Mais de 30 anos depois de Dave Ulrich lançar o conceito, grandes companhias ainda tentam desvendar
qual o melhor perfil e a melhor atuação para o consultor interno do RH
Por Anna Carolina Rodrigues access_time 18 abr 2017, 12h54 - Publicado em 20 abr 2016,
Em 2014, Fabrício Alves Ferreira, diretor organizacional da rede atacadista Martins, criou a figura do
business partner depois ter “exaustivamente” pesquisado sobre o tema e estudado os melhores modelos do
mercado. Contratou para a função duas profissionais seniores. “Foi uma tentativa de colocar pessoas que
de fato conhecem os subsistemas de RH e fazê-las ‘morar’ no negócio”, diz Ferreira. Mas a experiência
só durou um ano. Uma das BPs engravidou de gêmeos e precisou se afastar quatro meses mais tarde. O
executivo também acabou trazendo a outra BP para o departamento de gestão de pessoas, para cuidar de
treinamento e desenvolvimento, depois que a demanda de trabalho na área aumentou. “Foi um ano em
que demos muita cabeçada, pois não sabíamos direito que assuntos a BP deveria resolver com os clientes.
Além disso, houve sobreposição de tarefas com as áreas de especialistas”, diz o diretor, que até hoje
busca um melhor modelo para a figura do business partner.
Ferreira não está sozinho. Lançado nos anos 1980 por Dave Ulrich, o conceito de business partner ainda
causa confusão entre os profissionais de gestão de pessoas. Ainda não se sabe exatamente qual o melhor
perfil de profissional para executar a função e, muitas vezes, qual exatamente o papel que deve ser
desempenhado por esse profissional. Na mistura de conceitos, sobram achismos e discrepâncias.
A começar pelo salário do BP. A pesquisa da VOCÊ RH-Deloitte de 2015 revelou que a remuneração do
consultor interno pode ir de 5 800 a 13 600 reais. “Tal discrepância ocorre principalmente porque existe
uma grande diferença entre as responsabilidades e perfis dos business partners ao compararmos empresas
de diferentes portes e setores”, diz Roberta Yoshida, diretora da área de consultoria e gestão de capital
humano da Deloitte. “Ainda não existe um perfil referência no mercado, encontramos profissionais com
pouco tempo de experiência em nível de analista, até diretores ocupando posições sob esse título com
responsabilidades totalmente distintas.”
Na visão de Ulrich, o objetivo da função era bem simples: aproximar o departamento de recursos
humanos das áreas de negócios. Quando bem executado, o modelo agregaria valor à companhia. Um
levantamento feito no ano passado pela consultoria global de benchmarking CEB indicou que
organizações com parceiros de negócios eficientes reportam um aumento de até 10% na receita e um
acréscimo médio de 9% no lucro. Na prática, cada empresa segue o seu modelo.
Para o consultor Marco Ornellas, em meio à crise atual, é necessário discutir essa função e a do RH como
um designer organizacional, que deve antecipar tendências e preparar o futuro. “Business partner é o
profissional trabalhando na ponta e em linha com as estratégias, olhando para o presente e para o futuro,
para dentro e para fora, interpretando e desenhando cenários e usando as ferramentas do design – empatia,
colaboração e experimentação”, diz Ornellas, que realizou um workshop em dezembro de 2015 só para
discutir o papel do consultor interno. “Sua função é coconstruir projetos e soluções que tenham valor para
as pessoas, para o negócio e que sejam sustentáveis.”
O Bradesco é uma das grandes companhias que estão revendo o modelo do consultor interno. O banco
não usava esse conceito na estrutura do RH, mas, ao adquirir o HSBC em agosto de 2015, incorporou
também os parceiros de negócios e está treinando os funcionários do Bradesco para a função. Eles terão
um papel fundamental na integração dos processos e equipes. A presença do consultor interno nas
dependências do Bradesco, segundo Aparecida Russini, gerente de recursos humanos, deve estreitar o
relacionamento com o negócio, “ampliando, de forma contínua, a relação de confiança”.
A expectativa é que os BPs agilizem as respostas aos funcionários, tornando mais rápidos os processos
internos e reduzindo o tempo de integração entre as duas empresas. Os consultores internos também
ajudarão a empresa a ter uma visão global da nova realidade. O Bradesco usou 100% de recursos internos,
investindo no desenvolvimento de profissionais oriundos de diversas áreas do RH, com consultorias,
palestras e workshops. “Esse investimento se traduz em resultados que, somados, melhoram a imagem da
organização junto ao público interno e contribui para a melhoria do clima organizacional”, afirma
Aparecida.
Generalista x Especialista
Uma das grandes discussões sobre o BP é o seu perfil ideal. Segundo Marcelo Nóbrega, diretor de RH do
McDonald’s, onde o modelo de consultor interno existe há cinco anos, essa é uma das maiores
dificuldades na definição de papéis. “Os BPs são generalistas que executam os processos dos especialistas
dentro das áreas de negócios”, diz ele. “Muitas vezes, porém, a pessoa já era especialista e precisa virar
generalista, além de migrar para um campo de atuação mais amplo, tendo de lidar com uma rede maior de
pessoas.”
Com 650 restaurantes espalhados pelo Brasil, o McDonald’s conta com 20 pessoas de RH atuando em
campo e fazendo o trabalho de BP. Eles interagem com os diretores de operações regionais e gerentes de
mercado que supervisionam os diversos restaurantes. “O primeiro cliente do BP é o líder e o papel dele é
fazer o ciclo funcionar. Assegurar feedback, metas, avaliação de desempenho, plano de desenvolvimento,
sucessório, dentre outros, mas também ser um provocador e saber sentir o pulso da organização. O
segundo cliente são as pessoas”, diz Marcelo. Para ele, a principal característica deve ser o protagonismo
e a atitude. “Precisa saber criar agenda de pessoas para o negócio”, afirma. “Muita gente acha que
entende de RH porque entende de pessoas, mas não é bem assim, há um arcabouço prático e conceitual
que precisa ser levado em conta.”
Na Alcoa, o modelo já existe desde 2006 – e funciona muito bem. Ricardo Khauaja, diretor de RH da
companhia, é um defensor do conceito. “Acho que esse modelo ajuda o RH das empresas a agregar valor
ao negócio”, diz Khauaja. “Quando não há pessoas que conhecem o negócio em que se está inserido, fica-
se muito preso no lado técnico dos assuntos da área. O conceito de BP é uma chance maior de o RH girar
por si só.” Para ele, é fundamental que o consultor interno seja um generalista e que tenha competência
para lidar com vários assuntos ao mesmo tempo, sem se aprofundar em um tema específico. “Tem gente
que adora o desenvolvimento técnico, estudar, entender os temas. Esse não é o perfil do BP”, diz
Khauaja. “Ele tem um pé no RH e um pé no negócio. É um meio de campo.”
A Alcoa mantém uma equipe de especialistas em assuntos específicos do RH, como remuneração,
treinamento, benefícios. São profissionais que analisam os temas com profundidade técnica e ficam
responsáveis por olhar para fora e trazer boas práticas e inovações. São esses especialistas que dão
suporte e preparam os business partners nos vários temas da organização. “Já o suporte de processos
transacionais é feito por uma terceira área, que complementa esse tripé”, diz Khauaja. Hoje, a empresa,
que tem 3 800 funcionários, conta com 20 consultores internos, sendo cinco líderes, que se reportam às
unidades de negócios e matricialmente ao diretor de RH.
O perfil ideal
Segundo especialistas, o trabalho e a função do business partner evoluíram nas últimas décadas em
resposta ao aumento da preocupação dos CEOs em relação ao capital humano como fator determinante
para o negócio. A função passou de uma atuação mais operacional a um trabalho mais direto com o
negócio por meio de generalistas de RH nos anos 1990 e à criação e avanço da função do business
partner. Atualmente, a maioria das empresas possui um BP (ou função equivalente) alocado em
departamentos ou unidades de negócios, ou plantas, mas boa parte deles ainda se restringe a um mero
tirador de pedidos, quando deveria oferecer suporte estratégico para os líderes. “Outro erro é considerar
profissionais menos experientes que, em geral, acumulam atividades operacionais e não são reconhecidos
como parceiros”, diz Roberta, da Deloitte.
Um estudo da CEB de 2007, revisado em 2013, descreve as competências de um bom BP, que consistem
em quatro funções: parceiro estratégico, gerente de operações, resposta à emergência e mediador de
funcionários. Dessas quatro, a função do parceiro estratégico é a que tem maior impacto nos resultados de
talento e finanças. É também essa função que cria atividades importantes, como desenvolvimento de uma
visão estratégica de talentos na unidade de negócio, avaliação das opções estratégicas e implicação para o
RH, e representação dos interesses de talento da unidade de negócio dentro da empresa.
Os business partners bem-sucedidos na função de parceiro estratégico têm uma perspicácia empresarial,
organizacional e em gestão de talentos mais aprimorada. Eles analisam os dados de talento e usam suas
redes para alcançar melhores resultados. Mas essas quatro funções também explicam as dificuldades do
cargo. Enquanto algumas atividades exigem respostas imediatas, e focadas no indivíduo, outras exigem
visão de longo prazo e da empresa.
Nos últimos anos, segundo o estudo do CEB, a função viveu algumas mudanças. Uma delas foi a
necessidade de colaborar mais com outros funcionários dentro e fora de suas unidades de negócios. A
segunda maior mudança é a disponibilidade de dados de talento. Esses profissionais relatam que,
aproximadamente, um terço de seu tempo é gasto trabalhando com dados, que permitem que se
identifique com maior eficiência os desafios de talento e as soluções para o negócio.