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José Ornelas Carvalho SCJ

Bispo de Leiria-Fátima e Presidente da CEP


PORTUGAL

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Fátima, 25 de abril de 2022

202.ª ASSEMBLEIA PLENÁRIA DA CEP


Palavras de Abertura

Muito boa tarde a todos, Senhor Núncio Apostólico, Senhores Cardeais, Arcebispos, Bispos e
convidados da CIRP e da CNISP para esta 202.ª Assembleia Plenária da Conferência Episcopal
Portuguesa. A todos vós, bem como aos representantes dos órgãos de comunicação que nos
acompanham, saúdo com amizade fraterna.
Quero saudar, de modo especial, os irmãos Bispos que assumiram novas missões dentro da
Igreja em Portugal: D. João Evangelista Pimentel Lavrador, Bispo de Viana do Castelo, desde
28-11-2021; D. José Manuel Garcia Cordeiro, Arcebispo de Braga, desde 13-02-2022; aos quais
me associo também eu (José Ornelas Carvalho) como Bispo de Leiria-Fátima, desde 13-03-
2022. Que o Espírito do Senhor, Pastor da Igreja, acompanhe, abençoe e torne fecundo o novo
ministério que agora iniciamos.
Exprimo igualmente uma sentida gratidão para com os irmãos no episcopado que concluíram
recentemente um assinalável serviço à Igreja, na Arquidiocese de Braga e na Diocese de Leiria-
Fátima. D. Jorge Ferreira da Costa Ortiga deixa uma marca assinalável, não apenas na
Arquidiocese Primaz de Braga, mas igualmente na Conferência Episcopal, da qual foi
Presidente e dinamizador de diversas Comissões. D. António Augusto dos Santos Marto,
Cardeal e Bispo Emérito de Leiria-Fátima, cujo ministério tenho o gosto e o desafio de
continuar nesta Diocese, deixa-nos uma herança de eclesialidade e busca constante de
caminhos novos para a Igreja, tanto na Diocese como na CEP. Que o Senhor abençoe aos dois
e faça germinar as sementes de Evangelho que foram lançando com o ministério
desempenhado na Igreja.
Tenho também o gosto de dar as boas-vindas aos Administradores Diocesanos das Dioceses
que, mercê das recentes movimentações episcopais, se encontram na situação de sedes
vacantes: P. Hélder Manuel Cardoso da Fonseca de Sousa Mendes da Diocese de Angra do
Heroísmo, P. Adelino Fernando Paes da Diocese de Bragança-Miranda e o P. José João Aires
Lobato da Diocese de Setúbal. Acolhemos-vos com alegria fraterna e pedimos ao Senhor que
acompanhe com a luz do seu Espírito os processos em curso para prover à nomeação dos
próximos Bispos para as vossas sedes diocesanas.
Tenho também a alegria de saudar e dar os parabéns, na pessoa do seu Bispo, D. António
Augusto de Oliveira Azevedo, à Diocese de Vila Real, na celebração dos 100 anos da sua
fundação, ocorrida a 20-04-2022. Como Conferência Episcopal, damos graças a Deus pela
história eclesial deste século de Igreja local, pelo contributo dado ao povo deste país e à
missão da Igreja no mundo. Que esta celebração possa significar também um impulso sinodal
para enfrentar os desafios que a todos nos responsabiliza neste momento da história.
Foi também muito significativo para a Igreja em Portugal a celebração do Congresso realizado
em Fátima e da memória celebrativa dos 375 anos da proclamação e coroação da Imaculada
Conceição como padroeira de Portugal, que teve lugar no santuário de Vila Viçosa a 27 de
março de 2022. A presença de grande parte dos membros do episcopado português, do

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Presidente da República e outros representantes da nação foi uma clara manifestação de
apreço pelas raízes identitárias cristãs do nosso povo e, ao mesmo tempo, sinal de abertura e
integração num projeto universal de expressão europeia e mundial.
Iniciamos esta Assembleia no dia celebrativo do 48.º aniversário do 25 de Abril, que significou
uma mudança fundamental de rumo do nosso país e dos outros países que estavam a nós
ligados em atitude de submissão e revolta e que hoje são nossos parceiros por convicção e
interesse mútuo, na criação de um mundo de dignidade e de colaboração entre os diferentes
povos desta terra. Embora o ideal de Abril permaneça ainda, em muitos aspetos, como meta
a alcançar, é importante sublinhar os passos dados na construção de um país baseado nos
valores da dignidade e da abertura sem preconceitos aos outros povos e culturas, como
terreno sólido para colaborar na construção de um futuro de real fraternidade, solidariedade
e paz para toda a humanidade.
Esta Assembleia acontece também em contexto pascal. Há pouco mais de uma semana
celebrámos, na Igreja Católica de rito latino, a solenidade da Páscoa, que as Igrejas Católicas
de Rito Oriental e a Igreja Ortodoxa celebraram ontem. Infelizmente esta quadra
especialmente festiva ficou dramaticamente ensombrada pela bárbara e incompreensível
guerra que se abateu sobre a Ucrânia, com consequências de trauma, destruição e morte para
a população ucraniana e com consequências gravíssimas para toda a humanidade.
Desejo exprimir ao povo da Ucrânia a solidariedade, proximidade e oração da Igreja em
Portugal, com sentido apreço pelo movimento de solidariedade prática da população em geral
e concretamente de muitas organizações eclesiais, visando minorar as consequências
desumanas desta agressão, tanto através da ajuda às populações deslocadas na própria
Ucrânia e países vizinhos, como no acolhimento de refugiados no nosso país. É de louvar todo
este esforço, sendo necessário, tanto da parte do Governo como das instituições civis e
religiosas, um reforço de atenção e coordenação, para evitar o perigo de aproveitamentos
ilícitos das pessoas vulneráveis e para encontrar os meios mais adequados às necessidades do
povo ucraniano. É importante a ajuda de emergência, livrando as pessoas da guerra; mas não
é menos importante a articulação entre as várias entidades acolhedoras para que essa ajuda
garanta, de forma duradoura, a dignidade das pessoas e prossiga depois de um primeiro
socorro.
A consagração da Ucrânia e da Rússia ao Imaculado Coração de Maria, realizada por iniciativa
do Papa Francisco, contemporaneamente em Roma e aqui em Fátima, com a presença da
maioria dos bispos portugueses e de muitos milhares de cristãos, é expressão dos sentimentos
de solidariedade e esperança ativa na superação desta brutal agressão, assim como da
continuidade da generosa assistência aos que são vítimas dela.
Esta guerra não atinge apenas a Ucrânia, mas tem consequências sérias em todo o mundo,
agravando as dificuldades económicas e sociais provocadas por dois anos de pandemia. Se é
verdade que a situação pandémica conhece melhorias, requerendo atenção constante, já os
efeitos da guerra, com a escassez de produtos, a subida dos preços e a progressiva tensão
política internacional, estão a provocar o agravamento das condições de vida sobretudo das
pessoas e famílias que dispõem de menores recursos. O sofrimento das vítimas desta guerra
não pode ser em vão, mas deve conduzir ao reforço das instituições internacionais com real
capacidade de mediação e de promoção de uma humanidade baseada na justiça, na dignidade
e na paz de um Direito Internacional que a humanidade ainda não conseguiu implementar.
Todos os povos têm direito a lutar pela sua autodeterminação e a ambição cega de um regime
não pode coartar ou beliscar esse direito, muito menos invocando razões históricas ou até
religiosas. O tempo que vivemos é muito desafiador e exige de todos nós um grande sentido
de responsabilidade. Aos poderes públicos exige-se competência: para travar a guerra, para

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encontrar soluções duradouras de paz e para gizar políticas que ajudem as populações a
ultrapassarem os constrangimentos de uma economia de guerra e a viver com dignidade e
paz.
É também com um objetivo de justiça, dignidade e coerência evangélica que a Conferência
Episcopal Portuguesa, na sequência da publicação da Carta Apostólica do Papa Francisco Vos
estis lux mundi, de 2019, e da sua implementação entre nós, tem dado passos firmes numa
coordenação efetiva da proteção de menores nas instituições da Igreja.
Neste sentido, entre 2019 e 2020 todas as dioceses criaram as respetivas Comissões
Diocesanas de Proteção de Menores e, em fevereiro de 2022, foi constituída uma
Coordenação Nacional destas mesmas Comissões, para implementar procedimentos,
orientações e esclarecimentos que possibilitem um melhor e mais articulado trabalho de
todos. O Doutor José Souto de Moura foi escolhido para presidir a esta Coordenação Nacional.
Paralelamente, e por iniciativa da Conferência Episcopal Portuguesa, foi criada uma Comissão
Independente para o Estudo de Abusos Sexuais na Igreja Católica Portuguesa, com o objetivo
prioritário de realizar um estudo que vise o apuramento histórico desta questão, assim como
o de criar uma estrutura de «escuta» a nível nacional. O Dr. Pedro Strecht, designado pela
Conferência Episcopal como coordenador desta Comissão, constituiu a sua equipa que,
atendendo à solicitação da CEP, desenvolve o seu trabalho de forma autónoma.
A Conferência Episcopal Portuguesa agradece a colaboração dedicada e responsável de todas
as pessoas que integram as Comissões Diocesanas e sua Coordenação Nacional, assim como
o trabalho da Comissão Independente. Às pessoas que passaram pela dramática situação do
abuso reafirmamos o nosso pedido de perdão, em nome da Igreja Católica, e o nosso
empenho em ajudar a sarar as feridas. Queremos deixar também uma palavra de profunda
gratidão a quem já se aproximou para contar a sua dura história, superando compreensíveis
resistências interiores, marcadas certamente por feridas profundas. Ao mesmo tempo
encorajamos as pessoas que ainda procuram o momento mais apropriado para se referirem
ao que nunca devia ter acontecido nas suas vidas, para que o façam. Estamos convosco:
acompanhamos-vos na vossa dor, queremos ajudar a repará-la e tudo faremos para prevenir
situações como as que tiveram de enfrentar.
Este tema não está encerrado e terá um lugar de destaque nos trabalhos da Assembleia que
agora tem o seu início, exigindo acompanhamento ativo e cuidado para pôr em prática
processos e atitudes que defendam a integridade, a dignidade e o futuro de todas as pessoas,
particularmente as crianças e aqueles que se encontram em situação de fragilidade, na Igreja
e na sociedade. Como Igreja, sentimos o imperativo do Evangelho que anunciamos e que
implica a promoção de uma cultura de respeito e dignidade que favoreça o são
desenvolvimento de cada pessoa e ajude a sarar as feridas que permaneçam abertas.
À luz da mensagem renovadora da Páscoa, olhamos com esperança para o caminho sinodal
que está a decorrer na sua etapa diocesana, por toda a Igreja. O resumo deste processo de
auscultação e dinamização em curso será objeto de reflexão da Conferência Episcopal, no
próximo mês de junho, buscando juntos os caminhos da sinodalidade para a Igreja em
Portugal. O resultado desse processo nacional será encaminhado, em seguida, para um
idêntico caminho a nível europeu, antes de se integrar no documento preparatório da
Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos, que terá lugar em Roma, em outubro de 2023.
A renovação sinodal da Igreja e a sua adaptação ao tempo que vivemos estará também
presente em três documentos propostos para os trabalhos desta Assembleia. O primeiro é o
“Itinerário de iniciação à vida cristã com as famílias, com as crianças e com os adolescentes”,
destinado a renovar o percurso de educação cristã dos mais novos, através da catequese, com

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atenção especial ao papel da família e a uma pedagogia da fé que conduza a uma maior
participação das crianças e adolescentes na comunidade cristã em que se inserem.
O segundo documento – “Ministérios laicais para uma Igreja ministerial” – na sequência dos
documentos do Concílio Vaticano II e do magistério da Igreja que se seguiu, particularmente
do Papa Francisco, dá as indicações para uma maior participação dos leigos na vida da Igreja,
tanto no seu aspeto celebrativo, como pastoral e missionário, implementando a sinodalidade
através do exercício dos ministérios laicais, nomeadamente os do Leitor, Acólito e Catequista.
Esperamos que o novo perfil e as novas responsabilidades que venham a assumir as mulheres
e os homens encarregados destas tarefas sejam sinal e instrumento de uma maior
participação e corresponsabilização dos fiéis na vida das comunidades cristãs e na missão da
Igreja no mundo.
Estará ainda à apreciação desta Assembleia a introdução de algumas alterações na
regulamentação dos direitos de privacidade de cada pessoa, no documento “Instrução sobre
o direito de cada pessoa a proteger a própria intimidade”, de forma a adequar as disposições
aprovadas pela CEP em 2018 às normativas atuais vigentes em Portugal e na União Europeia,
bem como às orientações do Código de Direito Canónico.
Como tem sido hábito nas últimas sessões da Assembleia Plenária dos Bispos, será objeto da
nossa atenção o processo de preparação da Jornada Mundial da Juventude que terá lugar em
Lisboa, de 1 a 6 de agosto de 2023. Neste momento, os símbolos da JMJ Lisboa 2023 estão a
peregrinar pelas dioceses portuguesas, depois de terem feito um percurso por diversos países
da Europa e da África de língua portuguesa. Apesar das dificuldades da situação mundial,
esperamos que este evento, que está a ser preparado em diálogo e com o contributo do
Governo e das Câmaras de Lisboa e de Loures, possa ser um momento especial de encontro
mundial da juventude, organizado pela Igreja católica e aberto aos jovens de todas as opções
religiosas. Entrou numa nova fase a preparação do acolhimento dos jovens nas paróquias e
instituições da Igreja e de outras entidades, de forma a que aqueles que nos visitam possam
apreciar a hospitalidade do povo português e participar num evento que fortaleça o diálogo
intercultural sem fronteiras para a criação de um mundo mais fraterno, solidário e em paz,
com base na alegria e no desafio a que o Evangelho nos convoca.
Os temas que referi e que estão presentes nesta Assembleia mostram o tempo em que
vivemos, onde se adensam nuvens de guerra, de luto e terror, de preocupações para o futuro.
Mas é também tempo de iniciativas que buscam inverter processos de exploração e injustiça,
curar feridas, atender a necessidades gritantes, lançar pontes de solidariedade, acender a
chama transformadora da esperança. Falar de esperança quando tudo corre bem não é difícil.
Traçar percursos concretos que gerem esperança é aquilo que carateriza os profetas e os
verdadeiros revolucionários. Nós não esquecemos que a alegria da Páscoa nasce de um
ambiente de morte, de dor e de luto, mas também de muito amor até ao dom da vida. E,
quando tudo parecia ter acabado no silêncio da morte, estava era a descortinar-se a aurora
de um mundo novo. É essa esperança que continua a dar força e rumo ao nosso compromisso
com a história, com a humanidade.

Aos jornalistas que agora nos deixam agradeço o trabalho que realizam junto de nós; e a todos
os participantes nesta Assembleia desejo um encontro fraterno e profícuo, iluminado pelo
Espírito do Senhor ressuscitado.

+ José Ornelas Carvalho


Bispo de Leiria-Fátima e Presidente da CEP

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