Você está na página 1de 170

See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.

net/publication/295399806

Lições em modelos e simulações hidrológicas

Book · January 2009

CITATIONS READS

5 2,680

1 author:

José Nilson B. Campos


Universidade Federal do Ceará
169 PUBLICATIONS   885 CITATIONS   

SEE PROFILE

Some of the authors of this publication are also working on these related projects:

Gestão de águas View project

Atualização de cota maximorum do reservatório Orós View project

All content following this page was uploaded by José Nilson B. Campos on 19 March 2016.

The user has requested enhancement of the downloaded file.


Lições em modelos e simulação
hidrológica
ASTEF
Associação Técnico Científica Paulo de
Frontin

Presidente: Prof. Dr.José de Paula Barros Neto

Vice- Presidente: Prof. Dr. Célio L. Cavalcante Júnior

Diretores
Profa MS. Lucila Naiza Soares Novas

Prof. Dr. Francisco Rodrigo Porto Cavalcante

Prof. Jonh Kenedy de Araújo

Prof. Marcelo Ferreira Mota


Lições em modelos e
simulação hidrológica

Nilson Campos
Equipe editorial

Supervisão editorial: Nilson Campos


Capa: Ricardo Ribeiro Campos
Projeto gráfico: Nilson Campos
Editoração eletrônica: Nilson Campos
Revisão: Edson Pessoa
Ilustrações: Nilson Campos
Fotolito, impressão e acabamento: Expressão Gráfica

Copyright ©2009 by José Nilson B. Campos

Direitos reservados. Proibida a publicação, tradução ou reprodução, no


todo ou em parte, sem a autorização escrita do autor e/ou detentor do
copyright.

Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Umbelina Caldas Neta -


CRB558-CE

C213 Campos, José Nilson B.


Lições em modelos e simulação hidrológica /José Nilson B.
Campos. Fortaleza 2009 ASTEF/EXPRESSÃO GRÁFICA
166..il.

1 Hidrologia. 2 Recursos Hídricos. Hidrologia – Modelos


Matemáticos. I Título

CDD 551.48
DEDICATÓRIA

A Associação Brasileira de Recursos Hídricos tem desempenhado um papel


relevante e fundamental na construção do modelo de gerenciamento de recursos
hídricos para a Nação Brasileira. Nos Simpósios Brasileiros de Recursos Hídricos,
organizados pela a ABRH, as sociedades técnica e científica brasileira participaram da
criação desse novo modelo.
Na Carta de Foz do Iguaçu, em 1989, foram estabelecidos princípios e
diretrizes que moldaram as leis estaduais e também a Lei Brasileira das Águas. Esse
papel relevante da ABRH foi reconhecido pelo Presidente da República ao convidar a
Presidente da ABRH para a solenidade na qual sancionou, em Palácio, a Lei Brasileira
das Águas, Lei 9433/97.
O modelo brasileiro de recursos hídricos, representado e simbolizado pela
Agência Nacional de Águas, foi objeto de um prêmio internacional concedido no
Fórum Mundial de Haia.
No campo da produção científica, no qual o Brasil vem crescendo no cenário
mundial, a ABRH também tem papel proeminente. Ousaria dizer que mais de 80%
dos cientistas brasileiros que publicam artigos de impacto em periódicos
internacionais em recursos hídricos, iniciaram sua prática de publicação científica em
simpósios da ABRH.
Nada disso teria acontecido se esses eventos não houvessem sido
organizados e realizados pelas diretorias da ABRH. São atividades realizadas, em
grande parte, por professores universitários como extensão, não remunerada, de
suas atividades de pesquisa.
Então, dedico esse livro a presidentes, diretores, associados da ABRH e
participantes desses simpósios que ao longo dos últimos 32 anos, contribuíram para
a construção de um respeitável sistema de recursos hídricos. Dedico também a
pesquisadores que, nesses eventos, construíram conhecimentos técnicos e científicos
para o conjunto da sociedade.

Nilson Campos
AGRADECIMENTOS

Quero agradecer a pessoas que foram importantes para minha


carreira acadêmica e profissional em recursos hídricos. Vou nominar
alguns. O Professor Vicente de Paulo Pereira Barbosa Vieira, em meu
curso de Engenharia Civil na Universidade Federal do Ceará. O Professor
Swami Marcondes Villela, em meu primeiro curso de pós-graduação em
Hidráulica. O Professor José Matias Filho, orientador de minha dissertação
de mestrado na UFC. O Professor Neil Grigg, meu orientador de doutorado
na Universidade do Estado do Colorado.

Nesse livro, contei com o apoio inestimável do Dr. Edson Pessoa,


brilhante Engenheiro, Professor da UECE e doutorando da UFC, na revisão
dos textos e em debates sobre o entendimento dos temas abordados.

Agradeço aos muitos anos de apoio de minha família, minha


esposa Rosemary, meus filhos Luciana, Vanessa e Ricardo, meu genro
Fábio e minha nora Lícia. Esse constante apoio foi a principal motivação
para o meu desenvolvimento profissional.

Finalmente, agradeço a amigos e colegas do Departamento de


Engenharia Hidráulica e Ambiental da UFC, com apoio e idéias
contribuíram para esse livro.

Nilson Campos
Sumário
Apresentação .............................................................................................. 11
Prefácio ........................................................................................................ 13
Modelos e Filosofia ...................................................................................... 15
Introdução ................................................................................................ 15
Filosofias e conhecimento ........................................................................ 16
Encontro da Filosofia com a Engenharia .................................................. 20
O método científico .................................................................................. 21
Síntese ...................................................................................................... 28
Sistemas, modelos e simulação...................................................... 30
Introdução ................................................................................................ 30
Regras para bem definir ........................................................................... 30
Sistema ..................................................................................................... 33
Modelo ..................................................................................................... 35
Simulação.................................................................................................. 43
Análise de sistema .................................................................................... 44
Síntese ...................................................................................................... 47
Os primeiros modelos ................................................................... 49
Introdução ................................................................................................ 49
Escoamento em uma bacia urbana .......................................................... 50
Balanço hídrico de horizonte longo .......................................................... 64
Síntese ...................................................................................................... 69
Chuvas e cheia de projeto .............................................................. 71
Introdução ................................................................................................ 71
A escala da bacia hidrográfica .................................................................. 72
A segurança da obra hidráulica ................................................................ 74
A altura da chuva de projeto .................................................................... 78
A forma da chuva de projeto .................................................................... 92
A cheia de projeto .................................................................................... 97
Síntese ...................................................................................................... 99
O multimodelo HMS .................................................................. 101
Introdução .............................................................................................. 101
Apresentação do HMS ........................................................................... 102
Os componentes do HMS ....................................................................... 103
O primeiro projeto .................................................................................. 108
Síntese .................................................................................................... 121
Propagação de cheias ................................................................. 123
Introdução .............................................................................................. 123
Classificação dos modelos de escoamento ........................................... 124
Aplicação da onda cinemática ................................................................ 140
Síntese .................................................................................................... 145
Simulação: as funções perdas e simulação ..................................... 148
Introdução .............................................................................................. 148
Base teórica ........................................................................................... 148
Simulação da bacia hidrográfica ............................................................ 158
Síntese .................................................................................................... 165
APRESENTAÇÃO

Escrever um livro é sempre um desafio e, ao mesmo tempo, uma


tarefa prazerosa para qualquer professor e pesquisador. Vale a pena
apresentá-los em eventos científicos. Porém, após alguns anos de
experiência, em meu empirismo, cheguei à conclusão que na publicação
de textos especializados em recursos hídricos, na ótica da economia, o
máximo que se consegue é ter pouco prejuízo. Mesmo assim, vale a pena;
buscar apoio do Estado, no atual contexto, não vale. Decidi enfrentar o
desafio da publicação em sua completude: do intelectual ao financeiro.
Assim, foi elaborada e produzida uma edição limitada voltada para o XVIII
Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos.

Os textos foram organizados e construídos a partir de notas de


aula do Curso de Simulação Hidrológica que leciono no Programa de
Recursos Hídricos da Universidade Federal do Ceará. Também foram
colocadas experiências profissionais de atividades que desenvolvi no
campo da Engenharia Hidrológica no Nordeste brasileiro.

O livro destina-se a um público seleto, porém restrito de


professores, pesquisadores, estudantes e estudiosos da área de
modelagem hidrológica. No tema há poucas publicações nacionais, o que
me motivou ainda mais. Procurei organizar o livro com abordagem
didática, com aplicações de modelos computacionais clássicos em recursos
hídricos.

A idéia tem foco na modelagem hidrológica abrangendo 1) os


processos hidrológicos na bacia hidrográfica, tendo como pano de fundo o
HEC-HMS; 2) os processos hidráulicos na planície de inundação, para
avaliação de cheias e seus impactos na sociedade, com utilização do HEC-
RAS e 3)as ações de controle e de regularização das águas estocadas
pelos reservatórios com aplicações HEC- RES Sim e, também, do SIMRES,
esse que desenvolvemos na Universidade Federal do Ceará.

Estamos na primeira fase do projeto. Desenvolvemos as lições


iniciais de modelagem hidrológica, cobrindo os primeiros conceitos
relacionados com as pequenas bacias urbanas até as bacias médias O
HMS foi aplicado para eventos de chuva de curta duração para estudos
das cheias.
A modelagem hidrológica, como abordada, pode ser usada para
dimensionamento de estruturas hidráulicas, para avaliação de impactos de
reservatórios no regime de cheias em um vale, para avaliação da
urbanização nas cheias em uma bacia hidrográfica e para várias outras
análises. Concluindo, esperamos que esse livro seja útil para profissionais
de recursos hídricos e almejamos, em breve, um novo encontro com as
lições em modelagem das planícies de inundação.

Nilson Campos
PREFÁCIO

A ABRH tem feito um grande esforço de incentivo a publicação de


livros técnicos em Recursos Hídricos que contribuam para a consolidação
de um acervo em língua portuguesa que difunda e inove boas práticas em
Recursos Hídricos. O livro que agora prefaciamos contém importante
contribuição para esta literatura.

Os problemas de recursos hídricos são água “tanta, tão pouca, tão


suja e tão cara”. Estes problemas ocorrem em ambiente de complexidade
e incerteza. Neste contexto os modelos matemáticos são instrumentos
indispensáveis para o planejamento, projeto e operação de sistemas de
recursos hídricos.

Este livro trata da modelagem hidrológica cobrindo de forma


sistemática o amplo percurso desde os fundamentos filosóficos da
modelagem até a aplicação em situações concretas de modelos
amplamente consolida. Desta forma serve aos interessados em uma visão
acadêmica e sistemática sobre o processo de modelagem, assim como,
aquele técnico interessado em uma obra didática que lhe permita acesso a
modelos consolidados (notadamente o HEC-HMS). Sendo desta forma
uma obra singular.

Agradecemos ao autor desta obra por esta importante


contribuição.

Francisco de Assis de Souza Filho


Professor Adjunto da Universidade Federal do Ceará
Presidente da Associação Brasileira de Recursos Hídricos
______________________________________CAPÍTULO 1

O cientista que não passa pela Filosofia


permanece portador de uma doença
incurável, por mais cientista que seja.

Jean Piaget

MODELOS E FILOSOFIA

INTRODUÇÃO

No estudo de modelos de sistemas naturais, como as bacias


hidrográficas, o modelista trabalha com três mundos: o mundo real, da
maneira como é; o mundo cognoscível, da maneira como ele, modelista,
percebe; e o mundo virtual, da maneira como os modelos mostram.
Juntar essas três coisas, quer seja em pesquisas, quer seja em trabalhos
profissionais requer bem mais que conhecimentos matemáticos, requer
conhecimentos científicos e também conhecimentos filosóficos.

Iniciemos, portanto, nossas lições com uma visita aos legados de


grandes filósofos. Vamos nos restringir a três pontos relacionados com o
tema em estudo: os fundamentos do racionalismo, do empirismo e a
junção entre eles. Vale salientar que os referidos conhecimentos são
importantes para a formação de nosso espírito crítico, uma vez que nos
proporcionará um entendimento mais completo dos problemas e também
ferramentas para que possamos desenvolver um melhor trabalho em
Engenharia ou em Ciências.

Nesse capítulo, refletiremos sobre as incertezas e o ceticismo, o


racionalismo de Descartes, o empirismo como visto por Locke e as visões
de Kant e Hume na junção do empirismo e o racionalismo. Além disso,
veremos como os temas filosóficos podem auxiliar o analista no processo
de modelagem de sistemas físicos nas tomadas de decisões. Concluímos o
Modelos e Filosofia 16

capítulo com as definições relativas a artigos científicos e as partes


principais de um artigo.

FILOSOFIAS E CONHECIMENTO

Como você sabe, há boas e más filosofias, como há bons e maus


modelos. Há, também, bons filósofos e bons modelistas. O segredo de
ambos é a aplicação da filosofia ou do modelo certo para a situação certa.
As boas filosofias podem nos proporcionar elementos para tomadas de
decisões sábias e também para aperfeiçoar nosso senso crítico.

A pessoa, ou profissional, dotado de senso crítico tem maiores


condições de se inserir na sociedade, não se deixando levar como um
carneiro em uma manada. Podemos supor, desse modo, que o senso
crítico também é importante para profissionais da modelagem em
Engenharia, para que não se encantem pelas belezas das equações
matemáticas e dos métodos numéricos e esqueçam que os modelos têm
como objetivo reproduzir, com aproximação, um fenômeno do mundo
real.

Para desenvolver essa consciência, vamos rever, nos tópicos a


seguir, as filosofias de grandes pensadores, as quais, se bem analisadas e
entendidas, podem ser importantes na sua formação de modelista.

Reflexão: Procure avaliar situações na


vida real nas quais um modelista se
encanta com as equações matemáticas e
esquece os objetivos do modelo

Incertezas e ceticismo

A inserção de incertezas nos conhecimentos filosóficos remonta ao


tempo dos primeiros filósofos gregos. Sócrates afirmou: “a única coisa
que sei (tenho certeza) é que nada sei”. Xenófanes ponderou que “embora
possamos aprender mais do que sabemos, nunca poderemos ter certeza
de ter alcançado a verdade final”

Vale salientar que as incertezas debatidas pelos primeiros filósofos


foram, de alguma maneira, radicalizadas por Pirro (c. 360-270 a.C.), o
qual foi o pioneiro na recusa sistemática de acreditar em qualquer coisa.
Modelos e Filosofia 17

Entretanto, foi somente no século XX que os filósofos, em sua


maioria, aceitaram que as incertezas estão sempre presente no nosso dia
a dia. Todo argumento lógico consiste em: se p é verdade então q é
verdade. Em lógica, um argumento válido prova que suas conclusões
decorrem de suas premissas, mas não prova que a conclusão é
verdadeira. A verdade é assumida ao se supor p verdadeiro. Ora, no
mundo empírico, nós, como Sócrates, nunca temos certeza. Então, como
saber se p é verdadeiro?

O racionalismo de Descartes

Você possivelmente já notou que René Descartes (1596-1650),


filósofo e matemático francês, é um dos pensadores de maior presença no
dia a dia de estudantes de Engenharia. A palavra cartesiano é, em sentido
positivo, usada para o que caracteres racionais rigorosos e metódicos do
pensamento de Descartes.

Descartes encantava-se com as certezas na matemática e na


lógica e não entendia a razão pela qual essas certezas não poderiam estar
presentes nas demais ciências. A matematização do mundo era o sonho
de Descartes. Ele procurava refutar os céticos1 que sustentavam que
nada podia ser conhecido com certeza.

Descartes, segundo Magee (2000, p.84-88), argumentou que a


matemática se desenvolve com base em premissas tão simples e óbvias
que não há como negá-las. Por exemplo, todos aceitam que a menor
distância entre dois pontos é uma reta. Porém, questionava ele, haveria,
nos conhecimentos não matemáticos, premissas tais que pudessem
conduzir à certeza?

Foi, portanto, na busca de premissas para formar a base da


pirâmide das ciências empíricas que Descartes desenvolveu seu raciocínio
em algumas etapas.

Primeiro, Descartes buscou as observações por nossos sentidos.


Exemplificou que uma haste que colocamos na água parece torta no ponto
em que toca na água, porém ao retirarmos a haste vemos que ela é reta.

1(1) O ceticismo é uma corrente filosófica dos primórdios da filosofia grega. O pai dessa filosofia foi Pirro (c. 365-270
a.C.).
Modelos e Filosofia 18

Logo, nossos sentidos e nossas observações não são confiáveis para a


obtenção, com certeza, da premissa certa.

Em seguida, argumentou que às vezes estamos certo que fazemos


alguma coisa, quando acordamos e percebemos que de fato estávamos
sonhando. Então, como ter certeza de que não vivemos em um sonho? De
fato, nunca poderemos estar absolutamente certos de que não estamos
sonhando.

Em sua terceira linha de raciocínio, Descartes argumentou:


imagine que todos os meus erros e acertos são devidos a um ser superior
cujo único objetivo é iludir-me, e que esse ser pode exercer sobre mim
um poder sobre-humano – pode me fazer dormir e então sonhar
nitidamente que estou desperto; pode fazer com que tudo que olho pareça
outra coisa, ou ainda pode me fazer acreditar que dois e dois são cinco.
Será que existe alguma coisa acerca da qual, mesmo um espírito maligno
como esse, seria incapaz de iludir-me?

Descartes concluiu que esse ente existe e que ele são os lampejos
de nossa mente que pode imaginar qualquer coisa, mesmo que essa coisa
não esteja acontecendo. Assim, alguém pode imaginar que está sentado
em uma lareira, mesmo que esteja deitado em uma cama.

Dessa maneira, ele conclui que a única coisa que podemos estar
indubitavelmente certo é das experiências que estamos tendo ou vivendo
em nossas mentes. Descartes resumiu esse argumento na frase: cogito,
ergo sum, ineptamente traduzida, para “penso, logo existo” (MAGEE op.
cit., p. 87). Note que foi daí que nasceu o racionalismo, o qual se baseia
na crença de que o nosso conhecimento do mundo é adquirido pelo uso da
razão.

Locke e o empirismo

John Locke (1632-1704), filósofo inglês, embora não seja o


primeiro empirista da história da Filosofia, é considerado o fundador do
empirismo (MAGEE, op. cit., p.102). Seu projeto mais importante trata da
investigação dos limites do inteligível pelo ser humano. Antes de Locke, a
maioria dos filósofos aceitava que o limite do conhecimento é tudo o que
existe, isto é, que o ser humano poderia conhecer cada vez mais sobre as
coisas até não haver mais o que conhecer.

Locke defendeu a tese que nossa mente poderia distinguir o que


ela consegue entender e o que não consegue. Assim, poderíamos saber o
Modelos e Filosofia 19

que é cognoscível e o que não é. A tese central de Locke é que não


importa o muito ou o pouco acima do que nos é cognoscível, o que
importa é que não haverá modo dessas coisas chegarem a ser conhecidas
por nós.

Em sua obra prima denominada Ensaio sobre o entendimento


humano, Locke resumiu sua tese na seguinte frase: “o conhecimento de
nenhum homem aqui pode ir além de sua experiência”.

Para Magee (op. cit., p.113), David Hume (1711-1776) é


considerado um cético moderado. É de Hume a máxima: “à parte a
matemática, não conhecemos nada com certeza; mas temos que viver, e
viver é agir: todas as ações têm que se basear em suposições sobre a
realidade”.

Observe que essa afirmação, em essência, pode ser tomada como


princípio fundamental do modelista de sistemas naturais, uma vez que
podemos afirmar que todo modelo tem que basear em suposições da
realidade.

Kant e a junção do empirismo ao racionalismo

Imannuel Kant (1724-1804) é considerado, por muitos, o principal


filósofo a emergir desde os gregos antigos. Ele foi também o primeiro
grande filósofo oriundo da profissão de professor universitário.

Vale salientar que o referido filósofo viveu toda sua vida em sua
região natal, sem visitar outros países e conhecer culturas diferentes.
Contudo, sua visão e percepção da mente humana e da vida, associada à
sua rara inteligência, possibilitaram criar conceitos filosóficos que se
estenderam ao mundo e ultrapassaram a barreira do tempo.

Kant afirmava que: “assim, gostemos ou não de admitir isso,


acreditamos de fato que não é só o mundo empírico que existe.
Acreditamos que existe um reino não empírico onde são tomadas
decisões”. Dessa forma, ele admitia que existem dois mundos:
 o empírico no qual trabalhamos com um determinado padrão de
ciência;
 o não-empírico, que transcende o mundo das nossas observações.
Modelos e Filosofia 20

O astrônomo, o físico e o matemático

Há uma anedota da academia que conta que três


colegas cientistas, um astrônomo, um físico e um
matemático, estavam em uma viagem de trem na
Escócia. Ao passarem em uma ampla campina,
avistaram uma ovelha de cor negra pastando. O
astrônomo, no âmbito de sua ciência de grandes
induções, vislumbrou uma situação rara e comentou:
- colegas, que interessante, aqui na Escócia todas as
ovelhas são negras. O físico, um pouco mais restrito
nas induções, e extrapolando visões anteriores,
corrigiu: Não colega, podemos apenas afirmar que na
Escócia há ovelhas negras e ovelhas brancas. O
matemático, completamente inquieto, com os rigores
de sua ciência de raciocínio de dedução,
considerando apenas o que estava vendo naquele
exato momento, exclamou: Não colegas, a única
coisa que podemos afirmar é que na Escócia há pelo
menos uma ovelha que tem pelo menos um lado
preto (Adaptado de STEWART apud SINGH, 2000, p.
147).

Para David Hume (1711-1776) o fato de reconhecer que a verdade


final não está ao nosso dispor não significa que devamos a tudo negar. Ele
afirma que devemos viver e viver é tomar decisões, e tomar decisões nos
obriga a julgamentos. Dessa forma, temos que fazer as melhores
avaliações possíveis dentro da realidade na qual vivemos, as quais são
incompatíveis se considerarmos todas as alternativas com igual ceticismo.

ENCONTRO DA FILOSOFIA COM A ENGENHARIA

Caso você observe o que os filósofos têm feito na busca do


conhecimento, você pode ver certa semelhança com aquilo que
engenheiros e cientistas fazem ao modelar um determinado sistema. A
necessidade de modelar vem da necessidade de se conhecer o sistema;
isto é, de saber como o nosso sistema reage em certas condições, sob
certos estímulos.

Contudo, há limites no que podemos conhecer, quer seja por


nossa limitação de percepção, quer seja por limitações tecnológicas em
Modelos e Filosofia 21

criar aparatos para medir grandezas de fenômenos, ou variáveis, que vão


além de nossas percepções.

Para compreender melhor, vamos recorrer novamente ao filósofo


alemão Immanuel Kant, criador dos conceitos de númeno e fenômeno:
 númeno é a coisa em si mesmo, com todas as suas ilimitadas
propriedades.
 fenômeno é a maneira como percebemos a coisa.

Vejamos um exemplo: um campo de futebol é um campo de


futebol. Cada pessoa da platéia, ao olhar para esse campo, o vê de um
ângulo diferente e segundo seus próprios olhos e suas limitações. É
impossível que duas pessoas vejam exatamente a mesma coisa no mesmo
instante. Em síntese, há um único campo de futebol (númeno), porém há
tantos fenômenos quanto são as pessoas na platéia a observá-lo.

Na Engenharia temos algo semelhante. Por exemplo, no campo da


Hidrologia, na nossa busca de conhecimento, procuramos conhecer uma
bacia hidrográfica por meio de um modelo. Assim, a bacia hidrográfica
(sistema real) é o númeno, ou a coisa em si própria, em toda sua
plenitude; o modelo, equivalente ao fenômeno de Kant, é a maneira como
o analista modela a bacia hidrográfica. Em notação matemática
poderíamos escrever:

𝑁ú𝑚𝑒𝑛𝑜 𝑃𝑟𝑜𝑡ó𝑡𝑖𝑝𝑜
=
𝐹𝑒𝑛ô𝑚𝑒𝑛𝑜 𝑀𝑜𝑑𝑒𝑙𝑜

Sabemos que não há analogia perfeita, A analogia é uma forma de


representação de númeno por um fenômeno. Nesse contexto, a equação
acima, mesmo com suas imperfeições, é uma forma de mostrar a junção
dos conceitos da Filosofia e da Engenharia.

O MÉTODO CIENTÍFICO

Para os pesquisadores, particularmente os estudantes de cursos


de pós-graduação, a pesquisa deve ser divulgada por meio de um artigo
científico. Portanto, é necessário conhecermos o método científico e as
regras para a elaboração de um artigo científico.

Se pensarmos especialmente nos profissionais da Engenharia,


veremos que o trabalho é apresentado em forma de relatório técnico, o
Modelos e Filosofia 22

qual é submetido a um cliente ou, eventualmente, a uma instituição mais


alta na hierarquia, como conselhos ambientais, conselhos de recursos
hídricos e outros similares. Em síntese, não basta fazer um bom modelo, é
necessário produzir um bom documento para ser lido e analisado pelos
pares e pela a sociedade.

Por essa razão, optamos por apresentar alguns conceitos


relacionados ao método científico, aos artigos científicos e também aos
relatórios técnicos de Engenharia. Pretendemos chamar a atenção para a
importância do tema, de forma especial, para aqueles que desejarem não
apenas crescer na arte da escrita técnica e científica, mas também buscar
textos especializados.

O que é um artigo científico?

Esse livro destina-se a estudantes, pesquisadores, engenheiros e


pessoas que lidam com a modelagem de sistemas hídricos, profissionais
que têm entre suas atividades a elaboração de textos técnicos e científicos
para publicação em eventos ou periódicos. Mesmo engenheiros, fora da
academia, publicam os resultados de seus trabalhos em encontros e
congressos técnicos e científicos. De acordo com Associação Brasileira de
Normas Técnicas (ABNT):

“Artigo científico é parte de uma publicação com autoria


declarada, que apresenta e discute idéias, métodos, técnicas,
processos e resultados nas diversas áreas do conhecimento”
(ABNT NBR 6022, 2003, p. 2).

Para entender melhor, vamos iniciar nossa reflexão reconhecendo


a seqüência de atividades de uma pesquisa científica:
 identificação do tema;
 revisão da literatura;
 definição da abordagem de estudo;
 planejamento e execução dos experimentos;
 coleta, análise e interpretação dos resultados;
 divulgação dos resultados.

Nesse contexto, a publicação de um artigo científico é a etapa final


da pesquisa e o momento de sua submissão a uma análise dos pares:
Modelos e Filosofia 23

inicialmente dos editores e revisores e em seguida dos leitores. O sucesso


de um profissional nos meios acadêmicos depende da aceitação de seus
artigos.

A qualificação de periódicos

O QUALIS é um sistema da CAPES utilizado para


classificar os periódicos em uma escala de qualidade.
O Fator de Impacto (FI) é um indicador que
determina a quantidade de vezes que um periódico é
citado em certo intervalo de tempo, dividido pela
quantidade de artigos publicados nesse mesmo
período. Mede o impacto do periódico na comunidade
científica internacional. A Thomson Reuters, antigo
Institute for Scientific Information, conhecido como
ISI utiliza nessa avaliação um período de dois anos.
O Fator de Impacto é publicado no Journal Citation
Report (JCR). O FI é o principal índice utilizado pela
CAPES nas Engenharias I para classificar os
periódicos A1 e A2 no QUALIS. Cada área tem
autonomia para classificar os periódicos publicados
por pesquisadores de seus programas. O QUALIS
está disponível na página da CAPES

Verifica-se, ainda, que modernamente há uma tendência, embora


sujeita a críticas, a valorizar os periódicos em função das citações de suas
publicações. Na Capes2, por exemplo, a variável utilizada para classificar
um periódico é o Fator de Impacto.

2 “A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) desempenha papel fundamental na


expansão e consolidação da pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) nos todos os estados da Federação.
As atividades da Capes podem ser agrupadas em quatro grandes linhas de ação, cada qual desenvolvida por um
conjunto estruturado de programas:
• avaliação da pós-graduação stricto sensu;
• acesso e divulgação da produção científica;
• investimentos na formação de recursos de alto nível no país e exterior;
• promoção da cooperação científica internacional
A Capes tem sido decisiva para os êxitos alcançados pelo sistema nacional de pós-graduação, tanto no que diz respeito
à consolidação do quadro atual, como na construção das mudanças que o avanço do conhecimento e as demandas da
sociedade exigem” (CAPES, 2009).
.
Modelos e Filosofia 24

Componentes de um artigo científico

A maior parte das revistas recomenda uma estrutura de texto


semelhante em formato de artigo científico.

O formato é composto pelas seguintes divisões:


 título (title);
 autores com filiação institucional e endereço (author and affiliation);
 resumo (abstract);
 palavras-chave (keywords);
 introdução;
 revisão da literatura;
 área de estudo;
 metodologia (material e métodos);
 resultados e discussões;
 conclusões,
 agradecimentos;
 referências bibliográficas (literatura citada).

Vamos compreendê-las melhor.

TÍTULO (TITLE)

O título é o menor resumo do artigo e deve refletir com precisão o


problema abordado na pesquisa. O número de palavras no título não deve
ser muito grande, nem muito pequeno. A média encontrada por Henz
(2003) em uma pesquisa em artigos da revista Horticultura foi de 14
palavras. Esse número deve variar segundo a área temática. Há periódicos
que limitam o número de caracteres no título (em torno de 50 caracteres).
Em um curso de metodologia científica na UFC, uma pesquisa realizada
pelos alunos encontrou uma média de 12.

É pelo título do artigo que o potencial leitor vai decidir se vale a


pena gastar tempo lendo o resumo e ir a mais detalhes.
Modelos e Filosofia 25

AUTOR E FILIAÇÃO (AUTHOR AND AFFILIATION)

Na indicação do nome do autor (ou autores) e da instituição a que


pertence(m) é comum indicar também o endereço eletrônico do autor que
vai receber e deve responder questionamentos. Vale salientar que a maior
parte dos artigos é escrita por vários autores, em média quatro autores,
como achou Henz (op. cit.).

RESUMO (ABSTRACT)

No geral o resumo não pode exceder 200 palavras e deve


especificar de forma concisa, mas não telegráfica:
 o que o autor fez;
 como o autor o fez (se for relevante);
 os principais resultados (numericamente, se for caso), a importância
e alcance dos resultados.

Finalmente, é importante observar que o resumo é uma descrição


sumária do artigo em seu todo e, portanto, deve entrar na essência do
problema sem rodeios. Lembre-se que a maior parte dos periódicos
publica livremente os resumos de seus artigos na internet, o que funciona
como uma maneira de atrair leitores que podem citar seu trabalho.

PALAVRAS-CHAVE (KEYWORDS)

Na maioria dos artigos, é solicitada ao autor a apresentação de até


três palavras-chave que caracterizam o domínio do artigo a ser publicado.
Estas palavras são utilizadas para permitir que o artigo seja encontrado
em sistemas de buscas eletrônicas. Por essa razão, as palavras-chave
devem ser escolhidas da forma mais geral e comum possível.

INTRODUÇÃO

A introdução, como está no próprio nome, tem como objetivo


introduzir o tema para o leitor. Portanto, deve conter:
 a natureza do problema abordada no artigo;
 o estado da arte do domínio estudado (algumas vezes com
referências bibliográficas);
 o objetivo do artigo e a contribuição dos autores;
Modelos e Filosofia 26

 a maneira como o artigo está estruturado em seções e subseções


pode ser colocado no final da introdução

Não é comum que se coloquem figuras e tabelas na introdução.


Todavia, você pode encontrar alguns artigos de autores renomados, em
bons periódicos, com tabelas e figuras. Convém analisar se esse é
realmente o melhor local para a colocação desses elementos.

REVISÃO DA LITERATURA

As questões mais substanciais sobre os temas não devem ser


apresentadas na introdução e sim em uma seção específica, denominada
revisão da literatura.

Ao realizar uma revisão de literatura, você pode e deve fazer


referência aos autores clássicos que construíram os alicerces da teoria que
utilizará como base conceitual. Resultados de pesquisas mais recentes
publicadas em periódicos do tema são indispensáveis.

Lembre-se de que na revisão de literatura é importante evitar


citações óbvias (domínio comum) somente para referenciar um autor
(para agradá-lo).

ÁREA DE ESTUDO

Em estudos, particularmente os relacionados ao tema ambiental, a


descrição das especificidades da área é fundamental para o entendimento
do problema. Por essa razão, alguns artigos apresentam uma seção
específica com essa finalidade, as quais não devem ser longas, nem
apresentar dados irrelevantes para o estudo.

Muitas vezes, especialmente em pesquisadores de pouca


experiência, esse capítulo é demasiadamente longo e torna-se cansativo.
Faça uma leitura de alguns artigos e procure avaliar como a descrição da
área de estudo é colocada.

METODOLOGIA (MATERIAIS E MÉTODOS)

A metodologia apresenta a maneira como a pesquisa/estudo foi


desenvolvida. O texto relata os materiais utilizados, as experiências
realizadas e as condições nas quais as experiências foram procedidas.
Modelos e Filosofia 27

Note que a idéia é permitir que outras pessoas, caso queiram,


possam reproduzir o experimento. Essas informações também devem
permitir uma análise crítica, feita na seção de resultados, para delimitar
seu campo de aplicação.

Em Ciências Ambientais e em modelagem, descrevem-se os


modelos aplicados, ou construídos, com seus limites de aplicabilidade e os
dados utilizados. É sempre bom que se tenha uma comparação dos
resultados dos modelos com observações do mundo real.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Nos tópicos resultados e discussões devem ser apresentados os


resultados dos experimentos. Nessa seção, podem aparecer tabelas e
resultados numéricos, uma vez que representa a etapa na qual se realiza
uma análise crítica e comparam-se os resultados pelo autor com aqueles
de outros pesquisadores. É importante fazer uma análise das restrições de
aplicabilidade.

CONCLUSÕES

As conclusões devem ser uma síntese das análises apresentados


na seção de resultados. Dessa forma, ela não deve apresentar nada de
novo que não haja sido defendido e mostrado nas seções anteriores,
tampouco coisas óbvias de conhecimento comum.

Precisam, portanto, ser enunciadas claramente e cobrir:


 o que o trabalho descrito no artigo conseguiu e qual a sua
relevância;
 as limitações dos resultados (região de aplicabilidade);
 se for o caso, as possíveis aplicações dos resultados obtidos na
pesquisa.

Em teses e dissertações, o capítulo de conclusões é, muitas vezes,


complementado com algumas recomendações para futuros estudos na
mesma temática.

AGRADECIMENTOS

No desenvolvimento da pesquisa normalmente os autores


contaram com ajuda em atividades não ligadas ao núcleo da pesquisa,
como desenhos, digitação, revisão etc. Também pode haver uma
Modelos e Filosofia 28

instituição que financiou a pesquisa. Várias instituições requerem que


sejam citadas como financiadora e que se coloque a referência ao número
do projeto apoiado.

REFERÊNCIAS

Trata-se de uma lista dos livros, periódicos ou outros elementos


bibliográficos que foram referenciados ao longo do artigo. Lembre-se que
toda citação deve ser referenciada.

No Brasil geralmente aplica-se a norma ABNT 6023 e a NBR 10520


para as citações e as referências. Em algumas universidades, há
programas computacionais que facilitam a elaboração das citações e
referências. Em periódicos internacionais há vários padrões. Você pode
encontrá-los no portal do periódico onde pretende publicar

DICA: A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)


disponibiliza um programa de auxílio a elaboração de
citações e referências, no endereço eletrônico:
REXLAB. Mecanismo online para referências. Disponível
http://www.more.ufsc.br/

SÍNTESE

A formação do Engenheiro moderno, diante da vastidão de


conhecimentos e de recursos tecnológicos sempre em evolução tem, em
muitos casos, relegado os aspectos humanos. Contudo, nos tempos atuais
os trabalhos importantes envolvem sistematicamente equipes
multidisciplinares nas quais profissionais de diferentes formações devem
conversar e chegarem a um entendimento para o bem do projeto.

As visões e linguagem filosóficas ajudam muito nesse aspecto. A


junção da Filosofia e a Engenharia, como primeiro capitulo de um livro de
modelagem hidrológica, é uma inovação que se introduziu nesse livro.

A elaboração de um artigo científico para divulgação e difusão dos


resultados pode ser considerada como a última fase da pesquisa. Um
roteiro de como organizar um artigo científico foi apresentado com o
objetivo restrito a um capítulo introdutório.
Modelos e Filosofia 29

A simulação e a modelagem hidrológicas podem ser pensadas


como laboratórios de um mundo virtual. Uma boa estratégia, em um curso
de modelagem, é deixar para os alunos, como tarefa, a realização de um
experimento e elaboração dos resultados em forma de artigo científico. Os
bons trabalhos podem ser publicados em congressos e, se for o caso,
aperfeiçoados para publicação em periódicos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

HENZ, Gilmar Paulo. Como aprimorar o formato de um artigo científico.


Horticultura brasileira, Brasília, v. 21, n. 2, p. 145-148, jun. 2003.
MAGEE, Bryan. História da Filosofia. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2000.
240 p
SINGH, Simon. O último teorema de Fermat. 7. ed. Rio de Janeiro: Record,
2000. 324 p.

E-REFERÊNCIAS

CAPES. História e missão. Disponível em: <http://www.capes.gov.br/sobre-a-


capes/historia-e-missao>. Acesso em 10 set. 2009.
REXLAB. Mecanismo online para referências. Disponível em:
<http://www.rexlab.ufsc.br:8080/>. Acesso em 10 set. 2009.
______________________________________CAPÍTULO 2

Tudo deve ser tornado o mais simples


possível, porém, não mais simples do
que isso.

Albert Einstein

SISTEMAS, MODELOS E SIMULAÇÃO

INTRODUÇÃO

A formulação de um bom texto, científico ou técnico, além do


conhecimento do problema e das ferramentas disponíveis para solucioná-
lo, requer a definição dos termos usados nas descrições e nas
argumentações. Muitas vezes, na vida real, presenciamos discussões nas
quais os atores aparentemente estão divergentes, mas, na verdade, estão
partindo de conceitos e definições diferentes. Assim, em um curso de
simulação hidrológica é fundamental definir bem os termos que serão
aplicados para proporcionar unidade de interpretação.

Nessa linha, muitos filósofos se dedicaram a estudar e propor


critérios para elaborar uma boa definição. Iniciamos o capítulo
apresentando as regras para definir, as quais devem auxiliar
pesquisadores e estudantes na elaboração de seus relatórios,
dissertações, teses e artigos científicos. Em seguida, apresentamos um
conjunto de definições de autores clássicos em análise de sistemas e
modelagem de recursos hídricos.

REGRAS PARA BEM DEFINIR

Como você sabe, há boas e más filosofias, como há bons e maus


modelos. Há, também, bons filósofos e bons modelistas: o segredo de
ambos é a aplicação da filosofia ou do modelo certo para a situação certa.
Sistemas, modelos e simulação 31

Segundo Severino (1990, p. 146), pode-se dizer que o


conhecimento humano inicia-se com a formação de conceitos, definido por
ele como: “a imagem mental por meio da qual se representa um objeto,
sinal imediato do objeto representado. O conceito garante uma referência
direta ao objeto real.”

Os conceitos são passados para os leitores na expressão


lingüística por meio de termos ou palavras. Compreendê-los, ou fazê-los
ser compreendidos, faz parte do dia a dia do profissional de modelagem
ao descrever um modelo criado ou, simplesmente, ao escrever um
relatório. A definição é a forma de representar em palavras a
conceitualização de um objeto ou de processo mais elementar. Assim,
saber definir é importante para formular questões em trabalhos
científicos.

Nesse contexto, muitos pensadores dedicaram esforços para


estabelecer regras para bem definir. Vamos citar dois deles, Blaise Pascal
e Cariosi.

Pascal (2000), autor dos princípios da hidrostática, formulou as


seguintes regras:
 não deixar qualquer idéia obscura sem definir;
 empregar na definição apenas termos suficientemente claros por si
próprios ou já definidos anteriormente;
 não empregar na definição a palavra que se quer definir;
 nunca pretender definir tudo.

Por sua vez Cariosi (citado por RUDIO, 1989, p. 26) propôs as
seguintes regras:
 a definição deve ser conversível ao definido, isto é valer para todos
os sujeitos que se incluam no âmbito;
 a definição deve ser clara;
 a definição deve ser breve.

Somando-se as regras de Cariosi com as de Pascal formamos um


conjunto que pode nos auxiliar a fazer boas definições em nossos artigos
científicos.
Sistemas, modelos e simulação 32

Podemos apresentar nossas definições e depois submetê-las a


análise crítica segundo os critérios de nossos filósofos. Contudo, devemos
fazer alguns testes (a prova da leitura ou profreading) para defendermos
bem nossos trabalhos diante de uma assistência. A prova da leitura,
habilidade de encontrar, se houver, erros em um texto escrito, é uma
qualidade que se desenvolve com a prática.

Nessa seção, apresentamos uma delimitação semântica dos


principais termos associados à análise de sistema.

Uma estória de definição

Conta-se que grandes filósofos gregos,


reunidos na Academia, buscavam
encontrar uma definição para o ser
humano. Aconteceram muitos debates e
muitas proposições. Normalmente, as
proposições caíam rapidamente
desconstruídas por contra exemplos. Por
fim, os filósofos ficaram satisfeitos com a
seguinte definição:
O homem é um bípede implume.
Na reunião em que se preparavam a
formalização e o referendo da definição,
um gaiato de fora da academia, que
soubera da história, depenou um galo e
jogou aquele bípede implume no centro
da sala onde os sábios estavam reunidos.
A reunião foi prematuramente terminada
e a decisão foi adiada por muitos e
muitos anos.

Vejamos agora as definições de númeno e fenômeno no dicionário


Houaiss: “No kantismo a realidade tal como existe em si mesma, de forma
independente da perspectiva necessariamente parcial em que se dá todo o
conhecimento humano; coisa-em-si, nômeno, noúmeno [Embora possa
ser meramente pensado, por definição é um objeto incognoscível].”

Por sua vez, fenômeno é definido no kantismo como “o objeto do


conhecimento não em si mesmo, mas sempre na relação que estabelece
com o sujeito humano que o conhece, e, portanto captado segundo a
Sistemas, modelos e simulação 33

perspectiva das formas a priori de intuição (espaço e tempo) e categorias


inatas do intelecto. ”

SISTEMA

Dooge (1973) propôs a seguinte definição para sistema: “É


qualquer estrutura, esquema ou procedimento, real ou abstrato, que em
um dado tempo de referência inter-relaciona-se com uma entrada, causa
ou estímulo de energia ou informação e uma saída, efeito ou resposta de
energia ou informação. ” Grigg e Labadie (1978, p. 1-3), propuseram:
“sistema é um conjunto de componentes funcionais, os quais interagem
de diversas maneiras. Os componentes recebem impulsos, reais ou
supostos, e produzem respostas. O sistema pode ser real ou planejado. As
interações entre os componentes podem ser físicas, econômicas ou
sociais. ”

Grigg (1996, p.14) nos deu uma definição voltada para um


sistema de recursos hídricos. Para ele, um sistema de recursos hídricos é
uma combinação de equipamentos (facilities) de controle de água e de
elementos ambientais que trabalham em conjunto para chegar aos
objetivos do gerenciamento dos recursos hídricos.

Chow et al.(1988, p. 7) definiram um sistema hidrológico como


uma estrutura ou volume no espaço, limitado por uma fronteira que aceita
água e outras entradas, opera-as internamente e produz respostas ou
saídas.

De um modo geral, as definições são próximas e podem ser


sintetizadas em: um sistema é uma estrutura formada por vários
componentes que interagem entre si, recebem impulsos, efetuam
transformações e emitem respostas. Vamos agora dois exemplos.

Um reservatório superficial pode ser visto como um sistema que


transporta água no tempo. É uma estrutura hidráulica formada por vários
componentes (barragem, vertedouro, tomada de água etc.) que
interagem entre si, recebem impulsos (precipitação pluvial, deflúvios),
efetuam transformações e emitem respostas (vazão regularizada,
vertimentos e perdas por evaporação). Em resumo, é um sistema que
transporta água ao longo do tempo para transformar os padrões
aleatórios providos pela natureza aos padrões de consumo da sociedade.

Por sua vez, ao se ocupar uma bacia hidrográfica com


equipamentos urbanos as consequências são: diminuir a infiltração no
Sistemas, modelos e simulação 34

solo, aumentar o volume de escoamento superficial, aumentar o pico de


cheia e reduzir as águas subterrâneas. Para mitigar esses impactos a
sociedade constrói os sistemas de drenagem de águas pluviais, ou sistema
de drenagem de águas urbanas.

O sistema de drenagem é formado por vários componentes (vias


urbanas, sarjetas, bocas de lobo, galerias, canais de macrodrenagem) que
interagem entre si, recebem impulsos (chuvas), executam transformações
(as águas precipitadas transformam-se em escoamentos que são
conduzidos nas estruturas) e emitem respostas (níveis de cheias e vazões
para receptor externo ao sistema). A função desse sistema é evitar que os
efeitos negativos provocados pela urbanização atinjam as populações.
FIGURA 2.1 – Representação esquemática de um reservatório

funcionando como um sistema que transporta água no tempo.

FIGURA 2.2 - Representação esquemática do impacto do sistema urbano


no hidrograma. O sistema de drenagem urbana evita que os impactos do
sistema urbano atinjam as pessoas e bens materiais.
Sistemas, modelos e simulação 35

MODELO

Um modelo pode ser definido como conjunto de hipóteses sobre a


estrutura ou o comportamento de um sistema físico pelo qual se procura
explicar ou prever, dentro de uma teoria científica, as propriedades de um
sistema. Em sentido mais amplo, o modelo é a conceitualização do
sistema, a qual preserva as principais características do sistema sem,
necessariamente, preservar todas as características.

A construção de um modelo apropriado para resolver, ou dar


elementos para solucionar um determinado problema de gerenciamento, é
um dos principais desafios da análise de sistema. Grigg e Labadie (op.cit.,
p.1-6) consideram que esse desafio decorre dos seguintes fatos:
 entendimento incompleto de como um sistema funciona, tal como
os fatos complexos nos processos chuva x deflúvio;
 a influência de fatos altamente variáveis e “imprevisíveis” tais como
chuva e deflúvio;
 limitações na capacidade computacional (Fenômenos atmosféricos –
Teoria do Caos);
 limitações na capacidade e especialidade dos recursos humanos;
 tempo limitado (ultra limitado em alguns casos) para desenvolver o
estudo.

Para Odum (1971) um modelo é um conjunto de equações e


procedimentos que podem ser reunidos em quatro grupos: forçantes (ou
impulsos), estado, transferência e parâmetros.

As forçantes formam as entradas no modelo. Afetam o sistema


(variáveis de entrada e de transferência). Podem, ou não, ser por elas
afetadas. Nos modelos de bacias hidrográficas as variáveis de entrada são
as precipitações e as afluências superficiais e subterrâneas, de fora do
sistema em análise. Nos modelos de circulação global (GCM- Global
Circulation Model), as temperaturas das superfícies dos oceanos
constituem-se em forçantes. Elas interferem significativamente nas trocas
de energia que ocorrem no sistema. Ao mesmo tempo, as circulações que
ocorrem no sistema atuam modificando as temperaturas dos oceanos. Os
modelos podem considerar, ou não, essas mudanças nas forçantes.

As equações de estado são relacionadas às variáveis de estado do


sistema. Por exemplo, no sistema bacia hidrográfica as variáveis de
estado são os volumes de água armazenados nos reservatórios e nos
Sistemas, modelos e simulação 36

solos. No sistema atmosfera, nos modelos de circulação global, o teor de


umidade na atmosfera é uma variável de estado.

As equações de transferência buscam representar os processos


que ocorrem no sistema. Em uma bacia hidrográfica, o processo de
infiltração no solo pode ser representado por equações como Horton,
Philip, Green-Ampt. Nos modelos de circulação atmosféricas a equação de
Saint-Venant representa os processos de transferência entre os fluidos no
sistema.

Os parâmetros são as constantes das equações ou grandezas


associadas a características físicas dos sistemas, como por exemplo, a
área de uma bacia hidrográfica. Cabem aqui algumas definições no
contexto das ciências empíricas.

Fenômeno: É um processo físico que produz alteração no estado


do sistema. Por exemplo, a precipitação pluvial, o escoamento dos rios, a
evaporação, etc.,

Variável: É uma palavra que se refere a um determinado


fenômeno que pode ser descrito quantitativamente, o qual pode variar ao
longo do tempo e do espaço. O total de chuvas em um determinado local
em um dado ano é um exemplo de variável. Assim, o fenômeno é a
chuva, o total de chuva em um dado ano é a variável e, por exemplo,
560mm é o valor da variável medida no ano de 2006. No sistema bacia
hidrográfica a variável chuva está no grupo das forçantes enquanto que
no modelo CGM a precipitação é um processo que ocorre no sistema.

Parâmetro: É um valor característico do sistema. Por exemplo, a


área de uma bacia hidrográfica, o percentual de área impermeável em
uma dada bacia hidrográfica. A bacia hidrográfica é um componente do
sistema; a área da bacia hidrográfica, por exemplo, 500km 2 é um
parâmetro.

A formulação de um modelo

Na seção anterior vimos, em uma abordagem mais geral, as


etapas de atividades necessárias para realizar a simulação de um sistema.
O âmago da formulação de um modelo de simulação, ou de reprodução do
comportamento de um sistema, é conseguir a máxima simplicidade
consistente com o grau de detalhe e a acurácia desejados e compatíveis
com os objetivos dos estudos (JAMES, 1993, p.1).
Sistemas, modelos e simulação 37

A formulação do processo de modelagem e simulação pode ser


sintetizada nas etapas apresentadas a seguir:

FORMULAÇÃO DOS OBJETIVOS

Essa etapa deve ser elaborada com muita clareza e objetividade. A


falta desses atributos pode levar a produção de modelos que não atendem
aos objetivos desejados. Ademais, o estabelecimento preciso das
respostas quantitativas desejadas simplifica consideravelmente as etapas
seguintes da formulação. Cuidados especiais são necessários para adaptar
modelos existentes incompatíveis com os objetivos do modelo em
desenvolvimento.

REVISÃO DOS CONCEITOS TEÓRICOS

Sempre há na literatura estudos anteriores com tentativas de


elaborar modelos e conceitos para condições práticas semelhantes. Então
antes de desenvolver o modelo devem ser analisados conceitos e estudos
anteriores já estabelecidos.

FORMULAÇÃO DO MODELO

Essa etapa envolve uma decisão sobre o tipo de modelo o qual


pode ser determinístico ou estocástico, transiente ou de equilíbrio, etc.
Devem ser avaliados os processos e fenômenos a simular. Devem ser
evitadas complicações, como o detalhamento excessivo, eliminando-se
relações que não interferem significativamente nos resultados. Vale a
pena avaliar modelos alternativos antes de tomar a decisão final. Nessa
etapa é importante que se faça um diagrama conceitual.

CRIAÇÃO DA ESTRUTURA DO MODELO

Essa é uma etapa difícil no processo de formulação dos modelos,


especialmente para modelos complexos. Geralmente, é recomendado
iniciar identificando as grandes subdivisões do modelo e prosseguir
colocando-as em forma de diagrama. Esse procedimento permite
estabelecer o fluxo de informações e facilita sub-rotinas individuais que
podem ser desenvolvidas e testadas separadamente. Essa técnica também
permite criar um modelo mais versátil que pode ser modificado e
adaptado futuramente para condições semelhantes.
Sistemas, modelos e simulação 38

FORMULAÇÃO DAS EQUAÇÕES

Baseado nas revisões conceituais e na estrutura do modelo é


possível estabelecer as relações para representar os fenômenos e
processos envolvidos no sistema. A colocação de uma hierarquia nos
processos permite: uma melhor visualização, o estabelecimento das
relações primárias e secundárias e a seleção das equações mais
apropriadas. A coleta preliminar de alguns dados pode ser conveniente
para direcionar a escolha das equações. Uma vez que as equações hajam
sido estabelecidas é possível subdividir o fluxo das informações dentro de
cada subdivisão do modelo.

FORMULAÇÃO DOS MÉTODOS DE SOLUÇÃO

Na prática, em poucos casos é possível resolver as equações


diferenciais analiticamente, mas na maioria das vezes aplicam-se métodos
numéricos para resolvê-las. A escolha do método ou da técnica numérica
apropriada é crucial para estabilidade numérica, para acurácia e para
minimizar os esforços computacionais.

DESENVOLVIMENTO DOS PROGRAMAS COMPUTACIONAIS

Para os modelos mais complexos é indispensável que se


desenvolvam programas computacionais que permitam, em tempo
razoável, realizar simulações do sistema para diferentes cenários de
impulsos (climáticos) ou para diferentes regras de operação do sistema.

Há muitas linguagens disponíveis como Pascal, FORTRAN, Visual


Basic, Delphi e JAVA. A linguagem FORTRAN foi muito usada nas décadas
de 1960, 1970 e 1980 quando foi desenvolvido um grande número de
programas para solução de problemas de hidrologia e hidráulica. Nas
décadas de 1990 e atual, as linguagens com recursos gráficos para uma
interface com os usuários passaram a ser preferidas. Porém, em muitos
programas, os cálculos básicos e fundamentais continuaram em FORTRAN.
As interfaces com os usuários passaram a ser feitas com linguagens como
a DELPHI ou JAVA.

CALIBRAÇÃO E VALIDAÇÃO

Essa etapa é feita já na execução do modelo. A calibração consiste


em selecionar um período com existência de dados observados e procurar
qual o conjunto de parâmetros que melhor ajustam os resultados
Sistemas, modelos e simulação 39

observados com os resultados do modelo. Como na calibração o modelo


guarda na memória os parâmetros e os resultados, recomenda-se fazer a
validação. Nessa fase, usa-se um período diferente do utilizado na
calibração para verificar os parâmetros e o modelo.

Muitas vezes recomenda-se alternar os períodos de validação e


calibração. Qual desses períodos seria utilizado para selecionar os
parâmetros: o de melhor calibração? Ou, de melhor validação? Essa
decisão fica a critério do modelista.

ANÁLISE DE SENSIBILIDADE

A análise de sensibilidade consiste em fazer pequenas variações


em alguns parâmetros do modelo e verificar o quanto as respostas do
sistema são sensíveis a essas variações. Se os resultados variam pouco
com um parâmetro, diz-se que o modelo é robusto nesse parâmetro. Se o
resultado varia muito com pequenas variações do parâmetro diz-se que o
modelo é sensível a esse parâmetro.

O modelista deve ter cuidados especiais com parâmetros


sensíveis. É bom também que se examine o sistema real para avaliar se
essas sensibilidades são, ou não, artificialmente colocadas pelo modelo.

A classificação dos modelos

Segundo a maneira como são elaborados, os modelos podem ser


classificados em: 1) físicos, 2) analógicos e 3) matemáticos.

Os modelos físicos são os que representam o sistema por uma


estrutura menor (modelo reduzido), a qual tem comportamento
semelhante à estrutura em análise (sistema). A escala do modelo é feita
em termos de adimensionais importantes ao fenômeno. Por exemplo, em
estruturas com escoamento turbulento, o modelo reduzido dever
preservar o Número de Froude da estrutura, enquanto que em estruturas
com escoamento laminar deve ser preservado o Número de Reynolds.

Até alguns anos passados, os grandes vertedouros, com


estruturas complexas, eram dimensionados por modelos reduzidos.
Exemplos, os vertedouros das barragens de Sobradinho rio São Francisco
e de Itaipu no rio Paraná, o do açude Orós no Ceará, foram estudados e
dimensionados com modelos reduzidos. No Brasil, os grandes centros
desse tipo de modelagem são o Centro Tecnológico de Hidráulica da USP
Sistemas, modelos e simulação 40

(CTH) e a UFPR (CEPHAR hoje LACTEC). Hoje, muitas vezes os modelos


reduzidos são aplicados para gerarem o conhecimento em determinados
processos hidráulicos e a partir desses conhecimentos melhorarem os
modelos matemáticos.

Na engenharia aeronáutica, os projetos de aviões eram quase que


exclusivamente modelados em túneis de vento. Embora esses modelos
ainda sejam muito usados, também nesse campo, a modelagem
matemática ganhou espaço.

Os modelos analógicos utilizam analogias entre equações que


regem fenômenos diferentes. Por exemplo: circuitos hidráulicos e circuitos
elétricos (esses são mais simples e de menor custo). São pouco usados
nos dias atuais.

Os modelos matemáticos representam a natureza do sistema por


meio de equações matemáticas que regem os processos no sistema. São
os mais utilizados hoje em dia em função do aumento da capacidade e da
velocidade dos computadores, dos avanços científicos e do baixo custo.

Esses modelos são os mais aplicados na Engenharia. A aceitação


dos mesmos decorre do baixo custo, da versatilidade e da praticidade. Há
também muitos modelos, com sistemas complexos, como bacias
hidrográficas que só podem ser simulados por modelos matemáticos.

Os modelos matemáticos podem ser agrupados em várias classes:


 segundo o tipo de variável: determinísticos e probabilísticos;
 segundo as relações espaciais: concentrados ou distribuídos;
 segundo as relações temporais: estáticos ou dinâmicos;
 segundo a escala de dados: estáticos e dinâmicos.

Os atributos dos modelos matemáticos

Os modelos matemáticos têm atributos, qualidades e defeitos, que


precisam ser conhecidos para atender os objetivos e limitações do estudo
para o qual será elaborado. Para muitos problemas práticos, já existem
programas computacionais prontos e disponíveis (pagos ou livres) que
podem ser aplicados. Em outros casos é necessário que se desenvolva um
modelo específico para o problema.
Sistemas, modelos e simulação 41

Para selecionar o modelo, ou para desenvolvê-lo, é importante


que sejam conhecidos os atributos dos mesmos, como: a memória, a
linearidade e a parcimônia dos parâmetros.

A MEMÓRIA

A memória é o estado de tempo no passado durante o qual a


entrada afeta o estado presente do sistema (DOOGE, 1973). Memória zero
significa que a entrada afeta o sistema somente no momento em que
ocorreu. Memória infinita significa que o estado do sistema depende de
todo o seu passado.

Seja o sistema uma bacia hidrográfica onde ocorrem precipitações


em forma de neve. Qual a memória do sistema para a ocorrência de um
total de neve em um determinado ano? Se em um dado ano, há muita
precipitação nival, formam-se pacotes de neve que vão contribuir com as
vazões no ano seguinte. Esse

Considere agora o sistema como sendo uma bacia do interior do


Ceará, assente sobre solo cristalino. Para a chuva anual e a resposta do
volume escoado na bacia hidrográfica, qual a memória do sistema? Nesse
caso, uma longa estação de estiagem, com alta taxa evaporação, acaba
com a memória do sistema.

A memória de uma bacia hidrográfica é o tempo mais longo que a


água, após precipitar, leva para infiltrar, percolar subterraneamente, até
atingir o exutório da bacia,

A LINEARIDADE

Significa que o sistema obedece ao princípio da superposição. Isto


é, se uma causa c1 gera um resultado r1 e uma causa c2 gera um
resultado r2, então uma causa c1+c2 gera um resultado r1+r2. Da
mesma maneira, uma causa k.c1 gera uma resposta k.r1

Considere uma bacia hidrográfica (sistema) que recebe uma


determinada chuva (impulso) e gera como efeito uma vazão efluente
(resposta). Pergunta-se: Nesse sistema é estritamente válida a
propriedade da linearidade? Os conceitos da hidráulica provam que não,
porém, a prática da Engenharia diz que eles podem ser considerados com
essa propriedade. O método do hidrograma unitário, apresentado nos
próximos capítulos, tem muitas aplicações em modelagem hidrológica e é
um modelo linear.
Sistemas, modelos e simulação 42

A PARCIMÔNIA DOS PARÂMETROS

O número de parâmetros de um determinado modelo não deve ser


demasiadamente pequeno para não comprometer a qualidade dos
resultados, porém não deve ser muito grande de maneira a comprometer
a qualidade das extrapolações. De fato, a lei da parcimônia dos
parâmetros já foi explicitada no século XIV pelo filósofo Guilherme de
Ockham que defendia a tese que “Entidades não devem ser multiplicadas
além da necessidade. ”

A navalha de Ockham

O princípio da parcimônia, também conhecido entre


os filósofos como a navalha de Ockham tem a
seguinte formulação: “As entidades não devem ser
multiplicadas sem necessidade. ” (Entia non sunt
multiplicanda praeter necessitate). Para Bizarro
(2009), o princípio da parcimônia pode ser
considerado como ontológico ou metodológico. Como
princípio ontológico ele nos diz que devemos
acreditar no menor número possível de tipos de
objetos. Como princípio metodológico, diz-nos que
para explicar qualquer fato, devemos apelar ao
menor número possível de fatores. Para Popper
(1972, p.155), considera que sua teoria mostra
porque a simplicidade é tão altamente desejável.
Para ele, os enunciados simples são mais desejáveis
do que os menos simples porque “eles nos dizem
mais, porque encerram um conteúdo empírico maior,
e porque são suscetíveis de testes mais rigorosos.”

O ajustamento de uma série de tamanho n a um polinômio de


ordem n dá um ajuste matemático perfeito. Esse modelo pode ser usado
para interpolações, porém, para extrapolações é um desastre.

Tudo, entretanto, é uma questão de bom senso. A simplicidade é


sempre uma boa característica. Ela é a qualidade do que é simples, do
que não apresenta dificuldade, enquanto que o simplismo é o vício de
raciocínio de deixar de considerar elementos necessários à solução do
problema.
Sistemas, modelos e simulação 43

As características de um bom modelo

Uma das preocupações dos modelistas é construir um bom modelo


dentro dos objetivos e recursos disponíveis no projeto em que está
engajado. Surge então a pergunta: O que é um bom modelo?

Os fatores a considerar na classificação de um bom modelo são


 produção, sem viezes, das grandezas estudadas;
 balanceamento esforço computacional x precisão;
 legibilidade por terceiros.
 Grau de complexidade.

Reconhecer um bom modelo e saber selecionar o adequado para o


estudo é um desafio e uma habilidade que se adquire com a prática e com
os conhecimentos teóricos.

SIMULAÇÃO

Simular um sistema consiste em avaliar qual teria sido o


comportamento do mesmo se determinadas regras de operação
houvessem sido obedecidas, e certos impulsos houvessem ocorrido. O
termo simulação, no sentido mais técnico, é usado para descrever o
comportamento de um sistema representado por semelhanças com outros
sistemas (modelos analógicos) ou equações matemáticas (modelos
matemáticos).

Para realizar a simulação de um sistema, pode-se pensar na


seguinte sequência de atividades:
 conceitua-se o sistema;
 elabora-se o modelo que, por equações, representa o
funcionamento do sistema;
 formulam-se as condições de contorno e os impulsos para os quais
se pretende avaliar o comportamento do sistema;
 simula-se o modelo, isto é, calculam-se as equações que fornecem
as respostas produzidas pelo modelo.

A operação simulada de reservatórios constitui-se em exemplo da


aplicação de técnicas de simulação. Utiliza-se uma série histórica de
vazões afluentes e outras variáveis, elaboram-se regras de operação, usa-
se a equação da continuidade e verifica-se como o reservatório teria se
Sistemas, modelos e simulação 44

comportado se aquelas regras houvessem sido obedecidas. Nesse caso,


simula-se o passado para decidir o futuro.

ANÁLISE DE SISTEMAS

É um enfoque racional para permitir decisões de gerenciamento


baseadas em uma organização sistemática das informações relevantes. O
processo de resolução de um problema por análise de sistemas é
executado nas seguintes etapas:
 identificar e definir o problema que se quer resolver;
 identificar e delimitar o sistema a analisar e reunir as informações
relevantes;
 definir metas e objetivos;
 definir indicadores quantitativos para avaliar quão bem uma solução
alternativa atende os objetivos procurados;
 gerar alternativas viáveis que atendam às limitações físicas, sociais,
políticas, econômicas e morais no sistema e em seu gerenciamento;
 avaliar e selecionar a melhor alternativa possível, dentro das
limitações de orçamento, mão de obra, tempo etc..
 rever, atualizar e retroalimentar o sistema para assegurar que os
objetivos originais são atendidos.

Termos associados à análise de sistemas

A análise de sistemas utiliza diversas técnicas computacionais


associadas, geralmente, com metodologias de análise econômicas e
financeiras para avaliação de um determinado projeto.
 otimização;
 simulação;
 modelagem;
 efetividade de custo;
 análise benefício custo;
 orçamento de programas.

Esses termos são comentados a seguir.


Sistemas, modelos e simulação 45

OTIMIZAÇÃO.

Em um problema de otimização, busca-se maximizar ou minimizar


uma dada quantidade, chamada função objetivo, a qual depende de um
número finito de variáveis, as quais podem ser independentes entre si, ou
podem ser relacionadas a uma ou mais restrições. Um exemplo de
problema de otimização é apresentado na seguinte notação matemática:

𝑀𝑎𝑥𝑖𝑚𝑖𝑧𝑒 𝑧 = 𝑥 2 + 𝑦 2

𝑠𝑢𝑗𝑒𝑖𝑡𝑜 𝑎:

𝑥 + 𝑦 ≤ 10

O problema acima é de otimizar o objetivo z, com variáveis de


entrada x e y, sujeitas às restrições da soma ser menor ou igual a 10.

Há várias técnicas de resolução de problemas de otimização tais


como: programação matemática, programação linear, programação
inteira, programação quadrática, programação dinâmica, algoritmos de
rede e outras.

O dimensionamento do diâmetro de uma adutora para conduzir


água desde uma fonte (ponto de captação) até um reservatório de
distribuição é um dos problemas clássicos de otimização. Quanto menor o
diâmetro, menor o custo da tubulação, porém maiores os custos com
energia elétrica para conduzir a água. Na prática, esse conflito é resolvido
achando-se o diâmetro da tubulação que minimiza o valor dos custos de
capital (construção da adutora) mais os custos anuais de operação e
manutenção da adutora, atualizados a uma determinada taxa de juro,
para a vida útil do sistema. Esse é um problema de econometria.

Em modelagem, é comum aplicar-se técnicas de otimização para


encontrar os valores dos parâmetros do modelo que minimizam as
diferenças entre os resultados do modelo e as observações do sistema
real (valores medidos).

O CUSTO-EFETIVIDADE

Muitas vezes, na prática da Engenharia, tem-se um problema que


se quer resolver de qualquer maneira. Isto é, está tomada a decisão
política de resolver o problema e se deve procurar qual a melhor solução
de Engenharia. Por exemplo, conduzir água para uma grande cidade que
está ameaçada de um colapso no sistema de abastecimento. Não se pode
Sistemas, modelos e simulação 46

pensar em deixar uma população de alguns milhões de pessoas sem água.


Supondo-se que haja mais de uma solução viável, política e
financeiramente, mesmo sem viabilidade econômica, a efetividade de
custo possibilita justificar a opção de menor custo para atender aos
objetivos do projeto.

O Canal do Trabalhador no Ceará

Um exemplo de decisão tomada sob o critério de


efetividade de custo se deu em Fortaleza em 1993. A
cidade estava à beira de um colapso de água, o que seria
um desastre. O Governador do Estado solicitou às
empresas de consultoria que apresentassem, em uma
semana, propostas para resolver o problema em 90 dias.
Várias empresas se organizaram e apresentaram duas
propostas em uma seção aberta a um público técnico
selecionado. A primeira proposta foi construir uma adução,
com um trecho em adutoras e outro em canal. Uma
segunda alternativa consistiu em construir um canal com
manta asfáltica trazendo as águas do rio Jaguaribe para
Fortaleza. Essa segunda opção foi a selecionada na
discussão e, em seguida, referendada pelo próprio
Governador. O Canal, mesmo com alguns contratemos, foi
concluído em cerca de 120 dias e evitou o colapso em
água da cidade.

Muito associado à análise de efetividade de custo é a análise de


custo incremental. Esta análise possibilita avaliar o custo incremental por
uma unidade de benefício adicionada. Por exemplo, a capacidade de um
reservatório pode ser determinada em função do custo incremental da
seguinte maneira: cada incremento na capacidade do reservatório (ΔK)
resulta em um aumento da vazão regularizada (ΔM) e um incremento no
custo (ΔC). Assim, o custo da unidade de água adicionada ao sistema é
igual a ΔC/ΔM. O decisor pode estabelecer um valor máximo que está
disposto a pagar pelo ganho em vazão regularizada. Pode se chegar a um
ponto que trazer água de outra fonte é mais econômico.

ANÁLISE BENEFÍCIO-CUSTO

Esse é um critério de agrado dos organismos financeiros e de


planejamento econômico. Consiste em quantificar monetariamente todos
Sistemas, modelos e simulação 47

os benefícios (B) e todos os custos do projeto (C), utilizando técnicas de


econometria para colocá-los todos em uma mesma base temporal (valor
atual; valor futuro ou mensalidade). Em seguida calcula-se a relação B/C.
Quanto maior o valor de B/C melhor o projeto; projeto com B/C menor do
que um é inviável segundo esse critério.

SÍNTESE

Definir bem os termos em relatórios técnicos, em relatórios de


pesquisas ou em artigos científicos é essencial para a boa leitura do texto.
Nesse capítulo, apresentamos regras para construir uma boa definição. A
preocupação de definir bem está presente nos trabalhos do pensador
Blaise Pascal e continua até os nossos dias em textos de epistemólogos.
Essas regras, com análises e exemplos, podem ser encontradas em livros
sobre metodologia científica.

O capítulo apresenta ainda a delimitação semântica dos termos


usados em análise de sistema e em simulação hidrológica. Os atributos de
um bom modelo foram descritos. Aprendemos A parcimônia nos
parâmetros de um modelo, uma das regras para construir um bom
modelo foi herdada da filosofia do século XVI. A frase de Einstein,
apresentada no início, é a mais brilhante síntese desse princípio.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHOW, Ven Te, MAIDMENT, David R. e MAYS, Larry, W. Applied Hydrology.


New York: McGraw Hill, 1988. 572 p.
DOOGE, J.C.I. A Linear Theory of Hydrologic Systems. Technical Bulletin n.
1948, ARS, US Department of Agriculture. 1973.
GRIGG, Neil. Water resources management: Principles, regulations and cases.
New York: McGraw Hill, 1996. 540 p.
GRIGG, Neil; LABADIE, John. Lecture I Introduction. In: LABADIE, Jonh.
Management of Water Resources: a system approach. Fort Collins: Colorado
State University, 1978. p. 1-10. Scripts for video tape course
JAMES, A. (Editor) Simulation In: James, A. An introduction to water quality
modeling. New York: McGraw Hill, 1996. p. 1-17.
ODUM, E.P. Fundamentals of ecology. 3 ed. Philadelphia: W. B. Saunders,
1971. 474p.
PASCAL, B. Org. e comentários de B. Clerté e M. Lhoste Navarre O espírito da
geometria: a arte de persuadir. Lisboa: Didática, 2000.
Sistemas, modelos e simulação 48

POPPER, Karl A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Editora Pensamento


Cultrix Ltda. 2001, 578p.
RUDIO, Franz Victor. Introdução ao projeto de pesquisa científica. 15. ed.
Petrópolis: Vozes, 1989. 120 p.

SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 16. ed.


São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1990.251 p.

E-REFERÊNCIAS

BIZARRO, Sara. Navalha de Ockham. Texto da revista Intelecto no 5.


Disponível em: <http://www.geocities.com/revistaintelecto/navalha.html>.
Acesso em: 08 set. 2009.
______________________________________CAPÍTULO 3

Ninguém jamais poderá se aperfeiçoar


se não tiver o mundo como mestre. A
teoria se adquire na prática

William Shakespeare

OS PRIMEIROS MODELOS

INTRODUÇÃO

O processo de aprendizado de qualquer técnica ou arte inicia-se


com exemplos mais simples. Todos nós, na aprendizagem da leitura,
começamos com textos mais elementares e fomos adquirindo, na prática,
a capacidade de ler textos mais complexos. Muitos de nós, que
persistimos na prática, chegamos à leitura de autores como Guimarães
Rosa, José Saramago, Fernando Pessoa e outros clássicos.

Assim também deve ser na modelagem hidrológica. Começamos


com modelos chuva deflúvio de um evento, passamos por modelos de
médias em bacias hidrográficas, avançamos para sistemas de
reservatórios, e podemos mesmo chegar aos complexos modelos de
circulação global da atmosfera (CGM).

Em nossa estratégia de ensino estaremos também sedimentando


conceitos e criando sensibilidade dos resultados e dos limites e
aplicabilidade dos modelos. Isto é, da mesma maneira que aprendemos a
entender o que escreveu Fernando Pessoa, devemos aprender a ler o que
escreveram os modelistas em recursos hídricos e a interpretar os
resultados dos modelos.

Nesse capítulo apresentamos conceitos básicos para o


entendimento dos processos hidrológicos que ocorrem em uma bacia
hidrográfica como: a questão da escala em Hidrologia e a busca de
Os primeiros modelos 50

estabelecer os limites entre pequenas, médias e grandes bacias; diversas


fórmulas para estimativa do tempo de concentração de uma bacia
hidrográfica.

Finalizamos apresentando dois modelos hidrológicos. O primeiro,


um clássico da Hidrologia, refere-se ao escoamento em pequenas bacias
hidrográficas utilizado para dimensionar estruturas de drenagem. O
segundo representa os processos médios de longo tempo que ocorrem em
uma bacia hidrográfica. São modelos simples, mas que foram
contextualizados no âmbito dos conceitos previamente apresentados.

ESCOAMENTO EM UMA BACIA URBANA

Vamos iniciar nossos exercícios com a construção de modelos


simples, para aplicações limitadas em situações bem específicas. Vejamos
um modelo chuva deflúvio em uma pequena área. De início vamos fazer
referência a dois processos que ocorrem na movimentação das águas em
uma bacia hidrográfica: a translação e a difusão.

A translação é um processo cinemático no qual os elementos de


água se movimentam em uma bacia hidrográfica, todos com a mesma
velocidade, o que significa que a hidrógrafa translada-se sem modificação
de sua forma (Fig. 3.1a).

Por sua vez, a difusão refere-se ao processo no qual há


armazenamento das águas na bacia hidrográfica e, em consequência, as
partículas viajam como velocidades diferentes entre si. Assim, há
mudanças na forma do hidrograma (Fig. 3.1b).

Esses processos serão tratados com detalhes mais adiante. Por


enquanto, o importante é saber que eles existem e que nosso modelo
considera apenas a translação, isto é, que o modelo não é aplicável em
locais onde a difusão é importante para os resultados.

O modelo chuva x deflúvio

Vamos iniciar o primeiro modelo com a fórmula racional, a qual


procura representar o comportamento de uma pequena bacia hidrográfica.
Essa fórmula é muito aplicada em Engenharia de Recursos Hídricos,
particularmente em projetos de drenagem urbana.
Os primeiros modelos 51

FIGURA 3.1 – Representação esquemática dos processos de translação e difusão na


movimentação das águas em uma bacia hidrográfica.

Vamos fazer nosso exercício nas três etapas do processo de


modelagem: 1) a concepção do sistema; 2) a formulação do modelo, e 3)
a simulação do sistema.

A concepção do sistema

Considere que estamos interessados em modelar uma pequena


bacia hidrográfica para avaliar as cheias ocasionadas por chuvas intensas.
Inicialmente, faremos a revisão da definição de sistema hídrico:

DEFINIÇÃO “Sistema Hídrico é uma estrutura ou volume no


espaço, limitado por uma fronteira que aceita água e outras
entradas, opera-as internamente e produz respostas ou
saídas. ”

Passemos agora à concepção de nosso sistema. O sistema é uma


bacia hidrográfica que aceita água como impulso, a chuva, opera-a
internamente e produz, como resposta, uma vazão no exutório. Para
Os primeiros modelos 52

construir um modelo que preserve as principais características do sistema,


vamos representar nossa bacia hidrográfica por uma superfície inclinada
com área A (Figura 3.2a.).

Os processos hidrológicos que acontecem na bacia são: a


formação da chuva efetiva (precipitação total menos as perdas), o
escoamento superficial difuso (overland flow ou sheet flow), o qual é
definido como o escoamento no qual as águas se movem na bacia
hidrográfica em direção ao rio ou talvegue. No rio ocorre o deflúvio, ou
escoamento em canais, que segue outras leis da hidráulica.

Vamos agora, para fins de modelagem, conceber o sistema como


uma superfície retangular inclinada, com superfície A (comprimento L e
largura B), coeficiente de escoamento C e tempo de concentração t c
(Figura 3.2a). O tempo de concentração é definido como tempo no qual
uma gota de água translada-se desde o ponto mais distante da bacia até o
exutório. Vamos considerar que o impulso ao nosso sistema consiste em
uma chuva de duração igual a td e intensidade constante igual a i. Em
nosso sistema, o escoamento superficial se dá com velocidade constante
igual a L/tc.

FIGURA 3.2 – Esquema de um sistema que representa uma pequena


bacia hidrográfica a) na forma da bacia; b) na forma conceitual retangular

A formulação do modelo

Iniciemos lembrando que modelo é um conjunto de hipóteses


sobre a estrutura ou o comportamento de um sistema físico pelo qual se
procura explicar ou prever, dentro de uma teoria científica, as
propriedades de um sistema.
Os primeiros modelos 53

O processo de transformação da chuva em escoamento superficial


pode ser entendido da seguinte maneira: ao iniciar a precipitação as
primeiras águas caídas são retidas no solo. O solo tem capacidade de
infiltração f que absorve toda a precipitação se a intensidade i for igual ou
inferior a f. Essa diferença (i-f) é denominada excesso de chuva (excess
rainfall) que também recebe o nome de chuva efetiva.

Supondo-se uma chuva efetiva uniforme, no espaço e no tempo,


com duração bem maior do que tc, o escoamento irá concentrar-se no
exutório da bacia a partir do instante tc. Nesse processo, a vazão escoada
no exutório cresce gradualmente até que a precipitação de toda a bacia
tenha tido tempo para viajar até o exutório e contribuir para a vazão
nesse ponto. Nesse instante, a vazão máxima, ou de equilíbrio da bacia, é
atingida. O tempo decorrido entre o início da chuva e a concentração do
escoamento é o que denominamos anteriormente, com outra abordagem,
de tempo de concentração tc.

Para o nosso sistema físico, as hipóteses (premissas), dentro de


uma teoria científica, são: 1) o sistema é linear, 2) as águas escoam no
sentido da declividade da bacia com velocidade constante e concentram-
se no exutório; 3) a chuva tem duração igual a t d; e 4) a chuva é
distribuída uniformemente no espaço e no tempo com intensidade
constante i mm/h.

Vamos agora formular nossas equações dentro das hipóteses


admitidas.

O TEMPO DE CONCENTRAÇÃO (tC)

Os cálculos hidrológicos para pequenas bacias hidrográficas


normalmente requerem a estimativa do tempo de concentração. Um
cálculo preciso é geralmente complicado, pois a velocidade de escoamento
depende, entre outras coisas, da vazão escoada. Assim, a rigor, teríamos
para cada vazão, ou para cada intensidade de chuva, um tempo de
concentração. Contudo, nosso modelo é um modelo simplificado e
podemos também simplificar a estimativa de tc.

Na literatura existem muitas fórmulas para estimar o valor de t c.


Mata-Lima e outros (2007) fizeram uma revisão abrangente dos métodos
e fórmulas para estimar o tempo de retorno de uma bacia hidrográfica. Os
autores classificam as fórmulas em três tipos: as estritamente empíricas,
as semi-empíricas e as conceituais para planos de escoamento com
aplicação da onda cinemática. Vamos apresentar algumas delas.
Os primeiros modelos 54

A fórmula empírica de Kirpich (1940) relaciona o tempo de


concentração às variáveis: 1) declividade média da bacia (S) e 2) o
comprimento percorrido pela gota de água mais distante (L). A fórmula foi
desenvolvida para aplicação em pequenas bacias hidrográficas com uso
agrícola e com áreas inferiores a 80 ha. Observe que ao não levar em
conta a rugosidade da superfície, a validade da fórmula fica teoricamente
limitada para áreas de solos com cobertura típica de uso agrícola, como
proposta por Kirpich. A fórmula tem a seguinte apresentação:
0,06628𝐿0,77
𝑡=
𝑆 0,385

na qual tc = tempo de concentração (em horas); L = comprimento do rio


principal, desde o divisor ao exutório, em quilômetros; e S = declividade
entre as cotas máximas e mínimas.

Outra fórmula muito utilizada, a qual inclui um termo referente à


rugosidade da superfície, foi desenvolvida por Hathaway(1945). Em
relação à fórmula de Kirpich, Hathaway introduziu um parâmetro para
representar a rugosidade da bacia:

36,36(𝐿. 𝑛)0,467
𝑡𝑐 =
𝑆 0,234

onde tc = tempo de concentração em minutos; L = comprimento do rio


principal desde o divisor ao exutório, em quilômetros; S = declividade
média da bacia em m/m; e n = coeficiente de rugosidade. A Tabela 3.1
apresenta os valores da rugosidade n

O Serviço de Conservação dos Recursos Naturais dos Estados


Unidos (NRCS) desenvolveu uma fórmula para o tempo de concentração a
qual tem a seguinte apresentação:

100𝐿0,8 (2540 − 22,86𝐶𝑁)0,70


𝑡𝑐 =
14104𝐶𝑁 0,70 𝑆 0,50

sendo tc = tempo de concentração (em minutos); L = comprimento do rio


principal desde o exutório ao divisor, em quilômetros; CN = o número de
escoamento (SCS Curve Number) para a bacia, o qual pode ser um valor
ponderado; e S = declividade média da bacia.
Os primeiros modelos 55

TABELA 3.1 Valores da rugosidade n da fórmula de Hathaway


Tipo de superfície Valor de n

Suave e lisa (asfalto) 0,02


Suave e rugosa (pedra tosca) 0,10
Grama esparsa, cultivos em fila ou solo nu moderadamente 0,20
rugoso
Pastagem 0,40
Floresta com cobertura vegetal decíduos 0,60
Vegetação de coníferas, ou vegetação decíduos com 0,80
camada sobreposta de resíduos.
Fonte: http://ponce.sdsu.edu/onlinetimeofconcentration.php

A estimativa de tc também é possível utilizando-se os conceitos de


escoamento superficial difuso (overland flow) e de onda cinemática. Essas
formulações consideram que o escoamento se dá em um plano com
inclinação constante.

Uma das mais simples nessa tipologia é a fórmula de Seelye,

𝐿0,43
𝑡𝑐 = 0,371
𝑆 0,19 𝐶

na qual tc em minutos, L representa o comprimento do plano na direção


do escoamento em metros, S denota a declividade média do plano em
m/m e C representa o coeficiente de escoamento da fórmula racional da
bacia hidrográfica.

Na construção de um programa computacional para modelar o


sistema, poderíamos, como no HEC-HMS (esse programa será
apresentado no Capítulo 5), disponibilizar múltiplas fórmulas para o
cálculo de tc. Porém, nesse caso vamos selecionar a fórmula de Seelye, a
qual foi desenvolvida para um plano inclinado hipotético, como o de nosso
primeiro modelo.

Nesse tópico sugerimos uma visita no portal do Professor Victor


Miguel Ponce, o qual, gentilmente, coloca uma ferramenta para cálculo do
tempo de concentração com diversas fórmulas. O endereço é:
http://ponce.sdsu.edu/onlinetimeofconcentration.php
Os primeiros modelos 56

A VELOCIDADE DO ESCOAMENTO(V)

Representa a velocidade com a qual a água se propaga ao longo


da bacia. A gota de água que cai no ponto mais distante do exutório
percorre uma distância L em um tempo tc. Os modelos de hidrogramas
centrados na velocidade das partículas são denominados modelos
cinemáticos.

A velocidade de escoamento v é estimada pela equação:

𝐿
𝑣=
𝑡𝑐

Como, no modelo, a velocidade é constante, ela é considerada como um


parâmetro do sistema.

ÁREA DE CONTRIBUIÇÃO DA BACIA, NO EXUTÓRIO, NO TEMPO t APÓS O


INÍCIO DA CHUVA (A(t))

Ao iniciar a chuva somente as águas precipitadas nas vizinhanças


do exutório contribuem para a formação da vazão efluente. Como as
águas propagam-se com uma velocidade constante v, a área de
contribuição no tempo t é igual à distância percorrida pela gota de água
até esse instante (L(t) = v.t) vezes a largura da bacia (B).

Essa área cresce até o tempo de concentração, quando toda a


área da bacia (AB) estará contribuindo.

Veja bem, esse modelo que estamos formulando refere-se a uma


chuva de intensidade uniforme no espaço e constante no tempo com
intensidade i e duração infinita.

Assim temos:

𝐿 𝐴𝐵
𝐴(𝑡) = 𝑡. 𝐵 = 𝑡, 𝑝𝑎𝑟𝑎 𝑡 ≤ 𝑡𝑐
𝑡𝑐 𝑡𝑐

= 𝐴𝐵 𝑝𝑎𝑟𝑎 𝑡 > 𝑡𝑐

onde A(t) denota a área com escoamento no exutório no tempo t, L p


comprimento da bacia, t o intervalo de tempo desde o início da chuva, B a
largura da bacia, tc o tempo de concentração e AB a área da bacia.
Os primeiros modelos 57

HIDROGRAMA EFLUENTE NO EXUTÓRIO (Q(T))

Para calcular o hidrograma efluente vamos usar o conceito de


vazão escoada por unidade de área que denominamos de vazão específica
e denotamos por q. Em termos dimensionais, a vazão específica tem
unidades de m3/(s.m2) (ou m/s), a qual representa a unidade de
intensidade de precipitação efetiva (lâmina precipitada por unidade de
tempo).

Por sua vez, a intensidade da precipitação efetiva é igual à


intensidade da chuva total (i) menos uma parte que é abstraída do
sistema (infiltração e retenção). No nosso modelo essa abstração é
suposta constante e é medida por (1-C), sendo C denominado de
coeficiente de escoamento.

Como q é igual a Ci, a vazão no exutório no tempo t (Q(t)) é


estimada pela equação

𝑄(𝑡) = 𝑞. 𝐴(𝑡) = 𝐶𝑖𝐴(𝑡), 𝑝𝑎𝑟𝑎 𝑡 ≤ 𝑡𝑐

= 𝐶𝑖𝐴𝐵 𝑝𝑎𝑟𝑎 𝑡 > 𝑡𝑐

O modelo acima é a representação mais simples do sistema bacia


hidrográfica e a equação é denominada de equação racional. O
hidrograma efluente, para Ci igual a uma unidade, é denominado de curva
S e tem a forma mostrada na Figura 3.3.

Como falamos de curva S, vamos defini-la:

DEFINIÇÃO A curva S é definida como o hidrograma de


resposta de uma bacia hidrográfica a uma chuva efetiva
unitária de intensidade e duração infinita.

A formulação foi feita para o caso de uma chuva de longa duração


com intensidade constante igual i. Recordando-se que em nossas
simplificações admitimos que o modelo é linear, podemos estimar o
hidrograma para qualquer duração de chuva. Os princípios básicos dos
operadores lineares são derivados dos métodos de soluções de equações
diferenciais com coeficientes constantes, (Kreusig, 1968, citado por Chow
et. al. 1988, p. 204), quais sejam:
Os primeiros modelos 58

FIGURA 3.3 – Representação esquemática do hidrograma no exutório de uma bacia


hidrográfica retangular que recebe como impulso uma chuva de intensidade constante i.

Princípio da proporcionalidade - Se uma solução f(Q) é


multiplicada por uma constante k, a função resultante kf(Q) também é
uma solução.

Princípio da aditividade - Se duas soluções f1(Q) e f2(Q) da


equação são adicionadas, então a função resultante f1(Q) + f2(Q) também
é solução da mesma equação.

Para estimar o hidrograma com chuvas diferentes da apresentada


anteriormente, podemos formar nossa chuva através de adições e/ou
proporções da chuva de duração infinita com intensidade i.

Para uma chuva de duração igual ao tempo de concentração,


fazemos duas chuvas: a chuva 1, iniciando no tempo t=0 e a chuva 2
iniciando no tempo t=tc., ambas com intensidade i1. Se subtrairmos da
chuva 1 a chuva 2, teremos uma chuva com duração tc e intensidade i1.
Assim, se subtrairmos do hidrograma da chuva 1 o hidrograma da chuva 2
teremos o hidrograma da chuva de intensidade i1 com duração tc, como
mostra a Figura 3.4.
Os primeiros modelos 59

FIGURA 3.4 – Obtenção do hidrograma para uma chuva de duração igual ao tempo de
concentração de uma bacia hidrográfica obtida da curva S.

De maneira semelhante, podemos determinar as formas dos


hidrogramas efluentes para chuva com durações inferiores ao tempo de
concentração na bacia.

Considerando-se que se trata de um operador linear, o hidrograma


pode ser obtido pela subtração de dois hidrogramas: o primeiro gerado
por uma chuva contínua de intensidade i iniciando no tempo t=0; o
segundo, o subtraendo, gerado por uma chuva de mesma intensidade
iniciando no tempo t = tc.

O resultado da subtração é o hidrograma de forma trapezoidal


mostrado na Figura 3.5.

Simulação do sistema

Vamos agora simular o sistema com o modelo formulado. Suponha


uma bacia hidrográfica, em Fortaleza, com uma área (A) de 2,0 km 2,
declividade média (S) de 0,006, o rio principal com 3,0 km e um solo com
coeficiente de escoamento C igual a 0,60.

Pede-se para simular o comportamento da bacia para chuvas de


tempo retorno de 10 anos e durações iguais a 0,5 tc, 1,0 tc e 2,0 tc.
Os primeiros modelos 60

FIGURA 3.5 – Obtenção a partir da curva S do hidrograma para uma chuva de duração
inferior ao tempo de concentração de uma bacia hidrográfica.

As equações i-d-f (intensidade-duração-freqüência) para a cidade


de Fortaleza são as seguintes:

528,07𝑇 0,148
𝑖= , 𝑝𝑎𝑟𝑎 𝑡 ≤ 120 𝑚𝑖𝑛
(𝑡 + 1)0,62

onde: i = intensidade em mm/h; t = duração da chuva em minutos; T =


período de retorno em anos

66,93𝑇 0,194
𝑖= , 𝑝𝑎𝑟𝑎 𝑡 > 2ℎ
(𝑡 + 1)0,856

onde i = intensidade (em mm/h); t = duração da chuva (em horas); T =


período de retorno (em anos).

ESTIMATIVA DO TEMPO DE CONCENTRAÇÃO:

Aplicando-se a fórmula de Seely tem-se:

0,371𝐿0,43
𝑡𝑐 = = 40 𝑚𝑖𝑛𝑢𝑡𝑜𝑠
0,0060,19 . 0,6
Os primeiros modelos 61

Estimativa da chuva para durações de 20 min, 40 min e 80min.


Como todas são durações inferiores a duas horas, utilizaremos apenas a
primeira equação. Assim, obtemos:

Para td = 40 minutos

528,076𝑥100,148
𝑖= = 69𝑚𝑚/ℎ
(38 + 6)0,62

Para as outras durações temos:


 td = 20 min, i = 98 mm/h;
 td = 80 min, i = 47 mm/h.

HIDROGRAMA EFLUENTE PARA UMA CHUVA DE 20 MINUTOS DE DURAÇÃO

Para estimar o hidrograma efluente vamos aplicar nosso modelo.


A bacia tem forma retangular com 2,0 km2 de área e 3000m de
comprimento e largura de 666,67 m. A velocidade de escoamento é igual
ao comprimento da bacia (3000 m) dividido pelo tempo de concentração
(40 minutos), o que resulta em uma velocidade de 75m/min. O
hidrograma efluente cresce até o tempo de duração da chuva. Assim, a
vazão máxima é atingida no instante t=td. Nesse tempo a bacia de
contribuição (Ac) e a vazão de pico (Qp) são:

𝐴𝑐 (20) = (𝑣. 𝑡.𝑑 ). 𝐵

𝐴𝑐 (20) = 75(𝑚/min).20𝑚𝑖𝑛. 666.67𝑚 = 1.000.000𝑚2

𝑄𝑝 = 𝐴𝑐 . 𝐶. 𝑖 = 1.000.000𝑚2 . 0,6. (98/(1000.3600)) = 16,33 𝑚3 /𝑠

A partir desse momento, quando cessa a chuva, a área de


contribuição permanece constante até o tempo de concentração (as áreas
mais a montante começam a chegar e as áreas mais a jusante deixam de
contribuir). No tempo t = 40 min a área de contribuição continua a
mesma e portanto a vazão escoada é igual ainda a 16,33 m3/s.

Daí em diante a área de contribuição diminui linearmente até o


tempo tc + td quando atinge o valor zero.

HIDROGRAMA EFLUENTE PARA UMA CHUVA DE 40 MINUTOS DE DURAÇÃO

O hidrograma efluente cresce até o tempo de concentração (igual


à duração da chuva), e inicia a recessão que dura até o dobro do tempo
Os primeiros modelos 62

de concentração quando cessa toda a contribuição. Assim, a vazão


máxima é atingida no instante t = td = tc Nesse tempo a bacia de
contribuição (Ac) e a vazão de pico (Qp) são:

𝐴𝑐 (40) = (𝑣. 𝑡.𝑑 ). 𝐵

𝐴𝑐 (40) = 75(𝑚/min).40𝑚𝑖𝑛. 666.67𝑚 = 2.000.000𝑚2

𝑄𝑝 = 𝐶. 𝑖. 𝐴𝑐 . = 0,6 ∗ 2.000.000𝑚2 . (69/(1000 ∗ 3600)) = 23,0 𝑚3 /𝑠

No instante 2tc a vazão efluente atinge o valor zero.

HIDROGRAMA EFLUENTE PARA UMA CHUVA DE 80 MINUTOS DE DURAÇÃO

O hidrograma efluente cresce até o tempo de concentração;


permanece constante até o tempo de duração da chuva. A partir de então
inicia a recessão até que a vazão se anula no instante t = td + tc. Assim, a
vazão máxima é atingida no instante t=t d = tc. Nesse tempo a bacia de
contribuição (Ac) e a vazão de pico (Qp)são:

𝐴𝑐 (20) = (𝑣. 𝑡.𝑑 ). 𝐵

𝐴𝑐 (40) = 75(𝑚/min).40𝑚𝑖𝑛. 666.67𝑚 = 2.000.000𝑚2

𝑄𝑝 = 𝐴𝑐 . 𝑖 = 2.000.000𝑚2 . (47/(1000.3600)) = 15,57 𝑚3 /𝑠

A Figura 3.6 apresenta os hidrogramas efluentes para as três


chuvas simuladas. Podemos observar que a maior vazão ocorre no tempo
de concentração para uma chuva de duração igual a tc. Por essa razão os
hidrólogos costumam utilizar a chuva de projeto com duração igual ao
tempo de concentração.

Contudo, esse resultado decorre da premissa de desconsiderar o


processo de difusão. Assim, para bacias médias e grandes é recomendável
adotar uma duração superior a tc para a chuva de projeto.
Os primeiros modelos 63

FIGURA 3.6 – Hidrogramas efluentes de uma bacia hidrográfica


retangular com chuvas de durações iguais tc/2; tc e 2tc.

Limitações da fórmula racional: Ao se modelar um sistema é


importante colocar os limites de sua validade, isto é, as premissas
utilizadas em sua formulação. A aplicação do método racional para
estimar as vazões em uma bacia hidrográfica pressupõe que foram
adotadas as seguintes simplificações: 1) a chuva é uniformemente
distribuída em toda a bacia hidrográfica; 2) a intensidade da chuva é
constante durante todo o intervalo de duração; 3) não há armazenamento
de água durante o escoamento, isto é, não ocorre o processo de difusão.

De acordo com Ponce (1989, p. 119) não há consenso sobre os


limites de aplicabilidade da fórmula racional. Valores variando de 0,65 a
12,5 km2 têm sido encontrados na literatura, porém a tendência atual é
adotar limite superior de 2,5 km2.

Em síntese, o método racional pode ser aplicado em pequenas


bacias hidrográficas (<2,5 km2) nas quais são válidas as premissas de
chuva uniforme no tempo e no espaço e ausência de processos de
armazenamento. Isso não significa que você não possa aplicar a fórmula
racional para uma área de, por exemplo, 3,0 km2. Tudo é uma questão de
bom senso do analista diante dos dados do projeto.
Os primeiros modelos 64

DESAFIO Desenvolver um modelo para


representar o escoamento em uma pequena
bacia hidrográfica de forma triangular com base
b e altura h. Utilize a mesma sistemática
apresentada para a bacia retangular. Escreva as
simplificações, os processos hidrológicos e a
equação do escoamento no exutório. Considere
uma chuva P de duração igual ao tempo de
concentração na bacia. Considere agora uma
nuvem provocando uma chuva de intensidade
constante i deslocando-se de montante para
jusante com velocidade constante v. Faça uma
descrição do sistema e procure conceber um
modelo.

BALANÇO HÍRICO DE HORIZONTE LONGO

Considere que você está interessado em descrever o sistema de


uma bacia hidrográfica e em compreender bem os processos hidrológicos
que ocorrem na bacia.

Considere a bacia hidrográfica como um sistema fechado,


alimentado somente por precipitações pluviais. Com os dados de séries
históricas, procure fazer um balanço hídrico da bacia, em termos médios,
para saber como as águas se dividem em evapotranspiração, escoamento
superficial e percolação profunda.

Imagine um sistema dividido em subsistemas e faça uma listagem


dos dados relevantes.

A concepção do sistema

Vamos inicialmente focar nosso interesse nos processos


hidrológicos que ocorrem no meio físico (bacia hidrográfica). Para tanto,
seja uma bacia de área A sobre a qual precipita uma lâmina média anual,
de longo termo, denotada por P. Na nossa premissa de sistema fechado,
essas águas constituem-se na única entrada de água no sistema. O termo
P é denominado potencial hidráulico da bacia.
Os primeiros modelos 65

O sistema dá as seguintes respostas a essa lâmina precipitada:


 Uma parte (Ev) permanece na superfície em depressões do solo e
retidas nas folhas das vegetações; essas águas logo são evaporadas
e retornam à atmosfera;
 Outra parte escoa superficialmente (Esup) formando os rios e riachos
e deixam a bacia na foz do rio principal;
 O restante infiltra-se no solo (I) e divide-se em duas partes:
o As águas retidas nas camadas superiores dos solos são
consumidas através da evaporação da superfície dos solos,
aonde chegam por capilaridade; ou através das plantas, por
sucção do sistema radicular (ET);
o As águas que percolam em profundidade alimentam os
lençóis freáticos e se deslocam sob a forma de escoamento
subterrâneo (Esub). Essas águas podem reaparecer mais a
jusante na forma de escoamento superficial.

Temos então a equação:

𝑃 = 𝐸𝑉 + 𝐸𝑆𝑈𝑃 + 𝐼 = 𝐸𝑣 + 𝐸𝑆𝑈𝑃 + (𝐸𝑆𝑈𝐵 + 𝐸𝑇)

A qual pode ser reescrita na forma:

𝑃 = (𝐸𝑉 + 𝐸𝑇) + ( 𝐸𝑆𝑈𝑃 + 𝐸𝑆𝑈𝐵 )

Os dois primeiros termos da equação (Ev e ET) referem-se às


águas que se fixam no solo e retornam à atmosfera do mesmo local onde
precipitaram. Por esse motivo, esse conjunto é denominado de Potencial
Hidráulico Fixo (PHF).

Por outro lado, os dois últimos termos são águas que se


movimentam ao longo da bacia, na superfície e no subsolo. Essas águas
podem ser usadas em qualquer ponto da bacia desde que haja uma
estrutura hidráulica para movimentá-las. A esse termo, denominamos de
Potencial Hidráulico Móvel (PHM).

Formulação do modelo

Vamos agora estabelecer a metodologia para estimar os termos


que formam a equação do potencial hidráulico. Lembramos que estamos
procurando estimar como as águas precipitadas se dividem entre os
potenciais hidráulicos móvel e o potencial hidráulico fixo.
Os primeiros modelos 66

ESTIMATIVA DO POTENCIAL HIDRÁULICO (P)

O potencial hidráulico, volume médio anual precipitado na bacia do


Jaguaribe é estimado pelo produto da precipitação média anual vezes a
área da bacia hidrográfica. No caso, temos séries históricas de longa
duração em vários locais da bacia hidrográfica. Aplicamos o método de
Thiessen e temos a média de longo horizonte.

ESTIMATIVA DO POTENCIAL HIDRÁULICO MÓVEL PHM (ESUP+ESUB)

Vamos estimar os dois termos individualmente.

Estimativa de Esub - O escoamento subterrâneo é de difícil


avaliação, para o qual nem sempre há medições disponíveis. Em nosso
balanço utilizamos as avaliações procedidas pelos estudos hidrogeológicos
do vale do Jaguaribe (SUDENE, op. cit.) as quais usam fórmulas de
escoamento subterrâneo com avaliação dos volumes dos aqüíferos.

Estimativa do Esup - O escoamento superficial é estimado por meio


de séries históricas de vazões medidas. A ocupação das bacias
hidrográficas, com reservatórios e áreas urbanas, resulta em mudanças
nos processos hidrológicos.

Nos locais onde ocorreram mudanças significativas na bacia, as


séries de vazões não são estacionárias. Quando queremos estimar o
balanço hídrico para as condições naturais as séries mais antigas, são as
mais representativas. De qualquer modo, um cuidado especial deve ser
tomado pelo analista no uso dessas informações.

ESTIMATIVA DO POTENCIAL HIDRÁULICO FIXO (EV+ET)

Esse termo poderia ser calculado pela soma dos dois elementos.
Contudo, para a situação e os dados disponíveis na bacia do Jaguaribe não
seria a maneira mais razoável. Nesse caso, seguindo a metodologia da
SUDENE(op.cit.) estimamos e PHF pela diferença entre o PH e o PHM.

Simulação do sistema

Vamos considerar a bacia do rio Jaguaribe como sendo o nosso


objeto da análise, para a qual utilizaremos os dados da SUDENE(1967,
p.27-28). Vamos calcular os termos da Equação do balanço hídrico.
Os primeiros modelos 67

O POTENCIAL HIDRÁULICO (P)

Com a área da bacia de 72.000 km2 e uma precipitação média


anual de 700mm, o volume médio anual precipitado (P) é de:

P = 72.000 x 106 x 0,70 = 50,4 bilhões de metros cúbicos/ano

Em síntese, em média a bacia do rio Jaguaribe recebe 50,4 bilhões


de metros cúbicos anuais. Este número representa o máximo possível de
água que pode ser apropriada pela sociedade para usos utilitários.

O POTENCIAL HIDRÁULICO MÓVEL (PHM)

Vamos estimar esse termo pela soma de suas partes: o


escoamento superficial e o escoamento subterrâneo.

Termo Esup (Escoamento superficial)

Para efeito desse cálculo, selecionamos três áreas nas quais


dispomos de vazões naturais observadas e a partir delas estimamos o
escoamento para toda a bacia. Dispomos de dados observados para: rio
Jaguaribe acima do reservatório Orós; para a bacia do rio Salgado e para
a bacia do rio Banabuiu. Vamos aos cálculos.

Bacia do Jaguaribe em Orós – Os estudos da bacia do rio


Jaguaribe em Orós elaborados pela Hidroservice, com base em medições
de vazões no período 1922 a 1960, estimaram uma lâmina média anual
de 37,4mm de escoamento superficial. Considerando a grande quantidade
de pequenos açudes que já naquela época existia na bacia, a
Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) estimou a
lâmina média escoada em 45,0 mm, caso não houvesse os pequenos
açudes.

Bacia do Salgado – Com os dados fluvioméricos de 1913 -1963 do


rio Salgado em Icó, a SUDENE (op.cit.) estimou a lâmina média escoada
em 66 mm. Considerando os consumos e as retenções em açudes, o valor
para vazões naturais foi estimado em 70 mm/ano.

Bacia do Banabuiu – A SUDENE (op.cit.) estimou a lâmina escoada


em 60 mm, tendo por base os dados fluviométricos do rio Banabuiu em
Senador Pompeu.
Os primeiros modelos 68

Bacia do Jaguaribe – O Com base nesses estudos, A SUDENE


(op.cit., p. 27) estimou o escoamento médio para a bacia do rio Jaguaribe
em 55mm ou 0,055m.

Dessa forma, o volume médio de escoamento superficial na bacia


do Jaguaribe é de:

Esup = 72.000x106x0,055 = 3,96 bilhões de metros cúbicos.

Termo Esub Escoamento subterrâneo.

A bacia do rio Jaguaribe é muito pobre em termos de potencial de


águas subterrâneas. Grande parte de subsolo é cristalino, com alguns
poucos sedimentos no sul (Chapada do Araripe), próximo a embocadura
(Chapada do Apodi), algumas áreas aluviais, nas áreas de dunas em
Aracati e Fortim e outras pequenas manchas.

O estudo hidrogeológico da SUDENE (op.cit., p. 28) estimou esse


termo em cerca 100 milhões de metros cúbicos.

Esub = 100 milhões de metros cúbicos.

Dessa forma, o Potencial Hidráulico Móvel (PHM) pode ser


estimado pela soma dos escoamentos superficial e subterrâneo:

PHM = Esup + Esub = 4,06 bilhões de metros cúbicos.

Termo Ev + ET

O termo Ev + ETP, que representa o Potencial Hidráulico Fixo


(PHF), é estimado pela diferença entre o Potencial Hidráulico e o Potencial
Hidráulico Móvel:

Ev + ETP = P – PHM = 50,4 – 4,06 = 46,34 bilhões de metros cúbicos

Em termos percentuais, conclui-se que 92% do volume precipitado


no vale do Jaguaribe é alocado pela natureza no potencial hidráulico fixo e
apenas 8% pode ser utilizado no potencial hidráulico móvel. Esse
resultado está sintetizado na Figura 3.7.
Os primeiros modelos 69

Potencial
hidráulico

P = 50,4 bi m3

Potencial Potencial
hidráulico móvel Hidráulico Fixo.
PHM =4,06 bi m3
PHF = 46,34 bi

FIGURA 3.7 – Síntese do balanço hídrico de longo horizonte na


bacia do rio Jaguaribe no Ceará.

Estudo semelhante feito para a bacia Parisiense e para a Tunísia


chegou aos seguintes resultados (SUDENE op.cit.):

Região Parisiense – PHM = 25 bilhões (53,3%); PHF = 22 bilhões


(46,7%).

Tunísia: PHM = 30 bilhões (92,0 %); PHF = 2,6 bilhões (8,0%).

Em termos percentuais a Tunísia tem comportamento semelhante


ao Nordeste enquanto que na região parisiense há um percentual bem de
volume escoado.

É interessante observar como a sociedade dos sertões nordestinos


se apropriou, na medida do possível, do potencial hidráulico fixo. Eles
costumam plantar as denominadas culturas de sequeiro. As raízes usam
parte do potencial hidráulico fixo para a produção agrícola.

SÍNTESE

Nesse capítulo apresentamos a base conceitual introdutória para o


aprendizado da modelagem em bacias hidrográficas. Foram desenvolvidos
apresentados dois modelos: um, para horizonte de tempo curto, estima a
vazão instantânea (vazão de pico) em uma pequena bacia hidrográfica,
Os primeiros modelos 70

outro, na escala de tempo anual, estima o balanço hídrico em uma grande


bacia hidrográfica.

O modelo de horizonte curto está no foco do presente curso e será


mais desenvolvido nos próximos capítulos. O modelo de horizonte longo,
foi apresentado com objetivo de mostrar as diferenças no processo de
modelagem decorrentes de mudanças na escala de tempo. Observe que
no modelo de escoamento superficial não se falou em evaporação, por sua
insignificância. Por outro lado, no modelo do balanço hídrico, a evaporação
desempenha papel extremamente relevante e consome a maior parte dos
recursos hidráulicos da bacia analisada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHOW, Ven Te, MAIDMENT, David R. e MAYS, Larry, W. Applied Hydrology.


New York: McGraw Hill, 1988. 572 p.
HATHAWAY, G.A. Symposium on Military Airfields–Design of Drainage
Facilities. Transactions of American Society of Civil Engineers, v. 110, p.697–
733, 1945.
KIRPICH, Z.P. (1940). Time of concentration of small agricultural watersheds.
Civil Engineering . vol. 10.junho p.362
MATA-LIMA, Hernander et al. Comportamento hidrológico de bacias
hidrográficas: Integração de métodos a um estudo de caso. Revista Escola de
Minas, Ouro Preto, Ouro Preto, v. 3, n. 60, p.525-536, set. 2007. Trimestral.
MIRANDA, Ricardo Augusto Calheiros, Pereira, Fernando Reiszel e Monat,
André Soares. Interceptação de chuva em cafés adensados da região serrana
Centro-Norte Fluminense. Revista Brasileira de Agrometeorologia, Santa Maria,
RS, v.12, n. 2, p.283-288, 2004.
SUDENE. Estudo Geral de Base do Vale do Jaguaribe. Política das Águas. 242p.
Recife. 1967
______________________________________CAPÍTULO 4

Porém, como seria se assim fosse?

Nilson Campos

CHUVAS E CHEIAS DE PROJETO

INTRODUÇÃO

Ao se projetar uma estrutura hidráulica, normalmente são


estabelecidos critérios para delimitar a cheia que a obra deverá suportar.
Por exemplo, o dimensionamento do vertedouro de um grande
reservatório é feito, geralmente, para uma cheia de período de retorno de
10.000 anos ou para uma cheia máxima provável. Por outro lado,
estruturas de drenagem urbana, como uma rede de galerias pluviais, são
dimensionadas para vazões de períodos de retorno de 10 a 20 anos.

Há várias metodologias usadas para se calcular a cheia de projeto.


Quando se dispõe de séries de vazões instantâneas, suficientemente
longas, pode-se fazer um estudo estatístico e calcular a cheia para um
determinado período de retorno. Porém, na maioria das vezes não se
dispõe desses dados, mas sim de séries de precipitações pluviais. Nessas
situações, a alternativa mais utilizada é a determinação da chuva de
projeto por métodos estatísticos e a partir dessa a estimativa da cheia de
projeto por modelo de transformação de chuva em deflúvio.

Nesse capítulo apresentamos os conceitos de chuva de projeto e


de cheia de projeto com as respectivas metodologias de cálculo.
Primeiramente, apresentam-se as premissas de projetos usadas na
Engenharia Hidrológica para diferentes tamanhos de bacia hidrográfica.
Em seguida aborda-se a questão da segurança da obra hidráulica; depois
se trata a temática do total da chuva de projeto e da forma dessa chuva;
e conclui-se com a cheia de projeto.
Chuvas e cheias de projeto 72

A ESCALA DA BACIA HIDROGRÁFICA

A seleção de um evento de precipitação como chuva de projeto é


baseada, tipicamente, em premissas relacionadas ao total, à duração e às
distribuições espacial e temporal das chuvas. Normalmente, em
Engenharia, essas premissas são adotadas para categorizar a bacia
hidrográfica em grande, média ou pequena. No mundo real as chuvas
variam de local a local ao longo da bacia hidrográfica, enquanto que a
intensidade varia de instante a instante ao longo do evento.

Do ponto de vista do planejamento de recursos hídricos, procura-


se responder às seguintes questões: quais são as características
importantes das bacias hidrográficas, associadas ao evento, para a
definição da chuva de projeto? Quais as premissas simplificadoras usadas
para classificar as bacias hidrográficas?

Na Engenharia Hidrológica as seguintes premissas podem ser


adotadas: 1) a precipitação é constante ao longo do espaço e do tempo;
2) a precipitação é constante no espaço e variada no tempo; 3) a
precipitação varia no espaço e no tempo.

Para decidir quais as premissas a adotar para uma determinada


bacia hidrográfica, utilizam-se os critérios relacionados ao tamanho da
bacia e ao seu tempo de concentração.

Bacias hidrográficas pequenas

As seguintes premissas são aceitas para modelar uma bacia


hidrográfica pequena: 1) a chuva é uniformemente distribuída no tempo;
2) a chuva é considerada uniformemente distribuída no espaço; 3) a
duração da chuva não excede o tempo de concentração da bacia; 4) o
escoamento é formado principalmente pelo escoamento superficial difuso;
5) os processos de armazenamento nos canais são negligenciáveis
(PONCE, 1989, p.118).

Não se pode estabelecer o limite superior do que seja uma


pequena bacia hidrográfica, sem ser de algum modo arbitrário. Na
literatura técnica, encontra-se em muitos textos o limite de 2,5 km 2
(PONCE, 1989, p. 119; NZEWI, 2001, p. 4.4). Em termos do tempo de
concentração, Ponce (op.cit., p. 119) afirma que muitos autores
consideram uma hora como o limite superior para uma bacia pequena.
Chuvas e cheias de projeto 73

Observe que ao desconsiderar os efeitos de acumulação das águas


em canais e considerar a chuva com intensidade constante no tempo e no
espaço, a vazão máxima ocorre quando a duração da chuva é igual ao
tempo de concentração da bacia. Por essa razão é que para as pequenas
bacias hidrográficas adota-se para a chuva de projeto uma duração igual
ao tempo de concentração da bacia.

Bacias hidrográficas médias

Na modelagem das bacias médias adotam-se as seguintes


características: 1) intensidade da chuva é variável durante o evento; 2) a
distribuição da chuva é uniforme no espaço; 3) o escoamento total é
composto pelo escoamento superficial difuso mais o escoamento de canal
(concentrado); 4) os processos de armazenamento em canais são
negligenciáveis (PONCE, 1989, p. 153).

Quanto ao limite superior para bacias médias, já não há tanta


concordância entre autores. Segundo Ponce (op.cit., p. 54), os valores
encontrados na literatura variam de 100 a 5.000 km2. Embora não haja
consenso, a tendência atual é que se adote o limite inferior de 100 km2.

Para considerarmos a hipótese de armazenamentos em canais em


nosso modelo, devemos ter para a chuva uma duração superior ao tempo
de concentração (tc) da bacia, pois a vazão máxima ocorre após esse
tempo. Assim, a consideração de uma chuva de duração igual a duas ou
três vezes o tempo de concentração da bacia, pode ser uma hipótese
razoável.

Bacias hidrográficas grandes

Para as grandes bacias hidrográfica adotam-se as seguintes


premissas na formulação de um modelo matemático: 1) a intensidade da
chuva varia durante o decorrer do evento, isto é, varia com o tempo; 2) a
chuva pode variar ao longo da bacia, isto é variam no espaço; 3)o
escoamento total é composto pelo escoamento superficial difuso mais o
escoamento de canal (concentrado); 4) os processos de armazenamento
em canais são significativos (PONCE, 1989, p.153).
Chuvas e cheias de projeto 74

Resumo

A classificação das bacias hidrográficas segundo seus tamanhos


estão sintetizados na Tabela 4.1. Devemos tomar esses valores como
referência e não como um limite rígido de classificação. Aliás, essa é uma
constante na prática da Engenharia. O bom senso do projetista deve
sempre prevalecer

Ao adotar as premissas de projeto, o projetista deve analisar bem


os objetivos e as características da área em estudo. Por exemplo, em
muitas bacias hidrográficas há um número significativo de reservatórios
de acumulação e a premissa de negligenciar o processo de
armazenamento pode não ser válida. Em projetos de drenagem urbana é
comum a construção de reservatórios de amortecimento de cheias
(piscinões) e também nesse caso o processo de difusão é importante.

TABELA 4.1 Premissas na modelagem de bacias hidrográfica os processos


hidrológicos segundo o tamanho da bacia.

Tamanho Distribuição Distribuição Processo de Processo de


da bacia temporal da espacial da acumulação escoamento
chuva chuva (difusão)
Pequena Constante Uniforme Negligenciáveis Escoamento
A < 2,5 difuso
km2
Média Variável Uniforme Negligenciáveis* Escoamento
2,5 km2< difuso +
A < 100 escoamento
km2 em canais
Grande Variável Variável Importantes Escoamento
A > 100 difuso +
km2 escoamento
em canais

A SEGURANÇA DA OBRA HIDRÁULICA

O conceito de segurança de uma obra hidráulica está relacionado,


no sentido complementar, ao conceito de risco ou probabilidade de falha
da estrutura. Para as obras menores, nas quais a falha não implica em
grandes desastres, aceitamos um risco maior. Para grandes obras, nas
quais o rompimento implica em perdas de vidas humanas, os riscos
aceitos são bem menores. A grandeza estatística usada para mensurar
esses riscos é o tempo de retorno. Há também, no aspecto segurança, a
Chuvas e cheias de projeto 75

busca do que seria risco zero, o qual está associado ao conceito de cheia
máxima possível ou cheia máxima provável.

O tempo de retorno

O tempo de retorno, ou período de retorno, é definido como o


tempo médio no qual um determinado evento é igualado ou superado, em
uma série muito longa de observações. Em geral, esse tempo é avaliado
em anos

Assim, se dissermos que o período de retorno de uma cheia é de


20 anos, estamos dizendo que se as condições atuais persistirem
indefinidamente, aquele evento será igualado ou superado, em média,
uma vez a cada 20 anos.

A seleção de um período de retorno para o dimensionamento de


uma dada estrutura hidráulica depende do custo da obra e dos danos
envolvidos com a sua rotura. Ora, uma cheia de projeto, a par dos
exercícios acadêmicos, é utilizada para dimensionar uma obra que tem
custos e consequências. Normalmente os projetos das obras hidráulicas,
especialmente das grandes obras, são contratados por uma instituição
pública a uma firma de consultoria. O hidrólogo responsável pelo
dimensionamento da obra deve simular o comportamento da estrutura
para uma dada cheia de projeto. Porém, como escolher o período de
retorno da cheia?

Há várias possibilidades: 1) o contratante especifica nos termos de


referência de contratação da obra o período de retorno com a qual a
mesma deve ser dimensionada; 2) o contratante tem um manual no qual
especifica os tempos de retorno a serem utilizados para os diversos tipos
de obras que contrata; 3) o contratado deve selecionar o período de
retorno para dimensionar a obra. Nesse último caso, o hidrólogo deve
justificar a escolha em função dos custos e dos riscos envolvidos em caso
de rotura.

Na literatura técnica não há unanimidade sobre a seleção do


tempo de retorno, porém também não há grandes discrepâncias.
Diferentes indicações de tempos de retorno para as obras hidráulicas
podem ser encontradas. De fato, esses critérios deveriam ser
estabelecidos pelas instituições públicas que contratam as obras, o que
infelizmente é raro. Assim, apresentamos na Tabela 4.2 os valores
propostos por Chow et al. (op. cit., p. 419).
Chuvas e cheias de projeto 76

TABELA 4.2- Critério generalizado para projetos de estruturas hidráulicas,


segundo Chow et. al. (1988, p. 419)
Importância/intensidade de
Tipo de obra TR(anos) VLE(%)
uso
Tráfego leve 5 – 10

Bueiros em rodovias Tráfego médio 10 – 25

Tráfego intenso 50 – 100

Sistema secundário 10 – 50
Pontes em rodovias
Sistema primário 5 – 100

Bueiros 5 – 50
Drenagem rural
Diques 5 – 50

Tráfego leve 5 – 10

Aeroportos Tráfego médio 10 – 25

Tráfego intenso 50 – 100

Em fazendas 2 – 50
Diques de proteção
Em cidades 50 -200

Pequenas barragens 50 – 100


Barragens sem
envolver riscos de Barragens médias ≥100
perdas de vidas
Grandes barragens 50-100

Pequenas barragens 50
Barragens com
prováveis riscos de Barragens médias 50-100
perdas de vidas
Grandes barragens 100

Pequenas barragens 50-100


Barragens com
consideráveis riscos Barragens médias 100
de perdas de vidas
Grandes barragens 100

NOTA: O termo VLE refere-se ao valor limite estimado, que é o equivalente ao


Cheia máxima possível. Será visto nas próximas seções.
Chuvas e cheias de projeto 77

A chuva/cheia máxima provável

Em projetos de grandes reservatórios, para os quais o rompimento


da barragem pode significar verdadeiras catástrofes em termos de vidas
humanas, é comum que o dimensionamento do vertedouro seja feito
aplicando o conceito de precipitação máxima provável (PMP).

A Sociedade Americana de Meteorologia - AMS (1969) define PMP


como “a maior lâmina de precipitação que teoricamente é fisicamente
possível de ocorrer, com certa duração, em uma determinada área de
drenagem, em uma dada época do ano.” Por sua vez, a Organização
Meteorológica Mundial – OMM (1983) define precipitação máxima provável
como “a quantidade de precipitação que é próxima ao limite físico
superior, para uma dada duração, sobre uma específica bacia
hidrográfica.”

Chow et al. (op. cit., pp. 471- 487) apresentam diversos métodos
de cálculo da PMP, tais como: 1) aplicação de modelos de tempestades; 2)
maximização de tempestades ocorridas; 3) cartas generalizadas de PMP
para os Estados Unidos (não existem para o Brasil).

O valor limite estimado

O valor limite superior de um evento hidrológico não pode ser


infinito. Com base nessa tese, hidrologistas têm defendido a adoção do
valor limite estimado (VLE) como um critério para dimensionamento de
grandes barragens. O valor limite estimado é definido como a “maior
magnitude possível para um evento hidrológico, em um dado local,
baseado nas melhores informações hidrológicas disponíveis.”

O termo valor limite estimado representa, de fato, uma nova roupagem do


termo cheia máxima possível, o qual foi objeto de muitas discussões
acadêmicas entre os seguidores da escola determinística e os adeptos da
escola probabilística.

Na Tabela 4.2, a segurança de grandes barragens é definida em


função do valor limite estimado(VLE). Para as pequenas barragens, por
exemplo, a tabela recomenda utilizar uma chuva de projeto igual a 50%
do VLE. A prática é dimensionar essas obras para tempos de retorno entre
50 e 100 anos. Surge a questão: usar 50% do VLE para a chuva é mais ou
menos seguro do que usar uma cheia milenar?
Chuvas e cheias de projeto 78

Cheia máxima possível ou máxima provável?

A discussão sobre o conceito de cheia máxima


possível, ou provável, guarda muita semelhança com
o debate entre filósofos sobre os limites do
conhecimento humano. Alguns defendiam que o
limite do conhecimento é tudo que existe. Outros
defendiam que esse limite é inerente à capacidade do
ser humano. Em Hidrologia, no início dos debates, as
escolas determinísticas defenderam o conceito de
chuva máxima possível. Como nunca era possível
achar o valor exato desse limite, passou-se a adotar
o termo chuva máxima provável que incorporava
métodos estatísticos e empíricos, os quais não
usavam conceitos físicos. Mais recentemente surgiu o
termo Valor Limite Estimado, o qual, por definição,
deve ser estimado com critérios físicos. Em
Hidrologia, se chegarmos a um consenso, será que
esse Valor Limite Estimado(VLE) existe? Será que o
atual limite do conhecimento humano não nos
permite conhecê-lo?

A ALTURA DA CHUVA DE PROJETO

A chuva de projeto, como informação para a estimativa da cheia


de projeto, deve conter as seguintes características: o total da
precipitação, a duração da precipitação e a sua distribuição temporal.

A sequência de cálculo consta das seguintes etapas: 1)seleciona-


se o período de retorno, ou frequência, da chuva em função da
importância e riscos envolvidos com a rotura da obra; 2) determina-se a
duração da chuva em função, basicamente, do tamanho da bacia
hidrográfica; 3)determina-se a altura da chuva para a duração e a
frequência estabelecida; 4) determina-se a maneira como a chuva se
distribui no tempo. Nessa seção tratamos dos totais da chuva deixando
para mais adiante a distribuição da chuva no tempo.
Chuvas e cheias de projeto 79

As equações intensidade-duração-frequência (idf)

A equação intensidade x duração x frequência (idf) é uma


ferramenta de grande utilidade na simulação de bacias hidrográficas para
determinação do total da chuva com uma dada duração e um período de
retorno especificado.

As equações são obtidas a partir de dados históricos de


pluviogramas e geralmente são aceitas por instituições de recursos
hídricos que contratam os projetos.

A equação tem a seguinte forma geral:

𝐾(𝑇𝑅 )𝑚
𝑖=
(𝑡𝑑 + 𝑐)𝑛

onde i denota a intensidade média da chuva, TR o tempo de retorno, td a


duração da chuva e K, m, n e c são os parâmetros da equação.

As equações são obtidas por metodologias clássicas apresentadas


nos textos básicos de Hidrologia. A Tabela 4.3 apresenta valores dos
parâmetros de equações idf para diversos locais do Brasil.

O método de Taborga-Torrico

Na década de 1970, quando se iniciou no Brasil um grande


programa de construção de rodovias, os engenheiros perceberam que
havia carência de dados de chuvas intensas de durações menores do que
um dia. Esses dados são necessários para o dimensionamento hidrológico
de obras de arte do tipo bueiros e pontes. Nesse contexto foi contratado o
Engenheiro Taborga Torrico para propor soluções.

A análise de equações de chuvas no mundo mostra que há uma


tendência de que as curvas de probabilidade de chuvas de diferentes
durações se mantenham paralelas. Baseado nessa premissa, Taborga
Torrico (1974) desenvolveu um método para estimar as chuvas intensas
de durações menores do que 24 horas a partir de dados de pluviômetros.

O paralelismo referido pode ser representado pela equação:


Chuvas e cheias de projeto 80

𝑖𝑡1
𝑟𝑡1/𝑡2 =
𝑖𝑡2
r é a constante de paralelismo que varia com a região e it1 e it2
representam as intensidades para durações t1 e t2.

TABELA 4.3 Valores dos parâmetros das equações i-d-f para diversos locais do Brasil

Local K M(b) N(d) C Observação

SDU-AUMEF
Fortaleza 528,076 0,148 0,62 6,0
(1985)
Fortaleza t> 120 min SDU-AUMEF
66,932 0,194 0,856 1,0
i em mm/h (1985)
Bezerra e Castro
Belo Horizonte 1447,87 0,1 0,84 20,0
(2009)
Bezerra e Castro
Natal 502,47 0,1431 0,606 10,8
(2009)
Bezerra e Castro
Nova Friburgo 2629,477 0,236 0,975 24,664
(2009)
Bezerra e Castro
Recife 335 0,218 0,539 5,0
(2009)
Bezerra e Castro
São Carlos (Santa Eudoxia) 2000 0,138 0,828 22,281
(2009)
Bezerra e Castro
São Paulo (Cid universitária) 1646,12 0,128 0,856 15,722
(2009)
Bezerra e Castro
Vitória 4003,611 0,203 0,931 49,997
(2009)
Rio de Janeiro Via 11 23,72 0,196 0,796 14,58 Castro (2005)
Bezerra e Castro
Quixeramobim, Ce 2847,22 0,30 0,97 43,0
(2009)
Macaé 444,258 0,263 0,655 6,266 Silva, D.D (1999)

Chapecó 1 (t<120 min) 846,1 0,155 0,739 9,2 Back 2006

Chapecó 2 (120<t<480 min) 1542,1 0,181 0,84 28,0 Back 2006

Chapecó 3 (t>480 min) 1100 0,166 0,782 0,0 Back 2006

Taborga dividiu o Brasil em isozonas e criou o método, que


recebeu seu nome. Esse método tem sido muito aplicado em estudos
hidrológicos, particularmente em rodovias e no dimensionamento de
pequenos e médios reservatórios.

Os cálculos são executados nas seguintes etapas:


 compilam-se os dados de chuvas máximas diárias dos postos
pluviométricos da região em estudo;
Chuvas e cheias de projeto 81

 calcula-se, para cada posto, por um método estatístico aplicável


(Gumbel, Lognormal, Gama, etc.) a chuva de um dia para o período
de retorno de projeto;
 determina-se, com o polígono de Thiessen, a média ponderada por
área dos postos das chuvas diárias máximas;
 converte-se a chuva média de um dia (pluviômetro) em chuva de 24
horas multiplicando-se por 1,10;
 determina-se na Figura 4.1 a isozona correspondente ao projeto,
 na Figura 4.1 obtêm-se os coeficientes para conversão das chuvas
de 24 horas em chuva de uma hora e de seis minutos;
 estimam-se as chuvas de uma hora e de seis minutos multiplicando-
se os coeficientes obtidos pela chuva de 24 horas;
 traçam-se, no papel de probabilidade, as precipitações de 24h, seis
horas e uma hora.
 A partir do gráfico pode-se obter a chuva para qualquer duração
entre 24 horas e seis minutos.
 Ao se obter o gráfico, passa-se a desfrutar de uma situação
semelhante à que se tem quando se dispõe da equação idf. As
diferenças estão na precisão dos resultados (a idf supostamente é
mais precisa) e mais direta no cálculo.

O PLUVIA, programa desenvolvido na UFC, permite calcular chuvas


intensas utilizando os métodos de Taborga, Otto Pfafsteter e as equações
de chuva em algumas localidades (CARNEIRO et al., 2002).

Métodos para altura de chuva x tempo de retorno

Para a aplicação do método de Taborga, apresentado na seção


anterior, são necessários estudos estatísticos de chuvas máximas diárias
estimadas com dados de pluviômetros. As chuvas de um dia para
determinados períodos de retorno são estimadas pelos métodos
estatísticos clássicos.

Os métodos estatísticos utilizam séries históricas para a estimativa


das chuvas de um dado período de retorno. Há duas abordagens: os
estudos frequenciais, ou empíricos, que trabalham com as frequências
observadas nas séries históricas e os estudos analíticos que utilizam séries
históricas para determinar, no sentido estatístico, os regimes de chuvas e
determinar a chuva de projeto.
Chuvas e cheias de projeto 82

a)

b)
b)

FIGURA 4.1 a) Isozonas do método de Taborga, b) coeficientes de desagregação


das chuvas de um dia em chuvas de menores durações.
Chuvas e cheias de projeto 83

Há muitas distribuições estatísticas aplicadas em Hidrologia como


a Normal, a Lognormal, a Gama, Pearson III, a LogPearson III e a de
valores extremos I, II e III, entre outras. Vamos agora descrever algumas
delas.

DISTRIBUIÇÃO NORMAL

É uma das distribuições mais aplicadas em Hidrologia. A Normal


tem a forma de sino, é simétrica em torno da média; tem dois
parâmetros, a média () e o desvio padrão ().

Em estudos de valores extremos, como o de cheias, onde a


assimetria da variável aleatória é significativa, a Normal não deve ser
empregada, pois conduz a subdimensionamentos. A grande vantagem da
Normal decorre do teorema central do limite que estabelece que uma
variável formada pela soma de n variáveis independentes tende a uma
distribuição normal quando n é suficientemente grande. Em Hidrologia a
Normal é aplicada em estudos probabilísticos de precipitações anuais.

A função densidade de probabilidade da distribuição Normal tem a


forma:

1 (𝑋−𝜇)2

𝑓(𝑥) = 𝑒 2𝜎 2
√2𝜋𝜎
X representa a variável aleatória em análise,  e  os parâmetros da
distribuição.

Na estimativa dos parâmetros da Normal, pelo método dos


momentos ou pelo método de máxima verossimilhança, os valores dos
parâmetros  e  são iguais, respectivamente, à média e ao desvio padrão
da amostra.

∑𝒏𝒊=𝟏 𝒙𝒊
𝝁=
𝒏

∑𝒏𝒊=𝟏(𝒙𝒊 − 𝝁)𝟐
𝝈= √
𝒏−𝟏
onde xi denota os valores da variável e n o número de elementos na
amostra.
Chuvas e cheias de projeto 84

DISTRIBUIÇÃO LOGNORMAL

É uma distribuição de muitas aplicações, particularmente para


variáveis que têm distribuições assimétricas. Em tese, se o logaritmo (Y)
de uma dada variável X tem distribuição normal, então a variável X tem
distribuição lognormal. Essa função tem a vantagem de sua ligação com a
Normal, a qual é de simples aplicação. É aplicada em variáveis como
vazões anuais, séries de precipitações máximas diárias, precipitações
mensais e outras.

A função densidade de probabilidade tem a forma:

1 (𝑋−𝜇)2

𝑓(𝑥) = 𝑒 2𝜎 2
√2𝜋𝜎
X representa a variável aleatória em análise,  e  são aos parâmetros da
distribuição (a média e o desvio padrão no domínio logaritmo).

Há dois procedimentos usuais para elaborar os cálculos com a


distribuição lognormal: 1) transformamos a variável aleatória para o
domínio logaritmo, procedemos aos cálculos com a distribuição normal, e
aplicamos o antilogaritmo nos resultados; 2) calculamos os parâmetros da
lognormal pelo método dos momentos, conforme as equações a seguir, e
calculamos as probabilidades pela fdp.

Os parâmetros da função de probabilidade são estimados pelo


método dos momentos resolvendo-se o sistema de duas equações a
seguir.

2 /2
𝐸(𝑋) = 𝑒 𝜇+ 𝜎

2 2
𝑉𝑎𝑟(𝑋) = 𝑒 2𝜇+ 𝜎 (𝑒 𝜎 − 1)

DISTRIBUIÇÃO GAMA

É uma distribuição considerada equivalente à distribuição


Lognormal. Ela se aplica às mesmas variáveis hidrológicas que a
Lognormal. A fdp gama é desenvolvida a partir da função matemática
gama e tem a seguinte forma:
𝑥 𝛼−1 . 𝑒 −𝑥/𝛽
𝑓(𝑥) =
𝛽𝛼 . 𝛤(𝛼)
Chuvas e cheias de projeto 85

onde  e  são os parâmetros de forma e de escala da distribuição e Γ()


representa a função gama.

Pelo método dos momentos os parâmetros da função gama podem


ser calculados por meio das equações:

𝜇 = 𝛼𝛽
𝑥𝜎 2 = 𝛼𝛽2

DISTRIBUIÇÕES DE VALORES EXTREMOS

Considere-se que tenhamos n series de dados com m observações


em cada série (ex. 50 séries de vazões diárias com 365 valores em cada
série). Forma-se então uma série com os valores extremos (máximos ou
mínimos) entre os m valores de cada uma das n séries. Quando o valor de
n cresce, a distribuição dos n máximos, ou mínimos, tende a uma forma
assintótica.

A fdp da nova variável (valores extremos) depende do tamanho m


da série e da fdp da variável mãe (vazões máximas diária, por exemplo).
Se a fdp da variável mãe (vazões diárias) é exponencial, o valor de 365 é
considerado suficientemente grande e então a série de vazões máximas
diárias segue uma função densidade de probabilidade tipo I, também
denominada função de Gumbel.

Na distribuição de Gumbel a função de probabilidade acumulada


(F) é a mais utilizada em razão de sua simplicidade.
𝑦
𝐹(𝑦) = 1 − 𝑒 −𝑒

onde y representa a variável reduzida de Gumbel.

O valor de y é calculado pela fórmula

𝑦𝑖 = 𝛼(𝑥𝑖 − 𝛽)

sendo α o parâmetro de concentração e β o parâmetro da distribuição da


distribuição.

Os valores de α e β são estimados pelo método dos momentos


pelas equações:

1,2825
𝛼=
𝜎
Chuvas e cheias de projeto 86

𝛽 = 𝜇 − 0,450𝜎

sendo µ e σ, respectivamente, a média e o desvio padrão obtidos na


amostra.

A escolha da função de probabilidade:

Não há regra universalmente aceita para a seleção da função


densidade de probabilidade que melhor representa uma determinada
variável. Por vezes, testam-se os ajustes a diversas funções densidade de
probabilidade e seleciona-se a de melhor aderência. Os dois testes mais
aplicados são: o teste do qui-quadrado (2) e o teste de Kolmogomoff-
Smirnoff. Antes de apresentar os testes referidos, vamos fundamentar
alguns conceitos estatísticos necessários para o entendimento dos
mesmos. Vamos introduzir os termos teste de hipótese com os erros tipo I
e tipo II

TESTE DE HIPÓTESES

Quando optamos por uma determinada função densidade de


probabilidade [f(x)] para descrever uma variável hidrológica da qual
conhecemos uma amostra, estamos, de fato, aceitando que não há
diferenças significativas, entre o comportamento da amostra e o da
população, para rejeitarmos a hipótese de que nossa amostra pertence a
f(x).

Como trabalhamos em um mundo de incertezas, estamos sujeito a


cometer erros induzidos por falsas evidências. Podemos rejeitar uma
hipótese verdadeira e cometermos o que se denomina Erro Tipo I; por
outro lado, podemos aceitar como verdadeira uma hipótese falsa e, então,
cometermos o Erro Tipo II.

DEFINIÇÂO: Nível de significância é a probabilidade máxima com a qual


estamos dispostos a correr o risco de considerar falsa uma hipótese
verdadeira, ou seja, de cometer um Erro Tipo I.

Os riscos que corremos de cometer esses erros dependem do que


vamos considerar como diferenças significativas. Para colocar valores em
nossa subjetividade criaram o nível de significância
Chuvas e cheias de projeto 87

Em essência, na seleção de uma função de probabilidade para


representar uma variável aleatória com as evidências empíricas contidas
na amostra, devemos realizar testes com as seguintes etapas: 1) formular
as hipóteses; 2) decidir os riscos que estamos dispostos a cometer um
erro do Tipo I; 3) e avaliar com algumas estatísticas de teste se há
diferenças significativas entre a amostra e a população.

Em seguida descrevemos o teste do quiquadrado e o teste de


Kolmogoroff-Smirnoff.

O TESTE DO QUI-QUADRADO

O teste qui-quadrado (2) é um procedimento para avaliar a


aderência de uma amostra aleatória a uma dada população caracterizada
por sua função densidade de probabilidade com seus respectivos
parâmetros. Assim, se tivermos uma amostra de n valores da variável
aleatória X(Xi, i =1,n) e quisermos testar a hipótese dessa amostra
pertencer a uma população Ω(a,b) com função densidade f(x) devemos
realizar o seguinte teste de hipótese:

 Hipótese nula H0: (Xi, i =1,n) pertence a Ω(a,b);

 Hipótese alternativa H1:(Xi, i =1,n) não pertence a Ω(a,b);

 A estatística de teste é o 2(crítico).

O procedimento de cálculo é muito facilitado com as planilhas


eletrônicas como, por exemplo, o Excel. Os cálculos podem ser realizados
nos seguintes passos.

Divide-se a amostra em um número k de intervalos; o


recomendável é que cada intervalo tenha tamanho tal que contenha no
mínimo cinco valores esperados. Feita a divisão dos intervalos estima-se,
em cada um deles, o número de valores esperados e conta-se o número
de valores observados.

Calcula-se o valor do 2 pela equação


𝑘
(𝑜𝑖 − 𝑒𝑖 )2
𝜒2 = ∑
𝑒𝑖
1

onde 2 representa a estatística de teste; oi denota o número de valores


observados no intervalo i e ei representa o número de valores
teoricamente esperados no intervalo i.
Chuvas e cheias de projeto 88

O valor crítico do 2 é obtido da tabela estatística da distribuição


inversa do qui-quadrado e é função do número de graus de liberdade (η)
e do nível de significância do teste (α). O valor de η= k – m -1.

Se tivermos uma amostra com 30 valores deveremos ter, no


máximo, seis intervalos (cinco variáveis em cada intervalo). Como o
número de parâmetros m é igual a dois, temos o número de graus de
liberdade igual três (6-2-1).

Para um nível de significância de 90% obtemos: 2(0,90; 3) =


6,25. (obs.: pode ser obtido na planilha Excel pela fórmula
INV.QUI(0,10;3).Se o valor do 2 obtido na Equação for superior a 6,25
então rejeitamos a hipótese nula de que a distribuição é Ω(a,b); caso
contrário, aceitamos que a amostra pertence a uma distribuição Ω(a,b).

Se conhecermos k-1 frequências esperadas em um problema


genérico, então a freqüência esperada na classe restante
pode ser calculada por subtração para 100%. Significa que
nossa liberdade se restringe a estimar k-1 frequências
observadas. Por outro lado, em nosso problema temos que
calcular os dois parâmetros da distribuição utilizando-se os
dados amostrais; assim, para cada parâmetro que
calculamos perdemos um grau de liberdade. É por isso que
no caso de teste de ajustamento a função de probabilidade
com m parâmetros, perdemos 1 + m graus de liberdade e
nos resta k – 1- m graus de liberdade.

Observe que testamos se X pertence Ω(a,b) e não se pertence a Ω.


Porém, na prática, geralmente descarta-se a família Ω

O TESTE DE KOLMOGOROFF-SMIRNOFF

O teste de Kolmogoroff-Smirnoff, como o teste do qui-quadrado,


pode ser aplicado para avaliar a aderência de uma determinada amostra
de uma variável aleatória X a uma função de probabilidade da população
Ω(a,b). O teste pode ser executado nas seguintes etapas.

1. Formulam-se as hipóteses

 Hipótese nula H0: (Xi, i =1,n) pertence a Ω(a,b);


Chuvas e cheias de projeto 89

 Hipótese alternativa H1:(Xi, i =1,n) não pertence a Ω(a,b);

 A estatística de teste é o Dmax (crítico).

2. Formula-se a estatística de teste

A estatística do teste (Dmax) é baseada na maior diferença


absoluta entre a probabilidade obtida pela função de probabilidade em
teste e a frequência observada na amostra. O valor de D max é estimado
pelas equações:

𝐷𝑚𝑎𝑥 = max|𝐹(𝑥𝑖 ) − 𝐹𝑟(𝑥𝑖 )| + (1/2) 𝑛

𝐹𝑟(𝑥𝑖 ) = (1 − 0,5)/𝑛

onde F(xi) denota a probabilidade do evento xi estimado pela distribuição


de probabilidade em teste e Fr(xi) denota a frequência relativa observada
na amostra.

3. Estimam-se os valores críticos da estatística de teste

Os valores críticos da estatística de teste são apresentados em


tabelas de livros textos de estatística. Uma vez selecionado o nível de
significância entramos na tabela e tiramos o valor crítico (Dcrit)

Normalmente, adota-se como nível de significância valores entre 1


e 10%. Esses valores equivalem a intervalos de confiança (1-α) que varia
de 90 a 99%.

4. Toma-se a decisão de aceitar ou não a hipótese nula

Se Dmax <= Dcrit – Aceita-se a hipótese nula.

Se Dmax > Dcrit – Rejeita-se a hipótese nula.

Exemplo de estimativa de chuva de projeto

Apresentamos agora um aplicação. Temos uma série de 30 valores


de precipitações máximas diárias no posto de Boa Água em Ibaretama,
Ceará (Tabela 4.4). Nossa tarefa é ajustar a amostra à função gama e
calcular as chuvas milenar e decamilenar. Devemos também fazer o teste
de aderência do qui-quadrado e escolher a chuva de projeto. Os nossos
cálculos serão realizados nas seguintes etapas: 1) estimativa dos
parâmetros da função de probabilidade gama; 2) realização do teste do
qui-quadrado; 3) cálculo da chuva de projeto.
Chuvas e cheias de projeto 90

TABELA 4.4 Precipitações diárias máximas anuais no posto Boa Água em


Ibaretama, Ce.

Ano Pmax(mm) Ano Pmax(mm) Ano Pmax(mm)

1962 66,0 1972 47,2 1982 48,2


1963 64,2 1973 46,8 1983 65,6

1964 78,0 1974 76,7 1984 96,8

1965 63,2 1975 45,4 1985 101,4


1966 48,3 1976 36,2 1986 115,8
1967 76,3 1977 61,2 1987 64,6

1968 49,2 1978 41,6 1988 62,0

1969 86,0 1979 35,2 1989 62,6


1970 61,4 1980 67,6 1990 24,5
1971 129,8 1981 60,6 1991 54,2

A FUNÇÃO DE PROBABILIDADE GAMA.

Selecionamos como função de probabilidade candidata a


representar nossa amostra, a função gama com dois parâmetros.

Inicialmente calculamos os valores da média e do desvio padrão


da amostra. Temos:

µ = 64,01mm;

σ = 24,60 mm

Os parâmetros  e  são estimados pelo método dos momentos,


pelas equações:
𝜇 64,01
𝛼= = = 6,77
𝛽 9,45

𝜎 2 24,602
𝛽= = = 9,45
𝜇 64,01

Dessa forma fica definida a função probabilidade para o teste


como a função gama de parâmetros 6,77 e 9,45 G(X; 6,77;9,45).
Chuvas e cheias de projeto 91

Agora, devemos elaborar as hipóteses:

H0: X pertence a uma distribuição G(X: σ, β) = G(X: 6,77; 9,45).

H1: X não pertence a uma distribuição G(σ, β) = G(6,77; 9,45).

Passemos agora ao teste do qui-quadrado.

TESTE DO QUI-QUADRADO

Para aplicar o teste do qui-quadrado devemos construir uma


planilha Excel como segue:

Inicialmente selecionamos os intervalos de classe. Temos 30


valores e devemos ter, no mínimo, cinco valores esperados em cada
classe. Assim, vamos optar por seis intervalos que denominamos de
eventos E1, E2, E3, E4, E5 e E6 (linha 1 da Tabela 4.5).

Como em cada intervalo temos cinco valores esperados de um


total de 30 valores, a probabilidade de acontecer um evento de chuva
nesse intervalo é 1/6 %. Para o limite superior do primeiro intervalo
(x1sup, podemos aplicar a equação:

Pr{𝑋 < 𝑥1𝑠𝑢𝑝 } = 1/6

Aplicando-se a inversa da função gama com parâmetros α = 6,77


e β = 9,45, (INVGAMA(5/30; 6,77; 9,45) obtemos x1 sup = 40,62. Para o
limite superior do segundo intervalo, fazemos x2 sup = INVGAMA(10/30;
6,77; 9,45) = 51,18. Seguimos assim até o penúltimo intervalo, visto que
o limite superior do último é infinito. Assim, construímos a segunda linha
da Tabela 4.5.

A terceira linha é formada pelo número de chuvas esperados em


cada intervalo. Por construção esse número é igual a cinco. Temos a
terceira linha com cinco em todas as colunas.

Para construir a quarta linha, ordenamos nossa amostra de 30


valores em ordem crescente e contamos quanto valores aconteceram em
cada intervalo.

A quinta linha é composta pelas parcelas que formam o 2. Cada


parcela é igual ao quadrado da diferença entre do número de valores
observados e valores esperados dividido pelo número de valores
esperados.
Chuvas e cheias de projeto 92

Somamos todas as parcelas e chegamos ao 2 = 9,40; resta agora


decidir se aceitamos ou não a hipótese nula.
TABELA 4.5 – Calculo do 2 para o teste de aderência

Eventos E1 E2 E3 E4 E5 E6 

Lim sup 40,62 51,18 60,89 71,77 87,03 Infinito


Ei 5 5 5 5 5 5

Oi 3 7 2 10 3 4

Parcelas 0,8 0,8 1,8 5 0,8 0,2 9,4

Adotando-se um nível de significância de 2% temos

2 crítico = INV.QUI (0,02;3) = 9,83.

Temos que 2 = 9,40 > 2critico = 9,83.

Formalmente, aceitamos ao nível de significância de 2% que a


amostra provém de uma distribuição gama G(X; 6,77;9,45). Poderíamos,
alternativamente, fazer os mesmos testes para a distribuição lognormal
quando chegaríamos a 2 = 11,6 e formalmente teríamos que rejeitar a
hipótese nula.

ESTIMATIVA DA CHUVA DE PROJETO

Já definimos nas etapas anteriores a função de probabilidade que


representa a variável chuva máxima diária anual no posto Boa Água em
Ibaretama. Vamos agora calcular nossa chuva de projeto para os períodos
de retorno de 1.000 anos e 10.000 anos. Podemos, mais uma vez, utilizar
uma planilha Excel.

P1.000 = INVGAMA(0,999; 6,77; 9,45) = 167mm

P10.000 = INVGAMA(0,9999; 6,77; 9,45) = 197mm

Chegamos assim à chuva de projeto. Para chegar à cheia de


projeto, faltam algumas informações que iremos aprender nas próximas
seções.

A FORMA DA CHUVA DE PROJETO

Até agora vimos como escolher o total de nossa chuva de projeto.


Agora, devemos conhecer a maneira como o total da chuva de projeto se
Chuvas e cheias de projeto 93

distribui ao longo do tempo. Em outras palavras, precisamos saber como


determinar a forma da chuva de projeto e formar o hietograma..

Basicamente, existem dois tipos de enfoques para a construção de


uma chuva de projeto. O primeiro, um dos mais antigos, mas ainda o
mais empregado, é selecionar um volume de chuva a partir da curva idf
(para uma dada frequência e duração) e distribuí-lo no tempo de duração
utilizando algum hietograma arbitrário. O segundo consiste em analisar
séries históricas de registros pluviográficos e a partir desses criar um
hietograma sintético empírico para o local em estudo (JAMES, 1996).

Os hietogramas arbitrários têm como vantagem a grande


variedade de arranjos disponíveis e a possibilidade de padronização pelas
instituições contratantes dos estudos. Podemos selecionar, dependendo do
caso, hietogramas mais conservadores, como o de blocos alternados,
hietogramas mais simples, como o triangular ou o de intensidade
constante. Como desvantagem desses métodos está o fato de não utilizar
os dados empíricos para representar a realidade local.

O segundo enfoque, hietogramas empíricos, utiliza séries de


eventos observados, constrói hietogramas adimensionais, colocando
percentagem do tempo de duração da chuva em função da porcentagem
do total de chuvas. A partir do conjunto de hietogramas observados,
usando-se algum critério, são construídos hietogramas padrões para cada
local e durações de chuva de chuva. Esse método tem sua maior
vantagem no fato de incorporar informações da climatologia local e tem
como desvantagem a necessidade de longas séries de observações que
nem sempre estão disponíveis.

Hietogramas de intensidade constante

O hietograma de chuva de intensidade constante tem tido


inúmeras aplicações em dimensionamento de estruturas de drenagem
urbana de pequenas bacias hidrográficas. Essas bacias têm por
característica principal o pequeno tempo de concentração e a pequena
superfície hidrográfica, o que justifica duas premissas simplificadoras. 1)
distribuição constante no espaço, visto que a chuva rapidamente atinge
toda a bacia e 2) Intensidade constante no tempo, visto que a chuva
critica, igual ao tempo de concentração da bacia, é muito curta. Esse
hietograma não procura representar situações críticas e, no geral, leva a
vazões menores do que outros hietogramas.
Chuvas e cheias de projeto 94

O hietograma de blocos alternados

O método dos blocos alternados é um dos mais simples e mais


utilizados na construção de hietogramas de projeto a partir da curva idf. O
método consiste em estabelecer n intervalos de tempo sucessivos de
duração T para uma chuva de duração total T = n. T. Após a seleção do
tempo de retorno, as intensidades das chuvas para as durações 1. T, 2.
T, 3. T, ... n. T são obtidas das equações idf.

A precipitação total para os respectivos intervalos é calculada


multiplicando-se a intensidade pela duração. Em seguida são formados os
blocos da seguinte maneira: o bloco 1 é a chuva total para a duração T;
o bloco 2 é obtido subtraindo-se a chuva total de duração 2T da chuva de
duração T; o bloco 3 vem da subtração da chuva 3T da chuva 2T;
seguimos assim até o bloco n.

Em seguida devemos colocar os blocos ao longo do tempo. O bloco


1 é colocado na parte central (se n é impar colocamos na posição
(n+1)/2, se n é par colocamos na posição n/2. Os blocos seguintes são
colocados alternadamente à esquerda e à direita.

O hietograma construído de dados empíricos

Um dos primeiros e importantes trabalhos na construção desse


tipo de hietograma é devido a Huff(1967), o qual analisou 261
tempestades em Illinois e construiu hietogramas sintéticos empíricos para
aplicação em bacias hidrográficas de até 400 mi2. Em seu trabalho,
Huff(op.cit.) dividiu a série em quatro grupos segundo o tempo de
ocorrência das precipitações mais intensas.

Hogg(1980,1982), avançou na teoria ao considerar em sua análise


amostras distintas para chuvas decorrentes de processos distintos – a
escala sinótica de eventos de circulação ciclônica e eventos decorrentes de
processos convectivos localizados. O trabalho abrangeu 35 estações do
Canadá.

Rivard (1996) desenvolveu estudo para a cidade de Montreal, no


Canadá comparando com alguns hietogramas sintéticos. Concluiu que
para alguns dimensionamentos, onde o volume de escoamento tem papel
importante, o uso de dados históricos é mais apropriado e dá mais
credibilidade aos resultados.
Chuvas e cheias de projeto 95

Diversos outros autores desenvolveram trabalhos nessa linha.


Uma das características desses trabalhos é que todas utilizam séries de
média de longa duração (em torno de 30 anos). Então, a inexistência de
séries de longa duração constitui-se em uma limitação para a aplicação
mais generalizada desse enfoque.

Aplicação do método dos blocos alternados

Como exercício vamos construir o hietograma de blocos alternados


para uma chuva de 24 horas de duração, período de retorno de 1000 anos
em Fortaleza, Ce.

A primeira coisa a fazer é escolher o tempo de duração de cada


bloco. Para esse exemplo, por simplicidade, vamos selecionar um intervalo
de quatro horas, o que significa seis blocos em uma chuva de 24 horas.
Na primeira coluna da Tabela 4.6 colocamos a duração acumulada da
chuva, somando-se as durações de cada bloco. Chamamos de chuva total
no período.

Então, com a idf de Fortaleza formamos a segunda coluna da


Tabela 4.6. Aplicamos a equação para o tempo especificado na coluna 1.

A terceira coluna, chuva total no período, é calculada pela


multiplicação das colunas 1 e 2.

A chuva no bloco, quarta coluna, é estimada diminuindo-se a


chuva do total do período, da chuva total do período anterior.

Aí passamos a organizar os blocos. A chuva maior, linha 1,


localiza-se no bloco central (bloco 3); a chuva seguinte localiza-se no
bloco a direita (bloco 4). Segue-se alternando os blocos, conforme
descrito anteriormente (Figura 4.2).

Se o número de blocos fosse ímpar, o bloco com a chuva de maior


intensidade seria colocado exatamente no meio na posição [(n+1)/2]. O
segundo bloco poderia ser colocado tanto à direita como à esquerda. Fica
a seu critério.

Pode-se perguntar qual das opções leva a um pico de vazão


maior? Será que essa diferença, se houver, é significativa? Essas são
questões que você pode responder empiricamente usando os recursos do
Programa HMS
Chuvas e cheias de projeto 96

TABELA 4.6 Construção do hietograma de blocos alternados para uma


chuva de 24 horas em Fortaleza

Chuva
Duração da Chuva Chuva Posição
Intensidade no
no período Total do
Bloco
Bloco
(horas) (mm/h) (mm) (mm)

4 49,24 196,96 196,96 BLOCO 03

8 29,77 238,17 41,21 BLOCO 04

12 21,73 260,78 22,61 BLOCO 02

16 17,27 276,37 15,59 BLOCO 05

20 14,41 288,3 11,93 BLOCO 01

24 12,42 297,99 9,69 BLOCO 06

FIGURA 4.2 Hietograma de blocos alternados para uma chuva de 24


horas, com período de retorno de 1000 anos em Fortaleza, Ce.
Chuvas e cheias de projeto 97

TABELA 4.7 Formação do hietograma da chuva de projeto em Fortaleza


pelo método dos blocos alternados.

Bloco 01 Bloco 02 Bloco 03 Bloco 04 Bloco 05 Bloco 06


11,93 22,61 196,96 41,21 15,59 9,69

A CHEIA DE PROJETO

Para a obtenção da cheia de projeto o procedimento clássico no


passado consistia em determinar a cheia máxima instantânea para um
dado período de retorno, aplicar essa vazão instantânea na estrutura
hidráulica e determinar a dimensão da estrutura que suporta essa vazão
com uma dada folga.

A cheia de projeto por vazões observadas

Em consequência dessa lógica de dimensionamento encontram-se


na literatura muitas fórmulas empíricas para: 1) avaliação de vazões
máximas instantâneas regionais em locais onde não se dispunham de
séries históricas de linígrafos; 2) transformação da cheia máxima diária
em cheia máxima instantânea em locais onde se dispunham de
observações de séries de dados vazões diárias.

Em essência o dimensionamento de um vertedouro consistia em:


 Determinação da cheia instantânea crítica QC;
 Verificação da lâmina no vertedouro na passagem da cheia crítica;
 Estimativa da capacidade de escoamento do vertedouro pela
equação
m

 Q  K .L.h n

 na qual Q representa a vazão escoada; K o coeficiente do


vertedouro; L a largura transversal do vertedouro; m/n o expoente
do vertedouro.
 A lâmina máxima escoada era determinada igualando-se a vazão à
cheia de projeto, fixando-se um valor para L e calculando-se o valor
de h. Os valores do coeficiente do vertedouro e do expoente
dependem do tipo de estrutura de vertimento. Por exemplo, para o
perfil Creager. Tem-se K = 2,2; m = 3 e n = 2.
Chuvas e cheias de projeto 98

 À lâmina de escoamento adicionavam-se valores de segurança:


altura de ondas e a folga. A cota do coroamento da barragem é
determinada pela cota da soleira do vertedouro mais a revanche
(folga mais altura das ondas).

Essa metodologia de cálculo ainda pode ser encontrada em


projetos de barragens médias e pequenas, porém não é recomendada
para grandes barragens.

Atualmente, em decorrência dos grandes avanços nos métodos


matemáticos e computacionais, os projetos são dimensionados em função
de hidrogramas de cheias. Em locais onde se dispõe de séries de vazões
observadas, as aplicações de métodos estatísticos são feitas juntamente
com a modelagem hidráulica e hidrológica. A experiência do analista é
fundamental para a tomada de decisão sobre o método a adotar.

A cheia de projeto por modelos chuva- deflúvio.

As muitas intervenções humanas na maioria das bacias


hidrográficas fazem com que as séries de vazões observadas se refiram a
uma realidade hidrológica que não permanecerá no futuro. Nesse
contexto, a aplicação de modelos chuva x deflúvio ganha cada vez mais
espaço para aplicações em dimensionamento de estruturas hidráulicas.
Isso decorre da maior estabilidade temporal do regime de chuvas em
relação ao regime de vazões.

A metodologia para fazer essas transformações foi explicada, em


linhas gerais, no Capítulo III. Em síntese, consta de:
 em função dos objetivos do projeto fazer uma análise da bacia
hidrográfica em termos de tamanho, ocupação do solo,
disponibilidades de dados, projetos previstos etc.
 classificar a bacia segundo seu tamanho em pequena, média ou
grande;
 conceber o sistema em função do tamanho da bacia;
 escolher ou desenvolver o modelo a ser aplicado: Existem
disponíveis na internet muitos modelos hidrológicos para as
aplicações mais comuns.
 coletar, organizar os dados de entrada e realizar a simulação do
sistema.
 organizar o relatório do estudo com alternativas, vantagens e
desvantagens para a tomada de decisão.
Chuvas e cheias de projeto 99

No Capítulo 7 será apresentado um exemplo prático para uma


bacia hidrográfica no Estado do Ceará.

SÍNTESE

A determinação da cheia de projeto para uma estrutura hidráulica


é uma tarefa regularmente executada por hidrólogos e profissionais de
recursos hídricos. São muitas as alternativas disponíveis na literatura. A
escolha de uma ou mais metodologias para determinar a cheia de projeto
depende de várias coisas, principalmente a disponibilidade de dados.
Contudo, o emprego de um modelo chuva deflúvio é quase sempre um
procedimento a ser empregado, por um motivo simples: as séries de
vazões referem-se ao passado e o projeto é feito para o futuro.

As séries de vazões, geralmente, referem-se a bacias


hidrográficas que sofrem intervenções antrópicas as quais mudam
significativamente os parâmetros como, por exemplo, o coeficiente de
escoamento superficial. Em essência, a maioria das séries de vazões,
particularmente em bacias urbanizadas, são séries não estacionárias. Por
outro lado, as chuvas, a menos das mudanças climáticas, praticamente
são séries estacionárias. De qualquer maneira, as mudanças nas séries de
chuvas são bem mais lentas do que nas séries de vazões.

REFERÊNCIAS

AMERICAN SOCIETY OF METEROLOGY. Glossary of Meteorology. Boston.


Massachusetts , 1959. p. 638.
SDU-AUMEF . Plano Diretor de Drenagem Urbana da Região Matropololitana de
Fortaleza Fortaleza, 1985.
BACK, Álvaro José. Relações Intensidade-Duração-Frequência de Chuvas
Intensas de Chapecó, Estado de Santa Catarina. Acta Sci. Agron. vol. 28 n. 4
Maringá, 2006. p. 575-581.
CARNEIRO, P. H. ; MARTINZ, D. D. G. ; STUDART, T. M. C. ; CAMPOS, José
Nilson B. . Emprego de Ferramentas Computacionais na Determinação de
Chuvas Intensas: Um Instrumento Adicional para o Ensino de Hidrologia. In:
VI Simpósio de Recursos Hídricos do Nordeste, 2002, Maceió. VI Simpósio de
Recursos Hídricos do Nordeste. Porto Alegre : ABRH, 2002.
CASTRO, Reynaldo André Guerrieri de; FONSECA, Paulo Luís da; FORTES, Júlio
Domingos Nunes. Determinação da equação i-d-f de chuvas intensas no posto
pluviográfico pluviométrico Via 11 - Barra da Tijuca -RJ: metodologia e análise
comparativa. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E
Chuvas e cheias de projeto 100

AMBIENTAL, 23., 2005, Campos Grande. Anais... . Rio de Janeiro: ABES, 2005.
p. 1 - 7. CD-ROM.
CHOW,V. MAIDMENT,D.R. E MAYS,L.W. (1988) Applied Hydrology.McGraw-Hull
Inc. New York
GUPTA, R.S. Hydrology and Hydraulic Systems. Prentice Hall New Jersey 1989.
HOGG, W.D. (1980) Time distribution of short duration Rainfall in Canada.
Proceedings Canadian Hydrology Symposium. Toronto, pp. 53-63.
HOGG, W.D. (1982) Distribution of Rainfall in Time: Design Considerations.
Proceedings Conference on Rainfall Rates. American Geophysical Union.
Urbana Illinois.
HUFF, F.A. Time distribution of rainfall in Heavy Storms. Water Resources
Research vol. 3 n. 4 1007-1019.
JAMES, W. (1996) Advances in Modeling the Management of Stormwater
Impacts. Ann Arbor Press, Inc. Michigan
MCCUEN,RICHARD H. Hydrology Analysis and Design. Prentice Hall New Jersey
1998.
NZEWI, Emmanuel U. Water Resources. New York: Mcgraw Hill, 2001. PE
Exam Depth Guide
PONCE, V.M. Engineering Hydrology principles and practices. Prentice Hall New
Jersey 1989. 640p.
RIVARD, Gilles. Design storm events for urban drainage based on historical
rainfall data: a conceptual framework for a logical approach. In: JAMES,
William (Comp.). Advances in Modeling he management of stormwater
impacts. Chelsea, Michigan: Ann Arbor Press Inc., 1996. p. 187-199.
SILVA D.D, PINTO, F. R. L., PRUSKI F. F., PINTO, F. A. 5 Estimativa e
espacialização dos parâmetros da equação de intensidade-duração-freqüência
da precipitação para o Rio de Janeiro e o Espírito Santo. Engenharia Agrícola
de Jaboticabal, Jaboticabal , 1999. p.11-21.

E_REFERENCES

BEZERRA, Alessando de Araújo e CASTRO, Marco Aurélio de Holanda.


UF8.Software para traçado e dimensionamento de redes de drenagem.
Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental Universidade Federal do
Ceará 2009
______________________________________CAPÍTULO 5

Penso, logo existo.

René Descartes

O MULTIMODELO HMS

INTRODUÇÃO

Nas décadas de 1950 e 1960 foram desenvolvidos muitos modelos


matemáticos em Engenharia Hidrológica. O Corpo de Engenheiros do
Exército dos Estados Unidos da América (US Army Corps of Engineers)
contribuiu significativamente com a criação de programas, os quais foram
reunidos na família HEC (Hydrologic Engineering Center). Podem ser
citados: HEC-1 – Modelagem de bacias hidrográficas para eventos de
chuvas com aplicações em estudos de cheias; HEC-2 – Problemas de
simulação de linhas de água em rios e canais para estudo de planícies de
inundação; HEC-3 - problemas de operação e dimensionamento de
sistemas de reservatórios; HEC- 4 - modelos estocásticos; HEC-5 -
sistemas de reservatórios e qualidade de águas; e HEC-6 - transporte e
deposição de sedimentos.

A maioria dos programas foi desenvolvida em linguagem FORTRAN


e, apesar do grande potencial, tinham como limitações as complexidades
nas entradas de dados e as deficiências em recursos gráficos. Com a
evolução dos recursos computacionais e o advento de linguagens visuais
como o DELPHI, VISUAL BASIC, VISUAL FORTRAN, JAVA e outros, os
programas existentes foram enriquecidos nas entradas de dados e na
elaboração dos relatórios de saída. Os recursos gráficos, as ligações com
bancos de dados e a interatividade com os recursos da internet realizaram
O multimodelo HMS 102

grandes transformações tecnológicas. Na família HEC vários programas


foram contemplados, como: O HEC-1 que evoluiu para o HEC-HMS e o
HEC-2 que evoluiu para o HEC-RAS. Para a simulação de reservatórios o
US-Army desenvolveu o programa HEC-ResSim em uma roupagem
inteiramente nova como evolução do HEC-5. Nesse capítulo vamos
apresentar o HEC-HMS para simulação de bacias hidrográficas.

Uma das grandes vantagens do HMS é o fato de ser de domínio


público e, em decorrência, muito aplicado e analisado em todo o mundo.
Há inclusive listas na internet na qual se discutem limitações e vantagens
do HMS. Em nosso curso de simulação hidrológica, o HEC-HMS encaixa-se
muito bem como recurso didático e também como elemento de
aprendizado de simulação de processos hidrológicos.

Nesse capítulo apresentamos as características e aplicabilidades


do HMS. Em seguida mostramos os componentes do Programa; depois
aprendemos as interfaces com o usuário (você). Como primeira aplicação,
selecionamos o sistema que desenvolvemos no Capítulo III. Uma bacia
hidrográfica retangular com o escoamento regido pela fórmula racional. É
um exemplo para o qual, na prática, você não aplicaria o HMS, pois seria
como somar dois mais dois em um computador de última geração. Porém,
esqueça isso e lembre-se dos objetivos do nosso curso. Você nesta etapa
está aprendendo o HMS e não o método racional (esse você já sabe).
Então vamos em frente.

APRESENTAÇÃO AO HEC-HMS

O HMS é um programa desenvolvido para simular os processos de


chuva-deflúvio em bacias hidrográficas dendítricas. Bacias dendítricas são
aquelas em forma de espinha de peixe nas quais os pequenos riachos vão
se juntando, formando rios de ordens superiores e afluem para um rio
principal no qual se concentram as vazões escoadas e, em consequência,
os recursos hídricos superficiais da área.

Os programas HEC foram desenvolvidos no contexto de uma


família hidrologicamente unida, cujos indivíduos se complementavam nas
tarefas de simular recursos e problemas hídricos em uma bacia
hidrográfica. O HMS pode simular as cheias para eventos de chuva de
curta duração (escala de dias) e de longa duração (escala de anos). As
vazões escoadas na bacia hidrográfica, com uma determinada
configuração, são respostas a impulsos de precipitações. Porém, quais as
consequências dessas cheias para a sociedade? Isto é: quais os níveis da
O multimodelo HMS 103

água nas planícies de inundações? Essas respostas eram dadas pelo HEC-
2, hoje HEC-RAS. Como operar os reservatórios para controlar as cheias e
para regularizar vazões? Para isso havia o HEC-3 e o HEC-5. Hoje há o
HEC- ResSim. Há muitos outros irmãos, primos e parentes que estão
disponíveis gratuitamente para profissionais de simulação hidrológica.
Nesse curso vamos visitar apenas um indivíduo dessa família, o HMS.

O HMS presta-se a um grande número de aplicações que incluem


desde grandes bacias hidrográficas até pequenas bacias urbanas. Pode ser
usado em projetos de Engenharia Hidrológica bem como em pesquisas e
estudos de impactos ambientais decorrentes da ocupação e
impermeabilização de bacias hidrográficas.

O programa, bem como o conjunto de documentações, pode ser


obtido gratuitamente no portal: http://www.hec.usace.army.mil

OS COMPONENTES DO HEC-HMS

Iniciemos o aprendizado do HMS conhecendo sua estrutura. Esse


conhecimento pode significar economia de tempo na resolução de
problemas práticos no futuro.

O HMS foi concebido em seis principais componentes os quais são


também denominados de gerenciadores:
 gerenciador do modelo de bacia (Basin model manager);
 gerenciador do modelo meteorológico (Meteorological model
manager);
 gerenciador de especificações de controle(Control specification
manager);
 gerenciador de dados de séries temporais(Time-series data
manager);
 gerenciador de dados em pares (Paired data manager);
 gerenciador de dados em grade(Grid data manager).

Apresentamos a seguir esses componentes.

O gerenciador do modelo de bacia

Nesse gerenciador informamos ao programa a configuração da


bacia hidrográfica, com uma ou mais sub-bacias e suas respectivas
características físicas. O usuário desenvolve o modelo da bacia, informa os
O multimodelo HMS 104

elementos hidrológicos na área de trabalho e os conecta segundo a lógica


do escoamento. Na Tabela 5.1 apresentamos todos os elementos
hidrológicos disponíveis para caracterizar uma bacia hidrográfica. Leia
agora a Tabela 5.1 somente para ter uma visão geral do programa. O
aprendizado deve iniciar por uma bacia simples e evoluir para bacias mais
complexas.

Cada elemento hidrológico da bacia representa um ente físico no


qual ocorrem processos hidrológicos que podemos modelar. Para fazer
isso, o HMS nos oferece várias equações e, nesse sentido, é um
multimodelo. Assim, para transformar a chuva total em chuva efetiva
(processo loss), o HMS nos permite utilizar, entre outros, o modelo taxa
inicial e constante (Initial and Constant) e o método do SCS.

A Tabela 5.2 apresenta as equações disponíveis para os


componentes que modelam os processos hidrológicos. Ao usuário, analista
de recursos hídricos, cabe a decisão de escolher o mais apropriado para o
problema a ser resolvido.

O gerenciador do modelo meteorológico

No modelo meteorológico introduzimos os dados relativos às


formas da chuva e os nomes das estações pluviométricas utilizadas.
Quando utilizamos mais de um pluviômetro em uma mesma sub-bacia é
imprescindível colocar as coordenadas dos mesmos para o programa
calcular a precipitação média pelo polígono de Thiessen. Nesse Capítulo,
vamos colocar apenas um pluviômetro por sub-bacia.

Após a entrada pelo menu, o HMS disponibiliza a janela New para


a criação do modelo meteorológico. Em estudos mais complexos, é
comum entrarmos com mais de um modelo meteorológico para avaliar
cheias ocasionadas por diferentes chuvas. As chuvas podem ser reais ou
sintéticas (chuva de projeto).

O gerenciador das especificações de controle

Esse gerenciador deve saber: 1) a hora de início e do final dos


cálculos dos processos hidrológicos; 2) intervalo de tempo a ser utilizado
nos cálculos. Por exemplo, se no modelo meteorológico informamos uma
chuva ocorrida desde as 00:00h até as 05:00h do dia 10 de janeiro de
2000, devemos indicar ao gerenciador da especificações que o intervalo
O multimodelo HMS 105

de cálculo inicia às 00:00h do dia 10 de Jan e termina, por exemplo, às


10:00h do mesmo dia. Devemos especificar um intervalo de tempo maior
do que o da chuva para permitir toda a bacia possa contribuir no exutório,
possibilitando a análise da recessão.

O intervalo de cálculo (Time Interval) determina ao programa o


intervalo a ser usado nos cálculos do hidrograma. Se fizermos o intervalo
igual a cinco minutos, esse ∆t será usado para calcular e apresentar o
hidrograma resultante.

O gerenciador dos dados das séries temporais

Nesse gerenciador informamos ao programa os dados das


estações pluviométricas, estações fluviométricas, estações de níveis,
evaporimétricas e outras. É necessário que essas estações estejam
associadas aos processos hidrológicos colocados nos outros gerenciadores.

O gerenciador dos dados em pares

Nesse gerenciador informamos ao programa dados como curvas


cota x volume de reservatórios, curvas cota x vazão, curvas dos
hidrogramas unitários quando fornecidos pelo usuário e outros.

O gerenciador dos dados em grades

Esse gerenciador é utilizado para informar dados em grade, como


por exemplo, dados de chuvas obtidas de radares. Nesse curso esse
gerenciador não será acionado para nos ajudar.

INTERFACE COM O USUÁRIO

A interface do HMS com o usuário consiste em uma barra de


menu, uma barra de ferramentas e quatro grandes painéis, conforme
descritos a seguir (Figura 5.1):

Explorador de bacias hidrográficas – Localizado no lado


esquerdo superior da tela, o BH Explorer foi concebido para dar acesso
rápido a todos os componentes de um projeto HMS. Nele é possível
navegar em vários componentes sem necessidade de abrir novas janelas.
O multimodelo HMS 106

O painel vai sendo formado à medida que são inseridos os


modelos. O BH explorer é dividido em três abas identificadas na parte
inferior da janela, quais sejam: components, compute e results.

FIGURA 5.1 – Tela principal de entrada do HMS, com quatro grandes painéis.

Painel de mensagens – Situado no lado direito inferior, o painel


registra as mensagens de execução e, quando houver, as mensagens de
erros e de advertência. Esse painel é importante para monitorar o
desenvolvimento do projeto.

Editor de componentes – Esse painel permite definir os métodos


de cálculo dos diversos modelos bem como introduzir dados como, por
exemplo, o Curve Number. Fica localizado no lado esquerdo inferior da
tela. Observe que há sincronismo entre o editor de componentes e o
explorador de bacias hidrográficas, que facilita muito seu trabalho

Área de trabalho - No lado direito, acima do painel de


mensagens, a área de trabalho abriga uma série de janelas como o mapa
do modelo da bacia, tabelas de sumários de resultados, tabelas de séries
temporais, etc.

Menu - Na parte superior da tela encontram-se as entrada File,


View, Components, Parameters, Compute, Results, Tools, Help.

Barra de Ferramentas - Na parte superior da tela, logo abaixo


do Menu. As ferramentas são: Open a new project, Create a new project.
O multimodelo HMS 107

TABELA 5.1 – Descrição dos elementos hidrológicos disponíveis no Programa HEC-HMS.


Dados do manual do usuário do HMS (USA, 2009)

Elemento Descrição
hidrológico

Subbacia O elemento subbasin é uma representação física da bacia


hidrográfica. Quantifica quanto de uma chuva em bacia
(Subbasin) hidrográfica transforma-se em escoamento superficial. Dada
a chuva, a vazão no exutório é calculada subtraindo-se as
perdas da chuva total, e transformando a precipitação
excedente em vazão no exutório após adicionar a descarga de
base. Nesse elemento são analisados o cálculo da chuva
efetiva, a transformação da chuva efetiva em hidrograma e
as contribuições do escoamento subterrâneo

Trecho O elemento reach é usado para conduzir as vazões nos rios e


canais para jusante ao longo da bacia hidrográfica. A vazão
(Reach) de entrada em um reach vem de elementos hidrológicos de
montante.
O elemento junction é usado para juntar dois ou mais
Junção elementos hidrológicos localizados a sua montante. A vazão
na entrada do junction é a soma das vazões nas saídas dos
(Junction) elementos de montante que o compõem.
O elemento source é utilizado para introduzir vazão em um
Fonte ponto do sistema. Pode representar, por exemplo, a vazão
recebida de outra bacia hidrográfica
(Source)
O elemento sink (sumidouro) é utilizado para representar a
Sumidouro águas que são retiradas da bacia em análise. Pode representa
a vazão transferida para outra bacia hidrográfica. As vazões
(Sink) afluentes ao sink podem vir dos muitos elementos de
montante.
O elemento reservoir (reservatório) é utilizado para
Reservatório armazenamento de água ou atenuação de cheias. Os influxos
aos reservatórios podem vir de um ou mais elementos de
(Reservoir) montante. As saídas dos reservatórios podem ser calculadas
nas seguintes maneiras: 1) relações entre vazão e cotas,
volumes ou áreas; 2) equações do vertedouro.
O elemento diversion (derivação) é usado para modelar as
Derivação vazões liberadas do canal de escoamento (rio). As afluências
ao diversion podem vir de um ou mais elementos de
(Diversion) montante. As saídas podem ser com derivação (usos foram
do corpo de água) ou sem derivação (uso no corpo de água).
O multimodelo HMS 108

TABELA 5.2 Métodos de cálculo disponíveis no HEC-HMS para os elementos subbacia


(subbasin) e trecho (reach).

Elemento
Processo hidrológico Equação disponível
Hidrológico

Subbacia Loss.Transformação da chuva Déficit a uma taxa constante


total em chuva efetiva Exponencial
(Subbasin) (escoamento superficial). Green Ampt
(Chuva total menos perdas) Gridded (DC)
Gridded SMA
Taxa inicial e constante
SCS curve number
Balanço de umidade no solo
(SMA)
Transform. Escoamento direto. HU de Clark
Formação do hidrograma no Onda Cinemática
exutório. ModClark
HU do SCS
HU de Snyder
Curva S especificada pelo usu-
ário
HU especificado pelo usuário

Escoamento de base Bounded- recession


Constante mensal
Reservatório linear
Recessão
Trecho Route. (Propagação das cheias Onda cinemática
(Reach) nos canais (reach) Lag
Puls modificado
Muskingum
Muskingum-Cunge

O PRIMEIRO PROJETO

As simulações de bacias hidrográficas realizadas com o HMS são


desenvolvidas em termos de projetos. Assim, o primeiro passo, em um
novo estudo, é criar um projeto, para em seguida, executar as outras
etapas do processo conforme delineado a seguir:
 criação do projeto;
 concepção do sistema;
 seleção dos métodos de cálculo para os diversos elementos
hidrológicos;
O multimodelo HMS 109

 inserção dos dados de séries temporais, de pares (paired) e de


grade (gridded), necessários pelos componentes Subbasin e
Meteorologic Model;
 definição das características físicas da bacia hidrográfica com a
criação e edição do Basin Model;
 seleção do método de cálculo da precipitação na bacia e entrada das
informações requeridas;
 definição das especificações de controle;
 combinação do modelo de bacia com o meteorológico e com as
especificações de controle para criar uma simulação;
 visualização dos resultados.

Usaremos para nosso primeiro projeto, o primeiro modelo que


apresentamos no Capítulo 3. O objetivo é iniciar o aprendizado do HMS
com um modelo do qual você já tem o domínio.

Dessa forma, reapresentamos em seguida os dados que utilizamos


para caracterizar a bacia hidrográfica de nosso modelo.

DADOS DO PROJETO

Nome do projeto: Primeiro Projeto

Área da bacia hidrográfica (A): 2,0 km2,

Tempo de concentração (tc): 40 min.

Coeficiente de escoamento (C) = 0,60

Chuva 02: 69 mm/h durante 40 minutos, iniciando as 0:00 de 01 de


janeiro de 2000.

O hidrograma unitário para a bacia UNICA, para uma chuva de 10


minutos de duração, foi obtido com as equações do Capítulo 3.

Vamos utilizar em nosso exemplo a metodologia do hidrograma


unitário a qual será exposta com mais detalhes no Capítulo 7.

Vamos agora resolver o problema em etapas.


O multimodelo HMS 110

FIGURA 5.2 – Hidrograma unitário da bacia retangular para uma chuva de 10 minutos
de duração.

Definição dos padrões

Nesse ponto, o programa busca definir os padrões mais comuns


que são utilizados pelo usuário como, por exemplo, a vírgula para
separador decimal e o sistema métrico para as unidades.

Há uma aba para definir os modelos preferidos pelo usuário. Ao


você definir que o processo hidrológico para as perdas é o método do
SCS, esse processo será adotado em todas as sub-bacias. Contudo, você
pode trocá-lo quando entrar com os dados da sub-bacia.

A definição dos padrões é feita pelo menu

Tools>Program Settings>

O programa abre uma janela com várias abas. Na aba General


você pode selecionar a vírgula (comma) como separador decimal e o
diretório F:HMS como Diretório do Projeto.

Na aba Default selecione: 1) Initial and Constant para Subbasin


Loss; 2)User-Specified Unit Hydrograph para o Subbasin Transform e 3)
Specified Hyetograph para a Subbasin Precipitation.(Ver Figura 5.3 )
O multimodelo HMS 111

FIGURA 5.3 – Telas de definição dos padrões gerais e dos modelos utilizados nos
projetos.

Criação do projeto

Para começar a utilizar o HMS devemos abrir um novo projeto.


Dentro do projeto são armazenados os dados da bacia hidrográfica, das
chuvas, das especificações de controle e das simulações.

No projeto são armazenados também os resultados das diversas


simulações com tabelas e gráficos.

O programa ao ser aberto apresenta a tela principal. No menu


seleciona-se:

File/New

O HMS abre a janela para entrada dos dados que identificam o


projeto. Nome do projeto = Primeiro projeto; Descrição = Bacia urbana
com método racional; Localização = I:\HMS (Figura 5.4).
O multimodelo HMS 112

FIGURA 5.4 – Tela de criação do Primeiro projeto com definição do diretório


de trabalho no qual são armazenados os dados e resultados do programa.

Após colocar todos os dados, clique Create. O HMS realiza as


seguintes tarefas: 1) cria um subdiretório com o nome Primeiro modelo no
caminho especificado em location (I:/HMS); nesse subdiretório são criados
outros subdiretórios onde o HMS passa a armazenar arquivos com os
dados inseridos; 2) abre, no BH Explorer, uma linha com o nome do
projeto (Primeiro projeto); 3) informa, no painel de mensagens, a criação
do projeto.

No editor de componentes o HMS mostra a descrição do projeto e


o nome do arquivo DSS criado (Data Storage System – Banco de dados da
família HEC herdado dos programas precursores).

Modelo de bacia hidrográfica

No modelo de bacia informamos o nome do modelo que


concebemos e os nomes e dados das subbacias. Em um modelo simples,
como esse, há apenas uma subbacia. A entrada se faz pelo Menu

Components/Basin Model Manager

O HMS abre a tela com a opção New para a criação de um modelo


de bacia hidrográfica. Entre com o nome = Urbana; entre com a descrição
da bacia e tecle Create (Veja Figura 5.5). No Explorador de Bacias, abaixo
do Basin Model o HMS cria a opção URBANA. Vá agora ao Explorador de
bacias, localize e tecle em URBANA. O HMS abre uma tela que lhe permite
criar a sub-bacia.
O multimodelo HMS 113

FIGURA 5.5 Tela para criar um modelo de bacia


hidrográfica

Nesse ponto, o Programa disponibiliza a barra de ferramentas.


Procure a ferramenta Subbasin Creation Tool, clique e arraste para a área
de trabalho e a coloque na posição desejada. Agora aparece uma tela para
definir a sub-bacia a ser criada. Entre o nome UNICA e tecle em Create.
Pronto, você já informou a configuração do sistema e pode entrar os
dados do modelo (Figura 5.6).

Veja que há sincronismo entre o explorador de bacias e o editor de


componentes. No explorador de bacias você muda de nível clicando sobre
os ícones + ou -. Quando você seleciona um nível no explorador de
bacias, a janela do editor de componentes muda para sincronizar.

Agora vá ao explorador de bacias e clique em UNICA. Desça ao


editor de componentes; na aba Subbasin entre com a descrição da Sub-
bacia (bacia única com a área de 2,0 km2).

Na aba Loss entre com os valores das perdas iniciais (zero para o
modelo racional). Para as perdas constantes, considerando-se o
coeficiente de escoamento C = 0,60 e uma chuva de intensidade
constante igual a 69 mm/h, a taxa de perdas constantes é igual a
27.6mm/h (0,4*69). Para áreas impermeáveis deixe o valor zero.

Na aba Transform o programa pede o nome do hidrograma


unitário especificado pelo usuário. Lembre-se que essa foi sua escolha,
porém até esse ponto você não entrou com esse HU. Para informar os
dados você deve recorrer ao gerenciador de dados em pares.
Posteriormente, após entrar com esse HU, você volta a essa aba e informa
ao gerenciador o nome do HU a ser usado na sub-bacia.
O multimodelo HMS 114

FIGURA 5.6 Criação da subbacia e habilitação das janelas no


explorador de bacias/ editor de componentes para entrada de
dados

Dados em pares

Esse componente permite entrar diversos dados em pares como:


relações cota x volume, cota x vazão, cota x área e o HU unitário
especificado pelo usuário. Vamos entrar com os dados de nosso HU.

No exemplo do Capítulo 3 você observou que o hidrograma


efluente na bacia retangular, para uma chuva de duração de 40 minutos
(tc) tem a forma de um triângulo isóscele. O HU gerado por uma chuva de
1 mm com duração de 40 minutos também terá essa forma. Contudo,
para uma chuva unitária de duração diferente do tempo de concentração,
o HU terá a forma de um trapézio.

Os HU é o único tipo de dados em pares que tem intervalo de


tempo em sua composição.

Faça o seguinte. No menu tecle

Components/Paired Data Manager

Selecione na janela data type a opção Unit Hydrographs Curves.


Tecle New e dê o nome HU trapezoidal. Está criado o HU do usuário e
agora você deve informar os dados.
O multimodelo HMS 115

Vá ao explorador de bacias e localize: Paired Data/ Unit


Hydrographs Curves/TRAPEZOIDAL. Desça ao editor de componentes e
selecione a aba Paired Data. Na janela Duration selecione 10 minutos.
Agora vá para a aba Table e entre com os dados. Você coloca os dados da
primeira linha. À medida que você entra com dados em uma linha, o HMS
abre a linha seguinte com o tempo do intervalo seguinte. Siga até colocar
todo o HU. Na aba Graph você vê a forma do HU

Nesse momento, você pode voltar para o editor de componentes


da bacia única e informar ao programa, na aba Transform, que o
Hidrograma Unitário da bacia UNICA é o TRAPEZOIDAL.

Dados de séries temporais

Esse componente permite informar os dados das estações


pluviométricas, das estações fluviométricas, das estações de níveis de
água e outras. Em nosso exemplo selecionamos para a chuva de projeto a
opção hietograma especificado (Specified Hyetograph). Em consequência
devemos informar nossos dados de chuva. Assim, vamos dar ao
pluviômetro o nome Sítio Lucas e fornecer esses dados ao gerenciador de
séries temporais

Como vimos, temos uma chuva de projeto de duração de 40


minutos com intensidade constante igual a 69 mm/h que resulta em uma
chuva total de 46 mm. Em termos incrementais, temos um acréscimo de
11,5 mm de chuva a cada 10 minutos.Vamos entrar esses dados.

Components/Time Series Manager

Na janela Data Type selecione a opção Precipitation Gage e clique


New. Entre com o nome Sitio Lucas, com a descrição Município de
Beberibe e tecle Create. Está criada a estação para dados de chuva. Vá
em frente.

No explorador de bacias localize Time-Series Data/Precipitation


Gages/Sitio Lucas. Desça ao editor de componentes para entrar os dados.
Na aba Time Series Gages do editor de componentes escolha Incremental
milimeters na janela Units e 10 minutes na janela Time Interval.

Na aba Time Window entre os dados: Start Date 01Jan2000; Start


Time 00:00, End Date 01Jan2000, End Time 01:00.
O multimodelo HMS 116

Na aba Table tecle os incrementos de 11,5 mm. Nesse ponto você


terminou de entrar com os dados da chuva de projeto. (Ver Figura 5.7)

FIGURA 5.7 Tela do HMS para entrada dos dados de precipitação no explorador de
bacias (esquerda) e no editor de componentes (direita)

O modelo meteorológico

No componente modelo meteorológico informamos ao HMS os


padrões de chuvas utilizados. Em nosso exemplo temos um único
pluviômetro, o Sítio Lucas, representando toda a bacia.

Vamos criar nosso modelo com o nome Meteo 1.

Components/Meteorological Model Manager

Tecle New, entre com o nome Meteo 1 e com a descrição: Chuva


uniforme com duração igual ao tc.

Tecle Create e está criado o modelo meteorológico.

Agora vá ao explorador de bacias e localize com o mouse o


modelo Meteo 1. Desça ao editor de componentes e na aba Basins
selecione em Basin Model a opção Urbana e tecle Yes. Dessa maneira,
você disse ao programa que o seu modelo de bacia Urbana utilizará na
simulação o modelo meteorológico Meteo 1.
O multimodelo HMS 117

Suba agora ao explorador de bacia e selecione com o mouse


Meteorological Model/Specified Hydrograph. Desça ao editor de
componentes e selecione para a sub-bacia UNICA a estação Sitio Lucas.

Nesse ponto você já informou ao programa todos os dados para


realizar a simulação, falta dizer como fazê-la. Vá então ao gerenciador das
especificações de controle.

As especificações de controle

Vamos criar nosso modelo com o nome Controle 1. Nesse


componente você informa ao programa as datas e horas de início e final
da simulação e o intervalo de tempo de cálculo.

Lembre-se de colocar um intervalo de tempo maior do que o


decorrido entre início e o fim da chuva para permitir a inclusão do período
de recessão da bacia.

Components/Control Specifications Manager

Tecle New, entre com o nome “Controle 1” e com a descrição


“Chuva com duração tc” e clique Create.

Localize com o mouse Controle 1 no explorador de bacia e desça


ao editor de componentes para entrar com os dados: Start Date =
01Jan2000; Start Time = 00:00; End Date = 01JAN2000; End Time =
01:20.

Estamos agora prontos para simular nosso sistema.

As especificações de execução

Para executar uma simulação o HMS utiliza o Menu Compute.


Nessa fase, você pode fazer composições de diversos modelos de bacias
com os modelos meteorológicos e com os modelos de controle. Em nosso
exemplo usamos apenas uma opção.

Vamos definir a execução

Compute/Create Simulation Run

Faça nome= Run 1; Tecle Next e o programa vai expondo as


alternativas. Siga até o fim e tecle Finish. Está criado o modelo de
O multimodelo HMS 118

execução Run 1.Nesse ponto, você pode fazer uma verificação se os


parâmetros que você colocou estão corretos na lógica do HMS. Faça

Compute/Check Parameters

Se não houver erros, o programa passa as mensagens


 NOTE 40049: Found no parameter problems in basin model
"URBANA".
 NOTE 20364: Found no parameter problems in meteorologic model
"Meteo 1".

Se houver erros, você os corrige.

A execução da simulação

Para executar a simulação use o menu

Compute/Select Run

Selecione Run 1 e em seguida faça

Compute/Compute Run[Run 1]

O programa executa a simulação e você poderá olhar e analisar


todos os resultados. Como se trata de um programa complexo, algumas
vezes acontecem erros na execução. O programa informa os erros no
painel de mensagens e você poderá corrigi-los. Agora, supondo que não
houve erro de entrada de dados, os resultados estão disponíveis para você
ver e analisar.

Os resultados

O HMS nos proporciona uma grande variedade de resultados em


formas de gráficos e de tabelas. Esses recursos podem nos facilitar a
análise de problemas complexos. Em nosso primeiro projeto, bastante
simples, vamos avaliar o hidrograma efluente e a vazão de pico e
comparar com o que obtivemos com a aplicação direta da fórmula racional
no Capítulo 3.

Nesse momento vamos nos limitar a dois recursos: uma tabela


com o resumo dos resultados e o hidrograma efluente.
O multimodelo HMS 119

A TABELA DE RESUMO DOS RESULTADOS

A tabela com o resumo dos resultados pode ser exibida com as


seguintes ações: Na aba inferior do explorador de bacias selecione
Results. Veja no explorador e selecione Simulations Runs/Run 1/UNICA. Ai
você tem as tabelas e gráficos disponíveis (Figura 5.8).

Observe no Summary Table (Figura 5.9) que você encontrou,


como esperado, uma vazão de pico de 23,0 m 3/s, a qual aconteceu no
tempo de concentração da bacia (tc = 40,0 minutos).

FIGURA 5.8 Tela com gráficos e tabelas de


resultados disponíveis do HMS.

FIGURA 5.9 – Resumo dos resultados da simulação do Primeiro Projeto


O multimodelo HMS 120

O GRÁFICO DA HIDRÓGRAFA EFLUENTE

O HMS disponibiliza várias telas gráficas que permitem uma


visualização do conjunto e também a ilustração de seu relatório ou
trabalho acadêmico. A Figura 5.7 mostra a chuva total, a chuva efetiva e o
hidrograma efluente. O hidrograma efluente tem a forma de um triângulo
isóscele com pico de 23,0 m3/s do jeito que obtivemos no capítulo 3.

Esses métodos são o padrão para o projeto e serão adotados nas


sub-bacias nas quais não houver informações diferentes (será visto mais
adiante). Observe que essa etapa não é necessária, mas caso não seja
realizada o HMS adota como padrão o que está definido anteriormente
como padrão do programa.

FIGURA 5.10 Gráfico da chuva total, chuva efetiva e hidrograma efluente para a
bacia UNICA
O multimodelo HMS 121

SÍNTESE

Nesse capítulo desenvolvemos um modelo HMS para reproduzir os


cálculos do modelo apresentado no Capítulo 3. O HU foi construído
utilizando-se as relações de área de escoamento versus tempo como
apresentada no Capítulo 3. Obtivemos um HU da forma como
matematicamente previsto.

O exemplo apresentado proporciona os primeiros contatos com o


HMS, o qual é um programa de muitas possibilidades, o que o torna
inadequado para problemas mais simples. Porém, quando você adquire
familiaridade com o programa ele se torna de grande utilidade para
pesquisa e trabalhos técnicos.

Nesse capítulo foi o problema foi apresentado em forma de


tutorial. A grande dica para o usuário principiante é se familiarizar com o
sincronismo entre os componentes explorador de bacias, editor de
componentes e área de trabalho. Contudo, para poder fazer uso de todas
as possibilidades do HMS é imprescindível que você tenha em mão e
consulte os manuais do usuário e manual de referência técnica listados
nas referências (USA 2000 e USA 2009).

REFLEXÃO – O sonho de Descartes era trazer


para as ciências empíricas as certezas da
matemática. Ele desenvolveu o raciocínio em
três etapas, conforme vimos no primeiro
capítulo. A sua conclusão foi que o nosso
pensamento é a única coisa na qual o ente
maligno não poderia nos enganar. Assim, foi
nosso modelo. Desenvolvido de forma
conceitual em nosso pensamento chegamos às
certezas da matemática. Assim, se penso um
modelo conceitualmente pleno, a certeza da
matemática existe. Agora, para levar nossos
resultados do mundo cartesiano para o mundo
empírico, é outra coisa. Devemos ter cuidado
com o ente maligno a que se referiu Descartes,
pois é nessa passagem que aquele ente, que
retrata as incertezas se faz presente.
O multimodelo HMS 122

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

USA. Hydrologic Engineering Center. Us Army Corps Of Engineers. Hydrologic


Modeling System HMS: User´s Manual. Davis, Califórnia: Hec, 2009. 149 p.
Disponível em: <http://www.hec.usace.army.mil/software/hec-
hms/documentation.html>. Acesso em: 25 out. 2009.
USA. Hydrologic Engineering Center. Us Army Corps Of Engineers. Hydrologic
Modeling System HMS: Technical Reference Manual. Davis, Califórnia: Hec,
2000. 149 p. Disponível em: <http://www.hec.usace.army.mil/software/hec-
hms/documentation.html>. Acesso em: 25 out. 2009.

E-REFERÊNCIAS

HEC HMS USERS MANUAL Version 3.4 Aug 2009 Disponível em


http://www.hec.usace.army.mil/software/hec-hms/documentation.html.
Visita em 23 de outubro de 200
______________________________________CAPÍTULO 6

Quando a água curva o bastão, a


minha razão endireita-o. A razão decide
como mestra.

La Fontaine

PROPAGAÇÃO DE CHEIAS

INTRODUÇÃO

Até agora estudamos modelos de pequenas bacias hidrográficas


nas quais os processos de acumulação de águas são negligenciáveis.
Contudo, quando o tamanho da bacia aumenta, essas acumulações
passam a interferir significativamente nos resultados e não mais podem
ser ignoradas. Dessa forma, para avançarmos em nossas lições de
modelagem, vamos estudar os fundamentos dos processos de difusão e
de propagação de cheias.

O caminhamento de cheias em rios, canais e reservatórios é um


processo hidrológico no qual se dá o fenômeno da difusão, e resulta em
atenuação das vazões de pico dos hidrogramas. Esse processo está muito
presente na prática da Engenharia Hidrológica em estudos de
reservatórios, de planícies de inundação, de diques de proteção e de
estruturas em sistemas urbanos de macrodrenagem.

Nesse capítulo mostramos a classificação dos métodos de


propagação de cheias e em seguida apresentamos os vários métodos de
cálculo mais aplicados em Engenharia Hidrológica, como o método do
tempo de retardo, o método da onda cinemática, o método Muskingum e
o método Muskingum-Cunge. Todos esses métodos estão disponíveis no
HMS.
Propagação de cheias 124

CLASSIFICAÇÃO DOS MODELOS DE ESCOAMENTO

Chow (1959) classificou os modelos de escoamento em dois


grandes grupos: os hidrológicos e os hidráulicos. Os métodos hidrológicos
utilizam a equação da continuidade, uma relação matemática entre o nível
da água e a vazão efluente e alguma relação entre o nível da água e o
volume armazenado no corpo de água. Os modelos hidráulicos são
aqueles que usam a equação de Saint Venant com suas diversas
apresentações e simplificações.

Tucci (2005, p. 98) apresenta outra classificação dos modelos,


baseada nas simplificações admitidas para a equação de Saint Venant. Os
tipos de modelo são:
 modelos de armazenamento;
 modelo da onda cinemática;
 modelo de difusão;
 modelo hidrodinâmico.

Vamos agora descrevê-los. Porém, antes vamos apresentar a


classificação tradicional dos regimes hidráulicos de escoamento em rios e
canais e suas ligações com a equação de Saint Venant. Essas definições
forma compiladas de livros de Hidráulica como Porto (1998), Chow (1959)
e Henderson (1966).

Os regimes hidráulicos de escoamento

Os tipos de escoamento em rios e canais são classificados nas


dimensões espaço e tempo, em função do comportamento das variáveis:
lâmina de água, raio hidráulico, velocidade e outras.

Na dimensão tempo, os regimes de escoamento são:


 permanente, o qual ocorre quando a velocidade em uma dada seção
permanece constante com o tempo;
 não permanente, o qual acontece quando, em uma seção qualquer,
há variações da velocidade com o tempo;

Na dimensão espaço os escoamentos podem ser:


 uniforme, quando as velocidades de escoamento locais são paralelas
entre si e constantes ao longo de uma mesma trajetória Como
Propagação de cheias 125

consequência, a declividade da linha de água é paralela à


declividade do leito do canal;
 não uniforme, que se dá quando as velocidades locais não são
constantes e a linha da água não é paralela à declividade do fundo
do canal.

Considerando as duas dimensões, tempo e espaço, os


escoamentos são:
 permanente uniforme;
 permanente variado;
 não permanente variado;
 não permanente uniforme.

O regime permanente uniforme acontece em canais prismáticos de


grande comprimento. Nesses, há suficiente espaço para eliminar as
influências da estrutura de saída à jusante, como acontece em longos
canais de irrigação. O regime permanente variado ocorre à montante de
obras tipo vertedores, barragens, quedas e outras. Na avaliação de
influências de barragens em rios, os modelos normalmente utilizam o
regime variado. O regime não permanente variado é o mais encontrado
em estruturas hidráulicas e, a rigor, o único que acontece em rios e
riachos naturais. O regime não permanente uniforme não pode ser
encontrado na natureza.

As soluções matemáticas dos escoamentos nesses regimes são


feitas, a partir de métodos numéricos, aplicando-se a equação da
quantidade de movimento de Saint Venant em suas versões completa e
simplificadas, conforme apresentado a seguir:

𝜕𝑦 𝑦 𝜕𝑦 1 𝜕𝑦
𝑆𝑓 = 𝑆0 − − − 𝑛ã𝑜 𝑝𝑒𝑟𝑚𝑎𝑛𝑒𝑛𝑡𝑒 𝑣𝑎𝑟𝑖𝑎𝑑𝑜;
𝜕𝑥 𝑔 𝜕𝑥 𝑔 𝜕𝑡
𝜕𝑦 𝑦 𝜕𝑦
𝑆𝑓 = 𝑆0 − − 𝑝𝑒𝑟𝑚𝑎𝑛𝑒𝑛𝑡𝑒 𝑣𝑎𝑟𝑖𝑎𝑑𝑜;
𝜕𝑥 𝑔 𝜕𝑥

𝜕𝑦
𝑆𝑓 = 𝑆0 − 𝑝𝑒𝑟𝑚𝑎𝑛𝑒𝑛𝑡𝑒 𝑣𝑎𝑟𝑖𝑎𝑑𝑜;
𝜕𝑥

𝑆𝑓 = 𝑆0 𝑢𝑛𝑖𝑓𝑜𝑟𝑚𝑒 𝑐𝑖𝑛𝑒𝑚á𝑡𝑖𝑐𝑜.

Sf denota a declividade da linha de energia, S0 a declividade do leito do


canal, y representa a altura da lâmina de escoamento, x refere-se à
Propagação de cheias 126

distância horizontal a uma origem, g denota a aceleração da gravidade e t


representa o intervalo de tempo desde o instante inicial.

Os modelos de armazenamento

Os modelos de armazenamento utilizam a equação da


continuidade e relações, matemáticas ou tabulares, entre os níveis de
água no corpo de água e a vazão liberada no exutório; ou também as
relações entre vazão liberada e volume acumulado no corpo de água.

Há basicamente dois tipos de problemas solucionados por esses


modelos: 1) o amortecimento de cheias em reservatórios, e 2) a
propagação de cheias em canais e rios.

EM RESERVATÓRIOS

O amortecimento de cheias em reservatórios utiliza os seguintes


dados:
 hidrograma afluente;
 relação cota x volume armazenado;
 relação cota x vazão efluente ou volume armazenado x vazão
efluente para caracterizar o vertedouro.

O resultado é a apresentação do hidrograma efluente.

No desenvolvimento do modelo matemático utiliza-se a equação


da continuidade na forma

𝑑𝑆
= 𝐼(𝑡) − 𝑂(𝑡)
𝑑𝑡

onde S denota o volume acumulado no reservatório, t o tempo decorrido,


I a vazão afluente e O a vazão efluente pelo vertedouro.

Essa equação pode ser representada, em escala de tempo


discreto, na forma:

𝑆𝑡+1 + 𝑆𝑡 𝐼𝑡+1 + 𝐼𝑡 𝑂𝑡+1 + 𝑂𝑡


= −
∆𝑡 ∆𝑡 ∆𝑡
Propagação de cheias 127

onde St+1, St, It+1, It Ot+1, Ot denotam, respectivamente, os volumes


acumulados, as vazões afluentes e efluentes nos tempos t+1 e t, sendo ∆t
o intervalo de tempo de cálculo.

Uma das características importantes desse modelo é que o pico da


vazão efluente ocorre no ponto em que o hidrograma efluente cruza o
hidrograma afluente (Figura 6.1).

FIGURA 6.1 – Representação esquemática dos hidrogramas


afluente e efluente no amortecimento de cheias em
reservatórios.

EM RIOS E CANAIS

Na propagação de cheias em canais a premissa de uma relação


única entre o volume armazenado no reservatório e o a vazão efluente
não mais persiste. O armazenamento no trecho do canal, como mostrado
na Figura 6.2, é formado por duas partes: o armazenamento em prisma, o
qual compreende as águas armazenadas abaixo de uma linha paralela ao
leito do canal e o armazenamento em cunha que abrange as águas entre
essa linha e a superfície superior das águas.

REFLEXÃO: Uma premissa fundamental


nos modelos de armazenamento em
reservatórios é que os volumes afluentes
espraiam-se instantaneamente sobre o
lago. Veja a Figura 6.1 e observe que o
máximo da vazão efluente acontece no
instante no qual esse hidrograma cruza o
hidrograma afluente. Usando somente os
recursos da lógica formal, você poderia
provar que essa conclusão é verdadeira?
Propagação de cheias 128

FIGURA 6.2 – Representação esquemática dos armazenamentos em cunha e prisma na


propagação de cheias em canais

O armazenamento em prisma cresce durante a fase de avanço da


cheia e decresce na fase de depleção. Se fizermos um gráfico do volume
armazenado versus a vazão de saída encontraremos uma curva em laço
(será mostrada adiante).

Nos estudos mais simples, como o de reservatórios, o volume em


prisma é negligenciado.
FIGURA 6.2 – Representação esquemática dos armazenamentos a) em prisma e b) em
cunha durante a propagação de cheias em canais.

Para incorporar os efeitos do armazenamento em cunha, a vazão


afluente (I) é incluída nas relações de armazenamento.

Os volumes de armazenamento na cunha são relacionados com as


vazões afluentes e efluentes pelas equações:

𝑆𝑖 = 𝐾𝐼𝑛

𝑆𝑜 = 𝐾𝑂 𝑛

sendo K uma constante de armazenamento, n um parâmetro empírico, e


X é um fator de ponderação entre os efeitos relativos das vazões afluentes
e efluentes.

Temos:

𝑆 = 𝑋𝑆𝑖 + (1 − 𝑋)𝑆𝑜

Substituindo Si e S0 na equação acima, teremos:

𝑆 = 𝐾[𝑋𝐼𝑛 + (1 − 𝑋)𝑂 𝑛 ]
Propagação de cheias 129

Essa equação é a forma mais geral para estimativa da propagação


de cheias em rios e canais. Ela enquadra-se como um método de
armazenamento. Na versão simplificada e mais aplicada faz-se o expoente
n igual a 1,0.

Uma das características da propagação em canais é que o pico da


vazão efluente se dá após o cruzamento entre as hidrógrafas afluente e
efluente (Figura 6.3).

Método Muskingum ou método de Muskingum

Ao denominá-lo como método de Muskingum,


podemos induzir ao leitor a pensar que o método foi
desenvolvido por “Muskingum”. Isso seria impossível
pois o Muskingum que dá nome ao método é um rio
no Estado de Ohio nos Estados Unidos. Poderia ser e,
quem sabe, um dia venha a ser, Método de McCarthy
em homenagem ao seu primeiro aplicador.
Em pesquisa Google, em 25/10/2009, às
14h:10min, no horário brasileiro robusto,
encontramos 1020 ocorrências para “método
Muskingum” e 7873 de método de Muskingum”

FIGURA 6.3 Representação esquemática dos hidrogramas afluente e


efluente em uma propagação em canais.
Propagação de cheias 130

O modelo da onda cinemática

O modelo da onda cinemática, enquadrado com um tipo de


propagação hidráulica da classificação de Ven te Chow, combina a
equação da continuidade com a forma mais simples da equação de St.
Venant e tem como premissa básica que a declividade da linha de energia
(Sf) é igual à declividade do leito do canal (S0).

As equações básicas da onda cinemática são

𝜕𝐴 𝜕𝑄
+ = 𝑞𝐿
𝜕𝑡 𝜕𝑥

𝑄 = 𝛼𝐴𝑚

onde A denota a área da seção transversal de escoamento, t representa o


tempo, Q refere-se à vazão escoada, x à distância à origem e qL à vazão
de contribuição lateral por unidade de comprimento, sendo α e m
parâmetros empíricos do modelo

O modelo tem as seguintes premissas e limitações:


 não permite, explicitamente, a separação do canal principal e das
margens (overbanks);
 executa somente uma translação sem atenuação da onda de cheia;
se alguma atenuação aparece nos resultados deve-se a
aproximações numéricas e recebe o nome de difusão numérica;
 a distribuição hidrostática de pressões é admitida, negligenciando-
se as acelerações verticais.
 não há circulações secundárias, isto é, o canal é unidimensional e
representado por uma linha reta.
 a declividade do leito do canal deve ser inferior a 10%.
 para representar o escoamento podem ser aplicadas as equações de
Manning ou a de Chezy.

O modelo de difusão

O modelo de difusão, diferentemente da onda cinemática


incorpora termos de segunda ordem nas derivadas parciais. O modelo
utiliza a equação da continuidade e a equação da quantidade de
movimento sem os termos de inércia.
Propagação de cheias 131

A equação que representa esse fenômeno pode ser escrita na


forma apresentada por Ponce (1989, p. 147):

𝜕𝑦 𝜕ℎ 𝜕2ℎ
+ 𝑐 = 𝑖 + 𝑣ℎ
𝜕𝑥 𝜕𝑥 𝜕𝑥 2

na qual
5
𝑐 = ( ) 𝑢0
3

𝑢0 ℎ0
𝑣ℎ =
2𝑆0

sendo c é a celeridade de referência para a onda de difusão e v h é a


difusividade hidráulica ou difusividade do canal.

A equação implica que o componente de difusão (termo de


segunda ordem) é pequeno comparado com o componente de
concentração (termo de primeira ordem) e que a difusividade hidráulica
controla a contribuição da difusão ao escoamento. Quando a declividade
do canal aproxima-se de zero, a equação da difusão não se aplica. Porém,
para canais com declividade suave (de 0, 001 a 0,0001) ela pode ser
aplicada (PONCE, op.cit., p. 147).

O modelo hidrodinâmico

A equação completa pode ser aplicada para estimar a propagação


de grandes cheias em canais e rios naturais. Uma das aplicações clássicas
dessa equação é o estudo de uma onda de cheia ocasionada pela rotura
de uma barragem.

A onda dinâmica permite melhores resultados quando modelam


ondas de cheias, porque elas incluem parâmetros que os outros métodos
negligenciam. Esse método apoia-se mais nas características físicas do rio
e nas propriedades da cheia e menos nos dados de cheias anteriores.

Se a onda, ou hidrógrafa, se deslocar ao longo do subtrecho de


comprimento Δx, em um tempo menor do que o intervalo de cálculo, Δt,
então instabilidades numéricas computacionais podem ocorrer.
Propagação de cheias 132

Para evitar essa instabilidade deve-se atender à condição de


Courant, expressa como:

𝑑𝑡
𝑑𝑡 ≤
𝑐

Como desvantagens, ou dificuldades, para a aplicação do modelo


da onda dinâmica, podemos citar: as simplificações na geometria dos
canais naturais necessárias para permitir o tratamento matemático; a
grande quantidade de informações, as especificações de contorno e a
questão da instabilidade numérica já comentada.

Rotura de barragens

A rotura de uma grande barragem pode


resultar em grandes desastres em
termos de perdas de vidas humanas. A
segurança das barragens é um tema que
requer cuidados especiais dos governos.
Da mesma maneira que se faz um plano
de ação para o caso de vazamento em
usinas atômicas, seria necessário que se
dispusesse de uma estratégia de ação
para o caso de rompimento de uma
barragem. A elaboração de estudos de
propagação de ondas cheias, overtop
dam-break, é ação inicial e indispensável
para avaliar as áreas atingidas em caso
de desastre. Infelizmente, no Brasil há
um número apreciável de grandes
barragens para os quais esses estudos
não foram feitos.

O HMS dispõe de um modelo que avalia o processo de rotura da


barragem (breach). Por sua vez, o HEC-RAS tem um modelo para fazer a
propagação das cheias ao longo dos rios usando a onda dinâmica. Esses
modelos usam a Equação de Saint Venant completa e delimitam as áreas
que seriam afetadas caso ocorresse uma rotura da barragem. Esse tema é
avançado e não será abordado nesse curso.
Propagação de cheias 133

Métodos de cálculo da propagação de cheias

No HMS o fenômeno da propagação de cheias se dá no elemento


hidrológico trecho (reach). Há várias alternativas para estimá-lo, como:
 método do tempo de retardo (Lag);
 método de Puls modificado;
 método Muskingum;
 método Muskingum-Cunge;
 método Stradle Stagger.

Vamos, na próxima seção, descrever alguns deles.

Método do tempo retardo

O método do retardo (Lag) é o modelo mais simples do


caminhamento de uma cheia ao longo de um canal. Nesse método, o
hidrograma afluente é transladado, sem qualquer modificação, para a
saída do trecho, defasado por um intervalo de tempo ∆t.

Matematicamente a representação do hidrograma efluente

𝑂(𝑡 + 𝑙𝑎𝑔) = 𝐼(𝑡)

onde O(t+lag) denota a vazão efluente no tempo t+lag, I(t) representa a


vazão afluente no tempo t e lag representa o tempo de deslocamento da
onda de cheia ao longo do trecho.

Esse método somente é aplicado em pequenas bacias urbanas.


Aplicá-lo em reservatórios para dimensionamento de vertedouros não é
recomendável porque leva a um superdimensionamento da estrutura por
desconsiderar o efeito de amortecimento.

Método de Puls

O método de Puls é baseado na resolução, por diferenças finitas,


da equação da continuidade acoplada com uma representação empírica da
equação da quantidade de movimento (Chow, 1964; Henderson, 1966).
Propagação de cheias 134

O método do tempo de retardo é um caso


particular do método Muskingum com X igual a
0,5 e tempo de retardo igual a K. Para o
método de Puls, ele reproduz o resultado da
propagação de cheias em um vertedouro de
largura infinita, ou muito grande, com um
tempo de retardo igual a zero.

A equação da continuidade tem a forma

𝑆𝑡+1 + 𝑆𝑡 𝐼𝑡+1 + 𝐼𝑡 𝑂𝑡+1 + 𝑂𝑡


= −
∆𝑡 ∆𝑡 ∆𝑡

onde St+1, St, It+1, It Ot+1, Ot denotam, respectivamente os volumes


acumulados, as vazões afluentes e efluentes.

Em seguida a mesma é reorganizada para:

2𝑆𝑡+1 2𝑆𝑡
(𝑂𝑡+1 + ) = 𝐼𝑡+1 + 𝐼𝑡 − ( 𝑂𝑡 + ()
∆𝑡 ∆𝑡

Uma vez que tenhamos definido a condição inicial (S1 = volume da


reserva no tempo t =1), todos os termos do lado direito da equação ficam
conhecidos e podemos calcular o lado esquerdo, no qual os termos O t+1 e
St+1 são dependentes entre si.

O segredo do método consiste em estimar a vazão efluente O em


função de (O+2S/∆t). Essa função pode ser obtida das relações cota x
volume e da curva de vazão do vertedouro.

O método é desenvolvido nas seguintes etapas:


 em função da curva cota x volume do reservatório e da equação do
vertedouro, traça-se a curva O x (O+2S/∆t);
 fixam-se as condições iniciais e definem-se os valores de S1, e O1.
 calcula-se o termo (O2+2S2/∆t), lado esquerdo da equação, já que
os termos I2 e I1 são conhecidos;
 calcula-se O2 utilizando a equação(curva) definida no passo 1.
Propagação de cheias 135

Com isso ficam conhecidos todos os termos no tempo 2, o que é o


lado esquerdo da equação para cálculo do passo 3. O processo é repetido
seguidamente até que calcular todo o tempo de hidrograma efluente.

O método Muskingum

O método Muskingum parte da equação geral para


armazenamento em canais com coeficiente n = 1.

Temos:

𝑆 = 𝐾[𝑋𝐼 + (1 − 𝑋)𝑂]

Substituindo-se a equação acima na equação da continuidade


temos:

𝐼1 + 𝐼2 𝐾[𝑋𝐼1 + (1 − 𝑋)𝑂1 ] − 𝐾[𝑋𝐼2 + (1 − 𝑋)𝑂2 ] 𝑂1 + 𝑂2


+ =
2 ∆𝑡 2

Os termos da equação podem ser rearranjados na forma

𝑂2 = 𝐶0 𝐼2 + 𝐶1 𝐼1 + 𝐶2 𝑂1

com

0,5∆𝑡 − 𝐾𝑋
𝐶0 =
𝐾(1 − 𝑋) + 0,5∆𝑡
0,5∆𝑡 + 𝐾𝑋
𝐶1 =
𝐾(1 − 𝑋) + 0,5∆𝑡
𝐾(1 − 𝑋) − 0,5∆𝑡
𝐶2 =
𝐾(1 − 𝑋) + 0,5∆𝑡

Esse conjunto de equações foi aplicado pela primeira vez por


McCarthy em um estudo do Projeto de Controle de Cheias no Distrito de
Conservação do rio Muskingum, em Ohio em 1938 e recebeu a
denominação de método Muskingum (Wang et al., 2006).

Para aplicação do método Muskingum é necessário estimar os


valores dos parâmetros K e X.
Propagação de cheias 136

O parâmetro K é estimado pelo tempo de viagem de deslocamento


da água no trecho. Esse tempo pode ser estimado com a aplicação da
equação de Manning.

O valor de X pode ser pensado como um fator de ponderação


entre a vazão de entrada e a vazão de saída. O valor de X deve ser entre
0.0 e 0.5. Quando a vazão afluente torna-se menos importante do que a
vazão efluente o valor de X decresce. O limite inferior de X é 0.0 e indica
que a vazão afluente, I, tem pouco ou nenhum efeito no armazenamento.

Um reservatório é um exemplo dessa situação e pode ser


observado que a atenuação é o processo dominante comparado à
translação. Valores de X = 0.2 to 0.3 são os mais comuns em rios
naturais, entretanto, valores de 0.4 a 0.5 podem ser calibrados para rios
com pouco ou nenhuma planície de inundação, ou efeitos de
armazenamento. O valor X = 0.5 representa igual peso entre vazão de
entrada e vazão de saída e produz translação com pouco ou nenhuma
atenuação.

O método pode produzir vazões negativas na parte inicial do


hidrograma. Recomenda-se seja aplicado a hidrogramas de crescimento
de vazão moderado em rios de declividade média a íngreme. O método
não é aplicável a hidrogramas com crescimento rápido tal como em rotura
de barragens. O método também negligencia efeitos de remanso variável
tais como barragens, pontes e influências de marés.

O método Muskingum-Cunge

O método Muskingum utiliza a equação da quantidade de


movimento na forma:

𝜕𝑄 𝜕𝑄 𝜕2𝑄
+ = 𝜇 2 + 𝑐𝑞
𝜕𝑡 𝜕𝑥 𝜕𝑥

sendo Q a vazão, t o tempo, x à distância ao longo do canal, q a vazão


lateral, c a celeridade da onda e µ a difusividade hidráulica.

𝑄
𝜇=
2𝐵𝑆0

B denota a largura da superfície do canal, Q a vazão e S 0 a declividade do


leito.
Propagação de cheias 137

𝑛+1
𝑄𝑗+1 = 𝐶0 𝑄𝑗𝑛 + 𝐶1 𝑄𝑗𝑛+1 + 𝐶2 𝑄𝑗+1
𝑛
+ 𝐶3 𝑄𝐿

∆𝑡 ∆𝑡
+ 2𝑋 − 2𝑋
𝐶0 = 𝐾 𝐶1 = 𝐾
∆𝑡 ∆𝑡
+ 2(1 − 𝑋) + 2(1 − 𝑋)
𝐾 𝐾
∆𝑡 ∆𝑡
2(1 − 𝑋) − 2
𝐶2 = 𝐾 𝐶3 = 𝐾
∆𝑡 ∆𝑡
+ 2(1 − 𝑋) + 2(1 − 𝑋)
𝐾 𝐾

O método Muskingum-Cunge é considerado uma solução


aproximada da equação convectiva de difusão. Em conseqüência, o
método incorpora os efeitos de atenuação de cheias.

A solução da equação é feita por diferenças finitas. Cuidado


especial deve ser tomado na escolha do intervalo de tempo usado para
cálculo, o qual não pode ser maior do que o tempo que a onda leva para
percorrer o comprimento total do trecho em análise.

O método da onda cinemática

O método da onda cinemática pode ser aplicado no cálculo de dois


processos hidrológicos: na formação do hidrograma (Transform) pelo
escoamento superficial difuso em um plano, e na propagação de cheias
em um canal (Loss).

O modelo resolve o sistema de equações formado pela equação da


continuidade e outra que retrata o escoamento em canais, como a seguir:

𝜕𝐴 𝜕𝑄
+ =𝑞
𝜕𝑡 𝜕𝑥

𝑄 = 𝛼𝐴𝑚

A solução do sistema é obtida por um esquema explícito de


diferenças finitas na grade tempo x espaço (Figura 6.4).
Propagação de cheias 138

FIGURA 6.4 - Esquema explícito de diferenças finitas para


cálculo do propagação de cheias pela onda cinemática.

𝐴(𝑖,𝑗) − 𝐴(𝑖,𝑗−1) 𝐴(𝑖,𝑗−1) − 𝐴(𝑖−1,𝑗−1) (𝑚−1) 𝐴(𝑖,𝑗−1) − 𝐴(𝑖−1,𝑗−1) 𝑞(𝑖,𝑗) + 𝑞(𝑖,𝑗−1)


+ 𝛼𝑚[ ] [ ]=
∆𝑡 2 ∆𝑥 2
Quando a celeridade média, c, é maior do que a razão Δx/Δt, uma
forma conservadora dessas equações é aplicada. Nessa forma
conservativa, as derivadas temporal e espacial são estimadas somente na
etapa de tempo e local anterior.

𝑄(𝑖,𝑗) − 𝑄(𝑖−1,𝑗) 𝐴(𝑖−1,𝑗) − 𝐴(𝑖−1,𝑗−1) 𝑞(𝑖,𝑗) + 𝑞(𝑖,𝑗−1)


+ =
∆𝑥 ∆𝑡 2
O HMS dispõe de modelos para os cálculos do método da onda
cinemática para dois processos hidrológicos: 1) para o processo
Transform, no qual o hietograma de chuvas efetivas é transformado em
um hidrograma; 2) o processo de propagação de cheias. Na próxima
seção faremos uma aplicação desse método nos dois processos.

A onda cinemática foi desenvolvida para bacias urbanas embora


possa ser, eventualmente, aplicadas a bacias rurais. É um modelo
conceitual formado por dois planos. As mesmas condições meteorológicas
são aplicadas aos dois planos. Contudo, diferentes condições do processo
hidrológico perdas (Loss) podem ser aplicadas aos dois planos.

Os dois planos entregam suas vazões nos subcoletores. Estes


procuram representar as sarjetas dos sistemas de drenagem urbana. As
vazões dos planos são entregues aos subcoletores sob a forma de vazões
laterais.
Propagação de cheias 139

Os coletores procuram representar as galerias que recebem as


águas dos subcoletores (sarjetas) e as conduzem para os canais que
formam a rede de macro drenagem.

O modelo tem muitos parâmetros, entre eles as distâncias e


rugosidades entre subcoletores, coletores, o comprimento dos planos e
outros. Os dois planos podem ser diferentes em termos de rugosidade e
de área. Nas entradas de dados você seleciona quanto da área da bacia
está em cada plano. Em uma situação limite, de um único plano. Umas
das entradas é a porcentagem que cada plano representa da área total.
Se você colocar 100% em um plano, o outro será, obrigatoriamente, 0%.
O plano único que, como você se recorda, é o exemplo de nosso primeiro
modelo que se transformou em nosso primeiro projeto.

FIGURA 6. 5 Esquematização livro aberto de Wooding para a


aplicação da onda cinemática em uma bacia hidrográfica

Planos de escoamento difuso. Podem ser modelados até dois


planos para representar o escoamento difuso. A soma das vazões dos dois
planos representa a vazão total na bacia que escoa para os subcoletores,
coletores e o canal principal.

Subcoletores. Esses buscam representar os pequenos canais e


tubulações (até 400mm), incluindo as sarjetas.

Coletores. São as tubulações maiores que recebem as vazões dos


subcoletores e as conduzem para os canais principais. Normalmente são
tubulações de diâmetros variando de 400 a 600mm, são as galerias.

Canais principais. Recebem as vazões de coletores e


subcoletores ou diretamente dos planos de escoamento difuso. No
exutório do canal principal é representado o hidrograma efluente do
modelo.
Propagação de cheias 140

Os dados necessários para esses elementos estão apresentados na


Tabela 6.1

TABELA 6-1 Informações necessárias para o modelo da onda cinemática no HMS

Coletores e Canal principal


Planos do escoa-
subcoletores
mento difuso

Comprimento médio Área drenada por canal Comprimento do Canal

Declividade média do Comprimento Forma do canal


plano

Coeficiente de rugosidade Descrição da forma do Principais dimensões


para escoamento difuso Canal

Área de cada plano Principais dimensões da Declividade


seção transversal

Parâmetros de perdas Declividade média Coeficiente de Manning


(Loss)

Coeficiente de rugosidade Identificação do


de Manning hidrograma de montante
(se houver)

APLICAÇÃO DA ONDA CINEMÁTICA

Passamos agora a uma aplicação do método da onda cinemática.


Mais uma vez, vamos tentar reproduzir os escoamentos da bacia
retangular do primeiro modelo. Para isso, devemos manter todas as
condições anteriores, com exceção daquelas relativas ao processo
Transform. Nesse processo, o modelo da onda cinemática deve substituir
o modelo do hidrograma unitário, aplicado com a hidrógrafa unitária
informada pelo usuário usada no exemplo do capítulo anterior.

Como temos um canal coletando as águas do plano de


escoamento e as conduzindo para o exutório, será adicionado ao nosso
modelo de sub-bacia o elemento trecho (reach) no qual ocorre o processo
de propagação de cheias. No nosso projeto utilizaremos na propagação o
modelo onda cinemática.
Propagação de cheias 141

TABELA 6.2 Valores do coeficiente de rugosidade para os planos de escoamento difuso

Descrição da superfície N

Superfícies lisas (concreto, asfalto, cascalho ou solo 0,011


nu)

Solos arados sem resíduos 0,05

Solos cultivados

Cobertura residual ≤20% 0,06

Cobertura residual ≥ 20% 0,17

Grama

Gramados curtos, pradarias 0,15

Gramados longos como capim búfalo, capim 0,24


chorão* e misturas de gramas nativas

Grama bermuda 0,41

Pastagens 0,13

Florestas e bosques

Arbustos ralos 0,40

Arbustos densos 0,80


Adaptado de USA (2000, p. 61). *Consulta a www.institutochorus.com.br

Dados do projeto

Vamos agora apresentar os dados do novo projeto, com as


pequenas modificações necessárias em decorrência da mudança do
modelo das transformações hidrológicas.
Nome do projeto: Onda cinemática

Bacia hidrográfica (A): Um plano com 2,0 km2 de área.

Tempo de concentração (tc): 40 min + propagação no canal.


Coeficiente de escoamento (C) = 0,60
Propagação de cheias 142

Chuva 02: 69 mm/h durante 40 minutos, iniciando as 0:00 de 01 de


janeiro de 2000.

Tipo de superfície – Solos cultivados com cobertura residual inferior a


20% (N = 0,06) Tabela 6.2

Declividade do plano de escoamento: S = 0,06.

O tempo de concentração não é uma entrada solicitada pela HMS


no modelo da onda cinemática. O valor colocado se refere a uma
estimativa preliminar baseada no conceito de tempo de concentração. O tc
é igual ao tempo de viagem no plano, determinado pelo modelo do
overland flow acrescido do tempo de viagem ao longo dos coletores e
canal principal.

Criação do projeto e modelo de bacia hidrográfica

Veja bem, nesse momento estamos usando, em grande parte, as


informações do primeiro projeto. Lembre-se que modificamos apenas o
Transform e introduzimos a propagação de cheias.

Dessa forma é possível aproveitar nosso arquivo do primeiro


projeto para economizar tempo com entrada de dados. Faça o seguinte:
 abra no HMS o Primeiro projeto do capítulo anterior;
 salve o projeto com o nome Onda cinemática.

O HMS abre no diretório I:/HMS, um subdiretório com a


denominação de onda cinemática. Nesse subdiretório serão arquivados os
dados do novo projeto.

Dados do modelo de onda cinemática

Agora vá ao explorador de bacias, tecle na bacia URBANA,


selecione a sub-bacia UNICA e desça ao editor de componentes. Na janela
Transform Method troque User Specified Hydrograph por Kinematic Wave.

Agora, você pode entrar com todos os dados. Estamos, nessa


etapa, tentando ajustar os dados para reproduzir o modelo conceitual.
Essa estratégia é válida por sabemos o que estamos fazendo. Por
enquanto, estamos em um exercício didático de aprendizado.
Propagação de cheias 143

Subbasin – Trazido do Primeiro projeto com modificação no


processo hidrológico Transform, e inserção do processo de propagação de
cheias. No Primeiro projeto a optamos por não ter propagação (não havia
canal no modelo), agora devemos optar por propagação com onda
cinemática.

Plane 1 - Length (comprimento) =667m; Slope (declividade


média)= 0,06m/m; Roughness (N do escoamento difuso) = 0,06;
Area(%) = 100. Obs.: Ao adotarmos Area igual a 100% implica que todo
o escoamento da bacia é escoado para o Plane 1, isto é, o sistema tem
um plano único e o Plane 2 é dispensável.

Loss 1 – Usar os mesmos dados de Primeiro Projeto, isto é, Initial


Loss = 0,0; Constant Rate = 27,6 e Impervious = 0,0. Como o Loss 2
refere-se ao Plane 2, é dispensável. Observe que o HMS deixa a janela do
Plane 2 indisponível.

Subcollector – Os subcoletores têm um efeito de amortecimento


do pico de cheias. Como estamos querendo nos aproximar possível do
modelo do plano único, devemos reduzir, ao máximo, os efeitos de
armazenamento. Podemos fazer isso colocando dados que reduzam esses
efeitos. Façamos: Length = 1,0m; Slope = 0,06; n = 0,04; Area = 2,0
km2; Shape = Circle; Diameter = 4,0m. Embora, o subcoletor tenha sido
concebido para pequenos diâmetros, o HMS aceita valores grandes como
4,0m (colocado para reduzir o tempo de viagem)

Collector – Os coletores, como os subcoletores, têm o efeito de


amortecimento de pico de cheias. Vamos também reduzir, ao máximo, os
efeitos de armazenamento. Façamos: Length = 1,0m; Slope = 0,06; n =
0,04; Area = 2,0 km2; Shape = Circle; Diameter = 4,0m.

Channel - Nesse elemento vamos inserir uma mudança conceitual.


No primeiro projeto tínhamos a vazão efluente na face inferior do plano.
Agora, inserimos um canal que recolhe todas as vazões e as conduz a um
exutório, semelhante a um rio. Nesse canal há um efeito de
armazenamento. Estamos nos aproximando do mundo real.
Propagação de cheias 144

FIGURA 6.6 Tela de entrada dos dados dos


planos da onda cinemática.

Vamos colocar os seguintes dados:Routing Upstream = No;


Routing Method = Kinematic Wave; Length = 3000m; Slope= 0,01;
Subreaches = 5; Shape= Retangle; Manning´s n = 0,010; Width =
20,0m.

As especificações e de execução da simulação

Nesse ponto definiremos as especificações de controle e de


execução do modelo. Vamos definir no menu Components/Control
Specifications Manager o controle da simulação. No editor entramos com:
Description = Aplicação da onda cinemática; Start Date = 01Jan2000;
Start Time= 00:00; End Date= 06:00; Time interval = 1 minuto. Veja que
mudamos os dados de descrição e dilatamos o tempo de simulação
colocando a hora de finalização um pouco mais tarde.

Agora você pode criar as especificações de execução com o menu


Compute/Create Simulation Run. Faça Run 1 com modelo de bacia
URBANA, modelo meteorológico Meteo 1 e especificações de controle
Controle 1.

Volte ao menu Compute/Select Run e escolha Run 1. Novamente


no menu Compute/Compute Run [Run 1].O HMS executa a simulação e
podemos examinar os resultados.

Os resultados

Os resultados obtidos com o modelo da onda cinemática estão


sintetizados nas figuras 6.7 e 6.8. Obtivemos uma vazão de pico de 22,3
m3/s, ligeiramente inferior ao obtido com a fórmula racional. Essa
Propagação de cheias 145

divergência é plenamente explicável em função das diferenças conceituais


entre os dois modelos. As chuvas efetivas nos dois casos são iguais,
porém, no modelo da onda cinemática introduzimos o efeito de
propagação da cheia no canal. Ademais, na onda cinemática o coeficiente
de rugosidade N realiza um efeito de retardamento, ou aceleração, no
tempo de viagem, ou no tempo de concentração.

FIGURA 6.7 Dados do hidrograma efluente do modelo de


onda cinemática na bacia CA.

FIGURA 6.8 Hidrograma efluente do modelo de onda


cinemática na bacia UNICA.

SÍNTESE

Nesse capítulo desenvolvemos os conceitos de propagação de


cheias em rios e canais. Apresentamos a básica teórica da difusão
hidrológica e vários métodos matemáticos de cálculo. Discorremos sobre o
Propagação de cheias 146

modelo conceitual da onda cinemática e apresentamos um problema de


aplicação desse modelo.

Em essência, estamos na passagem do mundo cartesiano, com o


ideal das certezas matemáticas, para o mundo empírico, cheio de
incertezas e respostas alternativas. No modelo da onda cinemática,
embora conceitual, passa do linear para o não linear e aí devemos
conviver com as incertezas dos métodos numéricos.

Concluindo, nesse capítulo aprendemos mais um pouco sobre


conceitos teóricos e caminhamos para o mundo real, no qual devemos
decidir sobre o modelo que consideramos que melhor representa os
fenômenos naturais ou situações de projeto que queremos modelar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

WANG, G.T, YAO, Chunmei Yao; OKOREN, CAIRO; CHEN, S. 4-Point FDF of
Muskingum method based on the complete St. Venant equations. Journal of
Hydrology, Elsevier, v. 21, n. 2, p. 145-148, jun. 2006 doi: 10.10.016/
CHOW, Ven Te. Open Channel Hydraulics. New York. McGraw Hill 1959. 680 p.
GUPTA, Ram S. Hydrology and Hydraulic Systems. New Jersey, Prentice Hall
1989.
HENDERSON, F.M. Open Channel Flow. New York. The McMillan Company,
1966. 522p.
PORTO, RODRIGO DE MELO. Hidráulica Básica. São Carlos, SP: EESC/USP,
1998 540 p.
TUCCI, Carlos Eduardo M. Modelos Hidrológicos. Porto Alegre: Editora da
UFRGS, 2005. 678 p.
USA. Hydrologic Engineering Center. Us Army Corps Of Engineers. Hydrologic
Modeling System HMS: Technical Reference Manual. Davis, Califórnia: Hec,
2000. 149 p. Disponível em: <http://www.hec.usace.army.mil/software/hec-
hms/documentation.html>. Acesso em: 25 out. 2009.

E-REFERÊNCIAS

Instituto Horus de Defesa Ambiental, disponível em


<http://www.institutohorus.org.br/download/fichas/eragrostis_curvula.htm>
acesso em 02/12/2009
______________________________________CAPÍTULO 7

Outros mundos existem, mas nesse é


que a gente está.

Paul Élvard

SIMULAÇÃO: AS FUNÇÕES PERDAS E


TRANSFORMAÇÃO

INTRODUÇÃO

Nos capítulos anteriores conhecemos o programa HEC-HMS e


aprendemos a criar um projeto bem simples para simular uma bacia
hidrográfica. Utilizamos como modelo conceitual um plano inclinado com o
escoamento ocorrendo em forma de lâmina com velocidade constante.

Aprendemos também os conceitos de propagação de cheias e


várias metodologias para aplicá-los em estudos hidrológicos. Continuando
o curso em modelagem de bacias hidrográfica, estudamos os conceitos de
onda cinemática para a modelagem de pequenas bacias urbanas. Esse
modelo, ainda é um modelo conceitual, porém está mais próximo, e com
uma matemática mais elaborada, portanto mais elegante, do plano
inclinado de escoamento do primeiro modelo. Porém, na onda cinemática
deixamos o mundo das soluções exatas das equações diferenciais e
adentramos ao mundo numérico, onde as não linearidades podem nos
pregar peças. È a vida. Nosso papel é aprender é detectá-las e, como
disse La Fontaine, com a razão endireitá-las.

No exemplo apresentado, percebemos a ocorrência do fenômeno


da difusão e falamos de cuidados com os métodos numéricos empregados.
As respostas dos modelos podem diferir em decorrência, por exemplo, do
intervalo de tempo Δt adotado para os cálculos.
Simulação: as funções perdas e transformação 148

Naquele momento estávamos fazendo uma transição do mundo


cartesiano de Descartes para o mundo empírico. Os modelos apresentados
são válidos para situações simples da prática. Nessas situações, como
vimos no Capítulo III, não há vantagens em aumentar o número de
entidades, ou de parâmetros, e a parcimônia pode ser muito útil.

Aqui chegamos ao mundo em que vivemos. Como modelistas,


vamos tomar decisões com as melhores ferramentas, com os melhores
conhecimentos e com os melhores modelos. Para aumentar os
conhecimentos, nesse capítulo, vamos introduzir os conceitos básicos dos
processos hidrológicos da chuva efetiva e da transformação do
hidrograma.

Concluímos o capítulo com a apresentação de um estudo real


realizado com a aplicação do HMS a uma bacia hidrográfica do Estado do
Ceará.

BASE TEÓRICA

Em seguida, veremos a base teórica para os seguintes processos


hidrológicos: perdas e transformação. Os métodos selecionados para
aplicação serão: o método do número de escoamento do SCS para o
processo perdas, e o método do hidrograma unitário do SCS para o
processos transformação.

Ressalte-se que os métodos do SCS são os mais aplicados no


Brasil em função de sua relativa simplicidade, da existência dos dados
necessários e da aceitação de seus resultados pelas instituições públicas
brasileiras de recursos hídricos. Ademias, segundo a HYDROCAD (2009),
os métodos do SCS são, talvez, os mais aplicados dos Estados Unidos da
América. Assim, à parte as ideologias, estamos em boa companhia.

O processo hidrológico perdas

A estimativa das perdas nas precipitações é fundamental para a


avaliação das cheias em uma dada bacia hidrográfica. Como o HMS é
nossa principal ferramenta de simulação, mantemos a sistemática de
mostrar os modelos alternativos no HMS, descrever sucintamente cada
um deles, e detalhar os mais usados e que serão aplicados em nosso
curso.
Simulação: as funções perdas e transformação 149

MODELOS DE PERDAS DISPONÍVEIS NO HMS

Para estimativa da chuva efetiva (Loss) o HMS dispõe de vários


modelos como:
 perda inicial mais perdas constantes (Initial and Constant Loss)
 método de Smith Parlange
 método de Green-Ampt;
 método do SCS número de deflúvio (Curve Number)
 método de SCS em grade
 balanço de umidade no solo
 balanço de umidade no solo em grade

O primeiro método, perdas iniciais mais perdas constantes, foi


aplicado Capítulo 3. É apropriado para pequenas bacias hidrográficas
urbanas ou rurais, e atende às premissas do método racional. É um
modelo de dois parâmetros: a perda inicial, que modela a retenção de
parte das chuvas, e as perdas constantes, que modelam a infiltração.

O método de Simith-Parlange é uma aproximação da equação de


infiltração de Richard, e considera que a frente de umidade da infiltração
pode ser representada na escala exponencial da condutividade hidráulica
saturada (USA- US ARMY Corps of Engineers, 2000, p. 133). É complexo,
tem nove parâmetros, e tem sido pouco aplicado no Brasil.

O método de Green-Ampt também é uma simplificação da


Equação de Richards. Trabalha o conceito de frente de umidade, porém é
mais sintético do que o método de Smith Parlange. O método tem cinco
parâmetros.

O método do SCS foi desenvolvido em 1972 no Serviço de


Conservação de Solos dos Estados Unidos. Esse método foi ampliado para
dados em grade, de observações em radares. Em 1975 o SCS emitiu a
nota técnica TR-55 (Technical Release 55) na qual foram apresentados
todos os conceitos de sustentação teórica e dados para aplicação dos
métodos do SCS nos Estados Unidos

A TR-55 apresenta procedimentos simplificados para calcular os


volumes de escoamento, vazões de pico, hidrograma e volumes de
armazenamento em estudos de cheias. Sua primeira emissão data de
1975. Uma versão do documento, com atualizações até 1986, pode ser
obtida no endereço: http://www.hydrocad.net/tr-55.htm
Simulação: as funções perdas e transformação 150

O modelo de balanço de umidade no solo (Soil Moisture


Accountting- SMA) foi introduzido nas versões recentes do HMS para
permitir, também, a simulação continua, isto é, com horizontes de tempo
de vários anos. O modelo pode ser aplicado para gerar séries pseudo-
históricas de vazões, utilizando séries históricas de precipitações. Nesse
modelo, ao contrário dos modelos de cheias, o fenômeno da
evapotranspiração é importante.

Nesse capítulo vamos mostrar os conceitos relativos aos métodos


do SCS, os quais serão aplicados na simulação do sistema hidrográfico
Carrapateiras/Macacos no local da barragem Macacos, no Município de
Ibaretama, Ceará.

O MÉTODO DO NÚMERO DA CURVA DE ESCOAMENTO DO SCS

O método do número de escoamento do SCS estima a chuva


excedente como uma função da precipitação acumulada e da cobertura do
solo, do uso da terra e da umidade antecedente, utilizando a seguinte
equação:

(𝑃 − 𝐼𝑎 )2
𝑃𝑒 = 𝑝𝑎𝑟𝑎 𝑃 > 𝐼0
𝑃 − 𝐼𝑎 + 𝑆

𝑃𝑒 = 0 𝑝𝑎𝑟𝑎 𝑃 ≤ 𝐼0

onde Pe denota o escoamento superficial (mm); P representa a altura total


da chuva (mm); Ia denota a abstração inicial (mm), S refere-se à retenção
potencial máxima, a qual mede a capacidade da bacia de reter as
precipitações.

Utilizando estudos experimentais em bacias dos Estados Unidos, o


SCS desenvolveu uma equação empírica para estimar S em função de Ia
na forma:

𝐼 = 0,2 𝑆

Em consequência, a equação da chuva excedente pode ser escrita


na forma:
(𝑃 − 0,2𝑆)2
𝑃𝑒 =
𝑃 + 0,8𝑆
Simulação: as funções perdas e transformação 151

Para determinar o valor de S, o SCS estabeleceu uma relação empírica


com o CN, sendo este uma função do tipo de solo e da cobertura vegetal
que foi tabelada. Foi estabelecida a seguinte equação:

25400 − 10 𝐶𝑁
𝑆=
𝐶𝑁

onde S representa a retenção potencial máxima pelos solos após o início


do escoamento (mm) e CN o número de escoamento (Tabelas 7.1 e 7.2).
TABELA 7.1 – Grupos de solo para o método do SCS (CN)

SOLO TIPO A

Baixo potencial de escoamento superficial. Solos de elevadas


intensidades de infiltração, mesmo quando completamente umedecidos.
Incluem, principalmente, areias profundas com drenagem de boa a excessiva.
Estes solos possuem elevada transmissividade.

SOLO TIPO B

Potencial de escoamento superficial abaixo da média. Solos com


intensidades de infiltração moderadas quando completamente umedecidos
Incluem, principalmente, solos medianamente profundos, com texturas
variando de moderadamente fina a moderadamente grosseira. São
medianamente drenados e possuem transmissividade média

SOLO TIPO C

Potencial de escoamento superficial acima da média. Solos com baixas


intensidades de infiltração quando completamente umedecidos. Incluem,
principalmente, solos com camadas impermeáveis subjacentes e solos com
texturas moderadamente finas. Solos de baixa transmissividade.

-SOLO TIPO D

Elevado potencial de escoamento superficial. Solos com intensidades de


infiltração muito baixas quando completamente umedecidos. Incluem,
principalmente, solos argilosos expansíveis com níveis freáticos
permanentemente próximos às superfícies, e solos com estratos impermeáveis
a pouca profundidade. Possuem transmissividade muito baixa.
Simulação: as funções perdas e transformação 152

TABELA 7.2 – Números de escoamento do método do SCS (CN)

% de área
Tipo de cobertura e condição hidrológica impermeável A B C D

Áreas urbanas desenvolvidas


Espaços abertos (parques, campos de
golfe e cemitérios)
etc.Condições
etc.etc. courses,
pobrescemeteries,
68 79 86 89
cobertura vegetal <50%
Condições médias
49 69 79 84
cobertura vegetal de 50% a 75%
Boas condições
39 61 74 80
cobertura vegetal > 75%.
Áreas impermeáveis:

Grandes pátios de estacionamentos


pavimentados, telhados, etc. 98 98 98 98
Ruas e estradas
Pavimentadas, incluindo as guias
de drenagem 98 98 98 98
Pavimentadas , diques abertos 83 89 92 93
(including right-of-way) ....
Cascalho. 76 85 89 91
Terra . 72 82 87 89
Distritos urbanos:
Comercial 85 89 92 94 95
Industrial 72 81 88 91 93
Distritos residenciais de lotes de tamanho
1/8 acre (500 m2) ou menos 65 77 85 90 92
.................
1/4 acre (1000 m2) 38 61 75 83 87
1/3 acre .(1300 m2) 30 57 72 81 86
1/2 acre .(2000 m2) 25 54 70 80 85
1 acre .(4000 m2) 20 51 68 79 84
2 acres .(8000 m2) 12 46 65 77 82
Áreas urbanas em desenvolvimento
Áreas recentemente gradeadas,
áreas permeáveis sem vegetação. 77 86 91 94
Adaptado de USA(2000, p.123)

O processo hidrológico transformação

Na simulação de uma bacia hidrográfica, após a retirada das


perdas da chuva total e a obtenção da chuva excedente, parte-se para
transformar o hietograma em hidrograma. Esse processo foi denominado
de Transform nos manuais dos programas HEC. Vamos manter essa
Simulação: as funções perdas e transformação 153

denominação em nosso texto. Então, denominamos de transformação, ou


formação do hidrograma, ao processo hidrológico que transforma o
hietograma de uma dada chuva em hidrograma efluente da bacia
hidrográfica em estudo.

A transformação pode ser calculada por vários métodos: 1) o


método racional que apresentamos no Capítulo 3; 2) o método da onda
cinemática que apresentamos no Capítulo 6; 3) o método do hidrograma
unitário, para o qual já desenvolvemos alguns conceitos no Capítulo 3, e
que agora será detalhado.

O MÉTODO DO HIDROGRAMA UNITÁRIO

O método do hidrograma unitário, introduzido por Sherman


(1932,) é um dos mais aplicados em simulação de bacias hidrográficas.

DEFINIÇÃO - O hidrograma unitário é definido como a


relação entre o escoamento direto e o tempo, ocasionada por
uma chuva efetiva unitária (ex. 1,0 mm) de intensidade
constante, distribuída uniformemente sobre a área da bacia
hidrográfica.

No HMS há vários hidrogramas unitários disponíveis, como:


Snyder, Clark, SCS e Mod Clark. Nessa seção vamos apresentar os
fundamentos do método do hidrograma unitário e o método do SCS o qual
será utilizado em nosso exemplo.

A técnica do hidrograma unitário foi desenvolvida com base nos


princípios da linearidade e da invariabilidade com o tempo. Esses
conceitos foram introduzidos no Capítulo 3. Vejamos com mais detalhes.

Invariância no tempo - O hidrograma de escoamento superficial


resultante da ocorrência de uma precipitação unitária efetiva reflete o
conjunto das características morfológicas, geológicas e do tipo de uso do
solo da bacia hidrográfica. Os tempos característicos do hidrograma
unitário de uma bacia, como o tempo de ascensão, o tempo de recessão e
o tempo de base, são constantes (Figura 7.1). O tempo de subida é
definido com o intervalo de tempo que decorre do início da chuva efetiva
até o instante no qual a vazão no hidrograma atinge o valor máximo. O
tempo de recessão é o intervalo entre o instante da vazão máxima até o
Simulação: as funções perdas e transformação 154

instante em que cessa o escoamento. Por sua vez, o tempo de base é a


soma do tempo de ascensão mais o tempo de recessão.

Linearidade - O hidrograma gerado por uma chuva efetiva de


altura P1 e duração td, em uma dada bacia hidrográfica, é proporcional às
ordenadas do hidrograma unitário de uma chuva de duração td. O efeito
de uma chuva efetiva Pt, igual à soma de duas chuvas P1 e P2, todas de
mesma duração e iniciando no mesmo instante, é igual à soma dos efeitos
das chuvas P1 e P2 ocorrendo isoladamente.

FIGURA 7.1 – Forma padrão de um hidrograma unitário.

Esses princípios podem ser representados pela equação de


convolução:
𝑖

𝑄(𝑖) = ∑ 𝑃(𝑗). 𝑈(𝑛)


𝑗=1

com 𝑛=𝑖−𝑗+𝑛

onde Q(i) denota a i-ésima ordenada do hidrograma efluente; P(j)


representa a chuva efetiva no j-ésimo intervalo de tempo; U(n) denota a
enésima ordenada do HU.

Essas propriedades do método do HU o tornam interessante para


aplicações em planilhas eletrônicas.
Simulação: as funções perdas e transformação 155

DICA: As vazões estimadas pelo método do HU


são afetadas pelo intervalo de tempo dt
utilizado nos cálculos. Um pequeno intervalo de
tempo de cálculo leva a resultados bem
diferentes de um grande intervalo. Como regra
empírica recomenda-se que o intervalo de
tempo seja tal que sejam calculados no mínimo
três a quatro pontos do ramo ascendente do
hidrograma (Hogan op.cit., p. 46)

OS MODELOS PARA TRANSFORMAÇÃO NO HMS

O HMS dispõe dos seguintes modelos para a estimativa do


processo transformação:
 hidrograma unitário de Clark;
 hidrograma unitário de Snyder;
 ModClark;
 onda cinemática;
 hidrograma unitário do SCS;
 hidrograma unitário especificado pelo usuário;
 curva S especificada pelo usuário.

HU de Clark - O hidrograma unitário de Clark busca representar dois


processos críticos na transformação do hietograma em hidrograma, quais
sejam: o processo de translação e o de atenuação. O método se
desenvolve a partir da equação da continuidade e de uma equação de
armazenamento em um reservatório linear. É um modelo de dois
parâmetros, o tempo de concentração e o coeficiente de armazenamento.
Não é dos mais usados no Brasil,

ModClark – É uma modificação do modelo de Clark. Da mesma maneira


que o HU de Clark, o ModClark considera os fenômenos da translação e da
atenuação. Esse modelo leva em conta, explicitamente, os tempos de
viagem das gotas de água desde o ponto de precipitação até o exutório. A
translação é aplicada por um modelo em grade que estrutura os tempos
de viagem. É um modelo também de dois parâmetros.
Simulação: as funções perdas e transformação 156

HU especificado pelo usuário - Em essência, esse modelo busca utilizar


os dados observados de chuva e vazão simultaneamente. Os métodos de
estimativa do HU de uma bacia com dados observados são descritos com
detalhes nos livros textos de hidrologia. Não está no escopo de nosso
curso. Todavia, já aplicamos esse conceito para a bacia retangular do
Capítulo 3.

Curva S especificada pelo usuário – Pode ser obtida a partir do HU


especificado pelo usuário, conforme mostrado no Capítulo 3.

Onda Cinemática – Esse modelo já foi apresentado em detalhes no


exemplo do Capítulo 6.

HU de Snyder – É um modelo empírico desenvolvido em 1938 com base


em observações nos montes Apalaches, nos Estados Unidos. É também
um modelo de dois parâmetros: o coeficiente de pico e o tempo de
retardo.

HU do SCS - Será apresentado detalhadamente na seção seguinte.

O MÉTODO DO HIDROGRAMA UNITÁRIO DO SCS

O hidrograma unitário do SCS foi desenvolvido com base na


observação de diversas bacias rurais dos Estados Unidos. O SCS concebeu
um HU adimensional para o qual a ordenada da vazão no instante i é
expressa pela razão entre a vazão q e a vazão de pico qp em função da
razão entre o tempo t e o tempo no qual ocorre a vazão de pico (Tp). A
Tabela 7.3 apresenta as ordenadas do hidrograma unitário do SCS.

As características físicas das bacias hidrográficas são incorporadas


ao modelo pelos parâmetros: área da bacia (A), tempo até o pico tp,
vazão de pico qp, tempo de concentração (tC), e tempo de retardo (lag) tL.

Os parâmetros do modelo são a área da bacia e o tempo de


concentração, os demais são calculados pelas equações desenvolvidas
pelo SCS.

A sequência de cálculo é dada por:


 Estima-se o tempo de concentração (tc) da bacia utilizando-se
fórmulas empíricas ou estimando o tempo de viagem de uma gota
de chuva do ponto mais distante ao exutório da bacia.
 Com o valor de tc, estima-se o tempo de retardo tL pela relação
𝑡𝐿 = 0,6𝑡𝐶.
Simulação: as funções perdas e transformação 157

 Estima-se o valor do tempo até o pico (tp) em função do intervalo


de cálculo
∆𝑡
𝑡𝑝 = + 𝐿
2
onde ∆t denota o intervalo de tempo de cálculo e L o lag da bacia
hidrográfica
 Calcula-se a vazão de pico pela fórmula
2,08𝐴
𝑞𝑝 =
𝑡𝑝

Dessa forma, conhecendo-se a vazão de pico qp e o tempo onde


acontece o pico pode-se obter as ordenadas do HU em todos os tempos da
coluna t/tp.

TABELA 7.3 - Hidrograma unitário adimensional do SCS


t/tp q/qp Qp/Q t/tp q/qp Qp/Q t/tp q/qp Qp/Q

0,0 0,000 0,000 1,1 0,990 0,522 2,2 0,207 0,934

0,1 0,030 0,001 1,2 0,930 0,589 2,4 0,147 0,953

0,2 0,100 0,006 1,3 0,860 0,650 2,6 0,107 0,967

0,3 0,190 0,012 1,4 0,780 0,700 2,8 0,077 0,977

0,4 0,310 0,035 1,5 0,680 0,751 3,0 0,055 0,984

0,5 0,470 0,065 1,6 0,560 0,790 3,2 0,040 0,989

0,6 0,660 0,107 1,7 0,460 0,822 3,4 0,029 0,993

0,7 0,820 0,228 1,8 0,390 0,849 3,6 0,021 0,995

0,8 ,930 0,300 1,9 0,330 0,871 3,8 0,015 0,997

0,9 0,990 0,375 2,0 0,280 0,908 4,0 0,011 0,999

1,0 1,000 0,450

Fonte: McCUEN p. 537


Simulação: as funções perdas e transformação 158

Assim, o traçado do hidrograma unitário curvilíneo do SCS pode


ser feito a partir dos dados tp e qp aplicando-se a Tabela 7.3. A coluna
Qp/Q é utilizada para traçar a curva de massa. O termo Q denota a vazão
total e Qp a ordenada da curva de massa.

SIMULAÇÃO DA BACIA HIDROGRÁFICA

Para a primeira simulação de uma bacia hidrográfica real, vamos


apresentar o estudo do reservatório Macacos, no Estado do Ceará. Os
dados foram compilados do relatório técnico de verificação da capacidade
do vertedouro (SILVA, 2008)

Formulação e dados do problema

O reservatório Macacos foi construído na bacia hidrográfica do


sistema Macacos/Carrapateiras em Ibaretama, Estado do Ceará, com
capacidade de acumular 12, 38 milhões de metros cúbicos. A bacia
hidrográfica, com 68 km2, é formada por duas áreas com diferentes tipos
e usos e ocupação dos solos.

Os critérios de dimensionamento de vertedouros de barragens de


médio porte, aplicados pela Secretaria de Recursos Hídricos do Ceará,
estabelecem que a diferença de nível entre o vertedouro e o coroamento
da barragem deve acomodar a cheia milenar mais as folgas recomendadas
pelos barragistas. Além disso, deve ser verificado se a cheia decamilenar
passa no vertedouro sem transbordamento no maciço.

Os dados do estudo estão organizados em blocos compatíveis com


as entradas do HMS.

DADOS DAS SUBBACIAS

A bacia do reservatório Macacos é composta por duas sub-bacias,


uma no alto vale, que será denominada Montante, e a outra no baixo vale,
a qual será chamada Jusante.

A sub-bacia Montante tem os seguintes dados:


 Área =15 km2;
 CN igual = 70;
 Tempo de retardo = 45 minutos;
 Abstração inicial = 71 mm (fórmula do SCS).
Simulação: as funções perdas e transformação 159

Para a sub-bacia Jusante tem-se:


 Área =53 km2;
 CN igual = 80;
 Tempo de retardo = 145 minutos;
 Abstração inicial = 62 mm (fórmula do SCS).

DADOS DO VERTEDOURO

O vertedouro é formado por um corte em rocha, calado à cota


120,0, na parte mais a montante, com 300m de extensão longitudinal até
o ponto onde o inicia o regime de escoamento subcrítico (Figura 7.1). A
relação nível da água x vazão escoada foi estimada usando o programa
HEC-RAS.

FIGURA 7.2 Representação esquemática do vertedouro do reservatório Macacos


Fonte: (SILVA, 2008) Reprodução autorizada.

TABELA 7.4 - Relação cota x descarga do vertedouro do reservatório


Macacos

Cota Vazão Cota Vazão

(m) (m3/s) (m) (m3/s)

120,0 0,0 121,5 175,0

120,7 40,0 122,0 367,0

121,0 83,0 122,6 528,0


Fonte: Silva(op. cit., p. 25)
Simulação: as funções perdas e transformação 160

DADOS DO RIO

Alguns dados do rio são necessários para modelar a propagação


da cheia desde a bacia Montante até o reservatório. Para isso, será usado
o Método Muskingum. São necessários os parâmetros K e X.

O rio Macacos, no trecho entre a bacia de montante e o


reservatório, tem uma extensão de 15,0 km e uma declividade de 5,32
m/km. O tempo de viagem da gota de água vindo de montante, até o
reservatório, é estimado quatro horas. Dessa forma, temos K = 4,0 h.
Para X adotamos um valor de 0,3 que representa as condições médias.

CHUVA DE PROJETO

Para verificar a segurança do vertedouro, foram avaliadas as


chuvas de frequência milenar e decamilenar para 24 horas de duração
em:
 Chuva milenar = 249,0 mm
 Chuva decamilenar = 334.47 mm

Para a chuva de projeto foi adotada uma duração de seis horas,


que supera o tempo de concentração da bacia e, portanto, incorpora os
processos de armazenamento das águas na bacia hidr. A em escala se
tempo inferior a 24 horas foi obtida utilizando-se o método de Taborga.

O hietograma, Tabela 7.5, foi construído utilizando-se o método


dos blocos alternados.

TABELA 7.5 Chuvas milenar e decamilenar para a bacia do reservatório


Macacos em Ibaretama, Ce,

Tempo Decamilenar Milenar Tempo Decamilenar Milenar


(min) (mm) (mm) (min) (mm) (mm)

30 6,5 4,8 210 32,0 24,6


60 6,6 5,4 240 10,2 9,3
90 7,8 5,9 270 9,2 6,9
120 15,7 10,1 300 6,1 4,2
150 21,2 15,9 330 6,1 4,0
180 99,5 76,9 360 5,2 3,9
Simulação: as funções perdas e transformação 161

TABELA COTA X VOLUME DO RESERVATÓRIO

Para estudos de cheias e dimensionamento de vertedouros,


normalmente, parte-se da premissa que o reservatório encontra-se cheio
no momento da chegada da cheia de projeto. Dessa forma, apresentamos
a tabela Cota x Área x Volume somente acima da cota 120,0m, a qual
corresponde à soleira do vertedouro (Tabela 7.6)

TABELA 7.6 - Cota x área x volume do reservatório Macacos, acima


da soleira do vertedouro

Cota (m) Área (m2x106) Volume (hm3)


120 2,50 12,377
121 2,80 15,026
122 3,11 17,981

Simulação do sistema

Nessa seção serão apresentadas as etapas utilizadas na simulação


do modelo. Algumas telas de entradas, apresentadas nos capítulos
anteriores não serão repetidas.

CRIAÇÃO DO PROJETO

Utilizando a metodologia já mostrada, vamos criar um projeto com


o nome Barragem Macaco. Esse projeto será formado por um modelo de
bacia, denominado Macacos, composto de duas subbacias, denominadas
Montante e Jusante, e um elemento canal denominado Canal 1.

Assim, criamos o projeto Barragem Macacos e vamos para os


defaults selecionamos:
 perdas, o método do Curve Number;
 transformação, o método do HU do SCS
 propagação, o Método Muskingum.

MODELO DA BACIA HIDROGRÁFICA

Para modelar a bacia no HMS vamos utilizar os seguintes


elementos hidrológicos: subbasin, reservoir e reach.
Simulação: as funções perdas e transformação 162

Na bacia Macacos a sub-bacia Jusante é diretamente conectada ao


reservatório e a sub-bacia Montante é conectada ao Canal 1, o qual faz a
ligação com o reservatório (Figura 7.3).

Figura 7.3 - Tela do HMS representando o sistema concebido para a bacia do


reservatório Macacos. No explorador de bacias pode-se ver os quatro elementos
hidrológicos que formam o sistema.

O MODELO METEOROLÓGICO

No estudo, a altura da lâmina de escoamento sobre o vertedouro


deve ser avaliada para duas chuvas: a milenar e a decamilenar. Dessa
maneira, criamos dois modelos meteorológicos denominados de Milenar e
Decamilenar, respectivamente. Nesses modelos, devemos selecionar no
editor de componentes, para a janela Precipitation a opção Specified
Hyetograph (Figura 7.2).

Os hietogramas de projeto devem ser informados no gerenciador


Times Series. São episódios de chuvas associados a uma estação
pluviométrica (Gage).

Agora entre no menu

Components/Time-Series Data Manager.

Na janela Data-Type selecione a opção Precipitation Gage e clica


em New. Nesse menu são criadas as estações (gages) Deca e Milenar.

Para entrar com os dados, escolha no explorador de bacias a


respectiva gage e no editor de componentes opta-se por Units =
Incremental Milimeters e Time Interval = 30 minutes
Simulação: as funções perdas e transformação 163

AS ESPECIFICAÇÕES DE CONTROLE E EXECUÇÃO

As especificações de controle devem definir as horas de inicio e


final da simulação e o intervalo de tempo de cálculo. Para o Controle 1,
entre os dados:

Início 01Jan2000

Hora 00h00min

Fim 01Jan2000

Hora 12h00min

Intervalo de cálculo 1 minuto.

Observe que foi adotado para a simulação um período de 12 horas


de simulação para uma chuva de 06 horas. Esse tempo a mais é
necessário para simular a fase de recessão das vazões.

Para a execução do programa crie um roteiro de execução com o


nome:

RUN 1 –

Modelo de bacia = Macacos

Modelo Meteorológico = Milenar

OS RESULTADOS

Há muitos resultados disponíveis no HMS. Até demais, poderíamos


dizer. O HMS fornece gráficos e tabelas com os resultados de vazões,
níveis e outros, em todos os elementos hidrológicos.

Para o presente exemplo, o importante são os resultados no


reservatório Macacos, pois é ele o objeto da análise da segurança. Dessa
forma, selecione o gráfico de vazões e a tabela resumo no reservatório
Macacos no explorador de bacias e imprima.
Simulação: as funções perdas e transformação 164

FIGURA 7.4 - Tela de resumo dos resultados do HMS para a


cheia decamilenar

FIGURA 7.5 Resultados gráficos de saída de cotas e vazões no vertedouro


do reservatório Macacos para um cheia decamilenar.
Simulação: as funções perdas e transformação 165

Primeiramente, podemos observar que a cheia efluente atinge a


cota máxima de 122,0m, e como o coroamento da barragem está calado à
cota 122,50m, a condição de segurança está atendida para a cheia
decamilenar.

Pode ser observado também nos resultados que há um grande


amortecimento do pico de cheia pelo reservatório. O pico da vazão
afluente é de 497,1 m3/s e o pico da vazão efluente é de 228,5 m 3/s, o
que significa cerca de 54% de redução. Isso significa que reservatórios,
mesmo sem comportas no vertedouro, realizam uma significativa
atenuação das cheias para as áreas de jusante.

Os dados da cheia milenar, obtidos no RUN 1, mostram uma vazão


efluente de pico igual 114,6 m3/s para uma vazão efluente de 287,8 m 3/s.
A cota máxima efluente é 121,4m, portanto, 1,10m abaixo do
coroamento. Essa diferença acomoda bem a segurança colocada pelos
Engenheiros de barragens.

SÍNTESE

Com esse capítulo concluímos o Curso de modelos e simulação


hidrológico tendo o HEC-HMS como principal ferramenta computacional. O
HMS foi aplicado a um caso real de uma bacia hidrográfica com um
reservatório, duas sub-bacias e um canal.

As ferramentas apresentadas são suficientes para um grande


número de estudos e pesquisas. Por, exemplo a questão da escala poderia
ser avaliado nesse exemplo. Para o modelo, como executado, já temos o
resultado da vazão de pico efluente. Poderíamos perguntar, e se
tivéssemos usado uma única bacia, com um CN médio, a resposta seria
muita diferença?

A arte de fazer questões e buscar respostas leva ao crescimento


intelectual de estudantes e pesquisadores. A escolha das técnicas e
ferramentas apropriadas para responder as questões, ou fazer pesquisas,
leva às melhores respostas. Esperamos que esse curso tenha contribuído
nesse sentido. Com a Filosofia, aprendemos a questionar, com a técnica e
os conhecimentos empíricos, aprendemos a responder questões do mundo
real.
Simulação: as funções perdas e transformação 166

REFERÊNCIAS

LENCASTRE, A. E FRANCO, F.M. Lições de Hidrologia.Universidade Nova de


Lisboa, Lisboa 1984. 451 p.
McCUEN, Richard H. Hydrologic Analysis and Design. 2 ed. Prentice Hall
1998.814 p.p.
SHERMAN, L.K. Stream Flow from Rainfall by the Unit Hydrograph Method.
Engineering New- Record. Vol. 108. Apr. 7, 1932, pp.501-508
SILVA, Francisco Osny Enéas da. Estudo de verificação do dimensionamento
hidrológico e hidráulico do açude Macacos no Município de Ibaretama-Ce.
Fortaleza: SRH, Ce, 2008. 68 p. Relatório técnico para a Secretaria de
Recursos Hídricos do Ceará

E-REFERÊNCIAS

HYDROCAD Software Solutions. Texto sobre o TR-55. Disponível


em: http://www.hydrocad.net/tr-55.htm Acesso em 02/12/2009 às 14:50
minutos do horário estável do Brasil.

View publication stats

Você também pode gostar