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Maias

Resumo do capítulo I d'Os Maias

Os Maias eram uma antiga família da Beira, que acabou por ficar
reduzida ao avô, Afonso da Maia, e ao neto, Carlos Eduardo.
No outono de 1875, Carlos da Maia e o avô, Afonso da Maia, vieram instalar-se
na sua casa de Lisboa, conhecida pelo nome de “ Ramalhete “.
A casa do Ramalhete estava abandonada, desde que a família se tinha
retirado para a quinta de santa Olávia, nas margens do Douro.
O procurador da família enumerou a Afonso da Maia os inconvenientes
da decisão de se dar habitabilidade ao Ramalhete, pois a casa precisava de
muitas obras, tinha apenas um quintal no lugar de um jardim e, além disso,
havia uma lenda segundo a qual eram sempre fatais aos Maias as paredes do
Ramalhete (indício de fatalidade). No entanto, Afonso da Maia manteve-se
firme na sua decisão.
Carlos, que era um rapaz de gosto e de luxo, entregou a reconstrução
do Ramalhete a um arquitecto e decorador inglês e da casa antiga só restou a
sua fachada, por imposição de Afonso.
Terminada a reconstrução, a casa manteve-se fechada, enquanto Carlos
fez uma longa viagem pela Europa, após ter terminado o curso de medicina em
Coimbra, e foi na véspera da chegada do neto que Afonso se veio também
instalar no Ramalhete, deixando a casa da quinta de santa Olávia. Carlos
alimentava projetos de exercer a sua carreira e o avô queria estar perto dele.
Afonso gostava do Ramalhete e do próprio bairro onde a casa se
situava, embora lhe desagradasse o facto de os prédios construídos em redor
terem ocultado quase completamente a paisagem que se vislumbrava do
terraço, tendo-lhe restado apenas uma “ pequena tela marinha “ com o rio e os
seus barcos entre dois prédios de cinco andares.
O terraço comunicava com o escritório de Afonso, onde Carlos tinha
preparado especialmente um recanto ao avô, ao lado do fogão.
De santa Olávia, Afonso mantinha a saudade das suas ricas águas, que
o tinham mantido robusto até à velhice.
Carlos via o avô como um Afonso de Albuquerque, “ um varão esforçado
das idades heróicas “, embora Afonso se considerasse apenas “ um
antepassado bonacheirão que amava os seus livros, o aconchego da sua
poltrona, o seu whist ao canto do fogão “. Por sua vez, o procurador Vilaça via-
o como um patriarca, quando o vinha encontrar ao canto da chaminé, com o
seu livro na mão e o seu velho gato aos pés, o “ Reverendo Bonifácio “.
No passado, Afonso tinha sido um rebelde jacobino, ou seja, um liberal,
admirador da “ Enciclopédia “, de Rousseau, Volney e Helvécio, o que chocou
o seu pai, Caetano da Maia, um português dos antigos, que, sentindo-se
desonrado com as ideias liberais do seu filho, o expulsou de casa, desterrando-
o para a sua quinta de santa Olávia.
Após alguns meses de desterro em santa Olávia, Afonso, saturado do
ambiente de marasmo da quinta, voltou, aparentemente arrependido, a pedir
ao pai que o deixasse ir para Inglaterra.
Em contacto com o luxo inglês, Afonso depressa esqueceu as suas
ideias revolucionárias e só regressou a Lisboa quando o seu pai morreu. Nessa
altura conheceu D. Maria Eduarda Runa, com quem veio a casar-se e de quem
teve um filho.
A família Maia vivia num palacete, em Benfica, mas Afonso vivia
desgostoso com a política miguelista, alimentando saudades de Inglaterra e da
sua requintada aristocracia.
A ideologia política de Afonso tornou-se conhecida e um dia a sua casa
foi invadida e revistada pela polícia, que procurou, em vão, papéis e armas,
que esperava encontrar escondidos.
Depois das buscas efetuadas pela polícia, a família Maia não abriu mais
as portas do seu palacete e partiu para Inglaterra, tendo-se instalado com luxo,
nos arredores de Londres.
A família Maia vivia rodeada de conforto, mas Eduarda Runa definhava
em Londres, com saudades do seu país, pois não apreciava o clima de
Inglaterra nem o seu protestantismo.
Odiando tudo o que era inglês, Eduarda Runa também não aceitara que
Pedro estudasse num colégio inglês, tendo mandado ir de Lisboa o padre
Vasques para educar o seu filho, ensinando-lhe o catecismo e o Latim. Afonso
vivia desgostoso com o tipo de educação que Pedro recebia, querendo
proporcionar-lhe o contacto com a natureza, mas não conseguiu sobrepor-se à
influência da mulher.
Maria Eduarda não deixava de alimentar as saudades do seu país, que
nem uma viagem por Itália acalmou, e foi necessário regressar a Benfica.
Uma vez em Lisboa, o padre Vasques marcava presença na casa dos
Maias, que era também constantemente visitada por outros religiosos, que
exploravam as esmolas de Maria Eduarda Runa, o que despertava a revolta de
Afonso contra igrejas e padres.
Pedro estava um homem, mas tinha um carácter frágil e melancólico,
não ousando sequer contestar o padre Vasques, a quem detestava.
Afonso quis mandar Pedro para Coimbra, mas mais uma vez viu-se
forçado a obedecer à mulher, que não quis separar-se do filho.
Do carácter de Pedro, sobressaiu uma grande tendência amorosa, o que
fez com que aos dezoito anos já tivesse o seu “ bastardozinho “.
Quando Maria Eduarda Runa morreu, Pedro passou por um longo
período de agonia, em que visitava todos os dias a campa da mãe, tendo
passado, depois, a frequentar botequins, para afogar a sua dor, e tendo
regressado, finalmente, ao mesmo estado de abatimento.
Um dia as crises de Pedro acabaram, pois ele estava apaixonado,
alimentando um amor que tinha nascido de uma simples troca de olhares com
uma bela senhora loira que viu passar numa caleche, acompanhada do seu
pai, numa tarde em que estava no Marrare.
Um rapaz chamado Alencar, poeta romântico, vendo o interesse com
que Pedro seguia a caleche que transportava aquela rapariga loira pelo
Chiado, propôs-se dar-lhe informações sobre ela, em troca de uma garrafa de
champanhe.
Segundo Alencar, a rapariga chamava-se Maria Monforte e tinha
aparecido em Lisboa dois anos antes, tendo o pai alugado uma casa em
Arroios e tendo a rapariga começado a causar impressão no teatro de S.
Carlos. O passado do velho Monforte não era muito abonatório, pois uma
facada nos Açores tinha-o levado a fugir num navio americano, mais tarde tinha
sido feitor numa plantação da Virgínia e, por fim, tinha feito fortuna no tráfego
de negros. Por isso Maria, que causava o despeito das senhoras, devido às
suas jóias, à sua beleza e aos seus magníficos cabelos loiros, recebeu o
apelido de “ negreira“.
Pedro soube por Alencar que um amigo chamado Melo conhecia os
Monforte e, duas semanas depois, já Pedro acompanhava esta família no
teatro de S. Carlos.
Os velhos amigos dos Maias depressa comunicaram a Afonso os
amores de Pedro, embora Afonso já suspeitasse de alguma paixão do filho,
devido ao movimento do escudeiro que todos os dias partia da quinta com um
ramo de flores e regressava a cheirar o perfume de um envelope.
Depois de conhecer o passado desonroso do pai Monforte, Afonso só
aceitava que Maria fosse amante do filho, embora mesmo esse lugar fosse
vergonhoso.
Entretanto Afonso começou a sentir-se inquietado com as saídas do filho
e com os comentários dos amigos, que sugeriam que o Pedro fizesse uma
longa viagem e manifestavam o seu desagrado pelo facto de Lisboa estar tão
mal frequentada.
No verão Pedro partiu para Sintra, pois os Monforte tinham lá alugado
uma casa. Entretanto Vilaça informou Afonso que Pedro o tinha questionado
sobre os seus bens e sobre a possibilidade de levantar dinheiro.
Afonso pensava que Pedro quereria apenas sustentar alguns caprichos
de amante, não imaginando que o filho alguma vez se atrevesse a desonrar o
nome da família, casando com Maria.
Um dia Afonso cruzou-se com Maria, tendo-a visto passar na caleche do
seu filho, sentada ao lado de Pedro e abrigada numa sombrinha escarlate, que
envolvia Pedro como se fosse uma mancha de sangue (indício de fatalidade).
Finalmente Pedro veio pedir a Afonso licença para casar e, como o pai
recusou, Pedro abandonou a casa de Benfica e hospedou-se num hotel.
Quando Vilaça informou Afonso que Pedro tinha casado e que iria partir
para Itália, em lua-de-mel, Afonso, mostrando a maior serenidade, limitou-se a
dizer ao escudeiro que retirasse da mesa o talher de Pedro. No final do almoço,
ao levantar-se Afonso apoiou-se no braço de Vilaça, “ como se lhe tivesse
chegado a primeira tremura da velhice “. Entretanto falaram de política e não se
mencionou mais o nome de Pedro.

Resumo do capítulo II d'Os Maias

Pedro da Maia e Maria Monforte passeavam por Itália, conhecendo as


suas cidades, mas por fim Maria mostrou-se saturada, manifestando o seu
desejo de ir a França, e Pedro satisfez prontamente o seu capricho.
Em Paris vivia-se um ambiente de revolução, que despertou o
nervosismo de Pedro e o levou a apressar o regresso a Portugal.
Maria, a quem desagradava a hostilidade do sogro, sentindo a
necessidade da sua aprovação, pediu a Pedro que escrevesse uma carta ao
pai. Maria estava grávida e por isso prometia que, caso tivesse um rapaz, lhe
daria o nome de Afonso.
Quando o casal chegou a Lisboa, Pedro apressou-se a visitar o pai, mas
Afonso tinha partido para a sua quinta de santa Olávia.
Pedro sentiu-se de tal modo ferido com a reação do seu pai que também
não mostrou interesse em comunicar-lhe a notícia acerca do nascimento da
sua filha. Por sua vez Maria manifestava o seu despeito em relação ao sogro,
chamando-lhe os piores nomes.
Alguns amigos de Pedro, que já frequentavam a sua casa,
nomeadamente Alencar e D. João da Cunha, começaram a concordar que o
comportamento de Afonso era sintoma de uma certa teimosia e de alguma
dificuldade em acompanhar a evolução das mentalidades.
Quando a filha Maria Eduarda (nome escolhido em homenagem à avó)
fez um ano, o casal deu uma grande festa, à qual compareceu a sociedade
lisboeta.
As festas foram-se tornando mais frequentes na casa de Pedro e de
Maria Monforte, distinguindo-se sobretudo pela beleza e pelo luxo de Maria.
Pedro começava já a ficar saturado do ambiente repetido de festas em
sua casa, nas quais Maria estava permanentemente rodeada de homens que a
admiravam.
Afonso da Maia teimava em refugiar-se em santa Olávia, o que
despertava o rancor de Maria e ao mesmo tempo a alegria do velho Monforte, a
quem intimidava a perspectiva de se ver na presença daquele distinto fidalgo.
Quando Maria teve outro filho, Pedro delineou novamente o plano de
se aproximar do pai, o que agradou a Maria, que se prontificou a visitar Afonso,
acompanhada do filho, quando ele regressasse a Benfica.
Pedro quis dar ao filho o nome de Afonso, mas Maria andava a ler
uma novela, cujo herói era o último Stuart, o príncipe Carlos Eduardo, e quis
dar esse nome ao filho, porque lhe parecia prometer-lhe um destino “
de amores e façanhas “ (novo indício de fatalidade).
Pedro saiu numa caçada, organizada na sua quinta da Tojeira, para lá
de Almada, em honra de um príncipe italiano, que tinha chegado a Lisboa e de
quem se fizera amigo. 
Pedro feriu o amigo italiano durante a caçada e por isso hospedou-o em
sua casa, chamando o médico e duas enfermeiras para o tratarem.
A estadia de um príncipe italiano em sua casa excitou a curiosidade de
Maria que, na manhã seguinte, incumbiu a sua criada de subir ao quarto do
hóspede, inquirindo sobre o seu estado de saúde e aproveitando o ensejo para
apreciar o seu aspeto físico.
A criada de quarto ficou extasiada com a beleza do príncipe,
comunicando a sua impressão a Maria.
A deferência com que Pedro tratava o napolitano indignava Maria, que
ainda convalescia do parto e  por isso ansiava ver-se livre do seu hóspede.
Quando finalmente o italiano regressou ao seu hotel, sem ainda ter visto
Maria, em agradecimento da sua hospitalidade, mandou-lhe um
admirável ramo de flores, acompanhado de um belíssimo poema que fizera em
sua homenagem.
No dia do baptizado de Carlos Eduardo, o italiano compareceu,
causando em todos uma boa impressão.
Pedro foi informado que o pai regressaria a Lisboa para ser operado e
logo comunicou a Maria a sua intenção de tentar uma nova aproximação, mas
Maria pediu-lhe calma, considerando que seria mais sensato diminuírem o
ambiente de festas em casa, levando uma existência mais doméstica, e só
depois seria adequado procurarem Afonso. Além disso seria também sensato
esperarem que o velho Monforte, que receava a presença de Afonso da Maia,
partisse para as águas, nos Pirenéus.
Os hábitos de Maria mudaram, tendo-se tornado muito mais recatada e
passando as noites apenas entre alguns íntimos, entre os quais de destacava o
italiano Tancredo.
Entretanto, durante o dia, Maria dedicava-se à caridade e frequentava
também as igrejas.
Maria demonstrava cada vez mais uma maior paixão pela filha, de quem
o italiano fez alguns retratos.
Quando o velho Monforte partiu para os Pirinéus e Pedro se quis, mais
uma vez, aproximar-se de Afonso, Maria sugeriu que esperassem pelo Inverno.
Numa tarde de Dezembro, Pedro apareceu em casa do pai,
surpreendendo-o com o seu aspecto desalinhado e comunicando-lhe que Maria
o tinha abandonado, tendo partido com o italiano e tendo levado a
filha consigo.
Afonso avaliou o vexame a que Pedro o sujeitava, lançando o seu nome
pela lama, por não ter respeitado a sua autoridade, mas mesmo assim reprimiu
a sua cólera e tentou consolá-lo, mostrando-lhe, assim, todo o seu carinho de
pai.
Maria tinha apenas deixado uma carta, onde comunicava a sua decisão,
apresentando-a como uma fatalidade.
Pedro chamou a ama, que estava com o seu filho, e apresentou a
criança a Afonso, que logo lhe dispensou todas as atenções, esquecendo os
problemas que o inquietavam.
Pedro não se cansava de dar razão ao pai e manifestou o propósito de
esquecer aquele desaire da sua vida, talvez fazendo uma viagem pela
América.
Quando chegou a hora do jantar, Pedro não acompanhou Afonso, mas o
talher de Pedro foi posto novamente na mesa e os criados moviam-se em
silêncio, como se estivessem num ambiente de luto.
Apesar da dor que o dominava, Afonso sentia uma vaga alegria, devido
à presença do neto.
Afonso foi encontrar Pedro na varando do seu quarto, exposto à chuva e
ao vento, e forçou-o a sair dali, para que os criados pudessem arrumar o
quarto.
Pedro fez companhia ao pai durante alguns momentos, mas depressa
manifestou o seu propósito de se recolher ao seu quarto, porque se sentia
muito cansado.
Afonso demorou-se ainda um pouco no escritório, auscultando algum
rumor que porventura viesse do quarto de Pedro e por fim dirigiu-se ainda ao
quarto do neto, para o observar e aconchegar.
Antes de ele próprio se recolher ao seu quarto, Afonso foi ainda
despedir-se de Pedro e encontrou-o a escrever, tendo ele declarado que
estava a redigir um recado para o procurador Vilaça, para que se encarregasse
de trazer de Arroios os seus pertences.
Durante a noite, Afonso esteve apreensivo e vigilante, atento aos passos
do filho e quando, pela manhã, começava já a cair no sono, foi despertado pelo
som de um tiro, que atroou a casa.
Afonso acorreu imediatamente ao quarto de Pedro, tendo vindo a
encontrar o filho morto e uma carta que ele deixara.
Daí a dias, fechou-se a casa de Benfica e Afonso partiu com o neto e
com todos os criados para a quinta de santa Olávia.
Quando Vilaça foi a santa Olávia, em Fevereiro, acompanhar o corpo
de Pedro, que ia ser depositado no jazigo de família, encontrou Afonso da Maia
tão em baixo que voltou para Lisboa a dizer que o velho homem não
duraria um ano.
Resumo do capítulo III d'Os Maias
Neste episódio assistimos a uma mudança de espaço. Acomodemos a
nossa fantasia no comboio da imaginação e viajemos até à quinta de santa
Olávia, nas margens do Douro. O percurso é fascinante, rumo aos belíssimos
socalcos e vinhedos do norte. Depois poderemos instalar-nos confortavelmente
à mesa das refeições e usufruir de um opulento jantar, no qual não faltarão as
boas iguarias da cozinha portuguesa, começando nos aperitivos e terminando
no aromático café. O assunto abordado na conversa dos convivas será sobre o
ainda tão actualizado tema da “ Educação “.

Numa manhã de Abril, nas vésperas da Páscoa, Vilaça fez uma visita a
santa Olávia. Teixeira, o mordomo, conduziu Vilaça à sala de jantar, onde
Gertrudes, a velha criada, o cumprimentou.
Vilaça teve dificuldade em reconhecer Afonso, quando o viu a subir a
rua, robusto e corado, embora os seus cabelos estivessem todos brancos.
Afonso e Vilaça cumprimentaram-se com emoção e, ao ver Carlos,
Vilaça ficou deslumbrado com o seu crescimento, beijando-o
arrebatadoramente.
Carlos pendurou-se e balançou-se num trapézio, enquanto Vilaça o
contemplava, embevecido, reconhecendo nele os traços da família dos Maias,
nomeadamente os olhos e o cabelo.
Afonso perguntou se tinham preparado o quarto ao senhor Vilaça, já que
o quarto onde ele habitualmente dormia tinha sido ocupado pela senhora
viscondessa, uma prima da mulher de Afonso, que tinha ficado viúva e pobre e
Afonso recolhera.
Afonso comunicou, entretanto, que eram horas de jantar, justificando
que havia novas regras, devido à necessidade de impor um regime a Carlos.
Assim almoçava-se às sete, antes de Carlos partir para a quinta, e jantava-se à
uma hora. (No campo o pequeno-almoço corresponde ao almoço da cidade e o
almoço ao jantar).
Em conversa com o Teixeira, Vilaça comentou que era Carlos que fazia
reviver aquela casa e calculou que o menino seria alvo de todos os mimos,
mas Teixeira desenganou-o, informando-o que Carlos estava a ser sujeito a
uma educação muito rigorosa, inspirada no modelo inglês. Seguindo as regras
desta educação, Carlos tinha rigor na alimentação e beneficiava de um
contacto directo com a natureza, podendo correr, subir às árvores, cair, molhar-
se e apanhar sol, tal como o filho de um caseiro.
Carlos estava a ser educado por um percetor inglês, que, mal tinha
chegado, o tinha logo ensinado a remar e a fazer habilidades no trapézio.
Quando Vilaça chegou à sala, já o esperavam Afonso, Carlos, Brown, o
abade Custódio e a senhora viscondessa.
Falando-se sobre a viagem de Lisboa, o abade manifestou a sua pouca
familiaridade com os comboios, mas Vilaça lembrou que também podia haver
acidentes quando se circulava pelas estradas.
Durante o jantar, foi também abordado o tema da educação, na
sequência de Vilaça ter perguntado a Carlos se já ia adiantado nos seus
estudos.
Carlos disse que já sabia montar muito bem a sua eguazita, mas,
quando Vilaça perguntou se Carlos conhecia alguns escritores clássicos, o
abade referiu ironicamente que ali o Latim, segundo ele a base da educação,
era visto como algo muito antigo.
Brown entendia que era necessário desenvolver primeiro os músculos,
posição que Afonso aprovava, alegando que era importante apostar-se primeiro
na saúde e na força.
Segundo Afonso, a instrução não poderia consistir apenas em saber
recitar, mas sobretudo em aprender coisas úteis e práticas. (É IMPORTANTE
REFLETIREM SOBRE A QUESTÃO DA EDUCAÇÃO, ABORDADA NESTE
ROMANCE, E CONFRONTAREM AS DUAS CONCEPÇÕES DEFENDIDAS:
EDUCAÇÃO À INGLESA E À PORTUGUESA).
Entretanto os convivas puderam apreciar a desenvoltura com que Carlos
falava inglês, no seu diálogo com o preceptor.
Carlos falou ao ouvido do avô, para lhe fazer um pedido, e o avô acabou
por lhe dar assentimento, apenas porque era dia de festa, devido à presença
do Vilaça. Carlos podia então ir buscar a Teresinha, que era a sua namorada.
O café foi tomado no terraço, enquanto observavam Carlos, que se
balouçava no trapézio. Enquanto Afonso elogiava as virtudes da ginástica, o
abade comentou que aquela educação poderia fazer atletas, mas não fazia
bons cristãos, insistindo que Carlos, como único herdeiro de uma casa tão
grande e com futuras responsabilidades na sociedade, deveria aprender a
doutrina.
O abade referiu mesmo que, numa ocasião em que uma senhora tinha
pedido a Carlos para lhe recitar o Ato de Contrição, ele respondera que o não
sabia.
Afonso argumentava que era mais correto uma criança assimilar a
recusa dos maus actos por serem indignos de um cavalheiro e de um homem
de bem do que do que por serem atentatórios contra os mandamentos de Deus
e puníveis com as penas do inferno. Seria mais correto agir por respeito a
códigos de honra e de virtude do que por receio das penas do inferno ou pela
esperança de conquistar o paraíso.
De regresso a casa, após um passeio pelo campo, já os esperavam as
Silveiras, senhoras ricas de uma quinta próxima, uma delas com dois filhos, o
Eusebiozinho e Teresinha, a noiva de Carlos.
Eusebiozinho, que tinha um aspeto frágil, sombrio e melancólico, em
contraste com o vigor de Carlos, era um menino que revelava, desde o berço,
um grande interesse por livros e por tudo o que dizia respeito ao saber,
traçando letras e algarismos sobre um caderno.
Na sala estava também o doutor delegado, um presumível candidato ao
casamento com a Silveira viúva, cujo pedido formalizado acabava sempre por
ser adiado.
Após o café, os homens dirigiram-se à sala de jogo, enquanto as
senhoras ficaram a conversar na sala.
Carlos apareceu na sala com a sua noiva, relatando as brincadeiras com
que se tinham ocupado. A tia Ana, a quem assustava a impetuosidade de
Carlos, fazia recomendações a Teresinha, dizendo-lhe que devia ter
propósitos.
Carlos entretanto precipitou-se sobre Eusebiozinho, querendo arrastá-lo
para África, num combate aos selvagens, mas a mãe acorreu em seu socorro,
já que o menino tinha uma saúde muito frágil.
Quando deram as nove horas e Carlos viu o perceptor Brown aparecer,
suplicava que ainda era cedo para se deitar, ainda por cima sendo aquele um
dia de festa, em que tinham visitas, mas o avô manteve-se impassível e
obrigou Carlos a retirar-se. Todos os presentes estranhavam aquela rigidez,
mas Afonso alegava que era necessário método.
D. Ana Silveira desabafou com Vilaça que aquela educação à inglesa,
ministrada por um herético e protestante, nunca fora aprovada pelos amigos da
casa, tendo em conta que Afonso tinha ao seu dispor o abade Custódio, que
daria certamente à criança uma boa preparação para fazer boa figura em
Coimbra.
D. Ana referiu ainda que Carlos, para além de algum conhecimento do
inglês, poucos talentos possuía. Depois, querendo pôr à prova os dotes de
Eusebiozinho, incitou-o a declamar uns versos que ele conhecia e foi com a
promessa de dormir essa noite com a mamã que o menino acedeu a cumprir
esse pedido. Vilaça mostrou-se impressionado com o talento do rapaz,
confirmando que ele era um prodígio.
Depois de os convidados se retirarem, Vilaça ainda acompanhou Afonso
à livraria, enquanto ele, à boa maneira inglesa, bebia o seu conhaque.
Afonso fez referência à educação de Eusebiozinho que, naquela idade,
vivia sob a protecção da criadagem, da mãe e da tia, passando dias inteiros a
decorar versos e páginas do catecismo.
Vilaça tentava abordar um assunto com Afonso, acabando por conseguir
comunicar-lhe que tinha notícias de Maria Monforte, pois o poeta Alencar, que
tinha sido frequentador da casa em Arroios, tinha estado com ela em Paris.
Afonso, após a morte de Pedro, tinha feito todos os esforços para
localizar Maria, querendo retirar-lhe a filha, mas, não conseguindo saber nada
sobre o seu paradeiro, acabara por desistir.
Soube-se que Maria tinha vivido em Áustria e depois no Mónaco, tendo
levado mais tarde em Paris uma vida de dissipação. O italiano tinha morrido
num duelo e mais tarde também o senhor Monforte, a quem a filha arruinara
com o seu luxo. Maria estava reduzida à miséria, entregando-se a uma
existência de excessos.
Sobre a neta, Afonso acabou por aceitar que ela estaria morta, de
contrário, tal como Vilaça alegava, seria natural que Maria viesse reclamar a
legítima que cabia à criança. Ficou então decidido que não se abordaria mais o
nome de Maria.
Quando Vilaça partiu, Afonso ainda lhe comunicou que iria contactar um
primo que vivia em Paris, para que tentasse abordar Maria, oferecendo-lhe
dinheiro para entregar a filha ao avô, caso ela estivesse ainda viva.
Vilaça achou o plano arriscado, pois a menina já ia nos seus treze anos,
o seu carácter estava formado e ela teria saudades da mãe.
Carlos irrompeu pelo quarto, reclamando a presença do avô e de Vilaça,
para apreciarem uma coruja que o Brown tinha encontrado. Era necessário
apressarem-se, pois tinham que colocar a ave no ninho, porque a mãe podia
dar pela falta da cria e ficar aflita.
Afonso entretanto contou a Vilaça que o Carlos sabia que o pai se tinha
suicidado, pois teria ouvido os comentários de algum criado e tinha
questionado o avô sobre o assunto. Como o avô não lhe escondeu nada, a
reacção de Carlos foi a de pedir uma pistola e o avô mandou comprar no Porto
uma pistola de vento.
Passadas duas semanas após a sua partida, Vilaça enviou uma carta a
Afonso, com a notícia de que Alencar tinha visto em casa de Maria o retrato de
uma menina que Maria apresentara como a filha que lhe tinha morrido em
Londres.
Afonso não deixou de escrever ao seu primo, mas as informações que
conseguiu recolher foi que Maria tinha fugido com um acrobata de circo para a
Alemanha e Afonso, saturado das aventuras desta mulher, decidiu que seria
melhor esquecê-la.
Como iria ser aberta a linha de caminho de ferro até ao Porto, Vilaça
tinha manifestado, por carta, o seu propósito de fazer uma visita demorada a
Afonso, acompanhado do seu filho, mas essa visita já não chegou a
concretizar-se, visto que o pai Vilaça morreu de uma apoplexia.
Carlos, observando a tristeza do avô, sugeriu-lhe que fizesse um belo
jazigo a Vilaça, tal como tinha feito a Pedro.
Anos mais tarde, em Coimbra, o filho de Vilaça, que herdara o cargo de
procurador dos bens da família dos Maias, entrou no hotel Mondego, para
comunicar a Afonso que Carlos tinha feito o seu primeiro exame, mostrando um
desempenho brilhante.
Afonso abraçou-se ao neto, muito comovido, não conseguindo conter as
lágrimas.
Resumo do capítulo IV d'Os Maias
Temos finalmente Carlos formado em medicina, com muita distinção. Em
educação e carácter e também força de vontade, tudo parece contribuir para
termos um homem útil ao país. Será que algo vai falhar?
Vamos então apreciar como é que Carlos se irá desembaraçar no meio social
lisboeta. Será que o irão levar a sério? Parece-nos previsível que isso
aconteça, tendo em conta os seus anos de estudo e todo o investimento na sua
formação. A partir deste capítulo, vamos observar como o ambiente do século
XIX nos é apresentado, sob o olhar crítico de Eça.

Carlos ia formar-se em Medicina, curso para o qual tinha descoberto a


vocação, quando, ainda criança, encontrou no sótão “ um rolo manchado e
antiquado de estampas anatómicas “, tendo passado dias a recortá-las e a
distribuí-las pelas paredes. Um dia irrompeu mesmo pela sala, a mostrar às
Silveiras e ao Eusebiozinho a imagem de um feto no útero materno, o que
escandalizou as senhoras, mas obteve a indulgência de Afonso, que louvou a
curiosidade do neto em relação ao funcionamento do corpo humano. A partir
daí, D. Ana não consentiu mais que Carlos brincasse sozinho com Teresinha,
mas as outras pessoas concordavam que Carlos mostrava vocação para a
Medicina.
Em Coimbra, enquanto estudou no Liceu, Carlos interessou-se sempre
mais por anatomia e, numas férias, a criada Gertrudes, num momento em que
desfazia as malas de Carlos, fugiu espavorida, ao deparar com uma caveira.
Aliás, sempre que algum criado da quinta adoecia, Carlos consultava os livros,
tentando fazer diagnósticos, e já merecia o respeito do médico da quinta, que o
tratava por colega. Alguns frequentadores da quinta viam o Direito como uma
escolha mais acertada para um fidalgo de tão alta estirpe, mas Afonso entendia
que a opção do neto deveria ser levada muito a sério, querendo que Carlos
viesse a ser útil ao país, tal como o mais vulgar cidadão.
Para se instalar em Coimbra, Carlos teve direito a verdadeiras honras de
fidalgo, já que o avô lhe preparou uma casa em Celas, que recebeu o epíteto
de “ paços de Celas “, devido à raridade dos seus luxos.
No início o diletantismo de Carlos inspirou a desconfiança dos mais
democratas, mas a constatação do interesse de Carlos pelos ideais
revolucionários depressa venceu as distâncias e por fim os “ paços de Celas “
eram frequentados por pessoas das mais diversas ideologias.
Os frequentadores dos “ paços de Celas “ entregavam-se a ocupações
tão diversas como a esgrima, o whist, o debate das novas ideias que
alastravam na Europa (a Democracia, o Positivismo, o Realismo...). Estas
tertúlias contavam sempre com a presença de um criado, que servia croquetes
aos convivas, acompanhados de cerveja.
Carlos, ao mesmo tempo que se dedicava à Medicina, ocupava-se
também com a Arte e a Literatura, tendo publicado alguns sonetos e um artigo
sobre o Pártenon e tendo mesmo chegado a compor contos arqueológicos e a
tentar a pintura a óleo.
Carlos foi obrigado a moderar o seu diletantismo e a sua dissipação
intelectual, pois, se não fosse um fidalgo tão rico e conhecido, ter-se-ia
arriscado a chumbar.
Afonso da Maia vinha, às vezes, passar umas semanas a Celas e se a
princípio a sua presença causava intimidação, a sua simpatia, interesse pela
arte e literatura foram cativando os frequentadores da casa.
Carlos passava as férias grandes em Lisboa, Paris ou Londres, mas os
Natais e Páscoas eram passados em Santa Olávia, que Afonso ia
embelezando com luxos de um requinte francês e inglês, mas a existência
neste espaço ia-se tornando mais triste, devido à doença, ao envelhecimento e
à morte de alguns dos seus habituais frequentadores. As férias só eram
divertidas para Carlos quando tinha com ele o seu amigo João da Ega, que
também merecia a simpatia de Afonso.
Ega estudava Direito em Coimbra, com pouco afinco, e a sua mãe, uma
mulher viúva, rica e beata, que vivia retirada numa quinta, perto de Celorico de
Basto, na companhia de uma filha, também viúva, rica e beata, contentava-se
com a promessa, feita pelo padre Serafim, de que o seu filho terminaria um dia
o curso. Aliás, convinha mais à senhora, envergonhada com a heresia e a
rebeldia do filho, que ele se mantivesse afastado em Coimbra.
Ega, cuja fama de fidalgo rico lhe dava o reconhecimento das famílias,
vivia enredado em amores por meninas de quinze anos, filhas de empregados,
e o próprio Carlos, que escarnecia destes amores, acabou por se envolver num
amor adúltero com a mulher de um empregado do Governo Civil, mas, num dia
em que viu o marido enganado a passear com o filho pela mão, sentiu
vergonha do seu acto, desistindo da sua aventura.
A segunda aventura sentimental de Carlos em Coimbra foi quando
instalou uma rapariga espanhola, com aspecto de “ Dama das Camélias “,
numa casa ao pé de Celas. Esta espanhola começou a tornar-se insuportável
aos amigos de Carlos, devido ao seu conservadorismo e apreço pela
monarquia, de modo que, quando Baptista, o criado de quarto de Carlos, a
surpreendeu com um ator de teatro, foi usado o pretexto para que, depois de
bem paga, pudesse ser recambiada para Lisboa, o seu espaço de origem.
No acto da formatura de Carlos, houve uma enorme festa em Celas, à
qual acorreram todos os amigos, tendo havido mesmo uma serenata.
Carlos partiu para uma viagem de um ano pela Europa e finalmente, no
Outono de 1875, veio instalar-se com o avô no Ramalhete. (DÁ-SE NESTE
CAPÍTULO O FINAL DA LONGA ANALEPSE INICIADA NO 1º CAPÍTULO.
ESTA ANALEPSE FOI NECESSÁRIA PARA SE PERCEBEREM AS ORIGENS
DE CARLOS, TENDO EM CONTA A INFLUÊNCIA DE FATORES COMO A
HEREDITARIEDADE E A EDUCAÇÃO, NA FORMAÇÃO DO SEU
CARÁCTER.).
Carlos alimentava grandes projectos de trabalho e, por isso, tinha
enviado da Europa caixotes recheados de livros e aparelhos de laboratório.
Afonso incentivava o neto nos seus planos, dando-lhe apoio monetário.
Carlos acabou por instalar o consultório no Rossio e criou também um
laboratório num antigo armazém, junto ao Largo das Necessidades.
Embora os amigos não levassem estes preparativos a sério, Carlos
abusou do luxo na decoração do seu consultório e eram de tal modo sérios os
seus projectos de trabalho que chegou a fazer anunciar no jornal a abertura
deste consultório.
Entretanto as obras no laboratório arrastavam-se e Vicente, o seu
mestre, um homem democrata que desejava expulsar a família real do país, de
modo a desimpedi-lo para que pudessem governar as pessoas de saber, ia
prometendo o seu avanço.
No Ramalhete, almoçava-se pontualmente ao meio dia. Os almoços
eram demorados, prolongando-se para além da uma hora, pois requeriam
vagares para se saborear a requintada cozinha, preparada pelo Chef francês
que os Maias tinham ao seu serviço. Nesses almoços participava também o
próprio Reverendo Bonifácio (o gato de Afonso), deliciando-se com as suas
sopas de leite.
No final do almoço, Carlos precipitava-se para o trabalho, mas nunca
aparecia um único doente e Carlos, juntamente com o criado, entregavam-se à
ociosidade, fumando, bocejando e lendo revistas. Por fim Carlos, cansado
daquela dormência, abandonava o consultório, dando por terminado mais um
dia de trabalho perdido.
Uma manhã, Carlos recebeu a visita do seu amigo Ega, que tencionava
instalar-se em Lisboa, com o acordo da mãe e da irmã, já que em Celorico se
tinha espalhado uma epidemia de anginas, que foi explicada como uma
manifestação da ira divina, perante a presença de tão acérrimo ateu. O certo é
que, com o afastamento de Ega, a epidemia desapareceu.
Ega apreciava o consultório, pasmado com o seu luxo, e Carlos
apreciava também Ega, elogiando a sua figura e querendo obter
esclarecimentos sobre uma Madame Cohen, de quem Ega lhe falava nas
cartas e que era, afinal, uma judia, a mulher do banqueiro Cohen, com quem
Ega alimentava uma aventura.
Ega inquiria sobre Afonso e o Ramalhete, informando-se sobre os seus
frequentadores: D. Diogo, o Sequeira, o conde de Steinbroken, o Taveira,
empregado no Tribunal de Contas, Cruges, um maestro e pianista, o marquês
de Souselas e por fim o Eusébio Silveira, que entretanto tinha enviuvado.
Faltavam as mulheres, porque não havia quem as recebesse. Ega opinou que
era necessário introduzir-se a arte e a literatura nas soirées do Ramalhete,
falando do Craft, um coleccionador de arte que tinha herdado uma fortuna.
Carlos e Ega discutiam as novas ideias, comentando o atraso de
Portugal, mas, quando bateram as quatro horas, Ega apressou-se a sair,
revelando sinais de aventura.
- Ega estava hospedado no hotel Universal e não aceitou o convite de
Carlos para se hospedar no Ramalhete.
À saída, Ega ainda informou Carlos que iria publicar o seu livro, aquele
livro sobre o qual tinha falado durante dois anos, cujo título seria “ Memórias de
Um Átomo “ e cujo assunto seria a “ História das grandes fases do Universo e
da Humanidade “.

Resumo do capítulo V d'Os Maias


Neste momento da ação, toma-se contacto com alguns tipos sociais,
nomeadamente a família dos Gouvarinhos e dos Cohen, gente da política e da
banca. Já agora é importante que se recorde a definição de personagem tipo
(personagem que representa um grupo social, pretendendo-se, através dela,
criticar os vícios da classe a que pertence). Conhece-se o teatro da vida
burguesa, com os seus representantes, entregues a uma vida de diletantismo e
de ociosidade. São apontados, como locais de encontro e espaço físico da vida
social, o Chiado, o Rossio, os cafés e o teatro de S. Carlos.

De regresso a casa, após uma visita à sua primeira doente, uma bela
rapariga de origem alsaciana, casada com um padeiro do bairro, que tinha sido
atingida por uma pneumonia, Carlos ainda veio encontrar o avô envolvido
numa partida de whist com os seus amigos. Afonso sentia-se grato para com
esta doente, que possibilitava o reconhecimento de Carlos como médico, tendo
por isso chegado a enviar-lhe umas garrafas de Bordéus.
Carlos pediu informações acerca de Ega, que andava desaparecido, e
entretanto Vilaça esclareceu que ele tinha aparecido no escritório, indagando
sobre os preços da decoração do consultório de Carlos. Constava-se que Ega
pretendia montar casa e, na opinião de Vilaça, ele vinha talvez meter-se na
política, mas, segundo D. Diogo, a ocupação de Ega relacionava-se com uma
mulher.
No Ramalhete jogava-se também bilhar e discutia-se política. Cruges
alegrou o ambiente com a sua música, tocando piano. Os escudeiros serviam
bebidas (St Emilion, Porto, ponche quente), croquetes e sanduíches.
É feita uma descrição da sala, referindo-se o seu luxo, a sua decoração,
estilo Luís XV, as tapearias, as poltronas, etc.
Vilaça confidenciou com Eusebiozinho acerca das extravagâncias dos
Maias, referindo o facto de Carlos ter “ tomado uma frisa de assinatura “, em S.
Carlos, quando afinal ia tão poucas vezes ao teatro, acabando a frisa por ser
mais frequentemente ocupada pelos amigos. Gastava-se muito em esmolas,
pensões, empréstimos que nunca mais eram pagos, não se fazendo reservas
de dinheiro, embora a casa tivesse rendimentos bastantes para suportar todas
as despesas.
Conversando-se sobre ópera, Taveira fez alusão ao conde Gouvarinho,
par do reino, e à sua mulher, condessa de Gouvarinho. Este casal também
tinha tomado uma frisa de assinatura no teatro, ao lado da de Carlos.
Respondendo a uma pergunta de Carlos sobre o seu amigo Ega, Taveira
esclareceu ainda que o tinha visto na frisa dos Cohens e fizeram-se
comentários sobre a possível aventura de Ega com Raquel Cohen, mulher do
banqueiro Cohen. Os convivas foram, entretanto, abandonando o Ramalhete.
O laboratório de Carlos estava finalmente pronto e Carlos tinha
entretanto ganho alguma fama de médico, devido à cura de Marcelina, a
mulher do padeiro. Tinha, assim, alguns doentes no bairro e recebia algumas
visitas no consultório. Os colegas que, a princípio, lhe atribuíam algum
reconhecimento, começaram a considerá-lo “ um asno “, devido à sua reduzida
clientela. Carlos pouco mais fazia do que ocupar-se dos seus cavalos, do seu
luxo e do seu bricabraque (objetos de arte / antiguidades). Para além disto,
tinha escrito dois artigos para a “ Gazeta Médica “, planeava escrever um livro
com o título “ Medicina Antiga e Moderna “ e sentia-se, ainda, atraído pela ideia
de criar uma revista, proposta por Ega, que entretanto se esquivava a discutir
este plano, pois andava sempre fugido, sendo visto no teatro na companhia
dos Cohen.
Ega dizia que andava muito ocupado a procurar casa, mas era visto a
deambular constantemente pelo Chiado e pelo Loreto, em jeito de aventura. O
romance do Ega já começava a ser comentado no “ Grémio “ e na “ Casa
Havanesa “.
Um dia Ega irrompeu pelo consultório de Carlos, para lhe ler um excerto
do seu livro, “ Memórias de um Átomo “, um capítulo que remetia para a Idade
Média, sobre os amores contrariados de uma judia por um poeta e cavaleiro.
Carlos percebeu perfeitamente, nessa judia, a representação da amada Raquel
Cohen. Uns dias depois, Carlos encontrou num jornal uma referência à leitura
deste capítulo das “ Memórias de um Átomo “, em casa dos Cohen, num artigo
que causou a indignação de Ega, que não gostou das apreciações dos
jornalistas.
Ega falou a Carlos no interesse que a família Gouvarinho tinha
manifestado em conhecê-lo, sobretudo a condessa. Carlos lembrou-se, então,
dos olhares que madame Gouvarinho lhe dirigia à noite, no teatro. Carlos foi
então essa noite a S. Carlos, mas a saída revelou-se inútil, porque esse dia
não estavam presentes nem Ega nem os Cohen nem os Gouvarinho. Ao deitar-
se, em conversa com Baptista, o seu criado de quarto, Carlos procurou obter
informações sobre a família dos Gouvarinhos, já que Baptista conhecia o criado
de quarto do conde. Carlos soube então que o conde era um sovina, que tinha
oferecido ao criado um fato já em tão mau estado que o criado o tinha deitado
fora. Além disso o casal também não se dava bem, tendo o criado presenciado
uma cena em que madame Gouvarinho tinha partido a loiça, durante uma
discussão.
Carlos foi finalmente apresentado aos Gouvarinho, uma noite, em S.
Carlos. A condessa observou a Carlos que o tinha visto, no verão, em Paris. No
final do espectáculo, o conde mostrou-se honrado por conhecer um homem
com a distinção de Carlos, e a condessa informou-o que recebiam às terças-
feiras.

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