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ATIVIDADE AVALIATIVA 2º BIMESTRE

DISCIPLINA: Modelo de atuação em psicologia psicodinâmica I


DOCENTE: Isabel de Negri Xavier
DISCENTE: Gustavo Javier Figliolo

Análise do texto Registro pessoal de uma análise com Winnicott - Margaret Little

O texto narra a história, em primeira pessoa, de Margaret Little (doravante M. L.) e suas
análises pessoais com Donald Winnicot. O depoimento se reveste de uma importância
ímpar por duas razões bem precisas e extremamente relevantes: a primeira é que, como
diz James Grotstein no primeiro capítulo, “A Dra. Little nos oferece uma nítida
perspectiva indireta de uma psicose de transferência, que difere de uma neurose de
transferência em virtude da regressão cataclísmica e desorganizadora que ocorre na
primeira”. De fato, Grotstein ressalta que o depoimento e a autoanálise de M. L.
transitam por regiões da psique humana de acesso dificílimo cuja existência não pode
ser comprovada empiricamente por qualquer pessoa, dada a profundidade da viagem ao
inconsciente que M. L. empreendeu e relatou. A segunda razão consiste em que M. L.
era psicanalista, o que lhe permitiu fazer uma análise pormenorizada do seu próprio
caso quando analisado à distância no tempo.
O relato constitui uma história densa e pesada, de uma psique que beira constantemente
entre as estruturas clínicas do borderline e do surto psicótico. A origem dos
padecimentos de M. L. podem se rastrear na história da vida dela na sua infância e em
seu relacionamento com sua família. A sua mãe era uma pessoa aparentemente
desequilibrada de algum modo que a maltratava psicologicamente. Há dois episódios
que M. L conta que o corroboram. Em uma ocasião ela estava com dor de dentes e fora-
lhe dito para parar de chorar porque fazia todo mundo se sentir péssimo, e que “Anime-
se querida! Breve você estará morta”. Também, após os dez anos, era deixada “de
castigo” a “descansar” trancada em um quarto escurecido, o que a fez literalmente
mastigar uma vela que lá havia, o que lhe deu vergonha depois. Também tinha um
relacionamento conflituoso com a irmã mais velha dela, Ruth, quem era
“intelectualmente brilhante, desenvolveu um superego selvagem muita coragem moral e
capacidade de resignação”. M. L. a descreve como um “mito” e era considerada por ela
como irritante, já que “devo ter sido uma ameaça a sua supremacia, porque estava
sempre doente quando bebê”. M. L. teve uma hérnia de hiato congênita e uma condição
celíaca, diagnosticadas quando tinha dezessete anos; antes disso ela era culpada de
“exagerar” as suas dores, de que tudo não passava de manifestações psicogênicas que
ela devia controlar. Todo esse pano de fundo exemplificado nesses poucos exemplos
moldaram a constituição psíquica de M. L.
A maneira em como Winnicot tratou o caso da M. L. reflete a abordagem metodológica
que passou a ser uma marca registrada, criando sua própria escola de psicanálise.
Basicamente Winnicot perscruta nas origens infantis da psicose de M. L. e se apoia em
dois aspectos do tratamento: o holding e a regressão para a dependência. O holding diz
respeito à “mãe suficientemente boa” que no caso de Winnicot era metafórico e literal.
Metafórico porque ‘pela crescente capacidade de empatia, de estar em contato com o id,
o ego e o superego, em pessoas de todos os tipos e de todas as idades, inclusive ele
próprio, compreendendo a linguagem do corpo em todas suas formas, era uma parte
essencial dele”. Assim, “fornecia “toda a força do ego que o paciente não podia
encontrar em si mesmo”. Literalmente porque M. L. relata como Winnicot segurava
suas mãos com as mãos dele em momentos de muita tensão, de crises de choro, de
possíveis surtos. A regressão para a dependência consiste em fornecer o caminho para
a volta à infância do paciente e sua ressignificação mediante interpretações e
comentários (“Eu odeio sua mãe”, disse uma vez Winnicot a M. L.). Porém, Winnicot
enfatizava a necessidade de voltar da regressão para a vida atual, num sentido
superador, de volta dessa dependência. Exemplos disso são as “quebradeiras” frequentes
de M. L., quebrando o vaso do consultório de Winnicot, quebrando o próprio tornozelo,
num episódio que Winnicot interpretou como possível tentativa de suicídio, já que
estando ele de férias, faltava-lhe a M. L. o ‘alívio” transferencial. M. L. diz: “Como
interpreto isso agora, algo tinha de ser quebrado – para me libertar do domínio da minha
mãe e destruir finalmente o padrão de repetição” (a volta da dependência depois da
regressão). M. L. percebe que essa destruição constitui, na verdade, uma criação: a
instauração de um novo padrão psíquico.
Para finalizar, podemos citar mais uma vez um trecho do texto em que Winnicot diz a
M. L. que “o medo de aniquilação que eu sentia estava relacionado com a “aniquilação”
que já ocorrera: eu havia sido aniquilada fisicamente, mas de fato sobrevivera, e estava
agora revivendo emocionalmente a experiência passada”. No final M. L., após a morte
de sua mãe, encontrou-se com a sua irmã Ruth e teve pela primeira vez um
relacionamento possível. Quanto a sua mãe, parece ser que se reencontrou com ela pela
via da sublimação, pela pintura e com o cuidado de seu jardim.
Em suma, M. L. redescobre a criança sadia que há nela e tem um sentimento de gratidão
para com Winnicot, que lhe permitiu descobrir seu “verdadeiro self”. Um último
comentário que ela faz diz respeito a que continuam a haver ambivalência e ansiedade
(nos eventos psíquicos que a vida traz), mas que isso faz parte justamente da vida, uma
vez que “ele não podia me dar tudo que eu, como criança, queria”.

Referências

Registro pessoal de uma análise com Winnicot - Margaret Little. Editora Imago, 1992.

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