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O CARNAVAL DE PORTO ALEGRE

Orson Soares
O Carnaval no Brasil foi introduzido pelos portugueses, na passagem
do século XVII para o XVIII. O entrudo foi a primeira manifestação
carnavalesca do país, muito popular até meados do século XIX, quando
a folia de rua começou a sofrer tentativas de organização, nos anos
finais do Império.

Nesse momento, o entrudo caiu em desuso, dando lugar aos


disciplinados cordões, ranchos e marchinhas. O entrudo era
caracterizado pela ampla participação popular, a folia consistia em
zombarias, em jogar recipientes cheios de água suja ou até mesmo
urina nas pessoas em meio à agitação, e foi muito difundido no país.

O entrudo sofreu fortes críticas em relação ao seu aspecto violento e


ofensivo e sobretudo popular com a participação dos escravizados
nesse tipo de folia. As elites começaram a participar dos bailes de
carnaval, em um espaço disciplinado e selecionado em que era tocada
a polca e o entrudo foi aos poucos desaparecendo.

Outra manifestação carnavalesca muito popular foram os chamados


“Zé Pereiras”. Difundido por todo Brasil, também de origem
portuguesa, foi ganhando características próprias no Rio de Janeiro. O
Zé Pereira tradicional caracterizava-se por um desfile tipo as procissões
populares, no qual se salientavam os tocadores de grandes bumbos. O
cronista Achylles Porto Alegre descreveu o surgimento do Zé Pereira na
capital dos gaúchos, da seguinte maneira:

“Já por este tempo o ‘Zé Pereira’, barulhento, ia inaugurando aqui e ali
as suas ‘cavernas’, com enorme pânico para o vizindário, que até altas
horas da noite tinha que suportar o ensurdecedor ‘zabumba’, o agudo
‘cornetear’ e ‘bestealogicos’ dos oradores improvisados que, com ares
demostênicos e gesticular ‘cicereano’, arrastavam a gramática pela Rua
da Amargura e, pelo espírito e ou pelo ‘despropósito’, nos faziam rir às
bandeiras desbragadas. […] E esta exibição humorística de uma
originalíssima hilaridade palhacesca aumentou, a ponto de retomar a
‘great-attraction’ das ruas”.
Em 1872, 16 anos antes da abolição da escravidão no Brasil, em 31 de
dezembro, surgia uma sociedade de negros, a Sociedade Floresta
Aurora, mas somente em 1885 ela iniciaria sua participação nos desfiles
de carnaval das sociedades de Porto Alegre. Já no início do século XX,
no ano de 1902, foi fundada outra sociedade que ficou igualmente
marcada na memória da comunidade negra local: o Satélite Porto-
Alegrense, mais tarde conhecido como Satélite Prontidão.

O surgimento das sociedades negras foi uma resposta à exclusão


social, num contexto de discriminação, e também a manifestação de um
desejo de inclusão dessa comunidade na vida social da cidade. Nestes
espaços de sociabilidades, eram também debatidos temas sociais, de
difusão de cultura e de organização da comunidade negra. Além disso,
constituíram lugares que marcaram o carnaval da cidade com seus
bailes e corsos. Os corsos eram desfiles de carros ornamentados,
promovidos por sociedades no período do carnaval. A Sociedade
Satélite destacava-se sempre, nesses desfiles, por suas rainhas, como
lembra Nilo Feijó.

Em oposição às festas da elite, os negros encontraram nas ruas o


espaço para seu divertimento, destacando-se nas periferias da cidade
daquele tempo, como a Cidade Baixa – especificamente o Areal da
Baronesa e a Colônia Africana, entre outros pontos também
considerados como lugares de negros.

Nilo Feijó recorda quando o Carnaval entrou em uma nova fase. Um


novo momento que trazia os blocos de carnaval e os cordões,
destacando-se pela simplicidade da fantasia, apresentando um colorido
das lanternas e a competência de Lupicínio Rodrigues que, aos 14
anos, compôs a música “Carnaval” para o cordão Os Prediletos. Os
cordões eram chamados assim por se parecerem com uma longa fila,
lembrando uma procissão, em que pessoas fantasiadas de temas
variados desfilavam pelas ruas durante o Carnaval.

Em Porto Alegre, os cordões Turunas, Tesouras, Prediletos, Chora na


Esquina, Fazendeiros, Divertidos e Atravessados, Passa Fome e Anda
Gordo, Ideal da Zona, Filhos do Sul, entre outros, figuravam o cast da
folia. E entre as figuras mais conhecidas estavam Jhonson, Caco Velho,
João Pena, Nelson Lucena, Veridiano Farias, Albino Rosa, Alberto
Martiano, além do já mencionado Lupi, que se destacavam como
compositores dos cordões.
Havia os ranchos, que eram desfiles em forma de cortejos, praticados e
influenciados pelas festividades da zona rural nordestina. Esse desfile
contava com a presença de um rei e uma rainha. É nessa manifestação
carnavalesca que aparecem os portas estandartes e mestre salas. Ao
som de uma marcha-rancho, acompanhado por instrumentos de sopro
e corda, um ritmo mais pausado que o samba, onde não se usava
instrumentos de percussão.

Os blocos carnavalescos se colocavam em um meio termo entre o


rancho e os cordões.

Todas essas manifestações carnavalescas estão na raiz das conhecidas


escolas de samba. Os blocos normalmente caracterizados pelo
improviso e a irreverência, costumam arrastar multidões no período do
carnaval.

AS TRIBOS CARNAVALESCAS

As tribos carnavalescas surgiram no cenário do carnaval porto–


alegrense nos anos de 1940, aparecendo como alternativa popular aos
carnavais de salão. Em entrevista para Paula Sperb, repórter do Jornal
Folha de São Paulo, o doutor em Letras pela UFRGS, Jackson
Raymundo – que pesquisou sobre as tribos carnavalescas de Porto
Alegre -, nos informa como elas surgiram, pontuando as diferenças
entre Tribos e Escolas de Samba. Conforme o pesquisador:

“As tribos carnavalescas nasceram em um contexto de afirmação da


nacionalidade brasileira. Nessa nacionalidade, todo mundo via o
indígena não como exótico, mas como parte de um todo. Esse todo era
um ser brasileiro.”
O número de tribos carnavalescas chegou a ser superior ao das
Escolas de Samba, mais ou menos 17 entidades com nomes diversos:
Charruas, Tupinambás, Navajos, Comanches. A primeira tribo
carnavalesca foi fundada em 1945: os Caetés; e em 1959 surgiu a dos
Guaianazes.

A nova forma de manifestação carnavalesca surgiu nas periferias da


cidade, com diferenças em relação às escolas de samba. As tribos
faziam um desfile que em certo momento era paralisado para que fosse
realizada uma encenação, o que normalmente remetia à ideia de ritual
indígena e não cantavam um samba, e sim um hino, que tinha
características poéticas e melódicas.

Outra diferença das tribos em relação às escolas de samba, era a


nomenclatura de seus espaços de concentração, chamados de tabas,
diferente das escolas, que se reuniam nas quadras de ensaio, destaca
Jackson Raymundo.

Conforme Joaquim Lucena Neto, em 1939 foi fundada a primeira


entidade carnavalesca enquadrada neste então novo universo chamado
de “escolas de samba”. Era a Loucos de Alegria. A ideia, importada do
Rio de Janeiro, encontrou boa acolhida. Nelson Lucena, pai de
Joaquim, e seu irmão Joaquim Lucena Filho, foram os fundadores da
Escola da Samba que contou com ainda com a participação ativa de
Valdemar Lucena, Oswaldo e Mario Barcelos e Heitor Barros. No ano
seguinte, a família Lucena deixou a Loucos de Alegria e fundou a Gente
do Morro. Foi o início da “cariocarização” do carnaval da capital dos
gaúchos.

Na década de 1960, a Academia de Samba Praiana – de onde se


destacaram figuras emblemáticas como Giba Giba – foi a protagonista
nas inovações nos desfiles da capital. A referida agremiação
apresentou uma estrutura de carnaval inspirada nas Escolas do Rio,
com muito luxo e organização.

Lucena destaca que em 1972 a Academia de Samba Relâmpago


apresentou uma inovação trazida de terras cariocas. Seria um novo
ritmo, introduzindo o repenique e o maracanã. Além das novidades no
samba, trazia também, a estruturação do carnaval, direção empresarial,
quadras de ensaio, gravações de samba enredo e participação em
projetos sociais.

Um samba com sotaque? Reza a lenda que Mestre Marçal, uma das
figuras mais icônicas do universo do samba carioca, ficou
impressionado com o ritmo do samba tocado aqui em Porto Alegre.
Quem conta esta história é o documentarista e pesquisador Claudinho
Pereira .

“Certa vez, recebendo em Porto Alegre o grande mestre Marçal, víamos


e ouvíamos o desfile das escolas de samba da Cidade quando percebi
que ele ficou encantado com o ritmo apresentado na avenida.
Burramente falei para o mestre que o samba das nossas escolas
deveria ter uma batida mais lenta, menos acelerada – como a das
escolas do Rio de Janeiro. Marçal me olhou com um ar estranho e
respondeu: ‘Aqui, o samba-enredo é lindo no ritmo e tem uma cadência
que eu nunca tinha ouvido. E esta é a beleza do samba da sua terra;
tem um diferencial do samba ouvido no resto do país.’ O samba é isso:
assim como o jazz, o samba tem variações em cima de seu ritmo.”

Os desfiles das escolas de samba – antes da existência do Complexo


Cultural do Porto Seco, aconteciam em diversos espaços, entre o
centro e a cidade baixa. Ao todo foram 12 lugares diferentes de desfiles,
em 1949, o primeiro foi realizado na antiga Praça Senador Florêncio,
hoje Praça da Alfândega. Os lugares em que os desfiles permaneceram
por mais tempo foram na Avenida Loureiro da Silva (Avenida Perimetral)
de 1970 até o ano de 1980, quando passaram a acontecer na Avenida
Augusto de Carvalho, até o ano de 2003, tendo sido depois transferidos
para o Complexo Cultural Porto Seco. Com um tom de lamento,
Joaquim Lucena Neto refletiu sobre a mudança do local:

“Hoje atiram as cinzas do Carnaval no Porto Seco, mas esqueceram de


tirar as brasas. Tenho certeza de que elas ainda acenderão a chama da
cultura. Esta nunca se apagará e o sambista poderá cantar… ‘A vida só
tem valor com o samba/ o povo sorrindo/a avenida se abrindo’…
Infelizmente, sempre foi assim… pobre Carnaval!

No ritmo da bateria e na cantoria do povo, o esplendor de um samba


com sotaque próprio, uma saudade imensa, nos faz perguntar.
Carnaval, quando tu vais voltar?

“Os bambas criaram fama lá no bairro da Santana, até chegar no desfile


principal, quem é que não se lembra do esplendor da Broadway, da
Festa dos Navegantes, o Guarani foi uma página marcante, e a
passagem tão bela, dos Bambas em tempo de Portela”.

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