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Currículos, gêneros, sexualidades: experiências misturadas e compartilhadas.

Como já apontado por Willis, a questão da constituição da


masculinidade é um dos vieses analíticos mais investigados em que o que
se constata é que não são os aspectos associados à classe os definidores de
como os alunos se comportam na escola. E, sim, os que se relacionam mais
intimamente às assimetrias de gênero é que vão explicitar, inclusive, como
eles se reconhecem como pertencentes à determinada classe social. Incide
aqui um jogo de diferenciação entre marcas de gênero que lhe parecem ser
mais adequadas a si e a sua classe social frente a outras classes sociais vistas
como portadores de maior distinção e, portanto, a um campo de significados
reconhecidamente tido como feminino por ser sofisticado. (p. 28)

Acrescentar um ou dois parágrafos sobre as visões estruturalistas x pós-estruturalistas

Assumir esse pressuposto tem, no mínimo, uma conseqüência,


pois, tomar a escola como instituição política significa não reduzi-la
a uma instituição técnico-educativa de transmissão de determinados
conhecimentos considerados relevantes de uma cultura. Estamos tomando
a escola tal qual uma instituição que joga as regras da esfera pública em uma
determina sociedade e em um determinado momento histórico. Assim, ela
é corresponsável pela expansão do sentido público de uma sociedade, dos
direitos e dos processos emancipatórios conflitivos e diversos de uma dada
coletividade. P. 31

Aqueles que desafiam a classificação, portanto, os não alinhados na


lógica da heteronormatividade, no exemplo aqui apontado, exigem que sejam
pensados como sujeitos políticos e para tal estão imersos nas tramas conflitivas
e regulatórias das instituições sociais e pedagógicas que possuem sistemas
legitimados de controle dos conflitos desestabilizadores das normas sociais. A
colonização da esfera da política através de uma gramática moral impede que
as opressões sociais produzam antagonismos políticos que revelem, em uma
dada ordem social, a historicidade de seus arranjos simbólicos e estruturais.
Os discursos e as práticas, pois, não se revelam como contingentes, mas como
possuindo características naturais, psicológicas ou espirituais depositadas nos
indivíduos. Isto aponta que o fenômeno da migração de conflitos políticos
para o registro moral tem transformado o debate sobre as orientações das
ações de uma sociedade em antíteses maniqueístas, ao invés de instalar uma
disputa política de interesses e posições diferenciadas dos sujeitos coletivos. P. 34

Nesse sentido, não se pode perder de vista que ter determinada prática
sexual carrega mais elementos do que simplesmente os comportamentos
individuais em si. As diversas práticas sexuais estão historicamente
entrelaçadas por relações sociais, identidades sociais e formas de inserção no
mundo público. P. 37
“não pretendo atribuir à escola nem o poder
nem a responsabilidade de explicar as identidades sociais, muito menos de
determiná-las de forma definitiva. É preciso reconhecer, contudo, que suas proposições, suas
imposições e proibições fazem sentido, têm “efeitos de
verdade”, constituem parte significativa das histórias pessoais”. P. 67

As mulheres (lésbicas, bissexuais e heterossexuais), os gays e


outros grupos cujas sexualidades se definem em ‘oposição relativa’ a
heteronormatividade foram os primeiros em problematizar as diferenças de
gênero. Elas e eles têm sido os precursores a explorar a política da sexualidade
ou a sexualidade como política. Ao apresentar os questionamentos aos
juízos mais elementares sobre o sexo, o gênero e a sexualidade, incluídas as
oposições binárias heterossexual/homossexual, sexo biológico/gênero e
homem/mulher, estes coletivos de sujeitos desenvolveram novas formas de
examinar o tema da identidade humana e, por sua vez, esta situação se reflete
nas políticas e movimentos curriculares. P. 68

Segundo Bhabha
(2003), essa afirmação da diferença ou a referida excentricidade possibilita a
negociação e a ampliação dos espaços. P. 72
Segundo Hall (2001. p.
38), “a identidade é realmente algo formado ao longo do tempo, através de
processos inconscientes (...)Ela permanece sempre incompleta, está sempre “em
processo”, sempre “sendo formada”. P. 73
a diferença, assim como a identidade, não compõe a sociedade e a escola
simplesmente como elementos da natureza. Elas são sociais e culturalmente
construídas e, portanto, mais do que comemoradas devem ser questionadas
e problematizadas. P. 73
É no jogo de apresentações e nas expectativas heteronormativas de
gênero que as identidades LGBT são estigmatizadas. Elas, por serem inscritas
e significadas no corpo, estão no interior das hierarquizações e classificações
sociais tanto quanto nas práticas curriculares e, mais amplamente, nas
ações e relações escolares, ou seja, no sentido mais amplo de currículo. É
preciso que saibamos que o discurso de gênero é significado como efeito de
sofisticados equipamentos educativos e formativos produzidos e mantidos
por instituições como o direito, a medicina, a família, a escola, a religião e
a língua que produzem corpos reconhecidos como masculinos e outros
identificados com femininos. Essa dinâmica obscurece outras possibilidades
de estruturação das identidades e práticas sexuais. P. 75

A história, no entanto, nos ensinou a desconfiar das coisas que se põem


em marcha bem na hora, como os trens. Não é que o liberalismo não
reconheça a discriminação racial ou sexual – ele sempre esteve à frente
dessas lutas. Mas existe um problema nessa noção de igualdade: o
liberalismo compreende um conceito não diferencial de tempo cultural.
No momento em que o discurso liberal tenta normalizar a diferença
cultural, transformar a pressuposição de respeito cultural mútuo em um
reconhecimento de valor mútuo, ele não reconhece as temporalidades
disjuntivas e fronteiriças das culturas minoritárias e parciais. Há
uma intenção igualitária válida, mas só se partirmos de um espaço
historicamente congruente; o reconhecimento da diferença é sentido
de forma genuína, mas em termos que não representam as genealogias
históricas, quase sempre pós-coloniais, que constituem as culturas
parciais das minorias (BHABHA, 2011, p. 87). P. 85

A ideia de multiplicidade, também como característica inerente não


só aos sujeitos, mas ao cotidiano, nos leva, com Deleuze (1992), a pensar que
só existem diferenças, sendo as identidades modelos aos quais seria preciso
estar conforme, portanto modelos vazios que só seriam preenchidos a partir
do momento em que as pessoas se produzissem conforme o metro-padrão. A
diferenciação, como processo, é o que caracteriza a própria vida. A diferença,
como processo de autocriação e de significação, em relação não apenas aos outros como a si
mesmo, é, portanto, o que deve nos interessar. A afirmação
da diferença por si mesma, como processo vital, desvinculada da identidade,
da formatização da vida e das relações sociais e culturais, dos modelos, das
moldagens e das modulações é o que deveríamos valorizar. P. 87-88

Vislumbramos os cotidianos escolares como campos de lutas,


complexos, ambíguos, liminares, nos quais o poder, como relação de forças,
o saber como significação que conta, e a identidade, como modelo a ser
seguido, estão sempre sendo contestados, traduzidos, disputados, negociados
e reinventados em movimentos inerentes à vontade de potência, isto é, à
dinâmica criativa e afirmativa da vida. P. 86

Silva (1999) destaca que a escola geralmente pune o preconceituoso,


mas deixa intactos as práticas e os discursos (inclusive nos livros didáticos,
nos conteúdos e nas formas de apresentação das disciplinas, nos rituais
escolares e datas festivas) que produzem os preconceitos e a inferiorização
de modos de existência não formatizados, reconhecidos e aceitos, ou seja,
não hegemônicos. Com isso, assegura o autor, os currículos multicilturalistas
deixam de ser políticos e passam a ser folclóricos. P. 92

O gênero é o que instaura a ilusória, mas necessária, estabilidade para


que a matriz heterossexual seja assegurada; por dois sexos falaciosamente
fixos, coerentes, antagônicos e complementares, os quais se opõem binária
e hierarquicamente como diversos outros marcadores sociais de: classe, raça,
geração ou território. P. 116

Um dos efeitos do pacto ideológico estabelecido entre a psicologia


e a educação refere-se à produção de estudos da psicologia que atribuem ao
sujeito a responsabilidade de seu “fracasso escolar”. Não são incomuns na
psicologia, sobretudo, na área da psicologia escolar, estudos que acentuam
estereótipos ou generalizações arbitrárias sobre certos aspectos da vida de
crianças e adolescentes. Aliás, a própria noção de adolescente, trabalhada como
categoria universal em certas abordagens da psicologia do desenvolvimento,
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Experiências Misturadas e Compartilhadas
é bastante complicada. Interpretações selvagens como, por exemplo, a que
estabelece uma relação direta e causal entre a ausência de pai e o que passa a
ser enunciado, de modo determinante e simplista, como “desinteresse para os
estudos”. Estratégias inteligentemente utilizadas para camuflar os insucessos
das políticas públicas em educação e das próprias abordagens teóricometodológicas
de ensino-aprendizagem-avaliação utilizados nos processos
educacionais vigentes. Neste sentido, analisando tais estratégias entendese
que aquilo “que aparece como resultado de deficiências individuais de
capacidade é produto de dominação e desigualdade de direitos determinada
historicamente” (Patto, 1997: 57). P. 116-117

Como afirma Sacristán & Goméz (2000) devemos lembrar que a


escola possui tripla funcionalidade: reprodutiva, educativa e compensatória.
Sua função reprodutiva visa a socialização do indivíduo, e a reprodução social
e cultural das normas como requisito para a sobrevivência na sociedade. Em
sua função educativa a escola provê aos indivíduos conhecimentos, idéias,
habilidades e capacidades formais, mas também, disposições, interesses e
pautas de condutas. Na função compensatória deve atenuar, em parte, os
efeitos das desigualdades sociais e preparar as pessoas para serem capazes de
lutar e se defender da melhor forma possível, em sociedade. Nessa perspectiva,
a escola tem como objetivo preparar as pessoas para o mundo do trabalho,
tornando-as produtivas e sociáveis, por meio, sobretudo, do controle das
condutas.

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