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Capituto 10 O Tiro DE INjusTo DE OmiIssAo DE AGAO I. Introdugao O estudo do tipo de injusto de omissdo de ado supée duas distin- 6es fundamentais: primeiro, distinguir agdo e omissdo de agdo, concei- tos aparentemente irredutiveis a um denominador comum; segundo, no Ambito do conceito de omissdo de acao, distinguir omissio de agdo prépria, fundada no dever juridico geral de agit, atribuivel a todas as pessoas, € omisséo de agdo imprépria, fundada no dever juridico especial de agit, atribuivel exclusivamente a pessoas definiveis como garantidores de determinados bens juri os em situagao de perigo. II. Agao e omissto de agao Agao e omissio de acao sio conceitos contraditérios que se rela~ cionam, segundo célebre distingao de RADBRUCH, como A ¢ nao Av: se A significa realizar uma a¢do proibida, nao A significa omitir a realizagao de uma agdo mandada. A contradigao entre ago ¢ omissio de agao assume forma plistica em ENGISCH?, que define agéo como Ver FT, Serafrecht, 1994, p, 167; também, WELZEL, Dar Deutsche Sirafvecht, 1969, 6,1, p. 200. ? ENGISCH, Tun und Uncerlaven, Festschrife fur Gallas, 1973, p. 170: WEIGEND, Lebrbuch des Sirafrecbrs, 1996, § 58, Il, 1, p. 601 CK 11 Teoria do Fato Panivel Capitulo 10 emprego de energia em determinada direcao, ¢ omissio de ago como nao emprego de energia em determinada direcdo. Desse modo, a aio seria uma realidade empirica conhecivel pelos sentidos; a omissio de ago nao seria uma realidade empirica, mas uma expectativa frustrada de aco, somente conhecivel por um juizo de valor’. Nesse sentido, omitir uma ago nao significa, simplesmente, nao fazer nada, mas nao fazer algo determinado pelo dircito! Em geral, parece nao haver dificuldade para diferenciar agao ¢ omissto de agao, mas em hipéteses de agéo ou de omissio de acio simultineas ou sucessivas essa diferenciacéo pode ser problematica. Por isso, a teoria construiu alguns critérios para facilitar a distincao. a) 0 ctitério da causalidade, pelo qual existe agao se ha deter- minagio causal do resultado; existe omissio de agao se um juizo de valor indica que alguém deveria ter agido’; b) 0 critério do risco, pelo qual existe agao se hd criacéo ou elevagao de risco para o bem juridicos existe omissio de agao se nao hé criagéo ou elevagio de risco para o bem juridico% ¢) o critério do dolo, pelo qual existe aco se ha uma atividade dirigida contra a vitima; existe omissio de ago se néo hd intervengio em processo causal independente, criador de perigo para a vitima’. HAFT, Sirafrech, 1994, p. 167; JESCHECKIWEIGEND, Lehrbuch der Strafrechts 1996, Cap. 2, p. 598: ROXIN, Serafrecht, 2006, § 31, n.2, p 627. WESSELS/BEULKE, Sirafecht, 1998, n.708, p.225,falam em ‘ndo realizar determinada atividade juridicamente exigida”. No Brasil, a excelente monogtafia de TAVARES, As controvértas em rorno dos crimes omisivos, 1996, 0. 19, p. 60, fundamenta a omissio de acio no ctitério axiolégico do “deverdeagir” geral ou especial > HART, Sirafecht,1994, p. 167-169; JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch de Strafrechts, 1996, § 58, Il, 2, p. 603: ROXIN, Serafrecht, 2006, § 31, n. 1, p 627. No Brasil, ver TAVARES, As contravérsas em torno doscrimesomisivos, 1996, n. 14, p. 44-46, © Ver OTTO, Grundhurs Strafrcht, 1996, § 9,12, 2, p. 144-145; ROXIN, Siafrect, 2006, § 31, n. 1, p. 627, No Brasil, comparar TAVARES, As controvérsas em torno dos crimes omissivos, 1996, 0. 18, p. 57-59. ROXIN, Strafrecht, 2006, § 31, n. 1, p. 627. 192 Capicato 10 0 Tipo de Injusto de Omissio de Apdo Por exemplo, nos crimes de imprudéncia existe simultaneidade entre agéo € omissio de ago: a agdo lesiva do risco permitido ou do dever de cuidado corresponde a omissao de ago adequada ao dever de cuidado ou ao risco permitido— mas a existéncia de determinaydo causal do resultado ow de criagaolelevagdo de risco do resultado atribuivel a0 autor indica, normalmente, uma a¢do imprudente. Ao conttario, existe omissio de agao nos seguintes exemplos: a) a mulher busca 0 marido bébado no bar, mas por causa de uma discussio abandona 0 marido no meio do caminho ¢ este morre afogado no cérrego ao tentar seguir sozinho para casa; b) apés servir grande quantidade de bebida alcodlica a motorista de caminhao, o proprietério do bar nao impede o prossegui- mento da viagem daquele, que morre em acidente ao reentrar na rodovia; ©) proprietério entrega veiculo a amigo bébado, que morre em acidente porque aquele néo impediu 0 amigo de dirigir embriagado’. Entretanto, hipéteses de intervengéo em processos causais preexistentes podem ser controvertidas: a) aparelho de respiragao de paciente em estado de coma irreversivel é desligado (1) pelo médico que o ligou, ou (2) por terceiro: se pelo médico, existe omissio de ado porque a relevancia nio residiria na acao de desligar o aparelho, mas na omisséo da agao de continuar 0 tratamento; se por terceiro (por exemplo, a mulher do paciente, a pedido deste), existe agio; b) B langa corda para salvar C da areia movedica, mas solta a corda e C morte: se antes de C agarrar a corda, existe omissio de ago, pela auséncia de criagao/elevacao de risco ou pela concluséo de que B deveria ter agido; se depois de C agarré-la, existe agao, por determinacao causal do resultado ou por criagdo/elevagao de risco do resultado’. * Maiores detalhes, ROXIN, Smfecht, 2006, § 31, n. 1-2, p. 627: HAFT, Seafiche, 1994, p, 168-169; JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Safrects, 1996, § 58, 112, p.603, > HAT, Sirafecht, 1994, p. 169; JESCHECK/WEIGEND, Lebrbuch der Stafrechts 1996, § 58, Il, 2, p 603; OTTO, Grundhurs Safrcht, 1996 § 9,12, 0 6-10, p 146, 193 Teoria do Pato Patel Cape 10 III. Omisséo de agao prépria e impropria Direito Penal utiliza duas técnicas diferentes para proteger bens juridicos: em regra, a norma penal profbe a realizagio de acées Lesivas de bens juridicos; por excecéo, a norma penal ordena a realiza- gio de ages protetoras de bens juridicos. No ambito da realizagao de agGes protetoras de bens juridicos, existem duas situagées distintas: a) a omissdo propria, em que a ordem de realizar ages protetoras de bens juridicos aparece explicita em tipos legais (por exemplo, art. 135, CP: deixar de prestar assisténcia (...) a crianga abandonada ou extraviada, ou a pessoa invdlida ou ferida, ao desamparo ou em grave ¢ iminente perigo etc.); b) a omissdo imprépria, em que a ordem de realizar acées prote- toras de bens juridicos estaria implicita nos tipos legais de resultado, cuja descrigao indicaria, simultaneamente, a regra da agdo ea excegao da omissdo imprépria (por exemplo, art. 121, CP: matar alguém)"®. Essa posigao é comum na literatura: ROXIN define a omissio prépria pela descrigao legal do tipo; a omissio imprépria pela deducio de tipos de resultado, com responsabilidade pelo resultado (fundada na posigdo de garantidor) ¢ correspondéncia da omissio com um fazer ativo"”, Na pratica, o critétio distintivo é a posigdo de garantidor, que nio existe na omissio prépria, atribuivel a qualquer um, ¢ fundamenta a omissio imprépria, atribuivel exclusivamente a0 garantidor. Em linhas gerais, as diferencas podem ser assim indicadas: a) a omissdo de agdo prépria corresponde, inversamente, aos tipos de simples atividade e tem por fundamento a solidariedade humana entre os membros da sociedade, que engendra 0 dever juridico geral de agir, cuja lesio implica responsabilidade penal dolasa pela omisséo "© Nesse sentido, TAVARES, Ar controvérsias em torno dor crimes omitsivos, 1996, a. 12, p. 36 "-ROXIN, Sirafreche, 2006, § 31, n. 2 16. 194 Capitulo 10 O Tipo de Injucto de Omissia de Apio da agio mandada: o dever de agir € definido no tipo legal respecti- vo, como a omissao de socorro (ast. 135, CP), 0 abandono de incapaz (art. 133, CP) ete." b) a omissao de agdo imprépria corresponde, inversamente, aos tipos de resultado e tem por fundamento a posigdo de garantidor do bem juridico atribuida a determinados individuos, que engendra o dever juridico especial de agir, cuja lesio implica responsabilidade penal pelo resultado (doloso ou imprudente), como se fosse cometido por ago: se 0 pai no impede, mas pode impedir o afogamento do filho menor nna piscina doméstica, responde pelo resultado de morte por dolo ou imprudéncia’s — € nao por simples omissio de socorro. IV. A omissdo de a¢do impréopria e o principio da legalidade A omissdo de agdo imprépria parece em conflito com o principio da legalidade, nas suas dimens6es de proibicéo de analogia e de proibicio de indeterminagdo penal, como indica a dogmtica contemporanea". Mais ainda: um setor importante da literatura afirma a inconstitucio- nalidade dos crimes de omissdo de updo imprépria porque constituiriam + ROXIN, Sirafiecht, 2006, § 31, 0, 2 e 16; JESCHECKIWEIGEND, Lehrbuch des Soafrechs, 1996, § 98, IIL, 1-2, p. 605-606; HAFT, Sirafect. 1994, p. 167. No Brasil, comparar TAVARES, As contovérsiar em orno dor crimes omisivs, 1996, 20, p. 63-66 > ROXIN, Sirgfecht, 2006, § 31, a. 2 © 16; JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafieces, 1996, § 58, Ill, 2, p. 605-606. No Basi TAVARES, As controvérsias em torno dor crimes omissvos, 1996, 1. 22, p. 66-70, cortetamente, considera insuficiente a fundamentagéo legal "do dever de Jmpediro resultado” em face do principio da epalidade “Vee, por exemplo, ROXIN, Serffech IL Beck, 2003, p. 637-638, 195 Teortado Fato Puntvel Capitulo 10 analogia proibida pelo principio da legalidade e, ainda mais relevante, porque violariam a proibicao de indeterminagao dos tipos legais. 1. A proibigao de analogia penal Com a introdugao legal do critério formal de definicao da po- sigao de garantidor (att. 13, § 2°, CP), uma opgao de leitura dos eipos de resultado (pot exemplo, homicidio ¢ lesio corporal) pode esclare- cer a questo da analogia da omissao de agao imprépria, conforme as seguintes alternativas: a) se os tipos de resultado sao lidos como descrigao de agées produtoras do resultado, entéo a omissio de a¢io imprépria configura, necessa- riamente, analogia proibida pelo principio da legalidade porque a lei penal nio define a omissio de acéo imprépria, cuja existéncia seria ilegalmente deduzida dos tipos legais'; b) se os tipos de resultado sio Lidos como descrigio simultinea de agdes ¢ de omissdes de agdo produtoras do resultado (por exemplo, matar al- guém por agao proibida ou por omissao de agao mandada, na posigao, de garantidor do bem juridico), entéo a producio do resultado por agéo ¢ a nao evitacao do resultado por omissao de a¢ao constituiriam equivalentes lesdes de bens juridicos”, igualmente compativeis com © principio da legalidade: a posigio de garantidor seria caracteristica Assim, KOHLER, Somfiecht Springer, 1997, p. 213-214: “No Direto Penal aleméo, 0 elit de omissio do garanidor pés o reconbecimento de sew fundamentos na Doutrina ¢ na Jurisprudéncia, for iciplinado de modo geral através da 2 Lei de Reforma do Direito Penal, no § 13 do Cidigo Penal. Mas esta norma é em sua circularidade, insuficientemente determinada, dai ser incompativel com o principio da dleterminagio constitucional (a 103, Il, da Consituio):”(peifames) «Vee H. MAYER, Serafect, 1953, p. 199. Y Vee OTTO, Grandes Seafeche, 1996, § 9,14, n. 19-20, p. 148 196 Capitdo 10 Tipo de Injuto de Omiso de Apdo sipica geral de autoria dos tipos de resultado (art. 13, § 2°, CP), que independe de repeti¢ao nas definicées legais respectivas"*, Como os tipos legais indicados admitem realizacéo por ado por omissio de agdo, a hipétese de analogia proibida parece excluida, 2. A proibigao de indeterminagao penal Nio obstante, existem outros problemas dogméticos na omissdo de agdo imprépria, relacionados & proibicao de indeterminasao penal, que nao podem ser resolvidos por opgées de leitura, por exermplo: a) a extensio da responsabilidad penal do garantidor; b) a necesséria incerteza da hipotética relagao de causalidade da omissao imprépria. Assim, a lei penal define os fundamentos do dever de evitar 0 resultado (art. 13, § 2°, CP), mas nao indica os resultados de lesio de bens juridicos atribuiveis a0 garantidor sob aqueles fundamentos legais ~ ou seja, a lei penal nao indica os tipos de resultado de lesio atribuiveis ao garantidor do bem juridico, Esse defeito da legislacéo penal parece infringir a proibigao de indeterminacdo legal do principio da legalidade, porque ninguém sabe (a) se todos os bens jurfdicos dos tipos de resultado sio atribuiveis a0 garantidor — o que seria absurdo, 1u (b) se apenas os bens juridicos mais importantes — nesse caso, quais ede que modo? Logo, nao se sabe o que, nem quando criminalizar. Segundo, a relagao de causalidade entre agao omitida e resultado tipico ¢ hipotética ~ portanto, fundada em juizo de probabilidade de ™ Nesse sentido, a tse de TAVARES, A controvérsias em torno dos erimes ominivos, 1996, 1. 12, p. 37, sobre a impossibilidade de suficiente protegio de bens juridicos “se ndo considerarmos que a norma é prosbitiva e mandamental ao mesmo tempo", representa contribuigao significativa ria do Fato Punivel Capitulo 10 exclusio do resultado pela realizagio imagindria da agao mandadal? —, que pode ser um juizo priximo da certeza, mas sera apenas juizo e, necessariamente, incerto™, 2.1.0 problema da indeterminagao legal dos resultados de lesio de bens juridicos atribuiveis ao garantidor afeta também outras legislacées, com criticas semelhantes. Por exemplo, idéntica lacuna do Cédigo Penal alemao é objeto de frequente critica, que questiona a compatibilidade do § 13 como principio da determinagao legal, como diz ROXIN”: "Pois a lei indica como pressupostos da punibilidade da omissao apenas os critérios do “dever de garantir” ¢ da “torrespondéncia’” sem dizer quando se ‘tem de garantir que o resultado nao acorra’, e quando a omissdo “corres- ponde” aum fazer. Que a regulagéo legal, sob o ponto de vista do principio da determinagdo, néo é inquestiondvel, é também afirmado frequentemente na literatura.” ‘Alli penal alema prevé, além dos critérios do dever de garantia, também uma clausula de correspondéncia — pela qual a nao evitagio do resultado pelo garantidor deve corresponder a realizasao ativa do resultado —, mas a critica quer saber (a) quando o garantidor deve garantir ¢ (b) quando a omissio corresponde a um fazer, que a lei nao indica. A lei penal brasileira define apenas os fundamentos do dever juridico de evitar o resultado (art. 13, § 2°, CP): igualmente, nao de- termina (a) quando os resultados de lesao dos bens juridicos podem Vee JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch de: Serafreebts, 1996, § 58, IV, 3, p. 609, %® COSTA JUNIOR, Comentarios ao cidigo penal, 1989, p. 134, fla em “desrespeito aos principios da certeza do direto eda legalidade”, sagerindo previsio legal dos tipos que ‘admitem comissio por omissio. 2 ROXIN, Sirafecht. Beck, 2003, I, § 31, V, n. 32, p. 637: "Denn das Gewte nennt als Vorausetcungen der Unterlasungstratbarkeit mur die Kriterien des “Einstehenmusens und des "Enesprechens', obme zu sagen, wann man “dafur einzustehen hat, dass der Erfolg nicht eintritt”, und wann das Unterlassen dem Tun “entspriche”. Dass die gesetcliche Regelung unter dem Geschtipunkt des Bestimmtheingrundutzes niche unbedenklich is, wird denn auch in der Literatur vielfach betont.” 198 Capitulo 10 O Tipo de Injusto de Omisséo de Ago set atribufdos ao garantidor ¢ (b) quando a omissio corresponde a um fazer ativo — também porque nao exige nenhuma cldusula de cor- respondéncia, como a lei alema. Em face dessas evidentes limitagées legais, a tinica forma de conciliar a omisido de a¢ao imprépria com a proibigdo de indeterminagdo do principio da legalidade seria reduzir a responsabilidade penal do garantidor aos bens juridicos individuais mais importantes, como avidae 0 corpo do sujeito garantido: a extensio da garantia a todos 05 tipos de resultado de lesio, incluindo o patriménio, a sexualidade, ou — ainda mais grave ~ 0 sistema financeiro, 0 meio ambiente etc., embora tecnicamente possivel, implicaria um dever juridico indeter- minével c excessivo, incompativel com a Constituigio da Replica 2.2. A chamada probabilidade préxima da certeza da omissio impré- pria ~ tinica possivel em uma causalidade hipotética ¢, por isso, tam- bém denominada quase causalidade — representaria critério de juiz0 determinado pela estrutura da omisséo de aso imprépria: a atribuigao do resultado ao garantidor do bem juridico nao pode se basear em causalidade real — presente na realizagao concreta da aréo mandada e ausente na omissio de ado, mas em causalidade hipotérica fundada em juizo de probabilidade préxima da certeza de exclusio do resulta- do. Assim, se o controlador de tréfego ferrovidrio, por exemplo, néo comunica a partida do trem e 0 motoqueiro é atropelado porque a cancela nao foi fechada, poder-se-ia afirmar que a realizagao da a¢ao mandada excluiria 0 resultado com probabilidade préxima da certeza, segundo a teoria dominante”. A hipotese funciona assim: se a realiza- sao da agio mandada evitaria o resultado com probabilidade prxima da certeza, entio o resultado é atribuivel ao autor; em caso contratio, © principio in dubio pro reo impede a atribuigao do resultado. Mas é Nesse sentido, TAVARES, A: controvérsias em torno dos crimes omissivos, 1996, p. 81 82, restringe 0 dever de garantia, cm todas as hipSteses de omissio de agso imprépria, 08 “delitos contra a vida, a integridade corporal ea liberdade, Ver, entre outros, HAFT, Serafecht, 1994, p. 172. 199 Teorka do Fato Punivel Capitulo 10 preciso esclarecer: a causalidade é hipotética ¢ a exclusio provdvel do resultado, ainda que préxima da certeza, é um simples juizo e, portanto, sempre incerto. Um método antigo para determinar a causalidade da omissio impropria € a teoria da interferéncia, segundo a qual a causalidade con- sistiria na repressao do impulo de apo que climinaria o fator excludente do resultado; a critica indica que nao existe qualquer interferéncia nas modalidades dolosa e de imprudéncia inconsciente da omissio impropria. Hoje domina a reoria da condigdo regular (a chamada ge- setzméissige Bedingung), pela qual a ndo realizagdo da ago excludente do resultado constituiria a ligasdo legal com o resultado, equivalence 4 causa do resultado. No CP brasileiro, a teoria da equivaléncia das condigées, adotada pelo Legislador para a agao ¢ a omisao de ago, pa- rece excluir a teoria da condigao regular como método de causalidade para a omissao imprépria. V. Estrutura dos tipos de omissdo de agao A estrutura dos tipos de omissio de asao prépria e imprépria & formada, igualmente, por dimensdes objetiva e subjetiva e caracte- riza-se por uma correspondéncia assimétrica, definida por elementos tipicos comuns ¢ por elementos tipicos especificos da omissio de acdo imprépria. 2% ROXIN, Serafieche, 2003, v. Il, § 31, V, n.37-43. % ROXIN, Strafrecht, 2003, v. IL, § 31, VILL n, 176-200; OTTO, Grundlers Stafrecht, 1996, §9, 3, n 13-14, p. 147; MAURACH/GOSSELIZIPE, Srafieht II, 1989, § 46,11, ns. 28-107, p. 188-209, e III, n, 108-120, p. 209-211; WESSELS/BEULKE, Strafeeht, 1998, § 16, I, n. 707-732, p. 225-233. 200 Capitulo 10 Tipo de Injusto de Ominsdo de Apo Os elementos tipicos comuns do tipo objetivo da omissio de aco propria c da omissio de acao imprépria séo os seguintes: a) situacéo de perigo para o bem juridico; b) poder concreto de agir; c) omissio da ago mandada; o tipo objetivo da omissio de acéo imprépria com- preende, adicionalmente, os elementos tipicos especificos seguintes: d) resultado tipico; e) posigéo de garantidor do bem juridico™. O tipo subjetivo da omissio de acao também é assimétrico: na omissio de ago prdpria, somente dolo; na omissio de acao impropria, dolo e imprudéncia” 1. O tipo objetivo da omissao prépria e imprépria: elementos comuns 1.1. Situagao de perigo para o bem juridico. A realidade determi- nante do dever de agir é a situasao de perigo para o bem juridico ~ ou situasao tipica, conforme a teoria dominante*, embora essa situacio constitua apenas um dos componentes do tipo ~ assim definivel: a) na omissao de acao prépria a situagao de perigo para o bem juridico aparece explicita no tipo legal: deixar de prestar assisténcia (...) acrianga abandonada ou extraviada, ou a pessoa invdlida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo etc. (art. 135, CP); % ROXIN, Sirafrecht, 2003, v.II, § 31, VII, n. 176-188. ROXIN, Siraffecht, 2003, v. Il, § 31, VII, n. 184-200. 2 Ver, por exemplo, JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Sraftechts, 1996, § 59,1, p. 615; ROXIN, Safer, 2003, v. II, § 31, VII, n. 177; WELZEL, Dar Deutsche Strafrechr, 1969, § 27, 1, 1, p. 204. No Brasil, TAVARES, As controvérsias em torno des crimes omisivos, 1996, p. 77; no sentido do texto, CIRINO DOS SANTOS, Teoria do crime, 1993, p. 42-45. 201 Teoria do Fata Punivel Capitulo 10 b) na omisséo de ago imprépria a situagao de perigo para o bem juridico estd implicita no resultado descrito no tipo legal ~ ou seja, é deduzida de um tipo de resultado: matar alguém (art. 121, CP), resultado de lesio de bem juridico produzivel por agdo proibida ou por omissdo de ago mandada®. Por exemplo, a existéncia de um ciclista ferido na rodovia indica a situagdo de perigo pressuposta no dever juridico de agir da omissio de agao, em geral. 1.2. Poder concreto de agir. O poder concreto de agir exprime a capacidade de realizar a agio mandada, definida pela natureza da agao e condigées pessoais do autor: a) a agdo mandada é determinada pelas circunstincias objetivas da situacéo de perigo: se o motorista nao pode prestar auxilio direto 20 ciclista ferido, pode chamar um médico ou uma ambulincia ou avisar a policia etc. b) a tealizagéo da agdo mandada deve ser pessoalmente possivel, excluida em hipsteses de impossibilidade objetiva (se 0 motorista passeia em Curitiba néo pode socorrer 0 ciclista ferido na Via Dutra) e de incapacidade subjetiva relacionada a forga fisica, ao conhecimento técnico e ao potencial electual do autor (sujeitos inconscientes, algemados ou paraliticos; incapacidade técnica de operat meios de ajuda, como batcos, extintores de incéndio, escadas autométicas; inexisténcia ou defeito dos meios de ajuda disponiveis etc.)*. A legislagao brasileira consagra esse requisito no art. 13, § 2°, CP: ® ROXIN, Strafrecht, 2003, v. Il, §31, II, n. 16 eVIIL, n. 177 % ROXIN, Serafecht, 2003, v II, § 31, VIII, n. 181, fala em “eapacidade individual cde agio", HAFT, Serafrecht, 1994, p. 173, fala em ‘possbilidade de apio”, exchuida fem sicuagdes de “incapacidade geval” ou “individual’, JESCHECK/WEIGEND, Lebrbuch des Serafrechts, 1996, § 99, ll, 2, p. 616, também falam em "eapacidade individual de aso", WESSELSIBEULKE, Serafecht, 1998, n. 708, p. 225, teferem- © & ‘possibilidade fisico-real” de agi. No Brasil, TAVARES, As contvoveriias em torno dos crimes omisivos, 1996, p. 75, fala em “real possbilidade de aruar’, ZAEFARONM PIERANGELI, Manual de Direito Penal brasileiro, 1997, n. 294, p. 540, efere ‘conduc (..) fiicamente possivel” 202 Capitulo 10 0 Tipo de Injusto de Omissdo de Apdo Art. 13, § 2°. A omissdo é penalmence relevante quando 0 omitente devia e podia agir para evitar o resultado. A redagéo da norma é defeituosa: primeito, 0 dever pressupée 0 poder de agir c, portanto, a ordem dos verbos esté invertida; segundo, 0 dever juridico de agir é um conceito normativo fundado na realidade concreta do poder ou capacidade de agit e, portanto, a referéncia a0 dever seria desnecessitia. 1.3. Omissio da agao mandada. A realizacao da aco mandada signi- fica 0 cumprimento do dever juridico de agir — logo, a nao realizagao da ago de protesao do bem juridico em situagao de perigo, por um autor concretamente capaz de agir, significa 0 descumprimento do dever juridico de agir, que define a omisso de agéo, em geral!. No exemplo citado, se 0 motorista ndo socorre direramente o ciclista fe- rido, nem chama um médico ou ambulancia, nem avisa a policia, esté caracterizado 0 tipo objetivo da omissao de agao prépria (a omissdo de agio imprépria exige, ainda, outros elementos), independentemente de o cic 1 ferido vir a ser socorrido por outra pessoa ou morter por falta de socorro™, 2. O tipo objetivo da omissao de ago imprépria: elementos especificos O tipo objetivo da omissio de agao imprépria exige, como indi- cado, mais dois elementos: 0 resultado tépico ea posisao de garantidor © ROXIN, Sraffecht, 2003, v. Il, § 31, VIL, n. 179; JESCHECK/ WEIGEND, Lehrbuch des Srafrechts, 1996, § 59,11, 1, p. 616; WELZEL, Day Deunche Strafrecht, 1969, § 27, 1, 2, p. 204, No Brasil, compatar TAVARES, As controwérias em rormo dos crimes omissivos, 1996, n. 24, p75 8 Ver OTTO, Grundleurs Serafrecht, 1996, § 9,1 3,n. 12-5, p. 147. 203 Teoria do Fato Punivel Capitulo 10 2.1, Resultado tipico. O tipo de omissio de aio imprépria exige, ainda, a produgao do resultado tipico como consequéncia causal da omissio da agio mandada: 0 ciclistaferido (reconhecido pelo motorista como filho dele) morre porque 0 motorista omite a realizagio da aio de protegao. A imputagao objeriva do resultado pressupoe 0 tisco pree- xistente na situagéo de petigo (4gua, fogo, animais etc) ¢ a realizasio do risco no resultado tipico ~ em relagao de causalidade material com a situagio de perigo, mas em simples relagao de causalidade legal (ow hipotética) com a omisséo imprépria do autor”. 2.2. Posigao de garantidor. Nos tipos de resultado, o Direito Penal utiliza duas técnicas para protecéo de bens juridicos: por um lado, proibe agées lesivas de bens juridicos; por outro lado, ordena agoes protetoras de bens juridicos — porque a nao evitagao do resultado por omissio de agio mandada equivale & produsao do resultado de lesio do bem juridico por acao proibida. A equivaléncia da nao evitagio do resultado por omissao de acdo & produgio do resultado por ago fundamenta-se no dever juridico especial de agir para evitar o resultado, atribuido ao garantidor do bem juridico, nos tipos de omissio de agéo imprépria. Assim, a presenga real do garantidor do bem juridico na situagdo de perigo tem um duplo significado concreto: a) o titular do bem juridico garantido pode expor-se a perigos que, de outro modo, evitaria; b) todos os demais garantes (por exemplo, o pailmie que deixa 0 filho menor sob os cuidados do professor de natacéo) podem confiar na acio efetiva do garantidor do bem juridico em situagdes concretas de perigo — por isso, estéo liberados do dever juridico de impedir o resultado™ % ROXIN, Sirafiecht, 2003, v.11, §31, VIII, n. 182: JESCHECKIWEIGEND, Lehrbuch des Strafvechts, 1996, § 59, Ill, p. 617-620; WESSELS/BEULKE, Strgfecht, 1998, ans. 711-712, p. 226-227. No Brasil, TAVARES, As controversias em torno dor crimer omisivos, 1996, n. 24, p. 78-79. § JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch der Staftechts, 1996, § 59, IV, 1, p. 620. No Brasil, TAVARES, As controvérsiar em tarno dos crimes omissivor, 1996, 1. 24, p. 78-79, 204 Capitulo 10 O Tipo de Injusto de Omisséo de Apo A posigdo de garantidor & elemento do tipo da omissio de acéo imprépria — portanto, uma definigao legal da posicéo de garantidor € exigéncia do principio da legalidade®’. A dogmadtica penal desenvolveu dois critérios para definir a posigdo de garantidor nos tipos de omissio de acao imprépria: a) o critério formal ou eldssico considera a lei, 0 contrato e a ago precedente perigosa como fontes do dever de garantias b) 0 critério material ou moderno trabalha com duas fontes alternativas do dever de garantia: 1) por um lado, garantia de prote- Golguarda de pessoa determinada (ou de bem juridico determinado) contra sitwardes de perigo indeterminadas, 2) por outro lado, garantia de seguranga/vigilincia de fontes de perigo determinadas pata proteget ‘pessoas indeterminadas (ou bens juridicos indeterminados)”*, O critério formal oferece seguranga juridica, mas a rigidez das categorias parece explicar as criticas da literatura: a) leis nao penais nao podem criar responsabilidade penal pela nio evitagao do resultado de lesio do bem juridico: a lei penal define deveres de apéo (a omis- io de socorro, por exemplo), mas nio define deveres de evitagdo do resultado; b) nao seria 0 contrato que determina o dever de garantidor, mas a assungdo fatica da garantia. O critério material é abrangente € flexivel —e, por isso, dominante na literatura —, mas a natureza difusa das categorias conceituais que o estruturam reduzaa seguranca juridica®* ¢, com mais razéo, nao pode findamentar a responsabilidade penal pela nao evitacao do resultado. Comparar TAVARES, Ar controvérias em torno dos crimes omissivos, 1996, 1. 22, p. 66-70. SM HAPT, Strafiecht, 1994, p. 176-178; JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Sirafrechts, 1996, § 59, 1V, 2-5, p. 621-628; OTTO, Grundkurs Srafrecht, 1996, § 9, IAL, 2. 48-86, 154-165, 2 Compare ROXIN, Sirafrecht, 2003, v IL, § 32, I,m. 11 % Ver, por exemplo, OTTO, Grundlurs Strafrecht, 1996, I, 4, . 25-29, p. 149-150. 205 Teoria do Fato Punivel Capitulo 10 A legislacio brasileira adotou 0 critério formal para definir a posicéo de garantidor, desse modo: Art. 13, § 2° (...). O dever de agir incumbe a quem: 4) tenha por lei obrigagao de cuidado, protecdo ou vigiliincia; 4) de outra forma, assumin a responsabilidade de im- pedir o resultado; ©) com seu comportamento anterior, criou 0 risco da ocorréncia do resultado, 2) Obrigagao legal de cuidado, protesao ou vigilancia. A lei, como fonte mais geral da posicéo de garantidor, abrange as hipéteses de obrigagao de cuidado, protesio ou vigilancia, em especial no ambito das relages de familia, entre casais, parentes em linha reta ¢ irmaos”. Historicamente, 0 dever juridico de cuidado tem por objeto as relagées reciprocas entre ascendentes e descendentes, cénjuges ¢ colaterais, para excluir perigos contra a vida ¢ 0 corpo do garantido ~ mas nao inclui os perigos criados pelo protegido contra terceiros (agressdes) ot contra si mesmo (suicidios), se definiv como agées livres de sujeitos capazes de compreensio, Por outro lado, o dever juridico de proterdo e vigilancia € atribuido aos pais ou responsiveis em relagao aos filhos menores: dever de protesdo contra perigos para a vida e o corpo dos filhos; dever de vigilancia dos filhos em relagao a perigos destes contra a vida e corpo de terceiros", Mas é necessdrio lembrar dois pontos: primeiro, a exigéncia de lei como fonte da obrigasao de cuidado, proterdo ou vigilancia significa lei formal, como ato do Poder Legislativo, com exclusio Assim, JESCHECK/WEIGEND, Lebrbuch des Srafechts, 1996, 59,1, 3, p. 622; HAFT, Sinafecht, 1994, p. 178; OTTO, Grundkur Stafecht, 1996, §9, Ul 1. n.48 95. p. 154-155 © OTTO, Grndturs Soafiecht, 1996, § 9, 11,1, n. 56-60 el 4, n. 92-93. 206 Capitulo 10 0 Tipo de Injusto de Omitsdo de Apio de atos normativos inferiores (decretos, regulamentos, resolugées, instrugées etc.); segundo, o principio da legalidade exige lei formal de natureza penal, porque somente leis penais formais podem definir a punibilidade da omisséo de acéo imputdvel ao garantidor*! b) Assungao da responsabilidade de impedir o resultado. A responsabilidade de impedir o resultado pode set assumida por ato de vontade (contratua! ou extracontratual) do garantidor, mas a asstungo fatica da protesio é decisiva porque a confianga na agio do ganante cria relagdes de dependéncia ¢ encoraja a exposigao a riscos que, de outro modo, seriam evitados. Essa fonte do dever de agir inclui as seguintes hipéteses: a) a livre assungao da protecdo do médico em relagao a0 pa- ciente, do salva-vidas em relacéo aos banhistas, da baby-sitterem relagio as criangas etc." b) as relagdes comunitdrias estreitas, sob a forma de comunidades de perigo (0 guia em relacéo aos turistas ou participantes de expedigées) ou de comunidades de vida (0 dono da casa em relagao as pessoas acolhidas no ambito da residéncia, excluida a mera relagao de coabitacao em pensées ou reptiblicas; os professores em relagao aos alunos no ambito ¢ durante o funcionamento da escola etc)". ©) Comportamento anterior criador do risco do resultado. O conceito de comportamento compreende a agao e a omissio de a¢io precedente perigosa, desde que o perigo de resultado seja objetivamente previsivel*, A agéo precedente perigosa, fundada na proibisio geral de lesio (neminem laede), deve ser antijuridica® ou contraria a0 dever®, segundo 4 ROXIN, Srufecht 2003, v- Il, § 32, Il. 10-16 ©) HAFT, Siafeche, 1994, p. 178: JESCHECKIWEIGEND, Lehrbuch des Serafechs 1996, § 59, IV, 3c, p. 623: OTTO, Grandkurs Serafreche, 1996, §9, IL, 3. a. 64-66 © JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Srafects, 1996, § 59, IV, 3b, p. 622-623 OTTO, Grundturs Srafech, 1996, I, 1, 1, 48-61, 154-157, e Il, 2, 62:63, p. 157. “OTTO, GrundhursSeaieht, 1996, § 9, Il, 1 1. 76-84, p. 161-164. © WESSELSIBEULKE, Seafeer, 1998, n. 725, p. 231 CHECK/WEIGEND, Lehrbuch de: Srarehes, 1996, § 59, 1V, 4a, p. 625. 207 Teoria do Fato Prnivel Capitulo 10 a opinido dominante—embora respeitavel opinido minoritéria também admita criagao de perigo conforme ao dircito, porque ages nos limites do dever de cuidado ou do risco permitido nio excluiriam, de modo absoluto, o dever de seguranga, por exemplo, na conduta precedente justificada pelo estado de necessidade”. A hipdtese mais importante de a¢éo precedente perigosa, como fonte da posigao de garantidor, consiste no perigo para vitimas de acidente de transito, causado por lesio do risco permitido ou do dever de cuidado: a morte da vitima de acidente de transito determinada por omissio da agio de protesio do autor da aagdo precedente perigosa, com consciéncia da possibilidade do resulta- do de morte daquela, implica responsabilidade por homicidio doloso cometido por omissio porque constitui omissio de agao fundada na posigao de garantidor*— endo simples homicidio imprudente com pena agravada (art. 121, § 4°, CP). Finalmente, agdes dentro dos limites do risco permitido ou conformes ao dever de cuidado, assim como agées justificadas (leséo corporal produzida no agressor, em situacao de legitima defesa), nao engendram o dever especial de garantia da omissio de agio imprépria segundo a literatura dominante”, mas nao excluem o dever geral de socorro da omissio de acéo propria”, Hipétese controvertida & a venda de bebidas alcodlicas em relagao aos petigos criados pelo alcool para o bébado ou do bébado para terceiros: a) em relacdo aos perigos para o bébado, parece geral a tese de que o fornecimento de élcool cria 0 dever de garantia para 0 fornecedor (proprietarios de bares ou restaurantes), se o estado de © Assim, por exemplo, MAURACH-GOSSEL-ZIPE, Strafechr Il, 1989, § 46, ns. 95-99, p, 204-206; ver OTTO, Granndturs Strafreche, 1996, § 9, II, 1, . 79-82, p. 162-164; compare ROXIN, Strafecht, 2003, v.11, § 32, V, n. 186-188, “Ver JESCHECKIWEIGEND, Lehrbuch des Srafrechts, 1996, § 67, Il, 4, p. 723. © ROXIN, Seafrecht, 2003, v. II, § 32, V, m, 160-185; HAFT, Stmpechs, 1994, p. 177; JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Srafrecher, 1996, § 59, IN, 4 p. 626-628; outra opiniio, OTTO, Grundkurs Sirafechs, 1996, $9, IL, 1. n. 79-81, p. 162-163, 3° HAFT, Sirafecbr, 1994, p. 177. 208 Capitulo 10 O Tipo de Injusto de Omissio de Apéo alcoolizagao do fregués € evidente; b) em relagao aos perigos do bébado para terceiros, as opinides variam entre a proposta de excluir a posicéo de garante do fornecedor* e a proposta de condicionar essa exclusio a0 estado de imputabilidade do bébado”. ‘A omissdo de aso precedente perigosa, como fonte da posigio de ga- rantidor, tem por fundamento a confianga da comunidade na capacidade do garante de controlar perigos produzidos por pessoas submetidas a0 seu poder ou de controlar perigos existentes em mecanismos, engenhos ou animais em areas submetidas ao seu dominio ~ por exemplo: a) 0 proprietério nao ilumina escada da residéncia ¢ héspede cai ¢ quebra a perna, ou ndo repara defeito do telhado ¢ uma telha despenca sobre a cabega de convidado; b) os perigos criados pela omissio de controle ou cuidado (1) do proprietério de animais ferozes em relagao a danos sobre terceiros, (2) dos responsiveis por obstaculos fisicos em ruas, rodovias ¢ estradas em relagio sinalizagao de adverténcia respectiva, 3) do proprietério do veiculo entregue a motorista nao habilitado ou colocado em circulagao sem condigées de seguranga, em relagio aos danos resultantes de acidentes de transito etc. 3. O tipo subjetivo da omissao de agdo O tipo subjetivo da omissio de agao pripria é 0 dolo, ¢ da omissio de agao imprépria, 0 dolo c a imprudéncia. Segundo a teoria dominante, o dolo nao precisa ser constituido de consciéncia ¢ de % JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechs, 1996, § 59, 1V, 4, p. 626-628. 52 OTTO, Grundkurs Seraprecht, 1996, § 9, Ill, 1, n. 82, p. 163-164, HAFT, Sempeche, 1994, p. 177-178; JESCHECKIWEIGEND, Lehrbuch des Swrafiehts, 1996, § 59, IV, ab, p. 626-627; OTTO, Grund Serafrech, 1996, 5 9, UL, 2-3,n. 85-91, p. 165-167. 209 Thoria do Fto Punivel Capito 10 vontade (como nos tipos de acéo), em ambas modalidades de omissio de agao: basta deixar as coisas correrem com conhecimento da situaca0 tipica de perigo para 0 bem juridico ¢ da capacidade de agir (suficientes na omissio de ago prépria), mais 0 conhecimento do resultado ¢ da posigdo de garante (necessatias na omis (0 de acao imprépria) porque dolo como vontade consciente de omitir a agio mandada constituiria excogio rara (o médico decide recusar paciente em estado grave sob 0 argumento de inexisténcia de leito livre)". Na legislacao penal brasileira, 0 contesido do dolo nos crimes de omissao de aso nao pode ser diferente do contetido do dolo nos crimes de agao porque se a consciéncia é a diregao tipica inteligente, a vontade é a energia psiquica que produz a ago c a omissao de ago tipica dolosa —alids, a Gnica interpretagao compativel com a definigao do dolo, no art. 18, I, CR 3.1. Espécies de dolo na omisséo de ago. O dolo nos crimes de omissio de agio existe sob as mesmas modalidades admitidas para os crimes de agao: a) dolo direto de 1° grau, se o resultado tipico coin- cide com o fim proposto pelo autor; b) dolo direto de 2° grau, se 0 resultado tipico é representado como certo ou necessdrio pelo autor; c) dolo eventual, se o autor consente na produgio de resultado tipico representado como possivel efeito da acéo omirida” 3.2. Objeto do dolo na omisséo de agéo. O dolo na omissao propria € na omissdo imprépria tem por objeto comum os seguintes elementos do tipo objetivo: a) a sieuapdo de perigo para o bem juridico (ou situagao tipica); b) 0 poder concreto de agdo para proteger o bem juridico em. «Ver, entre outros, JESCHECKIWEIGEND, Lebrbuch des Srafrechts, 1996, § 59, VI 1, p. 630-631; também, HAFT, Serafrecht, 1994, p. 181. No Brasil, TAVARES, As controvérsas em torno dos crimes omissivas, 1996, p. 95-07, exige, a0 lado do elem intelectual da conzciéncia, eambém o elemento emocional da vontade para con: dolo na omissio de aco % ROXIN, Serafecht, 2003, v. IL, § 31, VIIL, n. 176-193. 210 Capieudo 10 Tipo de Injusto de Omissio de Ago situacéo de perigo; c) a omisséo da aro mandada para protecéo do bem jurfdico™ O dolo na omissao de agdo imprépria tem por objeto especifico 60s seguintes elementos adicionais caracteristicos do tipo objetivo: a) 0 resultado de lesio do bem juridicos b) a posigdo de garantidor do bem juridico em perigo” 3.3. O erro de tipo na omissao de agao. O dolo nos tipos de omissao deagao estd exposto & mesma relagao de légica exclusio entre conheci- ‘mento ¢ erro dos tipos dolosos de ago: se 0 dolo exige conhecimento (a) da sicuacao tipica de perigo para o bem juridico, (b) do poder con- creto de agir © (c) da omissio da agéo mandada (na omissio de ago propria © imprépria) e, adicionalmente, (d) do resultado tipico e (e) da posigdo de garantidor (na omissio de agao imprépria), ent&o o erro sobre qualquer desses elementos do tipo de omissio de agao prépria ¢ imprépria (evitével ou inevitavel) exclui 0 dolo®, Defeitos de conhecimento por auséncia ou insuficiéncia de repre- sentacéo da realidade, como desconhecimento dos elementos féticos, descritivos ou normativos, do tipo legal, excluem, sempre, o dolo, na forma do art. 20, CP, mas, na omissdo de agdo imprépria, & preciso distinguir: 0 erro inevitdvel exclui o dolo e a imprudéncia; o erro evi- tavel exclui somente o dolo, admitindo punigao por imprudéncia, se existente o tipo legal respectivo™. 5 ROXIN, Sirafechr, 2003, v II, § 31, VIIL, n. 186 5 % ROXIN, Safrecht, 2003, v.11, § 31, VIII, n. 186. ™ ROXIN, Siraffecht, 2003, v IL, § 31, Vl, 186.No Brasil TAVARES, As controvérsias acerca dos crimes omisives, 1996, p. 98. % ROXIN, Strfrecbr, 2003, v.11, § 31, VILL. n. 192. 2 Teoria do Fato Punivel Capitulo 10 VI. Conhecimento do injusto e erro de mandado © conhecimento do injusto, como elemento central da culpa- bilidade, existe como conhecimento do dever juridico geral de agir, na omissio de acio prépria, e, como conhecimento do dever juridico especial de agir para evitar 0 resultado, na omissio de acio imprépria. O erro sobre o dever jurtdico de realizar a agao mandada, em ambas as modalidades de omissao de acao, constitui erro sobre 0 dever juridico de agir ¢, portanto, erro de mandado — ¢ nio erro de proibi¢ao, como ocorre nos crimes de agao. Nos tipos de agao, o dever de omitir a agao proibida é, geral- mente, claro, mas nos tipos de omissao de agao 0 dever de realizar a ago mandada é, normalmente, obscuro para o destinatério da norma penal ~ especialmente em crimes omissivos préprios contra a ordem econdémica, 0 meio ambiente ou outros setores do Direi- to Penal especial - ¢, por esse motivo, a evitabilidade do erro € menor, determinando a exclusio ou a redugao do juizo de repro- vagao. Esse problema — além da dificuldade ou da impossibilidade de distinguir erro de proibigdo e erro de tipo nessas areas do Direito Penal especial ~ esta na origem de propostas de tratar 0 erro de mandado sobre deveres tributérios, por exemplo, como erro de tipo, excludente do dolo®. © JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, § 60, 1, p. 636. © Nese sentido, TAVARES, As controvérsias acerca dos crimes omisives, 1996, p. 99. 212 Capitulo 10 O Tipo de Injusto de Omitsdo de Ago VII. Tentativa e desisténcia na omissdo de agao O argumento de que a tentativa de omissio de acio, segundo WELZEL ¢ ARMIN KAUFMANN, s6 pode ser concebida como omisséo da tentativa de realizar a aio mandada®, parece incontestével; contudo, a opinido dominante afirma o seguinte: na omissio de acéo propria a tentativa é, sempre, inidénea; na omissio de ago émprépria, © problema é caracterizar 0 comero da tentativa porque o critério legal refere-se & agao ~e nao & omissio de agao. A moderna dogmética ale- mi identifica a tentativa de omissio de a¢ao imprépria na cria¢do ou ampliago de perigo para o objeto protegido®, consistente na perda da primeira possibilidade para realizar a agio mandada® ou na perda do tiltimo momento para excluit o resultado, que marca a independéncia do processo causal em relacéo ao autor. Ao contrario, a desisténcia da tentativa de omitir a agéo mandada somente se configura mediante uma atividade positiva: 0 motorista retorna da fuga do local do acidente ¢ conduz o ferido para o hospital Na legislacéo brasileira, 0 critério objetivo do inicio de execugdo da definicao legal de tentativa (art. 14, II, CP) tem por objeto, exclusi- vamente, os crimes de acio: logo, 0 inicio de execugdo somente poderia existir na realizapdo da agdo mandada~e, portanto, no cumprimento do dever juridico de agir —, nunca na omissio de agao, caracterizada pela auséncia de qualquer processo executivo. Assim, do ponto de vista WELZEL, Dar Deutiche Serficht, 1969, § 27, IV, p. 206; também, ARMIN CAUFMANN, Uneerlasnungidelkt, 204. © JAKOBS, Serafiece, 1993, 29/116-118, p. 853-854; MAURACH-GOSSEL-ZIPE, Strafrecht Il, 1989, § 40, 0. 106, p. 34; WESSELSIBEULKE, Serafrecht, 1998, 0.741 p.237 & HERZBERG, Der Versuch beim unecheten Unterlasungiddlitt, MOR, 1973, p. 89. © ARMIN KAUFMANN, Unterlasungddelitte, p. 210; WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, § 28, IV, p. 221 “ JESCHECKIW 1D, Lebrbuch des Stafrechts, 1996, § 60, IL, 3. p. 639. 213 Teoria do Fato Puvel Capitulo 10 conceitual, a tentativa de omissao de acao é impossivel; do ponto de vista do principio da legalidade, a punigao da tentativa de omissio de ago, propria ou imprépria, é inconstitucional — ¢ qualquer solugo diferente passa, necessariamente, pela mudanga da definicao legal. VIII. A exigibilidade da agéo mandada Aeexigibilidade da agio mandada é uma caracteristica do tipo de omissio de agao propria, indicada pela possibilidade de realizagao da ago mandada. A questao resultante é a seguinte: a) essa caracteristica da omissio de agao propria é transferivel para os tipos de omissio de ago imprépria?; b) em caso positivo, a inexigibilidade da acio mandada exclui o dever de agit nos tipos de omissio imprépria? Nio existe consenso na dogmética penal sobre a consequén juridica da inexigibilidade da acao mandada na omissio deagao impré- pria: ou exclui o tipo, ou exclui a antijuridicidade® ou, finalmente, exclui a culpabilidade”. A questao poderia ser assim formulada: se 0 ordenamento juridico impée a0 garante comportamento conforme ao ever juridico, entao a inexigibilidade exclui o proprio tipo de injustos seo ordenamento juridico impée ao garante comportamento adequado ds suas condigées pessoais, entio a inexigibilidade exclui apenas a culpabilidade” © "TAVARES, As controvrsia em torno der crimes omirivos, 1996, p. 93-94, rejeita tentativa fa omissio prépria, mas admite tentaiva na omissio imprépria, fundado na perda da altima ou da primeira oporcunidade de realizar & agio mandada, segundo o caso LACKNER, Sruffectebuch,§ 13.2.5, SCHMIDHAUSER, Sirafrecht § 16, n. 84 © JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Srafrechtr, 1996, § 59, VILL 3, p. 635, 1 Ver OTTO, Grandes Srufiecht, 1996, § 9. 1V, 3, n. 102-103, p. 170. No Brasil ‘TAVARES, As coneravérsias acerca dos crimes omisivos, 1996, p. 100-103, considera a inexigibilidade como cliusala geral de excalpagio nos delitor de omissio de aco 214

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