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Propostas de Medidas, com base na Inovação, que articulem o combate à crise

com a mudança estrutural, o curto com o longo prazo

A crise tem um efeito contraditório sobre a inovação. Sendo um aguilhão para a


criatividade de uns, é razão para comportamentos cautelosos de outros. O
problema está em que os comportamentos “conservadores” dominam nos
agentes económicos, essenciais para viabilizar a inovação, como compradores e
financiadores. Aumenta a criatividade, aumenta a necessidade de introdução no
mercado de novos produtos mais competitivos para sair da crise. Mas agravam-se
os constrangimentos que dificultam a sua concretização. Há o perigo de para
acudirmos ao urgente comprometermos o importante. É preciso por isso um
reforço das políticas que ajudem a desfazer este nó.
Felizmente que, neste quadro de crise, Portugal conseguiu alcançar um patamar
mais elevado de capacidade C&T, numa dinâmica dinamizada pelas próprias
empresas, e gerando um consenso e uma convicção nacional sobre a necessidade
de continuar a aposta no conhecimento, na criatividade e na inovação como
chave para a saída da crise pela criação de uma sociedade e uma economia mais
criativa e competitiva. Estamos mais bem dotados para construir saídas para a
crise com resultados que melhorem a competitividade da economia, alimentem
essa convicção, confirmem expectativas e consolidem esse consenso social.
No texto que se segue sugerem-se linhas de abordagem, ilustrados com exemplos
possíveis para a sua concretização.
Numa primeira parte abordam-se as políticas para apoiar a valorização no
mercado de projectos de I&D empresariais já terminados.
Numa segunda parte sugerem-se abordagens que, criando novas oportunidades
para o investimento privado, dinamizem a procura de meios de produção
inovadores.
Numa terceira parte sugerem-se eixos de investimento em I&D orientados por
objectivos com impacto social, mas que simultaneamente reforcem a
competitividade estratégica da economia.

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A) Acelerar a chegada ao mercado dos resultados do investimento na I&D pelas
empresas
A crise cria dificuldades adicionais à valorização no mercado dos resultados dos
projectos de I&D. Mesmo depois de vencido o “risco C&T” subsistem incertezas e
dificuldades a ultrapassar para chegar ao mercado com sucesso, que são
agravados num período de crise. Esse risco de mercado é tanto maior quanto
maior é o grau de inovação do produto e a “juventude” da empresa. É preciso
passar do protótipo, que culminou o projecto de investigação, a um produto
ajustado ao mercado e às condições de produção industrial. É preciso muitas
vezes investir no reforço das linhas de produção ou criar mesmo novas, formar
trabalhadores e equipas de marketing e comercialização. A oportunidade destes
investimentos, em geral muito superiores aos efectuados na fase de I&D,
depende da percepção sobre a receptividade do mercado e sobre a capacidade de
mobilizar os capitais necessários. Na crise, os mercados poderão estar mais
deprimidos e incertos e a concorrência mais agressiva, e os financiadores mais
cautelosos, dificultando o acesso ao crédito e tornando-o mais caro.
Nunca como hoje, tivemos em Portugal, tantos projectos de I&D liderados pelas
empresas, alguns dos quais já terminados - ou a chegar à fase final. O sucesso
destes projectos no mercado dará não só um contributo para reforçar a dinâmica
da saída da crise, como será um forte estímulo a que um número ainda mais
alargado das empresas aposte na I&D como meio para melhorar a
competitividade dos seus produtos e serviços.
Com esse objectivo sugerimos as seguintes tipos de medidas e prioridades de
política.
1. Inquérito à situação e perspectivas de valorização dos resultados dos
projectos do QCA e PQ da UE anteriores e dos projectos do actual QCA mais
avançados. Identificação de problemas e formas de os superar.
2. Apoio à demonstração de resultados incluindo apoio à construção de
protótipos de demonstração e às despesas com as iniciativas de
demonstração em condições reais.

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3. Apoio a acções que diminuam o risco de mercado promovendo o apoio à
emergência de “compradores pioneiros”, com a organização de “bolsas” que
funcionam como mercados de arranque (considerar elegíveis as despesas de
compradores pioneiros para efeitos de SIFIDE). A procura pública deverá aqui
assumir particulares responsabilidades.
4. Criação de etiqueta “Inovação 2011” (a repetir nos anos seguintes com a data
ajustada) atribuída aos novos produtos que vão ser lançados no mercado
durante o ano. A atribuição deste “Selo de Inovação” dará acesso não só ao
direito ao seu uso na promoção do produto, como a uma “via rápida” nas
acções de licenciamento e certificação e nas acções de promoção nos
mercados nacionais e internacionais.

B) Estimular a procura, criando condições favoráveis para abrir novas áreas de


investimento privado

A crise do investimento dificulta a chegada ao mercado dos resultados inovadores


que sejam “meios de produção”. Os condicionalismos financeiros do Estado
limitam por outro lado a sua actuação através de subsídios. É preciso encontrar
outras formas de viabilizar o investimento, por exemplo actuando sobre
características que aumentem a sua rentabilidade.

B.1) Dinamizar os mercados para a inovação tecnológica através da dinamização


de investimentos de “retrofitting”.
Em muitos casos os resultados da inovação para serem utilizados não precisam de
levar à substituição de todo o equipamento ou sistema em que se inserem. Nos
edifícios, nos equipamentos industriais ou nos bens de consumo duradouros, é
muitas vezes possível melhorar as suas “performances” procedendo à sua
actualização tecnológica - com a substituição de partes ou componentes em que
se verifica uma melhoria tecnológica significativa. Num período de crise,
nomeadamente de financiamento, esta possibilidade de aceder à inovação com
investimento mais reduzido do que seria necessário para adquirir um bem

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completamente novo constitui uma oportunidade para valorizar os resultados da
I&D e difundir a inovação pelos sectores utilizadores.
Permite ainda preparar a fase seguinte, testando o mercado, aperfeiçoando a
inovação, dinamizando a criação de novos mercados e formando “on job” os
técnicos e trabalhadores que serão o coração da produção industrial na fase de
expansão pós-crise.
A reabilitação de edifícios tem de ser encarada como oportunidade para a
introdução de novos materiais estruturais e isolantes, para a actualização das
redes de energia e introdução de novas redes de informação, comunicações e
domótica, e novos sistemas de recolha selectiva de lixos e efluentes. Nos telhados
e fachadas viradas a sul, os investimentos de renovação poderão ser partilhados
com o investimento em sistemas de captação solar nomeadamente fotovoltaico,
ajudando a viabilizar ambos.
A conversão de veículos de transporte à motricidade eléctrica tem também
grande alcance a vários títulos: criação de emprego, redução das importações de
veículos e de energia, diminuição da poluição atmosférica e sonora, além de
possibilitar a redução do custo com a mobilidade. Esta conversão é
particularmente relevante nos transportes em meio urbano, em veículos com
uma intensa utilização e com percursos regulares, como será o caso das frotas
empresariais de transporte de mercadorias e passageiros (car sharing). Perfil que
casa o máximo de viabilidade económica com o máximo de impacto positivo na
balança energética e ambiental. Uma política de conversão voluntarista
relativamente aos barcos nas águas interiores terá também um forte interesse
ambiental e será factor de diferenciação para o turismo.
Ainda nos transportes pode-se melhorar a segurança com a introdução de
“tecnologias de segurança activa” quer nas infra-estruturas, quer nos veículos. No
caso dos veículos, a iniciativa não passa necessariamente pelo investimento ou
pelos subsídios públicos, mas pela legislação dos seguros e ajustamentos sobre a
legalidade dos meios de prova sobre as responsabilidades nos acidentes (por
exemplo vídeo de imagens do acidente em momentos imediatamente anteriores).

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Também na actualização do parque industrial, o retrofitting dos equipamentos
pode ser um meio para, com investimentos mais limitados, aumentar a
produtividade, a qualidade de produção e a segurança no trabalho. O interesse
estratégico do “retroffiting” dos equipamentos industriais, consiste também na
porta que abre para o desenvolvimento da indústria nacional de bens de
equipamento, em particular da sectores mais sofisticados como os da
instrumentação, automação e robótica. O “retrofitting” dos equipamentos
constitui um atalho para o desenvolvimento das indústrias de “meios de
produção” que é um “elo” chave da cadeia de inovação.
A politica publica tem aqui dois grandes eixos de intervenção: adaptar os
regulamentos dos programas de apoio ao investimento, para que o investimento
em “retrofitting” seja elegível; a intervenção através de regulamentação e da
própria actuação do Estado como cliente.

B.2) Investimentos complementares. Em actividades capital intensivas, a


articulação de investimentos complementares, pode também ajudar a tornar
rentáveis investimentos que ainda o não seriam de forma isolada no estado actual
da tecnologia. O Estado pode ter um papel importante, não tanto como investidor
directo mas mais como dinamizador de investimentos articulados e multiuso,
cobrindo os sobrecustos da maior complexidade da sua operacionalização.
Exemplos:

- Investimentos nas energias do mar articulados com investimentos no


desenvolvimento da aquacultura de água salgada;
- Implantação de recifes artificiais ao longo da costa que protejam a
reprodução e reconstituição do stock de espécies piscícolas, favoreçam
a pesca artesanal e criem novos motivos de atracção para o turismo;
- Fazer funcionar as zonas de implantação industrial como “ecossistemas
industriais” que diminuam a emissão de desperdícios, aproveitando os
resíduos de umas empresas como inputs de outras. Particularmente
importante uma maior integração nas plataformas das indústrias
química e agro-alimentar, intensivas em energia e materiais.

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B.3) Investimentos de uso partilhado. Outra forma de acelerar a chegada ao
mercado dos resultados de I&D, com custos naturalmente ainda elevados na fase
inicial, é a de promover o seu uso partilhado por vários utilizadores, que permita
ainda o alargamento do mercado e os ganhos de economias de aprendizagem na
produção. Já no passado foi por este tipo de utilização que se introduziram novos
bens de equipamento (Exemplo: Laser Shops) e muitos bens de consumo
duradouros (Exemplo: Máquinas de lavar roupa). O acesso partilhado a novas
tecnologias de produção pode ser particularmente relevante para PME. O acesso,
desta forma, a novos bens de consumo duradouros pode ser importante em
particular para grupos de consumidores com mais baixo poder de compra.

Em alguns casos a sua adopção de soluções de uso partilhado pode ser ao mesmo
tempo de interesse geral, por exemplo quando permita a redução significativa do
impacto ambiental.

C) Linhas de investimento compatíveis com os constrangimentos da crise, que


assentem no desenvolvimento da capacidade C&T nacional e tenham
impacto social.

Existem constrangimentos ao investimento agravados pela crise, como as


dificuldades de financiamento, em particular as derivados do deficit público. E
existe também uma tendência ao agravamento das condições sociais, que tende
por sua vez a agravar a depressão da procura, que urge contrariar, diminuindo o
custo e melhorando a qualidade de vida, mesmo numa conjuntura de crise

Os investimentos acumulados, quer em infra-estruturas físicas, quer na


valorização dos recursos humanos e na criação de capacidade C&T nacional,
permitem agora que investimentos de menor dimensão, focados mais no
“software” e na inovação, possam acelerar o retorno económico e ter um forte

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impacto simultaneamente na melhoria das condições sociais e no reforço da
competitividade internacional, ao viabilizarem o lançamento de novos produtos,
com maior valor acrescentado e competitividade assente na diferenciação pela
inovação O potencial impacto destes investimentos será maior nos casos em que
se possa tirar partido de “economias de rede”, nomeadamente nas Redes de
Conhecimento, nas Redes de Informação e Comunicações, nas Redes de
Transporte e Logística. Investimentos deste tipo orientados para objectivos com
impacto social “legitimam” uma forte intervenção pública, nomeadamente do
lado da procura.

C.1) Tirar partido do investimento já feito pelas empresas e pelas famílias,


explorando as economias de rede para viabilizar o acesso a novos serviços

Por exemplo, tirar partido do uso generalizado do telemóvel na população


portuguesa e da capacidade tecnológica existente, para desenvolver aplicações
especificas que o tornem um instrumento cómodo, eficiente e de uso acessível e
generalizado para:

- “Micropagamento” móvel, dos táxis, do estacionamento, etc. o que tem


ainda a enorme vantagem de criar condições de maior segurança no
quotidiano. Solução que possibilita uma política de preços mais eficiente
com menos investimento público;
- Operacionalização de um sistema de táxis partilhados, compatibilizando o
aumento de eficiência com a redução de custos para os passageiros e
aumento da lucro para os transportadores
- Monitorização das condições de saúde para alerta e prevenção e de
acompanhamento de pessoas mais velhas, diminuindo a necessidade de
investimentos imobiliários e valorizando a residência das pessoas ao
mesmo tempo que se melhoram as condições de saúde e qualidade de
vida.

Tirar partido do investimento feito na moderna rede de telecomunicações para


alavancar as políticas para resolver importantes problemas nacionais, como o do
desenvolvimento das regiões do interior, e da melhoria das condições de vida nos

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“dormitórios” nas principais regiões metropolitanas, nomeadamente através das
novas possibilidades de trabalho cooperativo à distância numa gama cada vez
mais alargada de actividades desde a arquitectura à saúde e à formação, não só
no âmbito nacional, mas permitindo também articular o desenvolvimento
regional com estratégias de internacionalização de serviços avançados.

O aumento da largura de banda da rede de comunicações vem também


possibilitar soluções de acesso à Net a custos mais baixos, condição para
combater a info-exclusão e tornar possível, aos portugueses de menor poder de
compra, o acesso às oportunidades de de serviços gratuitos e de “consumo
partilhado” de que a NET é canal facilitador.

C.2) Tirar partido do investimento feito nas redes de transportes

A grande expansão da Rede de auto-estradas permite potenciar o transporte


rodoviário de passageiros, que mais facilmente permite adequar os meios às
variações da procura e alcançar uma mais elevada “capilaridade” dos percursos

- Melhorando a qualidade, comodidade, eficiência e segurança dos veículos


de transporte rodoviário dos passageiros;
- Melhorando a articulação inter-modal e entre diferentes empresas
concessionárias, usando a Net, com acesso através do telemóvel;

Promover Investimentos com elevado impacto porque incidindo em nós de


rede:

- Em Sistemas de logística, distribuição e Transportes de produtos nas regiões


urbanas

 A logística urbana de transporte de mercadorias é em um problema que


afecta a fluidez do trânsito, a qualidade ambiental, a competitividade do
comércio, a vitalidade dos centros urbanos e a eficiência do comércio
electrónico de bens. A resolução destes vários problemas poderá passar

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pela criação de “nós relais” de distribuição de proximidade que diminuam
os custos da “última milha”, tirando partido do potencial de eficiência e
comodidade possibilitados pela tecnologia RFID articulada com a
informação on line:
 Localizados em sítios nevrálgicos como
- Parques de estacionamento
- Estações intermodais de transportes interurbanos (rodoviários,
ferroviários, fluviais)
Possibilitando a resolução de três tipos de problemas:
- entrega de mercadorias ao comércio local durante todo o dia, minorando
o impacto na fluidez do trânsito, com recolha/entrega de proximidade
feita por pequenos veículos eléctricos.
- a comodidade das compras nos centros das cidades revitalizando-os, pela
sua transformação em “centros comerciais a céu aberto”, com recolha
das diversas compras feitas por cada consumidor num único local junto
de parques de estacionamento ou interfaces inter-modais.
- a melhoria da competitividade da logística das entregas das compras feitas
pela NET. Porque quanto mais competitiva é a compra pela Net mais
importante é a rapidez e a competitividade da entrega dos produtos
comprados. A entrega em locais de proximidade pode ser um bom
compromisso relativamente à entrega ao domicílio em termos de
comodidade e custo.

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C.3) Tirar partido da capacidade C&T nacional para viabilizar investimentos com
forte impacto social

A capacidade de “algoritmização” dos processos de análise e tomada de decisão


que as TICs vêm possibilitar estão a permitir desenvolver soluções que tornam
mais eficientes a prestação de serviços sociais, transformando-os, de serviços de
proximidade e mão-de-obra intensivos, em serviços e produtos intensivos em
conhecimento transaccionáveis. A interdisciplinaridade da comunidade científica
portuguesa, e os estreitos canais de cooperação que a ligam às empresas de base
tecnológica, já começou a dar origem a este tipo de soluções que tornam possível
melhorar a prestação de serviços sociais com redução da despesa pública e
criação de novos serviços transacionáveis. Por exemplo sistemas de apoio ao
diagnóstico de doenças que permitem antecipar a sua detecção, aumentando a
probabilidade de as curar e fazendo-o mais cedo com custos provavelmente mais
baixos. Serviços sob a forma de software que são exportáveis.

As aplicações na área da Saúde são criticas porque se trata de uma área de


necessidades crescentes, em que é grande a pressão sobre o deficit público,
constituindo simultaneamente uma boa aposta em termos de especialização
internacional.

D) Criar os instrumentos de política que aproveitem a intensificação da


criatividade da sociedade nos períodos de crise.

Completar as medidas de apoio existentes à I&D aplicada com medidas mais


dirigidas num primeiro momento à identificação de ideias inovadoras, criando as
condições para a sua viabilização através de um procedimento faseado e
interactivo. O que pressupõe projectos mais pequenos e um instrumento de
avaliação mais frequente, com a flexibilidade para iniciar, mas também
descontinuar, apoios a iniciativas mais inovadoras mas também de maior risco.

Lino Fernandes

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