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Apresentação

Glauco Barsalini

Os leitores deste livro tomarão contato com importantes aspectos de


diferentes áreas do Direito.
Conforme poderá se perceber, impossível seria abarcar, em apenas um
compêndio, todo o universo de informações e de discussões doutrinárias,
jurisprudenciais ou legais relativo às áreas aqui abordadas. É bom lembrar que o
Direito, bem como o seu estudo, não se reduzem apenas a tais áreas, pois o Direito
se produz e reproduz amplamente em outros tantos setores da vida humana.
Há os direitos humanos individuais como o direito à vida, à liberdade, à
igualdade e à livre manifestação política; e os direitos humanos de cunho social,
como os direitos à moradia, à terra, ao trabalho, à saúde, à educação, ao esporte
e ao lazer (lembrando-se, nestes casos, apenas a duas das “gerações” dos
direitos humanos). Conta-se ainda com os direitos de cidadania política,
previstos em diversas normas, dentre elas o Código Eleitoral. Os Estados
possuem milícias e forças armadas de segurança nacional, e, portanto, para que
se cuide dos não civis, existe a Justiça Militar.
Existe uma demanda social por direitos ligados a questões de ordem
econômica, e de organização social, como a questão agrária e as lutas que se dão
no âmbito urbano (a luta pela moradia é um destes exemplos). Nesse sentido,
criou-se o Direito Agrário e o direito ligado às questões urbanas, com legislações
específicas como o Estatuto da Cidade, o Direito de Passagem e o Direito de
Antena, ou, mesmo, o Direito de Águas (estes três últimos associados ao Direito
Ambiental, pertinente às zonas urbana e rural), dentre tantos outros. Observa-se,
ainda, a formulação de normatizações a respeito de demais atividades humanas,
como o Direito Desportivo, ou a áreas específicas, como as disposições sobre a
ética nas diferentes profissões, por exemplo. De se notar, também, a interface do

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Direito com outras áreas do conhecimento, como a Psicologia (do que se cria a
Psicologia Judiciária), a Sociologia (do que decorre a Sociologia do Direito), a
História (do que surge a História do Direito) ou a Filosofia (constituindo-se a
Filosofia do Direito).
É nítido, portanto, que o Direito se faz presente em domínio muito
amplo, encontrando-se onde quer que exista organização social ou qualquer
tipo ou manifestação de cultura humana.
Por outro lado, é necessário ter-se a consciência de que o Direito não se
reduz ao conjunto normativo estatal, disciplinador da vida dos indivíduos e dos
grupos sociais, como pensam costumeiramente muitas pessoas não ligadas ao
estudo do Direito e até alguns juristas.
Afinal, de que adianta todo um grande e complexo ordenamento
jurídico, pretensamente legítimo, – como este que se dá no caso de um sistema
político que se autoproclama Republicano e Democrático como é o nosso, se tal
ordenamento não se fizer eficaz,1 ou seja, se ele não for cumprido por aqueles
que a ele estão submetidos, ou se, no caso da desobediência às suas regras,
nenhuma sanção vier a ser aplicada contra aquele que as desobedeceu?
De que adianta, ainda, a criação e existência de tal ordenamento jurídico
se, no caso de seu não cumprimento, não houver um Poder instituído com o fim
de aplicá-lo, como é o Poder Judiciário, o que significa, na prática, a possibi-
lidade do acesso à justiça?
E cabe, finalmente, questionar: será que o Direito, fenômeno social tão
amplo, se reduz apenas e tão somente ao conjunto normativo positivado pelo
Estado (em outras palavras, ordenamento jurídico estatal)? Ou não será o
Direito um fenômeno plural, criado por diferentes centros de poder, conforme
conceitua Luís Renato Vedovato (2009, p. 159), ao remeter ao Dicionário de
Política, de N. Bobbio, N. Matteucci e G. Pasquino?
É certo que tratar o tema numa perspectiva estritamente formal pode levar a
alguns equívocos, em especial quando consideramos o amplo universo das
relações humanas, sejam elas sociais, religiosas, políticas, econômicas ou culturais.
Não se pode esquecer de que a linguagem é a base de qualquer forma de
pensamento, seja ele científico, seja ele do senso comum. Assim, os engenheiros,
os matemáticos, os estatísticos, os físicos, os contadores e os economistas, dentre
outros profissionais, estão bastante habituados à linguagem dos números, uma
série de códigos que, bem estruturados em fórmulas lógicas, redundam em
conclusões adequadas, soluções a problemas teóricos e práticos, tão necessárias, na
concepção moderna, ao desenvolvimento humano. Do mesmo modo, biólogos,
químicos e estudiosos da área da saúde em geral, como enfermeiros,
1. A respeito da eficácia do Direito, ver o excelente texto de Oscar Mellim Filho (2009).

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fisioterapeutas, fonaudiólogos e médicos, lidam com inúmeras classificações e
variados termos definidores dos organismos naturais, para melhor compreendê-los
e neles intercederem. Assim, no caso das ciências humanas, que envolvem desde
áreas ligadas ao estudo das associações humanas como a Sociologia e a
Administração de Empresas, a áreas preocupadas com o estudo do comportamento
humano como a Psicologia e a Educação, ou a áreas voltadas para o próprio estudo
da linguagem como as Letras (ou de sua aplicação, como a Comunicação, o
Jornalismo e o Marketing), a, finalmente, o próprio Direito, objeto deste livro, a
linguagem se conforma como o elemento estruturante de qualquer forma de
pensamento humano, ou de qualquer tipo de relação humana.
Quando se fala em Direito, portanto, fala-se em linguagem: uma
linguagem de caráter normativo, que se pretende reguladora de condutas e de
comportamentos humanos, e que, por isso, quer ser vigiada, cumprida.
Ora, será então que existe alguma forma de estrutura de pensamento ou de
prática social que não tenha qualquer caráter normativo, que não pretenda, ao
menos em certos aspectos, delimitar, classificar, propor ou estabelecer regras?
Para nós, nenhuma forma de pensamento estruturado ou de prática
social, econômica, política, religiosa ou cultural está livre, pois, do Direito, eis
que todas elas têm, de algum modo, o perfil de delimitar, classificar, propor ou
de estabelecer regras.
Podemos constatar, na leitura deste livro, alguns dos aspectos mais
relevantes das diferentes áreas do Direito enquanto ciência aplicada.
De início, Arnaldo Lemos Filho e Fabrício Peloia Del’Alamo apresentam-
-nos uma instigante discussão e reflexão sobre a Ética, com reflexos sobre o
exercício das profissões, a incluir aquelas relacionadas ao Direito. Retratam a
Ética como uma disciplina que transcende a legalidade e as normas, no sentido de
significarem uma constante revalorização da república (res publica), incluindo
na Política no domínio das novas leis que envolvem temas polêmicos, como os
relacionados à Biologia, à Medicina e à Economia. Os autores definem Ética
profissional como “[...] o conjunto de todas as regras que disciplinam o
comportamento daquele que desempenha alguma atividade profissional, ainda
que não regulamentada, visando à sua satisfação pessoal e a dos demais
integrantes do grupo social” (p. 25). Logo em seguida, os autores expuseram
alguns dos princípios que, segundo eles, “parecem ser comuns para o padrão
ético esperado” (p. 25) nas diferentes profissões.
Para nós, nenhuma forma de pensamento estruturado ou de prática
social, econômica, política, religiosa ou cultural está livre, pois, do Direito, eis
que todas elas têm, de algum modo, aspectos de delimitar, e/ou de classificar,
e/ou de propor, e/ou de estabelecer regras.

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Neste livro, discutimos alguns dos aspectos de diferentes e importantes
áreas do Direito enquanto ciência aplicada.
Em seguida, conforme anuncia Oscar Mellim Filho em seu capítulo (p. 29),
há dois grandes ramos do Direito: o Público e o Privado, seguidos de um outro
ramo, de caráter híbrido, em que a esfera pública e a privada se misturam, como o
direito do trabalho, o direito ambiental, e o direito do consumidor, por exemplo.
Ainda nas noções gerais do Direito, Francisco de Assis Garcia ensina que a
Teoria do Processo se trata “de um modelo de explicação que agrupa as partes
comuns aos diversos tipos diferentes de processo (penal, cível, trabalhista,
administrativo)”, no qual “alguns pontos se repetem nas várias espécies de
processo: (i) os princípios; (ii) a jurisdição; (iii) a competência; (iv) organização
judiciária; (v) os operadores do direito: juiz, advogado, promotor de justiça;
(vi) ação; (vii) processo; (viii) procedimento; (ix) provas, (x) recursos etc.”, sendo,
com isso, possível “se estudar de forma simplificada os pontos chamados (a) ação;
(b) jurisdição e (c) processo, ou ainda, em outra configuração também tríplice:
(a) ação; (b) exceção e (c) jurisdição” (p. 61), além de correlacionar o Direito
Processual com a vida social, o Estado e seu poder.
Na mesma seção, Luís Renato Vedovato (p. 69) traz a distinção entre o
Direito Internacional Público e o Privado, mostrando como o primeiro dispõe
sobre questões direta e especialmente ligadas à soberania dos Estados, e o
segundo se vincula a questões de direito entre partes, que envolvem a relação
entre diferentes países por se tratarem, tais partes, de pessoas dotadas de
direitos nascidos de ordenamentos de diferentes Estados.
Na parte II, em que se abordam as relações entre o Estado e o Direito,
Gustavo Escher Dias Canavezzi discorre sobre os elementos do direito
constitucional, sendo de se ressaltar temas importantes como o referente ao
Controle de Constitucionalidade (o qual prevê que nenhum dispositivo
infraconstitucional pode contrariar a própria Constituição Federal), e a
previsão dos Direitos Humanos Fundamentais e dos instrumentos legais
garantidores de direitos individuais e coletivos, como o Habeas Corpus, o
Habeas Data, o Mandado de Segurança e o Mandado de Injunção.
Alexandre Barros Castro e Luis Henrique Neris de Souza trazem
informações essenciais a respeito de uma área do Direito relativa às relações
entre contribuintes e Estado, e responsável por parte substancial da receita do
Estado: o Direito Tributário.
Fábio Nadal Pedro trata do Direito Administrativo, definindo-o como
aquele que “estuda as normas que estruturam/concretizam a função administrativa
do Estado (tipicamente exercida pelos Poderes Executivos federal, estadual,

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distrital e municipal)” (p. 134). Em seguida, o autor desenvolveu o tema,
discorrendo a respeito de tal disciplina e de seu objeto.
Lael Rodrigues Viana, ao discorrer sobre o Direito Previdenciário e a
Seguridade Social, inicia seu texto com a seguinte definição: “O Direito
Previdenciário, divisão meramente acadêmica, é um dos ramos do Direito que
tem por escopo reger as condutas entre o Estado e a sociedade no que diz
respeito à proteção à maternidade, idade avançada, doença, invalidez,
desemprego involuntário, encargos familiares e prisão e morte daqueles de
quem dependiam economicamente” (p. 155). Mais à frente, aborda a questão da
seguridade social, demonstrando que sua natureza é atender às necessidades
nas áreas de saúde, assistência e previdência social, baseando-se, para tanto, no
princípio da solidariedade.
Finalmente, Viana anuncia e explica os benefícios e as prestações do
Regime Geral de Previdência Social, informações tão necessárias àqueles que
lidam com áreas como a de gestão de pessoas, ou de contabilidade, ou, ainda,
áreas ligadas à saúde pública.
Adelaide Albergaria escreve a respeito dos fundamentos do Direito Penal,
de alguns tipos de crimes previstos no Código Penal e, por fim, de duas leis
esparsas que preveem um grande número de ocorrências na atualidade: a que
dispõe sobre o crime de uso e de tráfico de tóxicos, e a que dispõe sobre os crimes
contra a ordem financeira e tributária.
Por fim, nesta parte relativa ao Estado e o Direito, Edi Aparecido
Trindade aborda as implicações da economia e das relações sociais na vida do
Direito, demonstrando como os Estados Contemporâneos procuram organizar
a economia, com o necessário fim de controle sobre ela para que se estabeleçam
alguns limites às enormes disparidades sociais que o sistema capitalista gera,
preservando-se, com isso, ao menos em certos níveis, o caráter social do
próprio Estado, o qual se configura como uma de suas principais obrigações,
como se pôde ver no texto destinado ao debate sobre o Direito Constitucional,
já aqui objeto de referência.
A parte III foi destinada a formulações sobre a relação entre a Empresa e
o Direito, iniciando-se com o texto de Cláudio Jose Franzolin, ao se tratar de
parte substancial do conteúdo previsto nos Livros do Código Civil,
demonstrando-se a importância da regulação estatal sobre a vida e na conduta
dos indivíduos, como no caso das relações bilaterais de contrato, e a
propriedade das pessoas, sejam elas físicas, sejam elas jurídicas.
Em seguida, Áurea Moscatini discorre a respeito do tema Direito
Empresarial, contemplando as necessidades de conhecimentos gerais daqueles
que estudam ou praticam a administração de empresas, ou atividades de

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comércio, atualizando, no final de seu capítulo, a discussão sobre a falência, de
acordo no a nova Lei.
Reinaldo de Francisco Fernandes, além de trazer uma abordagem
histórica referente ao Direito do Trabalho, demonstra disposições legais que se
aplicam a todos os trabalhadores, demonstrando, por outro lado, o caráter social
desta área do Direito, evidenciado pela luta de classes na qual sindicatos de
patrões e empregados possuem relevante autonomia nas negociações entre si.
Finalmente, o texto aborda assunto relativamente novo e interessante: o
problema do assédio moral e sexual nas relações de trabalho.
Angélica Carlini cuida de um tema precioso na atualidade, de interesse
de todos, tendo em vista a amplitude que o mundo do crédito pessoal assumiu
contemporaneamente: a questão dos direitos do consumidor.
Mirena Ferragut Gallo oferta uma visão a respeito do Direito Ambiental,
abordando com certa profundidade os seus princípios, sem se esquecer de remeter à
legislação pátria, e à análise de casos reais, contemplando os interesses dos
interessados, que, sabemos, hodiernamente, são todos os cidadãos, além daqueles
que tradicionalmente têm interesse específico no assunto, como engenheiros (não
somente florestais), agrônomos, biólogos, geógrafos e geólogos, dentre outros.
Assunto de interesse geral na atualidade, também, tem sido o Direito
Securitário, dado que cada vez mais as pessoas têm procurado assegurar-se, de
algum modo, das intempéries ou situações de insegurança proporcionadas pela
natureza e pelas relações sociais. Assim, Maria Paula de Carvalho Moreira trata
do assunto, abordando, inclusive, o instituto do seguro obrigatório, geralmente
esquecido, em detrimento da maior atenção que normalmente se dá às relações
contratuais entre civis.
A quarta parte deste livro tratou de cuidar dos novos pensamentos do
Direito, temas palpitantes, bastante novos, alguns deles ainda pouco
conhecidos, até mesmo por agentes do Direito.
Daniel Blikstein traz reflexões a respeito do Biodireito, assunto muito
pertinente em face de uma sociedade e de um Estado que reforçam o discurso de
defesa à vida. Blikstein aborda temas já antigos, como a polêmica discussão
sobre a eutanásia, mas, também, reflete sobre temas muito atuais e ainda não
pacificados, objetos de legislações recentíssimas e de debates jurisprudenciais,
como a reprodução humana e a clonagem, carreando ao texto, inclusive, casos e
exemplos reais relacionados a tais assuntos.
Na sequência, Herbert Wittmann enfrenta um difícil assunto e ainda pouco
normatizado no Brasil, e certamente de grande interesse para os que se ocupam das
áreas tecnológicas: o atinente ao Direito Cibernético, demonstrando a amplitude de

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seu objeto, e as dificuldades de controle jurídico que se estabelecem diante da
magnitude e ausência de centralidade do mundo virtual.
Conforme o autor nota, não se pode falar, ainda, em Direito Cibernético como
propriamente um ramo do Direito, ou, em suas palavras, “Por enquanto, o Direito
Cibernético deve ser compreendido como sendo uma disciplina que reúne os diversos
aspectos que envolvem o uso da tecnologia e sua relação com o Direito” (p. 340).
Problemas referentes à autoria, contratos e transações financeiras, uso de
imagem e privacidade são recorrentes no universo da informação tecnológica, e
interferem diretamente nas grandes áreas do Direito, como a penal e a civil.
Enfim, Wittmann demonstra alguns avanços na legislação brasileira, como as
disposições sobre as certificações digitais, sem se esquecer do debate sobre a
fragilidade do Direito atual diante do assunto.
Tema de interesse também hodierno, sobre o qual psicólogos,
educadores, sociólogos e antropólogos têm especial interesse, é o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), o qual é tratado por Richard Pae Kim, que
disponibiliza informações essenciais a respeito da referida legislação.
Ainda, na área de interesse dos cientistas da humanidade, vem o texto de
Daniel Torres de Cerqueira, que traz o enfoque constitucional ao direito
educacional, fazendo análise principiológica desse ramo do conhecimento.
João Carlos José Martinelli proporciona ao leitor com um debate
importante, especialmente para aqueles que trabalham na área de comunicação,
jornalismo e marketing, que é o Direito à Informação, mostrando a sua
importância e a necessidade de se conhecer os seus limites, tendo-se como
referência os princípios éticos que devem possuir aqueles que informam, ao
pontuar, inclusive, as implicações legais àqueles que se furtam à conduta ética.
Assunto em voga tem sido o que pertine ao tema da mobilidade pública. Em
um país que historicamente fez a opção pelo uso predominante dos meios de
transporte terrestres feitos por automóveis, ônibus e caminhões, e que, nos últimos
tempos, tem estimulado, cada vez mais, o consumo de tais meios de transporte,
especialmente dos carros e motos, ter noções a respeito do Código de Trânsito é
tarefa de todo cidadão, e conhecê-lo, obrigação de todos aqueles profissionais que
trabalham com a mobilidade pública, como arquitetos e engenheiros.
Assim, Rodolpho Vannucci desenvolve capítulo sobre o Código de
Trânsito, com alto teor informativo e, portanto, esclarecedor àquele que
procura compreender um pouco melhor as implicações legais ligadas à
mobilidade e ao transporte.
Os capítulos tratados no livro, de forma panorâmica, mostram a
amplitude do Direito, que, como já dissemos, nem de longe se esgota nos temas
ora analisados.

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De se perceber, portanto, a grande força que o Estado possui quando se
fala em Direito, e a significativa influência que a forma positivada do Direito (o
Direito escrito: leis, portarias, resoluções, medidas provisórias, decretos etc.)
assume no mundo contemporâneo, estabelecendo-se, com muito poder, sobre a
vida dos indivíduos e dos grupos sociais.
Isso ocorre porque o Estado é o detentor do poder soberano, aquele que,
segundo o clássico da Sociologia universal, Max Weber, detém o “monopólio
do uso legítimo da força física”, ou, em outras palavras, tem o poder de coagir,
de obrigar a todos a cumprirem às suas regras, pretensamente formuladas
democraticamente e de acordo com o princípio da racionalidade.
O Estado detém, portanto, um enorme poder, porque, em última
instância, pode acionar a polícia ou as forças armadas para fazer cumprir a
norma, feita, em regra, pelo legislador e, quando necessário, aplicada pelo juiz.
Tal poder é pressuposto da manutenção da ordem. Assim, ao nosso ver, a
norma estatal é a expressão de um poder político soberano que, de certo modo,
garante diferentes demandas sociais, sejam elas de caráter econômico, político,
religioso, cultural ou mesmo atinentes às relações sociais, para que se possa
garantir um determinado nível de organização da sociedade, com o fim maior
de preservar a própria soberania do Estado.
Nessa medida, o Direito Privado, que atua no sentido de garantir os direitos
particulares das pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas – o Direito Público, que
atua na garantia dos direitos de toda a sociedade; e a área do Direito que orbita tanto
na esfera pública como na esfera privada (a daquele Direito que chamamos acima
de “híbrido”), e que interfere na garantia substancial dos direitos coletivos (dos
grupos sociais) e difusos (os quais ninguém, ou nenhum grupo social, pode
reivindicar exclusivamente para si, como, por exemplo, o direito ao oxigênio ou ao
banho de mar), atuam, de fato, em certos níveis, visando, todavia, em última
instância, manter o poder do próprio Estado.
Porém, como já se abordou, o Direito não está preso apenas ao Estado,
podendo-se mesmo afirmar que ele é plural, eis que elaborado por diferentes
“centros de poder”.
Assim, as regras com as quais trabalhamos neste livro demonstram a
existência de uma poderosa esfera de poder, que, todavia, não é única, e que,
muito ao contrário, é gerada, em boa medida, no intuito de procurar controlar a
alta capacidade que a sociedade apresenta em criar regras novas, em face de
poderes locais ou regionais não propriamente estatais, como o de associações,
igrejas ou mesmo o de núcleos familiares, buscando evitar, com isso, na
perspectiva do Estado, certa condição de anomia política ou social.

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REFERÊNCIAS
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LEITURA COMPLEMENTAR
AGAMBEN, G. Homo Sacer – o poder soberano e a vida nua I. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2004.
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BOBBIO, N. O Positivismo Jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1996.
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FONSECA, R. M. (Org.). Crítica da modernidade: diálogos com o direito. Florianópolis:
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HOBBES, T. Leviatã. In: Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril, 1973.
LIRA FILHO, R. Karl, meu amigo: diálogo com Marx sobre o Direito. Porto Alegre: Sergio
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OLIVEIRA JR., J. A. de. Bobbio e a Filosofia dos Juristas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
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