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Capitulo 2 Barbaros, Selvagens, Primitivos mito dos antropélogos é ele proprio uma transformagio de mitos filoséficos mais antigos. O discurso ganhou um novo impeto nas décadas de 1860 e 1870, mas ele é a continuagao de uma conversa bem mais longa, um antigo debate, de cujas pressuposigdes subjacentes nem Darwin escapou completamente. Essas premissas estao encapsuladas em trés palavras inglesas ainda potentes, as quais tém sido utilizadas para descrever populacdes além dos limites da civilizacao: barbaros, selvagens e primitivos. Tucidides afirmou, em sua Histéria da guerra do Peloponeso, que Homero nao chamava seus herdis de gregos. “Ele tampouco usa 0 termo barbaro”, adicionou, “provavelmente porque os helenos nado haviam sido ainda separados do resto do mundo por uma designacao distinta”." Um senso de unidade grega foi forjado apenas quando as cidades-Estado isoladas se juntaram para enfrentar a ameaga apresentada pela Pérsia, sob comando de Dario e seu filho Xerxes, nos primeiros anos do século V a.C. Os gregos adotaram entio a descrigao “barbaro” para seu inimigo comum. Eles diziam que os barbaroi gaguejavam como idiotas, ou que balbuciavam como nenéns, ou “Thucydides, 431 sce, History of the Peloponnesian War, Book 1, Chapter 1. (Trans. Richard Crawley.) Simon Hornblower, no entanto, mostra que Carians falantes das linguas barbaras” sio mencionados na Iliada (ii.867). Ver Hornblower, 1991, A Commentary on Thucydides, Vol, p.17. 41 grunhiam como animais — bar bar. Dai o nome. Termos mais refinados e corteses para estrangeiros, heterophone, “outra fala” e allogloss, “outra lingua”, insistiam igualmente na primazia dos gregos. A marca inicial dos barbaros era uma deficiéncia de linguagem. Como um nascimento de gémeos, os conceitos novos de gregos e barbaros estavam inextricavelmente conectados. “A escrita grega sobre os barbaros é, em geral, um exercicio de auto-definicao”, Edith Hall escreve em seu estudo, Inventing the Barbarian, “porque o barbaro é freqiien- temente retratado como 0 oposto do grego ideal”. Os atenienses eram os gregos ideais, naturalmente, e os persas eram os protétipos dos barbaros. Ainda assim, ambos os tipos opostos eram facilmente generalizados, ¢ as diferencas obliteradas. Um viajante contestara, em Politico de Platao, que somente porque os gregos definiam os helenos como uma espécie, eles agrupavam todas as outras nacdes como barbaras, independentemente das diferencas de lingua. “Porque eles tinham um nome eles supdem serem igualmente de apenas uma espécie”. Acima de tudo, havia uma divisao politica entre os gregos e os barbaros. Os gregos, ou ao menos os atenienses, viviam em um Estado ideal, a polis democratica. Todos os gregos resistiam 4 tirania. Os bar- baros nao eram democraticos. Eles eram ou uma turba sem lideranga ou eram escravos de governantes tirdnicos. Os citas eram anarquistas sem casa, sem Iideres. Em contraste com os citas, os egipcios eram urbanos e sofisticados. Porém, eles eram governados por um rei absoluto. Os tipicos barbaros, os persas, eram o proprio modelo de tirania real. “H4 uma ligagdo entre barbarismo e realeza”, conclui Hartog, “entre barbaros, o modo normal de exercicio de poder tende a ser a realeza. E, recipro- camente, a realeza possivelmente tem algo de barbaro nela.”¢ Esta associagaéo dos barbaros com a tirania provou ser uma caracterizagio duradoura dos anti-gregos. “Porque os barbaros, sendo mais servis no carater que os helenos... nao se rebelam contra um governo despotico”, escreveu Aristételes, um século depois de Herddoto € Tucidides. De fato, “entre os barbaros, nenhuma distingao é feita entre mulheres e escravos, porque nao ha um governante natural entre eles: eles sao uma comunidade de escravos, mulheres e homens. Por isso os 5 Herodotus, History, 2.95. “ Hartog, The Mirror of Herodotus, p. 324. poetas dizem: 'E apropriado que os helenos tenham que governar os barbaros’, como se pensassem que barbaros e escravos fossem por natu- reza um s6”. Os reinos barbaros eram tiranicos “porque os povos sio, por natureza, escravos’? Havia escravos em Atenas, mas eles eram inva- riavelmente estrangeiros e, portanto, podiam ser clasificados como barbaros: e, de acordo com a légica de Aristételes, como barbaros, era da sua natureza que fossem escravos. Nao apenas o barbaro era incapaz de independéncia e destituido de valores cfvicos. A ele faltava o auto-controle emocional de um homem grego maduro. Os barbaros representavam no palco ateniense balbuciando em linguas estranhas, vestidos com peles, comiam carne crua, carregavam arcos, mas nao langas, que homens corajosos utilizavam para lutar de perto, e eram servis e emocionais. Os guerreiros se comportavam mais como mulheres do que os homens gregos, auto- confiantes e controlados. Em Os Persas, de Esquilo, Xerxes aparece como um tirano efeminado.® Os dramaturgos podiam encenar a imagem do bérbaro, e confrontar audiéncias com figuras paradoxais do nobre barbaro, e do bérbaro grego9, mas, em geral, os dois estereétipos eram mantidos em seus proprios lugares, cada qual na maior distancia possivel do outro. Mesmo que se fosse admitido que os proprios gregos jé haviam sido barbaros, 0 que importava é que eles haviam se afastado bem além deste ponto de partida. ‘Os antigos costumes sio excessivamente simples e barbaros”, escreveu Arist6teles. “Porque os gregos uma vez jé usam armas € compraram suas mulheres um do outro; e todos os outros costumes antigos que ainda persistem em outros lugares sao inteiramente tolos... E, em geral, os homens desejam o que é bom e nao apenas o que seus pais tiveram”!0 7 Aristotle, 350 BCE, Politics. Book 1, Part 1, e Book Three Part XIV. Traduzido por Benjamin Jowett # Edith Hall, 1996 (comentério), Aeschylus Persians, 9 Edith Hall, The Invention of the Barbarian, pp. 211-23. © Aristotle, Poli Depois dos gregos Diametralmente opostos, tao diferentes quanto possam ser, os barbaros eram 0 oposto de nossos seres imaginados. No poderia haver barbaros antes que houvesse gregos, ou, posteriormente, romanos, ou cristdos, ou europeus. Eles nos definem na medida em que os definimos. Qualquer tentativa de subverter esta oposigio implicava que a sociedade contemporanea nao era, afinal, tio diferente da dos birbaros. Em seu ensaio “Dos Canibais”, escrito em 1578, Michel de Montaigne refletiu a respeito do que ele havia ouvido sobre os poves do Brasil, e afirmou que “no ha nada de barbaro ¢ selvagem naquela nacio, pelo que me disseram, exceto que cada homem chama de birbaro tudo 0 que nao é sua prépria pratica; porque, de fato, parece que nés nfo temos outra tese de verdade e razio do que o exemplo e os padrdes de opinides e costumes do pais em que vivemos”". Isto foi, naturalmente, ironicamente proposital. Montaigne foi descrito como um relativista; porém ele nunca duvidou que havia padres absolutos de verdade e razio. O seu ponto era que nem o barbaro tampouco o francés é verdadeiramente racional. No entanto, os indios do Brasil desfrutam vidas agradaveis e desocupadas, admiraveis em sua simplicidade, e de acordo com sua filosofia natural. “Estas nagées, entio, parecem-me barbaras neste sentido, que eles foram moldados muito pouco pela mente humana, e ainda estio muito proximos de sua naturalidade original. As leis da natureza ainda os governam, sendo muito pouco corrompidos pela nossa.”!# Sinto muito que Licurgo ¢ Platdo nao os tenha conhecido... Isto é uma nacho, eu diria a Plato, na qual nfo hé nenhum tipo de trfico, nenhum. conhecimento de escrita, nenhuma ciéncia de mimeros, nenhum nome para 0 magistrado ou para uma superioridade politica, nenhum costume Michel de Montaigne, 1578, “Of cannibals", The Complete Works of Montaigne, traduzido por Donald M. Frame, 1948, p.152 '2 Montaigne, “Of cannibals”, p. 153 45 de servidao, nem ricos nem pobres, sem contratos, sem sucessdes, sem divisdes, sem ocupagées a nio ser a de lazer, nenhuma preocupacéo além do parentesco comum, sem roupas, sem agricultura, sem metal, sem utilizagao de vinho ou trigo. As exatas palavras que significam mentira, traigio, dissimulagdo, avareza, inveja, menosprezo, perdio - nunca se ouviu. Quao longe desta perfeicio ele veria a repiblica que ele imaginou... HA de se admitir que os brasileiros fizeram coisas terriveis, como por exemplo, matar ¢ comer seus prisioneiros, mas, em meio A meméria viva, os franceses estavam torturando seus inimigos, ou queimando-os vivos. Isto era menos terrivel que comer o inimigo depois de sua morte? Nés podemos chamar os outros de barbaros se os julgarmos pelos padrées da razio pura, concluiu Montaigne, mas nfo se os compararmos com nés mesmos, “que os ultrapassam em todo o tipo de barbaridade”. Montaigne sabia mais que Plato sobre os barbaros, e nio apenas porque ele estudara os relatos de exploradores, material a respeito do qual ele era cético. Cristovao Colombo havia retornado ao velho mundo com sete indigenas raptados, que eram amplamente exibidos, e no século XVI os fndios escravos ¢ exibigdes cram banais na Europa. Quando Henrique II e Catarina de Médici fizeram uma entrada cerimonial na cidade de Rudo em 1550, eles foram recebidos por cortejos caracterizando gladiadores e elefantes, uma imitacdo de batalhas marinhas, e um desfile de prisioneiros. Havia também uma reproducdo, em tamanho natural, de uma aldeia brasileira com trezentos habitantes nus, cingiienta deles eram indios genuinos, que tinham sido trazidos para a Franca por um mercador local. Eles exibiram danca e combates.'4 Montaigne afirmou ter encontrado alguns destes brasileiros em Rudo em 1562, ¢ ter conversado com um deles. O intérprete nao era confidvel, mas ele péde constatar que © indio tinha sido um lider resistente em sua terra natal. Escolhido por seu valor, seu privilégio era marchar para a batalha a frente de seus homens. Em tempo de paz, no entanto, sua ‘nica recompensa era 3 Montaigne, “Of cannibals”, p.156 “Michael Wintroub, 1998, “Civilizing the savage and making a king: the royal entry festival of Henri II". 46 “que quando ele visitava as aldeias que dependiam dele, eles lhe abriam caminho através dos arbustos, os quais ele podia atravessar bem confortavelmente”. “Tudo isso no ¢ de todo mal”, comentou Montaigne, “mas qual éa utilidade? Eles nao usam calcas”.'s Montaigne iniciou esse ensaio sobre os canibais com outro conjunto de exemplos, os quais foram também escolhidos para deses- tabilizar a convicgio de seus leitores de que eles reconheceriam um barbaro se vissem um. Quando o Rei Pirro passava pela Itilia, apés ter feito um reconheci- mento da formagao do exército que os romanos estavam enviando para enfrenté-lo, ele disse: “eu nao sei que barbaros sao esses” (porque assim os gregos chamavam todas as nagdes estrangeiras), “mas a formacaio deste exército que estou vendo nao é bérbara de modo algum”, Os gregos falaram 0 mesmo do exército que Flaminius trouxera para seu pais, € assim também disse Filipe, vendo de uma colina a ordem e a distribuigao do campo romano, sob reinado de Publius Sulpicius Galba. Portanto, deveriamos ter cuidado ao nos apegarmos a opinides vulgares, e julgar as coisas pelo meio da razio, nao pelo dizer popular. ¢ Estes exemplos chegaram facilmente a um europeu educado do século XVI, bem versado em textos classicos. Porém, todas as anedotas de Montaigne falam de quanto os gregos eram forgados a reconhecer uma classe de barbaros, os romanos, como seus iguais no campo de batalha. Estes so certamente mitos romanos. De acordo com Gibbon, os romanos a principio “se submeteram ao insulto, e deram a si mesmos livremente © nome de barbaros”. Mas, eventualmente, “eles reivindicaram isengao Para Itdlia e as provincias submetidas a ela; ¢ finalmente, transferiram a denominago vergonhosa para as nacées hostis ou selvagens além do limite do império”.7 Eles chamavam a costa norte da Africa de Barbarie diz Gibbon). Urbanos e polidos, de mentalidade civica, (‘merecidamente', Montaigne, “Of cannibals”, p. 159 Montaigne, “Of cannibals”, p. 150 Edward Gibbon (1741 edition), The History of the Decline and Fall of the Roman Empire, capitulo 51, p. 454, nota de rodapé sobre a diseussio dos berberes. ae 47 disciplinados, poderosos, os romanos se passaram a se ver como estando lado a lado com os gregos contra os barbaros nas fronteiras. Respeitosos dos modelos gregos, os intelectuais romanos uti- lizaram os barbaros em novos experimentos conceituais. Aristételes havia esbogado uma historia do desenvolvimento politico. A primeira sociedade fora a familia, cada familia comandada por um homem mais velho. (“Como diz Homero: ‘Cada um administre a lei para seus filhos e suas esposas"”). Com o tempo, familias aparentadas juntaram-se em aldeias. Quando varias aldeias se unirem em uma comunidade completa tinica, grande o bastante para ser auto-suficiente, o Estado comeca a existir, originando-se nas necessidades simples da vida, e continuando a existir para manter uma vida boa, E, portanto, se as formas anteriores de sociedade so naturais, assim também o é o Estado, pois é o fim delas, € anatureza de algo é seu fim. “Conseqiientemente, é evidente que o Estado é uma criacéo da natureza, e que o homem 6, por natureza, um animal politico”.® A natureza pode ser uma garantia da razio, e ha uma longa tradigéo de preferir a natureza e os hdbitos naturais ao artificio.9 No entanto, as disposigses naturais podem ser transcendidas por uma r1azao mais sofisticada. No segundo paragrafo de De Inventione, publicado em 55 a.C., Cicero imaginou um tempo no qual as pessoas ‘vagavam pelos campos como animais, apoiando-se em sua forga fisica e sem usar sua razdo. Eles nao tinham nogio dos deuses, ou de dever plblico; nfo havia casamento legitimo, no havia lei. Entdo um grande homem apareceu e persuadiu um ntimero de pessoas a viverem unidas ea juntar trabalho itil e honroso. A principio eles estavam resistentes, mas sua sabedoria e eloqiiéncia os tornaram gentis e corteses. Ainda assim, a linguagem podia ser uma faca de dois gumes. Um tirano podia usar a retorica para enganar 0 povo simples. Neste mito, os barbaros so ainda definidos em relacdo a linguagem: nao simplesmente a lingua grega em si, mas ao discurso racional concebido mais amplamente. Aristotle, Politics, Book 1, Part 1, "9 A.O, Lovejoy and G. Boas, 1935, Primitivism and Related Ideas in Antiquity. 48 Depois da adogdo do Cristianismo como religido oficial do impe- rio romano, o Cristianismo passou a ser identificado com Romanitas. Antes disto, os comentadores romanos haviam condenado ritos cristéos ‘como barbaros. Agora, eram os pagdos a serem definidos como barbaros. “Tio diferente é o romano do barbaro,” escreveu o poeta latino do século V, Prudentius, “quanto o homem é diferente do animal, ou a pessoa que fala é diferente do mudo; e, assim, eles que seguem os ensinamentos de Deus se diferem daqueles que seguem cultos sem sentido e supers- ticiosos.”20 Para Prudentius, o primeiro critério que distinguiu os romanos cristaos dos barbaros foi, portanto, a deficiéncia de linguagem. (A Torre de Babel foi um monumento da barbrie). Porém, os préprios cristaos falavam muitas linguas, e algumas vezes nao conseguiam comunicar-se uns com os outros. “Se eu desconhecer o sentido das palavras” Paulo Evangelista advertira (em I Corintios, 14.11), “serei um estrangeiro para quem me fala e ele sera também um estrangeiro para mim”. Mas nem todas as linguas sao iguais. Depois de citar Paulo e debater que lingua deveria ser a da cristandade (grego? latim? hebraico?), Tomas de Aquino insistia que a lingua falada era menos titil que a lingua escrita. Era 0 texto que tornava possivel o crescimento do conhecimento ¢ o desen- volvimento de instrumentos legais. Aquino, portanto, apreciou Beda" por introduzir a escrita na Bretanha, elevando assim a populagio de um estado de barbii Os argumentos de Aristételes e Aquino sobre a linguagem e sobre a escravidao ainda ressoaram nos jesuitas na América Espanhola no século XVI, quando a Europa catélica debatia se os indios tinham almas, e se eles estavam condenados pela sua propria natureza a serem escravos. Os jesuitas concordavam com Aquino que era, acima de tudo, a auséncia de uma linguagem escrita que distinguiam os barbaros.2* © Citado por W.R.Jones, 1971, The Image of the Barbarian in Medieval Europe, p. 382. * Beda, também conhecido como Sito Beda ou, mais comumente, Beda Veneravel ou © Veneravel Beda (672-735) foi um anglo-saxio do mosteiro de Jarrow, na Norttimbria, Tornou-se famoso pela sua Historia Eclestdstica do Povo Inglés (Historia Ecclesiastica Gentis Angiorum), donde éerivou o titulo de «Pai da Hist6ria Inglesa», embora tenha escrito sobre muitos outros temas. (N.da T.) 2 Ver Anthony Pagden, 1982, The Fall of Natural Man: The American Indian and the Origins of Comparative Ethnology, especialmente capitulos 6 and 7. 49 Entra o selvagem Os barbaros foram um objeto de fecunda reflexio por mais de dois milénios, mas as viagens de descobrimento do fim do século XV trouxeram na volta novidades sobre uma figura ainda mais estranha: meio animal, meio homem, de acordo com alguns relatos. Ele foi batizado de selvagem. O adjetivo francés sauvage significava réstico, nao culti- vado ¢ nao domesticado. Foi mais tarde utilizado para descrever pessoas grossas e violentas. Ao surgir na consciéncia da Europa com os primeiros relatos sobre os habitantes da América, 0 selvagem se misturou com os monstros da Idade Medieval, que combinavam tragos humanos e animais, e possufam até mesmo atributos dos deménios™. No que foi talvez sua ultima peca, A Tempestade, escrita em 1610 ou 1611, aproximadamente trinta anos apés o ensaio de Montaigne sobre os canibais, Shakespeare apresentou o personagem Caliban. Seu nome & um acréstico de canibal. Meio homem, meio animal, 0 tinico nativo da ilha, Caliban vive em um buraco na terra. Prospero assim 0 descreve: Um deménio, um deménio de nascenca, sobre cuja natureza jamais pbde atuar a educagio... Caliban nao 6 apenas a antitese da pessoa civilizada. Ele contrastado com outra criatura, Ariel, meio homem, meio espfrito, que vive no ar. Caliban mal consegue falar, Ariel canta encantadoramente. Ambos esto presos, ao servico de Préspero, o mestre da ilha, mas enquanto Prospero se refere a Caliban como “meu escravo”, ele chama Ariel de “meu criado”. Préspero tratava Caliban a principio com gentileza, tentando ensiné-lo, e até mesmo compartilhando seus aposentos de dormir. Entéo Caliban tentou estuprar a filha de Prospero, Miranda, e foi expulso. O nobre Prospero repreende Caliban por nio se benefieiar da sua instrugio: Tive piedade de ti; nao me poupei canseiras, para ensinar-te a falar, néo se passando uma hora Ver Pagden, The Fall of Natural Man, and Margaret T. Hodgen, 1964, Early Anthropology in the Sixteenth and Seventeenth Centuries. 50 em que nfo te dissesse o nome disto ou daquilo. Entio, como selvagem, no sabias nem mesmo o que querias; emitias apenas gorgorejos, tal como os brutos; de palavras varias dotei-te as intengoes, porque pudesses tomé-las conhecidas... Ao que Caliban responde: ‘A falar me ensinastes, em verdade. Minha vantagem nisso, é ter ficado sabendo como amaldicoar. O tom politico de A Tempestade parece ser bem diferente da visio cética de Montaigne a respeito da autoridade. Os nobres so julgados de acordo com sua fidelidade ao rei verdadeiro. Seus criados e marinheiros bébados brigam entre si ¢ séo subjugados apenas pela forga. Os selvagens esto além do limite da sociedade. Caliban tem de apanhar e ser torturado para ser submisso. 0 bom Ariel é um agente dedicado, embora Préspero tenha que lembré-lo (Ariel ndo consegue se fazer lembrar) que ele tinha sido anteriormente o escravo de uma bruxa perversa, Sycorax, a mie de Caliban. Porque Ariel se recusou a cumprir seus desejos diabélicos, Sycorax o aprisionou em uma drvore, aonde ele permaneceu até Préspero libert4-lo. Ainda assim, ambos Ariel e Caliban clamavam constantemente pela sua liberdade. Caliban tenta escapar de Préspero para, no entanto, colocar-se a servico de um marinheiro bébado, que lhe dé licor. Ariel é finalmente libertado, pelo seu agradecido mestre, para voar afora o mundo da natureza (“Onde as abelhas sugam o mel, 14 sugarei eu... Alegremente, alegremente vou viver/ sob os ramos da selva florescente.) No entanto, o endosso de hierarquia e ordem da peca é ambiguo. © bom conselheiro, Gonzalo, olha por sobre a ilha de Prospero e imagina ‘uma Utopia que ecoa 0 relato de Montaigne sobre o Brasil: Na repiiblica faria tudo pelos seus contrarios, Nao admitiria espécie alguma de comércio; nem o nomede magistrados; oestudo ficaria ignorado de todo: ricose pobres 51 © 0s servigos, nenhum; Nenhum uso de metal, milho, vinho ou dleo. Nenhuma ocupagao. Todos os homens, ociosos, todos. Eas mulheres, também; mas inocentes e puras. Faltaria, de igual modo, soberania... (“Ainda assim ele seria o rei”, afirma um cortesio cético) Caliban e Ariel eram escravos que podiam ser libertados pelo seu mestre, mas outros dramaturgos representaram o selvagem como um homem livre. Um pouco mais de meio século apés Caliban, um indio herdi proclama na peca de John Dryden, The Conquest of Granada: Sou tio livre quanto o primeiro homem feito na natureza aqui a base das leis de servidio comegaram Quando incivilizado na floresta o nobre selvagem correu. Porque entao perdemos esta liberdade nativa? No século XVII, os filésofos se inspiraram em Cicero e imaginaram uma alternativa a narrativa biblica das origens humanas, que explicaria porque homens livres deviam sacrificar sua liberdade para seguir um rei. Um plano humano, um contrato social original, tomou o lugar de um pacto divino. Ao invés de uma queda do paraiso, seres humanos haviam avangado de uma condigio aborigene proxima aquela dos animais em estado de natureza. Eles podiam ser livres, mas estavam desprovidos do conforto da seguranca de uma existéncia social. Guiados pela luz da razio, individuos independentes mas vulneraveis se juntaram, portanto, para formar uma sociedade. Thomas Hobbes, um refugiado da guerra civil e do regicidio na Inglaterra, refletiu sobre aqueles dias andrquicos. “Quando os homens vivem sem um poder comum para manté-los amedrontados, eles esto naquela condigao chamada guerra.” Eram desprovidos de industria, agricultura, navegagio, construgSes. Eles nao “tinham conhecimento da superficie da terra; nenhum registro de tempo; nenhuma arte; nenhuma escrita; nenhuma sociedade; e, o pior de tudo, 52 com medo continuo e perigo de morte violenta; e a vida do homem, solitaria, pobre, repugnante, bruta e curta."*3 Para homens em condigdes desesperadas, a sociedade oferecia seguranga. Na visio de Hobbes, foi isto que garantiu uma base racional para o poder absoluto da soberania. No entanto, 0 mesmo mito poderia ser utilizado para mostrar que a autoridade legitima deve depender do desejo do sidito. 0 contrato havia sido quebrado, Rosseau argumentou, 0 povo traido pelos lideres a quem eles haviam confiado seus privilégios e seus bens. Estas nogdes de “um estado de natureza” e um “contrato social” eram experimentos conceituais, mas Hobbes supunha que alguns selvagens ainda viviam nessa condigio original. “Pois os povos selvagens em muitos lugares da América, com excecio da autoridade de pequenas familias, das quais a harmonia depende do desejo natural, nado possuem nenhum tipo de governo, e vivem hoje em dia daquela maneira irracional”*4, Ao menos neste ponto, John Locke concordava com ele. “Assim, no inicio, todo o mundo era a América”#s Os relatos etnograficos deviam, portanto, ser incorporados em nossa propria hist6ria. Em 1724, Lafitau publicou seu Mouers des sauvages américains comparées aux mouers des premiers temps, no qual ele comparou sua propria infor- magio sobre os indios do Brasil, parcialmente de primeira mio, com as erengas e costumes de povos separados deles por muitos séculos. E vivendo em continentes diferentes. “O taitiano esta em contato com a origem do mundo”, Denis Diderot concluiu uma geracéo mais tarde, “o Europeu, com o seu amadurecimento”.*6 Na segunda metade do século XVIII, um género de historias universais se tornou moda. A cosmologia medieval da Grande Cadeia do Ser ganhou impulso, historicidade. Houvera um avanco de um estado ‘Thomas Hobbes, 1660, Leviathan, 1,114, Hobbes, Leviathan, Parte 1, Capitulo XIII, 1 25 John Locke, 1690, The Second Treatise of Civil Government, Capitulo 5, paragrafo 49. % Denis Diderot, 1773, Supplement au Voyage de Bougainville. A Grande Cadeia do Ser (The great chain of being ) uma concepgio que teve origens com 0s filésofos neo-platénios na antigiiidade elissica, a qual teve grande influéncia no mundo medieval ocidental até o século XVIII. Trata-se de um sistema hierirquico que explica a ordem dos elementos que compoem 0 universo (setes vivos e elementos da natureza). (N. daT.) 53 original de selvageria, através da barbarie, para a condigdo humana mais elevada, que agora era nomeada como civilizacio. Em francés, os termos civilité, politesse, e police (significando obediente a lei), remetem ao século XVI. Durante o século XVII, os povos com estas caracteristicas eram contrastados com os “selvagens” e os “barbaros”. Mas foi apenas em meados do século XVIII que o termo civilisation foi cunhado. Ele se tornou corrente, ao mesmo tempo que a palavra progresso adquiria seu sentido modemo, e dois neologismos foram logo estreitamente associados um com 0 outro.*7 © progresso foi caracterizado sobretudo pelo avango da razio, e a razo foi encarregada em uma batalha épica de superar a resisténcia de sociedadés tradicionais, com suas superstigées, seus preconceitos irracionais, ¢ a lealdade cega aos governantes cinicos. A vitoria final da civilizagio era certa, pois ela podia chamar a ciéncia para auxilié-la: a expresso mais alta da razio, 0 conhecimento verdadeiro e eficiente das leis que informam sobre ambos natureza e sociedade. ‘Quando a palavra civilisation foi difundida, o selvagem tornou-se sua antitese mais comum. A selvageria representava a condicao original da humanidade. A civilizagao marcava o climax do progresso humano. Mas que estégios haviam se interposto? Na visdo grega, os povos antigos eram desprovidos da instituigéo civil fundamental, a cidade. Cicero sugeriu que os primeiros seres humanos eram errantes solitérios. Eles foram entio persuadidos a seguir um lider e formar uma sociedade. Montesquieu identificou ainda uma outra revolucio, que marcou a transi¢fio da selvageria para a barbarie. “Ha esta diferenca entre as nacdes selvagens e as barbaras”, escreveu ele no seu Espirito das Leis em 1748, “os primeiros sao clas dispersos, os quais, por alguma razio particular, ndo podiam ser agrupados em conjunto; e os tltimos eram, em geral, nacdes pequenas, capazes de se unirem. Os selvagens so geralmente cacadores; os barbaros sao criadores de gado e pastores.”28 Jacques Turgot, um economista pioneiro, e principal adminis- trador financeiro no governo de Luis XV na Franca, publicou seu Sur le ® Ver Jean Starobinski, 1993, ‘The word civilization’ in Blessings in Disguise. ** Montesquieu [1748] 1914, Spirit of the Laws, Book XVIII, 11 54 progres successif de l'esprit humain em 1750. Este documento enfatizava © fator econémico ¢ o desenvolvimento dos direitos de propriedade, cuja usufruto havia sido colocada por Locke na propria esséncia da liberdade. Turgot tragou um modelo de quatro estagios de progresso econdmico e social, marcados pelo avango da caga para, primeiro, 0 pastoreio e, em seguida, a agricultura; e dai para o comércio e 0 mercado e a divisao de trabalho. Em 1755, em seu segundo Discurso sobre a desigualdade, Rousseau esbocou uma série similar de revolugées. Primeiro, individuos viviam espalhados entre os animais, com os quais eles estavam em competicao. Gradualmente, alguns homens desenvolveram ferramentas, domesticaram outras espécies, e comecaram a formar associacées vagas uns com os outros. Uma grande revolucdo proporcionou a fundacao de familias e introduziu nogdes de propriedade. Famflias aparentadas se juntavam para formar comunidades ¢ a linguagem foi inventada. Uma segunda revolugao veio com o desenvolvimento da metalurgia, da agricultura e a divisdo de trabalho. Foi acompanhada pelo crescimento das guerras, ¢ levou inexoravelmente a ditadura dos mais fortes. © proprio Turgot havia adotado uma visio mais otimista do progresso. Os arranjos politicos e morais melhorariam A medida que formas mais avangadas de vida econémica se desenvolvessem. Havia também uma progressao paralela do teoldgico para o metafisico e, portanto, para o raciocinio empirico. Uma geragio mais tarde, Augusto Comte propés “uma grande lei fundamental... que cada uma de nossas concepgées condutoras — cada ramo de nosso conhecimento — passa sucessivamente por trés diferentes condicdes tedricas: a teolégica, ou ficticia; a metafisica, ou abstrata; e a cientifica, ou positiva.”* Os escritores do iluminismo escocés se basearam de forma diligente nestes fundamentos. O modelo de quatro estagios de Turgot forneceu a eles a sua estrutura. (“os quatro estagios de sociedade sao a caga, o pastoreio, a agricultura e 0 comércio”, citando a conclusio concisa de Adam Smith.)3° Toda a historia era uma s0, todas as sociedades 2 Auguste Comte [1839] 1983, Auguste Comte and Positivism: The Essential Writings, P71. % Citado por Ronald L. Meek, 1976, Social Science and the Ignoble Savage, o qual discute 0s desenvolvimento da teoria do quatro estigios. 55 tiveram um ponto comum de origem. No romance satirico de Thomas Love Peacock, Crotched Castle, um escocés é provocado - “Rogo-lhe, Sr. MacQuedy, porque é que todos os cavalheiros de sua na¢do iniciam tudo o que escrevem com ‘a infancia da sociedade’?” A resposta era ‘6bvia. Nossas circunstancias atuais podiam ser entendidas uma vez que compreendéssemos nossas origens. Os selvagens representavam um ponto inicial de nossa histéria. Além disso, eles ainda podiam ser observados, em partes remotas da Australia, das Américas e Africa. Os escoceses achavam que isso Ihes dava vantagem sobre os filésofos antigos, que nada sabiam sobre “os homens no estado mais inicial e ristico”. Os académicos poderiam agora tratar dos relatos da América, onde ainda havia sociedades “tao extremamente incultas a ponto de desconhecer as artes as quais sao as primeiras tentativas da criatividade humana no seu avanco em direcdo ao progresso”s", “E na sua presente condigdo,” escreveu Adam Ferguson, “que nés observamos, como em um espelho, as caracteristicas de nossos proprios progenitores”.4* Darwin e os selvagens} Essas eram as idéias com as quais os exploradores ingleses viajaram no inicio do século XIX. Em 1830, Robert Fitzroy, o capitio aristocratico e conservador do HMS Adventure, desembarcou para a Terra do Fogo e confidenciou em seu didri Desagradavel, doloroso na verdade, é a reflexdo mental de um selvagem e, relutante como podemos estar de nos considerar mesmo que remotamente descendente de seres humanos em tal estado, a ponderagao de que César encontrou os Bretées pintados e vestidos de pele, como estes da Terra do Fogo, nao deixa de aumentar um interesse 3 William Robertson, 1777, The History of the Discovery and Settlement of America. % Adam Ferguson, 1767, An Essay on the History of Civil Society, Parte 2, Secdo 1. 33 Para um relato completo do encontro entre Darwian e os fueguinos, Ver Nick Hazelwood, 2000, Savage: The Life and Times of Jemmy Button. 56 A Evolugio e a invengiio do primitivo © modelo de quatro estagios do Tuminismo escocés se manteve influente por mais de um século. Mas, ap6s ponderar sobre suas observagées feitas na viagem do Beagle durante duas décadas, Darwin acabou dando a Inglaterra vitoriana uma visio rival da histéria que, em retrospecto, foi chamada de evolucionismo, Ela deu a luz a uma nova concepgao cientifica: o homem primitivo. “© Darwin, Journal of Researches, Chapter X. #7 Keynes (ed.), Diary, p. 384. 60 As palavras derivadas do latim primitivus foram comumente usadas em muitas linguas européias para denotar algo que era o primeiro owo inaugural daquele género; ou a condicio original de uma instituicio; ou para descrever os primeiros habitantes de um pais. Chamar alguém de primitivo nio era necessariamente pejorativo. O Oxford English Dictionary [OED] fornece dois exemplos dos didrios do século XVII de John Evelyn, A “igreja primitiva” referia-se & igreja eristi dos primeiros tempos, e Evelyn afirmou que: “A Igreja Anglicana é, certamente, de todas as profissdes de f6 cristis na Terra, a mais primitiva, apostélica e excelente”. Primitivo poderia também implicar uma condigao natural humana, e Evelyn descreveu a virtude inocente de uma “donzela de vida primitiva” que “por muitos anos tem se recusado a casar, ou a receber qualquer assisténcia da pardquia”. Usos mais especializados se desenvolveram nas ciéncias. Na ma- tematica, a descricdo primitiva se aplicava aos ntimeros primos ou a expressdes axiomaticas. Na biologia, a palavra passou a ser usada para estruturas rudimentares, ou para tecidos ou érgdos que foram formados nos estagios mais primordiais do crescimento. Finalmente, na segunda metade do século XIX, os cientistas comegaram a falar do homem Primitivo, e da sociedade primitiva. Populagdes primitivas eram selvagens, mas vistas agora em uma perspectiva diferente, como um ponto de partida de todos os seres humanos. Elas tinham um lugar intimo na nossa histéria. Nés pertenciamos 4 mesma familia. Elas eram nossos ancestrais vivos. Isto no era mais um conceito vago, mas uma proposta genealogica precisa. Em 1862, Darwin escreveu a um simpatizante, Charles Kingsley: Isto € uma questo notivel e quase terrivel a respeito da genealogia do homem... Nio € tio terrivel e dificil para mim... em parte pela familiaridade e em parte, creio, por ter visto muitos bons barbaros. Eu assumo que a sensagio, quando eu inicialmente vi na Terra do Fogo um medonho selvagem nu, pintado, trémulo, de que meus ancestrais deviam ter sido de alguma forma seres similares, foi revoltante para mim naquele momento; ndo mais revoltante que minha crenga atual de que 61 um ancestral incomparavelmente mais remoto foi um animal peludo. ‘Os macacos tem francamente bons coragées, ao menos as vezes...*# Uma vez que Darwin e Huxley estabeleceram que todos os humanos descenderam dos primatas, provavelmente africanos, Darwin comegou a especular sobre as relagdes entre os primatas ¢, por exemplo, um homem como Jemmy Button. Ele se instruiu a “esquecer 0 uso da lingua e julgar apenas pelo que vocé vé. Compare os fueguinos e os orangotangos e ouse dizer que a diferenga é tio grande”s9, Nem era uma diferenga tio grande entre Jemmy e o proprio Darwi Os aborigenes americanos, negros e europeus so tdo diferentes uns dos outros em espfrito como trés ragas podem ser nomeadas; ainda assim, eu fiquei incessantemente perplexo, quando vivia com os fueguinos ou a bordo do “Beagle”, com os varios pequenos tragos de carter a mostrar quio similar suas mentes eram com as nossas; assim também foi com um negro genuino que eu conheci bem uma vez. A antropologia foi a nova ciéncia desta humanidade primitiva, ¢ 0s antropélogos estavam comegando a coletar, de forma mais sistematica, evidéncias sobre estas questdes. Darwin os citou em seu favor. “Quem ler os interessantes trabalhos de Sr. Tylor e Sir J. Lubbock nao pode deixar de ficar profundamente impressionado com a estreita similaridade entre os homens de todas as racas em termos de gostos, disposigdes e hAbitos”s°. Mas se 0 homem primitivo era nosso ancestral comum, a ligacdo entre os macacos ¢ os seres humanos modernos, entdo até nosso irmao Darwin nio hesitaria em descrevé-lo um selvagem ou um barbaro. «* Frederick Burkhardt et al. (eds), 1997, The Correspondence of Charles Darwin, Vol. 10, p. 71. 4 Janet Browne, 1995, Charles Darwin: Voyaging, p. 382. 5° Darwin, Descent of Man, p. 276. 62

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