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RELAÇÃO
MESTRE E DISCÍPULO
NA OBRA VIDA DE GALILEU
DE BERTOLT BRECHT
SANDRA SOARES DELLA FONTE
CLÁUDIO ALVES PEREIRA
RELAÇÃO
MESTRE E DISCÍPULO
NA OBRA VIDA DE GALILEU
DE BERTOLT BRECHT
RELAÇÃO
MESTRE E DISCÍPULO
NA OBRA VIDA DE GALILEU
DE BERTOLT BRECHT
•
Ora (direis) ouvir estrelas! Certo,
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…
Introdução 18
Galileu-professor e a
democratização do saber 78
A transformação do aluno: da
heteronomia necessária à autonomia
desejada 101
Referências 138
T
omar a aplaudida obra teatral Vida de Ga-
lileu, de Bertolt Brecht, e, nela, a relação
mestre-discípulo de Galileu com seu auxi-
liar-aprendiz Andrea, como eventual e possível
paradigma inspirador da relação professor-aluno
nos dias de hoje, é de per si uma ideia brilhante.
Fazê-lo quando se comemora o centenário do re-
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Valdemar Sguissardi
Prof. Dr. Titular (aposentado) da UFSCar
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INTRODUÇÃO
N
a história do pensamento ocidental, existe
uma longa e antiga tendência que se reno-
vou com o pensamento positivista do sé-
culo XIX que arroga a supremacia do conceitual
sobre o expressivo. Sob esse prisma, o trabalho do
pensamento, em especial o conhecimento cientí-
fico, coloca-se em uma posição de superioridade
diante do campo estético-artístico.
Como forma de provocar o imaginário positi-
vista em sua miopia cientificista, tomamos as ma-
nifestações artísticas, em especial a obra de arte
literária, como fonte de problematização salutar
dos problemas humanos, reconhecendo que “As
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VIDA DE GALILEU E
O TEATRO ÉPICO
BRECHTIANO
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N
a sua trajetória artística, Bertolt Brecht pas-
sou por muitas mudanças de tal modo que
“[…] sua obra e suas concepções teóricas
apresentam diversas fases.” (Konder, 2013, p. 121).
Foi no clima político e cultural de consolidação
do teatro épico que Brecht iniciou a escrita de
Vida de Galileu. Ao escrevê-la, o dramaturgo sa-
bia que era preciso se preocupar com a questão da
forma da peça (estrutura, gênero), utilizando-se
de uma linguagem adequada e, portanto, capaz
de transmitir o conteúdo intelectual proposto. Se-
gundo Konder (2013, p. 122), Brecht concluiu que
a forma mais eficaz de conseguir o seu intento era
por meio do teatro épico, “[…] o teatro que nar-
ra a ação sem o recurso excessivo aos elementos
ilusionistas.”.
Bertolt Brecht fugia da forma pomposa do tea-
tro dramático e trazia o foco para aquilo que era
encenado. Nas palavras do próprio autor, “O tea-
tro épico pode se dar como algo mais rico, mais
complexo, mais evoluído [que o dramático] em
todos os seus detalhes, sem precisar fundamen-
talmente de nada além do que se passa numa cena
de rua para ser grande teatro.” (Brecht, 1997, p.
102 apud Costa, 2000, p. 43).
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VIDA DE GALILEU
Diferentes versões em diferentes
contextos
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S
egundo Jameson (2013), a peça teatral históri-
ca é, ao mesmo tempo, alegórica e antialegó-
rica. Ela remete evidentemente a uma realida-
de e a um referente, isto é, a um evento histórico
real que se pretende representar, de modo mais ou
menos insistente, a partir de contornos artísticos.
No horizonte desse projeto de caráter eminente-
mente realista, abre-se uma distância alegórica no
interior da obra, uma quebra de seu significado
que remete a outra coisa: “A alegoria é, portanto,
ferida às avessas, uma ferida no texto; pode ser es-
tancada ou controlada (particularmente por uma
vigilante estética realista), mas jamais inteiramen-
te eliminada como possibilidade.” (Jameson, 2013,
p. 170). Desse modo, diante de uma peça histórica,
irrompem questões, como: “[…] por que esta, por
que agora, qual o propósito de exibir esse episó-
dio histórico em particular entre tantos inumerá-
veis relatos do passado?” (Jameson, 2013, p. 171).
A observação jamesoniana é profícua para nos-
sa abordagem de Vida de Galileu. A peça foi escri-
ta em 1938–1939 e ganhou várias versões. Foram
quase duas décadas ao longo da vida de Brecht até
chegar a sua última elaboração. Nesse processo,
cada releitura artística da vida da principal figura
da revolução da ciência moderna possui um solo
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A RELAÇÃO ENTRE
GALILEU E ANDREA NA
PEÇA BRECHTIANA
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A
peça está organizada em quinze atos, cada
ato possui um título e uma epígrafe. Segun-
do Jameson (2013, p. 70), no teatro brechtia-
no, os títulos segmentam e emolduram as cenas,
funcionam como “[…] remanescentes dos cabe-
çalhos de capítulos dos romances do século xviii
que anunciam seus conteúdos aos leitores curio-
sos, ou talvez relutantes […]”. Nesses títulos nar-
rativos, Brecht assinala as cenas não apenas como
episódios com uma temporalidade própria, mas
dentro da cronologia maior da história. Essa auto-
nomização estética dada a cada ato tem, segundo
Jameson, um verdadeiro sentido analítico:
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Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Galileo_facing_
the_Roman_Inquisition.jpg . Acesso em: 20 nov. 2021.
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Andrea — Não!
Galileu — Eles me mostraram os instrumen-
tos.
Andrea — Então não foi um plano.
Galileu — Não foi.
Pausa.
Andrea em voz alta — A ciência só conhece um
mandamento: a contribuição científica.
Galileu — E essa eu dei. Bem-vindo à sarjeta,
irmão na ciência e compadre na traição! Você
gosta de peixe? Eu tenho peixe. O que fede não
é meu peixe, sou eu. Eu estou em liquidação,
você é freguês. A irresistível sedução do livro,
essa mercadoria sagrada! Corre água na boca, e
as maldições se afogam. A Grande Babilônia, a
besta assassina afasta as coxas, e tudo mudou!
Santificada seja a nossa congregação de trafi-
cantes e puxa-sacos mortos de medo de morrer!
(Brecht, 1999, p. 162–163, grifo do autor)
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GALILEU
O cientista surrado
Eu,
abjurei, embora acreditasse
na minha verdade. Um mártir em contrário
à minha própria crença, sem a coragem
de confirmar Aristarco e Giordano Bruno.
(Pacheco, 2002, p. 131).
N
a peça brechtiana, Galileu é, ao mesmo
tempo, um cientista e um professor. São
funções distintas. Afinal, como lembra
Saviani (1991), o cientista vincula-se à pesquisa,
atividade de construção sistemática de novos co-
nhecimentos, enquanto ao professor cabe assegu-
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GALILEU-PROFESSOR E
A DEMOCRATIZAÇÃO
DO SABER
N
a peça brechtiana, Galileu também é reco-
nhecido pela função de professor. No ter-
ceiro ato, em conversa com Sagredo, Gali-
leu é apresentado como um professor com muitos
anos de trabalho que ensinou, por longo tempo,
algo que desconfiava não ser verdadeiro:
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ANDREA E A BUSCA DO
PROFESSOR-HERÓI
D
e início, Andrea é uma criança que, guiada
pelas mãos de Galileu, acessa conhecimen-
tos que extrapolam as demandas diárias da
vida, como a necessidade de pagamento do alu-
guel e do leite e a compra de um novo agasalho.
Ele não é um aluno qualquer: não estuda na uni-
versidade, nem tem aulas particulares com Gali-
leu. Ele mora com o mestre, o acompanha em seu
viver cotidiano.
Essa proximidade diária nos lembra o Emílio
de Rousseau. O aluno imaginário de Rousseau
é órfão e rico; seu preceptor o acompanha “[…]
desde o momento do seu nascimento até que, já
homem, já não precise de outro guia que não ele
mesmo.” (Rousseau, 2004, p. 29). Já Andrea é fi-
lho da empregada de Galileu. Apesar da diferen-
ça, a relação entre o mestre e o aluno em ambas
as obras porta um forte traço amoroso, tal como
Rousseau observara: “Quando, porém, conside-
ram-se um ao outro como pessoas que devem
passar os dias juntos, é importante para eles que
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A TRANSFORMAÇÃO
DO ALUNO
Da heteronomia necessária à
autonomia desejada
O
último ato da peça retrata a cena de um An-
drea não apenas cientista, a fugir e a contra-
bandear conhecimentos. É o Andrea pro-
fessor que se importa com a pergunta do menino
Giuseppe e traz em sua resposta a dinamicidade
do mundo: o que hoje se mostra impossível pode
deixar de o ser. Enquanto a constituição de Gali-
leu é a do herói surrado, o movimento de Andrea
no decorrer da peça testemunha o cerne do pro-
cesso educativo.
Ao longo do desenvolvimento humano, o ser
humano precisa valer-se do apoio de outros para
apreender as conquistas humanas materializadas
em conhecimentos, comportamentos, hábitos,
valores etc. Nesse sentido, observa Kant, a hetero-
nomia representa a condução e regulação exter-
na da conduta no sentido de garantir o cuidado
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CONSIDERAÇÕES
FINAIS
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E
m virtude de uma punição de Minos, o ar-
quiteto Dédalo e seu filho Ícaro foram pre-
sos no labirinto, que ele próprio construíra
a pedido do soberano cretense. Para fugir de lá,
Dédalo inventou grandes asas artificiais. Antes de
levantar voo, aconselhou o filho a não voar mui-
to alto para não se aproximar do sol. Contudo,
em sua empolgação, Ícaro ignorou os conselhos
do pai e voou em grandes altitudes. Os raios do
sol derreteram a cera que fixava suas asas e ele se
precipitou no mar em uma queda mortal, como
retratou Gouwy em sua tela do século xvii.
O fim trágico de Ícaro não deixa de suscitar
encantamentos: ele alçou o voo da liberdade, da
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Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Sidereus,_nun-
cius_magna_longeqve_admirabilia_spectacula…_Wellcome_
L0072630.jpg . Acesso em: 20 nov. 2021.
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