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Nada provém do nada

A produção da arquitetura vista como transformação do conhecimento

Edson da Cunha Mahfuz

Edson da Cunha Mahfuz, natural de Porto Alegre, RS, 1953, é arquiteto formado pela FAUFRGS em 1978, com pós-
graduação na Architectural Association School, em Londrs, 1980, e PhD em arquitetura na University of Pensylvania,
EUA, 1983. Foi professor de projeto e teoria nessa mesma universidade e atualmente é professor no Propar/FAUFRGS.

“O conceito de evolução não se aplica à A segunda característica herdada da Bauhaus,


arquitetura, porque em nossa profissão só existe estreitamente ligada à primeira, é a noção
metamorfose” romântica de que o arquiteto pode e deve criar
Alberto Sartoris sempre obras originais, sendo condição sine qua
non para isso o afastamento de quaisquer
“Para saber escrever é preciso saber ler”. influências históricas. Esse “mito da originalidade”
Jorge Luiz Borges sugere que o arquiteto cria num vácuo histórico e
cultural e, guiado por uma intuição e “genialidade”,
chega sempre a soluções originais, cuja forma
Neste momento em que cresce de importância a deriva do programa e da estrutura.
discussão sobre os valores essenciais da No entanto, todo arquiteto que tenha a capacidade
arquitetura moderna, tal como a entendemos e a de entender o processo através do qual ele realiza
praticamos no Brasil, é talvez oportuno discutir um seu próprio trabalho sabe que isso não ;e verdade.
assunto que diz respeito a todo aquele que, como Arquitetura é muito mais do que uma resposta
arquiteto, ou em outras capacidades, de dedique a original a problemas programáticos e estruturais.
criar, ou qualificar, espaços nos quais atividades Neste ensaio se tentará apresentar uma visão em
humanas possam ser exercidas. Esse assunto, tanto diferente do processo de criação de formas
tão importante, refere-se às maneiras pelas quais arquitetônicas. O argumento de fundo do texto que
aqueles espaços, ou objetos que os qualificam, segue está resumido no título dado a este artigo,
ganham forma. ou seja, de que a produção arquitetônica consiste,
No brasil, a maioria dos arquitetos saídos das em grande parte, na transformação e adaptação
universidades depois da Segunda Guerra Mundial do conhecimento existente à luz de circunstâncias
tiveram uma formação arquitetônica estruturada sempre variáveis.
nos moldes do sistema estabelecido pela Todo projeto se fundamenta na premissa inicial de
Bauhaus. Essa escola alemã, um dos vários que existe uma atividade humana para a qual um
desdobramentos eu se seguiram à reação ao espaço, ou, mais genericamente, um artefato,
ecletismo e revivalismo que caracterizaram a precisa ser criado a fim de possibilitar aquela
Segunda metade do século dezoito em toda a atividade. Mesmo se nos concentrarmos numa
Europa, tinha duas entre suas principais relação tão limitada quanto a que se supõe existir
características que influenciaram tremendamente entre uma atividade e o artefato que possibilite o
o ensino e a prática da arquitetura no Brasil até o seu desempenho, iremos nos defrontar com um
passado recente, e ainda se fazem sentir com vasto número de formas possíveis e igualmente
muita intensidade. A primeira delas é o satisfatórias, ao menos de um ponto de vista
desencorajamento ao estudo da história da puramente quantitativo. Isso acontece porque
arquitetura; a maior evidência disso é a ausência nenhuma função pode fazer mais do que sugerir
de cursos de história da arquitetura e de análise uma forma específica, não podendo nunca
de precedentes no currículo da Bauhaus. No determiná-la. Logo, para escolher uma entre
Brasil, isso se refletiu na pequena carga horária tantas possibilidades, o arquiteto necessitará ir
dedicada a essas duas disciplinas nas além do propósito imediato que exige a criação de
universidades e na limitada cultura arquitetônica novos espaços, passando a considerar como de
apresentada pela grande maioria dos arquitetos igual importância as outras dimensões da
brasileiros atualmente; quando muito, conhece-se arquitetura, tais como a dimensão cultural, a social
superficialmente os “mestres” do modernismo. e a individual.

1
A atividade de criação exercida por arquitetos e
designers, não partindo de uma tábula rasa, nem É o método pelo qual se tenta resolver um
da consideração exclusiva de aspectos estruturais problemas sem procedentes, ou um problema
e programáticos, pode ser definitiva como uma comum de maneira diferente. As origens desse
atividade que se baseia em grande parte na método se encontram nos primeiros construtores
interpretação e adaptação de precedentes. É claro que, por um processo de tentativa e erro,
que limitar o trabalho do arquiteto exclusivamente experimentavam os materiais disponíveis até
ao uso de precedentes seria um simplificação encontrarem uma maneira satisfatória de garantir
grosseira da complexidade própria da arquitetura, proteção contra os elementos , e de dar uma
mas, como se verá a seguir, o uso de precedentes forma espacial a uma determinada cultura.
cumpre um papel importantíssimo na área da Uma das maneiras de ilustrar o que pode ser o
composição arquitetônica. método inovativo é por referência ao conceito de
Analogia é o instrumento principal usado para a bricolage, de Claude Lévi-Straus.3 O bricoleur é
interpretação e adaptação de precedentes em por ele definido através de uma comparação com
arquitetura. “Analogias não só existem dentro da o engenheiro. Enquanto este permanece dentro de
disciplina chamada arquitetura, mas são também um problema na busca de solução, o bricoleur sai
a essência do seu significado”, 1. A analogia é , dele, e o resultado disso é que os artefatos por ele
entre outras definições, uma correspondência produzidos são geralmente inesperados e
entre duas coisas ou situações. Outra definição inovativos.
útil é a que se refere à analogia como sendo um Uma característica básica do método inovativo é
processo de raciocínio a partir de casos paralelos. que por ele se cria algo que não existia
É necessário enfatizar que uma analogia não anteriormente, pelo menos no campo da
implica identidade total, mas sim similitude entre arquitetura. Devido ao número enorme de
os elementos constituintes de dois objetos ou artefatos arquitetônicos produzidos no mundo ao
situações que sejam comparadas. Essa similitude longo dos séculos, é muito difícil para um arquiteto
não se refere somente a analogias formais, mas ser original, tanto em termos da configuração total
também a propriedade, isto é, leis e princípios de de uma edificação, como da maneira que suas
formação, comuns aos dois objetos ou situações. partes principais são organizadas. Por essa razão,
É através de um processo analógico que, em o método inovativo está ligado principalmente à
arquitetura, se cria o novo a partir do existente. O criação de detalhes, ou seja, dos elementos
uso arquitetônico de analogias tem dois menores que conferem um caráter específico a
propósitos: o primeiro é o de empregar o uma edificação ou espaço urbano, tais como
conhecimento existente, na forma de edificações e pórticos, transições, aberturas, colunas, etc. O
objetos, como ponto de partida para a criação de detalhe, visto dessa maneira e não como detalhe
novos artefatos; o segundo é o de conferir construtivo, é praticamente a única área que um
significado preciso a um edifício ou objeto através arquiteto ainda pode ser original.
do estabelecimento de relações formais entre o A etimologia de um termo sempre nos possibilita
novo e o existente.2. definir melhor os objetos e situações a que se
Formas arquitetônicas são geradas de quatro refere. O verbo inovar significa: tornar novo;
maneiras: pelos métodos inovativo, normativo, introduzir novidade em. Buscando-se a raiz do
tipológico e mimético. O ponto comum entre eles é verbo inovar, que é inovare, obtém-se um
o uso que todos fazem de analogias como significado mais preciso, em que inovar tem o
instrumento básico de geração formal. Um sentido de modificar. Arquitetonicamente, isso tem
aspecto muito importante do uso de analogias em duas implicações: o reconhecimento da existência
arquitetura é o que o objetivo ou situação com o de um corpo de conhecimento sobre o qual essas
qual se traça uma analogia pode ser arquitetônico inovações/modificações são exercidas; a criação
ou não –arquitetônico, e a analogia traçada pode de elementos que quebram a continuidade do
ser positivva, isto é, baseada nas similitudes precedente e se constituem numa novidade
existentes, ou negativa, baseada nas diferenças autêntica. Essas situações, embora raras,
entre os objetos ou a inversão de uma forma ou acontecem quando a uma nova situação que pode
método estabelecidos. exigir o emprego de um material novo ou a criação
de formas para edifícios que se destinam a abrigar
Método inovativo atividades inteiramente novas. Um bom exemplo
disso é o Edifício Larkin, projetado por Fran Lloyd
1
Aldo Rossi “My Designs and Analogous Archicteture”, em Aldo Wright.
Rossi in américa. 1976-79. Pág. 19 No sentido anteriormente referido, inovação
2
O uso de analogia a que me refiro aqui está voltado à criação de também é sinônimo invenção, que se entende
arquitetura, mas também desempenha importantíssimo papel no
processo de percepção dos artefatos feitos pelo homem. Quando nos menos como a criação de algo em um vácuo
defrontamos com um objeto desconhecido, só podemos analisá-lo por (eureca!) do que como o poder de conceber novas
meio de comparações com outros objetos conhecidos, em termos das
3
semelhanças e diferenças existentes entre eles. Claude L’vis-Straus, The Savage Mind/ págs. 16-30
2
relações e de fazer algo que diverge, ainda que muitas normas estéticas em arquitetura, há três
em grau reduzido, da prática e doutrina tipos que se destacam, e sua importância para a
estabelecidas. Embora a possibilidade de obter arquitetura é confirmada pelo seu uso repetido ao
uma criação verdadeiramente original não deva longo da história.
nunca ser descontada, o método inovativo ajuda- O primeiro tipo de norma estética é o sistema de
nos a criar formas diferentes das existentes coordenadas que consiste em linhas que se
principalmente devido ao seu uso de analogias. cruzam, com direções e dimensões constantes. O
Duas são as maneiras pelas quais isso ocorre: por sistema de coordenadas mais usado é aquele em
meio de um cruzamento de contextos, isto é, que as linhas se cruzam a 90 graus, chamado de
buscando soluções fora do campo da arquitetura malha ou grela, e pode ser bidimensional ou
com analogias positivas traçadas entre os dois tridimensional. A malha bidimensional é
contextos, o arquitetônico e o não-arquitetônico; 4 basicamente aplicada à planta, como um elemento
por meio de uma inversão do procedimento latente, um sistema de orientação sem presença
estabelecido para resolver um determinado física, que estabelece uma hierarquia bem clara
problema arquitetônico (analogia negativa). entre espaços principais, circulações e espaços
No primeiro caso, cruzamento de contextos, o auxiliares. A malha tridimensional é assim
método inovativo oferece três alternativas, cada chamada porque tem uma realidade física própria,
uma baseada em um tipo de analogia: 1. sendo, por assim dizer, um esqueleto estrutural.
Analogias visuais: com a aparência de formas Ao contrário da malha bidimensional, a malha
humanas e naturais; com artefatos não tridimensional não se confunde com os espaços,
arquitetônicos; 2. Analogias estruturais: com a mas coexiste com eles num estado de
organização do corpo humano; com o superposição e até, às vezes, de tensão. Esse
funcionamento do mundo natural, como, por tipo de malha não é uma invenção do século vinte
exemplo, sistemas naturais que se assemelham e pode ser encontrado até em templos egípcios do
às colméias; com a organização ortodoxa, a século dois aC., mas foi só neste século que se
“forma segue a função”; 3. Analogias filosóficas tornou um meio de expressão nas mãos de Le
com princípios de outras disciplinas, como foi o Corbusier e seus seguidores, em cujos trabalhos
caso da engenharia, no início deste século, e da malha e volumes mantêm sua individualidade,
lingüística, mais recentemente. coexistindo sem fundir-se.
No segundo caso, o método inovativo, ao traçar O segundo tipo de norma estética é composto
analogias negativas, subverte maneiras pelos sistemas proporcionais, usados para criar
estabelecidas de resolver certos problemas um senso de ordem entre os elementos de uma
formais, ou toma caminhos improváveis para composição, havendo também razões filosóficas e
alcançar soluções ‘inéditas’. Aqui podemos nos metafísicas para seu uso. Como exemplo de
referir a Le Corbusier, mais precisamente aos sistemas proporcionais, pode-se citar a Seção
seus projetos domésticos realizados no período Áurea, as Ordens Clássicas, o Modulor, o Ken,
entre as duas guerras mundiais, em que ele etc.
invertia o padrão de movimento comum à O terceiro tipo de normas estéticas consiste no
arquitetura tradicional. Enquanto na tradição das uso de formas geométricas elementares como
casas de campo inglesas e francesas o prédio elemento de definição e controle das partes
atuava geralmente como um portal que dava principais de uma edificação. Essas formas são a
acesso à natureza, e dentro do qual o sentido esfera, o cubo, a pirâmide, o cilindro e o
principal de movimento das pessoas era o paralelepípedo, além das figuras geométricas que
horizontal, em que casa como a Ville Savoie o geram esses volumes.
movimento das pessoas ocorre na vertical, em Normas estéticas são empregadas em arquitetura
direção ao terraço-jardim, que é o destino final de por duas razões. A primeira é o desejo de criar um
onde a natureza só pode ser experimentada senso de ordem entre as partes de uma
visualmente, ao contrário do que acontecia nas edificação, o que pode ser obtido com o
casas de campo pré-modernistas, onde a natureza estabelecimento de relações de analogia entre as
pode ser desfrutada integralmente. partes ou por sua subordinação a algum sistema
formal abrangente. A Segunda razão para o uso
Método normativo de normas estéticas é o fato de conferirem ao
arquiteto maior autoridade e segurança para a
No método normativo, as formas arquitetônicas tomada de decisões formais e dimensionais.
são criadas com o auxílio de normas estéticas, Um significado específico pode ser atribuído a
esto é, princípios reguladores. Embora existam uma edificação composta com o auxílio de normas
estéticas por associação com o significado
4
Isso corresponden à descrição feita por Arthur Koester do “ato de histórico inerente ao sistema e sua violação dentro
criar” como sendo uma “associação de dois referenciais previamente do próprio objeto. Uma condição necessária para
não relacionados de nenhuma maneira”. Em Charles Hampden-Tuner, que algum significado histórico seja possível é que
Maps of The Mind, pág. 100.
3
a norma estética seja um fato de domínio da reduzido conceitualmente a um tipo ou seja é
chamada memória coletiva. Isso já não é possível abstrair-se a composição de uma
necessário para o segundo tipo de significado, que edificação até o ponto em que se vêem apenas as
pode existir mesmo quando é observado relações existentes entre as partes, deixando-se
isoladamente. de lado as partes propriamente ditas.
Projetar pelo método tipológico é usar tipos como
Método tipológico parte do processo de projetos de novos artefatos
arquitetônicos. O uso de m determinado tipo é
“Nada pode jamais renascer. Mas, por outro lado, geralmente justificado pela existência de alguma
nada desaparece completamente. E qualquer afinidade estrutural ou, em outras palavras, uma
coisa que m dia existiu sempre reaparece em uma analogia, entre m procedente e o problema que
nova forma’5”. ” ... a arte de edificar nasce de um temos na prancheta.
germe preexistente; nada vem do nada ... o tipo é Tipos podem ser empregados de duas maneiras,
uma espécie de cerne em torno do qual, e de uma histórica e outra a-histórica. O propósito do
acordo com ele, são ordenadas todas as uso histórico de tipos seria conferir um significado
variações de que um objeto é suscetível.’6” a ma forma por meio de associação conferir um
A primeira citação se refere, em termos bem significado a uma forma por meio de associação
claros, ao fato de que estamos sempre mental com m objeto/edifício já existente e
aproveitando o conhecimento existente para gerar conhecido. /a esse respeito, Demetri Porphyrios
novo conhecimento, isto é, novas edificações. A diz “A forma arquitetônica torna-se significativa
Segunda já começa a nos explicar como isso somente quando é codificada tipologicamente,
acontece, referendo-se a um método de projeto porque o tipo, com suas bases nos hábitos e
que se baseia em tipos. E o que é um tipo?. /a convenções sociais, age como u instrumento
definição canônica, universalmente aceita, nos diz classificatório que torna legível o mundo visível”. 9
que: “A palavra tipo representa não a imagem de Nesse primeiro uso o tipo é tanto u ponto de
uma coisa a ser copiada ou perfeitamente imitada, partida para o projeto como um instrumento de
mas a idéia de um elemento que deva servir como significação. Como se apóia na riqueza
regra para o modelo... O modelo, entendido e associativa de tipos que são socialmente
termos da execução prática da arquitetura, é u legitimados, esse uso de tipos poderia também ser
objeto que deve ser repetido como ele é; o tipo, ao chamado de iconográfica. O emprego do tipo
contrário é um princípio que pode reger a criação casa-pátio em várias escalas através da história
de vários objetos totalmente diferentes. No nos oferece exemplos claros desse modo de
modelo, tudo é preciso e dado. No tipo, tudo é utilizar tipos em composição.
vago”7. Aso ser usado a-historicamente, o tipo é, por
O tipo, então, é algo que não pode ser mais assim dizer, absorvido no processo de
reduzido do que já é. O tipo deve ser entendido composição, e o significado do objeto resultante
como a estrutura interior de uma forma, ou m não é aquele do tipo utilizado, mas resulta da
princípio que contém a possibilidade de variação própria operação de composição e do novo uso a
formal infinita, e até de sua própria modificação que o tipo é sujeito. O uso a-histórico de tipos
estrutural. Para ilustrar a definição de tipo, pode- implica: a suspensão o tempo, já que o tipo é
se pensar no tipo “casa-pátio’, que, grosso modo, dissociado de sua condição histórica; a
seria imaginado como um volume de qualquer transposição de lugar – o tipo se desvincula de
forma, com um vazio em seu interior, também de sua cultura original; a dissolução de escala pois
qualquer forma. O importante aqui é essa relação um tipo extraído de uma casa pode gerar um
entre o volume e o vazio que ele contém a qual palácio, e vice-versa.
pode tomar qualquer forma quando materializada. Uma conseqüência importante do emprego do
O tipo é o princípio estrutural da arquitetura, não método tipológico é a implicação de que as formas
podendo ser confundido com uma forma passível não são eternamente ligadas às funções as quais
de descrição detalhada.8 Todo edifício pode ser foram projetadas. Pelo contrário, formas
5
arquitetônicas têm o potencial de funções através
Alvar Aalto, “Painters and Masons”, em Jousimes, 1921, também do tempo. Mas talvez o benefício mais importante
citado em Demetri Porphyrios, /soucers of Modern Eclecticism, ág.
25. que se pode obter do entendimento do conceito de
6
Antonine C. Quatremére de Quincy, Dictionnaire Historique d tipo é que nos possibilita fazer uso de toda a
´Architecture, vol. II, pág. 629, 1832. história da arquitetura como fonte de pesquisa e
7
Obra citada, pág. 630 inspiração, já que, ao estudar essa história desde
8
Para entender que o tipo é um principio e não uma forma, pode-se um ponto de vista tipológico, o que o arquiteto
pensar na distinção entre ‘colher’ e ‘uma colher’. O termo refere-se extrai dela são princ´pios, não formas literais.
colher a uma forma genérica composta de duas partes: cabo e
receptáculo côncavo. Por outro lado, uma colher implica um objeto
específico, que tem um tamanho, uma forma e é feito de algum
material. Com base na idéia genérica de colher, pode-se construir tipo.
9
colheres bastante diferentes entre si, mas todas carregando o mesmo Porphyrios, obra citada, pág. 26.
4
Projetar com o auxílio da história não leva Na analogia estilística, ao contrário dos dois
necessariamente à criação de pastiches. primeiros grupos, onde se fala da imitação de um
edifício inteiro ou de várias partes tiradas de
Método mimético edifícios diversos, o que acontece é a escolha de
um úmero reduzido de partes, tomadas
É o método pelo qual novos objetos e edificações cuidadosamente de modelos escolhidos, com o
são gerados com base na imitação de modelos fim de conferir significados precisos a novos
existentes. O processo se inicia com a escolha do artefatos arquitetônicos. A chave desse
modelo a ser imitado. Esse modelo é uma forma procedimento não é a transposição literal de um
familiar, testada exaustivamente e de larga motivo de um contexto para outro, mas uma
aceitação. A escolha desse modelo implica um “reinvenção” do motivo, de maneira a formar uma
juízo de valor, um reconhecimento de que certa nova linguagem, que, não obstante, ainda carrega
obra de arquitetura é a melhor solução para o original como uma sombra.
determinado problema e que, não podendo ser Embora os quatro métodos de geração formal
aperfeiçoada, deve ser mitada. mais comumente usados em arquitetura tenham
O termo mimético vem do grego mimesis, que sido aqui discutidos separadamente, para clareza
quer dizer imitação. A teoria da imitação é um do texto, as evidências mostram que, em geral,
produto da Grécia clássica, ou seja, dos séculos eles aparecem em combinação durante o
ocorridos antes de Cristo. Desde esse tempo, processo de composição em arquitetura. Nem
quatro conceitos de imitação foram desenvolvidos. sempre todos se empregam ao mesmo tempo,
Entre eles, há dois que nos interessa diretamente: mas são raras as obras de arquitetura de alguma
o conceito platônico, segundo o qual imitação é importância geradas exclusivamente por um
uma copia fiel da aparência das coisas (esse é o desses métodos. O mais provável é que pelo
sentido hoje atribuído ao termo, na maioria dos menos dois ou três estejam presentes no produto
casos); o conceito aristotélico que não define a final, e que se relacionam hierarquicamente: um
imitação como cópia fiel mas como livre método é usado para gerar as partes principais, e
interpretação da essência da realidade por parte os outros para as demais.
do artista. Ao aceitar-se a idéia de que a arquitetura é uma
O método mimético imita modelos escolhidos no síntese formal de vários fatores, internos e
sentido dado ao termo por Aristóteles, ou seja, externos ao projeto, relacionados entre si em
interpretando-o e adaptando-os. O fato de que vários níveis, fica claro que nenhum sistema
modelos são transpostos no tempo e no espaço compositivo ou de geração formal é capaz de
significa que há sempre diferenças entre os sintetizar todos os fatores e níveis envolvidos em
contextos envolvidos, e isso por si só já um projeto. Assim, os quatro métodos de geração
impossibilita a existência de cópia perfeitas. De formal apresentados ao longo deste artigo devem
fato, o método de projeto que se baseia na ser vistos como aspectos complementares do
imitação de modelos inclui entre suas fazer arquitetônico, nunca como sistemas
características um razoável grau de invenção, cujo independentes, ou mutuamente exclusivos. Dois
fim é adaptar o modelo às novas circunstâncias. exemplos serão suficientes para demonstrar isso.
Um exemplo muito claro disso é a arquitetura do Ao projetar a Primeira Igreja Unitária, em Oak
Renascimento, que, apesar de derivar da Park, Frank Lloyd Wright usou o método inovativo
arquitetura romana do período clássico, não pode para resolver o problema do uso de um material
nunca ser esta confundida. novo, o concreto, que foi nesse caso deixado
O método mimético, então, gera nova arquitetura aparente pela primeira vez em um edifício não
com o auxílio de analogias visuais com a industrial; o método mimético aparece na
existente. Essas analogias podem ser repetição da mesma solução para a circulação
classificadas em três grupos: revivalismo, ou vertical (torres nos quatro cantos da planta), já
revivificação estilística; ecletismo estilístico; empregados por Wright no Edifício Larkin; o uso
analogia estilística. do método tipológico é evidente na escolha de um
O revivalismo ou revivificação estilística consiste tipo bastante usado em outros edifícios religiosos,
na imitação de edifícios de outro tempo ou lugar, ou seja, um volume central de pé-direito múltiplo
em sua aparência geral, ou partes principais. circundado por balcões; por último, encontra-se o
Ecletismo estilístico consiste na imitação não dos método normativo, na forma de uma malha
edifícios inteiros mas de partes, ou fragmentos, de bidimensional que controla a planta da igreja,
edifícios existentes ou mantido, de alguma forma, definindo seus espaços principais e secundários.
para a posteridade. As características básicas Uma análise da Villa Stein, projetada por Le
dessa variedade de mimetismo são a justaposição Corbusier, mostra que o famoso arquiteto
de fragmentos de várias procedências e a empregou o método tipológico, ao dispor as
possibilidade de se criar novos edifícios, através acomodações de maneira similar àquelas dos
de permutações compositivas. palacetes renascentistas, ou seja, com as áreas

5
de estar colocadas no primeiro andar, o chamado Ainda na planta, o vasto número de colunas
piano nobile. O método normativo está presente existentes no interior do Parlamento é
na forma cúbica da casa, e na malha estrutural reminiscente de certas salas hipóstilas
tridimensional que é visível por toda ela. Le encontradas nos templos egípcios. Vistas dos dois
Corbusier também fez uso do método mimético, projetos mostram que o mesmo esquema, ou seja,
empregando ma série de elementos usados em um domo sobre um volume primário, se faz
outros projetos seus, como escadas presente em ambos, embora tratado de maneira
semicirculares, volumes curvos que definem diferente. A relação entre os dois projetos se dá a
espaços auxiliares, e paredes onduladas que nível conceitual, e em nenhuma parte isso é mais
modulam a circulação interna Por fim, localizamos evidente do que nos pórticos existentes nas
a utilização do método inovativo, na inversão do fachadas principais dos dois edifícios. Enquanto o
esquema tradicional da casa de campo, já pórtico do museu é clássico, o de Lê Corbusier faz
discutido aqui em outra parte. muitas coisas ao mesmo tempo: cria uma ordem
Para terminar, seria oportuno retornar às duas quase clássica, pela disposição e proporção dos
citações que abrem este ensaio. A primeira delas, suportes verticais, mas formalmente difere
d arquiteto racionalista italiano Alberto Sartoris, totalmente da solução empregada por Schinkel; a
ilustra a intenção central deste artigo, que é a de parte superior do pórtico, que ocupa lugar da
caracterizar a arquitetura como uma práxis entabladura clássica, dá sombra ao pórtico e
baseada na transformação de conhecimento. A resolve o problema do escoamento das águas
segunda citação, e que Borges afirma que “para pluviais (sendo aquela um região onde chove
saber escrever é preciso saber ler”, foi dirigida à muito durante o inverno), funcionando como ma
literatura, mas é também válida para todas as calha gigantesca; ao criar uma área de sobre à
atividades essencialmente criativas, e expande a entrada do edifício, o pórtico se apresenta como
idéia contida na primeira citação, ao sugerir que o uma continuação da tradição indiana, segundo a
uso da história depende de um ato crítico, seletivo qual os excessos do clima local são controlados
e transformador realizado pelo arquiteto que a por meio de veramdahs.
emprega como matéria-prima. Como Esse exemplo, espero ter deixado claro
Apesar de os grupos vinculados à Bauhaus que, parafraseando Borges, para escrever bem,
propagarem a doutrina de originalidade, os fatos não é suficiente ler, mas saber ler. Isso se aplica
mostram uma história bem diferente. Qualquer perfeitamente à produção arquitetônica. Em
tradição arquitetônica desenvolve seus próprios arquitetura é preciso saber abstrair, chegar à
temas, seus motivos e formas características, mas essência do existente e, principalmente, saber
isso se dá sempre em relação cm o existente. Os julgar sua relevância para o caso de que nos
mais profundos arquitetos do XX souberam usar a ocupamos no momento Uma arquitetura autêntica
história da arquitetura de tal maneira, que ele se é surge quando um arquiteto entra na história em
apresenta aos nossos olhos totalmente vários níveis ao mesmo tempo, extraindo dela
transformada. Já se disse até que a história da princípios básicos e transformando-os, ou mesmo,
arquitetura muda a cada vez que um arquiteto de “reinventando-os”, por assim dizer, para que eles
talento faz uso dela possam ajudá-lo a resolver problemas e
Ao contrário do que diziam os mitógrafos da necessidades do momento. Como foi visto no
arquitetura moderno, todos os grandes arquitetos último exemplo, a história só é bem usada quando
deste século recorreram à história como não restam traços literais do seu uso ou, em
referencial. Le Corbusier, um dos maiores outras palavras, quando é “bem lida.
arquitetos da era moderna, e um dos supostos
“criadores originais”, deixou-nos ampla evidência
disso, em prédios como a sede do Parlamento em
Chandigarh. Comparando-se sua planta com a do
Museu Altes, em Berlim, projetado em 1832, por
Karl Friederich Schinkel,10 uma relação tipológica
entre as duas pode ser detectada, pois ambos
apresentam a mesma seqüência básica, que
começa no postiço de entrada e prossegue por um
caminho processional até um espaço central
central coberto por um domo. Outra semelhança é
a disposição de atividades secundárias na
periferia dos dois edifícios.

10
Esse era um edifício bem conhecido por Lê Corbusier, pois, além
de ter vivido em Berlim, ele trabalhou para Peter Behrens juntamente
com Mies van der Rohe, dois arquitetos que admiravam muito o
trabalho de Schunkel e por este foram influenciados.
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