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XV Congreso de la Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación

(ALAIC)
Desafíos y Paradojas de la Comunicación en América Latina:
las ciudadanías y el poder
Medellín, Colombia, 9 al 13 de noviembre de 2020
Organizan
❖ Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación (ALAIC).
❖ Facultad de Comunicación Social – Periodismo de la Universidad Pontificia
Bolivariana (UPB).

Ponencia presentada al GI 3 – Comunicación-Decolonialidad

Contribuições dos estudos decoloniais para pesquisa e prática do jornalismo


Contribuciones de los estudios decoloniales a la investigación y práctica del periodismo
Contributions of decolonial studies to journalism research and practice

Verônica Maria Alves Lima1

Resumen: Os estudos decoloniais ao apresentarem uma perspectiva epistêmica que


propõe suplantar (e não negar) a produção de conhecimento ocidental – que se
estabeleceu com o colonialismo – pode contribuir de forma significativa para as reflexões
sobre o jornalismo, quando abordado sob o viés narrativo. O artigo aborda a conformação

1
Verônica Maria Alves Lima, jornalista, mestra em comunicação midiática, doutoranda do Programa de Pós-
Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói – Rio de Janeiro, Brasil.
Integrante do TRAVESSIA – Centro de Estudos e Pesquisas do Sul Global. veronicalima@id.uff.br
teórica dos estudos decoloniais para elucidar que, da mesma forma que é possível
construir insurgências no interior das estruturas institucionais e de pensamento moderno-
coloniais que considerem outras formas potentes de existência, é também possível que a
compreensão do e sobre jornalismo se amplie no interior de sua própria prática,
encontrando caminhos na própria trama narrativa que o constitui para superar dicotomias
e argumentos totalizantes/objetificantes, e experimentar outras formas de ser.
Palabras Clave: Decolonialidade, Jornalismo, Narrativa

Abstract: Decolonial studies, when presenting an epistemic perspective that proposes to


supplant (and not to deny) the production of Western knowledge – which was established
with colonialism – can contribute significantly to reflections on and of journalism, under a
narrative bias. The article addresses the theoretical conformation of decolonial studies to
elucidate that, just as it is possible to build insurgencies within institutional and modern-
colonial thought structures that consider other powerful forms of existence, it is also
possible that the understanding of and about journalism expand within your own practice,
finding paths in the narrative plot that constitutes it to overcome totalizing / objectifying
dichotomies and arguments, and to experience other ways of being.
Key words: Decoloniality, Journalism, Narrative

Introdução
O Jornalismo, enquanto prática simbólica global serviu à consolidação do poder nos
territórios onde foram estabelecidas as principais colônias no contexto da modernidade. As
narrativas produzidas pela prática jornalística não apenas serviram como ferramenta para
a consolidação do poder no contexto moderno-capitalista, como também sustentaram os
imaginários e conceitos que conformam a racionalidade ocidental ainda hoje.
Desse modo, este artigo pretende apresentar e discutir as contribuições dos estudos
decoloniais, estruturados em torno do Grupo Modernidade/Colonialidade, para a
construção prática do jornalismo, especialmente no que tange à produção de um jornalismo
que se pretenda decolonial e, portanto, espaço propício para práticas comunicacionais
insurgentes tão necessárias no contexto global.
Para isso, iniciamos com uma breve apresentação de dois possíveis caminhos para
se pensar uma genealogia dos estudos da decoloniais, analisando de que forma essas
abordagens teóricas podem dialogar com o esforço interpretativo do (e no) jornalismo. Em
seguida, abordamos as especificidades da prática jornalística sob o viés da análise narrativa,
observando as convergências possíveis entre a decolonialidade e a mirada epistêmica
própria dos estudos de natureza comunicacionais – que inclui a complexidade sociotécnica
que se estabelece na contemporaneidade.
O artigo aponta para uma ampliação do entendimento do conceito de jornalismo a
partir da atitude epistêmica decolonial, que não é de recusa do pensamento ocidental, mas
sim uma forma de ultrapassar o eixo epistêmico hegemônico estruturado na modernidade
como parte constitutiva do poder colonial que se estabeleceu nas Américas, África e Ásia a
partir do século XVI, e desde então se desenvolve como uma lógica – a colonialidade – que
institui padrões de diferenciação e, portanto, de subjugação.

Genealogia e contribuições da ideia de “origem"


Para absorver a contribuição dos estudos decoloniais para a prática
jornalística, é importante compreender de forma mais abrangente a origem dessa
tradição epistêmica e suas possíveis influências para o estudo e a prática do
jornalismo. Luciana Ballestrin (2013) traça a trajetória do “Grupo Modernidade /
Colonialidade” localizando-o como um desdobramento dos estudos pós-coloniais,
sendo estes marcados historicamente pela descolonização de países do “terceiro
mundo” em meados do século XX (especialmente países africanos e asiáticos), bem
como pelos estudos ligados à literatura e à cultura.
Nessa abordagem genealógica em que o pós-colonialismo é precursor dos
estudos decoloniais conduzidos especialmente pelos expoentes do “Grupo
Modernidade / Colonialidade”, autores como Homi Bhabha, Franz Fanon, Gayatry
Spivak, Paul Gilroy, Stuart Hall, entre outros, são fundamentais para o caminho que
começaria a se delinear a partir do início dos anos 1990. Os marcos temporais seriam,
segundo Ballestrin (2013), a publicação, em 1992, do texto clássico “Colonialidad y
modernidad-racionalidad”, de Aníbal Quijano; e a fundação do Grupo Latino-
Americano dos Estudos Subalternos, cujo texto inaugural foi publicado em 1993 nos
EUA e traduzido para o espanhol em 1998 por Santiago Castro-Gómez.
Essa abordagem mais “linear” do surgimento do pensamento decolonial, com
sentido de origem bem marcado por um traço temporal, oferece uma importante
reflexão ao vincular a construção da decolonialidade à tradição de estudos críticos da
modernidade. Mesmo que seja possível questionar a ideia de “origem”, como
veremos a seguir, é importante marcar essa conexão pela crítica, que assinala uma
postura comum entre os autores-expoentes dessa tradição.
No entanto, Walter Mignolo (2007) ressalta que o pensamento decolonial
nasce junto com o próprio empreendimento colonial – as incursões que inauguram o
processo social, político e econômico que configurou a modernidade, consolidada no
século XX. Para o autor, os marcos formais do pensamento decolonial são dois textos
que surgiram no contexto da colonização: Nueva Corónica y Buen Gobierno (1616),
escrito por Waman Poma de Ayala, descendente de indígenas do império Inca; e
Thoughts and Sentiments on the Evil of Slavery (1787), escrito por Otabbah Cugoano,
ex-escravizado de origem ganense estabelecido na Grã-Bretanha. Para o autor, ambos
os textos desenvolvem um pensamento gestado em “diálogo conflitivo” com o
pensamento europeu, configurando o que ele chama de “pensamento fronteiriço”
(MIGNOLO, 2007, p.32-33). O autor destaca que as ideias desenvolvidas não
ganharam repercussão, nem à época, nem posteriormente, justamente por estarem à
margem (nas fronteiras) da dinâmica social que irrompia paulatinamente entre os
séculos XVII e XVIII, e que veio a se consolidar no século XX.
Do ponto de vista da produção jornalística, vale ressaltar que os séculos XVII e
XVIII consistem num importante período de desenvolvimento da prática e técnica
jornalística, período que coincide com o próprio avanço da modernidade e os ideais
ocidentais. A leitura matinal do jornal é incorporada como hábito do sujeito
moderno/ocidental ideal, e a prática jornalística se torna espaço de propagação
simbólica e conceitual dos pilares da modernidade, da qual o processo de colonização
é um dos fundamentos2.
Os dois trabalhos referidos por Mignolo (2007), conforme descreve o autor,
articularam argumentativamente os conceitos e a ética cristã para criticar as ações
coloniais fora da Europa, baseados na memória e na experiência indígena e de ex-
escravizados, colocando os saberes desses grupos, ora submetidos, em confronto com
o poder e o saber pretensamente universalizantes do mundo colonial. Assim, não
apenas denunciaram um regime de subjugação e crueldade, mas também destacaram
a existência de saberes outros fora do sistema europeu-colonial, descrevendo suas
potencialidades. Para o autor, existência desses textos demonstra que o chamado

2
Essa relação íntima entre o desenvolvimento do jornalismo, dos processos midiáticos e a Modernidade,
embora não sejam o foco deste trabalho, são muito importantes para a contextualização da discussão aqui
proposta. Ver: Briggs e Burke (2006), Thompson (2002).
“giro decolonial” surge no interior do próprio empreendimento colonial e se localiza
no “diálogo conflitivo” com o próprio poder impetrado pela colonialidade.
Nessa perspectiva, o sentido de “origem” dos estudos decoloniais perde a
significação porque esta não se limita à ideia de uma linha de investigação, mas de
uma postura epistêmica diante da construção social da lógica de poder – a
colonialidade – que se instaurou com o colonialismo, conforme ressalta Maldonado-
Torres (2018), e que ainda está viva nas relações sociais. A decolonialidade não seria
uma negação da modernidade, mas uma forma de ultrapassa-la, questionando o que
foi estabelecido como “civilização” durante o processo colonial, em oposição a outras
experiências sociais, temporais, espaciais e epistêmicas. Dessa forma, a
decolonialidade exige um “engajamento construtivo e crítico” diante da produção de
conhecimento da modernidade ocidental, propondo novas abordagens de ser e
pensar, desvendando as estruturas de poder moderno-ocidentais – e por isso se
manifesta de forma teórica e também prática (MALDONADO-TORRES, 2018. Ver pp.
34-353).
Essa postura epistêmica diante da vida se estabelece em termos teórico-
práticos pois está em diálogo direto com a própria lógica que pretende suplantar: a
racionalidade ocidental. Portanto, é uma postura que nega dicotomias e raciocínios
simploriamente lineares, pois busca transformar a partir do contexto em que se insere
– instigando, assim, uma prática que sustente as fundamentações teóricas propostas.
Esse é um dos principais eixos de contribuição que o pensamento decolonial oferece
para a pesquisa e a prática do jornalismo, a potente atitude crítica que busque uma

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As páginas referenciadas desta obra estão conforme a versão ebook.
compreensão conjuntural que não reforce dualismos, e que considere as insurgências
que emergem justamente no interior da própria lógica que se critica.

Jornalismo, mirada narrativa e decolonialidade


A perspectiva comunicacional, na qual se localiza o jornalismo – entendido
como prática que vai além da mediação de informações, incidindo sobre as relações
sociopolíticas, as lógicas de poder e os processos de subjetivação dos atores sociais –
parece ser propícia para desenvolver uma crítica “por dentro”, tal como se observa na
teoria decolonial. Muniz Sodré (2007) identifica que a abordagem epistemológica da
comunicação se torna cada vez mais relevante na área de estudos, justamente por
fornecer arcabouço para uma configuração “crítico-cognitiva” acerca da comunicação,
ultrapassando os pontos de vista informacional e também os que, embora avancem
ao considerar a complexidade dos processos comunicativos e seus atores, ainda se
circunscrevem ao nível dos vínculos estabelecidos a partir da comunicação (SODRÉ,
2007, pp.21-22).
Para o autor, assumir uma postura epistêmica comunicacional é se tornar
agente crítico na compreensão dos diferentes modos de ser que emergem do bios
midiático e bios tecnológico, próprios da conjuntura contemporânea marcada pelo
imperativo tecnológico e seus efeitos sobre os sujeitos.

avançamos a hipótese de que a ciência da comunicação se dá, na


crise do paradigma vigente das ciências sociais, como uma espécie
de «acontecimento» a partir de uma oportuna «intervenção» do
pensamento e da pesquisa numa situação que problematize, no
interior das mutações culturais da sociedade contemporânea, as
contingências da imbricação ou da tensão entre a relação societária
e o vínculo comunitário. (SODRÉ, 2007, p.25)
Essa abordagem comunicacional se aplica de forma especial ao jornalismo, tendo em
vista o significativo papel exercido por essa prática nas dinâmicas sociais, sobretudo
nas percepções e sentidos sobre/do tempo, bem como os efeitos do desenvolvimento
tecnológico para a sociabilidade e a construção das subjetividades (SODRÉ, 2010).
As reflexões de Fernando Resende (2004) sobre o jornalismo convergem com
a abordagem epistemológica da perspectiva comunicacional, ao destacar a
importância de prioritariamente se estudar e elucidar a lógica que guia e se instala na
prática do jornalismo (nos seus textos), e não seguir investigações que prefiram se
dedicar ao texto, como prevalece na tradição dos estudos de jornalismo, reforçando
tal lógica dominante rotineiramente reproduzida na ampla maioria dos textos
jornalísticos. A limitação das perspectivas informacional e crítica para compreender (e
praticar) o jornalismo estaria justamente nessa reiteração de um ponto de vista
dominante – que se insere no contexto macro da modernidade e seus valores
dicotomicamente civilizatórios. E é no interior da própria prática jornalística
tradicional que Resende (2004) identifica o que denomina de “narrativas de
resistência”, em que outras lógicas passam a reger a construção textual do jornalismo
– fatos, temporalidade, espacialização, etc.
É, portanto, nessa perspectiva narrativa que podemos localizar a confluência
dos estudos decoloniais com a prática e a pesquisa jornalísticas. A mirada narrativa,
afirma Resende (2011), é a abordagem potente para colocar o jornalismo em
discussão.

Se além de ser atravessada por aprisionamentos, também a concebemos


[a narrativa] como sendo potência – inevitável percurso quando
acolhemos, com o propósito da comunicação, os vazios instaurados pelo
discurso e o paradoxo da linguagem –, talvez nela possamos reconhecer
os problemas e os desafios relativos às mediações e às representações no
jornalismo. (RESENDE, 2011, p. 11)

Em termos dos estudos decoloniais, a partir de uma mirada narrativa seria possível
dar a ver a/s lógica/s da de/colonialidade que permeia/m a prática do jornalismo,
identificando não apenas os padrões moderno-coloniais, mas também insurgências e outras
variáveis que emergem da própria conjuntura, e incidem nos sujeitos e nas mais diversas e
complexas dimensões da sociabilidade.
Em estudo mais recente, Fernando Resende (2019) se debruça nas contribuições de
Paul Ricoeur para os estudos da narrativa, elucidando a dimensão metodológica fornecida
pelo filósofo francês, especialmente no que tange à chamada “hermenêutica” proposta por
aquele autor, que busca observar a “polissemia da alteridade” presente no texto narrado e
no mundo que lê. De acordo com Resende (2019), “a topologia do sujeito na hermenêutica
ricoeuriana é a intersecção: ela significa a possibilidade de reconhecer o que acontece entre
o narrante e o narrado” (RESENDE, 2019, no prelo).
Longe de ser uma perspectiva tautológica, como bem ressalta o autor, essa
abordagem visa elucidar aquilo que se apreende mesmo sem estar codificado no texto ou
no discurso, aquelas estruturas que se assimila com o discurso sobre o jornalismo e
consequentemente, no discurso do jornalismo, e que fica “armazenado” no imaginário,
conformando visões de mundo, padrões, opiniões e comportamentos. Trata-se de um
desafio metodológico que, conforme apontado pelo autor, “contribui para que seja
atribuído à narrativa [no campo jornalístico] um caráter menos tomado pelo senso comum
que a entende, de uma perspectiva conteudística, como sendo a história contada”
(RESENDE, 2019, no prelo).
Na perspectiva ricoeuriana, a narrativa é uma trama que comporta fatos, ficções de
diversas possibilidades/formas de ser, indo muito além de dicotomias, verdades absolutas
e leituras objetificantes. O desafio se dá, portanto, no âmbito epistêmico, para o qual a
teoria decolonial contribui sobremaneira, além de ser um desafio metodológico, já que a
interpretação (o exercício hermenêutico) “se constrói na medida da leitura que se produz”
(RESENDE, 2019, no prelo). Por isso, para (re)pensar a trama jornalística e suas diversas
camadas, o que abarca o que ela é e também o que ela faz, “os estudos da narrativa podem
e devem contribuir para uma maior compreensão e um maior conhecimento em relação
aos modos de narrar o cotidiano, expandindo, do ponto de vista da sua linguagem, as
formas de o jornalismo existir” (RESENDE, 2011, p. 15).
Acessar formas outras de existência e de pensamento é também o desafio proposto
pelos estudos decoloniais. Para Erick Torrico Villanueva (2016), um pensamento
comunicacional decolonial deverá ser constituído a partir de outras referências e bases
sociais, colocando em disputa projetos civilizatórios, indo além da superação de hierarquias,
subalternizações e distinções identitárias, comuns às perspectivas críticas (VILLANUEVA,
2016, p. 151). Essa tarefa remonta ao que foi realizado nos textos referidos por Mignolo
(2007) como fundamentais para os estudos decoloniais: buscar outras formas de existência
em “diálogo conflitivo” com as formas de pensamento dominantes.
Acrescenta-se também a importância de se superar certa “arrogância” impregnada
na própria prática jornalística – fundamentada no pensamento ocidental-moderno – e no
olhar que ela evoca, que separa o mundo em sujeitos e objetos, estabelecendo uma relação
assimétrica da qual subjaz as figuras que podem falar e pensar e aquelas de quem se fala ou
sobre quem se pensa. Elucidar essas assimetrias, estabelecidas através do projeto colonial,
é importante tarefa para que se possa conjurar outros mundos simbólicos possíveis, entre
eles o jornalismo.
Para tal realização, precisamos, como ressalta Villanueva (2016), “hacernos parte de
uma revuelta multidimensional em la esfera comunicacional que desde la perspectiva
subalterna remueva los âmbitos de su epistemologia y ontologia, renueve su teorización e
indagación y revitalice su práctica cotidiana com um norte humanizante y emancipador”
(VILLANUEVA, 2016, p. 158).

Considerações finais: o decolonial como liberdade para o jornalismo


O que os estudos decoloniais têm feito, desde o momento em que estabeleceu
“diálogo conflitivo” com o poder estabelecido pelo empreendimento colonial, tal como nos
exemplos apresentados por Mignolo (2007), é justamente extrair de sua própria existência
abordagens epistêmicas que contribuam para enfrentar a própria lógica da colonialidade,
que produz desigualdades, injustiças e mortes – concretas/físicas, simbólicas e epistêmicas.
O desafio que se impõe no diálogo entre a perspectiva decolonial e o jornalismo é o
fortalecimento das insurgências decolonizantes no interior da dinâmica da tessitura da
narrativa jornalística – o que engloba sua prática e sua reflexão teórica.
Esse desafio ganha uma importância contextual, se considerarmos a crise que assola
o campo do jornalismo, seja no que diz respeito à credibilidade de seus conteúdos – e a tão
evocada “disputa de narrativas” entre os diversos atores sociais que compõem e disputam
a prática jornalística –, tanto no que se refere aos reveses da atividade enquanto modelo
de negócio. Com essa abordagem que articula os estudos decoloniais e da narrativa, busca-
se contribuir para a discussão e impulsionamento de outras formas de conhecer e ser, que
podem se caracterizar como saídas importantes para a atual crise global, que também
atingiu tanto a produção de conteúdos em si, quanto o próprio mercado de periódicos.
O cenário de “fim de mundo” que assola as sociedades em todo o planeta é
abordado por Ailton Krenak (2019), importante pensador indígena brasileiro, como
resultado do processo civilizatório empreendido pelo projeto colonial-moderno. Para
ele, essa dinâmica que desagrega os indivíduos da própria experiência profunda da
vida, no entanto, não é capaz de anular totalmente as possibilidades de existir.

O tipo de humanidade zumbi que estamos sendo convocados a


integrar não tolera tanto prazer, tanta fruição de vida. Então, pregam
o fim do mundo como uma possibilidade de fazer a gente desistir
dos nossos próprios sonhos. E a minha provocação sobre adiar o fim
do mundo é exatamente sempre poder contar mais uma história.
(KRENAK, 2019, pp. 26-27)

Nesse sentido, o encontro entre os estudos decoloniais e a abordagem narrativa do


jornalismo pode se configurar como um espaço para se contar outras histórias
possíveis para o jornalismo e sua conformação no ambiente simbólico-cultural
contemporâneo.
Para encerrar, vale retomar um dos textos clássicos dos estudos decoloniais,
que marca a entrada mais expressiva da perspectiva decolonial no ambiente
institucional acadêmico. Nesse texto, Aníbal Quijano (1992) discorre sobre a atitude
epistêmica que a decolonialidade instiga, e assim encerra as reflexões:

La liberación de las relaciones interculturales de la prisión de la


colonialidad, entraña también la libertad de todas las gentes, de
optar individual o colectivamente en tales relaciones; una libertad
de opción entre las diversas orientaciones culturales. Y, sobre todo,
la libertad para producir, criticar y cambiar e intercambiar cultura y
sociedad. Es parte, en fin, del proceso de liberación social de poder
organizado como desigualdad, como discriminación, como
explotación, como dominación. (QUIJANO, 1992, p.20)

O que buscamos com esse artigo foi oferecer análises e argumentos que
contribuam para a construção de outros caminhos e outros olhares para o jornalismo,
ampliando o entendimento sobre a prática e a pesquisa na área. Assim, as inevitáveis
transformações podem se abrir para posturas epistêmica outras (mais livres) que
possam emergir na própria experiência cotidiana.

Referências
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