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Doutrina ASPECTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CONTRATUAL EM DIREITO COMPARADO INGLES E PORTUGUES pelo Dr. Armindo Ribeiro Mendes SECCAO I INTRODUGKO 1. Objecto deste estudo Pretende-se neste trabalho, realizado para um seminério de Direito Comparado sobre responsabilidade civil no Ambito do Curso Complementar de Ciéncias Juridicas da Faculdade de Direito, tentar estudar o tratamento da responsabilidade contratual nos direitos inglés e portugués, a fim de ensaiar uma comparago bilateral dos aspectos gerais das duas regu- lamentagées positivas, recorrendo para tal & metodologia do direito comparado, disciplina que opera a «confrontagéo de diversas ordens juridicas no seu espirito e no seu estilo ou a confrontag&o de instituigdes compardveis ou de solugdes com- paraveis nas diferentes ordens juridicas», segundo a ampla formulagio do comparatista KONRAD ZWEIGERT. ie) () Méthodologie du Droit Comparé, in Mélanges Offerts a J. Maury, 2, P. 580 (v. tb. a edicio abreviada do mesmo trabalho publicado in Studium Generale, 1960, pp. 193 200, Zur Methode der Rechtsvergleichung). 6 ARMINDO RIBEIRO MENDES Ao ensaiar-se esta comparagdo entre o tratamento da res- ponsabilidade contratual nos direitos inglés e portugués, par- timos do principio de que ambas as ordens juridicas conhecem e regulamentam o problema da responsabilidade por violagio ou inexecugio do contrato, pois toda a comparagao de direitos pressupde como minimum indispensdvel a existéncia de insti- tutos ou solugdes compardveis nas diferentes ordens juridicas, isto ndo obstante um certo cardcter tautolégico na exigéncia de comparabilidade de institutos para efeitos de comparagao. Como escreve GORLA, um dos estudiosos do contrato no direito comparado, «a comparagio de facto néo tem sentido se aque- les termos j4 se apresentam como totalmente heterogéneos (0 que, a falar verdade, filosoficamente, se nao historicamente, nao poderia nunca acontecer: mas 0 quid comum nio pode ser © mesmo conceito supremo do direito). Método comparativo, como se 1é no vocabulario, é o que indaga um fenémeno, con- frontando-o com fenémenos da mesma ordem, estudo compa- rado, 0 que é conduzido tendo em conta aspectos miultiplos de uma mesma ordem de fenémenos (PALAZZI)» (’). Partimos do postulado de que é possivel e se reveste de interesse (pelo menos dogmatico) a comparagio das solugdes inglesa e portuguesa em matéria de responsabilidade contratual. @) Diritto Comparato, 1964, art. in Enciclopedia del Diritto, XII, p. 928, ‘A exposigao deste sutor, nem sempre muito clara, reveste o interesse de provir de um dos comparatistas latinos que mais profundamente tem estu- dado direito dos contratos. # curiosa a formulagso metodolégica de hipd- tese de trabalho que este autor faz: «& um processo quase circular de conhe- cimento que vai de um ao outro termo, e do outro volta aquele e assim por diante; e enriquece de tal modo sempre mais o conhecimento de um outro, pelos caracteres individuais de cada um deles (que resultam e podem resultar sé da comparagio, pois que se ndo d& o «individuo» sem o soutrov) e pelos caracteres comuns. Ao mesmo tempo verificase a hipdtese de tra- palho de um quid comum e assim se atinge o conhecimento deste quid e (tal conhecimento) desenvolve-se» ibidem. Sobre 0 cardcter de notoriedade dos préprios termos a comparar em certos casos, ¢ 8 utilizaco de instituigbes e primeiras impressdes e da escolha dos préprios conceitos supremos (direito positivo, direito nacional, direito internacional, direito estadual, etc.) v. p. 929, nn. (1) e (2) do mesmo artigo. Em sentido semelhante quanto & metodologia na questio da hipdtese, v. K. Zweigert, est. cit., p. 586, discordando de Langrod. RESPONS. EM DIREITO INGLES E PORT. 7 $6 no final do estudo se poder4, porém, verificar a justeza do ponto de partida. (*) 2. Dificuldades na comparagdo entre os direitos inglés e por- tugués em matéria de responsabilidade contratual. Sendo este o tema deste estudo, nao pode deixar de fazer-se uma prevengio genérica que, nao obstante ser geralmente to- mada em conta pelos comparatistas, deve ser aqui reafir- mada. Trata-se da necessidade de proceder cuidadosamente a comparagao entre institutos ou regras juridicas provenientes de um sistema da familia romano-germanica (*), de um sis- tema continental, com as regras ou institutos provenientes de um sistema de common law. E ja hoje bem conhecido de qualquer estudante do direito comparado, por muito breve que seja o seu contacto com esta disciplina cientifica (°), que a familia de direitos anglo-ame- ricana ou da common law se distingue da familia romano-ger- manica quer pelas especialidades da existéncia e predominio em certos ramos de direito de normas provenientes de fontes jurisprudenciais (divergéncias na teoria das fontes), quer, como foi revelado pelas investigagdes mais modernas, pelas proprias diferengas de estruturas juridicas fundamentais: foi sé numa época relativamente recente que se notou serem as () Vejase o que escreve em sentido aproximado L. J. Constantinesco, Inexécution et Faute Contractuelle en Droit Comparé, 1960, pp. 8 a 16. (*) Acolhemos como terminologia bésica a de René David, em matéria de classificagdes de famflias de sistemas juridicos. V. Les Grands Systemes, 3 ed., 1969, pp. 23 ss. V. entre nds as criticas do Prof. Oliveira Ascensao, Introducao ao Estudo do Direito, 1970/1971, pp. 179 e ss. e ainda K. Zwelgert. Zur Zehre von den Rechtskreisen, in XX th. Century Comparative and Con- flicts Law, 1960, pp. 42 e ss. ©) No sentido de que o direito comparado tem autonomia como ramo Glentitico de direito, pelo menos, v. K. Zweigert, est cit, Mélanges Maury, . P. 584, Sobre este ponto e a querela entre direito comparado auténomo e mé- todo comparativo e a tentativa de superac&o prdtica tentada por Gutteridge, v. Mare Ancel, Cent Ans de Droit Comparé en France, in Livre du Centenaire de la Societé de Legislation Comparée, 1969, p. 19. 8 ARMINDO RIBEIRO MENDES classificagdes do ordenamento, os conceitos dogmaticos e o pré- prio tipo de regra de direito muito diferentes nos direitos anglo-americanos e romanistas. Na comparagéo de direitos que tentaremos esbocar entre alguns aspectos da regulamentagao da responsabilidade con- tratual nos ordenamentos inglés ¢ portugués adoptaremos um enfoque funcional, que é hoje comummente advogado na disci- plina do Direito Comparado. Com JOSEPH ESSER, «pode- mos dizer, com razdo: uma mesma necessidade n&o obriga direitos estruturalmente distintos a desenvolver figuras idén- ticas, mas s6 principios similares de ordenamento, que sao aplicados por meio de figuras dispares. A parte das influéncias de escola e de construgées racionais, que 36 frouxamente se enlagam com a propria tradigao, as instituigdes apenas so comparaveis relativamente A sua fungao, n&o relativamente & sua posig’o e concepgao técnicas». (°) Adptando, pois, uma atitude dirigida aos aspectos funcio- nais dos institutos supomos que, depois da descrigao dos regi- mes juridicos da responsabilidade contratual em ambos os direitos, algum interesse pode revestir a comparagao de solu- goes, quanto mais nao seja para aprofundar o conhecimento do direito nacional daquele que procura levar a cabo a com- paragio. (") Nao ignoramos que as maiores criticas podem ser formu- ladas quanto & propria delimitagao do objecto do estudo, a res- ponsabilidade contratual. (°) Mesmo assim, operamos na es- teira de CONSTANTINESCO, sentindo igualmente a necessi- dade «de tomar como objecto de comparagdo um complexo ou um grupo de problemas juridicos, mais ou menos equivalente (Principio y Norma en la Elaboracion Jurisprudencial del Derecho Privado, trad. esp., 1961, p. 454. Ver todo © capitulo XVIII e também pp. 42 e 83. mesma obra. Ver ainda a opiniéo de Neumayer sobre comparacéo fun- cional em J. B, Machado Ambito de Eficdcia, p. 260. e sobre as ordens ji trangeiras, crftico quanto & solugio nacional e suscitar desde entéo a inspiracio, a hipd- tese de trabalho» (K. Zweigert, art. cit. p. 585). © V. Constantinesco, ob. cit., p. 12. RESPONS. EM DIREITO INGLES E PORT. 9 em todos os direitos, e isto mesmo se o pensamento e a técnica juridica dos direitos respectivos os concebem, formulam e agru- pam diferentemente». (°) Nao duvidamos, porém, que muitos pontos de interesse dog- matico viréo a ser postos em relevo em qualquer anélise ou sintese comparativas, por mais inexperiente que seja o apren- diz de comparatista. SECCAO IT A RESPONSABILIDADE CONTRATUAL NO DIREITO INGLES 3. Liability for tort damages e for breach of contract damages E sabido que no direito inglés nao surge nas matérias de direito privado uma divisio ou grande ramo de direito, o direito civil, nem em matéria de obrigagdes aparece um capi- tulo ou diviséo sob a designagao de responsabilidade civil, como acontece nos direitos continentais da familia romano-ger- manica onde a doutrina e, hoje, as legislagdes mais modernas incluem 0 estudo das regras e a sua propria sistematizagao em cédigo num dos ramos da classificagéo romano-germanica do direito civil, no direito das obrigagées. (*°) A par de uma law of torts que alcanga penosa autonomia cientifica na segunda metade do século XIX (*) 6 dentro de ©) Ob. cit., p. 13. & de notar que este autor perfilha igualmente o ponto de vista de que 0 que importa, néo é 8 forma, mas a fungéo de uma ins. tituichow (p. 10), 0 que, no &mbito de comparagao de direitos, se traduz numa ideia de «equivaléncia funcional», CO) gett: Prot. Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostos da Respon- Sabilidade Civil, 1968, pp. 37 a 42, marime 40 indicando bibliografia portu- guesa na matéria. Ver tb. Prot. Jaime de Gouveia, Da Responsabilidade Con. tratual, 1933, pp. 159 ss., de uum ponto de vista histérico, () © primeiro livro sobre a law of torts surge na América em 1850 {Sendo ‘seu autor Francis Hillard); na Inglaterra, se se exceptuar uma obra isolada e de escasso valoi clentifico publicada em 1720, 6 s6 em 1860 que surge o trabalho pioneiro. 10 ARMINDO RIBEIRO MENDES um outro ramo de direito,, cuja autonomizagio nfo tem hoje paralelo na dogmatica continental, a lew of contract, que é tra- tada a matéria do que chamamos responsabilidade contratual, sob as designagées dificilmente traduziveis de breach of contract c de remedies for breach of contract, entre os quais avulta pela sua importincia entre o elenco de remedies, os damages prove- nientes de uma inexecugio contratual —trata-se mesmo do tinico «remédio» concedido pela common law. Embora a designagao de liability for breach of contract damages (liability ex contractw) ocorra algumas vezes em cer- tas obras doutrinais mais recentes, «o caracter empirico do direito inglés e a sua reticéncia face as grandes classificagdes doutrinais», a0 lado do facto de que «a estrutura actual do direito inglés é, na sua maior parte, produto ou heranga his- téricay (LEONTIN-JEAN CONSTANTINESCO) ('*) justificam © recurso que faremos as designagées nativas da common law, sem que se procure traduzir ou empregar a terminologia con- tinental, porventura mais clara para um jurista oriundo de um pais da civil law, mas extremamente mais perigosa por esbater as particularidades de um direito nfo nascido em Uni- versidades, nem trabalhado por professores, um verdadeiro Richterrecht, ou Juristenrecht na designagio bem conhecida de KOSCHAKER. A law of torts & de elaboragéo dogmatica mais recente do que a law of contracts, Mas mesmo esta é também relativa- mente recente, se a compararmos com o outro grande ramo do direito patrimonial, a law of real property. Os principios do direito dos contratos sio quase exclusivamente uma criac&o dos tribunais da common law durante os tltimos dois séculos. A legislagao escrita (statute law) proveniente do Parlamento (2) Inexécution et Faute Contratuelle em Droit Comparé (droits francais, allemand, anglais), 1960, p. 111. Segundo este comparatista, «o proprio em- prego dos termos «responsabilidade contratualy e «delitual» para o direito inglés tem qualquer coisa de aproximativo, embora a law of torts tenha em direito inglés praticamente o lugar da responsabilidsde civil (delitual) em direito francés» (ibidem). RESPONS. EM DIREITO INGLES E PORT. w teve um papel muito reduzido em matéria contratual e se o contrato é, como escreve ANSON, a child of commerce ("*), a sua disciplina jurfdica nfo 6 menos uma criagio da jurispru- déncia inglesa, de sedimentag&o longa de sucessivas decisdes dos tribunais da common law, que foram estabelecendo nu- merosos precedentes, os quais ainda hoje constituem the law of the Realm. A importancia da law of contrats tem pois aumentado de forma apreciavel desde 1756, data em que aparecem os céle- bres Commentaries on The Laws of England de BLACKS- TONE. ("*) Hoje, porém, nao se pode duvidar da autonomia da law of contract, nio havendo, pois, o perigo de ver o contract quase dissolvido na law of property, & maneira de W. BLACKS- TONE. Para os autores ingleses, este ramo de direito difere dos outros, «na medida em que nfo expde um nimero de direitos e deveres que o direito fara cumprir: consiste antes num conjunto de princfpios limitativos, sujeitando-se aos quais as partes podem criar direitos (rights) e deveres (duties) para si préprias que o direito tutelaré. Num certo sentido, as partes de um contrato fazem direito para si mesmas. Enquanto nao infringirem qualquer proibigao legal, podem fazer as regras que quiserem a respeito da matéria do seu agreement, e 0 direito dard efeito as suas decisées». (*) 4 — Nogdo de contract Como antecedente logicamente necessério a uma descrigao despretensiosa dos conceitos de breach of contract e dos reme- dies que 0 direito concede & parte prejudicada com a inexe- ©) Ob. cit, p. 1. C) Bastard dizer que Blackstone consagrava 380 péginas a law of real Property, ao passo que os contratos Ihe mereciam menos de um décimo do espago — apenas 28 péginas! Tal como em Gaio ou nas Institutes de Jus. tinlano, a propésito dos modos de aquisicio da propriedade (em das things personal), 0 contract era estudado ao lado da doagao (gift or grant) com a qual estava «much connected», (8) Anson Guest, ob. cit. p. 1. 12 ARMINDO RIBEIRO MENDES cugao da outra, vamos aludir brevemente a noga&o de contract, a qual nfo coincide totalmente com o conceito dos direitos portugués, francés, italiano ou alemao de contratos, embora as divergéncias nfo sejam essenciais. Na impossibilidade de estudar a teoria geral do contract no direito inglés, limitamo-nos a referir algumas opinides contempordneas sobre a figura e o ramo de direito que dela trata, procurando reduzir ao minimo possivel as referéncias 4 histéria do direito inglés, ANSON apresenta como nogio proviséria de lew of con- tract, a daquele «ramo de direito que determina as circunstan- cias em que uma promessa serd juridicamente vinculativa para @ pessoa que a faz». (’*) Os juristas anglo-saxdes contemporaneos, embora nao adop- tem uma designagao tinica para os sub-ramos que nés tradi- cionalmente englobamos no direito civil (civil law countries so, para os comparatistas ingleses, os paises da Europa con- tinental que tém sistemas juridicos baseados na conceptologia e nas regras herdadas do direito romano) (""), consideram a law of contract como um dos ramos da private law, sendo Corrente nas doutrinas inglesa e americana modernas a utili- zagéo da dicotomia public law-private law, em termos muito semelhantes aos das doutrinas da familia romano-germanica. Nas edigdes ainda a seu cargo exclusivo, SIR WILLIAM ANSON definia contract como um «acordo (agreement) juri- dicamente vinculativo feito entre duas ou mais partes, através do qual sao adquiridos direitos por uma ou mais partes, rela- tivamente a actos ou forbearances (omissdes ou sujeigées) da parte de outra ou outras». (*) Hoje GUEST limita-se a falar em «actionable promise or promises» para descrever 0 quid em que consiste o contract. E j& nesta linha se orientava ROSCOE POUND quando definia o contract, em sentido CY Ob. cit, p. 1. @) Ctr, J. MH. Merryman, The civil law tradition, 1969, Pp. 1 88. ma- RESPONS. EM DIREITO INGL#S E PORT. 3 estrito, como «a legally enforceable promise or set of pro- mises» (""). ROBERT KIRKPATRICK iota apenas que o jurista continental ficaré certamente admirado com o extremo for- malismo do direito contratual inglés moderno, ao qual repugna, tal como ao direito romano, a ideia de que ex nudo Pacto obli- gatio oritur. (?°) Impée-se, pois, fazer uma referéncia breve a génese histé- Tica do contract no direito inglés. Para se conseguir compreender a nogio de contract, de breach of contract, da confusao deste com certos tipos de torts, e a disting&o entre remedies for tort tem de se ter presente que, ao passo que os direitos continentais se foram modelando fundados na ideia, comummente aceita no periodo bizantino tal como no ius commune medieval, traduzivel no brocardo ubi ius, ibi remedium, a estrutura das actions da velha common lew inglesa exprime uma_perspectiva completamente oposta: ubi remedium ibi ius. (**) Com efeito, a legalidade do contrato meramente consen- sual no era admitida no periodo mais cemoto da common Taw, em que nao se protegia uma figura geral de contrato mas apenas certos contratos tipificados, cuja inexecugio era tute- lada por actions formalistas e incompletas que davam lugar a algumas lacunas. Como resume CONSTANTINESCO, de facto os contratos «nao existiam senio na medida em que eram consagrados por uma forma solene ou por um comeco de execugdo. Assim a responsabilidade era independente do acordo e derivava antes do nao-cumprimento de formalidades. GLANVIL afirmava que os tribunais régios nfo desejavam Proteger private agreements e somente poucos contratos se encontravam no Register of Writs». (**) (@) Encyclopedia of Social Sciences, IV, p. 323, Segundo Story, «a con- ract 4s a deliberate engagement between competent parties, upon a legal consideration to do or to abstain from doing some acts» (Stroud’s judicial dictionary, p. 390). Ver ainda James, Introduction to English Law, 1953, p. 223: «a contract is a legally binding agreement». i cee nate ee anglais, 1964, pp. 187-188. a id, Equity, ed. de 1936 a cargo de J. Brunyate, pp. 1 a 11. @) Ob. cit., p. 112, ia Soca ceee ee aie 4 ARMINDO RIBEIRO MENDES Deixando de parte a protecgao do pactuante perante a ine- xecugéo do outro pactuante em acordos meramente consen- suais, que parece ter sido concedida pelas Ecclesiastical courts a luz da ideia da tutela do respeito de fides facta, prenun- ciando a actuagio do tribunal de consciéncia do Chancellor, pode afirmar-se que é no decurso do séc. XVI, com a separa- do das duas jurisdigdes da common law e da equity, e com a reacgio da primeira daquelas jurisdigées contra o formalismo e rigidez das actions tradicionais, que vai superar-se o prin- cipio tradicional de que ex nudo pacto actio non oritur. No famoso Slade’s Case de 1602, o juiz afirma que «every con- tract executory imports in itself an assumpsit». Achava-se ai o reconhecimento quer da forca obrigatéria da simples troca de consensos, quer do principio da responsabilidade por qual- quer breach of contract. & através da acgio Assumpsit que nos séculos XVI e XVII, os casos de breach of agreement vao ser tutelados. Lentamente comega, pois, a consolidar-se a ideia, revelada em algumas definigdes modernas atrds registadas, de que no agreement contratual basta o encontro de consensos, aquilo que os juristas ingleses designam tecnicamente por consensus ad idem. Mas ainda hoje a disting&o entre specialty contracts e sim- ple contracts (*) reflecte uma certa incerteza sobre o desenho da figura contratual no direito inglés: a) os specialty contracts ou contracts by deed: sio aque- les que sao feitos sob selo (under seal, assinados, selados e entregues). Materialmente o contrato é selado pela afixagio de uma tarjeta de papel que é tocada pela pessoa que faz o deed. A delivery & feita através da entrega material & outra parte ou seu representante ou, idealmente, através de toque no selo e pronincia da férmula «/ deliver this as my act and deed». () Omitimos aqui a referéncia aos contracts of Record, de natureza processual, que eram apresentados pela doutrina mais antiga. Anson e Guest, porém, sé distinguem os dois tipos aludidos no texto. V. 0b. cit., p. 65. RESPONS. EM DIREITO INGLES E PORT. 15 Os contracts by deed dispensam a existéncia de valida con- sideration (**) e sio usados para certas transmissdes social- mente mais importantes (conveyances de prédios, arrendamento de prédio durante mais de trés anos, estatutos de uma part- nership, etc.). b) Os simple contracts — s&o os que nio s&o feitos sob selo: podem ser feitos oralmente, por escrito, ou serem revelados por um comportamento (implied by conduct). Na auséncia de valida consideration sao nulos (void). A consideration & assim descrita nas palavras de SIR FREDERICK POLLOCK: «um acto ou omissio de uma parte, ou a respectiva promessa, € o preco pelo qual a promessa da outra é comprada, € a promessa assim dada como valor é acciondvel (enforceable) ». (#) 5—A inexecugéo do contrato: nogéo técnica de «breach of contract» — suas espécies Tal como no direito portugués (Cédigo Civil, arts. 762.°, 763.°-1), a regra geral no direito inglés, é a de que «a execugio (performance) de um contrato deve ser precisa e exacta ("): para tal, e perante uma pretensa execugio, tém de apreciar-se, segundo ANSON e GUEST, os problemas em primeiro lugar da interpretagéo do contrato (construction) a fim de ver o que as partes quiseram significar com a palavra execugdo e, em segundo lugar, da prépria fixagdo dos factos: Para ver se o que foi feito corresponde ao que foi prometido ©) Ctr. sobre a nogiio de consideration e a diferenga relativamente & de causa do contrato (ou do negécio jurfdico néo abstracto) nos direitos continentais, R. David, Cause et consideration, Mélanges Maury, II, pp. 111 ss., P. Escobar, Causa e consideration, in Revista de Derecho Puertorriquefio, 4, Pp. 275 @ 297, P. S. Atiyah, An introduction to the law of contract, 1971, (®) Transerito em Cheschire e Fifoot, The law of contract, 6.* ed., 1964, P. 60. A teoria af revelada tem sido muito atacada pela doutrina anglo. () Anson-Guest, ob. cit, p. 433, 16 ARMINDO RIBEIRO MENDES —sé depois destas operagées cognitivas, poderé responder-se & pergunta sobre se a pretensa execug&o corresponde ao crité- rio enunciado de execugo precisa e exacta do agreement. Estreitamente relacionada com a ideia de performance en- contra-se a nogio de breach of contract que, aproximadamente, significa toda e qualquer inexecugo contratual. O facto, porém, de o direito dos contratos inglés nao se encontrar codificado envolve certas dificuldades quanto 4 res- posta sobre o que é o breach of contract. Em vio se buscara, como nota CONSTANTINESCO, uma definigao legal. Ha que procurar o que escrevem os autores anglo-americanos sobre a matéria. Segundo CHESCHIRE e FIFOOT, 0 breach ocorre «quando uma parte repudia ou deixa de executar (fails to perform) uma ou mais obrigagdes a ela impostas pelo contrato». (”) Segundo o Restatement americano, § 312, «um breach of contract & a nfo-execugéo de qualquer dever contratual de execugio imediata. Um breach pode ser total ou parcial, e pode ter lugar através de omisséo (failure) de execugio de actos prometidos, através de prevenc&o, obstrugio (hidrance) ou por repidio (repudiation) ». (**) Entendemos dever dar a palavra a um comparatista sobre o sentido da expressio breach of contract: «o breach of con- tract nao é outra coisa senio a inexecugdo francesa (”) ou a violagio duma obrigagéo contratual. E preciso dar esta preci- slo terminolégica e é importante sublinhé-la. Atendo-se a uma tradugio estritamente literal, diversos autores no continente traduziram breach of contract em francés por rupture du con- tract e em alemao por Vertragsbruch, 0 que, do ponto de vista do direito comparado, pode conduzir a dificuldades. No direito francés, a ruptura do contrato (ou a suspensdo) pode ocorrer, mas enquanto consequéncia algo particular duma inexecugao. No direito alem&o, o Vertragsbruch pode lembrar nomeada- @) Law of contract, 6+ ed., p. 501. () Transcrito por L, J. Constantinesco, Inezécution et faute, p. 122. () Ctr, arts. 1146° e seguintes do Code civi! francés. RESPONS. EM DIREITO INGL&S E PORT. 17 mente a positive Vertragsverletzung. Isto faz que, num caso como noutro, a tradugao literal seja inexacta. Apesar de se falar de ruptura e de contrato, é preciso entender por breach of contract a inexecugéo duma obrigagao contratual». (°°) Perante a ocorréncia de um breach of contract (*'), ensi- nam ANSON e GUEST que surgiré a cargo da parte que vio- lou 0 contrato uma nova obrigagéo—um direito de acgao conferido 4 parte ofendida pela violagio. Além disso, ha cir- cunstancias em que a violagZo nfo d4 sé origem a uma acgio mas que desobrigara também a parte ofendida daquela pres- tagéo que pode ainda ser devida por ela. (**) © breach of contract aparece assim como uma nogio geral de inexecugao, em que podem distinguir-se subespécies. Veja- mo-las rapidamente: 1.°— 0 breach ocorre normalmente quando uma das partes nao cumpre a sua obrigagio na data fixada para o cumpri- mento pelo contrato, como sucede, por exemplo, quando o sendedor nao entrega os bens vendidos no dia combinado — failure to perform; 2.°—O breach pode dar-se havendo repidio expresso do centrato por uma das partes que declara explicitamente que nao cumpriré a sua promise — explicit repudiation; (©) Constantinesco, ob. cit., pp. 122-123. ©) Segundo Osborn, o breach 6 uma sfailure to carry out an under- taking» (Dictionary cit, p. 46). A formulac&éo de Sir John Miles no Digesto Publicado sob a direccdo do Prof. Jenks parece mais discutfvel quanto A sua concordincia com a communis opinio inglesa na matéria: «when a party to contract, from whom perfomance is due, without lawful excuse fails to per- form 7 Promise, the contract is broken» (§ 249, Jenks’ English civil law, » B. 98). Com efeito, ao referir-se ao efeito liberatrio de possfveis lawful excuses, este autor aparta.se da opinifio generalizada que considera o breach of con. bes uma nogéo genérica, que 6 recolhida no § 312 do Restatement norte. Para um jurista continental, esta formulagao oferece ainda o perigo de sugerir imediatamente transposicdes precipitadas com o tratamento da culpa contratual no seu direito nacional respectivo. () Cfr. Anson-Guest, ob. cit., p. 482, 18 ARMINDO RIBEIRO MENDES 3.°—H4 ainda breach se uma das partes praticar qual- quer acto que a impega de executar a sua obrigagaio: é 0 exemplo célebre de A ter prometido casar com B quando morrer o pai daquele, tendo vindo, porém, a casar, antes de ocorrer tal morte, com um terceiro, C (Frost v. Knight, 1872. Ex.) — implicit repudiation of the contract. (**) A doutrina inglesa pde em destaque que nos segundo e terceiro casos 0 breach pode ocorrer antes ou depois do tempo do cumprimento. Se ocorrer antes, os autores ingleses falam de um anticipatory breach, que tem os mesmos efeitos do breach que ocorrer during performance. Assim, além do caso Frost ». Knight (1872), constituem exemplos de violagdes antecipadas, os casos em que A se com- promete a entrar ao servigo de B no dia 1 de Junho de certo ano mas escreve em Maio ao futuro patréo, declarando-lhe que no tenciona executar a sua obrigagao (Hochster v. De la Tour. 1853), ou ainda 0 caso em que A transmite a C uma casa que tinha prometido deixar mortis causa & mulher, B (Synge v. Synge, 1894, Q. B.). A figura do anticipatory breach tem levantado davidas na doutrina inglesa, havendo um consenso geral de que a designa- ¢So nao é feliz: «o breach por ele (devedor) praticado é um breach de uma promessa vinculativa no presente nao um breach antecipado de um acto a ser praticado no futuro». (**) Ocorrendo um anticipatory breach, a parte inocente tem direito a optar entre a aceitag’o do repiidio e utilizagéo ime- diata da aco de damages, que 6 0 remedy adequado, até ao momento da performance. Como notam CHESCHIRE e FIFOOT, (©) Na identificagéio dos casos, utilizamos 0 modo de citacao da pré- tica jurisprudencial e doutrinal inglesa. Assim Frost v. Knight, 1872, Ex, Tefere-se a um lit(gio civel de Frost (nome do autor ou plainti/f) contra Knight (apelido do réu, defendant), Frost versus (que, na linguagem oral, € referido como e, and), Knight, litigio julgado pelo tribunal do Exchequer em 1872. Sobre o modo de citag&io dos casos, consultese René David, Les grands systémes, Parte INI, titulo I, Capitulo III, Secoio I, § 3° () Bradley v. Newson (1919), A. C., per Lord Wrenbury. RESPONS. EM DIREITO INGLES E PORT. 19 «o ponto essencial reside em que tal repidio constitui uma violagio do contrato in omnibus e da direito outra parte, se assim o entender, a accionar imediatamente por esta viola- cdo». (°*) Nao podemos deixar de chamar a atengaéo de novo para © caracter geral de nog&éo de breach: como escreve CONS- TANTINESCO, «ela compreende todas as variedades de ine- xecucgéo ou de violagéo das obrigagées contratuais, sem dis- lincdo: inexecugao, mora, ma execugdo, impossibilidade, recusa de execugao, frustration em qualquer forma e em qualquer obrigagao contratual. No fundo, ndo ha senaio algumas formas de casos fortuitos, reconhecidos como tendo um efeito libera- 1itio e agrupados sob rubricas como impossibility, frustration que comecam a diferenciar-se do breach». (**) O problema da responsabilidade contratual, como veremos A frente, distingue-se francamente no direito inglés e nos di- reitos continentais, entre os quais se conta o portugués, na medida em que aquele ignora o problema da culpa contratual. 6. Efeitos do breach of contract Todas as vezes que ha um breach of contract «surge uma acgio de prejuizos (action for damages) ; mas, no caso de vio- lagéo de promessa de pagar uma quantia fixada de dinheiro, nao sao reembolsdveis outros prejuizos, além da propria quan- tia e dos juros, se os houver» (§ 251 do Digesto de Jenks). Além da action for damages, abreviadamente designada por damages, que surge sempre que ocorre toda e qualquer violagao contratual (breach), pode esta dar origem & reso- lugao (discharge) do contrato. C9 Ob. cit, p. 502, ©) Inexécution et faute, p. 123. 20 ARMINDO RIBEIRO MENDES Se o breach é suficientemente grave para dar origem & aludida discharge of contract resultam daqui dois importantes corolarios (") : a) A parte que nao esté em falta (default), além de poder exigir judicialmente damages, pode recusar-se (entenda-se, licitamente) a cumprir as obrigagGes que assumiu pela sua parte; b) Em segundo lugar, a parte que esta em falta, nao pode em principio invocar qualquer estipulagio (term) contratual que tenha sido incluida no contrato com o fim de a proteger de responsabilidade. (*) Mas em que circunstancias pode a parte inocente consi- derar que 0 breach produz a discharge do contrato? Deve comegar-se por chamar a atengao, como 0 fazem ANSON e GUEST, para o facto de que o breach em si nao produz automaticamente a resolugdo (discharge): na verdade, apesar da impropriedade da expressdo, a violagio «nao altera as obrigagdes de qualquer das partes decorrentes do contrato ; o que pode fazer é justificar a parte ofendida, se ela assim escolher, a ter-se por absolvida ou liberta (absolved or dis- charged) de qualquer execugao ulterior de um contrato». (°°) Daqui deriva que a repudiation de um contrato por uma das partes, mesmo antes do tempo do cumprimento, s6 opera a resolugao se a outra parte assim o desejar: pois «an unac- cepted repudiation is a thing writ in water» (Asquith L. J., in Howard v. Pickford Tool Co. Ltd., 1951). () Seguimos © exposic&io neste ponto de Cheschire e Fifoot, ob. cit., p. 502. (08) Esta questo, assim como a da nogio de fundamental breach tém sido divergentemente resolvidas em decisdes recentes. V. Law Quarterly Re- view, 87 (1971), pp. 515 a 531. () Ob, cit, p. 482. RESPONS. EM DIREITO INGLES E PORT. a Em que casos, porém, & que o breach pode justificar a outra parte do contrato em considerar-se liberta dos seus com- promissos? Em dois grupos de casos, fundamentalmente : 1.°—Quando uma das partes indica, quer expressa quer implicitamente, que nao tenciona cumprir a sua parte no contrato (v. dictum de Lord Blackburn, in Mercey Steel and Iron Co. v. N. Benzon, 1884), em muitos casos, portanto, de anticipatory breach ; — Quando, tendo em ateng&o 0 contrato como um todo, a obrigag&o que é violada é de importancia vital (isto é nao é de importancia trivial) no contrato. Vejamos estes casos com algum pormenor. E pacifico no direito inglés que, antes da performance ser devida ou estar totalmente cumprida, o facto de uma das partes tornar claro, quer expressa quer implicitamente, que no cumpriré as suas obrigagées, o seu repidio da direito 4 outra parte de considerar todo o contrato como resolvido, podendo imediatamente exigir em juizo damages, LORD SEL- BORNE num dictum citado a este propésito faz apenas notar que «se devem observar as circunstancias reais do caso para ver se uma das partes do contrato esta dispensada da sua execugio futura em virtude da conduta da outra; deve-se exa- minar qual é 0 comportamento para ver se configura uma rentincia, uma recusa absoluta de cumprir o contrato... e se a outra parte pode aceité-la como um motivo para nao cum- prir a sua parte». (“°) Questéo mais complicada, mas que nao podemos estudar em pormenor, é a que se levanta quando uma das partes, sem indicar expressa ou implicitamente que tenciona repudiar ou abandonar 0 contrato, viola uma ou mais das suas obrigagdes: é€ necessério entéo saber em que casos pode o breach fundar (*) Caso Mersey Steel... v. Naylor Benzon Co. (1884). 22, ARMINDO RIBEIRO MENDES heitamente a resolugéo do contrato pela parte inocente. No € uniforme a jurisprudéncia dos tribunais ingleses na matéria. Sao em geral usadas metaforas que denotam as dificuldades da questo: «tem sido dito, por exemplo, que nenhum breach pode ser tratado como uma resolugio do contrato, a nao ser que va até a raiz total e consideration do contrato, e nao & mera parte dele, ou a nao ser que afecte a propria substan- cia do contrato, ou faga frustar 0 objecto do empreendimento (the object of venture)». (”) Num recente caso, LORD WILBERFORCE fez uma distin- go entre dois tipos de fundamental breach que, & parte o seu cardicter descritivo, ndo parecem ter quaisquer efeitos diversi- ficados do ponto de vista de tratamento juridico: a) «uma execucio totalmente diferente da que o con- trato contemplary —é a situagdo de execugao total- mente diversa ou deviation, breach que teve origem nos contratos em matéria maritima —recorda muito a fi- gura autonomizada pela doutrina alema, mas em con- texto algo diverso, de positive Vertragsverletzung ; b) «um breach of contract mais sério do que aquele que daria direito 4 outra parte a damages e que (pelo menos) lhe daria o direito de recusar a execucao ou execugio ulterior no Ambito do contrato». (*). Como vimos atrds, 0 contrato em que uma das partes comete um fundamental breach, um breach que afecta an obligation of vital importance nao resolve automaticamente o contrato, 20 jeito da impropriamente chamada condigdo resolutiva tacita das doutrinas latinas, em certa fase da sua evolugio: a parte inocente tem sempre o direito de optar entre considerar 0 con- trato resolvido, aceitando a repudiation e nao cumprindo as (") Cheschire e Fifoot, ob. cit., p. 504. (®) Suisse Atlantique Societé d’Armement Maritime S. A. v. Rotterdamsche Kolen Centrale (julgado pela Camara dos Lordes em in Fundamental breach: The aftermath of Harbutt's Plasticine, in L. 87, p. 520. N. Vv. 1967), QR. RESPONS. EM DIREITO INGL&S E PORT. 23 suas obrigagées, podendo ent&o agir judicialmente para obter damages, ou em ignorar 0 breach, esperando até ao momento do cumprimento, se ainda no tiver ocorrido, para exigir a prestagio devida pela outra parte (nao podendo entio exigir desde logo damages). (“*) No caso de o contrato ser susceptivel de execugao espe- cifiea (equitable remedy), como no caso de um contrato de venda de terrenos, a parte pode requer um decree of specific performance, sem esperar pela data convencionada para a exe- cugio (caso de anticipatory breach). Tal providéncia judicial ndo ordena a execu imediata, «mas quando a data conven- cionada chegar o tribunal dard instrugées relativas A perfo- mance sem exigir a propositura de um novo writ». (““) A questao mais diffcil, sem dtivida, neste ponto é saber que critério pode ser usado para descobrir quando é que o breach frusta a intengdo comercial do contrato ou viola uma obligation of vital, not trivial importance: DIPLOCK, L. J. exprime-se assim num dictum proferido em 1962: «O teste sobre se um evento tem este efeito ou nao foi cxprimido num ntimero de metaforas que todas, penso eu, con- vergem no mesmo ponto: a ocorréncia do evento priva a parte que tem prestag6es ulteriores ainda a cumprir do beneficio total que, na intengdo das partes tal como estava expressa no contrato, ela devia obter como consideration para a execugdo (*) No caso de um anticipatory breach, pode a opgéo da parte ino- cente pela atitude de ignorar a declarac&o da outra parte de que n&o tenciona cumprir o contrato envolver alguns riscos: assim no caso Avery v. Bowden (ulgado em 1855 pelo Queen's Bench), o réu fretou o barco do autor num Porto russo e convencionou fazé-lo carregar num perfodo de 45 dias. Antes deste perfodo ter passado, o réu avisou repetidamente o autor de que se devia ir embora, pois néo conseguia obter a carga. O autor, porém, per- maneceu no porto na esperanca de que o réu cumprisse a sua promessa, mas este manteve a sua recusa em carregar o barco. Antes do termo deste Prazo, rebentou a guerra da Crimeia entre a Inglaterra e a Russia. O autor, Por ter preferido ignorar a repudiation do réu, veio, porém, a ficar preju. dicado, pois que a declaragéo subsequente de guerra velo a libertar o deve- dor, J& que este teria cometido um acto ilfcito se tivesse embarcado um carregamento num porto inimigo. () Cheschire e Fifoot, ob. cit, p. 506. pry ARMINDO RIBEIRO MENDES de tais undertakings» (Hong Kong Fir Shipping Co. Ltd. r. Kawasaki Kisen Kaisha, Ltd). (‘*) Este critério é geralmente ilustrado e langa, por seu turno, luz sobre a intrincada disting&o tradicional entre condition e warranty: sem podermos entrar em pormenores, dir-se-A que a condition «é um termo (oral ou escrito) que vai directa- mente «a raiz do contrato», ou é tio essencial 4 sua propria natureza que se for violado a parte inocente pode ter o con- trato como resolvido (discharged). Por isso nfo seré obrigado a fazer mais alguma coisa por forga do contrato. Um warranty é um termo do contrato que é colateral ou subsididrio para o fim principal do contrato. Nao é por isso tao vital, de modo a fazer resolver o contrato. Um breach de warranty s6 da direito & parte inocente a uma acco de damages. Nao pode considerar o contrato como resolvido». (**) ANSON e GUEST consideram hoje que «o approach oito- centista que tentava classificar todas as cldusulas contratuais quer como conditions quer como warranties e basear as con- sequéncias juridicas do breach nesta classificagao é olhado cada vez mais como nao realista e desorientador». (%) Os casos de fronteira entre as duas qualificagdes s6 poder&o ser resol- vidos por apreciagio judicial ou genericamente por classifi- cagio (mais ou menos arbitraria) em statute (6 a solugdo em- pirica do Sale of Goods Act 1893 e do Hire-Parchase Act 1965). Trata-se de um ponto muito controvertido e em que a lei do Reino nfo parece estar satisfatoriamente tragada, sendo yerosimil uma alteragio legislativa que acompanhe a evolu- go doutrinal, parecendo provavel que o Cédigo de Contratos (©) Omitimos aqui uma referéncia & problemitica de saber se as pro- ‘mises de certo contrato sao entre si independentes ou conexas. Ver Anson- -Guest, ob. cit, pp. 491-492. “) Padfield, Law made simple, p. 153. Ai sc acrescenta: uquer condi- tions, quer warranties sio cléusulas (terms) num contrato e cabe ao tri- bunal decidir perante cada contrato se, tendo em ateng&o as intencdes das partes, uma cléusula 6 condition ou warranty. A importancia disto reside no remedy em caso de breach», Uma anélise da disting&io € feita de modo critico em P.S. Atiyab, ob. cit., pp. 120 ss. (#) Neste sentido, 0 caso hf pouco citado de Hong Kong Fir Shipping Co. Ltd. v, Kawasaki... Ltd. (1962). RESPONS. EM DIREITO INGLES E PORT. 25 proposto pela Law Commission venha a propor a completa eli- minagdo da distingdo (P. S. ATIYAH). Para finalizar, cabe por em relevo que, diferentemente da renuntiation, quer anterior quer contemporanea da performance, a frustration by breach depende de um teste objectivo «e nado de qualquer inteng&o real ou inferida de abandonar o con- trato. Deve também ser distinguida da verdadeira frustration com a qual tem uma certa afinidade. A resolugio pela frus- tration sé pode dar-se quando o frustrating event nao é cau- sado por culpa de qualquer das partes de um contrato; deve violar a intengio de ambas partes; e nenhuma opgiio é dada para manutengao do contrato que esta automaticamente termi- nado na ocorréncia do frustrating event». (*) 7. Remedies for breach of contract Ocorrido um breach of contract a parte inocente tem, como vimos e em qualquer caso, uma via geral, a da acgio de damages. () Anson e Guest, ob. cit., pp. 496-497. N&io podemos agora aludir por- menorizadamente & doutrina da Discharge Of contract by Frustration. Temos, porém, de fazer uma referéncia suméria, até para se perceber a referéncia feita pelos autores agora citados & nogio de culpa que tem de ocorrer na frustration by breach (o que, de resto, ndo parece ser a opiniio mais cor- rente modernamente). A nogdo de impossibilidade superveniente e a distingéio entre impossi- bilidade imputavel a uma das partes ou devida a caso fortuito ou de forca maior € muito importante para os direitos continentais (vejam-se, entre nés, os arts. 7902, 791, 792.°, 793, 798°, 801°, 802° CC). Em contrapartida, tal distingao nao se revestia tradicionalmente de qualquer valor no direito inglés. © breach of contract era uma nogo meramente objectiva—a mera inexe. cugao seja qual for @ sua causa. Como escreve Constantinesco: «no direito inglés, a responsabilidade era baseada unicamente na inexecucéio. O prin. cipio € ainda valido, mesmo actuaimente, porque o direito inglés ndo se Preocups de modo algum em saber se houve culpa na inexecueiio, logo se & inexecugdo foi culposan (ob. cit., pp. 129-130). Esta nogéo absoluta, objectivista conforme a antiga tradigéio germanica, aflorava no caso Paradine v. Jane, julgado em 1647 (o autor accionou a Té, exigindothe @ renda devida por certo arrendamento. Jane alegou que «um certo principe alemio, de nome Principe Rupert, nascido no estrangeiro, ini- 26 ARMINDO RIBEIRO MENDES Além disso, ensina a doutrina inglesa que a parte inocente tem ainda a possibilidade de utilizar em certos casos outros remedies : a) se o breach & susceptivel de resolver o contrato por atingir a «prépria rafz» deste nos termos vistos atrds, ¢ a parte decidir fazer operar a rescission, pode exi- gir a restituigéo do que ja entregou ou o reembolso das despesas e trabalhos feitos através de uma via quase-contratual, a da action quantum meruit: é neces- sirio apenas que a parte ofendida pelo breach tenha cumprido até entao parte da prestagéo a que se obri- gara como consideration do contrato; hb) em certos casos especialmente previstos, pode a parte ofendida obter uma ordem para execugdo especifica do contrato ou uma injunction para prevenir a viola- Gado deste. Sao meios de defesa provenientes da equi- table jurisdiction e que sao concedidos geralmente at the discretion of the court. migo do Rei e do Reino, tinha invadido o reino (...) e com uma forca armada tinha entrado no terreno dela, tinha-a expulso e desapossado... pelo que nfo tinha obtido os seus lucros»; o tribunal recusou-se a reconhecer © efeito liberatério da impossibilidade devida & forge maior, upois se o arren- datério se obrigou a fazer reparagées numa casa, quer esta tenha ardido devido a trovoada, ou seja destrufda por inimigos, mesmo assim tem de a reparary). Em 1863, no caso Taylor v. Caldwell, o Queen's Bench adoptou a tese da implied provision para evitar os rigores do objectivismo extremo do leading case do séc. XVII; tendo o réu acordado em alugar ao autor uns jardins e sala de espectéculos para dar representagdes, no dia antes deste espectdculo, o music-hall foi destruido pelo fogo. O autor accionou o réu por breach of contract, pois em virtude do incéndio, nao imputdvel ao arren- datério, nao tinha recebido a renda nem realizado o seu lucro. O juiz Black- burn entendeu que o principio Ihe pareceu ser o de que, nos contratos em que @ execucSo dependa da existéncia continuada de uma certa pessoa ou coisa, esté implicita uma condition de que a impossibilidade da execugao proveniente do perecimento da coisa ou pessoa liberard da execucéio (shall excuse the performance)». ‘Surge assim a doutrina da frustration of the adventure que, no entanto, néio esté ligada a consideracio da existéncia ou nao existéncia de culpa. ‘As experiéncias da guerra levam & publicagio do Law Reform (Frustrated Contracts) de 1943. Os casos da Coroagaio de Eduardo VII e do Suez introdu- ziram o principio de Discharge by Frustration, ainda hoje muito dificil de sistematizar. V. Anson e Guest, ob. cit, pp. 453 a 481, P. S. Atiyah, ob. cit., Pp. 163 e ss., mazime 169. RESPONS. EM DIREITO INGLES E PORT. 7 Neste estudo, fixumo-nos exclusivamente no estudo do remedy geral constituido pela action for damages: iremos, pois, atender 4 configuragio da obrigagéo de indemnizagéo que pode surgir a cargo do autor do breach. Neste ponto, aproxi- mamo-nos muito da law of Torts, pois que, como ensina P. H. WINFIELD, a tortious liability «surge de uma violagio de um dever primariamente fixado por lei(...) e este breach é& reparavel (redressible) por uma acgao de unliquidated dama- ges», ao passo que, de forma semelhante, «cada violagio con- tratual da direito A parte ofendida a damages pela perda que sofreu». (“°) Alias, o facto da action for damages ser o remedy geral da common law quer pata o breach of contract (contractual lia- bility) quer para a tortious liability nao significa que a histé- ria do direito inglés conhecesse uma s6 action para o breach of contract e para os torts. Pelo contrario, antes da aboligéo das formas de acgao a confusao entre tortious e contractual lia- bility era, por vezes, aumentada pelo facto de ser possivel accionar in ¢ort por causas de pedir que eram na verdade con- tratuais. (°°) Nao podemos deixar de ter presente a observagio geral do historiador SIR HENRY MAINE, de que «é tao grande o ascendente do direito das acgdes na infancia dos tribunais, que o direito substantivo tem a principio o aspecto de ser segregado gradualmente nos intersticios do processo». (**) Por outro lado, deve também acrescentar-se que ha casos em que © mesmo wrong configura hoje ainda um breach of contract e um tort simultaneamente, levando por vezes a certa perplexidade doutrinal no tragado de uma distingéo dos tipos de responsabilidade. Como escreve SALMOND, «ha muitas ocasides em que uma pessoa voluntariamente se obriga por contrato a realizar sig) Ott P. H. Winfield on Torts, 7+ ed., 1963, p. 5 @ Anson-Guest, 0b, cit. P. 505, (©) Sobre a utilizagéo dos writs of debt, detinue, covenant em casos de fronteira, v. o resumo histérico tragado por Constantinesco, ob. cit., () Early law and custom, p. 389, transcrito em Salmond on torts, 134 ed., 1961, p. 1. 28 ARMINDO RIBEIRO MENDES qualquer duty a que ja esta adstrito independentemente de qualquer contract. A violagdo desse contrato é também um tort, na medida em que a responsabilidade teria igualmente exi: tido em tal caso, mesmo se nao tivesse existido qualquer con- tract, por exemplo quando um passageiro viaja de combdio miunido de bilhete e sofre ferimentos em virtude de negligéncia da companhia de caminhos de ferro, esta é culpada de um wrong, que é simultaneamente um breach of contract e um tort». (*) (°*) Tgualmente as obras da especialidade da doutrina inglesa referem alguns casos de cimulo de qualificagéo como breach of contract e como tort de certos wrongs: assim o arrendatario (bailee) que ilicitamente se recusa a restituir a propriedade que Ihe foi arrendada, comete um breach of contract e um tort (por um lado devia restituir a coisa locada ex contractu in due ume; por outro lado é um principio imposto por lei, cuja vio- lagio configura uma forma tipica de tort, de que «no one has a right to detain another’s property without some special jus- tification»). A responsabilidade concorrente por tort e breach of contract existe, segundo a jurisprudéncia inglesa, nos casos dos bailees, transportadores (carriers) e, ao que parece, das pessoas que exercem certas profissées de interesse piblico, que desempe- nham nos termos empiricos da common law um common calling, tendo por isso deveres para com o ptblico, como acontece no caso dos ferreiros e estalajadeiros (**). Mais duvidosa é a posi- gio dos médicos, cirurgides e dentistas. (°°) Em contrapartida, (*) Salmond on Torts, 13.* ed., a cargo ae Heuston, p. 11. ©) A doutrina anglo-saxénica nio é unAnime sobre a natureza das obrigagées violadas que dio origem & contractual liability. Embora prevaleca a tese da sua natureza voluntéria, por tais obrigagées provirem de um agreement, 0 leading work de Prosser, jurista norte-americano, considera-as de natureza legal. V. Winfield, 0d. cit, p. 6, n (11). () Salmond, ob. cit., p. 12. (*) Salmond, ob. cit, 'p. 12. Winfield on Tort, p. 6: «Um dentista que celebra um contrato para arrancar o meu dente 6, evidentemente, respon- sdvel quanto a mim por inexecugéo contratual (breach) se me fere em vir- tude de uma extraccio defeituosa. Mas também é responsvel pelo tort de negligence; porque todo aquele que exerce uma arte numa profisséo (skill in a calling) 6 obrigado por lei, haja ou néo contrato, a mostrar um nivel Tazodvel em tal arten. RESPONS. EM DIREITO INGLES E PORT, 29 embora aparentemente sem grande ldgica, a doutrina é uné- nime em que um arquitecto, um corretor de bolsa, um solici- tor e um limpa-janelas sé podem ser responsaveis por breach of contract. Dubitativamente SALMOND e HEUSTON, seguindo HALS- BURY, aceitam como explicagao desta dualidade de regimes a observagéo de que «pode ser que a linha de distingdo resida entre os casos em que a failure to perform de um dever pro- vocara ferimentos ou ataques (injury) a pessoas ou a proprie- dade e os caxos em que ndo terd tal resultado». (°*) Perante 0 que acabamos de dizer, 0 jurista continental quase se sente tentado a abandonar a investigagao ulterior das linhas mestras de um sistema juridico que vigora ainda numa socie- dade tecnologicamente muito avangada, conservando parado- xalmente as singularitates iuris préprias de uma época feudal © de organizagao corporativa dos trades and callings. 8. A action for damages Escolhemos, pois, para efeitos de comparag’o com os di- reitos continentais em matéria de responsabilidade contratual apenas o remedy ou meio de tutela contra um breach que é considerado caber em todo e qualquer caso de violacao con- tratual, a menos que se possa falar em discharge by frustration. Os outros remedies, que teriam interesse para uma consi- deragao global da law of contract inglesa, exorbitam, porém, dos propésitos mais modestos atras referidos e s&o por isso omitidos aqui. Ensinam os autores ingleses que, se exceptuarmos 0 caso de uma divida pecunidria (debt), em que o repayment (cum- primento forgado) pode ser especificamente executado (enfor- ced) segundo a common law, 0 tnico remedy para o breach of contractual promise no ambito da common law é 0 da action for damages, abreviadamente designado por damages. ©) 0b. cit, p. 12 e n (17), 30 ARMINDO RIBEIRO MENDES. Mas como e em que circunstancias pode a parte inocente exigir judicialmente uma quantia em dinheiro que compense os prejuizos sofridos (damages)? (°") Vamos tentar sistema- lizar e indicar as circunstancias com a possivel conciséo, o que, de resto, nao é tarefa facil. a) Antes de mais, tem de a outra parte do contrato ter praticado um breach of contract nos termos e nas for- mas que acabimos de examinar —trata-se, pois de um pressuposto essencial e logicamente preexistente. Q desenvolvimento da moderna doutrina de discharge by frustration obrigara ainda a averiguar se nao tera ocorrido uma causa exoneratéria da parte que nao cumpriu, ponto que nao tratamos agora ex professo; b) em segundo lugar, deve tendencionalmente exigir-se a verificagaéo de um prejuizo (Joss), sofrido pelo plain- tiff. e que tenha sido causado pelo breach of contract atras aludido (a atribuigdo de nominal damages, porém, introduz certa desorientagéo sobre a essencialidade deste pressuposto, como veremos a frente). Mas aqui tem de introduzir-se uma limitagdo importante: mesmo partindo do principio de que existiu um prejuizo e que foi causado pelo breach imputavel objectivamente a outra parte, em todo o caso «o direito nao compelira, mesmo assim, o réu a assumir responsabilidade por todo o prejuizo que o autor tenha plausivelmente (conceivable) sofrido como consequén- cia do breach». (*) Segundo a construgéo doutrinal inglesa, que se apoia em especial numa célebre deciséo de 1854 do Exchequer Court, certos prejuizos podem ser demasiado remotos (too remote) e por estes o autor nao tem direito a uma indemnizago. (*) Na cldssica definigio de Mayne, autor oitocentista que escreveu um tratado sobre damages, «damages are the pecuniary satisfaction obtai- nable by sucess in an action», Esta classica definicéo é tida por muito lata, anotando Earengey que os juristas distinguem vulgarmente entre debt e da- mages. V. Mayne’s Treatise on Damages, 11 ed., p. 1 ¢ nota (a). C)“Anson-Guest, ob cit. pp. 505-506. RESPONS. EM DIREITO INGL&S E PORT. 31 Os autores ingleses a este propésito chamam a atengdo para uma distingao fundamental que nem sempre é devidamente posta em relevo pelas decisées jurisprudenciais que versam o damage ou damages. CHESCHIRE e FIFOOT, por exemplo, comegam por ensi- nar que a extensGo até onde o autor pode pedir damages por breach of contract nao foi considerada totalmente pelos tribunais até ao caso Hadley r, Baxendale, julgado em 1854: mesmo assim o principio consagrado por este caso, apesar de continuamente reproduzido e comentado, foi varias vezes objecto de confu- sdes devido a certa imprecisio de linguagem (remoteness of damages, damage too remote, remote consequences, mesure of damages, etc.). Em seguida, apontam uma distingao muito importante entre as questées diferenciadas da remoteness of damage e da me- dida dos prejuizos nos seguintes termos. hoje apontados pela restante doutrina também. (°*) A question of remoteness of damages liga-se a pergunta «por que tipo de prejuizo tem direito 0 autor a receber com- pensacdo»? Como disse LORD WRIGHT no caso Liebosch Dredger v. Edison Steamship (1933), que versava, alids, um caso de tort: «9 direito nao pode levar em conta tudo o que se segue a um wrongful act, encara certas matérias subsequentes como fora da sua seleccao, porque «seria infinito para o direito apre- ciar a causa das causas», ou consequéncias, Na teia variada de negécios o direito deve abstrair de certas consequéncias como relevantes, niio talvez em sede de pura légicz, mas simples- mente em virtude de razdes praticas». Nesta medida Hadley v. Baxendale «definiu o tipo de damage que & objecto apropriado de compensagdo e excluiu todo os outros como sendo demasiado remotos. A decisio disse (") Ver sobre este ponto Dr. Cortes Rosa, A delimitacdo do prejuizo indemnizdvel em dircito comparado inglés e francés, in RFDUL, XIV, p. 340: SA delimitagéo do prejuizo indemnizdvel é um problema que se configura do seguinte modo: Quais, dentre os danos emergentes da pratica do acto ilicito, devem ser cobertos pelo autor do referido acto?», 32 ARMINDO RIBEIRO MENDES Tespeito apenas aquilo que correctamente é chamado remoteness of damage, e levara a clarificar 0 pensamento e tratamento, se esta expresso for reservada para todos os casos em que © réu nega a responsabilidade por certas das consequéncias que decorreram da sua inexecucao. Se o prejuizo é demasiado remoto é uma questaéo para o juiz» (“°) —extensio do dano a indemnizar ou delimitagéo do prejuizo indemnizdvel, nas express6es consagradas da doutrina continental. Outra qu bastante diversa e que nao se deve confun- dir s6 surge quando o tribunal decidir que certo prejuizo é suficientemente préximo de acordo com o precedente de Hadley r. Baxendale, e diz respeito 4 compensagéo pecuniaria real que se hé-de pagar pelo prejuizo anteriormente delimitado, — é a classica question of measure of damages. «A resposta dada pelos tribunais em muitos casos que se sucedem desde 1828 até ao presente é que deve haver restitutio in integrum, isto é, deve ser paga ao autor uma compensagao monetéria total pelo prejuizo préximo que sofreu. Tem direito a uma compensagao total, mas s6 contra as consequéncias usuais, néo contra as nao usuais». (“') 9. A teoria da remoteness of damage A fundamentagao jurisprudencial ou fundation of the law nesta matéria surge na célebre deciséio do BARAQ ALDER- SON na Court of Exchequer no citadissimo caso Hadley v. Baxendale, julgado em 1854: «Quando duas partes fizeram um contrato que uma delas violou, os danos que a outra parte deve receber relativos a tal (#) Cheschire e Fifoot, od. cit, p. 515. (*) Cheschire e Fifoot, ob. cit, p. 515. Cir. Mayne-Earengey: «em teo- ria, os damages sio uma compensacio e satisfacéo pela ofensa (injury) sofrida, A soma de dinheiro a atribuir como reparacio do prejufzo deve ser, por isso, tanto quanto possivel a quantia que pord a parte ofendida nia mesma posigio em que teria estado se nfo tivesse sofrido 0 ilicito (wrong) por conta do qual esté a obter damagess (ob. cit., p. 9). Cfr. 0 art. 562 C.C. portugués: «quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situac&o que existiria, se nfo se tivesse verificado © evento que obriga reparacion, RESPONS. EM DIREITO INGLES E PORT. B breach of contract devem ser tais que possam ser justa e razoa- velmente (fairly and reasonably) considerados quer como sur- gindo naturalmente, isto é, de acordo com 0 curso usual das coisas, de tal violag&o contratual em si, ou tais que possam ser razoavelmente considerados como tendo estado na contem- plagio de ambas as partes, ao tempo em que fizeram o contrato, como resultado provavel da sua violagio». O caso que deu origem & regra transerita, é assim resu- mido pelo juiz: «O moinho dos autores deixou de funcionar em virtude da quebra de um biela (crankshaft) e foi necessario enviar a pega aos fabricantes para servir de modelo a fabricagéo de uma pega nova. Os réus, Baxendale, que eram transportadores (car- riers) comprometeram-se a entregar 2 biela aos fabricantes mas a tinica informagio que lhes foi dada, foi a de que «o aitigo a ser transportado era a biela quebrada de um moinho e que os autores eram os moleiros desse moinho». Por uma qualquer falta de cuidado (neglect) da sua parte, eles atra- saram a entrega da pega e em consequéncia disso 0 moinho nfo pode ser de novo posto a trabalhar a nfo ser algum tempo depois daquele em que, de outro modo, poderia ter sido posto a trabalhar. Os autores perderam lucros que de outro modo teriam feito». (°°) A regra de Hadley v. Baxendale pode sex analisada em dois ramos ou sub-regras: estabelece-se pois af que sfo recu- peraveis os damages: 1,°— quando sao «tais que podem justa e razoavelmente ser considerados como surgindo naturalmente, isto é, de acordo com o curso ordinério das coisas»; 2,° — quando sao «tais que podem ser razoavelmente con- siderados como tendo estado na contemplagio de (®) Resumo judicial da questéo, transcrito em Anson-Guest, 0b. cit., p. 507. 3 4 ARMINDO RIBEIRO MENDES ambas as partes ao tempo em que fizeram o con- trato», desde que, em ambos os casos, sejam o resul- tado provdvel do breach. (“) O Baréo ALDERSON explicou ainda o sentido da regra numa longa passagem que parece dever transcrever-se aqui: «Ora se as circunstancias especiais em que o contrato foi realmente feito fossem comunicadas pelos autores aos réus. € fossem assim conhecidas de ambas as partes, os prejuizos que resultassem da violacdo de tal contrato, que feriam razoarel- mente contemplado, seriam o total da ofensa (injury) que se seguiria normalmente de tal violagdo contratual nessas ¢ cunstancias especiais, assim conhecidas e comunicadas. Mas, por outro lado, se estas circunstincias especiais fossem total- mente deconhecidas da parte que violou o contrato, ela, quando muito, sé poderia ser considerada como tendo tido na sua previsio (contemplation) o total dos prejuizos (the amount of injury) que se teriam geralmente produzido e, na grande mul- tidao de casos nao afectados por quaisquer razdes especiais. na violagio de tal contrato. Pois, sc tivessem sido conhecidas as circunstincias especiais, podiam as partes ter regulado especialmente tal violag&o contratual através de estipulagdes especiais relativas aos prejuizos naquele caso. ¢ seria injusto priva-las desta vantagem». (‘‘) Por esta longa transcrigéo, pode ve que a_previsibili- dade do dano por cada uma das partes, dano que resultou do incumprimento da obrigag’o contratual por uma delas, se acha fundamentada num conkecimento concreto das circuns- toncias do mesmo caso (2.° sub-regra de Hadley v. Baxendale). No caso concreto que deu origem a decisdo, o tribunal fez notar que as circunstdncias que os autores tinham dado a conhe- cer aos réus nfo levaram a concluir ou prever que uma demora na entrega devida da pega ao fabricante acarretaria uma para- () Segundo a interpretagéio do caso Koufos v. C. Czarnilow, Ltd. (1967), as palavras finais regem ambos os ramos da regra. V. Anson, ob. cit., p. 506. (#) Transcrito em Anson-Guest, 0b. cit, p. 507. RESPONS. EM DIREITO INGLES E PORT. 35 gem do moinho e uma perda dos lucros na respectiva produgao de farinha. Como notam ANSON ec GUEST, ao referirem a controvérsia, «os autores podiam ter outra biela, ou podia ter havido outro qualquer defeito na maquinaria que causasse a paragemp. (°°) Compreende-se_ assim que o tribunal tenha absolvido os réus do pagamento de uma indemnizagdo pelos lucros cessan- tes resultantes do prolongamento da suspenséo de laboragao. Levanta, porém, certas dtividas entre os autores e magis- trados a articulagdo dos dois ramos da regra de Hadley v. Baxendale. Lord Justice ASQUITH tentou elucidar as conexées reei- procas da: duas sub-regras, 20 julgar no Court of Appeal o caso Victoria Laundry (Windsor) Ltd. v. Newmann Industries, itd. (1949). Segundo o dictum deste magistrado, 0 principio geral que governa ambos os ramos de regra € 0 de que a parte ofendida sé tem direito a recuperar uma parte tal do prejuizo que resulte realmente do breach, que fosse ao tempo do con- trato razoavelmente presumfvel como sendo susceptivel de resultar do incumprimento. «O que era assim nessa altura razoavelmente previsivel depende do conhecimento entao tido pelas partes ou, em qualquer caso, pela parte que mais tarde comete o breach. Para este fim, 0 conhecimento tido é um de dois tipos: um imputado (presumido), outro real. Todas as pe: . enquanto razoaveis, sio consideradas como conhece- dora: do ordinary course of things e consequentemente de que prejuizos s4o capazes de resultar de um incumprimento do con- trato naquela ordem normal (ordinary course). Eis 0 objecto do 1." ramo da regra. Mas a este conhecimento que se presume que quem viola o contrato tem, quer o tenha realmente ou nio, (*) Conclui a deciséo referida: «é dbvio que, na grande maioria dos casos de moleiros que mandam pecas partidas a terceiros por um transpor- tador, em circunstancias normais tals consequéncias néo se teriam produzido com toda @ probabilidade; e estas circunsténcias especiais nunca foram comu- nicadas pelos autores aos réus. Daqui resulta, por isso, que a perda de lucros pie node! gui, considerar-se Fazoavelmente uma tal eonsequéncia da inexe- 10 teria sido justa e razoavel as partes quando fizeram este contrat.» eee eee 36 ARMINDO RIBEIRO MENDES poderé ser acrescentado num caso particular um conheci- mento que ele realmente tenha de circunstancias especiais, fora de ordinary course of events, de um tipo tal que um breach nestas circunstncias especiais seria susceptivel de causar mais prejuizos. Tal situagio impie o funcionamenty do 2." ramo da regra e faz que este prejuizo adicional seja indemnizavel. Em nenhum dos ramos é necessario que o autor de inexecugao se tivesse realmente interrogado sobre que prejuizo seria s ceptivel de resultar de uma inexecucao. Basta que, se ele vesse considerado a questao, tivesse concluido como um homem razoavel que o prejui. uuizo era susceptivel de ocorrers. (°) (“) Por seu turno existe uma convicgdo judicial arreigada de que a regra ¢ uma sé, embora susceptivel de bipartigado para vrcitos diddcticos: o juiz DEVLIN, num caso julgado em 1950, considerou que & enganoso subdividir 0 que ¢ em si uma regra unitaria. Com a aprovagio de CHESCHIRE e FIFOOT, insis- tiu em que «sd ha uma drea a ser explorada, e é a que esté dentro da previséo do réu como um homem razoavel a luz do conhecimento, real ou presumido, (actual or imputed) que tem ao tempo do contrato» (caso Biggin & Co. Lid. v. Permanite Lid. e outros). Na recente decisio do caso Koufos r. Czarnikow. Ltd. (1967) foi reafirmado com a especial autoridade da CAmara dos Lor- des que, embora haja dois ramos da regra Hadley v. Baxendale, essencialmente formam ambos parte de um tinico principio ge- ral. A exposigao de Lord ASQUITH foi descrita como uma «valida e justificdvel clarificagéo dos principios que Hadley r. Baxendale queria exprimir>. () Anson-Guest, 0b. cit., p. 508. (®) © Dr. Cortes Rosa procura traduzir «com algum rigors em termos dogméticos continentais esta orientagio jurisprudencial: «para _o direito inglés, um prejuizo emergente da violagéo do contrato é considerado ressar- civel quando as circunstfincias que sio do conhecimento de ambos os con- traentes no momento da celebragéo do contrato levam as partes a encarar fa probabilidade de o prejuizo emergir da violac&o, ou quando outras circuns. tancias que nesse mesmo momento séo do conhecimento geral, permitem razoavelmente estabelecer que o prejuizo emerge da violacéo do contrato» (art. cit. in RFDUL, XVI, p. 353). A ordem dos casos previstos nos dois ramos esté invertida. RESPONS, EM DIREITO INGLES E PORT. 37 Deve notar-se que a formulacéo de ASQUITH em termos de reasonable foresight da perda liable to result foi criticada por alguns Lordes, com o argumento de que poderia criar confusio com a regra respeitante a remoteness of damage na province of tort (responsabilidade delitual) onde um réu sera tido como res- ponsavel pelo prejuizo que é razoavelmente previsivel como ca- paz de ocorrer mesmo que o risco seja muito pequeno (**) — «neste caso de Koufos r. C. Czarnikow Ltd., Lordes REID UPJOHN preferiram a frase original usada por ALDERSON -—«in the contemplation of the parties» —e uma maioria dos lerdes distinguiu a regra de tort, exigindo que a perda deve ser «ndo muito inusual e facilmente previstvely, ou que deve Laver «a real danger» ou «a serious possibility» da sua ocor- réncia». (°°) 10. Anélise e ilustracgéo do 1.° ramo da regra de Hadley r. Baxendale E usual nos tratadistas ingleses da law of contract pro- ceder-se ao estudo dos dois ramos ou sub-regras de Hadley v. Baxendale separadamente, procurando-se em seguida facilitar a compreenséo do sentido destes principios através da nar- ragéo e comentario de casos classicos de illustration, tio que- tidos da doutrina anglo-americana. Deve, porém, notar-se que os casos aqui apontados séo muitas vezes utilizados por ou- tros autores para ilustrar o 2.° ramo da regra, sendo artifi- cial esta distingdo. () (O problema da remoteness of damage € extremamente discutido em matérla de tort, onde, partindo-se da ideia da covditio sine qua non ou causa causans, se introduzem novas limitacdes, nomeadamente reasonable roresight e provenientes do test of directness. Cfr. Dr. Cortes Rosa, art. cit., pp. 354 € ss., Winfield on Tort, pp. 205 a 248, Salmond on Torts, pp. 740 ss. John G. Fleming, The Law of Torts, 1971, 4 ed., 177 e ss. -() V. Anson-Guest, ob. cit, p. 509. P. S. Atiyah escreve na sua intro- Gugao a0 direito dos contratos que temos citado que «nfo deve conside- rarse que a regra de Hadley v. Baxendale é simplesmente uma formula arbitrdria, ainda que conveniente. Pelo contrdrio, h4 uma forte base racional para julgar um réu responsdvel com fundamento no normal ou previsfvel, mas ndo no anormal ou imprevisively (od. cit. p. 271). 38 ARMINDO RIBEIRO MENDES Propondo-nos também adoptar esta diviséo para fins analiticos, néo queremos, porém, deixar de sublinhar que am- bos os ramos se reconduzem a um principio tinico, ponto a que o caso Koufos veio ultimamente emprestar a sua authority, nav cevendo ser afastado, enquanto nfo ocorrer qualquer altera- cao legislativa ou enquanto a House of Lords nao decidir to overrule o seu préprio precedente. ("") Lembremos que este primeiro ramo trata de damages en- quanto sfio considerados fairly and reasonably como tendo ori- gem naturalmente, de acordo com 0 usual course of things, no breach of contract, constituindo tais damages o provavel resul- tado desta inexecucgdo. A responsabilidade pelos damages é assim reconduzida ao conhecimento imputado, presumido ou, talvez até, ficto das partes quanto a susceptibilidade de produgao dos damages segundo o curso ordindrio das coisas. Neste ponto, ha hoje que contar com disposigées escri- tas do Sale of Goods Act de 1893 que regulamentam a obri- gagiio de indemnizar por breach of contract of sale of goods. Segundo as secgdes 50, subs. 2.", e 51, subs. 1.*, deste diplo- ma, a medida dos damages pela recusa de aceitagéo ou pela falta de entrega é considerada ser a «estimated loss directly and naturally resulting, in the ordinary course of events from the buyer’s or seller’s breach of contract» (*). A formulagdo da lei eserita (statute law) quase decalea o dictum de ALDERSON, proferido cerca de quarenta anos antes. E curioso realgar que os tribunais ingleses se preocupam em primeiro lugar com a averiguagao sobre se existe um avai- lable market para as mercadorias em questéo, devendo cal- cular-se a estimated loss pela diferenga entre o prego do con- (®) Sobre a possibilidade de a Camara dos Lordes afastar os seus pro- prios precedentes, cfr. Padfield, Law made simple, 1970, p. 19 onde se trans- creve a declaracdo feita em 1966 pelo Lord Chancellor, em nome dos Lords of Appeal in Ordinary, Sobre a teoria do precedente v., além da obra exaus- tiva de Cross, Simpson, estudo sobre o ratio decidendi, incluido in Ozford essays in jurisprudence, pp. 148 e 83. () ‘Texto transcrito em Anson-Guest, ob. cit., p. 509. RESPONS. EM DIREITO INGLES E PORT. 39 tract & o prego do mercado ou prego corrente, ao tempo em que as mercadorias deviam ter sido aceites pelo comprador ou entregues pelo vendedor e, ndo tendo sido convencionado © tempo da prestagao, tera de atender-se aos pregos do mer- cado ao tempo da recusa do comprador em aceitar ou do deve- dor em entregar, \ razio que justifies esta regra de vileulo foi dada pelo Chief Justice Tindel no caso Barrow v. Arnaud (1846), bas- tantes anos untes da publicagdo da lei parlamentar hi pouco referida: «Quando um contrato para entrega de mercadorias a um certo prego ndo ¢ cumprido, a proper measure of damages em geral 6 a diferenga entre o prego contratual e o preco de mer- cado de tais bens, ao tempo em que ocorre a ineaveuco, por- que o comprador, tendo o dinheiro nas maos, pode ir ao mer- cado e comprar. Assim, se um contrato para \eceber e pagar as mereadorias néo ¢ cumprido, a mesma regra pode ser ade- quadamente aplicada; porque o vendedor pode levar os seus bens ao mercado e obter o prego corrente por eles», (") ANSON e GUEST ilustram assim a regra: se A promete vender e entregar a B dez mil toneladas de carvao a £20 por tonclada em 8 de Fevereiro e néo cumpre, sabendo nés que market price do carvéo da mesma qualidade era no dia con- vencionado para a entrega de £22 por tonelada, B pode obter como damages pelo incumprimento a diferengs entre os dois precos, a saber vinte mil libras (duas libras por tonelada). Em relag&o as transacgdes de automéveis, a jurisprudén- cia recente tem-se inclinado para entender que, quando 0 com- prador nfo aceita a entrega do automével que comprara ao vendedor, s6 pode recuperar nominal damages, isto 6, uma quantia simbélica, normalmente de duas libras, que o tribunal concede ao autor para The mostrar que tinha razio ao pre- ©) Transcrito em Anson e Guest, ob. cit., p. 519. 40 ARMINDO RIBEIRO MENDES tender que ocorreu um technical breach, embora nao tivesse sofrido real loss ("*). Sendo impossivel analisar pormenorizadamente os cam- biantes jurisprudenciais em matéria de remoteness of damage, conviri em todo o caso chamar a atengdo para que o conhe- cimento do normal ou ordinary course of things pode ser des- coberto através da observagdo da normal business position das partes do contrato. Assim, no caso Koufos v. C. Czarnikow, Lid. (1967), a firma Czarnikow, comerciante de agicar, fretuu o navio He- ron I] de Koufos para transportar um carregamento de agicar de Constanga para Basrah. O navio desviou-se sem autorizagao da rota convencionada, com o resultado de que « viagem de- morou mais tempo, dando-se uma baixa de pregos no mercado de agicar do porto de destino, pelo que os comer siantes per- deram trés mil e oitocentas libras no prego total. A Camara dos Lordes entendeu que o armador devia saber presumivel- mente que os pregos num mercado de bens de consumo deviam flutuar e condenou-o a indemnizar os comerciantes, apesar da declaragao deste de que nao possuia special knowedge das flu- tuagdes sazonais ou outras do mercado de agitcar (“*). (). V. Padfield, ob. cit., p. 183. Confrontem-se os casos W. L. Thompson, Lid. v. Robinson (Gunmakers), Lid. (1955), em que, perante condicdes de excesso de oferta sobre a procura de carros Vanguard, foi reconhecido aos vendedores, subconcessionérios da Vanguard, o direito a uma indemnizacao pelos lucros cessantes, pois nfo conseguiram vender 0 carro que os réus se tinham comprometido a comprar, conseguindo apenas a devolucao, sem recebimento de lucros, do automdvel ao concessionério. Em 1957, perante outra conjuntura no mercado dos automéveis, os vendedores s6 tiveram direito, em relagio aos compradores que nao rece- beram o automével, a nominal damages (Charter v. Sullivan). (© Sobre este caso, veja-se a posicio critica de P. S. Atiyah que ver- ‘pera a CAmara dos Lordes por se ter quedado na procura de uma tinica férmula verbal para exprimir o problema da previsibilidade, notando que ‘no resultado a Camara dos Lordes parece ter acordado em «not unlikely» para exprimir da forma mais acurada o grau necessdrio de previsibilidaden (ob. cit., p. 272). RESPONS. EM DIREITO INGLES E PORT. al No célebre caso Monarch Steamship Co. Ltd. vr. Karlshanns Oljefabriker (1949). entendewse que a normal Lusiness position das partes podia justificar 9 conhecimento dos armadores in- gleses de que um atraso na partida de um navio destes, devido ao estado deficiente das caldeiras, podia provoear sérios prejui- zos para os importadores suecos de sementes de soja, pois se estava em Abril de 1939 e a ameaga de guerra era bem conhe: cida de todos. Devido as avarias e respectivas reparacdes. 0 navio s6 muito tarde se fez ao mar, vindo do Japio e, em vez de chegar em Julho de 1939 A Suécia, s6 em Setembro de 1939 chegou a aguas europeias, pelo que foi requisitado pelo Almirantado briténico, em virtude da recente declar de guerra i Alemanha, tendo a carga de ser desembarcada em Glasgow ¢ transferida, & custa dos importadores, para navio neutral, que transportou finalmente a soja até ao seu destino, Lord WRIGHT entendeu que os custos d desembarque, transferéncia e frete em barco neutral deviam ser suportados pelos armadores ingleses, pois que experienced business men deviam saber que na pendéneia de uma ameaca de guerra, um dos riscox resultantes da viagem seria a dirersion do navio pelo Almirantado, nfo sendo demasiadamente afastado (too remote) 0 damage consequente do estado de inavigabilidade do navio por avaria mecanica, devendo os industriais suecos ser por isso reembolsados das despesas feitas com a_trans- feréncia de carga e restante frete. cio Por outro lado, é também considerado irrelevante (imma. terial) que o breach seja de um tipo que nao possa ser razoa- velmente previsto pelas partes, pois que estas contemplam natu- ralmente a performance e nao a inexecugao. Assim, no caso Banco de Portugal v. Waterlow and Sons, Ltd. (1932), a sociedade ré que celebrara um contrato de impresséo de notas bancdrias para o banco portugués, entre- gou por negligéncia a um certo M., chefe de um grupo inter- nacional de criminosos, quinhentas e oitenta mil notas de certo tipo, que foram posteriormente postas a circular em Portugal. Ao ser descoberta a fraude, o Banco retirou da circulacio 2 ARMINDO RIBEIRO MENDES todas as nolas desse tipo e trocou-as por outras. Em seguida, intentou uma acg&e contra a sociedade ré invocando damages pelo breach of contract. que abrangiam os valores das notas trocadas e do custo de impressdo das notas retiradas de cir- culagio. Por maioria, a deciséo da Camara dos Lordes foi favoravel ao autor, por se ter entendido que o prejuizo sofrido, embora resultante de um breach que dificilmente podia ter isto pelas partes ao tempo da celebrago do contrato, sido pre devia ser considerado como decorrente da business position das io do contrato partes, tendo origem naturalmente na inexec pelos impressores. Finalmente no caso Vietoria Laundry (Windsor) rv. New: mann Industries, Ltd. (1949), a empresa autora encomendou uma segunda caldeira para o seu estabelecimento de lavanda- ria e tinturaria, com ta a aumentar c seu giro comercial na mira de celebrar certos contratos muito vantajosos com 0 Ministério do Abastecimento para tingir tecidos. A entrega devia ter sido realizada em Junho, mas os fcinecedores s6 vieram a fazer tal entrega em Novembro, por terem provocado culposamente danos na caldeira, em virtude de uma queda ocorrida nas suas instalagdes. A empyesa autora pretendia o pagamento do total dos lucros cessantes, ein virtude da nio cele- bragdo do contrato com o Ministério. Na primeira instancia, o juiz STREATFTELD entendeu que a autora nao podia incluir na medida dos damages a perda dos lucros durante o mora. A decisio foi alterada pela Court of Appeal. Lord Justice ASQUITH fez notar que os réus sabiam j& ao tempo do con- trato e até antes da celebragdo que a autora era uma empresa de lavandaria e tinturaria e necessitava da caldeira para uso imediato no comércio, Pela sua experiéncia técnica e pelas rela- gdes contratuais existentes, devia presumir-se que teriam pre- visto que alguma diminuigao de lucros resultaria da mora. Mas na auséncia de conhecimento especial da paite deles, nao po- diam razoavelmente prever as perdas adicionais que resultaram para a lavandaria do facto de nao poder celebrar os contratos vantajosos com o Ministry of Supply, para tingir certos tecidos. RESPONS. EM DIREITO INGLES E PORT. 48 © caso foi por isso entregue a um arbitro (Official Referce), para decidir que perdas podiam razoavelmente ser considera- das normais nas cireunstincias (°°), Ll. Andlise do 2.’ ramo da regra de Hadley r. Bavendale Esta vegra refere-se ao damage que se pode razoavel- mente presumir ter estado na contemplagdo Ae ambas as par- tes, ao tempo da celebragéo do contrate, como resultado pro- vdvel do seu nao cumprimento, \ sua aplicagéo, como referem ANSON e GUEST, de- pende do conhecimento tido pela parte autora da inexecugao, ao tempo da celebragao do contrato, de circunstdncias espe- ciais, fora do «ordinary course of things», de um tipo tal que © incumprimento nesse caso causaré prejuizos maiores do que em circunstancias usuais. Este 2.” ramo & bem ilustrado pelo caso Simpson +. Lon- don and N. W, Railway Company (1876) ("). © industrial Simpson costumava mandar amostras dos seus produtos para exposicéo em feiras agricolas. Depois de ter exposto numa exposigio em Bedford, confiou algumas das suas amostras a um agente dos caminhos de erro para que transportasse até ao terreno de uma feira em Newcastle. Na nota de despacho escreveu: «tem de cstar em Newcastle se- gunda-feira sem falta». () Sobre estes casos ver ainda o que escrevem Anson e Guest, 0d. cit., PP. 513 @ 515, Cheschire e Fifoot, ob, cit., pp. 516 a 520, Padfield, ob. cit, PP. 180 a 182, Dr. Cortes Rosa, estudo cit, pp. 352 a 354. C5 _Vejase G. H. Teitel, The Law of Contract, 22 ed., 1966, 662, sobre este caso € 0 caso semelhante de Horpe v. Midland Railway (1873) —a com- Panhia de caminho de ferro foi absolvida do pedido de indemnizacio for- mulado pelo proprietério de um carregamento de sapatos que celebrara um contrato de transporte com obrigacio de entrega dos sapatos em Londres num certo dia mas em que a entrega foi feita com um dia de atraso, per- Gendo a oportunidade o proprietério de realizar vendas a um prego excep- cionalmente alto. 44 ARMINDO RIBEIRO MENDES Por culpa da companhia, as amostras chegaram atrasadas A feira, O autor pediu uma indemnizacio pela perda de lucros hos negocios que teria celebrado na exposigéo. O tribunal con- cedeu-lhe direito a indemnizacéo, pois que 9 agente da com- panhia tinha conhecimento das circunstincias especiais e por isso devia prever as perdas resultantes de um atraso no trans- porte, éAMfirmase. geralmente que o mero cunhecimento (bare knowledge) das circunstancias especiais que envolvem o con- trato chega para tornar 0 autor da inexecugdo responsivel. Mas hi alguma authority para a opiniio de que deveria, além disso, quer de forma expressa ou implicits, o autor de inexc- cugio ter estipulado que assumiria a_responsabilidade pela exceptional loss, Nesta opinigo, a mera comunicagdo a uma parte da esisténcia de special circumstances nao basta: deve haver qualquer coisa que indique que o contrato foi feito on the terms de que o réu era responsavel por essa perda» (“). Contra esta opiniao, insurgem-se ANSON ¢ GUEST. Dizem eles que nao deve duvidar-se de que baste uma alusio casual. pois que as circunstncias especiais devem ser reveladas de tal modo que se torne uma fair inference of fact serem ambas ax partes previsto (contemplated) a perda exceperonal como um resultado provivel do incumprimento. Segundo esta autorizada opinifio seria dispensivel um special term no coutrato. Para se subsumir um caso no 2.° ramo da regra de Hadley r, Baxendale deve haver «the reasonable probability of a fore- seeable loss on a given state of knowledge». (*). 12, O quantum dos damages (medida dos prejuizos repardveis) Depois de ter examinado a regra de Hadley v. Baxendale tio minuciosamente quanto nos foi possivel, verifieamos que (7) Anson -Guest, ob. cit. p. 517. () Cheschire e Fifoot, ob. cit, p. 523. RESPONS. EM DIREITO INGLES E PORT. 45 a teoria da remoteness of damage se refere ao problema da delimitagdo dos prejuizos indemnizaveis resultantes do breach of contract. Ocorrida uma inexecugao contratual, esta pode fun- cionar como conditio ou causa sine qua non de prejuizos. Po- prejuizos que, aplicada des. resultam de certo rém, n&o sao indemnizaveis todos os « teoria da equivaléneia das cond breach. objecto de uma obrigagéo de indemnizar. Sé alguns de 0 indemniza- todos ox damages resultantes duma_ inexecuc’ mente os que sio previsiveis nos termos dos dois \eis: precis. ramos da regra referida, Os dios demasiadamente remotos ndo =o da responsabilidade do autor do breach (*), Outra questo é a de saber como deve ser indemnizada a parte inocente, que quantum ira receber do autor do breach, pelos prejuizos juridicamente imputados av proprio breach, nos termos da regra de Hadley v. Raxendale. Ja atrés referimos que a concessio de damages por ine- Necugdo contratual visa colocar a paite ofendida na situagio em que estaria se tivesse sido cumptido o contrato. Parece assim aflorar uma ideia de diferenga. que justifica também a disposicéo contida no artigo 566.° do Cédigo Civil Portugués, E opinido unanime no direito inglés que o: damages por ineecugdo contratual tém um fim meramente reparatério ow compensatério e, em caro algum, um fim punitivo que vise, como diz SALMOND, castigar alguém pelo mal causado. \ medida dos damages nio é, por isso, afectada pelo motive ou modo da inexecugao, Como foi recentemente afirmado no caso Rookes +. Barnard (1964), nfo ha lugar na law of contract para vindictive or exemplary damages (*). ©) Cfr, Dr. Cortes Rosa, estudo cit., p. 340, Treitel, ob. cit., pp. 658 e ss. (") Para o direito portugués, cfr. Prot. Pessoa Jorge, Ensaio, cit., Pp. 47 a 52. Distingue este autor a mera responsabilidade civil (obrigacional ou extra-obrigacional) da responsabilidade civil conexa com a criminal Quanto primeira espécie, escreve este autor: «tratando-se de responsabil dade meramente civil, parece que, & face da nossa lei, a funcao primdria © reparadora». (Ob. cit., p. 52). 46 ARMINDO RIBEIRO MENDES Além disso, com excepgéo do caso muito particular da quebra de promessa de casamento, a ofensa aos sentimentos da parte inocente (distress, disappoitment of mind), os danos morais no podem ser levados em conta para fixagio de da- mages: no caso Addis v .Gramophone Co, Lid. (1909), em que um empregado em Calcuti da firma ré foi despedido de forma extremamente grosscira e humilhante, 0 tribunal inglés reafirmou o principio de que o autor, apesar de ilicitamente despedido, s6 podia receber damages pelos saldrios néo pagos durante os seis meses apés a comunicagio do despedimento (notice of dismissal) que deveria ter sido feita nos termos de to e no qualquer quantia pelos injured feelings ou pelos prejuizos derivados do efeito do despedimento sobre as possi- hilidades de emprego futuro na mesma cidade Admite-se em todo o caso a responsabilidad. de damages por substantial inconvenience ou incdmodo eausado pelo breach (). No caso Hobbs v. London and S. W. Railway Co. (1875). 0 autor, mulher e filhos embarearam no comboio da mneia-noite que ia de Wimbledon para Hampton Court, local onde esses passageiros viviam. Q comboio levou-os para Exher, onde se deteve, nao prosseguindo viagem. O autor e familia tive- ram de se deslocar varias milhas a pé até casa, numa noite de chuva. Veio a receber oito libras pela inconvenience causada pelo breach do contrato de transporte, tendo em atengio o incé- modo sofrido de andarem a pé debaixo de chuva. Em contra- partida, ndo foi compensado quanto As despesas da chamada do médico para tratar da mulher do autor. que se constipou em virtude da caminhada — no parecer do tribunal. tais pre- juizos pareciam ser uma consequéncia too remote do breach da empresa ferrovidria, sendo assim denegados os «gastos ex- traordindrios». Segue-se da natureza compensatéria dos damages que a parte ofendida sé tem direito a uma quantia que o indemnizard contr (©) Veja-se sobre este ponto o que escreve Treitel, 2b. cit., pp. 668 a 672. RESPONS. EM DIREITO INGLES E PORT. a7 pela perda que realmente sofreu. Nos casos em que se nao verifiquem guaisquer prejuizos resultantes do breach. 0 ofen- dido s6 tera direito a nominal damages (*). () Cumpriria estudar com certo desenvolvimento as classificagdes de damages feitas pela doutrina inglesa, matéria que é em parte comum @ da tortious liability. Na impossibilidade de o fazer limitamo-nos a referir algu- mas das principais: Costumam-se contrapor real damages a nominal damages: aqueles sio os prejuizos sofridos realmente pela parte ofendida. Abrangem nio sé aquilo que chamamos danos emergentes mas também os lucros cessantes (v. caso & frente referido de Cullinane v. British Rema Manufacturing). Nominal damages sio aqueles que sio concedidos pelo tribunal, todas as vezes que ocorreu um technical breach, apesar de 0 queixoso nao ter sofrido qualquer dano. Trata-se da atribuicio de uma quantia simbdlica, hoje em regra de duas libras. A concessio de nominal damages tem importantes consequéncias em matéria de custas processuais («sio um simples cabide onde se penduram as custas», diz uma decisio de 1846). Falase de contemptuous damages «nos casos em que o tribunal exprime © seu desprezo pelo facto de o autor litigar, concedendo-lhe uma quantia em dinheiro minima, por exemplo um penny. A atribuigéo desta quantia Tidicula significa que o autor venceu de um ponto de vista técnico, mas que a accao nunca devia ser intentadan. &, pois, um modo sui generis de combate & chicana processual, que se néo confunde com a multa ow indemni- zagao por litigancia de mé-fé, prevista no artigo 456.° do nosso Cédigo de Processo Civil... Tal atribuicao, segundo Halsbury, era em geral da inicia- tiva de um jury. A distingao principal parece ser entre general e special damages que envolve grandes diferengas de prova e respectivo Gnus, além de outras con- sequéncias processuais. A pecuniary compensation é um general damage, 0 quantum € discricionariamente fixado pelo juiz. Sao special damages os que ndo surgem naturalmente, mas tém de ser alegados e provados pela parte que quiser obter a compensagéo: a perda de saldrios, a indemnizacao pelas despesas médicas, o aluguer de automdvel, etc, podem ser pedidos sob este nome, parecendo incluirse nele varios casos daquilo a que, entre nés, 0 Prof. Gomes da Silva chama gastos extraordindrios (Cir. O dever de prestar e 0 dever de indemnizar, p. 117. Fala-se ainda em liquidated e unliquidated damages, mas a classificagio nao levanta especiais dificuldades. Na law of torts o general remedy 6 uma action for unliquidated damages. Cfr. Winfield, od. cit, pp. 8-9. Sobre as categorias de prospective damages (danos futuros) e vindictive damages cfr. Padfield, ob. cit., p. 183, Jenks’ English civil law, 1, p. 100 & Mayne's Treatise on damages, pp. 35, 39 a 41. Em matéria contratual fala-se igualmente de reliance damages (ex- Pressdio origingria do direito americano) para designar os prejuizos que © lesado sofreu por ter confiado no compromisso da parte que violou © contrato, onde se incluem as despesas realizadas ou o dinheiro pago Pelo lesado ou ainda a chamada consequential loss. A par dos reliance damages, a doutrina fala hoje de uma outra grande categoria de prejuizos Tepardveis em matéria de violacao contratual, os expectation damages ou lucros cessantes. Cfr. P. S. Atiyah, ob. cit., 269 e ss.

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