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APOSTILA
PSICOLOGIA
DA
RELIGIÃO
Abril/2010
INTRODUÇÃO A PSICOLOGIA DA RELIGIÃO
O que é a verdade? “Quid est veritas”? Todas as filosofias têm procurado a resposta a
esta pergunta fundamental para a religiosidade humana. As pessoas têm apresentado a sua
verdade em contraposição àquilo que consideram falsidade; cada uma possui a sua verdade
em matéria de religião. Por isso se diz que religião não se discute. A alternativa verdade-
falsidade é uma das medidas mais primordiais e da qual o ser humano não pode prescindir
nem tampouco a consegue definir.
Outro conceito difícil de definir, mas que importa para a discussão da religiosidade, é
a realidade. O que é real? O que é ilusório? As descobertas científicas têm trazido a lume
algumas realidades. Entretanto, quando são feitas novas descobertas, aquelas já se consideram
apenas aparências e não realidade. Hoje não existem respostas científicas absolutas, pois os
cientistas sempre estão descobrindo novas realidades.
Os psicólogos, por sua vez, confrontam-se com outro problema: subjetividade ou
objetividade? Subjetivo seria aquilo que é diretamente vivido e que está, de certo modo,
confinado à própria pessoa. Objetivo seria tudo aquilo que pode ser comprovado e observado
também por outras pessoas. Nem sempre os fatos objetivos interferem do mesmo modo na
vida das pessoas, pois cada uma reage de certa forma aos mesmos fatos; daí o subjetivo. Em
matéria de percepção, todos concordam que varia conforme a luminosidade, as substâncias, o
ângulo da observação, de modo que cada pessoa pode perceber a realidade de determinada
forma.
Por isso, a Psicologia se limita a estabelecer em que condições e de acordo com que
relações ocorrem um determinado fato psíquico, mas não pode estabelecer se tal fato ocorre
ou não realmente: a percepção do movimento ou da causalidade pode ocorrer com movimen-
tos e relações causais tanto reais quanto aparentes. Um sonho se distingue da realidade, mas
apenas quando estamos acordados, pois quando estamos dormindo, o sonho parece realidade.
A experiência religiosa é vivenciada como ação de algo estranho, que a pessoa admira
e com o qual trata de estabelecer comunicação. Não se trata de objetos aos quais se dirijam
atos psíquicos ou tendências, e sim de um objeto distinto daqueles aos quais se dirigem atos
ou tendências, que se apresenta como o fundamento de todos os objetos, ao qual não pode
escapar nem mesmo o sujeito. Na religião há indicações que não devem ser subestimadas:
Portanto, a religiosidade não pode ser avaliada apenas do ponto de vista psicológico,
mas também deve considerar as observações da Filosofia, da História, das ciências da
natureza e das diversas religiões existentes, que mostrarão uma possibilidade a mais: a
revelação. A religião não pode ser avaliada apenas objetivamente, mas também sub-
jetivamente. Há a presença de um mistério e a necessidade de uma participação nele. Por isso,
constroem-se os símbolos que significam a substituição da realidade por um sinal. O mundo
religioso não se apresenta com a frieza do mundo da ciência, mas com o fervor dramático e
até mesmo trágico do mundo humano.
1.1. SÍMBOLO
Há diferença entre signo, sinal e símbolo. O signo ou sinal indica a presença de algo,
sem revelar a natureza desse algo. A bandeira indica uma nação, mas, não revela as
características do país; o toque de trombeta indica um acontecimento sem explicar seu
sentido. Para os animais, a compreensão dos signos e sinais é inata ou adquirida. No ser
humano, os sinais podem ser convencionais ou variáveis e, portanto, aprendidos. Quando
aprendemos um idioma, mudamos os sinais, mas mantemos o significado. O sinal apenas
indica o que já conhecemos, seja por capacidade inata seja adquirida. Entre o sinal e o
símbolo corre a linha divisória entre as capacidades dos animais e as capacidades próprias do
ser humano.
O símbolo é menos direto do que o sinal, implicando um valor cognoscível e emotivo
em razão do que simboliza. A linguagem poética e religiosa somente é possível através de
símbolos. Há símbolos convencionais, que variam de cultura para cultura ou interesse para
interesse: o branco para os europeus simboliza a paz; para os chineses, o luto. Segundo Ernst
Cassierer, sinais e símbolos pertencem a dois mundos diferentes: o sinal, ao mundo físico; o
símbolo, ao mundo intelectual. Os sinais, quando são compreendidos e adotados como tais,
têm um tipo de existência física e substancial; os símbolos têm somente um valor funcional.
Assim, o símbolo é um meio de expressão do mito e da alegoria. Por isso existe a
desmitologização do mito, que significa uma interpretação existencial do mesmo.
O simbolismo é importante na vida do ser humano porque, sem ele, apenas restariam
às necessidades físicas e os interesses práticos. Não haveria o mundo ideal apresentado pela
religião, pela arte, pela filosofia ou pela ciência. O simbolismo se torna difícil e embaraçoso
para o psicólogo, primeiro porque pode cair no erro de tratar seus próprios símbolos como
objetos concretos. Por outro lado, a psicologia talvez seja a ciência em que a heterogeneidade
dos símbolos seja mais abundante e complexa. Alguns termos utilizados em outras áreas de
estudo, são utilizados pela psicologia de um modo diferente, simbólico. Por exemplo: da
matemática chegaram à psicologia os seguintes termos: quantidade, gradiente e outros; da
física: ação, reação, campo, energia; da química: reativo, sublimação; da biologia: valor de
sobrevivência, instinto; e assim por diante. A luz e a escuridão, dois acontecimentos
fisicamente definidos, adquirem uma conotação simbólica de liberdade e alegria (a luz) e de
isolamento e temor (a escuridão), que penetram na experiência subjetiva de maneira profunda.
Assim, tanto o psicólogo como o homem religioso precisa falar de coisas que somente
podem ser expressas simbolicamente. O símbolo religioso expressa uma experiência vivida, à
qual faltam referências sensoriais apropriadas e que brotou de um estado afetivo profundo: a
experiência do sagrado. O psicanalista, por sua vez, trabalha com o inconsciente simbólico
para chegar à realidade psicológica própria. O ser humano, diferente dos animais, consegue
distinguir o símbolo do seu significado. Assim, quando as diversas religiões possuem uma
concepção de um Deus pessoal, reconhecem que isto é uma forma de compreendê-lo dentro
de suas limitações humanas.
Paul Tillich explica o aparente caos do simbolismo religioso: “A chave que coloca
ordem neste caos é relativamente simples: qualquer coisa na realidade pode imprimir-se como
símbolo de uma especial relação da mente humana com seu último fundamento e seu último
significado. Assim, para abrir a porta, aparentemente fechada, desse caos de símbolos
religiosos, basta perguntar: Qual é a relação última que se simboliza nestes símbolos? Então
deixam de ser sem sentido e se convertem nas criações mais reveladoras da mente humana, as
mais genuínas, as mais poderosas, as que controlam a consciência e acaso também o
inconsciente, e têm, portanto, a tremenda tenacidade que é característica dos símbolos
religiosos na história das religiões”. Enquanto que tornar o símbolo em absoluto leva à
idolatria, o reconhecimento de seu significado coloca em comunicação com a Realidade
última.
1.2. DEUS
Foi Deus quem criou o homem à sua imagem e semelhança ou foi o ser humano quem
criou Deus à sua própria imagem? O que o ser humano denomina Deus apresenta
simbolicamente características tipicamente humanas. As diferentes concepções de Deus nas
diversas religiões, bem como dentro de uma mesma religião, demonstram que Deus é uma
elaboração, uma projeção da atividade psíquica do ser humano, que se mantém e transmite
pela tradição. À primeira vista, parece que o psicólogo e o teólogo se tornam antagônicos.
Entretanto, o psicólogo não nega a divindade, mas alerta o ser humano para que não se perca
na multidão de deuses que tem criado. Neste sentido o teólogo é um aliado do psicólogo, pois
também rejeita todas as projeções, sublimações, criações dos sonhos, dos temores, dos
desejos; rejeita todos os deuses inventados pelas necessidades humanas. A inteligência
humana incentiva o ser humano a buscar o Ser Último, Supremo.
Para o teólogo, Deus é diferente do que pensamos acerca dele; quando acreditamos
que o definimos completa e seguramente, ou que estabelecemos um princípio universal e
absoluto, justamente não é dEle que falamos, mas de nossa pobre imaginação de um Ser que
sempre nos transcende e acerca de quem nossas definições e símbolos são inadequados. Deus
corre o perigo de converter-se em ídolo. Por isso, existe a exortação na tradição judaico-
cristã: "Eu sou o Senhor Deus; não terás outros deuses diante de mim".
Uma das afirmações religiosas mais discutidas pelos cientistas é a do Deus pessoal.
Por que se fala de um Deus pessoal? Justamente para acentuar seu caráter de superioridade
como "pessoa". "Deus pessoal" quer dizer que é pessoa "supra-pessoal", não "infra-pessoal",
como se entende no monismo e no panteísmo, nos quais se destrói a relação em "tu a tu", que
une Deus ao homem. Se a fantasia mitológica pode criar deuses, não pode elaborar a idéia de
Deus, que transcende a todos os elementos de experiência, que formam a mitologia. O
conceito de onipotência expressa à convicção religiosa de que nada nem ninguém podem
evitar a ação de Deus sobre os homens e o mundo. Para Tillich, o verdadeiro cientista "adota
a humilde atitude diante da grandiosidade da razão encarnada na existência, que, em seu
abismo mais profundo, é inacessível ao homem". Por causa da superioridade de Deus, o ser
humano busca na religião constituída uma revelação de Deus.
1.3. O CRISTIANISMO
O Cristianismo é uma religião institucional, que se apresenta como religião revelada
por Deus, com todas as exigências de verdade, realidade, mistério, incondicionalidade, que
são próprias de Deus. Seus começos históricos remontam à fé de um pequeno povo nômade
num Ser único, o Deus verdadeiro, em sua majestade inacessível, mas inexoravelmente
presente nos incidentes e na história dos seres humanos. Segundo a história bíblica, a
afirmação de um Deus único e soberano é contínua e categórica, diante da proliferação de
divindades. O monoteísmo bíblico é diferente do monoteísmo greco-romano; este é
proveniente da admissão de um poder soberano, misterioso, acima dos deuses singulares. Essa
afirmação continuará no Judaísmo e no Islamismo. O Cristianismo afirma ser a continuação
da revelação do Deus único, do Deus dos patriarcas, de Moisés e dos profetas, que culmina na
revelação plena, na Encarnação, em Jesus, Deus e homem. Jesus, com sua doutrina e vida, é
Deus invisível feito homem. O mistério de Deus se acentua com esta comunicação à
humanidade, pois, se nos permite aproximarmos dEle, não nos consente compreendê-lo. A
comunicação de Deus à humanidade continua com a constituição de uma comunidade íntima
entre os crentes: a Igreja.
A história bíblica é a história da revelação de Deus, que não se compara a um tratado
científico, filosófico ou histórico. Entretanto, a Igreja defende o valor da razão, capacidade
mais elevada do ser humano que lhe permite conhecer Deus. A Bíblia não se assemelha aos
mitos e utopias de outras religiões, pois apresenta toda realidade da raça humana, com seus
altos e baixos, suas capacidades, qualidades e seus defeitos. Do Gênesis ao Apocalipse,
aparece um simbolismo insistente e hermético, muitas vezes difícil de ser compreendido;
entretanto, sempre demonstra a luta entre o bem e o mal, sob a soberania de Deus Redentor,
triunfando definitivamente o bem.
O Cristianismo apresenta uma doutrina e uma conduta, com uma ordem imutável:
Deus criador e criatura "feita à imagem e semelhança de Deus", com capacidade de
compreender e de reger-se a si mesma, de forma autônoma. O conhecimento e a liberdade são
as qualidades divinas do ser humano, que justamente lhe conferem a autonomia de adorar a
Deus ou de rebelar-se contra Ele. Entretanto, assim como Deus criou o ser humano, no
princípio, criou-o novamente em Jesus Cristo, fazendo-o filho, à imagem e semelhança de seu
Filho Jesus. O Cristianismo anuncia, pois, um humanismo pleno, íntimo e perfeito.
A redenção possibilita a aproximação e a comunicação, a comunhão com Deus (1 Jo
4.10-13). Em sua missão carismática, a Igreja transmite o dom de Deus, a graça, que é
comunhão com Deus e comunhão dos cristãos. Convencido de que a Igreja agrupa os crentes
e os filhos de Deus, o cristão deve olhar com respeito às outras religiões, nas quais admira a
aspiração comum para Deus, que se manifesta ali de forma desordenada, caótica e
contraditória. A Igreja está cheia de imperfeições; não obstante, está caminhando e
procurando a plenitude perfeita.
2. AQUISIÇÃO DO CONHECIMENTO RELIGIOSO
A revelação pode ser dada a um grupo de pessoas ou a uma determinada pessoa. São
consideradas revelações simplesmente pessoais àquelas que dizem respeito às suas relações
com Deus, como a fé, a oração, a fidelidade. Neste caso, a consciência de ser objeto de uma
especial e única comunicação de Deus produz uma profunda impressão, uma atenção
redobrada, uma viva atividade intelectual e emoções e tendências bastante intensas, em geral
positivas. A transmissão de conhecimento é percebida, mais ou menos claramente, como
infalível. O objetivo da revelação é percebido, bem corno os modos de conduta e o
cumprimento das ordens dadas. Esta conscientização acontece como penetrante intuição ou
como resultado de reflexão ou exame.
O conteúdo da comunicação divina diz respeito aos seguintes aspectos: atos de poder
e salvação, ensinamentos e preceitos, coisas novas ou recordação de coisas conhecidas,
estímulos e advertências, elogios e censuras, promessas e ameaças, prêmios e castigos, júbilo
e queixas. Esta temática pode ser encontrada na revelação dada aos profetas do Antigo
Testamento. É importante aqui estabelecermos a diferença entre visões místicas e visões
proféticas; aquelas se referem unicamente à vida religiosa pessoal e à perfeição do visionário;
as proféticas estabelecem a difusão da mensagem.
Nos sonhos, o estado de consciência é simples, pois a pessoa tem plena consciência do
significado do sonho; às vezes, a revelação acontece já em estado de vigília, logo após o
sonho. Assim ocorreu nos sonhos de José do Egito (Gn 37.40,41), de Samuel, a respeito do
castigo aos filhos de Eli (1 Sm 3) ou de José no Novo Testamento (Mt 1.20; 2.30). Jacó, logo
após despertar do sonho da escada, sentiu medo e expressou em palavras sua numinosa
vivência (Gn 28.17).
Autenticidade da Revelação – Quando a pessoa recebe uma revelação, preocupa-se a
respeito do autêntico sentido da comunicação divina. Este pode ser único, mas também pode
ter várias interpretações. Como exemplo de significado único foi a instrução dada a José, em
relação a Jesus e Maria: "Dispõe-te, toma o menino e sua mãe, foge para o Egito e
permanece lá até que eu te avise" (Mt 2.13). A comunicação divina pode ter diversos
sentidos quando se efetuam em forma de metáforas, símbolos e alegorias. Muitas vezes a
própria metáfora fica mais gravada na mente do que o seu significado, como no caso da
parábola das dez virgens: recordamos mais a própria alegoria do que a advertência de
estarmos vigilantes para a volta do Senhor (Mt 25.1-13). A comunicação divina em metáfora
é completamente compreendida quando vem acompanhada da explicação, como no caso da
parábola do semeador (Lc 8.11) ou das mensagens às sete igrejas (Ap 1.20).
É necessário ressaltar ainda que uma comunicação experimentada por uma pessoa não
pode ser qualificada de revelação somente porque seu conteúdo refere-se ao âmbito religioso.
A comunicação pode referir-se a escapar de um perigo, vencer os inimigos, achar um bom
caminho, encontrar algo perdido etc. A vivência de revelação acontece de um modo
sobrenatural e seu conteúdo também é sobrenatural. O caráter do sobrenatural pode ser em
primeiro grau quando o próprio Deus se revela (Dt 31.15; Ex 20.2), isto é, quando há um
auto-testemunho de Deus. Isto também ocorre de forma implícita, como no caso de Abraão
(Gn 11.18).
O caráter do sobrenatural pode ser também em segundo grau, quando Deus utiliza um
mediador que transmite a Palavra de Deus. Nos livros dos profetas repetidamente se lê:
"Assim diz o Senhor". Nos tempos do Antigo Testamento era muito comum a forma de
revelação em sonhos; nos dias do Novo Testamento, esta forma diminuiu em quantidade. Nos
dias de hoje, apenas excepcionalmente se aceita o caráter de revelação de algum sonho. Para
que o sonho e seu conteúdo sejam considerados revelação, é necessário que existam outras
características, como o testemunho de si mesmo de Deus ou de sua mensagem, ou um
conteúdo sobrenatural, ou uma grande vivência de conversão.
Por isso, pode-se afirmar que se distinguem dois tipos de forma em que é transmitida a
comunicação sobrenatural: o primeiro tipo refere-se às comunicações efetuadas mediante atos
extraordinários do poder de Deus, que modificam de maneira ostensiva o curso natural das
coisas (os milagres); o segundo tipo refere-se às manifestações de Deus. No primeiro há uma
vivência de revelação em atos ou em modificações; no segundo, há a vivência de revelação de
aparição.
As modificações extraordinárias ou milagres podem acontecer na esfera pública ou
pessoal; em ambos os casos podem se tratar de modificações psico-espirituais ou material-
corporais. Na esfera pública, podemos mencionar a salvação diante do exército inimigo; ficar
incólume em meio a desastres econômicos ou políticos; escapar de terremotos ou vendavais;
a conversão de uma cidade inteira como no caso de Nínive; etc. Na esfera pessoal, pode-se
mencionar a transformação de pessoas em seu caráter e temperamento, ao converterem-se a
Jesus Cristo; curas as mais diversas; etc. O termo milagre precisa ser definido, principalmente
por causa da crítica teológica. Tomás de Aquino denominava de milagre a tudo que
procedesse de Deus e se produzisse fora das causas conhecidas por nós. Nos estudos
modernos, destaca-se o caráter distintivo do conceito de milagre, afirmando que é um fato
extraordinário “cujo significado intrínseco consiste em servir de objetivo da perfeição
sobrenatural do homem”.
A psicologia pode explicar numerosos casos pela ação de causas naturais; a crença na
possessão demoníaca é produzida pela influência do ambiente, do povo, da religião e resulta
em medo dos seres diabólicos. Tudo tem a ver com a história pessoal e com a anormalidade
de seu estado psíquico. Algumas reações podem ser explicadas pelo estado psicótico. Quando
se realiza um ritual de exorcismo, as condições da pessoa perturbada psiquicamente podem
melhorar, mesmo que o seu caso não seja de possessão. É preciso haver discernimento para
reconhecer quando é um problema psíquico e quando é realmente possessão demoníaca, para
que seja efetuada a expulsão e haja uma vivência de revelação autêntica. Winkhofer afirma:
"Aquele que tem o dom do discernimento de espíritos (l Co 12.10) descobre com muito maior
freqüência a oculta e terrível presença de Satanás numa alma".
Os efeitos do exorcismo é que vão comprovar a sua veracidade. A cura deve ser
imediata e duradoura. O paciente reconhece que foi curado porque tem a consciência de
possuir novamente a liberdade no uso de suas faculdades e que desapareceram as formas de
expressão diabólicas. Qualquer coisa que acontece na vida de uma pessoa que não pode ser
explicada pela psicologia certamente comprova a presença demoníaca, como por exemplo, a
expulsão de areia, pedaços de vidro, ferro, alfinetes e agulhas, como aconteceram com uma
mulher atendida pelo padre J. Chr. Blumhardt, durante um ano e meio. Na verdade, quanto
mais contrárias e prejudiciais à salvação sejam as manifestações, mais fundamentada é a
interpretação de que sua origem é diabólica.
Outro fenômeno, que proporciona a vivência de revelação, são as profecias. As
profecias, as adivinhações de fatos desconhecidos, especialmente os futuros, influem
consideravelmente no mundo de representações e pensamentos religiosos. Sabemos que as
profecias têm originado grandes movimentos religiosos, têm determinado a formação de
grupos religiosos, têm impulsionado a sacrifícios e empreendimentos e também têm trazido
abatimento e desespero. As profecias que nos interessam são as confirmadas pelos fatos e a
possibilidade de terem causas psíquicas naturais. Devemos considerar se o acerto das
predições se deve à intervenção divina ou demoníaca.
Podemos admitir, mediante pesquisas feitas pelos estudiosos, que não se pode excluir
a possibilidade de existirem faculdades paranormais em pessoas altamente religiosas, mas não
estão relacionadas com o nível de valor moral e religioso. Há a possibilidade, então, de
fenômenos psíquicos intervirem nas vivências de revelação.
Apesar de algumas semelhanças e concordâncias entre as autênticas vivências de
revelação e as vivências devidas à sugestão ou de origem anormal ou patológica, existe uma
independência das primeiras fenomenologicamente manifesta e psicologicamente
comprovável. Isto é certo em especial nas vivências místicas, mas também é válido para as
profecias, visões e audições e inclusive nas curas milagrosas, enquanto se incluem em tais
vivências elementos estruturais da consciência mística. Na consciência mística todo o
conteúdo da vivência se orienta ao divino-sagrado.
Se existe valor relativo nos critérios psicológicos para avaliar a autenticidade mística
das vivências de revelação, por outro lado, os critérios reconhecidos pelos místicos se
baseiam nos efeitos da vivência: piedade religiosa, pureza, amor e liberdade de alma. K.
Rahner assinala, como critérios característicos da autenticidade de uma visão, determinadas
modalidades da relação do sujeito com a visão: que predominem nele a fé, o amor e demais
atitudes cristãs morais sobrenaturais; que receba a visão com espírito de humildade e gratidão,
sem incorrer em exageros, sabendo guardar silêncio; finalmente, que não apareça como um
fenômeno isolado e sim em conexão com o estado de graça mística daquele que experimenta
a vivência.
CONCLUSÃO
A psicologia da religião trata das questões íntimas que ocorrem na vida religiosa da
pessoa. Isto não quer dizer que não se preocupe, também, com os relacionamentos
interpessoais, pois não há pessoa normal que viva completamente isolada dos outros e esse
contato traz suas vantagens e desvantagens para cada uma. No primeiro tópico, então, foram
tratados os temas da psicologia da religião como o símbolo, Deus e religião, destacando-se o
Cristianismo. Abordaram-se as implicações do subjetivo e do objetivo, da percepção religiosa,
da relação entre psicólogo e teólogo, da importância da religião na vida da pessoa.
Finalizando, foram feitas pinceladas na história bíblica e na redenção oferecida por Deus,
através de Jesus Cristo, enfatizando seu significado para a psique da pessoa.
O tópico segundo versou sobre a aquisição do conhecimento religioso em suas formas
mais complexas, como: apropriação psíquica, relações de comportamento, experiência e
vivência de revelação. Aprendemos que há fatores que prejudicam e fatores que favorecem a
apropriação psíquica do conteúdo religioso. Destacamos alguns aspectos: o relacionamento da
pessoa com o ambiente pode ser objetivo e pessoal; influencia nas opiniões e nas formas de
conduta; o meio pode ser corretivo sobre o conjunto do pensamento religioso e pode atuar
sobre o convencimento ou firmeza da crença; a experiência religiosa supera as demais, pois
inclui o contato com Deus e com a realidade psíquica interior; o mundo vivencial e o religioso
são correspondentes entre si; os não crentes são mais influenciáveis religiosamente por
vivências perturbadoras que pelas favoráveis. Foram mencionadas as vivências de revelação
de Moisés (sarça ardente), Paulo (caminho de Damasco), Jacó (escada no sonho) e Jesus
(batismo).
BIBLIOGRAFIA
CATALAN, Jean François. O homem e sua religião: enfoque psicológico. Trad. Magno José
Vilela. São Paulo: Paulinas, 1999.
DROGUETT, Juan Guillermo. Desejo de Deus: diálogo entre psicanálise e fé. Petrópolis:
Vozes, 2000.