troca. Ele nos deixou perdidas. Você acha
que poderemos confiar n’Ele outra vez? Sabemos que Krsna não pode ficar
muito tempo sem Se associar com jovens mulheres. Esta é a natureza dTSle.
Ele está tendo dificuldade em Mathurã porque não está mais na aldeia, entre
inocentes pastorzinhos de vacas. Ele está na sociedade .aristocrática e deve
estar sentindo dificuldade para fazer amizade com as mocinhas. Talvez você
tenha vindo aqui para angariar votos novamente ou para levar-nos para lá. Mas
por que haveria Krsna de esperar que nós fôssemos até lá? Ele tem muita habi­
lidade para seduzir todas as outras mocinhas, não apenas em Vrndãvana, ou em
Mathurã, mas também em todo o universo. O sorriso maravilhosamente encan­
tador d’Ele é tão atrativo e o movimento das sobrancelhas dTde é tão belo que
Ele pode chamar por qualquer mulher dos planetas celestiais, intermediários
ou plutônicos. Mahã-Laksmi, a maior de todas as deusas da fortuna, também
anseia por prestar-Lhe algum serviço. Que somos nós em comparação com
todas estas mulheres do universo? Somos muito insignificantes.
“Krsna faz propaganda de Si Mesmo dizendo que é muito magnânimo, e
os grandes santos O louvam. As qualificações d*Elc poderíam ser utilizadas per-
feitamente se ao menos Ele tivesse misericórdia de nós, porque Ele nos opri­
miu e nos desprezou. Ó pobre mensageiro, você não passa de um servo pouco
inteligente. Você não sabe muita coisa a respeito de Krsna, o quanto Ele tem
sido ingrato e sem coração, não apenas nesta vida, mas também em Suas vidas
anteriores. Paurnamãsi, nossa avó, nos contou tudo a respeito dessas coisas.
Ela nos contou que, antes deste nascimento, Krsna nasceu numa família
ksatriya e era conhecido como Rãmacandra. Neste nascimento, Ele matou
Vãli, um inimigo do amigo d *Ele, tal qual um caçador, em vez de matá-lo à
maneira de um ksatriya. Um caçador se esconde num lugar seguro e então
mata um animal sem enfrentá-lo. Assim, como estava representando o papel
de um ksatriya, o Senhor Rãmacandra devia ter lutado face a face com Vãli;
porém, instigado por Seu amigo, matou-o por detrás de uma árvore. Desse
modo, Ele Se desviou dos princípios religiosos prescritos para um ksatriya.
Além disso, Ele estava tão atraído pela beleza de Sltã que converteu Sürpa-
310 Krsna, a Supiema Personalidade de Deus

nakhã, a irmã de Rãvana, numa mulher feia cortando-lhe o nariz e os ouvidos.’


Sürpanakhã propôs que Ele tivesse uma relação íntima com ela, e, como era
um ksatriya, Ele devia tê-la satisfeito. Mas era tão egoísta que não conseguia
Se esquecer de SItãdevT e converteu Sürpanakhã numa mulher feia. Antes
desse nascimento como um ksatriya, Ele nascera como um menino brãhmana
conhecido como Vãmanadeva. Vãmanadeva pediu caridade a Bali Mahãrãja.
.Bali Mahãrãja era tão magnânimo que Lhe deu tudo que tinha; no entanto,
Krsna, no papel de Vãmanadeva, prendeu-o ingratamente como se ele fosse um
corvo e fê-lo cair no reino de Pãtãla. Sabemos tudo a respeito de Krsna e quão
ingrato Ele é. Mas aqui está a dificuldade: apesar d'Ele ser tão cruel e sem
coração, para nós é muito difícil deixar de conversar sobre Ele. Não somos só
nós que não conseguímos nos desvencilhar desta conversa, mas há grandes
sábios e pessoas santas que também se dedicam a conversar sobre Ele. Nós,
gopls de Vrndãvana, não queremos mais fazer amizade com este rapaz escuro,
porém não sabemos como conseguiremos deixar de lembrar e de conversar
sobre as atividades d ’Ele.”
Uma vez que Krsna é absoluto, as assim chamadas atividades cruéis d*Ele
são tão saborosas quanto as atividades amáveis dUle. As pessoas santas e os
grandes devotos, como as gopis, não conseguem abandonar Krsna em nenhuma
circunstância. Por isso, o Senhor Caitanya orava: “Krsna, Você é livre e inde­
pendente sob todos os aspectos. Você pode ou me abraçar ou me esmagar sob
Seus pés — tudo o que Você quiser. Pode ser que Você me parta o coração por
não deixar que eu O veja por toda a minha vida, mas Você é o meu único obje­
to de amor.”
“Na minha opinião”, continuou Srlmatl Rãdhãrãni, “não devemos ouvir
falar em Krsna, porque logo que uma gota do néctar das atividades transcen­
dentais d ’Ele entra em nosso ouvido, estamos imediatamente acima da plata­
forma da dualidade, atração e rejeição. A pessoa que se livra completamente da
atração do apego material, abandona o apego a este mundo material, à família,
ao lar, à esposa, aos filhos e a tudo que é materialmente querido por todas as
pessoas. A pessoa que se priva de todas as aquisições materiais faz seus paren­
tes e ela mesma infelizes. Então ela vagueia em busca de Krsna, seja como um
ser humano, seja em outras espécies de vida, até mesmo como uma ave. Real­
mente é muito difícil compreender Krsna, o nome d5Ele, a qualidade d ’Ele, a
forma d^Ele, os passatempos dTSle, a parafernália d’Ele e o.séquito d'Ele.”
Srlmatl Rãdhãrãn! continuou falando com o mensageiro negro de Krsna.
“Por favor, não fale mais sobre Krsna. É melhor conversar sobre alguma outra
coisa. Nós já estamos condenadas, como as corças de manchas negras que na
floresta se sentem enfeitiçadas pela doce vibração musical do caçador. Da
mesma maneira, temos sido seduzidas pelas doces palavras de Krsna, e pensa­
mos repetidamente nos raios das unhas dos dedos dos pés d’Ele. Estamos nos
(Jddhava entrega a mensagem de Krsna às gopls 311

tomando cada vez mais luxuriosas por nos associar com Ele; por isso, peço-lhe
que não fale mais de Krsna;”
Esta conversa de Rãdhãrãnl com o mensageiro abelhão e a acusação que
Ela fez contra Krsna, e, ao mesmo tempo, a incapacidade que Ela tinha de
deixar de conversar sobre Ele, são sintomas do mais elevado êxtase transcen­
dental, chamado mahãbhãva, A manifestação extática mahabhãva só é possível
na pessoa de Rãdhãrãnl e na pessoa das associadas dTSla. Grandes ãçãryas
como Srlla Rüpa Gosvãml e Visvanãtha CakravartI Thãkura tem analisado
estes discursos mahãbhãva de SrimatI Rãdhãrãnl, e descrevem os diferentes
sentimentos como, por exemplo, uclghürnã (desnorteamento) e jalpapratijalpa
(conversar de diferentes maneiras). Encontramos em Rãdhãrãnl a ciência do
ujjala, ou a mais brilhante das jóias, ou amor a Deus. Enquanto Rãdhãrãnl
conversava com a abelha e a abelha voava daqui para ali, de repente esta
desapareceu da vista dT31at Ela andava numa melancolia completa por causa da
separação que sentia de Krsna e estava sentindo êxtase com a conversa que
estava tendo com a abelha. Mas logo que a abelha desapareceu, Ela quase
enlouqueceu, pensando que a abelha mensageira tinha regressado para infor­
mar a Krsna sobre tudo que Ela (Rãdhãrãnl) falara contra Ele. “Krsna deve ter
ficado muito triste ao ouvir isto”, pensou Ela. Dessa maneira, Ela Se viu
superdominada por um outro tipo de êxtase.
Entrementes, a abelha, voando daqui para ali, apareceu outra vez perante
Ela. Ela pensou: “Krsna ainda é amável coMigo. Apesar do mensageiro ter-Lhe
transmitido mensagens disruptivas, Ele é tão amável que enviou a abelha outra
vez para que esta Me leve até Ele.” Dessa vez Srlmatl Rãdhãrãnl teve muito
cuidado para não dizer nada contra Krsna. “Seja bem-vinda, Minha querida
amiga”, disse Ela. “Krsna é tão amável que enviou você de volta. Krsna é tão
amável e afetuoso coMigo que, afortunadamente, enviou você de volta, apesar
de você ter transmitido Minha mensagem contra Ele. Minha querida amiga,
pode Me pedir o que quiser: Hei de dar-lhe qualquer coisa porque você é tão
amável coMigo. Você veio para levar-Me até Krsna, porque Ele não pode vir
aqui. Em Mathurã, Ele está rodeado por novas namoradas. Mas você é uma
criatura minúscula. Como poderá você Me levar até lá? Como poderá você Me
ajudar a encontrar Krsna enquanto Ele estiver descansando juntamente com a
deusa da fortuna e a abraçando contra o peito? Não importa. É melhor que
nos esqueçamos de todas estas coisas a respeito de Minha ida para lá, ou de Eu
enviá-la lá. Por favor, diga-Me como Krsna está passando em Mathurã. Diga-Me
se Ele ainda Se lembra de Nanda Mahãrãja, o pai adotivo dTSle, de Yas'odã, a
afetuosa mãe dTEle, dos pastorzinhos de vacas, os amigos d*Ele, e das pobres
amigas d*Ele como nós, as gopls. Estou certa de que às vezes Ele deve cantar
sobre nós. Nós O servimos tal qual criadas, sem nenhum pagamento. Haverá
alguma possibilidade de que Krsna volte novamente e nos envolva com Seus
312 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

braços? Os membros do corpo d*Ele têm sempre a fragrância do perfume


aguru. Por favor, faça todas estas perguntas a Krsna.”
Como Uddhava se encontrasse próximo dali, ele ouviu RãdhãrãpT conver­
sando desta maneira, como se tivesse quase enlouquecido por Krsna. Ele estava
excessivamente surpreso com a forma como as gopls estavam habituadas a
pensar em Krsna constantemente, nesse êxtase super elevado de amor
mahõbhãva. Ele trouxera uma mensagem escrita de Krsna, e agora queria
apresentá-la às gopls, justamente para apaziguá-las. Ele disse: “Minhas queridas
gopls, agora a missão de sua vida humana logrou o sucesso. Todas vocês são
devotas maravilhosas da Suprema Personalidade de Deus; por isso, vocês
merecem ser adoradas por todos os tipos de pessoas. Vocês são dignas de
serem adoradas em todos os três mundos porque suas mentes estão maravi­
lhosamente absortas em pensar em Vãsudeva, Krsna. Ele é o objetivo de todas
as espécies de atividades piedosas e de execuções ritualisticas, tais como dar
caridade, seguir rigidamente a austeridade de votos, submeter-se a penitências
severas e acender o fogo do-sacrifício. Ele é o objetivo por trás do canto de
diferentes mantras, da leitura dos Vedas, do controle dos sentidos e da concen­
tração da mente na meditação. Estes são alguns dos muitos processos diferen­
tes para se alcançar a auto-realização e a perfeição da vida. Porém, na realida­
de, esses processos destinam-se unicamente a compreender Krsna e a nos
encaixar no serviço transcendental amoroso da Suprema Personalidade de
Deus. Esta é também a última instrução do Bhagavad-gltã: embora o
Bhagavad-gltã dê descrições de diferentes tipos de processos de auto-realiza­
ção, no fim Krsna recomendou que devemos abandonar tudo e simplesmente
nos entregar a Ele. Todos os outros processos destinam-se a nos ensinar a como
nos entregar, no final das contas, aos pés de lótus de Krsna. O Bhagavad-gltã
também diz que uma pessoa sincera que executa os processos de auto-reaü-
zação com sabedoria e austeridade completa este processo de rendição depois
de muitos nascimentos.”
Uma vez que a perfeição de tal austeridade se manifestava completamente
na vida das gopls, Uddhava ficou plenamente satisfeito ao ver a posição
transcendental delas. Ele continuou dizendo: “Minhas caras gopls, é muito
muito difícil alcançar a mentalidade que vocês desenvolveram em relação a
Krsna, até mesmo para grandes sábios e pessoas santas. Vocês alcançaram a
fase perfeccional mais elevada da vida. Para vocês é uma grande dádiva que
vocês tenham fixado suas mentes em Krsna e tenham decidido ter apenas
Krsna, abandonando a família, o lar, os parentes, os esposos e os filhos, por
amor da Personalidade Suprema. Como a mente de vocês está agora plena­
mente absorta em Krsna, a Alma Suprema, automaticamente o amor universal
desenvolveu-se em vocês. Eu próprio acho que sou muito afortunado de, por
sua graça, ter sido favorecido a ponto de poder vê-las nesta situação.”
Uddhava entrega a mensagem de Krsna às gopis 313

Quando Uddhava disse que trazia uma mensagem de Krsnai as gopis fica­
ram mais interessadas em ouvir a mensagem do que em ouvir falar na posição
exaltada delas. Elas não gostaram muito de serem louvadas por sua posição
elevada. Mostraram a ansiedade que estavam sentindo por ouvir a mensagem
que Uddhava trouxera de Krsna. Uddhava disse: “Minhas caras gopis, fui
especialmente delegado para trazer-lhes esta mensagem. Krsna enviou-me
especificamente até vocês, que são devotas tão grandiosas e gentis, porque eu
sou o mais confidencial dos servos dTSle.”
Uddhava transmitiu às gopis a mensagem escrita que trouxera de Krsna,
porém leu-a pessoalmente. A mensagem foi escrita com muita gravidade, para
que não somente as gopis, mas também todos os filósofos empíricos, compre­
endessem que o amor puro a Deus se integra intrinsicamente a todas as diferen­
tes energias do Senhor Supremo. Segundo a informação védica, compreende-se
que o Senhor Supremo tem energias múltiplas: parãsya saktir vividhaiva
srüyate. Álém disso, as gopis eram amigas pessoais tão íntimas de Krsna que
Este ficou muito comovido enquanto escrevia a mensagem para elas, e não
conseguiu escrever com clareza. Como era discípulo de Brhaspati, Uddhava
tinha uma inteligência muito aguda, de modo que em vez de entregar a mensa­
gem escrita, ele julgou atilado lê-la pessoalmente e explicá-la a elas.
Uddhava continuou: “Estas são as palavras da Personalidade de Deus.
‘Minhas queridas gopis, Minhas queridas amigas, saibam, por favor, que a se­
paração entre nós é impossível em qualquer tempo, em qualquer lugar ou sob
quaisquer circunstâncias, porque Eu sou todopenetrante.’ ”
Esta todopenetrâneia de Krsna é explicada no Bhagavad-gitã, tanto no
Nono quanto no Sétimo Capítulos. Krsna é todopenetrante em Seu aspecto
impessoal; tudo descansa nTile, porém Ele não Se encontra presente pessoal­
mente em toda a parte. No Sétimo Capítulo também se declara que os cinco
elementos grosseiros: a terra, a água, o fogo, o ar e o céu, e os três elementos
sutis: a mente, a inteligência e o ego, são todos energias inferiores d ’Ele.
Porém, há uma outra energia, a energia superior, que se chama entidade viva'.
As entidades vivas também são diretamente partes integrantes de Krsna. Por­
tanto, Krsna é a fonte tanto da energia material quanto da energia espiritual.
Ele está sempre misturado com todas as coisas como a causa e o efeito. Não
somente as gopis, mas também todas as entidades vivas estão sempre insepa-
ravelmente ligadas a Krsna em todas as circunstâncias. Contudo, as gopis
cooperam perfeita e completamente na relação que têm com Krsna, enquan­
to que as entidades vivas que estão sob o encanto de mãyã estão esquecidas
de Krsna. Elas se consideram identidades separadas que não têm ligação algu­
ma com Krsna;
O amor a Krsna, ou a consciência de Krsna, é portanto a fase perfeccional
de conhecimento verdadeiro para se compreender as coisas como elas são.
314 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

Nossas mentes não podem jamais estar vazias. A mente está constantemente
ocupada com algum tipo de pensamento, e o tema de tal pensamento não pode
estar fora dos oito elementos da energia de Krsna. Aquele que conhece este as­
pecto filosófico de todos os pensamentos é realmente um sábio, e se entrega a
Krsna. As gopís constituem o exemplo típico desta fase perfeccional de conhe­
cimento. Elas não são simples especuladores mentais. As mentes delas estão
sempre em Krsna. A mente nada mais é que a energia de Krsna. Na realidade,
qualquer pessoa que possa pensar, sentir, atuar e desejar não pode estar separa­
da de Krsna. Porém, a fase na qual ela pode compreender sua relação eterna
com Krsna chama-se consciência de Krsna. 0 estado doentio no qual ela não
é capaz de compreender sua relação eterna com Krsna é a fase contaminada,
ou mãyã. Uma vez que as gopls estão na plataforma de conhecimento trans­
cendental puro, as mentes delas estão sempre cheias de consciência de Krsna.
Por exemplo: assim como entre o fogo e o ar não há separação, da mesma for­
ma, entre Krsna e as entidades vivas não existe separação. Quando as entidades
vivas se esquecem de Krsna, elas não se encontram em seu estado normal.
Quanto às gopís, elas estão na fase absoluta de perfeição em conhecimento
porque estão sempre pensando em Krsna. Às vezes os assim chamados filóso­
fos empíricos pensam que o caminho de bhakti destina-se às pessoas pouco
inteligentes; mas a menos que o assim chamado homem de conhecimento che­
gue à plataforma de bhakti, por certo o conhecimento dele é impuro e imper­
feito. Na realidade, a fase em que aperfeiçoamos nossa relação eterna com
Krsna é a fase do amor em separação. Mas isto também é ilusório, porque
nao existe separação alguma. As gopís jamais estiveram separadas de Krsna.
Mesmo considerando-se do ponto de vista filosófico, não houve separação
alguma.
A manifestação cósmica também não está separada de Krsna. “Não há
nada separado de Mim; toda a manifestação cósmica descansa em Mim e não
está separada de Mim. Eu existia antes da criação.” Isto está confirmado na li­
teratura védica: antes da criação, somente Nãrãyana existia. Não havia Brahmã,
nem havia Siva para ajudá-Lo. Toda a manifestação cósmica é manipulada
pelos três modos da natureza material. Brahmã é a encarnação da qualidade da
paixão. Diz-se que Brahmã criou este universo, porém Brahmã é o criador se­
cundário; o criador original é Nãrãyana. Sahkarãcãxya também confirma isto:
nãrãyanah paro ’vyaktãt. Nãrãyana é transcendental, Ele está além desta cria­
ção cósmica.
Krsna cria, mantém e aniquila toda a manifestação cósmica expandindo-
Se em diferentes encarnações. Tudo é Krsna e tudo depende de Krsna, mas não
se pode percebê-Lo na energia material. A energia material chama-se mãyã, ou
ilusão. Entretanto, na energia espiritual pode-se perceber Krsna a cada passo,
em todas as circunstâncias. Esta fase perfeccional de compreensão está presen­
Uddhava entrega a mensagem de Kisna às gopis 315

te nas gopis. Assim como Kisna-está sempre à parte da manifestação cósmica,


embora esta dependa completamente dTde, da mesma forma uma entidade
viva está completamente à parte de sua vida condicionada material. O corpo
material se desenvolve com base na existência espiritual. No Bhagavad-gltã se
aceita que toda a manifestação cósmica é a mãe das entidades vivas, e que
Kisna é o pai. Assim como o pai fecunda a mãe injetando a entidade viva den­
tro do ventre, da mesma forma todas as entidades vivas são injetadas por
Krsna no ventre da natureza material. Elas saem com corpos diferentes, de
acordo com suas diferentes atividades fruitivas. Em todas as circunstâncias, a
entidade viva está à parte desta vida condicionada material.
Se simplesmente estudarmos nossos próprios corpos, poderemos compre­
ender que uma entidade viva está sempre à parte deste engaiolamento corpó-
reo. Todas as ações do corpo ocorrem por intermédio da interação dos três
modos da natureza material. Podemos ver que a cada momento ocorrem mui­
tas mudanças nos corpos, mas que a alma espiritual está à parte de todas as
mudanças. Não é possível criar, nem aniquilar, nem interferir com as ações da
natureza material. Portanto, a entidade viva é apanhada em armadilha pelo cor­
po material e condicionada em três fases, a saber: enquanto está desperta, en­
quanto dorme e enquanto está inconsciente. A mente atua através de todas as
três condições de vida; em seu estado adormecido ou de sonho, a entidade vi­
va pensa que uma determinada coisa é real, e em seu estado desperto ela pensa
que a mesma coisa é irreal. Conclui-se, portanto, que sob determinadas circuns­
tâncias ela aceita que uma determinada coisa é real, e que- sob outras circuns­
tâncias aceita que a mesmíssima coisa é irreal. Estes assuntos são o tema de es­
tudo para o filósofo empírico, ou o sãiikhya-yogi. Para que cheguem à conclu­
são correta os sãnkhya-yogis submetem-se a austeridades e penitências seve­
ras. Eles praticam o controle dos sentidos e a renúncia.
Todos estes diferentes processos para se determinar o objetivo último da
vida são comparados a rios. Krsna é o oceano. Assim como os rios fluem em di­
reção ao oceano, da mesma forma todas as tentativas para se conseguir conhe­
cimento fluem em direção a Krsna. Após muitos e muitos nascimentos de es­
forço, quando a pessoa chega realmente a Krsna, ela alcança a fase perfeccio-
nal. Krsna diz no Bhagavad-gitã: “Todos estão buscando o caminho para Me
realizar, mas o esforço daqueles que têm adotado caminhos, sem nenhum
bhakti, é muito incômodo.” Kle$o’dhikataras tesãm: não é possível compre­
ender Krsna se não se chega ao ponto de bhakti.
No Gitã são enunciados três caminhos: karina-yoga, jnãna-yoga e bhakti-
yoga. Aconselha-se que aqueles que estão demasiado viciados em atividades
fruitivas executem ações que os tragam a bhakti. Aqueles que estão viciados na
frustração da filosofia empírica também são aconselhados a compreender
bhakti. A karma-yoga é diferente do karma comum, e a jnãna-yoga é diferente
316 Krsna, a Suprema PersonaLidade de Deus

do jnãnaZ No finai das contas, como o Senhor declara no Bhagavad-gitã,


bhaktyã mãm abhijãnãti: só é possível compreender Krsna através da execução
de serviço devocionai. As gopls alcançaram a fase perfeccional do serviço devo-
cional porque não se importavam em conhecer nada além de Krsna, Nos Vedas
se confirma; yasmin eva vi/nãte sarvam eva'vijnãtam bhavanti.. Isto significa
que pelo simples fato de conhecer Krsna adquire-se automaticamente qualquer
outro conhecimento.
Krsna continuou: “Vocês não necessitam mais do conhecimento transcen­
dental do Absoluto. Vocês se habituaram a Me amar desde o começo de suas
vidas.” O conhecimento da Verdade Absoluta é especificamente necessário
para as pessoas que querem libertar-se da existência material. Mas aquele que
alcançou amor por Krsna já está na plataforma da liberação. Como se declara
no Bhagavad-gltã, deve-se considerar que qualquer pessoa ocupada em serviço
devocionai imaculado está situada na plataforma transcendental da liberação.
Na realidade, as gopTs não estavam sentindo nenhuma das dores da existência
material, senão que estavam sentindo a separação de Krsna. Por isso, Krsna
disse: “Minhas queridas gopTs, Eu Me separei de vocês de propósito, para in­
crementar o amor superexcelente que vocês têm por Mim. Fiz isto para que
vocês fiquem meditando constantemente em Mim."
As gopTs estão na fase perfeccional de meditação. Geralmente, os
yogTs gostam mais de meditar do que de executar serviço devocionai ao
Senhor, porém não sabem que a fase perfeccional de devoção vem a ser a con­
secução da perfeição do sistema de yoga. No Bhagavad-gltã se confirma que
esta meditação constante em Krsna por parte das gopls é a yoga mais elevada.
Krsna conhecia muito bem a psicologia feminina. Quando o amado de uma
mulher está longe, ela pensa nele em meditação-, e assim ele fica presente dian­
te dela. Krsna quis ensinar por intermédio do comportamento das gopls» Por
certo que uma pessoa alcança os pés de lótus de Krsna se está constantemente
em transe como as gopls.
O Senhor Caitanya ensinou às pessoas em geral o métòdo de vipralambha,
que é o método de prestar serviço à Suprema Personalidade de Deus com senti­
mento de separação. Os seis Gosvãmls também ensinaram a adoração a Krsna
com o sentimento de separação das gopls. As orações de Srlnivlsa Âcãrya sobre
os Gosvãmls explica esses assuntos com muita clareza. SrTnivãsa Ãeãrya disse
que os Gosvãmls estavam sempre absortos no oceano de sentimentos transcen­
dentais no humor ãzs gopls. No tempo em que viviam em Vrndãvana, eles bus­
cavam por Krsna, gritando; “Onde está Krsna? Onde estão as gopls? Onde está
Você, írlmatT RãdhãrSnl?” Eles nunca diziam; “Acabamos de ver Rãdhã e
Krsna, e por isso nossa missão está cumprida." A missão deles permanecia sem­
pre por cumprir; eles jamais encontravam Rãdhã e Krsna. Na época da dança
da rasa, as gopls que não puderam se juntar à rãsa-lllã com Krsna abandonaram
Uddhava entrega a mensagem de Krsna às gopis 317

seus corpos pensando simplesmente em Krsna. Deste modo, absorver-se na


consciência de Krsna} sentindo separação, é o método mais rápido para se al­
cançar os pés de lótus de Krsna; Segundo a declaração pessoal de Krsna, as
gopis estavam convencidas, a respeito da força dos sentimentos de separação.
Elas estavam experimentando realmente o método sobrenatural da adoração a
Krsna e estavam muito calmas e felizes de o terem compreendido.
Elas começaram a falar como se segue; “Ouvimos falar que o rei Kamsa, o
qual sempre foi uma fonte de aborrecimento para a dinastia Yadu, está morto
agora. Para nós esta é uma boa noticia. Por isso, esperamos que os membros da
dinastia Yadu estejam muito felizes na companhia de Krsna, o qual pode satis­
fazer todos os desejos de Seus devotos. Caro Uddhava, diga-nos, por favor, se
às vezes Krsna pensa em nós enquanto está no meio das moças altamente ilu­
minadas da sociedade de Mathurã. Sabemos que as mulheres e as mocinhas
que vivem em Mathurã não são aldeãs. Elas são esclarecidas e belas. Certamen­
te, os olhares sorridentes e tímidos delas e outras características femininas
agradam muito a Krsna. Sabemos muito bem que Krsna sempre gostou do
comportamento das belas mulheres. Por isso, parece que Ele foi apanhado na
armadilha pelas mulheres de Mathurã. Caro Uddhava, diga-nos, por favor, se
por acaso, às vezes, Krsna Se lembra de nós enquanto Se encontra no meio de
outras mulheres.”
Outra gopi indagou: “Ele ainda Se lembra daquela noite de luar no meio
das flores kumadini, quando Vrndãvana ficou excessivamente bela? Krsna dan­
çava conosco, e a atmosfera ficou sobrecarregada com o som de sinos de pé.
Nessa ocasião trocamos conversas agradáveis. Por acaso Ele ainda Se lembra
dessa noite em particular? Nós nos lembramos dessa noite e sentimos separa­
ção. A separação que sentimos de Krsna nos agita, como se houvesse um in­
cêndio em nossos corpos. Ele tencionava regressar a Vrndãvana para extinguir
o incêndio, assim como uma nuvem aparece no céu para extinguir o incêndio
na floresta com seu derramamento de água.”
Outra gopi disse: “Krsna matou Seu inimigo e conquistou o reino de
Kamsa vitoriosamente. Pode ser que a esta altura Ele esteja casado com a filha
de um rei e vivendo alegremente entre Seus parentes e amigos. Portanto, por
que viria Ele a esta aldeia de Vrndãvana?”
Outra gopi disse: “Krsna é a Suprema Personalidade de Deus, o esposo da
deusa da fortuna, e é independente. Ele não tem nada a ver conosco, as moci­
nhas da floresta de Vrndãvana, nem com as mocinhas da cidade de Mathurã.
Ele é a grande Superalma: Ele não tem nada a ver com nenhuma de nós, seja
aqui ou lá.”
Outra gopi disse; “Para nós,'esperar que Krsna regresse a Vrndãvana é
uma esperança despropositada. Em vez disso, devemos tentar ser felizes na de­
silusão. Até mesmo Pingalã, a grande prostituta, disse que a desilusão é o maior
318 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

prazer. Todas nós sabemos destas coisas, mas para nós é muito difícil abando­
nar a esperança de que'Krsna voltará outra vez. Quem pode se esquecer de uma
conversa solitária com Krsna, sobre cujo peito a deusa da fortuna sempre
permanece, apesar de Krsna não a desejar? Meu caro Uddhava, Vrndãvana é a
terra dos rios, florestas e vacas. Aqui se ouve a vibração da flauta, e Krsna,
juntamente com Srl Balarãma, Seu irmão mais velho, desfrutaram a atmosfera
em nossa companhia. Assim é que o ambiente de Vrndãvana nos faz lembrar
constantemente de Krsna e Balarãma. A impressão das pegadas dTle encon­
tra-se na terra de Vrndãvana, que é a residência da deusa da fortuna; porém,
tais sinais não podem nos ajudar a conseguir Krsna.”
As gopis expressaram ainda que, além do mais, Vrndãvana estava cheia de
toda a opulência e de toda a boa fortuna; quanto às necessidades materiais, em
Vrndãvana não havia escassez nem carência alguma; mas apesar de tal opulên­
cia, elas não conseguiam se esquecer de Krsna e Balarãma.
“Lembramo-nos constantemente de diversos aspectos atrativos do belo
Krsna: o andar, o sorriso e os gracejos d ’Ele. Todas nós nos perdemos com as
relações que tivemos com Krsna, e para nós é impossível esquecê-Lo. Estamos
sempre orando para Ele, exclamando: ‘Querido Senhor, querido esposo da
deusa da fortuna, querido Senhor de Vrndãvana e salvador dos devotos aflitos!
Agora estamos caídas e mergulhadas num oceano de aflição. Por isso, por fa­
vor, volte outra vez para Vrndãvana e nos liberte desta condição lamentável.”
Uddhava estudou minuciosamente o estado anormal transcendental das
gopTs na separação que elas sentiam de Krsna, e julgou sensato repetir todos os
passatempos de Srl Krsna várias vezes. As pessoas materialistas estão sempre
num estado ardente por causa do fogo ardente das misérias materiais. As gopis
também estavam queimando num fogo ardente transcendental, devido à sepa­
ração de Krsna. Entretanto, o fogo ardente que exasperava as gopis é diferente
do fogo do mundo material. As gopTs queriam associar-se constantemente com
Krsna, enquanto que a pessoa materialista quer a vantagem dos confortos ma­
teriais.
Visvanãtha CakravartT Thãkura declara que Krsna salvou os pastorzinhos
de vacas do ardente incêndio na floresta no raio de um segundo —enquanto os
olhos destes estavam fechados. Similarmente, Uddhava avisou as gopis de que
elas poderíam se salvar do fogo da separação se fechassem os olhos e meditas­
sem nas atividades de Krsna desde o momento em que começaram a se associar
com Ele. Por fora, as gopis eram capazes de visualizar todos os passatempos de
Krsna quando ouviam as descrições de Uddhava, e por dentro elas conseguiam
se lembrar desses passatempos. Com a instrução de Uddhava, as gopis puderam
compreender que Krsna não estava separado delas. Assim como estavam pen­
sando constantemente em Krsna, Krsna também estava pensando constante­
mente nelas enquanto Se encontrava em Mathurã.
Uddhava entrega a mensagem de Krsna às gopls 319

As mensagens e as instruções de Uddhava salvaram as gopís da morte ime­


diata,, e as gopís manifestaram seu apreço pela bênção de Uddhava. Uddhava
atuou praticamente como o mestre espiritual, preceptor das gopls, e estas, por
sua vez, adoraram-no como teriam. adorado Krsna. Nas escrituras autorizadas
se recomenda que se deve adorar o mestre espiritual ao mesmo nível que se
adora a Suprema Personalidade de Deus, pelo fato daquele ser um servo muito
donfídencial d’Este —e grandes autoridades aceitam que o mestre espiritual é a
manifestação externa de Krsna; As gopís se aliviaram de seu estado ardente
transcendental ao realizarem que Krsna Se encontrava com elas. Internamerite,
elas se lembravam da associação com Ele dentro de seus corações, e externa­
mente Uddhava as ajudou a apreciar Krsna com instruções copclusivas.
Nas escrituras se descreve que a Suprema Personalidade de Deus é
adhoksafa, que indica que Ele está além da percepção de todos os sentidos ma­
teriais. Embora Ele esteja além da percepção dos sentidos materiais, Ele está
presente no coração de todo mundo. Ao mesmo tempo* Ele está presente em
toda a parte, por intermédio de Seu aspecto to do penetrante de Brahman. Po­
demos compreender todos os três aspectos transcendentais da Verdade Absolu­
ta (Bhagavãn, a Personalidade de Deus, Paramãtmã, a Superalma localizada, e o
Brahman todopenetrante) se simplesmente estudamos o estado das gopís
quando elas se encontraram com Uddhava, encontro este que é descrito no
Srímad-Bhãga vatam.
Srlnivlsa Ãcãrya diz que os seis Gosvamis estavam sempre imersos, pen­
sando nas atividades das gopís. Caitanya Mahãprabhu também recomenda que
o método de adoração à Suprema Personalidade de Deus adotado pelas gopís
é superexcelente. SrTla Sukadeva GosvãmT também recomenda que qualquer
pessoa que ouvir da parte da fonte certa a respeito das relações dasgopTs com
Krsna e que obedecer às instruções será elevada à mais alta posição de serviço
devocional e será capaz de abandonar a luxúria pelo gozo material.
A instrução de Uddhava consolou todas as gopTs-} elas pediram que ele fi­
casse em Vrndãvana por mais alguns dias, e Uddhava concordou com a propos­
ta, ficando com elas não só por alguns dias, mas por alguns meses. Ele as man­
teve sempre ocupadas pensando na mensagem transcendental de Krsna e nos
passatempos d’Ele, de forma que as gopís tinham a impressão de que estavam
experimentando a associação direta com Krsna. Enquanto Uddhava permane­
ceu em Vrndãvana, os habitantes desfrutaram da associação dele. Como con­
versavam sobre as atividades de Krsna, os dias se passaram como instantes. A
atmosfera natural de Vrndãvana, com a presença do rio Yamunã, seus belos
pomares de árvores decoradas com diversas frutas, a Colina de Govardhana, as
cavernas, as.flores desabrochando —todas estas coisas combinaram-se para ins­
pirar Uddhava a narrar os passatempos de Krsna; Os habitantes desfrutavam a
associação com Uddhava da mesma forma que desfrutavam a associação com
Krsna.
320 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

Uddhava se sentiu atraído pela atitude das gopls porque elas estavam
completamente apegadas a Krsna, e a ansiedade das gopls por Krsna o. inspi­
rou. Ele começou a oferecer-lhes suas respeitosas reverências e compôs as se­
guintes canções, louvando as qualidades transcendentais delas: “Entre todas as
entidades vivas que tenham aceitado a forma humana de vida, as gopls são
super bem sucedidas na missão delas, Elas têm o pensamento completamente,
absorto nos pés de lótus de Krsna. Há grandes sábios e pessoas santas que tam­
bém estão tentando absorver-se meditando nos pés dè lótus de Krsna, que é o
próprio Mukunda, Aquele que dá a liberação; contudo, por terem aceitado o
Senhor amorosamente, as gopls estão automaticamente acostumadas com este
hábito. Elas não dependem de nenhuma prática ióguica. A conclusão é que
uma pessoa que tenha alcançado a condição de vida das gopls não precisa nas­
cer como o Senhor Brahmi, nem nascer numa família brãhniana, nem ser ini­
ciada como um brãhmana
SrT Uddhava confirmou a declaração que o Senhor Krsna faz no
Bhagavad-gltõ; aquele que se refugiar n ’Ele com a intenção certa, seja ele um
sudra, ou mais baixo que um sudra, alcançará o mais elevado objetivo da vida.
As gopls estabeleceram o padrão de devoção para todo o mundo. Uma pessoa
que seguir os passos das gopls, pensando constantemente em Krsna, poderá al­
cançar a fase perfeccional mais elevada da vida espiritual. As gopls não haviam
nascido de nenhuma família aitamente culta; elas nasceram de pastores de va­
cas, e não obstante desenvolveram o mais elevado amor por Krsna. Para alcan­
çarmos a auto-realização, ou a realização de Deus, não é necessário que nasça­
mos numa família elevada. A única coisa necessária é o desenvolvimento extá­
tico do amor a Deus. Para que alcancemos a perfeição na consciência de Krsna,
não necessitamos de nenhuma outra qualificação além. de estarmos constante­
mente ocupados no serviço amoroso a Krsna. Krsna é o néctar supremo, o re­
servatório de todo o prazer. O efeito de se adotar a consciência de Krsna é
como o efeito de se beber néctar; o processo atuará, quer saibamos, quer não.
O princípio ativo da consciência de Krsna manifestar-se-á em toda a parte. Não
importa como e onde tenhamos nascido. Não resta dúvida de que Krsna have-
■rá de conceder Sua bênção a qualquer pessoa que adotar a consciência de
Krsna. Apesar das gopls terem nascido na família de pastores de vacas, a bên­
ção suprema que elas alcançaram jamais fora alcançada nem sequer pela pró­
pria deusa da fortuna, e certamente também não fora alcançada pelos habitan­
tes do céu, embora estes tenham corpos com formas semelhantes a lótus. As
gopls são tão afortunadas que Krsna as abraçou pessoalmente com Seus braços
durante a rãsa-lílã. Krsna as beijou face a face. Certamente não é possível nos
três mundos que nenhuma mulher, exceto as gopls, consiga isto.
Uddhava apreciou a posição exaltada das gopls e desejou cair ao chão
para pôr a poeira dos pés delas sobre sua cabeça. Contudo, não ousou pedir às
Uddhava entrega a mensagem de Krsna às gopls 321

gopls que oferecessem a poeira dos pés delas; talvez elas não concordassem.
Portanto, ele desejou passar a poeira dos pés das gopls em sua cabeça sem que
elas soubessem. Ele desejou tornar-se apenas um insignificante pedaço de rel­
va ou ervas na terra de Vrndãvana.
As gopls se sentiam tão atraídas a Krsna que quando ouviram a vibração
da flauta d ’Ele deixaram imediatamente suas famílias, filhos, honra e timidez
feminina para correrem até o lugar onde Krsna Se encontrava. Elas não consi­
deraram se estavam passando pela estrada ou através das selvas. Imperceptivel-
mente, a poeira dos pés delas foi outorgada a pequenas relvas e ervas de Vrndã­
vana. Como não ousasse pôr a poeira dos pés das gopls sobre sua própria cabe­
ça, Uddhava aspirou a nascer no futuro na posição de um pedaço de relva e er­
vas. Aí então ele conseguiría ter a poeira dos pés das gopls.
Uddhava apreciou a fortuna extraordinária das gopls, que se libertaram
de todas as espécies de contaminação material ao colocarem sobre seus belos e
altos seios os pés de lótus de Krsna, que são adorados não só pela deusa da for­
tuna, mas também por semideuses exaltados, tais como Brahmã e o Senhor
Siva, e nos quais grandes yogls meditam dentro de seus corações. Assim,
Uddhava desejou ser capaz de orar constantemente para poder ser honrado
com a poeira dos pés de lótus das gopls. O cantar dos passatempos transcen­
dentais do Senhor Krsna feito pelas gopls tornou-se famoso em todos os três
mundos.
Após ter vivido em Vrndãvana por alguns dias, Uddhava desejou voltar
para Krsna, e pediu a Nanda Mahãrãja e a Yasodã permissão para partir. Ele
teve um encontro de despedida com as gopls, e após pedir permissão a elas
também, montou em sua quadriga e partiu para Mathurã.
Quando Uddhava estava prestes a partir, todos os habitantes de Vrndã­
vana, encabeçados por Mahãrãja Nanda e Yasodã, vieram dar-lhe adeus e pre­
sentearam-no com diversos tipos de artigos valiosos obtidos em Vrndãvana.
Eles exprimiram seus sentimentos com lágrimas nos olhos, devido ao intenso
apego a Krsna. Todos eles desejavam ser abençoados por Uddhava. Eles deseja­
vam lembrar-se sempre das atividades gloriosas de Krsna e queriam que suas
mentes estivessem sempre fixas nos pés de lótus dTUe, que suas palavras esti-
vesssem sempre ocupadas a glorificar Krsna e que seus corpos estivessem sem-*
pre ocupados prostrando-se perante Ele e lembrando-se constantemente d ’Ele.
Esta oração dos habitantes de Vrndãvana constitui o tipo superexcelente
de auto-realização. O método é muito simples: fixar a mente sempre nos pés de
lótus de Krsna, falar sempre de Krsna sem mudar para nenhum outro assunto e
ocupar o corpo no serviço a Krsna constantemente. Nesta forma de vida hu­
mana, em especial, devemos ocupar nossas vidas, nossos recursos, palavras e
inteligência no serviço ao Senhor. Atividades desse tipo podem apenas elevar
um ser humano ao nível mais alto de perfeição. Este é o veredito de todas as
autoridades.
322 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

Os habitantes de Vmdãvana disseram: “Pela vontade da autoridade su­


prema e de acordo com os resultados de nosso próprio trabalho, podemos nas­
cer em qualquer párte. Não importa onde nasçamos, mas oramos unicamente
para que possamos estar ocupados simplesmente na consciência de Krsna,” Um
devoto puro do Senhor Krsna jamais deseja ser promovido aos planetas celes­
tiais, nem- mesmo a Vaikuntha ou a Goloka Vmdãvana, porque ele não tem
nenhum desejo de satisfação pessoal. Um devoto puro considera que tanto o
céu quanto o inferno estão no mesmo nível. Sem Krsna, o céu é um inferno, e
com Krsna, o inferno é um céu. Depois de ter honrado suficientemente a ado­
ração aos devotos puros de Vfndãvana, Uddhava voltou para Mathurã e para
Krsna, o senhor dele. Após oferecer respeitos, prostrando-se diante do Senhor
Krsna e de Balarãma, ele passou a descrever a maravilhosa vida devocional dos
habitantes de Vmdãvana. Ele presenteou todos os presentes dados pelos habi­
tantes de Vmdãvana a Vasudeva, o pai de Krsna, e a Ugrasena, o avô de Krsna.

Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Qua­


renta e Seis de Krsna, intitulado “Uddhava Entrega a Mensagem de
Krsna às Gopis. ”
47/ Krsna satisfaz Seus devotos
• • •

Por dias a fio, Krsna ouviu Uddhava contando todos os detalhes de sua vi­
sita a Vmdãvana, sobre o estado de Seu pai e de Sua mãe, e sobre as gopís e os
pastorzinhos de vacas. O Senhor Krsna ficou plenamente satisfeito de que
Uddhava fora capaz de consolá-los por intermédio de suas instruções e da men­
sagem que se lhes transmitiu.
Nessa ocasião o Senhor Krsna decidiu ir até a casa de Kubjã, a mulher
corcunda que 0 havia satisfeito, oferecendo-Lhe sândalo quando Ele entrava
na cidade de Mathurã. Como se declara no Bhagavad-gitã, Krsna sempre tenta
satisfazer Seus devotos, ao passo que os devotos tentam satisfazer Krsna.
Assim como os devotos sempre pensam em Krsna no íntimo deles, da mesma
forma Krsna pensa em Seus devotos no íntimo d^Ele. Quando Kubjã foi con­
vertida nüma bela moça da sociedade, ela quis que Krsna viesse até a casa
dela para que pudesse tentar recebê-Lo e adorá-Lo a sua própria maneira. Ge­
ralmente as moças da sociedade tentam satisfazer seus clientes oferecendo-lhes
os corpos para eles desfrutarem. Mas esta moça da sociedade, Kubjã, sentiu-sc
realmente cativada por uma luxúria de satisfazer seus sentidos com Krsna.
Certamente Krsna não teve desejo de satisfazer Seus sentidos quando desejou
ir até a casa de Kubjã. Kubjã já havia satisfeito os sentidos de Krsna ao Lhev
fornecer a polpa de sândalo Sob o pretexto de satisfazer os sentidos dela, Ele
decidiu ir até a casa dela, não rcalmente para satisfazer os sentidos, mas sim
para convertê-la numa devota pura. Krsna é sempre servido por muitas milha­
res de deusas da fortuna; portanto, Ele não precisa Se dirigir até uma moça da
sociedade para satisfazer Seus sentidos. Porém, como é amável com todo mun­
do, Ele decidiu ir até lá. Diz-se que a lua não retira seu brilho do pátio de uma
pessoa desonesta. Similarmente, a misericórdia transcendental de Krsna jamais


324 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

é negada a ninguém, quer a pessoa tenha Lhe prestado serviço através da luxú-
ria, da ira, do temor ou do amor puro, No Caitanya-caritãmrta se declara que
se um devoto quiser servir a Krsna e ao mesmo tempo quiser satisfazer seus
próprios desejos luxuriosos, Krsna vai manejar as coisas de modo que este de­
voto se esqueça de seu desejo luxurioso.e se purifique completamente, ocU-
pando-se constantemente no serviço ào Senhor,
Krsna foi à casa de Kubjã juntamente com Uddhava, a fim de cumprir a
promessa que fizera no passado, Quando chegou à casa dela, Krsna viu que a
casa estava completamente enfeitada, de modo a excitar os desejos luxuriosos
de um homem. Isto sugere que havia muitos quadros de nus, sobre os quais
havia dosséis e bandeiras bordadas com colares de pedras, além de camas con­
fortáveis e cadeiras almofadadas. Os quartos estavam providos com guirlandas
de flores e estavam bem perfumados com incenso e borrifados com água perfu­
mada; além disso, estavam iluminados com belas lâmpadas. Quando Kubjã viu
que o Senhor Krsna viera até a casa dela a fim de cumprir com a promessa que
fizera de que a visitaria, ela levantou-se imediatamente da cadeira para vir rece-
bê-Lo. Acompanhada por suas muitas amigas, ela pôs-se a conversar com Ele
com grande respeito e honra. Após oferecer um lugar confortável para o Se­
nhor Krsna sentar-Se, ela O adorou duma forma que convinha exatamente à
posição dela. Uddhava foi recebido de forma similar por Kubjã e suas amigas,
mas como não se encontrava ao mesmo nível que Krsna, ele simplesmente
sentou-se no solo.
Sem perder mais tempo, como se faz em situações assim, Krsna entrou no
quarto de dormir de Kubjã. Entrementes, Kubjã tomou seu banho e passou
polpa de sândalo em seu corpo. Ela se vestiu com roupas bonitas, jóias valiosas,
ornamentos e guirlandas de flores, e se apresentou perante Krsna a mastigar
noz de betei e outros comestíveis inebriantes e a se borrifar com perfumes. En­
quanto se encontrava graciosamente diante do Senhor Krsna, o qual é conheci­
do como Madhava, o esposo da deusa da fortuna, seu olhar sorridente e seus
olhos vivos estavam cheios de timidez feminina. Quando percebeu que Kubjã
hesitava em se aproximar d’Ele, Krsna imediatamente agarrou-lhe a mão, a
qual estava decorada com braceletes. Com grande afeto, Ele a puxou para Si e
^fê-la sentar-se ao lado d’Eie. Pelo simples fato de anteriormente ter oferecido
polpa de sândalo a Krsna, o Senhor Supremo, Kubjã livrou-se de todas as rea­
ções pecaminosas e tornou-se apta para desfrutar com Ele. Então ela pegou os
pés de lótus de Krsna e colocou-os sobre seus seios, que queimavam com o fo­
go ardente da luxúria. Ao cheirar afragrância dos pés de lótus de Krsna, ela se
libertou imediataménte de todos os desejos luxuriosos. Deste modo, Krsna
permitiu que ela O abraçasse com os dois braços e mitigasse assim-o desejo há
muito acalentado de ter Krsna como visitante de sua casa.
Krsna satisfaz Seus devotos 325

No Bhagavad-gitã se declara que uma pessoa não pode se ocupar no servi­


ço transcendental amoroso ao Senhor se não está livre de todas as reações ma­
teriais pecaminosas. Pelo simples fato de ter fornecido polpa de sândalo a
Krsna, Kubjã foi recompensada desta maneira. Não a ensinaram a adorar Krsna
de nenhuma outra maneira; por isso, ela quis satisfazê-Lo por intermédio de
sua profissão. No Bhagavad-gitã se confirma que podemos adorar o Senhor até
mesmo por intermédio de nossa profissão, caso a ofereçamos sinceramente
para o prazer do Senhor. Então Kubjã disse a Krsna: “Por favor, meu querido
amigo, fique comigo ao menos por alguns dias. Divirta-Se comigo, Você e Seu
amigo de olhos de lótus. Não posso deixá-Lo imediatamente. Por favor, satis­
faça o meu pedido.”
Como se declara nas versões védicas, a Suprema Personalidade de Deus
tem potências múltiplas. De acordo com a opinião perita, Kubjã representa a
potência purusa-úakti de Krsna, da mesma forma que Srlmatl Rãdhãrãni repre­
senta a potência cit-iakti d ’Ele. Embora tivesse pedido que Krsna permaneces­
se com ela por alguns dias, Krsna convenceu-a polidamente de que não podería
ficar. Krsna visita este mundo material ocasionalmente, ao passo que Sua liga­
ção com o mundo espiritual é eterna. Krsna está sempre presente, seja nos pla­
netas Vaikuntha, seja no planeta Goloka Vrndãvana. Prakata-lilã é o termo
técnico que indica a presença d*Ele no mundo espiritual.
Após satisfazer Kubjã com palavras doces, Krsna regressou a Sua casa jun­
tamente com Uddhava. No Srimad-Bhãgavatam há um aviso de que não é mui­
to fácil adorar Krsna, porque Ele é a Suprema Personalidade de Deus, o princi­
pal entre os Visnu-tattvas. Não é muito fácil adorar Krsna ou ter associação
com Ele. Há um aviso especifico para os devotos que se sentem atraídos por
Krsna através do amor conjugal; não é bom que eles desejem ter gratificação
dos sentidos por intermédio da associação direta com Krsna. Na realidade, as
atividades de gratificação dos sentidos são materiais. No mundo espiritual há
sintomas como o beijo e o abraço, mas não há nenhum processo de gratifica­
ção dos sentidos como existe no mundo material. Este aviso é dado especifica­
mente àqueles que são conhecidos como sahajiyãs, os quais tomam por certo
que Krsna é um ser humano comum. Eles desejam gozar de vida sexual com
Krsna duma forma pervertida. A gratificação dos sentidos é extremamente in­
significante numa relação espiritual. Qualquer pessoa que deseja ter relação de
gratificação pervertida dos sentidos com Krsna deve ser considerada pouco in­
teligente. É preciso corrigir a mentalidade de tal pessoa.
Depois de algum tempo, Krsna cumpriu a promessa que fizera de que visi­
taria Akrüra na casa deste. A relação que Akrüra tinha com Krsna era de servo
dTSste, de modo que Krsna queria que Akrüra Lhe prestasse algum serviço. Ele
foi à. casa de Akrüra, acompanhado pelo Senhor Balarãma e por Uddhava.
Quando Krsna, Balarãma e Uddhava se aproximavam da casa de Akrüra, este se
326 Krsna, a Supiema Personalidade de Deus

apresentou, abraçou Uddhava e ofereceu respeitosas reverências ao Senhor


Krsna e a Balarãma, prostrando-se diante d’Eles. Por sua vez, Krsna, Balarãma
e Úddhava ofereceram-lhe reverências, ao que Akrüra ofereceu-lhes lugares
apropriados para se sentarem. Quando todos estavam sentados confortavelmen­
te, Akrüra lavou-lhes os pés e borrifou a água sobre sua cabeça. Aí então ele
ofereceu belas flores e polpa de sândalo, numa adoração regular. Todos os três
ficaram muito satisfeitos com o comportamento de Akrüra. Então Akrüra
prostrou-sejdiante de Krsna, colocando sua cabeça no chão. Depois, Akrüra
pôs-se a massagear gentilmente os pés de lótus de Krsna, mantendo-os sobre o
seu colo. Quando Akrüra se sentiu plenamente satisfeito na presença de Krsna
e Balarãma, seus olhos se encheram de lágrimas de amor por Krsna, e ele come­
çou a oferecer suas orações como se segue.
“Meu querido Senhor Krsna, Você foi muito amável em ter matado
Kamsa e os associados deste. Você salvou toda a família da dinastia Yadu da
maior das calamidades. Os membros da grande dinastia Yadu irão sempre lém-
brar-se de que Você os salvou. Meus queridos Senhor Krsna e Balarãma, Vocês
são a personalidade original de quem tudo emana. Vocês são a causa original
de todas as causas. Vocês têm energias inconcebíveis e são todopenetrantes.
Não há nenhuma outra causa e efeito, grosseira ou sutil, além de Vocês. Vocês
são o Brahman Supremo, realizado por intermédio do estudo dos Vedas. Por
intermédio de Sua energia inconcebível, podemos ve-Los realmente diante de
nós. Vocês criam esta manifestação cósmica por intermédio de Suas próprias
potências, e Vocês Mesmos entram nela. Assim como os cinco elementos ma­
teriais, a terra, a água, o fogo, o ar e o céu, distribuem-se em todas as coisas
manifestas por intermédio de diferentes espécies de corpos, da mesma forma
Vocês entram sozinhos em diferentes variedades de .corpos, criados por Sua
própria energia. Vocês entram no corpo como a alma individual e também
entram independentemente como a Superalma. Sua energia inferior cria o cor­
po material. As entidades vivas, as almas individuais, são Suas partes integran­
tes, e a Superalma constitui Sua representação localizada. Este corpo material,
a entidade viva e a Superalma constituem um ser vivo individual, mas original­
mente todos eles são diferentes energias do único Senhor Supremo.
"No mundo material Você cria, mantém e dissolve toda a manifestação,
por intermédio da interação de três qualidades, a saber: bondade, paixão e
ignorância. Você não se envolve pelas atividades dessas qualidades materiais
porque Seu conhecimento supremo jamais é superado, como acontece no caso
da entidade viva individual,”
Assim como o Senhor Supremo entra nesta criação material e deste modo
ocorrem a criação, a manutenção e a destruição no seu devido curso, da mesma
forma a entidade viva parte integrante entra nos elementos materiais, e um cor­
po material é criado para ela. A diferença entre a entidade viva e o Senhor é
Krsna satisfaz Seus devotos 327

que a entidade viva é parte integrante do Senhor Supremo e tem a tendência a


ser dominada pela interação das qualidades materiais. Já que Krsna, o
Parambrahma, ou o Brahman Supremo, está sempre situado cm conhecimento
pleno, tais atividades jamais O dominam. Por isso, Krsna é chamado dc
Acyuta, que significa que Ele jamais cai. A ação material jamais domina o co­
nhecimento que Krsna tem da identidade espiritual, ao passo que as diminutas
entidades vivas partes integrantes estão sujeitas a ter sua identidade dominada
pela ação material. As entidades vivas individuais são eternamente partes inte­
grantes de Deus. Como são centelhas diminutas do fogo original, Krsna, cias
têm a tendência a se extinguirem.
Akrüra continuou: UA classe de homens pouco inteligentes compreende
mal Sua forma transcendental, pensando que ela também é feita dc energia ma­
terial. Este conceito não se aplica a Vocc cm absoluto. Na realidade, Você é
completamente espiritual, não havendo diferença alguma entre Você e Seu
corpo. Por causa disto, não é possível que Você seja condicionado ou liberado.
Você é sempre liberado em qualquer condição de vida. Como se declara no
Bhagavad-gitã, só os tolos e os patifes consideram que Você é um homem co­
mum. Considerar que Sua Onipotência é um de nós, condicionado pela nature­
za material, é um equivoco que se deve ao nosso conhecimento imperfeito.
Quando as pessoas se desviam do conhecimento original dos Vedas, elas ten­
tam identificar as entidades vivas comuns com Sua Onipotência. Sua Onipo­
tência aparece nesta Terra em Sua forma original, a fim de restabelecer o co­
nhecimento verdadeiro de que as entidades vivas não são nem unas com o
Deus Supremo, nem iguais a Ele. Meu querido Senhor, Você está sempre si­
tuado na bondade não contaminada (suddha-sattva). É necessário que Você
apareça para restabelecer o verdadeiro conhecimento védico, cm contraposi­
ção à filosofia ateista que tenta estabelecer que Deus e as entidades vivas são
iguais. Meu querido Senhor Krsna, desta vez Você apareceu na casa de
Vasudeva, como filho deste, juntamente com Sri Balarãma, Sua expansão
plenária. Sua missão é matar todas as famílias reais ateístas, juntamente com a
imensa força militar delas. Você adveio para diminuir a sobrecarga do mundo;
e com o fim de cumprir esta missão, glorificou a dinastia dc Yadu, aparecendo
na famiiia como um de seus membros.
“Meu querido Senhor, hoje tive minha casa purificada por Sua presença.
Tornei-me a pessoa mais afortunada do mundo. A Suprema Personalidade de
Deus, que é adorado por todos os diferentes tipos de semideuses, Pitrs, entida­
des vivas, reis e imperadores, e que é a Superalma de tudo, apareceu na minha
casa. A água dos pés de lótus d*Ele purifica os três mundos, e hoje Ele veio
amavelmente a minha casa. Quem é que nos três mundos, entre os homens
realmente eruditos, não se refugiará em Seus pés de lótus e não se renderá a
Você? Quem é que, sabendo bem que não há ninguém que possa ser tão
328 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

afetuoso quanto Você é com Seus devotos, quem é que sera tolo ao ponto de
negar tornar-se um devoto Seu? Em toda a literatura védica se declara que
Você é o mais querido amigo de todas as entidades vivas. Isto está confirmado
no Bhagavad-gítã: suhrdam sarva-bhütãnãm. Você é a Suprema Personalidade
de Deus, completamente capaz de satisfazer os desejos de Seus devotos. Você 6
o verdadeiro amigo de todo mundo. Apesar de Se dar a Seus devotos, Você
jamais Se esgota de Sua potência original. Sua potência não diminui, nem au­
menta em volume.
“Meu querido Senhor, até mesmo os grandes yogTs místicos e semideuses
têm muita dificuldade em verificar Seu movimento. Eles não são capazes de se
aproximar de Você, e não obstante, por Sua misericórdia sem causa, Você con­
sentiu amavelmente em vir até minha casa. Este é o momento mais auspicioso
na viagem de minha existência material. Unicamente por Sua graça posso com­
preender que minha casa, minha esposa, meus filhos e minhas posses mundanas
são todos diferentes laços à existência material. Por favor, corte o nó e salve-
me deste enredamento de sociedade, amizade e amor falsos.”
0 Senhor Srl Krsna ficou muito satisfeito com as orações que Akrura Lhe
ofereceu. O sorriso d ’Eie cativava Akrura cada vez mais. O Senhor respondeu-
lhe como se segue: “Meu querido Akrura, apesar de sua submissão, considero
que você é Meu superior, que você está ao nível de Meu pai, de Meu mestre e
de Meu mais benquerente amigo. Por isso, você é digno de Minha adoração, e
uma vez que você é Meu tio, você sempre há de Me proteger. Desejo que você
Me mantenha porque sou um de seus próprios filhos. Afora esta relação filial,
você haverá de ser adorado sempre. Qualquer pessoa que deseje boa fortuna
deve oferecer suas respeitosas reverências a personalidades como você. Você é
superior aos semideuses. As pessoas adoram os semideuses quando necessitam
de alguma gratificação dos sentidos; os semideuses oferecem bênçãos aos de­
votos deles depois que estes os adoram. Mas um devoto como Akrura está sem­
pre pronto a oferecer a maior bênção às pessoas. Uma pessoa santa ou um de­
voto tem liberdade para oferecer bênçãos a todo mundo, ao passo que os semi­
deuses só podem oferecer bênçãos depois que são adorados. Só podemos tirar
proveito do lugar de peregrinação depois que chegamos lá. Demora muito tem­
po para que uma pessoa satisfaça um desejo se ela adora um semideus particu­
lar; mas as pessoas santas como você, Meu caro Akrura, podem satisfazer ime­
diatamente todos os desejos dos devotos. Meu querido Akrura, você é sempre
nosso amigo e bem-querente. Você está sempre disposto a atuar para o nosso
bem-estar. Por isso, por favor, vá até Hastinãpura e veja o que arranjaram para
os Pãndavas.”
Krsna estava muito ansioso por receber notícias dos filhos de Pãndu, por­
que estes haviam perdido seu pai quando ainda eram muito jovens. Como é
muito amigável com Seus devotos, Krsna estava ansioso por receber noticias de­
Krsna satisfaz Seus devotos 329

les, e por isso encarregou Akrüra de ir até Hastinãpura e obter informações a


respeito da verdadeira situação dos Pãndavas. Krsna continuou dizendo: “Ouvi
dizer que depois da morte do rei Pãndu, os jovens filhos dele (Yudhisthira,
BhTma, Arjuna, Nakula e Sahadeva), juntamente com sua mãe viúva, ficaram
spb os cuidados de Dhrtarãstra, que deve cuidar deles como tutor. Mas ouvi di­
zer, também, que Dhrtarãsjra é não apenas cego de nascença, como também
cego em seu afeto por Duryodhana, seu filho cruel. Os cinco Pãndavas são os
filhos do rei Pãndu, mas Dhrtarãstra não está disposto favoravelmente em rela-
çãos aos Pãndavas por causa dos planos e intenções que ele tem. Por favor, vá
lá e investigue como Dhrtarãstra está tratando com os Pãndavas. Quando tiver
recebido sua informação, hei de considerar como favorecer os Pãndavas.”
Dessa maneira, Krsna, a Suprema Personalidade de Deus, mandou que Akrüra
fosse até Hastinãpura, e depois então regressou a casa, acompanhado por
Balarãma e Uddhava.
Neste ponto encerra-se o significado Bhafctivedanta do Capítulo Qua­
renta e Sete de Krsna, intitulado (<Krsna Satisfaz Seus Devotos. ”
48/ O mal-intencionado Dhrtarastra • * *

Ao receber esta ordem de SrT Jírsna, a Suprema Personalidade dc Deus,


Akrüra visitou Hastinãpura. Diz-se que Hastinãpura é o lugar onde agora fica
Nova Deli, As pessoas em geral aceitam que a parte de Nova Deli que ainda ho­
je é conhecida como Indraprastha é a velha capital dos Pãndavas. O próprio no­
me Hastinãpura sugere que na cidade havia muitos hastls, ou elefantes. Como
os Pãndavas mantinham muitos elefantes na capital, esta se chamava Hastinã­
pura. Manter elefante c uma ocupação muito cara; portanto, o reino tinha que
ser muito rico para manter tantos elefantes, e Hastinãpura cra cheia de elefan­
tes, cavalos, quadrigas c outras opulências. Quando Akrüra chegou a Hastinã­
pura, ele viu que a capital estava cheia de todas as espécies de opulências. Os
reis de Hastinãpura eram aceitos como os reis governantes do mundo inteiro.
A fama deles se espalhava amplamente por todo o reino, sendo que eles condu­
ziam sua administração sob o bom conselho de brãhmanas eruditos.
Após ver a opulentíssima capital, Akrüra encontrou-se com o rei Dhrta-
rãstra. Viu também o avô BhTsma sentado com o rei. Após encontrar-se com
o rei e Bhisina, ele foi ter com Vidura e em seguida, com a cunhada de Viduraj
Kuntí. Um após o outro, Akrüra visitou o filho de Somadatta, o rei de
Bãhlíka, Dronãcãrya, Krpãcãrya, Karna e Suyodhana. (Suyodhana é um outro
nome de Duryodhana.) Ele visitou os cinco irmãos Pãndavas e outros amigos e
parentes que viviam na cidade. Akrüra era conhecido como o filho de GãndT, e
por isso todo mundo com quem ele se encontrava sentia muito prazer em rece­
bê-lo. Todos que o recebiam ofcreciam-lhe um bom lugar para sentar-se, e ele,
por sua vez, perguntava tudo sobre o bem-estar de seus parentes e sobre outras
atividades.
0 mal-intencionado Dhrtarastra 331

Uma vez que o Senhor Krsna delegou-o para visitar Hastinãpura, compre­
ende-se que ele tinha muita inteligência para analisar uma situação diplomáti­
ca. Após a morte do rei Pãndu, Dhrtarastra estava ocupando o trono ilegalmen­
te, apesar da presença dos filhos de Pãndu, Akrüra queria investigar toda a si­
tuação, de modo que permaneceu ali.Elé pôde compreender muito bem que o
mal-intencionado Dhrtarastra estava muito inclinado a favor de seus próprios
filhos. De fato, Dhrtarastra já havia usurpado o reino e agora estava instigando
e planejando libertar-se dos cinco irmãos Pãndava. Akrüra soube também que
todos os filhos de Dhrtarastra, encabeçados por Duryodhana, eram políticos
muito desonestos. Dhrtarastra não atuava em conformidade com as boas ins­
truções dadas por BhTsma e Vidura, mas se deixava conduzir, isso sim, pela
má instrução de pessoas tais como Karna-, Sakuni e outros. Akrüra decidiu fi­
car em Hastinãpura por alguns meses, a fim de estudar toda a situação políti­
ca.
Aos poucos, Akrüra ficou sabendo, com KuntT e Vidura, que Dhrtarastra
era muito intolerante e invejava os cinco irmãos Pãndava por causa da erudição
extraordinária que estes tinham na ciência militar e por causa da força corporal
altamente desenvolvida que eies tinham. Eles atuavam como verdadeiros heróis
cavalheirescos, exibiam todas as boas qualidades dos ksatriyas e eram príncipes
muito responsáveis, que sempre pensavam no bem-estar dos cidadãos. Akrüra
também ficou sabendo que o invejoso Dhrtarastra, em consulta com seu filho
mal-intencionado, tinha tentado matar os Pãndavas, envenenando-os,
Akrüra era um dos primos de KuntT; por isso, depois que se encontrou
com ele, KuntT começou a perguntar sobre seus parentes paternos. Ela come­
çou a chorar quando pensou em sua terra natal. Perguntou a Akrüra se o pai
dela, a mãe dela, os irmãos, as irmãs e os outros amigos em casa ainda se lem­
bravam dela. Indagou especialmente a respeito de Krsna e Balarãma, seus glo­
riosos sobrinhos. Ela perguntou: “Por acaso Krsna, que é a Suprema Personali­
dade de Deus, que é muito afetuoso com Seus devotos, por acaso Ele Se lem­
bra de meus filhos? Balarãma Se lembra de nós?” Dentro de si, KuntT se sentia
como uma corça no meio de tigres, e na realidade esta era a posição em que ela
se encontrava. Depois da morte do seu marido, o rei Pãndu,supostamente ela
deveria tomar conta dos cinco filhos Pãndava, mas Dhrtarastra estava sempre
fazendo planos para matá-los. Por certo que ela estava vivendo como um pobre:
animal inocente no meio de vários tigres. Como era uma devota do Senhor
Krsna, estava sempre pensando n ’EIe e esperando que um dia Krsna viesse e os
salvasse da posição perigosa em que se encontravam. Ela perguntou a Akrüra se
Krsna Se propusera a vir aconselhar os órfãos Pãndavas sobre como se livrar da
política intrigante de Dhrtarastra e seus fühos. Enquanto conversava com
Akrüra sobre todas estas coisas, ela se sentiu desamparada e começou a excla­
mar: “Meu querido Krsna, meu querido Krsna, Você é o místico supremo, a
332 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

Superalma do universo. Você é o verdadeiro bem-querente de todo o universo.


Meu querido Govínda, a esta altura Voce está muito longe de mim, mas ainda
assim rezo para poder render-me a Seus pés de lótus. No momento atual estou
muito dominada pela dor com meus cinco filhos órfãos. Posso compreender
completamente que não há refúgio nem proteção além de Seus pés de lótus.
Os Seus pés de lótus podem salvar todas as almas aflitas porque Você é a
Suprema Personalidade de Deus. É somente por Sua misericórdia que podemos
nos Uvrax das garras dos nascimentos e mortes repetidos. Meu querido Krsna,
Você é o puro supremo, a Superalma e o mestre de todos os yogls. Que posso
dizer? Posso simplesmente oferecer-Lhe minhas respeitosas reverências. Aceite-
me como Sua devota totalmente rendida.”
Embora Krsna não estivesse presente diante dela, KuntT ofereceu-Lhe
suas orações como se estivesse na presen.ça d’Ele, face a face. Qualquer pessoa
que siga os passos de KuntT pode fazer isto. Não é preciso que Krsna esteja
fisicamente presente em toda a parte. Na realidade, Ele está presente em toda
a parte por intermédio da potência espiritual, e só é necessário que nos renda­
mos a Ele sinceramente. Quando Kuntl estava oferecendo suas orações a Krsna
com muito sentimento, ela não conseguiu se conter e começou a chorar alto
diante de Akrüra. Vidura também estava presente, e tanto Akrüra quanto
Vidura sentiram muita compaixão pela mãe dos Pandavas. Eles puseram-se
a consolá-la, glorificando os filhos dela, Yudhisthira, Arjuna e Bhima, e a
apaziguaram, dizendo que os seus filhos eram extraordinariamente poderosos;
ela não devia se perturbar por causa deles, uma vez que eles haviam nascido de
grandes semideuses, Yamarlja, índra e Vãyu.
Akrüra decidiu regressar e informar sobre as circunstâncias extremas
nas quais encontrara Kuntl e os cinco filhos desta. Primeiro ele quis dar
um bom conselho a Dhrtarãstra, o qual se sentia tão favoravelmente
inclinado para com seu próprio filho e desfavoravelmente inclinado para
com os PãççLavas. Quando Kuntl e Dhrtarãstra estavam sentados entre amigos
e parentes, Akrüra dirigiu-se a este, chamando-o de “Vãrcitravlrya.” Vãrci-
travlrya quer dizer o filho de Vicitravlrya. Viciíravlrya era o nome do pai de
Dhrtarãstra, mas na realidade Dhrtarãstra não era um filho gerado de
Vicitravlrya. Ele era um filho gerado de Vyãsadeva, Outrora o sistema era que
:se um homem era incapaz de gerar um filho, o irmão dele podia gerar um filho
no ventre da esposa dele. Agora nesta era de Kali este sistema é proibido.
Akrüra .chamou sarcasticamente Dhrtarãstra de “Vãrcitravlrya”, porque na
realidade Dhrtarãstra não fora gerado pelo pai. Ele era o filho de Vyãsadeva.
Quando o irmão do esposo gerava um filho na esposa, o esposo exigia o
filho, mas naturalmente o filho não era gerado pelo esposo. Esta observa­
ção sarcástica chamava a atenção para o fato de que Dhrtarãstra estava exigin­
do o trono falsamente, com base na herediariedade. Na realidade, o filho de
0 mal-intencionado Dhrtarastra 333

Pãndu era o rei legitimo e Dhrtarastra não devia ter ocupado o trono na
presença dos Pãndavas, os filhos de Pãndu.
Então Akrííra disse: “Meu caro filho de Vicitravirya, você usurpou o tro­
no dos Pãndavas ilegalmente. Em todo o caso, de uma forma ou de outra você
agora está no trono. Por isso, eu tomo a liberdade de aconselhar-lhe que, por
favor, governe o reino segundo princípios morais e éticos. Se você fizer isto
e tentar ensinar seus súditos dessa maneira, então seu nome e sua fama serão
perpétuos.” Akrüra deu a entender que embora Dhrtarastra estivesse maltra­
tando seus sobrinhos, os Pãndavas, estes eram súditos dele. “Mesmo que você
não os trate como os donos do trono, e sim como súditos seus, você deve pensar
de modo imparcial no bem-estar deles, como se eles fossem seus próprios fi­
lhos. Mas se você não seguir este principio e atuar justamente da maneira opos­
ta, então vai ficar sendo impopular entre seus súditos, e na próxima vida terá
que viver numa condição infernal. Por isso, espero que você trate seus filhos e
os filhos de Pãndu igualmente. Akrííra deu a entender que se Dhrtarastra não
tratasse os Pãndavas e os filhos dele igualmente, então certamente haveria uma
luta entre os dois grupos de primos. Uma vez que a causa dos Pãndavas era
justa, eles sairiam vitoriosos, e os filhos de Dhrtarãstra seriam mortos. Esta
foi uma profecia que Akrura fez para Dhrtarãstra.
Akrüra aconselhou ainda a Dhrtarãstra: “Ninguém neste mundo material
pode manter-se como companheiro eterno de outra pessoa. É só por acaso que
nos reunimos na família, na sociedade, na comunidade ou na nação, mas no
fim temos que nos separar, porque cada um de nós tem que abandonar o cor­
po. Por isso, não devemos ser desnecessariamente afetuosos com os membros
familiares.” O afeto de Dhrtarãstra era além disso ilegal e não mostrava muita
inteligência. Em simples palavras, Akrüra deu a entender a Dhrtarãstra que o
dedicado afeto familiar deste devia-se à ignorância grosseira que este tinha da
realidade. Embora pareçamos estar combinados na família, na sociedade ou na
nação, cada um de nós tem um destino individual. Cada um nasce de acordo
com seu trabalho individual anterior; portanto, todos têm que desfrutar ou
sofrer individualmente o resultado de seu próprio karma. Não é possível que
melhoremos nosso destino vivendo em cooperação. Às vezes acontece que o
pai de uma pessoa acumula riqueza através de meios ilegais, e que o filho
rouba o dinheiro, mesmo que o pai o tenha ganho com o suor de seu rosto.
É como um peixinho que no oceano come o corpo material do velho peixão.
No final das contas, não podemos acumular riquezas ilegalmente para a satisfa­
ção de nossa família, sociedade, comunidade ou nação. Uma coisa que serve
para ilustrar este princípio é o fato de que muitos grandes impérios que se de­
senvolveram no passado já não existem mais, porque a riqueza deles foi esban­
jada pelos últimos descendentes. Uma pessoa que não conhece esta lei sutil das
atividades fruitivas e deste modo abandona os princípios morais e éticos, leva
334 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

consigo apenas as reações a suas atividades pecaminosas. Alguma outra pessoa


toma a riqueza e as posses mal ganhas dela, e ela vai para a região mais escura
da vida infernal. Portanto, não devemos acumular mais riquezas do que a
riqueza que o destino nos atribui; pois senão ficaremos concretamente cegos a
nosso próprio interesse. Em vez de satisfazermos nosso interesse pessoal, atua­
remos de uma maneira justamente oposta, que causará a nossa própria queda.
AkrTJra continuou: “Meu querido Dhrtarãstra, tomo a liberdade de lhe
aconselhar que não seja cego a respeito do fato desta existência material. De­
vemos aceitar que a vida condicionada material, tanto na aflição quanto na
felicidade, é um sonho. Devemos tentar controlar nossa mente e nossos senti­
dos e viver pacificamente, de modo a poder avançar espiritualmente na cons­
ciência de Krsna.” No Caitanya-caritãmrta se diz que, à exceção das pessoas
que estão na consciência de Krsna, todo mundo está sempre com um estado de
espírito perturbado e cheio de ansiedades. Até mesmo aqueles que estão ten­
tando alcançar a liberação, ou-seja, fundir-se na refulgencis Brahman, ou então
os yogTs que estão tentando alcançar a perfeição no poder místico, não conse­
guem ter paz de espírito. Os devotos puros de Krsna não fazem nenhuma exi­
gência a Krsna. Eles ficam satisfeitos simplesmente com o serviço que Lhe
prestam. Só podemos alcançar a paz e a tranqüiiidade de espírito verdadeiras
ha consciência de Krsna perfeita.
Após ouvir as instruções morais de Akrüra, Dhrtarãstra respondeu: “Meu
querido Akrüra, você é muito caridoso por ter me dado boas instruções, mas
infelizmente não posso aceitá-las. Uma pessoa que está destinada a morrer
não se aproveita do efeito do néctar, mesmo que este lhe seja aplicado. Posso
compreender que suas instruções são muito valiosas. Infelizmente, elas não
permanecem em minha mente vacilante, assim como o raio reluzente que apa­
rece no céu não permanece numa nuvem fixa. Posso compreender apenas que
ninguém é capaz de parar com o progresso contínuo da vontade suprema.
Compreendo que Krsna, a Suprema Personalidade de Deus, apareceu na famí­
lia dos Yadus para diminuir o peso sobrecarregado desta Terra.”
Dhrtarãstra deu a entender a Akrüra que tinha fé completa em Krsna, a
Suprema Personalidade de Deus. Ao mesmo tempo, era muito parcial com os
membros de sua família. Num futuro muito próximo Krsna vencería todos os
membros da família de Dhrtarãstra, e este se refugiaria nos pés de Krsna, num
estado desamparado. Geralmente, Krsna afasta todos os objetos da afeição ma­
terial de um devoto para mostrar-lhe Seu favor especial. Assim, Eie obriga o
devoto a ficar materialmente desamparado, sem nenhuma outra alternativa
além de aceitar os pés de lótus de Krsna. Foi isto o que aconteceu com
Dhrtarãstra depois do fim da Batalha de Kuruksetra.
Dhrtarãstra podia compreender os dois fatores opostos que estavam atuan­
0 mal-intencionado Dhrtarastra 335

do perante ele. Ele pôde compreender que Krsna ali estava para remover todos
os fardos desnecessários do mundo. Os filhos dele constituíam um fardo desne­
cessário, e por isso ele imaginava que seus filhos seriam mortos. Ao mesmo
tempo, não conseguia se livrar de seu afeto ilegal pelos filhos. Compreendendo
este dois fatores contraditórios, ele começou a oferecer suas respeitosas reve­
rências à Suprema Personalidade de Deus. “É muito difícil compreender os
caminhos contraditórios da existência material; estes caminhos só podem ser
compreendidos como a execução inconcebível do plano do Supremo, que por
intermédio de Sua energia inconcebível cria este mundo material, entra nele e
aciona os três modos da natureza. Quando tudo é criado, Ele entra em cada
uma das entidades vivas e no átomo mais pequeno. Ninguém é capaz de com­
preender os planos incalculáveis do Senhor Supremo.”
Após ouvir essas declarações, Akrüra pôde compreender claramente que
Dhrtarastra não ia mudar sua política de discriminação contra os Pãndavas em
favor dos filhos dele. Akrüra despediu-se imediatamente de seus amigos em
Hastinãpura e regressou a sua casa no reino dos Yadus. Após regressar a casa,
ele informou vividamente ao Senhor Krsna e a Balarãma a respeito do que es­
tava acontecendo realmente em Hastinãpura e das intenções de Dhrtarastra.
Krsna enviara Akrüra a Hastinãpura para que este fizesse investigações. Pela
graça do Senhor, Akrüra saiu bem sucedido ke informou Krsna a respeito do
que estava acontecendo realmente.

Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Qua­


renta e Oito de Krsna, intitulado “O Mal-intencionado Dhrtarastra. ”
49/ Krsna levanta o forte de Dvaraka
« • *

Após a morte de Kamsa, suas duas esposas ficaram viúvas. Segundo a


civilização védica, uma mulher jamais é independente. Ela passa por três fa­
ses na vida: na infância uma mulher deve viver sob a proteção do pai; en­
quanto é jovem deve viver sob a proteção do jovem esposo; e no caso do es­
poso morrer ela deve viver ou sob a proteção dc seus filhos crescidos, ou,
caso não tenha filhos crescidos, deve voltar para seu pai c viver como uma
viúva sob a proteção deste. Parece que Kamsa não tinha filhos crescidos.
Após enviuvarem, as esposas dele voltaram à proteção do pai. Kamsa teve
duas rainhas. Uma se chamava Asti, e a outra, Prãpti, sendo que ambas eram
filhas do rei Jarãsandha, o senhor da província dc Bihar (conhecida naqueles
dias como Magadharãja). Depois que chegaram a casa, ambas as rainhas ex­
plicaram a posição incômoda em que se viram colocadas após a morte dc
Kamsa. Jarãsandha, o rei de Magadha, ficou mortificado ao ouvir falar no
estado lamentável em que elas ficaram devido à carnificina. Quando foi in­
formado da morte de Kamsa, Jarãsandha decidiu imediatamente que faria
desaparecer do mundo todos os membros da dinastia Yadu. Ele decidiu que
já que Krsna havia matado Kamsa, toda a dinastia dos Yadus devia ser
morta.
Ele começou a fazer arranjos extensos para atacar o reino dc Mathura
com suas inumeráveis falanges militares, as quais consistiam de muitos mi­
lhares de quadrigas, cavalos, elefantes e soldados de infantaria. Jarãsandha
dispôs treze de tais falanges militares a fim de retaliar a morte dc Kamsa.
Levando consigo toda a sua força militar, ele atacou Mathurã, a capital dos
reis Yadus, cercando-a por todos os lados. Sr! Krsna, que aparecera como
um ser humano comum, viu a força imensa de Jarãsandha, a qual parecia
Krsna levanta o forte de Dvãrakã 337

um oceano prestes a cobrir uma praia a qualquer momento. Percebeu tam­


bém que os habitantes de Mathurã estavam cheios de medo. Ele começou a
pensar conSigo Mesmo sobre a situação da missão d ’EIe como uma encarna­
ção e sobrè como enfrentar a situação que se apresentava diante d’Ele. Sua
missão era diminuir a população sobrecarregada de todo o mundo; por isso,
Ele aproveitou a oportunidade de poder enfrentar tantos homens, quadri­
gas, elefantes c cavalos. Como a força militar de Jarãsandha aparecera dian­
te d ’Ele, Ele decidiu matar toda a força de Jarãsandha para que eles não pu­
dessem voltar nem reorganizar novamente sua força militar.
Enquanto o Senhor Krsna pensava dessa maneira, duas quadrigas mili­
tares, totalmente equipadas com cocheiros, armas, bandeiras e outros ape­
trechos, chegaram até Ele do espaço exterior. Krsna viu as duas quadrigas
presentes na frente d’Ele e Se dirigiu imediatamente a Balarãma, Seu irmão
assistente, que também é conhecido como. Sankarsana: “Meu querido irmão
mais velho, Você é o melhor entre os arianos, Você é o Senhor do universo
e especificamente o protetor da dinastia Yadu. Os membros da dinastia Yadu
pressentem um grande perigo perante os soldados de Jarãsandha e estão
muito aflitos. A Sua quadriga também está aqui, cheia de armas militares,
justamente para dar-lhes proteção. Peço-Lhe que Se sente em Sua quadriga
e mate todos estes soldados, toda a força militar do inimigo. Naturalmente,
Nós descemos a esta Terra justamente para aniquilar tais forças belicosas
desnecessárias e para dar proteção aos devotos piedosos. De modo que temos
a oportunidade de cumprir Nossa missão. Por favor, vamos executá-la.” Deste
modo, Krsna e Balarãma, os descendentes de Dasãrha, o rei de Gadaha, decidi­
ram aniquilar as treze companhias militares de Jarãsandha.
Krsna Se dirigiu à quadriga dirigida por Dãruka e saiu da cidade de
Mathurã com um pequeno exército e ao som do soprar de búzios. O caso
curioso é que, embora o outro grupo estivesse equipado com uma força militar
maior, logo após ouvirem a vibração do búzio de Krsna, os corações deles es­
tremeceram. Quando Jarãsandha viu tanto Balarãma quanto Krsna ele sentiu
um pouquinho de compaixão, porque tanto Krsna quanto Balarãma relaciona-
vam-Se com ele como netos. Ele chamou Krsna especificamente de Purusã-
dhama, que quer dizer o mais baixo entre os homens. Na realidade, Krsna é
conhecido em todas as literaturas védicas como Purusottama, o mais elevado
entre os homens. Jarãsandha não *teve intenção de chamar Krsna dc
Purusottama, porém intelectuais eminentes têm determinado que o verdadeiro
significado da palavra purusãdhama é “aquele que faz todas as outras persona­
lidades perderem.” Na realidade, ninguém pode ser igual ou superior à Supre­
ma Personalidade de Deus.
Jarãsandha disse: “Para mim será muito desonroso lutar com rapazes
como Krsna e Balarãma.” Como Krsna tinha matado Kamsa, Jarãsandha
338 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

chamou-Õ especifieamente de o matador dos próprios parentes d ’Ele, Apesar


de Karhsa ter matado tantos de seus próprios sobrinhos, Jarãsandha não fez
caso disso; mas por Krsna ter matado Karhsa, o tio materno dTEle, Jarãsandha
tentou criticá-Lo. Assim são as transações demoníacas. Os demônios não ten­
tam ver seus próprios erros, mas tentam ver os erros dos inimigos. Jarãsandha
também criticou Krsna por Este não ser sequer um ksatriya. Como fora criado
por Mahãrãja Nanda, Krsna não era um ksatriya, e sim um vaisya. Gcralmente
os vaisyas são chamados de guptas, e a palavra gupta também pode ser usada
para significar “escondido”. Assim é que Krsna tinha sido escondido e criado
por Nanda Mahãrãja. Jarãsandha acusou Krsna de três faltas: que Ele matou
Seu próprio tio materno, que Ele esteve escondido em Sua infância e que não
era sequer um ksatriya. E por isso Jarãsandha sentiu-se envergonhado de ter
que lutar com Ele.
A seguir cie se voltou para Balarãma e Lhe disse: “Você, Balarãma! Se
Você quiser pode lutar juntamente com Ele, e Se tiver paciência, então pode
esperar para que eu O mate com minhas flechas. Assim Você poderá ser pro­
movido ao céu.” No Bhagavad-gítã se declara que enquanto um ksatriya luta
ele pode se beneficiar de duas maneiras. Se um ksatriya sai vitorioso na luta,
ele desfruta dos resultados da vitória, mas mesmo se é morto na luta, ele é pro­
movido ao reino celestial.
Após ouvir Jarãsandha falar dessa maneira, Krsna respondeu: “Meu caro
rei Jarãsandha,* os heróis não falam muito. Antes pelo contrário, eles exibem
seu heroísmo. Como você está falando muito, parece que está certo de que
morrerá nesta batalha. Nós não queremos mais saber de ouvir você falar,
porque é inútil ouvir as palavras de uma pessoa que vai morrer óu de uma pes­
soa que está muito aflita.” A fim de lutar com Krsna, Jarãsandha cercou-0 por
todos os lados com uma grande força militar, e o sol parecia estar coberto pelo
ar nublado e a poeira. Similarmente, Krsna, o sol supremo, estava coberto pela
força militar de Jarãsandha. As quadrigas de Krsna e Balarãma estavam marca­
das com quadros de Garuda e palmeiras. As mulheres de Mathurã encontra­
vam-se todas nas cumeeiras das casas, dos palácios e dos portões para verem a
luta maravilhosa, mas quando a força militar de Jarãsandha cercou a quadriga
de Krsna, elas ficaram tão assustadas que algumas desmaiaram. Krsna Se viu
dominado pela força militar de Jarãsandha. O pequeno número de soldados
d*Ele estava sendo perseguido por eles, de modo que Ele (Krsna) tomou ime­
diatamente de Seu arco, chamado Sãrnga.
Ele começou a tirar Suas flechas da aljava, e as dispôs uma após
a outra na corda do arco, atirando-as contra o inimigo. Elas foram tão
precisas que rapidamente os elefantes, os cavalos e os soldados da infantaria de
Jarãsandha foram mortos. As flechas incessantes atiradas por Krsna pareciam
um remoinho de fogo ardente matando toda a força militar de Jarãsandha. Aos
Krsna levanta o forte de Dvaraka 339

poucos, â medida que Krsna atirava Suas flechas, todos os elefantes come­
çaram a cair, com as cabeças cortadas pelas flechas. Similarmente, todos os ca­
valos caíram e as quadrigas também, juntamente com suas bandeiras. Os luta­
dores de quadriga e os quadrigários caíram também. Quase todos os soldados
de infantaria caíram no campo de batalha, com as cabeças, as mãos e as pernas
cortadas. Dessa maneira, foram mortos muitos milhares de elefantes e cavalos,
cujo sangue começou a correr como as ondas de um rio. Parecia que nesse rio
os braços cortados dos homens eram serpentes, as cabeças deles pareciam tarta­
rugas, e os cadáveres dos elefantes pareciam ser pequenas ilhas. Os cavalos mor­
tos pareciam tubarões. Por arranjo da vontade suprema, surgiu um grande rio
de sangue cheio de parafernália. As mãos e as pernas dos soldados da infantaria
flutuavam como algas marinhas e os arcos flutuantes dos soldados pareciam
ser ondas do rio. E todas as jóias dos corpos dos soldados e comandantes pare­
ciam tantos seixos que fluíam rio de sangue abaixo.
O Senhor. Balarãma, que também é conhecido como Sankarsana, pôs-Se
a lutar com Sua maça de uma forma tão heróica que o rio de sangue criado
por Krsna transbordou. Os que eram covardes ficaram com muito medo ao
verem a cena sinistra e horrível. Mas os que eram heróis começaram a conver­
sar entre si, com satisfação, sobre o heroísmo dos dois irmãos. Embora
Jarãsandha estivesse equipado com um vasto oceano de força militar, a luta do
Senhor Krsna e de Balarãma converteu toda a situação numa cena sinistra que
era muito mais que uma luta comum. As pessoas de mentalidade comum não
são capazes de avaliar como isto foi possível, mas se aceitamos tais atividades
como passatempos da Suprema Personalidade de Deus, sob cuja vontade tudo
é possível, aí então isso pode ser compreendido. A Suprema Personalidade de
Deus cria, mantém e dissolve a manifestação cósmica unicamente por Sua von­
tade. Para Ele, criar uma cena de devastação tão vasta enquanto luta com um
inimigo não é tão maravilhoso. E apesar disso, como Krsna e Balarãma estives­
sem lutando com Jarãsandha tal qual seres humanos comuns,- a coisa pareceu
ser maravilhosa.
Todos os soldados de Jarãsandha foram mortos, sendo ele o único que
restou vivo. Certamente, neste ponto ete ficou muito deprimido. Srl Balarãma
prendeu-o imediatamente, assim como um leão captura outro leão com grande
força. Mas enquanto o Senhor Balarãma amarrava Jarãsandha com a corda de
Varuna e com cordas comuns também, o Senhor Krsna pediu-Lhe que não o
prendesse, pois tinha um plano melhor para o futuro. Então Krsna soltou
Jarãsandha. Como era um lutador muito heróico, Jarãsandha ficou muito en­
vergonhado, e decidiu que não vivería mais como um rei, mas que se demitiría
de sua posição na ordem real e iria para a floresta praticar meditação, sob aus-
teridades e penitências severas.
Contudo, quando regressava a.casa com outros amigos reais, estes aconse­
340 Kxsna, a Suprema Personalidade de Deus

lharam-no que não se retirasse, mas que recuperasse força para num futuro
próximo lutar com Krsna outra vez. Os amigos príncipes de Jarãsandha come­
çaram a informar-lhe que normalmente não teria sido possível que ele fosse
derrotado pela força dos reis Yadus, mas que a derrota que ele experimentara
devia-se simplesmente a sua má sorte. A ordem principesca animou o rei
Jarãsandha. A luta dele, disseram eles, era certamente heróica; por isso, ele não
devia levar esta derrota muito a sério, já que se devia unicamente a seus erros
anteriores. Além do mais, ele lutara sem incorrer em erros.
Dessa maneira, Jarãsandha, o rei da província de Magadha, não pôde fazer
nada além de regressar a seu reino depois que perdeu toda a sua força e foi in­
sultado ao ser preso e subseqüentemente solto. Deste modo, o' Senhor Krsna
conquistou os soldados de Jarãsandha. Embora o exército de Krsna fosse mui­
to pequeno em comparação com o de Jarãsandha, nem uma pitada de Sua for­
ça foi perdida, ao passo que todos os homens de Jarãsandha foram mortos.
Nessa ocasião os habitantes do céu ficaram muito satisfeitos e começaram
a oferecer seus respeitos, cantando em glorificação ao Senhor e lançando flores
sobre Ele. Eles aceitaram a vitória com grande apreciação. Jarãsandha regres­
sou a seu reino e assim a cidade de Mathurã foi salva do perigo de um ataque
iminente. Os cidadãos de Mathurã organizaram os serviços combinados de um
circo de cantores profissionais, tais como os sütas e os mãgadhas, e de poetas
que eram capazes de compor belas canções - e começaram a cantar em glorifi­
cação à vitória do Senhor Krsna. Quando, após a vitória, o Senhor Krsna en­
trou na cidade, soaram muitos bugies, búzios e timbales, e as vibrações de di­
versos instrumentos musicais, tais como a bherya, a türya, a vínã, á flauta e a
mrdahga - juntaram-se todos para dar uma bela recepção. Enquanto Krsna en­
trava, toda a cidade estava muito limpa, todas as diferentes ruas e estradas es­
tavam borrifadas com água, e os habitantes, alegres, decoraram suas respectivas
casas, estradas e lojas com bandeiras e festões. Os brãhmanas cantavam
mantras védicos em numerosos lugares. As pessoas construíram cruzamentos,
estradas.., veredas e ruas. Quando o Senhor Krsna entrava na bem decorada ci­
dade de Mathurã com uma atitude festiva, as damas e mocinhas de Mathurã
prepararam diferentes tipos de guirlandas de flores para fazer a cerimônia mais
auspiciosa. De acordo com o costume védico, elas pegaram iogurte misturado
com relva verde recém-crescida e começaram a espalhar esta mistura
aqui e ali para tornar o júbilo da vitória ainda mais auspicioso. À medida quer
Krsna passava pela rua, todas as damas e mulheres começaram a fitá-Lo com '
grande afeição. Krsna e Balarãma traziam conSigo diversos tipos de presas,.
ornamentos e jóias arrecadadas cuidadosamente do campo de bataljia e presen-
tearam-nas ao rei Ugrasena. Deste modo Krsna ofereceu Seu respeito a Seu
avô, porque este era nessa ocasião o rei coroado da dinastia Yadu.
Jarãsandha, o rei de Magadha, não sitiou a cidade de Mathurã apenas uma
Krsna levanta o forte de Dvarakã 341

vez, senão que a atacou dezessete vezes da mesma maneira, equipado com o
mesmo número de falanges militares. Cada uma das vezes ele foi derrotado, e
cada uma dessas vezes Krsna matou todos os soldados dele. Cada uma das ve­
zes ele teve que regressar desapontado da mesma maneira. Cada uma das ve­
zes a ordem principesca da dinastia Yadu prendeu Jarãsandha da mesma forma
e o soltou outra vez de uma forma insultuosa, e cada vez Jarãsandha regressou
a casa desavergonhadamente.
Enquanto Jarãsandha intentava um de tais ataques, um rei Yavana de al­
gum lugar ao sul de Mathurã sentiu-se atraído pela opulência da dinastia Yadu
e também atacou a cidade. Diz-se que o rei dos Yavanas, conhecido como
Kãlayavana, foi induzido a atacar Mathurã por Nãrada. Esta história é narrada
no Visnu Purãna. Certa -vez, o genro do sacerdote da dinastia Yadu,
Gargamuni, tratou-o com sarcasmo. Quando ouviram falar no escárnio, os reis
da dinastia Yadu riram de Gargamuni, e por isso este se irritou com os reis
Yadus. Gargamuni decidiu que produziría alguém que seria muito temido pela
dinastia Yadu, de modo que agradou o Senhor Siva e recebeu deste a bênção
de um filho. Este filho, chamado Kãlayavana, ele gerou na esposa de um rei
Yavana. Este Kãlayavana perguntou a Nãrada: “Quem são os reis mais podero­
sos que há no mundo?” Nãrada lhe disse que os Yadus eram os mais podero­
sos. Depois de receber essa informação de Nãrada, Kãlayavana atacou a cidade
de Mathurã, ao mesmo tempo que Jarãsandha intentava atacá-la pela décima
oitava vez. Kãlayavana estava muito ansioso por declarar guerra contra um rei
do mundo que fosse um combatente à altura dele, porém não havia encontra­
do nenhum. Entretanto, quando Nãrada lhe informou a respeito de Mathurã,
ele julgou sensato atacar esta cidade. Quando atacou Mathurã, trouxe consigo
trinta milhões de soldados Yavana. Com Mathurã assim sitiada, o Senhor Sn
Krsna começou a considerar a intensidade da aflição da dinastia, que estava
sendo ameaçada pelos ataques de dois inimigos formidáveis, Jarãsandha e
Kãlayavana. O tempo passava rapidamente, Kãlayavana já sitiara Mathurã por
todos os lados, e se esperava que no dia seguinte Jarãsandha também viria, e-
quipado com o mesmo número de divisões de soldados que vieram em suas
dezessete tentativas anteriores. Krsna estava certo de que Jarãsandha aprovei­
taria a oportunidade para capturar Mathurã, agora que também estava sendo
sitiada por Kãlayavana. Por isso, Ele julgou sensato-' tomar medidas de precau­
ção para defender os pontos estratégicos de Mathurã. Se tanto Krsna quanto
Balarãma lutassem com Kãlayavana num único lugar, talvez Jarãsandha viesse
a outro lugar para atacar toda a família Yadu e vingar-se deles. Jarãsandha era
muito poderoso, e como tinha sido derrotado dezessete vezes, talvez matasse
vingativamente os membros da família Yadu ou os prendesse e os levasse
para seu reino. Por isso, Krsna decidiu construir um forte formidável num lu­
gar onde nenhum animal bípede, fosse homem ou fosse demônio, pudesse en­
342 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

trar. Ele decidiu manter Seus parentes ali, de modo que então ficasse livre para
lutar com o inimigo. Parece que antigamente Dvãrakã também fazia parte
do reino de Mathurã, porque no SrTmad-Bhãgavatam se declara que Krsna cons­
truiu um forte no meio do mar. Oí restos do forte-construído por Krsna ain­
da existem na baia de Dvãrakã.
Em primeiro lugar, Ele construiu um muro muito forte que cobria uma
área de cento e sessenta quilômetros quadrados, sendo que o muro em si se
encontrava dentro do mar. Por certo que era maravilhoso, e fora planejado e .
constando por Visvakarma. Nenhum arquiteto comum poderia construir um
forte assim dentro do mar, mas um arquiteto como VisVakarma, que é consi­
derado o engenheiro entre os semideuses, pode executar tal trabalho maravi­
lhoso em qualquer parte do universo. Sc planetas imensos podem flutuar em
antigravidade no espaço exterior por arranjo da Suprema Personalidade de
Deus, certamente a construção arquitetônica de um forte dentro do mar, que
cobria um espaço de cento e sessenta quilômetros quadrados, não constituiu
um ato muito maravilhoso.
No Srimad-Bhãgavatam está declarado que esta nova e bem construída ci­
dade, que se desenvolvera dentro do mar, tinha estradas, ruas e veredas planeja­
das c regulares. Havia não só estradas, ruas c veredas bem planejadas, mas tam­
bém havia caminhos c jardins bem planejados, cheios de plantas conhecidas
como kalpavrksas, ou árvores dos desejos. Estas árvores dos desejos não são
como as árvores comuns no mundo material; as árvores dos desejos são encon­
tradas no mundo espiritual. Tudo-é possível pela vontade suprema de Krsna,
de modo que tais árvores dos desejos foram plantadas nessa cidade de Dvãrakã,
construída por Krsna. Além disso, a cidade era cheia de muitos palácios e
gopuras, ou grandes portões. Ainda podemos encontrar estes gopuras em al­
guns dos templos maiores, Eles são muito altos e são construídos com extrema
habilidade artística. Tais palácios e portões tinham vasos d ’água dourados
(kalasa). Considera-se que estes vasos d ’água sobre os portões, ou nos palácios,
são sinais auspiciosos.
Quase todos os palácios eram arranha-céus. Em cada casa havia grandes
vasos de ouro e prata e grãos armazenados em quartos subterrâneos. E dentro
dos quartos havia muitos vasos d ’água dourados. Os quartos de dormir eram
completamente ornados com jóias, e os pisos tinham revestimento de mosai­
co com jóias marakata, A Deidade de Visnu, que era adorada pelos descenden­
tes de Yadu, foi instalada cm cada casa da cidade. Os bairros residenciais foram
arrumados de tal modo que as diferentes castas: os brãhmanas, os ksatriyas, os
vaisyas e os südras, tinham seus bairros respectivos. Daí parece que o sistema
de castas existia já naquela época. No centro da cidade havia um outro bairro
residencial, feito especificamente para o rei Ugrasena. Nesta área se encontrava
a mais deslumbrante de todas as casas.
Krsna levanta o forte de DvãrakS 343

Quando viram que Krsna estava construindo uma cidade particular por
Sua própria escolha, os semideuses mandaram a famosa flor pãrijãta do planeta
celestial, para que fosse plantada qa nova cidade, e também mandaram uma ca­
sa parlamentar, a Sudharmã. A característica específica desta casa parlamentar
era que qualquer pessoa que participava numa reunião dentro dela não era do­
minada pela influência da invalidez causada pela velhice. O semideus Varuna
também presenteou um cavalo, o qual era completamente branco, com exce­
ção das orelhas negras, e que podia correr à velocidade da mente. Kuvera, o te­
soureiro dos semideuses, presenteou a arte de se alcançar as oito fases perfec-
cionais das opulências materiais. Dessa maneira, todos os semideuses puseram-
se a presentear suas prendas respectivas de acordo com suas diferentes capaci­
dades. Existem trinta e três milhões de semideuses, e cada um deles está encar­
regado de um departamento particular da administração universal. Todos os
semideuses aproveitaram a oportunidade em que a Suprema Personalidade de
Deus construía uma cidade por Sua própria escolha para presentearem suas
respectivas prendas, fazendo de Dvaraka uma cidade única dentro do universo.
Isto prova que sem dúvida há inumeráveis semideuses, mas que nenhum deles é
independente de Krsna. Como se declara no Caitanya-caritamrta, Krsna é o
Senhor Supremo, enquanto que todos os outros são servos. De forma que to­
dos os servos aproveitaram a oportunidade para prestar serviço a Krsna quando
Este esteve pessoalmente presente neste universo. Todos devem seguir este
exemplo, especialmente aqueles que são conscientes de Krsna, pois eles devem
servir a Krsna com seus dons respectivos.
Quando a nova cidade estava totalmente construída de acordo com os
planos estabelecidos, Krsna transferiu todos os habitantes de Mathurã e con­
fiou a SrT Balarãma a função de protetor da cidade. Depois disso, Ele aconse-
lhou-Se com Balarãma; e depois de ser enguirlandado com flores de lótus saiu
da cidade para enfrentar Kãlayavana, que já havia tomado Mathurã sem se va­
ler de nenhuma arma.
Quando Krsna saiu da cidade, Kãlayavana, que jamais vira Krsna antes,
viu que Ele era extraordinariamente belo e que vestia roupas amarelas. En­
quanto passava por Seu grupo de soldados, Krsna parecia a lua que atravessa
um agrupamento de nuvens no céu. Kãlayavana teve a fortuna de ver as linhas
da Srlvatsa, uma impressão particular que existe no peito de Sn Krsna, e a
jóia Kaustubha que Ele estava usando. No entanto, Kãlayavana O viu em Sua
forma de Visnu, com um corpo bem construído, quatro mãos e os olhos seme­
lhantes a pétalas de lótus recém-dcsabrochadas. Krsna estava bem-aventurado,
com uma testa graciosa e um belo rosto, os olhos sorridentes e inquietos e os
brincos se mexendo. Antes de ver Krsna, Kãlayavana ouvira Nãrada falar a
respeito d The e agora ele confirmava as descrições de Nãrada. Notou as marcas
específicas de Krsna e as jóias sobre o peito d Tile, Sua bela guirlanda de flor de
344 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

lótus, Seus olhos de lótus e características corporais similarmente belas. Ele


concluiu que por certo esta bela personalidade era Vãsudeva, porque a presen­
ça de Krsna demonstrava a verdade de todas as descrições que anteriormente
ele ouvira da parte de Nãrada. Kãlayavana ficou muito espantado de ver que
Krsna estava passando sem nenhuma arma nas mãos e sem nenhuma quadriga.
Ele simplesmente caminhava a pé. Kãlayavana viera lutar com Krsna, e contu­
do teve princípios suficientes para não tomar de nenhum tipo de arma. Ele
decidiu lutar com Krsna mão a.mão. Deste modo, preparou-se para capturar
Krsna e lutar.
Entretanto, Krsna adiantou-Se sem olhar para Kãlayavana, e Kãlayavana
pôs-se atrás dTile com o desejo de capturá-Lo. Mas apesar de correr velozmen­
te, ele não conseguiu capturar Krsna. Nem mesmo os grandes yogis, que alcan­
çam a velocidade da mente, conseguem capturar Krsna. Só é possível capturá-
Lo por intermédio do serviço devocional, e Kãlayavana não tinha prática de
serviço devocional. Ele quis capturar Krsna, mas como não conseguia faze-lo,
estava correndo atrás d ’Ele.
Kãlayavana pôs-se a correr muito rápido, e ia pensando: “Agora estou
mais próximo; vou capturá-Lo”, mas não conseguia. Krsna afastou-Se muito
dele e entrou na caverna de uma colina. Kãlayavana pensou que Krsna estava
tentando evitar de ter que lutar com ele e que por isso encontrava-Se refugiado
na caverna. Ele começou a puni-Lo severamente com as seguintes palavras:
“EÍ Você,Krsna! Ouvi falar que Você é um grande herói que nasceu na dinas­
tia de Yadu, mas vej<5 que na verdade Você está fugindo da luta, como um co­
varde. Isto não é digno do bom nome que Você tem e de Sua tradição fami­
liar.” Kãlayavana prosseguia, correndo com rapidez, mas ainda assim não con­
seguiu agarrar Krsna porque não estava livre de todas as contaminações da vida
pecaminosa.
Segundo a cultura védica, uma pessoa que não viva seguindo os princípios
regulativos da vida, que são observados pelas castas superiores, isto é, os
brãhmanas, os ksatriyas, os vaisyas e até mesmo a classe operária —tal pessoa é
chamada de mleccha. A situação social védica é planejada de tal maneira que as
pessoas que são aceitas como südras possam ser elevadas gradualmente á posi­
ção de brãhmanas por intermédio do avanço cultural conhecido como
samskãra, ou o processo purificatório. A versão das escrituras védicas é que
não é simplesmente por nascimento que uma pessoa se torna um brãhmana ou
um mleccha; por nascimento aceita-se que todos são südras. É preciso que nos
elevemos à fase de vida bramânica através do processo purificatório. Se uma
pessoa não faz isto, se ela se degrada mais ainda, então ela é chamada de
mleccha. Kãlayavana pertencia à classe de mlecchas e yavanas. Ele estava con­
taminado por atividades pecaminosas e não podia se aproximar de Krsna. Os
princípios dos quais se restringem os homens da classe superior, a saber: a
Krsna levanta o forte de Dvaraka 345

indulgência sexual ilícita, o comer de carne, o jogo de azar e a intoxicação,


constituem partes integrantes da vida dos mlecchas e dos yavanas. A pessoa
que está presa a tais atividades pecaminosas não pode fazer nenhum avanço na
realização de Deus. 0 Bhagavad-gitã confirma que só aquele que está comple­
tamente livre de todas as reações pecaminosas pode se dedicar ao serviço devo-
cional, ou à consciência de Krsna.
Quando Krsna entrou na caverna da colina, Kllayavana foi atrás dTile,
punindo-0 com diversas palavras duras. De repente, Krsna desapareceu da vis­
ta do demônio, mas Kllayavana continuou e entrou na caverna também. A pri­
meira coisa que Kllayavana viu foi um homem deitado, a dormir dentro da ca­
verna. Kllayavana estava muito ansioso por lutar com Krsna, e quando não
conseguiu ver Krsna, mas em vez disso apenas um homem deitado, pensou
que Krsna estava dormindo dentro desta caverna. Kllayavana era muito infla­
do e orgulhoso de sua força, e pensava que Krsna estava evitando a luta. Por
isso, ele chutou o homem adormecido com muita força, pensando que este
homem era Krsna. O homem adormecido tinha estado deitado por muito
muito tempo. Quando o chute de Kllayavana o despertou, ele abriu os olhos
imediatamente e começou a olhar em volta para todas as direções. Por fim ele
começou a ver Kllayavana que se encontrava próximo. Esse homem fora acor­
dado prematuramente e por isso estava muito irritado. Quando ele olhou para
Kllayavana com sua ira, de seus olhos emanaram raios de fogo, e assim Klla­
yavana foi reduzido a cinzas num instante.

Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Qua­


renta e Nove de Krsna, intitulado ‘‘Krsna Levanta o Forte de Dvãrakã. ”
50/ O salvamento de Mucukunda

Quando ouviu falar neste incidente em que Kãlayavana foi reduzido a


cinzas, Mahãrãja Paríksit indagou de Sukadeva Gosvãm”i a respeito do homem
adormecido: “Quem era ele? Por que estava dormindo ali? Como conseguiu
tanto poder ao ponto de ter imediatamente reduzido Kãlayavana a cinzas com
seu olhar? Como é que ele foi acabar deitado na caverna da colina?” Mahãrãja
Paríksit fez muitas perguntas a Sukadeva Gosvãmi, às quais este respondeu
como se segue.
“Meu querido rei, esta pessoa nascera na grandiosa família do rei Iksvãku,
na qual também nascera o Senhor Rãmacandra, e era o filho de um grande rei
conhecido como Mãndhãtã. Ele próprio também era uma grande alma e era co­
nhecido popularmente como Mucukunda. O rei Mucukunda seguia muito estri­
tamente os princípios védicos da cultura bramânica e era fiel a suas promessas.
Era tão poderoso que até semideuses como Indra e outros costumavam pedir-
lhe que, por favor, ajudasse a lutar com os demônios; como tal, ele lutava fre-
qüentemente contra os demônios para proteger os semideuses.”
O comandante supremo dos semideuses, conhecido como Kãrttikeya, es­
tava satisfeito com a luta do rei Mucukunda, mas certa vez pediu que o rei se
afastasse da luta e descansasse, uma vez que o rei já havia se aborrecido demais
lutando com os demônios. Kãrttikeya, o comandante supremo, disse ao rei
Mucukunda: “Meu querido rei, você tem sacrificado tudo pela causa dos semi­
deuses. Você tinha um magnífico reino que nenhum tipo de inimigo perturba­
va. Você deixou este reino, desprezou sua opulência e suas posses, e jamais se
importou com a satisfação de suas ambições pessoais. Como esteve muito tem­
po ausente de seu reino enquanto lutou com os demônios a favor dos semideu­
ses, sua família, seus filhos, seus parentes e seus ministros sucumbiram todos
0 salvamento de Mucukunda 347

com o transcorrer do tempo. 0 tempo e a maré não esperam por ninguém.


Agora, mesmo que você vá embora para sua casa, vai descobrir que não há nin­
guém vivendo lá. A influência do tempo é muito forte; todos os seus parentes
morreram com o transcorrer do tempo. O tempo é tão forte e poderoso por­
que é uma representação da Suprema Personalidade de Deus; por isso, o tempo
é mais forte do que o mais forte. Por intermédio da influência do tempo, é
possível efetuar mudanças em coisas sutis sem nenhuma dificuldade. Ninguém
é capaz de suspender o processo do tempo. Assim como um domador de ani­
mais doma os animais segundo sua própria vontade, da mesma forma o tempo
também penetra as coisas de acordo com sua própria vontade. Ninguém pode
suplantar o arranjo feito pelo tempo supremo.”
Dirigindo-se assim a Mucukunda, os semideuses solicitaram que ele pedis­
se qualquer tipo de bênção que o pudesse satisfazer, com exceção da bênção
da liberação. Ã exceção de Visnu, a Suprema Personalidade de Deus, nenhuma
entidade viva pode conceder a liberação. Por este motivo, o Senhor Visnu ou
Krsna é chamado de Mukunda, Aquele que pode conceder a liberação.
Havia muitos e muitos anos que o rei Mucukunda não dormia. Ele estava
comprometido com seu dever de lutar e por isso estava cansadíssimo. De modo
que quando o semideus ofereceu sua bênção, Mucukunda só pensou em dor­
mir. Ele respondeu da seguinte maneira: “Meu querido Kãrttikeya, o melhor
dos semideuses, agora eu quero dormir, e quero que você me conceda a seguin­
te bênção. Conceda-me o poder de com- um simples olhar meu reduzir a cinzas
aquele que tentar perturbar meu sono e me despertar prematuramente. Por
favor, dê-me esta bênção.” O semideus concordou e além disso deu-lhe a bên­
ção de que ele seria capaz de descansar completamente. Aí então o rei Mucu­
kunda entrou na caverna da montanha.
Por causa da bênção de Kãrttikeya, Kãlayavana foi reduzido a cinzas com
um simples olhar que Mucukunda lançou sobre ele. Quando o incidente se pas­
sara, Krsna apareceu diante do rei Mucukunda. Na realidade, Krsna tinha en­
trado na caverna para libertar o rei Mucukunda de sua austeridade, porém não
apareceu diante do rei logo no começo. Ele arranjou para que Kãlayavana apa­
recesse primeiro diante do rei. Assim são as atividades da Suprema Personalida­
de Deus; Ele faz uma coisa de tal modo que serve a muitos outros fins. Ele
queria libertar o rei Mucukunda, o qual dormia na caverna, e ao mesmo tempo
queria matar Kãlayavana, o qual atacara a cidade de Mathurã. Com esta ação
Ele serviu a todos os fins.
Quando o Senhor Krsna apareceu diante de Mucukunda, o rei viu-0 vesti­
do numa roupa amarela, o peito marcado com o símbolo da Srivatsa, e a
Kaustubha-mani pendurada em volta de Seu pescoço. Krsna apareceu diante
dele com quatro mãos, em Sua Vísnu-murti, usando uma guirlanda chamada
vaijayanti que ia desde o pescoço até os joelhos. Ele estava com uma aparência
348 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

brilhante, Seu rosto estampava um belo sorriso, e trazia em ambas as orelhas


belos brincos com jóias. Krsna estava mais belo do que pode imaginar um ser
humano. Ele não apenas apareceu com este aspecto, como também lançou Seu
olhar para Mucukunda com grande esplendor, atraindo a mente do rei. Embora
fosse a Suprema Personalidade de Deus, o mais velho de todos, Ele parecia um
jovem rapaz cheio de frescor, e Se movimentava tal qual um veado livre. Pare­
cia que Ele era extremamente poderoso; Sua excelência em poder é tão grande
que todo ser humano deve ter medo d ’Ele.
Quando o rei Mucukunda viu as magníficas feições de Krsna, ele se per­
guntou a respeito da identidade d ’Ele, e com grande humildade pôs-se a per­
guntar-ao Senhor: “Meu querido Senhor, permita-me perguntar-Lhe: como é
que Você veio parar na caverna desta montanha? Quem é Você? Posso ver que
Seus pés são como suaves flores de lótus. Como é que Você conseguiu cami­
nhar nesta floresta cheia de espinhos e barreiras?. Fico simplesmente surpreso
de ver isto. Por acaso Você não é a Suprema Personalidade de Deus, que é a
pessoa mais poderosa entre os poderosos? Por acaso Você não é a fonte origi­
nal de toda a iluminação e todo o fogo? Posso eu considerá-Lo um dos grandes
semideuses, tais como o sol, a lua, ou Indra, o reí do céu? Ou Você é a deidade
predominante de algum outro planeta?”
Mucukunda sabia bem que todo sistema planetário superior tem uma dei­
dade predominante. Ele não era ignorante como os homens modernos, que
consideram que este planeta Terra está cheio de entidades vivas enquanto que
todos os outros estão vazios. É bastante apropriada a pergunta que Mucukunda
fez a Krsna, para saber se Este era a deidade predominante de um planeta des­
conhecido para ele. Como era um devoto puro do Senhor, o rei Mucukunda
pôde compreender imediatamente que o Senhor Krsna, o qual aparecera diante
dele com um aspecto tão opulento, não podia ser uma das deidades predomi­
nantes que existem nos planetas materiais. Ele devia ser Krsna, a Suprema Per­
sonalidade de Deus, que tem Suas muitas formas de Visnu. Por isso, ele julgou
que Krsna fosse Purusottama, o Senhor Visnu. Pôde perceber também que a
densa escuridão existente dentro da caverna da montanha já tinha se dissipado
por causa da presença do Senhor; portanto, Ele não podia ser outra pessoa
além da Suprema Personalidade de Deus. Mucukunda sabia muito bem que
onde quer que o Senhor esteja presente pessoalmente por intermédio de Seu
nome, qualidade, forma etc. transcendentais, não pode haver nenhuma escuri­
dão de ignorância. Fie 5 como uma lâmpada colocada na escuridão: ilumina
um lugar escuro imediatamente.
O rei Mucukunda ficou muito ansioso por saber a respeito da identidade
•do Senhor Krsna, e por isso disse:,uó melhor dos seres humanos, se Você acha
que mereço saber a respeito de Sua identidade, então, por favor, diga-me quem
é Você. Qual é Sua ascendência? Qual é o Seu dever ocupacional, e qual a tra­
0 salvamento de Mucukunda 349

dição de Sua família?” No entanto, o rei Mucukunda julgou sensatq apre­


sentar-se ao Senhor; caso contrário não tinha direito de perguntar sobre a
identidade do Senhor. Segundo a etiqueta, uma pessoa de menos importân­
cia não pode pedir a identidade de uma pessoa de mais importância sem que
antes revele sua própria identidade. Portanto, o rei Mucukunda disse ao
Senhor Krsna: “Meu querido Senhor, devo informá-Lo a respeito de minha
identificação. Pettenço à famosíssima dinastia do rei Iksvãku, mas pessoal­
mente não sou tão grandioso quanto meu antepassado. Chamo-me Mucu­
kunda. O nome de meu pai era Mãndhatã e o nome do meu avô era Yuvanãs'-
va, o grande rei. Eu estava muito cansado porque não descansei durante
muitos milhares de anos, e por causa disto todos os membros do meu corpo
estavam abatidos e quase não conseguiam atuar. Estava descansando nesta
caverna solitária para reviver minha energia, porém fui desperto por algum
homem desconhecido que me obrigou a despertar, apesar de eu não estar
com vontade de fazê-lo. Por causa de tal ato ofensivo, esta pessoa foi redu­
zida a cinzas com um simples olhar que lancei sobre ela. Afortunadamente,
agora posso vê-Lo com Suas feições imponentes e belas. Por isso, acho que
Você é a causa da morte de meu inimigo. Meu querido Senhor, devo admitir
que não posso vê-Lo devidamente por causa da refulgência de Seu corpo, a
qual para ^meus olhos é insuportável. Posso compreender completamente
que minha potência poderosa foi reduzida pela influência de Sua refulgência.
Posso compreender que Você merece muito bem ser adorado por todas as
entidades vivas.”
Ao ver que o rei Mucukunda estava tão ansioso por conhecer sobre a
identidade d’Ele, o Senhor Krsna, sorridente, passou a responder como se se­
gue: “Meu querido rei, é praticamente impossível falar de Meu nascimento,
aparecimento, desaparecimento e atividades. Talvez você saiba que Minha
encarnação Anantadeva tem bocas ilimitadas, e que há um tempo ilimitado
ela tem tentado narrar completamente a respeito de Meu nome, fama, quali­
dades, atividades, aparecimento, desaparecimento e encarnação; mas ainda
assim ela não conseguiu acabar de narrar. Portanto, não é possível saber exata­
mente quantos nomes e formas Eu possuo. Talvez um cientista materialista
possa avaliar o número de partículas atômicas que formam este planeta Terra,
porém o cientista não pode enumerar Meus nomes, formas e atividades ilimi­
tadas. Há muitos sábios eminentes e pessoas santas que estão tentando fazer
uma lista de Minhas formas e atividades diferentes, se bem que não consigam
fazer uma lista completa. Mas como você está tão ansioso por saber sobre
Mim devo informá-lo que dessa vez apareci neste planeta justamente para
aniquilar os princípios demoníacos das pessoas em geral e para restabelecer
os princípios religiosos prescritos nos Vedas. Brahmã, a deidade que supe­
rintende este universo, convidou-Me para este propósito, e por isso agora
350 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

aparecí na dinastia dos Yadus como um dos membros da família deles. Nasci
especificamente como o filho de Vasudeva na dinastia Yadu, e de tal modo
as pessoas Me conhecem como Vasudeva, o filho de Vasudeva. Saiba também
que matei Kamsa, o qual numa vida anterior era conhecido como Kãlanemi,
como também matei Praíambãsura e muitos outros demônios. Eles têm atuado
como Meus inimigos e têm sido mortos por Mim. O demônio que se apresen­
tou diante de você também atuou como Meu inimigo, e você o reduziu gene­
rosamente a cinzas, lançando seu olhar sobre ele. Meu querido rei Mucukun-
da, você é Meu grande devoto, e Eu apareci nesta forma apenas para mostrar-
lhe Minha misericórdia sem causa. Sinto-Me muito afetuosamente inclinado
para com Meus devotos. E em sua vida anterior, antes do estado em que se
encontra agora, você atuou como um grande devoto Meu e orou por Minha
misericórdia sem causa. Por isso, vim vê-lo para satisfazer seus desejos. Agora
você pode Me ver para sua completa satisfação. Meu querido rei, agora você
pode Me pedir qualquer bênção que desejar, que Eu estou disposto a
satisfazer seu desejo. Meu principio eterno é que qualquer pessoa que
buscar o Meu refúgio há de ter todos os seus desejos satisfeitos por Minha
graça.’’
Quando o Senhor Krsna mandou que o rei Mucukunda Lhe pedisse
uma bênção, o rei ficou muito alegre, lembrando-se imediatamente da pre-
dição que Gargamuni fizera há muito tempo atrás, de que o Senhor Krsna
aparecería neste planeta durante o vigésimo oitavo milênio de Vaivasvata
Manu. Logo que se lembrou desta predição, ele começou a compreender
que Nãrãyana, a Pessoa Suprema, estava presente diante dele como o Se­
nhor Krsna. Prostrou-se imediatamente aos pés de lótus d*Ele e começou a
orar como se segue.
“Meu querido Senhor, ó Suprema Personalidade de Deus, posso com­
preender que todas as entidades, vivas que vivem neste planeta estão iludi­
das por Sua energia externa e estão enamoradas da satisfação ilusória da
gratificação dos sentidos. Como estão totalmente ocupadas em atividades
ilusórias, elas relutam em adorar os Seus pés de lótus, e como não têm co­
nhecimento dos benefícios derivados de se render a Seus pés de lótus, estão
sujeitas a diversas condições miseráveis de existência material. Estão tola­
mente apegadas às assim chamadas sociedade, amizade e amor, que sim­
plesmente produzem diferentes tipos de condições miseráveis. .Iludidas por
Sua energia externa, todas as pessoas, tanto o homem quanto a mulher, es­
tão apegadas a esta existência material, e todos se dedicam a enganar-se uns
aos outros, numa grande sociedade de enganadores e enganados. Estas
pessoas tolas não sabem o quanto são afortunadas de terem obtido esta forma
de vida humana e relutam em adorar os Seus pés de lótus. Por causa da
influência de Sua energia externa, elas estão simplesmente apegadas ao
0 salvamento de Mucukunda 351

brilho das atividades materiais. Estão apegadas às assim chamadas sociedade,


amizade e amor tal qual animais estúpidos que caem num poço escuro.,51
Aqui se dá o exemplo de um poço escuro porque nos campos há muitos
poços, não usados durante anos e cobertos pela relva, nos quais caem os po­
bres animais que não os conhecem e ali morrem, a menos que sejam salvos. Ca­
tivados por algumas lâminas de relva, os animais caem num poço escuro e en­
contram a morte. Similarmente, as pessoas tolas que não conhecem a impor­
tância da forma de vida humana desperdiçam-na simplesmente para ter gratifi­
cação dos sentidos e morrem desnecessariamente, sem nenhum objetivo útil.
“Meu querido Senhor, não sou uma exceção a esta lei universal da nature­
za material. Também sou uma dessas pessoas tolas que têm desperdiçado seu
tempo inutilmente. Em minha posição é especialmente difícil. Como estive si­
tuado na ordem real, era mais inflado de orgulho que as pessoas comuns. Um
homem comum pensa em tornar-se o proprietário de seu corpo ou de sua famí­
lia, mas eu comecei a pensar dessa maneira numa escala maior. Eu queria ser o
senhor do mundo inteiro, e à medida que me inflava de orgulho com idéias de
gratificação dos sentidos, meu conceito eorpóreo de vida tornava-se cada vez
mais forte. Meu apego ao lar, à esposa e aos filhos, ao dinheiro e à supremacia
sobre o mundo, tornava-se cada vez mais agudo; de fato, era ilimitado. De mo­
do que permanecí sempre apegado, pensando em minhas condições materiais
de vida.
“Portanto, meu querido Senhor, desperdicei tanto de minha vida precio­
sa, sem nenhum benefício. Como minha idéia errada sobre a vida se intensifi­
casse, comecei a pensar que este corpo material, que não passa de uma bolsa de
carne e ossos, era tudo; e com minha presunção fui como um cachorro que
acredita que se tornou o rei da sociedade humana. Com esta idéia errada de
vida corpórea, comecei a viajar por todo o mundo, acompanhado por minha
força militar - soldados, quadrigários, elefantes e cavalos. Ajudado por muitos
comandantes e inflado de orgulho por causa do poder, não pude descobrir Sua
Onipotência, que está sempre situado dentro de meu coração como o amigo
mais íntimo. Não liguei para Você, e foi este o erro de minha assim chamada
condição material exaltada. Acho que todas as criaturas vivas estão, como eu,
indiferentes em relação à realização espiritual e estão sempre cheias de ansieda­
des, pensando: ‘Que devo fazer?’ ‘Que virá a seguir?’ Mas como estamos forte­
mente atados a desejos materiais, continuamos na loucura.
“Contudo, apesar de estarmos tão absortos em pensamentos materiais, o
tempo inevitável, que nada mais é que uma forma Sua, é sempre cuidadoso em
relação a seu dever, e logo que o tempo atribuído termina, Sua Onipotência
acaba imedíatamente com todas as atividades de nossos sonhos materiais. Na
qualidade do fator tempo,Você acaba com todas as nossas atividades, assim co­
352 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

mo a faminta serpente negra engole um ratinho rapidamente, sem nenhuma


clemência. Devido à ação do tempo cruel, o corpo real que estava sempre en­
feitado com ornamentos de ouro durante a vida e que se locomovia numa qua­
driga puxada por belos cavalos ou nas costas de um elefante bem decorado
com ornamentos dourados, e que se dizia ser o rei da sociedade humana —este
mesmo corpo real se decompõe sob a influência do tempo inevitável e pode en­
tão ser comido por vermes e insetos, ou ser reduzido a cinzas, ou ao excre­
mento de um animal. Pode ser que este belo corpo seja agradável enquanto se
está vivendo, mas depois da morte até o corpo de um rei é comido por um ani­
mal e portanto se transforma em excremento, ou é cremado no crematório e
•reduzido a cinzas, ou é colocado num túmulo de terra onde diferentes tipos de
vermes e insetos são produzidos dele.
“Meu querido Senhor, não é só depois da morte que ficamos sob o con­
trole completo deste tempo inevitável, mas enquanto vivemos também, duma
maneira diferente. Posso ser um rei poderoso, por exemplo, e no entanto,
quando volto para casa após conquistar o mundo, sujeito-me a muitas condi­
ções materiais. Pode ser que quando eu volte após sair vitorioso, todos os
reis subordinados venham oferecer-me seus respeitos; mas logo que entro na
parte interior de meu palácio, eu próprio me torno um instrumento nas mãos
das rainhas, e em troca de gratificação dos sentidos sou obrigado a cair aos pés
das mulheres. Tão complicado é o modo de vida material que antes de se con­
seguir o prazer da vida material temos que trabalhar tão duro que raramente há
uma oportunidade para desfrutar. E para que sc alcance a juventude com todas
as facilidades materiais, é preciso submeter-se a austeridades e penitencias seve­
ras e elevar-se aos planetas celestiais. Se uma pessoa tem a oportunidade de
nascer numa família real ou muita rica, até nessa condição ela está sempre an­
siosa por manter o status quo e por preparar-se para a vida seguinte, executan­
do diversos tipos de sacrifícios e distribuindo caridade. Até mesmo na realeza,
vivemos cheios de ansiedades, não somente por causa da administração políti­
ca, mas também ficamos ansiosos por sermos elevados aos planetas celestiais.
“Portanto, é muito difícil sair do envolvimento material; mas se uma pes­
soa é de uma forma ou outra favorecida por Você, unicamente por Sua miseri­
córdia recebe ela a oportunidade de associar-se com um devoto puro. É a partir
deste momento que começamos a nos libertar do envolvimento da vida condi­
cionada material. Meu querido Senhor, é somente com a associação dos devo­
tos puros que uma pessoa cai na armadilha de Sua Onipotência, que é o con­
trolador tanto da existência material quanto da existência espiritual. Você é o
objetivo supremo de todos os devotos puros, e associando-nos com eles pode­
mos desenvolver nosso amor adormecido por Você. Portanto, o que nos faz
libertar-nos deste epvolvimento material é o desenvolvimento da consciência
de Krsna na associação com devotos puros.
0 salvamento de Mucukunda 353

“Meu querido Senhor, Você é tão misericordioso que apesar de eu relutar


em associar-me com Seus grandes devotos, Você tem mostrado Sua extrema
misericórdia para comigo, como resultado do pouco contato que tive com um
devoto puro como Gargamuni. Foi só por Sua misericórdia sem causa que per­
dí todas as minhas opulências materiais, o meu reino e a minha família. Não a-
credito que poderia ter me livrado de todos estes envolvimentos sem a Sua mi­
sericórdia sem causa. Ha' reis e imperadores que aceitam a vida de austeridade
para se esquecerem da realeza, mas por Sua especial misericórdia sem causa já
me despojei da realeza. Há outros reis que se esforçam para livrar-se do apego
ao reino e à família, aceitando as privações da renúncia, mas por Sua miseri­
córdia não preciso me tomar um mendicante, nem praticar a renúncia.
“Meu querido Senhor, por isso oro para que possa simplesmente ocupar-
me prestando serviço transcendental amoroso a Seus pés de lótus, que é a am­
bição dos devotos puros, os quais estão livres de todos os tipos de contamina--
ção material. Você é a Suprema Personalidade de Deus, e pode me oferecer
tudo que eu quiser, inclusive a liberação. Mas que pessoa tola seria esta que,
após satisfazê-Lo, iria Lhe pedir algo que talvez fosse a causa do envolvimen­
to neste mundo material? Não acho que um homem sensato pediria uma bên­
ção dessas a Você. Por isso, entrego-me a Você porque Você é a Suprema Per­
sonalidade de Deus, a Superalma que vive no coração de todo mundo e a
refulgência do Brahman impessoal. Além disso, Você também é este mundo
material, pois este mundo material não passa da manifestação de Sua energia
externa. De modo que, a partir de qualquer ponto de vista, Você é o refúgio
supremo de todo mundo. Todas as pessoas, estejam elas no plano material ou
no plano espiritual, devem refugiar-se sob os Seus pés de lótus. Portanto, meu
Senhor, rendo-me a Você. Durante muitos e muitos nascimentos tenho sofrido
as três espécies de misérias desta existência material, e agora estou cansado dis­
to tudo. Tenho sido simplesmente impelido por meus sentidos e jamais estive
satisfeito. Por isso, refugio-me a Seus pés de lótus, que são a fonte de todas as
condições pacíficas de vida e que podem erradicar todos os tipos de lamenta­
ção causados pela contaminação material. Meu querido Senhor, Você é a Su­
peralma de todo mundo e pode compreender todas as coisas. Agora estou li­
vre de toda a contaminação de desejos materiais. Não desejo desfrutar deste
mundo material, nem desejo tirar proveito de me fundir em Sua refulgência es­
piritual, nem desejo meditar em Seu aspecto localizado como Paramãtmã, pois
sei que hei de me tornar completamente pacífico e imperturbado se simples­
mente me refugiar em Você.”
Após ouvir esta declaração do rei Mucukunda, o Senhor Krsna respondeu:
“Meu querido rei, estou muito satisfeito com sua declaração. Você tem sido o
rei de todas as terras deste planeta, mas Fico surpreso de ver que agora sua
mente está livre de toda a contaminação material. Agora você pode executar
354 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

serviço devocional. Estou muito satisfeito de ver que embora tenha lhe ofere­
cido a oportunidade de Me pedir qualquer tipo de bênção, você não aproveitou
para pedir-Me benefícios materiais. Posso compreender que agora você tem a
mente fixa em Mim e que nenhuma falta material a perturba.
“São três as qualidades materiais, a saber: a bondade, a paixão e a igno­
rância. Quando somos colocados nas qualidades materiais misturadas de pai­
xão e ignorância, diversos tipos de sujeiras e desejos luxuriosos nos impelem
a tentar encontrar conforto neste mundo material. Quando estamos situados
na qualidade material da bondade, tentamos nos purificar, executando diver­
sos tipos de penitências e austeridades. Quando chegamos â plataforma de um
brãhmana verdadeiro, aspiramos fundir-nos na existência do Senhor, mas quan­
do desejamos simplesmente prestar serviço aos pés de lótus do Senhor, isto é
transcendental a todas estas três qualidades. Portanto, a pessoa puramente
consciente de Krsna está sempre livre de todas as qualidades materiais. Meu
querido rei, Eu Me ofereci para lhe conceder qualquer tipo de bênção, só
para testar o quanto você tem avançado em serviço devocional. Agora posso
ver que você está na plataforma dos devotos puros, porque nenhum tipo de
desejo cobiçoso ou luxurioso deste mundo material perturba a sua mente. Os
yogJs que estão tentando elevar-se controlando os sentidos e que meditam em
Mim, praticando o exercício respiratório de prãnãyãma, não estão tão comple­
tamente livres dos desejos materiais. Em diversos casos tem-se visto que tais
yogís descem novamente à plataforma material assim.que alguma atração os
envolve.”
O exemplo vivido que confirma esta declaração é Visvãmitra Muni.
Visvamitra Muni era um grande yogT que praticava prãnãyãma, um exercí­
cio respiratório, mas mesmo assim, quando foi visitado por Menakã, uma mu­
lher da sociedade do planeta celestial, ele 'perdeu o controle completamente e
gerou nela uma filha chamada Sakuntalã. 0 devoto puro Haridãsa Thãkura,
porém, jamais.se perturbava, mesmo quando as prostitutas lhe ofereciam todas
essas seduções.
“Meu querido rei”, continuou o Senhor Krsna, “por isso dou-lhe a bên­
ção especial de que você pensará sempre em Mim. Deste modo você será ca­
paz de atravessar este mundo material livremente, sem que as qualidades o con­
taminem.” Esta declaração do Senhor confirma que uma pessoa que esteja na
verdadeira consciência de Krsna, ocupada no serviço transcendental amoroso
ao Senhor sob a direção do mestre espiritual, jamais está sujeita à contamina­
ção de qualidades materiais.
“Meu querido rei” , disse o Senhor, “como você é um ksatriya, você tem
cometido a ofensa de matar animais, tanto durante a caça quanto em seus
compromissos políticos. Dedique-se à prática de bhakti-yoga para poder puri­
ficar-se, e mantenha sua mente sempre absorta em Mim. Brevemente você esta­
O salvamento de Mucukunda 355

rá livre de todas as reações a tais atividades sórdidas.” Com esta declaração, pa­
rece que embora aos ksatriyas se lhes permita matar animais no processo de
caçar, eles não estão livres da contaminação de outras reações pecaminosas. Por­
tanto, não importa que a pessoa seja ksatriya, vaisya ou brühmana; recomenda-
se que todos tomem sannyãsa ao fim. da vida, para que se dediquem completa­
mente ao serviço do Senhor e deste modo se livrem de todas as reações peca­
minosas de suas vidas passadas.
Aí então o Senhor garantiu ao rei Mucukunda: “Em sua próxima vida
você nascerá como um Vaisnava de primeira classe, o melhor dos brãhmanas, e
nessa vida seu único interesse será dedicar-se a Meu serviço transcendental.” O
Vaisnava é o brãhmam de primeira classe, porque uma pessoa que não tenha
adquirido a qualificação de um brãhmana autêntico não pode chegar à plata­
forma de um Vaisnava. Quando chegamos à plataforma de um Vaisnava, de-
dicamo-nos completamente a atividades beneficentes para todas as entidades
vivas. A atividade beneficente mais elevada que se pode prestar às entidades
vivas é a pregação da consciência de Krsna. Aqui se declara que aqueles a quem
o Senhor favorece especificamente, podem se tornar absolutamente conscien­
tes de Krsna e dedicar-se ao trabalho de pregação da filosofia Vaisnava.

Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Cin-


qüenta de Krsna, intitulado “O Salvamento de Mucukunda. ”

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