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Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (1): 94-100 <http://www.cienciasecognicao.

org> © Ciências & Cognição


Submetido em 22/02/2008 | Revisado em 26/03/2008 | Aceito em 28/03/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 31 de março de 2008

Ensaio

Aprendizagem significativa e o ensino de ciências


Meaningful learning and teaching of science

Romero Tavares

Departamento de Física, Universidade Federal da Paraíba (UFPB), João Pessoa, Paraíba, Brasil

Resumo

Este trabalho descreve os princípios teóricos que fundamentam a construção de objetos de aprendiza-
gem considerando a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel. Por outro lado, a teoria da codi-
ficação dual indica que a aprendizagem torna-se potencialmente mais efetiva quando a transmissão da
informação acontece através dos canais verbal e visual. Esses objetos de aprendizagem se propõem a
facilitar a aprendizagem de significados dos conteúdos relacionados ao ensino de ciências, tanto fa-
zendo um uso integrado de mapas conceituais, animação interativa e textos, quanto fazendo uso da
codificação dual e se configurando como uma representação múltipla de um determinado aconteci-
mento. © Cien. Cogn. 2008; Vol. 13 (1): 94-100.

Palavras-chave: mapa conceitual; animação interativa; codificação dual.

Abstract

This work describes the theoretical principles that support the construction of learning objects, con-
sidering Ausubel meaningful learning theory. Dual coding theory points that learning will be more ef-
fective, when the transmission of information happens simultaneously through visual and verbal
channels. The objective of this learning object is to make easy the construction of meanings, mainly
the subject related to college science. We suggest the use of dual coding to minimize the cognitive
loading and then facilitating meaningful learning. © Cien. Cogn. 2008; Vol. 13 (1): 94-100.

Key words: concept map; interactive animation; dual coding.

1. Aprendizagem significativa1 pois ele só conseguirá simplesmente reprodu-


zir esse conteúdo de maneira idêntica a aquela
A teoria da aprendizagem de Ausubel que lhe foi apresentada. Nesse caso não exis-
e colaboradores (Ausubel et al., 1980; Au- tiu um entendimento da estrutura da informa-
subel, 2003) se propõe a lançar as bases para ção que lhe foi apresentada, e o aluno não
a compreensão de como o ser humano cons- conseguirá transferir o aprendizado da estru-
trói significados e desse modo apontar cami- tura dessa informação apresentada para a so-
nhos para a elaboração de estratégias de ensi- lução de problemas equivalentes em outros
no que facilitem uma aprendizagem significa- contextos.
tiva. No entanto, quando o aprendiz tem pe-
Quando se depara com um novo corpo la frente um novo corpo de informações e
de informações o aprendiz pode decidir ab- consegue fazer conexões entre esse material
sorver esse conteúdo de maneira literal, e des- que lhe é apresentado e o seu conhecimento
se modo a sua aprendizagem será mecânica, prévio em assuntos correlatos, ele estará

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Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (1): 94-100 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cognição
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construindo significados pessoais para essa é uma apreensão literal da informação, mas é
informação, transformando-a em conhecimen- uma percepção substantiva do material apre-
tos, em significados sobre o conteúdo apre- sentado, e desse modo se configura como uma
sentado. Essa construção de significados não aprendizagem significativa (Tavares, 2004).

Figura 1 - Apresentação frontal do objeto de aprendizagem.

Em uma aprendizagem significativa menos inclusivas. Considerando essa caracte-


não acontece apenas a retenção da estrutura rística da construção de significados, Novak e
do conhecimento, mas se desenvolve a capa- Gowin (1999) propuseram a construção de
cidade de transferir esse conhecimento para a mapas conceituais como estruturador do co-
sua possível utilização em um contexto dife- nhecimento. Uma maneira de se construir um
rente daquele em que ela se concretizou. mapa conceitual de determinado conteúdo é
nomear quais os seus conceitos mais impor-
2. Mapa conceitual tantes e a seguir o mais importante dentre a-
queles que foram listados. Dessa maneira se
O ser humano apresenta a tendência elege o conceito raiz desse mapa, e o passo
de aprender mais facilmente um corpo de co- seguinte seria a construção de uma segunda
nhecimentos quando ele é apresentado a partir geração com a escolha dos conceitos imedia-
de suas idéias mais gerais e mais inclusivas tamente menos inclusivos que o conceito raiz.
(Ausubel et al., 1980; Ausubel, 2003) e se As gerações subseqüentes seriam construídas
desdobrando para as idéias mais específicas e à semelhança do que foi descrito para a

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segunda geração. O desdobramento de um conceitos de ramificações diferentes, e essa


conceito em outros conceitos menos inclusi- conexão de conceitos aparentemente díspares
vos em uma dada ramificação de um mapa é chamada de reconciliação integrativa. Essa
conceitual é chamado de diferenciação pro- percepção de conexões inusitadas entre con-
gressiva, pois acontecerá a elucidação das ceitos é um fruto evidente da criatividade hu-
possíveis diferenças entre conceitos seme- mana, de visualizar relações e perceber aquilo
lhantes. Durante o processo de construção po- que os outros ainda não perceberam.
deriam ser percebidas conexões laterais entre

Figura 2 - Mapa conceitual integrado com a animação interativa.

Na construção de um mapa conceitual ou interação no campo a que se destina. Desse


o aprendiz elucida quais os conceitos mais modo a humanidade vem construindo um ca-
relevantes e quais as suas conexões em um bedal de conhecimentos científicos que tem
corpo de conhecimento. Mas também será sido transmitido através dos tempos.
muito proveitoso para o aluno se o seu pri- Existem certos conceitos científicos
meiro contato que ele tiver com determinado difíceis de serem percebidos, seja por envol-
conteúdo for através de um mapa conceitual ver um elevado grau de abstração ou por ou-
construído por um especialista. O mapa de um tros motivos ainda não completamente eluci-
especialista exibe um aprofundamento concei- dados. Por exemplo, parte dos seres humanos
tual atingido apenas quando se atingiu a matu- intui a existência de uma relação direta entre a
ridade no entendimento desse assunto. velocidade de deslocamento de um corpo e a
resultante das forças que nele atua. Esse foi
3. Animação interativa um tipo de relação estabelecida por Aristóte-
les e que figurou como entendimento predo-
Ao longo de sua história os seres hu- minante até Newton, quando esse último esta-
manos têm construído modelos da realidade beleceu o paradigma vigente para o assunto
como a maneira de possibilitar a sua interação até os dias de hoje. Segundo a mecânica new-
com essa realidade. Todas as ciências cons- toniana existe uma relação direta entre a vari-
troem modelos como forma de entendimento ação da velocidade de um corpo e a resultante

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das forças que nele atua. Quando um aluno nos que ele seja ajuda de maneira adequada a
tem uma intuição aristotélica do movimento, superar essa dicotomia (Tavares e Santos,
ele enfrentará grandes dificuldades para um 2003).
aprendizado da mecânica newtoniana, a me-

Figura 3 - Enunciado de um dos conceitos do mapa.

A animação interativa utiliza um mo- o entendimento conceitual (Rieber et al.,


delo aceito cientificamente para simular um 2004).
evento específico. Podemos simultaneamente A grande vantagem desta situação é a
fazer animações de idéias antagônicas, e ana- possibilidade do aprendiz poder estabelecer o
lisar quais as implicações de cada uma para o seu ritmo de aprendizagem. Ele tem o contro-
resultado final da simulação de um dado e- le da flecha do tempo (podendo ir e vir inde-
vento. Pode ser discutido em quais circuns- finidamente) e tem a liberdade de escolher as
tâncias a mecânica aristotélica é adequada, se condições iniciais para o evento simulado, e
for o caso. desse modo visualizar as diversas possibilida-
As simulações computacionais possi- des de evolução (Tversky et al., 2002). Desse
bilitam o entendimento de sistemas comple- modo cada aluno escolherá um ritmo conve-
xos para estudantes de idades, habilidades e niente para utilizar os recursos de uma anima-
níveis de aprendizagem variados. O computa- ção, e ao agir dessa maneira ele evita uma so-
dor, ao invés do estudante, assumiria a res- brecarga em sua memória de curto prazo.
ponsabilidade de solucionar as equações ma- Quando se apresentam informações num rit-
temáticas pertinente ao sistema considerado mo acima da capacidade de absorção do a-
no sentido a permitir que o estudante explore prendiz, ele simplesmente irá ignorar aquilo
o sistema complexo focalizando inicialmente que se configurar como sobrecarga cognitiva.

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Figura 4 - Animação interativa

2005). Na medida que o aprendiz recebe uma


4. Representações múltiplas informação com várias nuances, a construção
de seu conhecimento será mais rica, mais in-
O ser humano se comunica com o seu clusiva. Ademais, como a informação é rece-
ambiente social através de símbolos visuais e bida de maneira associada através dos dois
verbais, e no entanto grande parte da trans- canais, a sua recuperação em um momento
missão de informações acontece através da posterior é facilitada.
codificação verbal, seja ela escrita ou oral. O mapa conceitual apresenta a um só
A teoria da codificação dual de Allan momento uma informação visual estática e
Paivio (Mayer, 2003) estabelece que a trans- uma informação verbal. Os conceitos são a-
missão de informações que a transmissão de presentados através de uma rede hierárquica
informações acontece de maneira mais efetiva onde fica explícita a visualização da posição
quando são usados os canais verbal e auditi- relativa de cada conceito dentro do elenco de
vo. Uma determinada idéia (ou conceito) pode conceitos que estabelece o tema que está sen-
ser percebida através de diversas nuances que do analisado e mapeado.
definem as suas características. O canal visual A animação interativa possibilita ao
pode ser mais conveniente para transmitir cer- aprendiz uma simulação do evento físico, uti-
tas nuances enquanto o canal verbal pode ser lizando conceitos (e as respectivas equações)
mais adequado para transmitir outras nuances. aceitos pela comunidade científica. Usando
Quando usamos esse tipo de represen- um aparato desse tipo é possível visualizar
tação múltipla todas as nuances de determi- situações que dificilmente seriam acessíveis
nada idéia (ou conceito) serão transmitidas em laboratórios didáticos.
através dos dois canais, o que potencializa a Como mostrado na figura 4, podemos
capacidade dessa transmissão por um lado e mostrar um paralelo entre ondas mecânicas
facilita a possibilidade de recuperação da in- transversais e longitudinais, de modo a facili-
formação por outro lado (Tavares, 2004, tar a comparação entre as semelhanças e dife-

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renças entre esses dois fenômenos físicos. Po- bilidade. Para a elaboração de animações, o
deríamos estudar o movimento de um corpo Modellus é de fácil manuseio para iniciantes e
preso a uma mola sobre determinada uma su- para a construção de mapas conceituais existe
perfície horizontal. E depois variar esse tipo o CMapTools que também é de fácil operação
de superfície de modo a poder considerar a além de possibilitar uma interação on-line.
influência da alteração do coeficiente de atrito Os objetos de aprendizagem construí-
no movimento do corpo. Ainda poderíamos dos dessa maneira podem ser usados tanto
estudar o lançamento de projéteis tendo em como apoio aos cursos presenciais como su-
mãos a possibilidade de variar o coeficiente porte na educação à distância.
de atrito entre o projétil e o ar. Com a análise
deste último exemplo conseguiríamos apro- 6. Referências bibliográficas
ximar a visão aristotélica (existência de atrito)
e a visão newtoniana lecionada em Física bá- Ausubel, D.; Novak, J. e Hanesian, H. (1980).
sica (reducionista e na ausência de atrito). Psicologia Educacional. Rio de Janeiro: Edi-
A informação verbal será considerada tora Interamericana.
através de textos correspondentes a cada um Ausubel, D. (2003). Aquisição e retenção de
dos conceitos do mapa, onde serão apresenta- conhecimentos: Uma perspectiva cognitiva.
das informações mais específicas. Por outro Lisboa: Editora Plátano.
lado estão presentes textos que mostrarão a Mayer, R. (2001). Multimedia Learning.
inserção no cotidiano dos temas discutidos Cambridge: Cambridge University Press.
pelo objeto de aprendizagem. Novak, J. e Gowin, D.B. (1999). Aprender a
aprender. Lisboa: Editora Plátano.
5. Conclusões Rieber, L.; Tzeng, S.-. e Tribble, K. (2004).
Discovery learning, representation, and ex-
O uso integrado de mapa conceitual, planation within a computer-based simulation.
animação interativa e texto se configura co- Learning Instruction, 114, 307.
mo uma estratégia pedagógica consistente Tavares, R. e Santos, J.N. (2003). Advance
com a teoria da aprendizagem significativa de organizer and interactive animation. IV En-
Ausubel; além de se apresentar como uma contro Internacional sobre aprendizagem sig-
possibilidade instrucional que utiliza uma nificativa , Maragogi, Brasil.
maneira natural as possibilidades oferecidas Tavares, R. (2004). Aprendizagem Significa-
pelo computador e a Internet. tiva Revista Conceitos, 55, 10.
A estratégia pode considerar mapa, a- Tavares, R. (2005). Animações interativas e
nimação e texto preparados por especialistas, mapas conceituais. XVI Simpósio Nacional
como foi apresentado nesse trabalho, assim de Ensino de Física , Rio de janeiro, Rio de
como pode considerar todo esse material sen- Janeiro.
do construído através de uma atividade cola- Tversky, B.; Morrison, J. e Betrancourt; M.
borativa (Tavares, 2004, 2005). Existem dis- (2002). Animation: can it facilitate? Int. J.
poníveis na Internet dois aplicativos gratuitos Human-Computer Studies, 57, 247.
adequados para a implementação dessa possi-

Notas

(1) A versão prévia desse trabalho foi apresentada na 28ª Reunião Anual da ANPEd - Associação
Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação, realizada entre os dias 16 a 19 de outubro de
2005, em Caxambu, Minas Gerais.

 - R. Tavares é Bacharel em Física (UFPE), Mestre em Astronomia (Universidade de São Paulo, USP) e Doutor em
Física (USP). Atualmente é Professor Associado I do Departamento de Física (UFPB) e atua na Área de Educação no
PPGE/CE/UFPB onde faz pesquisas e orienta na Pós-graduação, com projetos sobre “Aprendizagem significativa e o

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ensino de Ciências”; “Codificação dual, esforço cognitivo e aprendizagem multimídia”; “Mapa conceitual como estru-
turador do conhecimento”. Página pessoal: http://www.fisica.ufpb.br/~romero/.

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