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Número 228

Dezembro 2020

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Ano XIX, nº 228, Dezembro 2020
SumáriO
Escrevem os leitores ���������������������������������������� 4 Santa Odila da Alsácia –
Cega para si, águia
ISSN 1982-3193 para Deus

Revista de cultura Natal ontem, hoje e sempre (Editorial) . . . . . . . 5 ...................... 32


e inspiração católica
publicada por: O louvor perfeito da
A voz dos Papas – Liturgia posto
Associação Brasileira Sem pecado concebida!
Arautos do Evangelho junto ao altar
CNPJ: 03.988.329/0001-09 ...................... 36
www.arautos.org.br ........................ 6
Espectadora da História,
Comentário ao Evangelho –
palco de dores e glórias
Diretor Responsável: Hierarquia ou igualdade?
Mario Luiz Valerio Kühl
........................ 8 ...................... 39
Arautos no mundo
Conselho de Redação: São Nicolau
Severiano Antonio de Oliveira; ou Papai Noel?
Silvia Gabriela Panez;
Marcos Aurelio Chacaliaza C.
...................... 18 ...................... 42
Aconteceu na Igreja e
A divina humildade
Administração no mundo
expressa na noite
Rua Bento Arruda, 89
de Natal
02460-100 - São Paulo - SP
admrevista@arautos.org.br ...................... 22 ...................... 44
A história dos Macabeus, História para crianças... –
um exemplo de Corações inocentes…
Serviço de
fidelidade! como o meu!
assinatura e atendimento
ao assinante: ...................... 23 ...................... 46
(11) 2971-9050 Dona Lucilia Corrêa de Os Santos de
(nos dias úteis, de 8 às 17:00h) Oliveira – Síntese de cada dia
bondade e inquebrantável
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Saudades do Natal Um doce cheio de
Os artigos desta revista poderão ser
reproduzidos, desde que se indique a fonte simbolismo
e se envie cópia à Redação. O conteúdo das
matérias assinadas é da responsabilidade
dos respectivos autores. ...................... 28 ...................... 50
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E screvem os leitores

simplicidade que permite como que do Evangelho. Neste mês de novem-


respirar o que descreve. bro, suas palavras, como sempre, fo-
Em cada edição, a revista Arautos ram-me impressas na alma.
do Evangelho permite avaliar a rique- Ao tratar do tema de Nosso Se-
za espiritual dos autores dos diver- nhor Jesus Cristo, Rei do Univer-
Excelência de uma escola sos artigos que a compõem. O fato de so, e do Segredo de Nossa Senhora,
de pensamento e cultura que cada nova edição nos surpreenda Mons. João conseguiu incutir em nós
Há cerca de dez anos leio a Revis- com maravilhas inéditas, escritas por o ímpeto de perseverarmos em meio
ta Arautos do Evangelho. São incon- autores jovens ou adultos, permite à calamidade em que o mundo se en-
táveis as graças que recebi e tudo o vislumbrar a bênção que acompanha contra. Nos dias atuais, não é nada fá-
que aprendi sobre nossa amada e tão a obra de Mons. João. Segundo reza cil ser católico e, por isso mesmo, de-
sofrida Igreja! A cada número, co- o conhecido adágio, “A boca fala da vemos fecharmo-nos em nós mesmos?
meçado sempre pelo Santo do mês, abundância do coração”. Tais mara- Não! Aí é que se encontra o egoísmo
meu amor pela instituição divina de vilhas escritas só podem ser fruto do que tanto tem assolado a humanidade
nossa Igreja cresce cada vez mais! Divino Espírito Santo, que inflama e que foi tão bem explanado no artigo.
Sou incomensuravelmente grato aos de amor e impulsiona esta obra por- Se assim o fizermos, fechar-nos-emos
senhores e ao Mons. João por esta tentosa que se expande pelo mundo ao auxílio sobrenatural!
tão abençoada iniciativa! inteiro. Para tanto, Monsenhor finaliza fa-
Como professor universitário, não Os eloquentes raciocínios que lando sobre a graça de perseverarmos,
posso deixar de mencionar a alegria ilustram o artigo sobre o Reino de ao confiarmos na certeza da interven-
e a esperança que sinto ao ver arti- Maria me permitem compreender ção de Deus na História atual da hu-
gos tão bem escritos, muitas vezes melhor esse algo especial que acom- manidade, a qual marcará o futuro e
por autores tão jovens. A forma ela- panha os Arautos do Evangelho. São a eternidade, com o brado triunfante
borada, o vocabulário rico e as ima- cavaleiros da Virgem, em cujo cora- de Cristo Rei: “Confiança, Eu venci o
gens bem acertadas que usam dei- ção Nossa Senhora já triunfou. É um mundo! Confiança, Eu fundei o Rei-
xam entrever a excelência da escola novo tipo humano que convida amo- no de Maria, minha Mãe!” Eis o se-
de pensamento e cultura criada por rosa e pulcramente à conversão, e gredo para confiarmos e esperarmos
Mons. João. Além de densos, os arti- que pode verdadeiramente ser quali- em meio à desesperança do mundo
gos são sempre apresentados de for- ficado de apóstolos dos últimos tem- que jaz sob o poder do maligno!
ma atraente, transmitindo não só co- pos, em quem Nossa Senhora já co- Maria Aparecida Tavares Spagliare
nhecimento, senão amor pelo que se meçou a reinar. Via revistacatolica.com.br
apresenta. Deixo aqui registrada mi- José Nicolás Hoffmann Leigue
nha afetuosa gratidão! Santa Cruz de la Sierra – Bolívia
Continuem a difundir o belo!
Rodrigo Ferreira Agradeço o refrigério que sem-
Via revistacatolica.com.br
O segredo para pre obtenho ao receber esta Revista,
confiar e esperar com matéria tanto do fundador dos
Em vosso coração Nossa A revista Arautos do Evangelho Arautos, Mons. João Scognamiglio
Senhora já triunfou faz parte da minha história de con- Clá Dias, como de seu mestre espi-
A edição de agosto trouxe um ar- versão. Desde a fundação da Revis- ritual, Dr. Plinio Corrêa de Oliveira.
tigo escrito por Mons. João Scogna- ta, dela tornara-me assinante, em Acrescenta doutrina católica, bom
miglio Clá Dias, sobre o Reino de meus saudosos vinte anos de idade. gosto e vultosos estímulos para o es-
Maria, cheio de unção e esperan- As imagens, sempre cuidadosamente pírito cristão que devemos ter. Leio
ça – como tudo quanto ele escreve –, selecionadas para nos levar a admi- em meu consultório, bem como em
que revela a construção maravilho- rar o belo, remetem-nos à beleza, que meus plantões, e os pacientes sempre
sa de uma nova era histórica, supe- é a morada celeste. perguntam sobre a origem e a cria-
rior a qualquer imaginação. O artigo Tenho muito gosto em ler o Co- ção de tão bonito trabalho. Conti-
nos introduz em realidades sobrena- mentário ao Evangelho, feito pelo re- nuem a difundir o belo!
turais desconhecidas para o comum verendíssimo Mons. João Scognami- Tales Garcia dos Santos
das pessoas, explicadas com uma glio Clá Dias, fundador dos Arautos Via revistacatolica.com.br

4      Arautos do Evangelho · Dezembro 2020


Editorial
Natal ontem, hoje
e sempre

N a Santíssima Trindade o Natal sempre existiu, pois o Verbo de Deus é


eterno. Por Ele, em seis dias, todas as coisas foram feitas (cf. Jo 1, 1-3) e
também em função d’Ele quis o Altíssimo dedicar o último dia da cria-
ção apenas para Si: o sábado, o qual, após ser vencido pela Ressurreição do Salva-
dor, cedeu seu lugar ao “dia do Senhor” – dies Dominicus.
Assim, no domingo se recorda tanto o descanso da criação quanto o ápice dela,
ou seja, o Verbo Encarnado e, por isso, o Natal de Jesus é como que o “domin-
go” do ano.
Lúcifer, contudo, não tolera o Natal. Revoltando-se contra o Deus humanado,
foi ele logo precipitado no inferno, mas sua sanha diabólica não cessou. Procurou
a todo custo impedir que da Casa de Davi surgisse o Messias. Minou as esperan-
ças do povo judeu com provações, exílios e desastres. E até nos momentos que cir-
cundaram aquela santíssima noite, empreendeu embustes contra a vida de Jesus,
insuflando ódio nos que O rejeitaram (cf. Jo 1, 11).
Número
228
Antes daquele Menino os séculos se arrastavam nas trevas, ecoando por toda
parte o murmúrio da serpente: “Sereis como deuses” (Gn 3, 5). Em Roma, im-
ro 2020
Dezemb

peradores se endeusavam por poder; na Grécia, sofistas se endeusavam por sa-


ber; em Israel, fariseus se endeusavam por aparentar ser… E qual foi a respos-
ta da Providência? Inverter os parâmetros. Quereis ser deuses? Então tereis um
Homem-Deus! Revestido de nossa carne, Jesus nos elevou à Divindade. Nasci-
do em pobre manjedoura, concedeu-nos os tesouros do Céu. Sem proferir pala-
e
Entregu tória vras, atraiu para Si a humanidade. Bastava ver o Recém-Nascido para O reconhe-
v ít im a expia
com o cer (cf. Lc 2, 17).
O júbilo logo se irradiou em torno d’Ele. Os Anjos glorificavam o Divino In-
fante nas alturas celestiais, os pastores O louvavam na terra e todos os que ouviam
Nossa Senhora a boa-nova de seu nascimento ficavam maravilhados (cf. Lc 2, 14-18). Pois bem, o
com o Menino Natal é uma oportunidade para experimentarmos uma gota dessa sagrada atmos-
Jesus - Igreja de fera. Bastam simples acordes natalinos para revivermos nossa inocência primave-
Nossa Senhora das ril. Nesse dia, até as graças são mais abundantes: pecadores se convertem, famí-
Mercês, Antigua lias retomam a concórdia e nações inimigas selam armistícios…
Guatemala Contudo, o mundo insiste em desconhecer Jesus (cf. Jo 1, 10). Lúcifer continua
Foto: Javier Pérez Beltrán
a odiar o Natal e tudo o que ele traz consigo. Se em Belém se encontrava a mais
sagrada das famílias, a própria santidade encarnada e o maior ato de misericórdia
de Deus à humanidade, é precisamente pelo ataque à família, à virtude e à Reli-
gião que se desfigura hoje o autêntico espírito natalino.
A teoria está clara, mas o que fazer na prática?
Este “domingo do ano” é uma ocasião para também nós nascermos “de novo”
(cf. Jo 3, 3). Como? Imitando o exemplo de Maria em Belém. Se Ela conser-
vou e conserva em seu Coração todos os fatos acontecidos em torno ao presépio
(cf. Lc 2, 19), será por meio d’Ela que o Natal atingirá a sua máxima perfeição. ²

Dezembro 2020 · Arautos do Evangelho      5


A voz dos Papas

Sem pecado concebida!


Agindo sob inspiração do Espírito Santo, o Beato Pio IX declarou,
pronunciou e definiu como dogma a doutrina da Imaculada Conceição.
Com ela, a Igreja exalta jubilosa a figura d’Aquela que esmagou
triunfalmente a cabeça do demônio.

D
eus inefável escolheu para ser substancialmente sua Mãe, antiguidade, tanto da Igreja Oriental
e preparou desde toda d’Ela, de quem quis o Espírito Santo como da Ocidental.
a eternidade uma Mãe que, por obra sua, fosse concebido e Vigilante guardiã e protetora das
para seu Filho único nascesse Aquele do qual Ele próprio doutrinas a ela confiadas, a Igreja de
n’Ela Se encarnar e nascer na bem- procede. […] Cristo em nada as altera nem com
-aventurada plenitude dos tempos. acréscimos nem com decréscimos.
Amou-A tanto que, por uma sobe-
Doutrina sempre professada Pelo contrário, tratando com escru-
rana predileção, pôs n’Ela todas as
na Santa Igreja pulosa fidelidade e sabedoria os en-
suas complacências. Elevou-A in- Inegável é que a doutrina da Ima- sinamentos delineados em tempos
comparavelmente acima de todos culada Conceição da Bem-Aventura- antigos e semeados pelos Santos Pa-
os espíritos angélicos e de todos os da Virgem Maria – a cada dia mais dres, procura aprimorá-los e puri-
Santos. Cumulou-A da abundância ficá-los de forma que, conservando
dos dons celestes tirados dos tesou- sua plenitude, integridade e proprie-
ros da Divindade, de modo tão ma- Vigilante guardiã e dade, eles se apresentem com maior
ravilhoso que Ela, toda bela e per- evidência, brilho, clareza, e se desen-
feita, sempre e totalmente livre de protetora das doutrinas volvam exclusivamente conforme sua
qualquer mancha de pecado, tinha
em Si a maior plenitude de inocên-
a ela confiadas, a própria natureza, ou seja, preservan-
do a identidade do dogma, do senti-
cia e de santidade que se possa ima- Igreja de Cristo em do, da doutrina.
ginar abaixo de Deus; plenitude tal
que, exceto Deus, ninguém a pode nada as altera nem Ela esmagou triunfalmente
compreender.
a cabeça do demônio!
Era, por certo, de todo convenien-
com acréscimos nem Instruídos pelos oráculos celestes,
te que essa tão venerável Mãe reful- com decréscimos os Padres da Igreja e os autores ecle-
gisse sempre dos esplendores da mais siásticos escreveram obras para ex-
perfeita santidade e que, isenta inclu- plicar as Escrituras, defender os dog-
sive da mancha do pecado original, brilhantemente explicada, declarada mas, instruir os fiéis. Nestas, em nada
obtivesse o mais completo triunfo so- e confirmada pelo senso, magistério, tanto se empenharam eles quanto em
bre a antiga serpente. estudo, ciência e sabedoria da Igreja, celebrar e exaltar de mil modos admi-
A Ela quis o Eterno Pai dar seu Fi- e admiravelmente espalhada entre ráveis a soberana santidade da Vir-
lho único, gerado em seu seio, igual a todos os povos e nações do mundo gem, sua dignidade, sua integridade
Si e por Ele amado como a Si mesmo. católico – foi sempre considerada na isenta de qualquer nódoa de pecado,
E quis dar-Lho de tal modo que esse Igreja como recebida de nossos an- e sua fulgurante vitória sobre o cruel
Filho é naturalmente Filho único tepassados e revestida do caráter de adversário do gênero humano.
e comum de Deus Pai e da Virgem; doutrina revelada, conforme atestam “Porei inimizades entre ti e a mu-
d’Ela que o próprio Filho ­escolheu célebres e veneradas testemunhas da lher, entre a tua descendência e a

6      Arautos do Evangelho · Dezembro 2020


dela” (Gn 3, 15). Por estas palavras, por meio de seu Filho, para que Ele
Deus, anunciando no início do mundo Se digne dirigir e fortificar nossa
os remédios preparados em sua mise- alma pela virtude do Espírito San-
ricórdia para regenerar os mortais, to; após implorar também
confundiu a audácia da serpente a assistência de toda a cor-
sedutora e reacendeu maravilho- te celeste e recorrer com
samente a esperança da humana gemidos ao Espírito Conso-
raça. Quando comentam este orá- lador; agindo hoje sob sua ins-
culo, os Padres da Igreja ensinam piração, para honra da santa e indi-
que por ele foi clara e abertamen- visível Trindade, para glorificação da
te anunciado o misericordioso Re- Virgem Mãe de Deus, para exaltação
dentor do gênero humano, Jesus Cris- da Fé Católica e propagação da Re-
to, Filho único de Deus; que nele está ligião cristã; pela autoridade de Nos-
designada sua Mãe, a Bem-Aventura- so Senhor Jesus Cristo, dos Santos
da Virgem Maria; e que nele se ex- Apóstolos Pedro e Paulo e pela nos-
prime formalmente também a ini- sa, nós declaramos, pronunciamos e
mizade do Filho e da Mãe contra definimos: a doutrina segundo a qual
o demônio. a Bem-Aventurada Virgem Maria foi
Por isso, assim como Cristo, Me- preservada e imune de toda mancha
diador entre Deus e os homens, ao do pecado original desde o momento
assumir a natureza humana, anulou de sua concepção, por graça e privilé-

David Ayusso
o decreto de condenação que havia gio especial de Deus Onipotente, em
contra nós e o afixou vitoriosamente vista dos méritos de Jesus Cristo, Sal-
na Cruz, assim também a Santíssima vador do gênero humano, é revelada
Virgem, unida a Ele por estreito e in- por Deus; em consequência, deve ela
dissolúvel vínculo, exercendo por Ele Nossa Senhora do Apocalipse ser crida formal e constantemente por
e com Ele eternas hostilidades contra Casa Lumen Cœli, Mariporã (SP) todos os fiéis.
a serpente venenosa, esmagou triun- Se, pois, alguém tiver a presunção
falmente com seu pé imaculado a ca- – o que Deus não permita – de em seu
beça deste inimigo. […] Nada há de coração pensar diferente do que aqui
foi por nós definido, tome conheci-
Doutrina que desperta surpreendente mento e saiba que, condenado por seu
a piedade e o amor
Não é de estranhar, portanto, que
em que esta próprio juízo, naufragou na Fé e se-
parou-se da Igreja; saiba também que
esta doutrina da Imaculada Concei- doutrina tenha se, por palavras, escritos ou qualquer
ção da Virgem Mãe de Deus, consig- outro meio, ousar exprimir seus ínti-
nada nas divinas Escrituras, segun- despertado tanta mos pensamentos, incorrerá ipso fac-
do opinião dos Padres da Igreja que to nas penas prescritas pela lei.
a transmitiram por seus testemunhos
piedade e amor no Nossos lábios se abrem na alegria
tão categóricos e numerosos, esta clero e nos fiéis e falam com júbilo!
doutrina expressa e exaltada por tan- Rendemos, e jamais deixaremos
tas veneradas testemunhas da anti- de render, as mais humildes e arden-
guidade, tenha sido proposta e confir- toda parte, com ardente devoção, a tes ações de graças a Nosso Senhor
mada pelo alto magistério da Igreja. Virgem Mãe de Deus, concebida sem Jesus Cristo que, apesar de nossa in-
Nada há também de surpreenden- pecado original. […] dignidade, nos concedeu o singular
te em que esta doutrina tenha des- favor de oferecer e conferir esta hon-
pertado tanta piedade e amor no cle-
Seja ela crida fiel e ra, esta glória e este louvor à sua San-
ro e nos fiéis, nem em que eles se ufa-
constantemente por todos os fiéis tíssima Mãe. ²
nem de professá-la de forma cada vez Portanto, depois de ter elevado,
mais esplendorosa, ou em que nada com humildade e jejuns, nossas inin- Excertos de: BEATO PIO IX.
lhes seja mais suave e desejável do terruptas súplicas particulares e as Ineffabilis Deus, 8/12/1854
que venerar, invocar e celebrar por preces públicas da Igreja a Deus Pai, Tradução: Arautos do Evangelho

Dezembro 2020 · Arautos do Evangelho      7


a  Evangelho  A
22 
Quando se completaram 33 
O pai e a Mãe de Jesus
os dias para a purificação estavam admirados com
da Mãe e do Filho, confor- o que diziam a respeito
me a Lei de Moisés, Maria d’Ele. 34  Simeão os aben-
e José levaram Jesus a Jeru- çoou e disse a Maria, a
salém, a fim de apresentá- Mãe de Jesus: “Este Me-
-Lo ao Senhor. 23  Confor- nino vai ser causa tanto
me está escrito na Lei do de queda como de reergui-
Senhor: “Todo primogêni- mento para muitos em Is-
to do sexo masculino deve rael. Ele será um sinal de
ser consagrado ao Senhor”. contradição. 35 Assim serão
24 
Foram também ofere- revelados os pensamentos
cer o sacrifício – um par de de muitos corações. Quan-
rolas ou dois pombinhos – to a Ti, uma espada Te
como está ordenado na Lei traspassará a alma”.
do Senhor. 25  Em Jerusa- 36 
Havia também uma pro-
lém, havia um homem cha- fetisa, chamada Ana, fi-
mado Simeão, o qual era lha de Fanuel, da tribo de
justo e piedoso, e esperava Aser. Era de idade muito
a consolação do povo de Is- avançada; quando jovem,
rael. O Espírito Santo es- tinha sido casada e vivera
tava com ele 26  e lhe havia sete anos com o marido.
anunciado que não morre- 37 
Depois ficara viúva, e
ria antes de ver o Messias agora já estava com oiten-
que vem do Senhor. ta e quatro anos. Não saía
27 
Movido pelo Espírito, do Templo, dia e noite ser-
Simeão foi ao Templo. vindo a Deus com jejuns
Quando os pais trouxe- e orações. 38  Ana chegou
ram o Menino Jesus para nesse momento e pôs-se
cumprir o que a Lei orde- a louvar a Deus e a falar
nava, 28  Simeão tomou o do Menino a todos os que
Menino nos braços e ben- esperavam a libertação de
disse a Deus: 29  “Agora, Jerusalém.
Senhor, conforme a tua 39 
Depois de cumprirem
promessa, podes deixar tudo, conforme a Lei do
teu servo partir em paz; Senhor, voltaram à Gali-
30 
porque meus olhos vi- leia, para Nazaré, sua ci-
Angelis Ferreira

ram a tua salvação, 31  que dade. 40 O Menino crescia


preparaste diante de todos e tornava-Se forte, cheio
os povos: 32 luz para ilumi- de sabedoria; e a graça Apresentação do Menino Jesus no Templo
nar as nações e glória do de Deus estava com Ele Igreja do Gesù, Miami (EUA)
teu povo Israel”. (Lc 2, 22-40).

8      Arautos do Evangelho · Dezembro 2020


Comentário ao Evangelho
Festa da Sagrada Família de Jesus, Maria e José

Hierarquia
ou igualdade?
Ao longo de trinta anos de vida familiar, o Homem-Deus
oferece o exemplo da obediência perfeita a um mundo no
qual imperam a mentalidade igualitária e o espírito de revolta
contra toda autoridade.

Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP

I – A célula “mater” da sociedade nosso destino final não está aqui na terra – na
Divinas são as palavras da Liturgia, por se- qual nos encontramos apenas de passagem –,
rem ditadas pelo Espírito Santo aos autores sagra- mas sim na eternidade, não há no Matrimônio
dos e recolhidas pela Santa Igreja com sabedoria. objetivo mais excelente que um cônjuge santifi-
Cada um dos pensamentos que as leituras da fes- car o outro, e ambos santificarem os filhos. Tra-
ta da Sagrada Família nos sugerem seria suficien- ta-se, portanto, de levar a vida familiar em Deus,
te para, detendo-nos um instante e meditando-os, de maneira que Ele seja o elemento essencial do
enriquecer a alma e o coração. Nelas se conden- relacionamento entre marido e mulher, pais e fi- Se a família
sam uma série de verdades ensinadas por Deus a lhos. Se a família se basear na graça e na pieda-
respeito de um ponto fundamental atinente à so- de, ainda que sobre ela se abatam dramas e vicis- se basear na
ciedade e à própria Igreja: a vida familiar. A famí-
lia é a célula mater da sociedade, onde se prepa-
situdes, tudo se tornará fácil, e nela reinará a paz.
Na Sagrada Família temos o modelo admi-
graça e na
ram os homens e mulheres de valor que constitui- rável de como enfrentar as dificuldades e as piedade, tudo
rão o mundo do futuro, e é também a fonte de vo- dores da existência com espírito elevado: pai,
cações religiosas para o serviço da Igreja. Mãe e Filho viviam numa harmonia perfeita se tornará
Sendo uma instituição de direito natural – porque Deus estava no centro. Por isso, nesta
como atesta a história de todos os povos, desde festa, reza a Oração do Dia: “Ó Deus de bon-
fácil, e nela
a mais remota Antiguidade –, a família foi con- dade, que nos destes a Sagrada Família como reinará a paz
templada por Nosso Senhor Jesus Cristo com a exemplo, concedei-nos imitar em nossos la-
elevação do Matrimônio à categoria de Sacra- res as suas virtudes para que, unidos pelos la-
mento, a fim de infundir nos esposos as graças ços do amor, possamos chegar um dia às ale-
necessárias para cumprir, com vistas sobrena- grias da vossa casa”.1 Imitemos em nossos lares
turais, o dever que lhes cabe. as virtudes de Jesus, Maria e José para, trans-
De fato, acima de todas as suas funções, a fa- postos os umbrais da morte, sermos integrados
mília tem uma missão salvífica. Uma vez que o para sempre na família eterna do Pai, do Filho

Dezembro 2020 · Arautos do Evangelho      9


e do Espírito Santo, juntamente com todos os siderável: cinco siclos de prata (cf. Nm 3, 47;
Anjos e Bem-Aventurados. Deus quer nos con- 18, 16), que equivalia ao ganho de meio ano de
ferir a felicidade imensa do convívio com Ele um assalariado.2 Já nos tempos do Novo Testa-
no Céu e, para isso, Ele mesmo Se encarnou e mento, segundo os cálculos feitos pelos exege-
viveu trinta anos numa família – enquanto em- tas, este montante equivalia a quase um mês
pregou apenas três em expor sua doutrina! –, de trabalho.3
dando-nos assim uma noção clara da impor- Por outro lado, depois de cada parto, a mãe
tância do núcleo familiar e o padrão de como deveria purificar-se e oferecer um cordei-
este deve ser. ro em holocausto pelo recém-nascido, e um
pombinho ou uma rola como sacrifício pelo
II – Através de Maria, o Redentor pecado (cf. Lv 12, 4-7); ou, no caso das fa-
Se oferece oficialmente ao Pai mílias mais pobres, dois pombinhos ou rolas
(cf. Lv 12, 8).
Quando se completaram os dias para
22 
O Templo de Jerusalém, palco do aconteci-
a purificação da Mãe e do Filho, con- mento relatado no Evangelho de hoje, fora re-
forme a Lei de Moisés, Maria e José le- construído com muito menos esplendor ma-
terial que o anterior, levantado por Salomão
Na Sagrada varam Jesus a Jerusalém, a fim de apre- com magnificência e riqueza extraordinária
sentá-Lo ao Senhor. 23 Conforme está e destruído por Nabucodonosor. A tal pon-
Família temos escrito na Lei do Senhor: “Todo primo- to que os judeus mais idosos, ao contempla-
o modelo gênito do sexo masculino deve ser con- rem a nova construção, ficaram tristes e cho-
sagrado ao Senhor”. 24 Foram também raram (cf. Es 3, 12-13), porque aquele edifício
admirável oferecer o sacrifício – um par de rolas não era a maravilha vista antes do exílio na Ba-
bilônia. Todavia, o profeta Ageu revelou-lhes
de como ou dois pombinhos – como está ordena- que o segundo Templo ultrapassaria em gló-
do na Lei do Senhor. ria o primeiro (cf. Ag 2, 3-10), e esta profecia
enfrentar as Quando o povo eleito foi libertado, pelo se cumpriu à risca, pois ele recebeu a visita do
dificuldades braço forte de Deus, da escravidão na qual se Messias prometido: o Menino que entrou nos
encontrava no Egito, a última das dez pragas braços de Maria era o próprio Deus feito Ho-
e as dores da para convencer o faraó a deixá-lo partir foi a mem, que ia ser apresentado em seu Templo.
morte dos primogênitos de todo o país. O Se-
existência nhor, entretanto, ordenou aos israelitas que
Fidelidade e obediência no
cumprimento da Lei
com espírito marcassem as ombreiras e a verga da porta de
suas casas com o sangue do cordeiro imola- Nossa Senhora, concebida sem pecado origi-
elevado do no crepúsculo, a fim de que, à passagem do nal, inocentíssima, não tendo conhecido varão e
exterminador, não fossem eles atingidos pelo havendo engendrado Jesus pelo poder do Espíri-
flagelo, sendo poupados os primogênitos de to Santo, Virgem antes, durante e depois do par-
­Israel (cf. Ex 12, 12-13). to, não precisava purificar-Se. Mas Ela, meticu-
Por esta razão, Deus assumiu como pró- losamente fiel na observância religiosa e amante
prios os primogênitos dos hebreus, tanto ho- da excelsa virtude da obediência, quis cumprir a
mens quanto animais (cf. Ex 13, 2; 34, 19). Em Lei que obrigava toda mulher, além de consagrar
tese, os pais teriam que esquecer o primeiro fi- seu Filho a Deus, para em seguida resgatá-Lo.
lho e entregá-lo como vítima para o altar do “Convinha também” – afirma São Tomás –
Senhor. Mas Deus proibia os sacrifícios huma- “que a Mãe fosse configurada pela humildade do
nos, como posteriormente foi prescrito pela Filho […]. Por isso, Cristo, embora não estando
Lei de Moisés (cf. Lv 18, 21; 20, 1-3; Dt 12, 31), sujeito à Lei, quis submeter-Se à circuncisão e às
e esses meninos eram, então, destinados ao outras imposições da Lei, para dar exemplo de
sacerdócio. Mais tarde, quando Deus reser- humildade e de obediência, para aprovar a Lei, e
vou os levitas para seu culto (cf. Ex 32, 26-29; para retirar dos judeus a ocasião de caluniá-Lo;
Nm 3, 12; 8, 14), ordenou, em contrapartida, por essas mesmas razões quis que sua Mãe cum-
que os primogênitos fossem resgatados pela prisse todas as observâncias da Lei, ainda que
família, pagando um imposto bastante con- não estivesse sujeita a elas”.4

10      Arautos do Evangelho · Dezembro 2020


tanto de sua Mãe Santíssima, no tempo,
quanto de Deus Pai, na eternidade; se-
gundo, porque, ao apresentá-Lo no Tem-
plo, Nossa Senhora o fez de todo coração
e com a compreensão da grande perspec-
tiva que se abria diante de Si, isto é, de-
volvendo a Deus Aquele que era de Deus,
para que, no futuro, fosse realmente imo-
lado como oferenda, derramando seu
próprio Sangue. Ela já sabia que assim se-
ria redimido o gênero humano e estava de
acordo com isso, desde o dia da Anuncia-
ção, quando disse: “Eis aqui a serva do
Senhor. Faça-se em Mim segundo a tua
palavra” (Lc 1, 38). São José também ti-
nha esta noção, de forma que ambos de-
sempenharam o papel de sacerdotes ao
Enquanto
ofertarem a Deus um sacrifício. Com ra- Verbo, o
zão, a Virgem Maria é chamada Mãe e
Rainha dos sacerdotes. Menino
Por sua vez, o Menino, enquanto Ver-
bo de Deus, possuía a ciência divina e in-
possuía a
criada; e, enquanto Homem, gozava tanto ciência divina
da ciência beatífica – pois desde a concep-
ção sua Alma esteve sempre contemplan- e incriada;
do a Deus face a face – como da ciência
infusa, pela qual abarcava as matrizes de
e, enquanto
todas as coisas, mediante as espécies in- Homem,
teligíveis proporcionadas por Deus a seu
gozava tanto
Gustavo Kralj

entendimento. Além disso, em sua natu-


reza humana excelentíssima acrescenta-
va-se ainda a ciência experimental, aque- da ciência
Sagrada Família - Catedral de Cuzco (Peru)
la que se adquire progressivamente pelo
esforço da inteligência, transformando
beatífica
A entrega solene e oficial do Filho
em ideias as impressões que os sentidos como da
transmitem à imaginação. Assim, quando na
como vítima expiatória tenra idade de um bebê entrou no Templo nos ciência infusa
Devido à nossa mentalidade cronológica, jul- braços de Nossa Senhora, Jesus constatou, com
gamos que o imposto estabelecido por Deus sua sensibilidade humana, aquilo que vira des-
através de Moisés foi o fator determinante do de toda a eternidade. Completou-se, então, no
episódio contemplado pela Liturgia deste do- tocante à missão d’Ele, o ciclo perfeito de todos
mingo. No entanto, se o analisamos por um os seus conhecimentos.
prisma mais elevado, vemos que, nos desígnios Tomado de imensa emoção, em sua humani-
divinos, o primordial objetivo de Deus ao pro- dade, entregou-Se de modo solene e oficial ao Pai
mulgar estas leis – quer a relativa aos primo- como vítima expiatória, tendo plena consciên-
gênitos, quer aquela referente às mães – foi o cia do significado daquela cerimônia e, sobretu-
de, um dia, realizar-se esta apresentação, para do, da finalidade de sua Encarnação e de quanto
que, bem próximo ao seu nascimento, Nosso Se- iria sofrer. Este oferecimento Ele já o fizera des-
nhor Jesus Cristo fosse entregue em holocausto de o primeiro instante em que fora criado, como
como hóstia de reparação. se lê na Carta aos Hebreus: “Ao entrar no mun-
Nosso Senhor foi em tudo único na História: do, Cristo diz: Não quiseste sacrifício nem obla-
primeiro, por ser Ele duplamente Primogênito, ção, mas Me formaste um corpo. ­Holocaustos e

Dezembro 2020 · Arautos do Evangelho      11


s­ acrifícios pelo pecado não Te agradam. Então, Era, sem dúvida, uma alma de fogo que an-
Eu disse: Eis que venho (porque é de Mim que siava a vinda do Messias e a pedia insistente-
está escrito no rolo do livro), venho, ó Deus, para mente a Deus. Quanta aridez e provação este
fazer a tua vontade” (10, 5-7). Agora, porém, ve- homem deve ter passado, vendo Israel deca-
rificava-se isto pelas mãos de Nossa Senhora, e dente, Jerusalém na ruína espiritual, o Tem-
Jesus, inteiramente disposto a obede- plo conspurcado por vendilhões…
cer em tudo à sua Mãe, aceitou e ele sem condições de fazer
com alegria, submetendo-Se – nada! Talvez se afligisse ante
Ele, o Criador do universo, a quantidade de almas que
o Onipotente! – a quem ti- se perdiam e, ao apresen-
nha governo sobre Ele tar a Deus os sacrifícios,
aqui na terra. se interrogasse sobre o
E embora tenha sido valor destes, porque
resgatado por Ela e eram oferecidos por
por São José, median- suas mãos, tão mí-
te uma soma de di- seras a seu próprio
nheiro, o foi apenas de juízo. “Quando sur-
­
maneira temporária, gir o Messias” – de-
Ela, fiel na até o momento da Pai- certo pensava – “Ele,
xão. Chegada a hora de sim, fará uma oblação
observância subir ao Calvário, não perfeita e todo o povo
religiosa e houve um cordeiro que será purificado!”
O substituísse, não houve Por isso recebera mo-
amante da pagamento… Ele foi cruci- ções fortíssimas do Espí-

ira
re
ficado! rito Santo e – quem sabe se

r
excelsa vir-
Fe
lis
Ora, não era possível que por uma aparição angélica ou
ge
An
tude da obe- Maria Santíssima e
São José levassem o
por uma voz interior,
vigorosa e cogente –
Apresentação do Menino Jesus (detalhe)
diência, quis Menino Jesus ao Tem- Igreja do Gesù, Miami (EUA) fora-lhe revelado que
plo e, numa oportuni- não morreria sem ver
cumprir a Lei dade tão transcendental para o acontecer huma- o Salvador prometido. Não obstante, teria ele
que obrigava no e para o conjunto da obra da criação, não hou-
vesse especiais manifestações do Espírito Santo.
uma sensibilidade permanente com respeito a
essa previsão ou vivia momentos de secura? O
toda mulher Um ancião flexível às moções
certo é que ele guardou até o fim uma esperan-
ça cheia de fé!
do Espírito Santo Naquele dia sentiu um impulso sobrenatural
25 
Em Jerusalém, havia um homem cha- para ir ao Templo e foi dócil a ele. Está claro que
mado Simeão, o qual era justo e piedo- não tinha motivos para ir, pois não lhe cabia o
so, e esperava a consolação do povo de turno sacerdotal, ou, quiçá, já estivesse retirado;
porém, de idade avançada e com dificuldade de
Israel. O Espírito Santo estava com ele movimento, numa época de frio invernal, venceu
26 
e lhe havia anunciado que não mor- os achaques da ancianidade e saiu pelas ruas, sô-
reria antes de ver o Messias que vem do frego, ágil, com um empressement e um ânimo de
Senhor. 27a Movido pelo Espírito, Si- que nem sequer na juventude dispusera, à procu-
meão foi ao Templo. ra do Cristo que ia chegar.

O velho Simeão era, segundo o Evangelista,


O prêmio de quem é justo e piedoso
“justo e piedoso”. Dele se pode afirmar que, sem Quando os pais trouxeram o Menino
27b 

conhecer Nosso Senhor Jesus Cristo e antes de Jesus para cumprir o que a Lei ordena-
este haver nascido em Belém, já podia ser cha- va, 28 Simeão tomou o Menino nos bra-
mado de cristão; sem Ele ter-lhe dado o exemplo,
já O imitava! Que mérito admirável!
ços e bendisse a Deus.

12      Arautos do Evangelho · Dezembro 2020


Quando Simeão viu entrar São José e Nossa minha alma. […] Simplesmente com tocar nes-
Senhora com o Menino Jesus, seu coração palpi- te Menino, neste Homem novo, renovou-se a mi-
tou e encheu-se de emoção… Afinal, ali estava o nha juventude como a da águia, tal como me fora
Messias! Certamente ele os chamou e os fez pas- prometido: Irei ao altar de Deus, no qual Maria
sar à frente das demais famílias e das outras mães, oferece ao Pai, o Deus que alegra minha velhice
que aguardavam para ser atendidas pe- e, mais, renovará minha juventude’”.5
los sacerdotes de turno, a fim de Eis o prêmio de quem é justo e
também cumprirem a Lei. piedoso. Aquele que pratica a
É de se notar o modo pelo virtude e reza com perseve-
qual a Providência sempre rança atrai a benquerença
age: garante algo e dá mui- de Deus e é recompensa-
to mais. Na sua humil- do. Devemos, neste pon-
dade de varão justo, Si- to, recolher um exem-
meão imaginara avistar plo para nós, de manei-
o Redentor à distância, ra a nunca relaxar no
caminhando pela es-
trada ou numa praça.
exercício da oração.
Se, mantendo-nos na
Eis o prêmio
Realizada assim a pro- justiça e na piedade, de quem
messa, poderia morrer. pedirmos com cons-
Mas ele obteve o privi- tância alguma graça, é justo e
légio de acolher Cristo ela nos será concedida
bebê, com apenas qua- com largueza, ainda que
piedoso.
renta dias de idade. Deus o seja só no fim da vida. Aquele que
em seus braços!… É-nos
ira

O senso da missão pratica a


re

permitido conceber que o


r
Fe

universal do Messias
lis

Menino Jesus, ao olhá-lo, teve


ge

virtude e
An

para com ele gestos de delicadeza “Agora, Senhor, confor-


29 

e afetuosidade única; talvez tenha se- me a tua promessa, podes dei- reza com
gurado com as divinas mãos a barba do ancião. xar teu servo partir em paz; 30 porque
Tais demonstrações devem ter deixado Si-
meus olhos viram a tua salvação, 31 que
perseverança
meão comovido no mais íntimo de sua alma, for-
mando nela uma espécie de arco gótico: de um preparaste diante de todos os povos: atrai a
32 
luz para iluminar as nações e glória
lado, Deus, que era aquele Menino, atuava “com
a mão direita” em seu interior, inundando-o de do teu povo Israel”.
benquerença
contentamento, de entusiasmo e de extraordi- Neste inspirado cântico de Simeão transpa- de Deus e é
nário regozijo ante a sabedoria d’Ele e o futu- rece sua alegria, ao constatar que lhe foram re-
ro que O esperava; de outro, o Menino, que era mediadas as aflições, escutadas as preces e co- recompensado
Deus, completava no exterior os sentimentos ex- roados os esforços em busca da perfeição! Para
perimentados em seu íntimo, acariciando “com a que viver depois? Sua vocação estava concluída;
mão esquerda” suas barbas e comunicando-lhe, a promessa, cumprida.
no seu sorriso, um auge de consolação… Em suas palavras sobressai, ademais, o senso
“Simeão, que buscava com um desejo piedo- da missão universal de Nosso Senhor Jesus Cris-
so e fiel, encontrou o que buscava e reconheceu to. Naquele Menino, ele vê a completa abran-
o que encontrou, sem nenhum outro indício, isto gência da Redenção, advinda para “todos os po-
é, sem testemunho humano algum. […] Podemos vos: luz para iluminar as nações”. Tal afirmação
imaginar como penetrava aquele Cristo suave e nos lábios de um judeu é inusitada, já que eles
manso no seio castíssimo do piedoso ancião […], eram extremamente nacionalistas. Simeão fa-
e inspirava seus sentimentos? […] A alma do an- lava como verdadeiro profeta, por uma revela-
cião derretia-se no abraço deste Ungido […] e di- ção do Espírito Santo. Numa cena de incompa-
zia: ‘[…] já vejo o que esperei, possuo o que de- rável beleza, o Antigo Testamento, na pessoa de
sejei, abraço o que ansiei. Vejo a Deus meu Sal- Simeão, encerrava seu último ato, tomando nas
vador, revestido da minha carne, e salvou-se a mãos o Novo Testamento em Pessoa.

Dezembro 2020 · Arautos do Evangelho      13


Um Casal que impacta, um atraía a atenção e produzia encanto, sobretudo
Menino que atrai… quando, tendo Maria retirado os tecidos que O
O pai e a Mãe de Jesus estavam ad-
33 
envolviam, O apresentou à vista de todos e O
mirados com o que diziam a respeito levantou para entregá-Lo a Simeão. Quem era
d’Ele. este Menino? O mais belo Infante que já hou-
ve em toda a História e como nunca haverá ou-
Maria e José deviam perguntar-se como Si- tro igual; um Menino extraordinário, colossal,
meão teria chegado a tão alto conhecimento do cheio de inteligência; o Criador do universo, a
destino de Jesus. Luz do mundo, o Filho de Deus!
É provável que sua declaração tenha pro-
vocado uma tremenda movimentação em tor-
Pedra de escândalo!
no da Sagrada Família, uma vez que ele não
34 
Simeão os abençoou e disse a Maria, a
tinha dito aquilo exclusivamente para eles, Mãe de Jesus: “Este Menino vai ser cau-
mas também para as pessoas que ali se acha- sa tanto de queda como de reerguimento
vam. Com efeito, tanto o ritual de apresenta-
ção do primogênito quanto o da purificação da
para muitos em Israel. Ele será um sinal
mãe eram atos públicos, aos quais podia assis- de contradição. Assim serão revelados
35a 

tir qualquer pessoa. Depois de atravessar o Pá- os pensamentos de muitos corações”.


Maria já tio das Mulheres e subir os degraus que condu- Ainda por inspiração do Espírito Santo, Si-
ziam ao de Israel – percurso, aliás, obrigatório meão anunciou que Jesus seria causa de salvação
estava ciente para as mães que iam se purificar –, era possí- e ruína para muitos em Israel – e, podemos acres-
da Redenção vel observar os sacrifícios de uma balaustrada centar, em todo o mundo –, ressaltando sua voca-
ou pequena porta, local muito propício a co- ção de pedra de escândalo. Aparecendo Cristo, a
a ser operada mentários sociais.6 Verdade Encarnada, Ele – por ser Ele e por sua
Já ao entrar, Nossa Senhora, recolhida, tra- vida, mais que pela doutrina – faria com que mui-
por seu jando um vestido até os pés como se usava na tos dos que haviam ocultado seus pecados, en-
Divino época, coberta a cabeça com um véu, deixan- cobrindo-os pelos mais variados sofismas, se vis-
do aparecer apenas uma parte do rosto, decer- sem denunciados. Tudo se tornaria explícito.
Filho, e dera to terá causado admiração, pois era uma Dama Nós precisamos ter a compenetração do quan-
belíssima e completamente incomum. São José to aquele que abraça a via de Nosso Senhor com
um “sim” também devia impressionar por seu caráter e ir- sinceridade e procura vivê-la em si, por uma con-
à vontade radiar um imponderável de muita seriedade e duta transparente, pervadida de santidade, aca-
forte persona- ba por se trans-
de Deus lidade. Aquele formar em pe-
Santo Casal im- dra de escândalo
pactava! E com e sinal de contra-
o feitio comuni- dição, como Ele,
cativo próprio dando ocasião a
aos orientais, que muitos cora-
sem dúvida as ções se revelem.
outras senhoras
detiveram a San-
Uma espada
tíssima Virgem
a traspassar
pelo caminho,
a alma, sem
fazendo pergun-
tocar o corpo
tas sobre o Fi-
35b 
“Quanto a
Francisco Lecaros

lho que carrega- Ti, uma espa-


va no seu colo. da Te traspas-
Sim, muito
mais do que as
sará a alma”.
palavras de Si- Apresentação do Menino Jesus no Templo - Catedral de São A última frase
meão, o Menino Bavão, Gante (Bélgica) de Simeão é uma

14      Arautos do Evangelho · Dezembro 2020


referência clara e eviden- ­momento e pôs-se a
te aos tormentos da Pai- louvar a Deus e a fa-
xão. Como acima men-
lar do Menino a to-
cionamos, Maria já esta-
va ciente da Redenção a dos os que espera-
ser operada por seu Di- vam a libertação de
vino Filho, e dera um Jerusalém.
“sim” à vontade de Deus. Tal como a Lei Mosai-
Agora, entretanto, ou- ca exigia para toda afir-
via a previsão de alguém mação ou comprovação
da sua mesma natureza, de fatos em juízo (cf. Nm
de um sacerdote daque- 35, 30; Dt 17, 6; 19, 15),
le Templo que Ela amava São Lucas insere, logo
– visto que ali servira du- no começo do seu Evan-
rante a infância –, e tinha gelho, duas testemunhas
noção da veneração com da divindade de Jesus, a
Eis a
Juan Carlos Villagómez

a qual estes ministros do fim de selar a entrada do


Senhor deviam ser con- Salvador no seu Templo
siderados. Ela acata- e dar início ao cumpri- disposição
va, portanto, como pala- mento de sua missão pú-
vra do Espírito Santo, o blica. A primeira é o sa-
de espírito à
que ele dizia naquele mo- cerdote Simeão, e a se- qual somos

...
mento. O ancião aponta- Nossa Senhora das Dores - Casa dos Arautos gunda a profetisa Ana,
va para o que A espera- do Evangelho de Quito mulher descrita em de- chamados:
va com muita precisão, já talhe como nenhuma ou-
que, de fato, uma espada traspassaria sua alma, tra no Novo Testamento, uma vez que o terceiro estar sempre
sem em nada tocar no corpo. Nesta hora, cons- Evangelista queria apresentar a declaração dela
ciente de que iria enfrentar o horrível padeci- de forma bem fidedigna e autêntica. Ao mesmo
prontos a
mento de ver o Filho morrer crucificado, Ela terá tempo, ela merecia estes elogios, pois, embora deixar a
dito em seu coração: “Ó meu Deus, aqui está a não se faça menção à justiça, resulta indubitá-
vossa escrava! Eu aceito inteirissimamente, qual- vel que, tal como Simeão, se trata de uma pes- espada do
quer que seja o sacrifício!” soa justa. Por conseguinte, São Lucas abrange
Eis a disposição de espírito à qual somos cha- neste testemunho o gênero humano, homem e
sofrimento
mados: estar sempre prontos a deixar a espada mulher. traspassar
do sofrimento traspassar nossa alma. Se entre os Ana é um exemplo de penitência, de genero-
mil títulos com que é honrada a Santíssima Vir- sidade, de amor, de apostolado. Ela é o mode- nossa alma
gem consta o de Nossa Senhora das Dores, foi lo da mulher na Igreja, à qual cabe ter espírito
porque Deus, amando-A como A amou, não quis de penitência, ser sempre generosa, dando tudo
que Lhe faltasse o benefício da dor. de si, estar cheia de amor a Deus e do contínuo
desejo de fazer o bem aos outros. Além disso, o
Um modelo de mulher na Igreja texto evangélico sublinha que ela “não saía do
36 
Havia também uma profetisa, cha- Templo, dia e noite servindo a Deus com jejuns
mada Ana, filha de Fanuel, da tribo e orações”, no intuito de mostrar que Deus es-
de Aser. Era de idade muito avançada; colheu uma dama dedicada à verdadeira vida
contemplativa.
quando jovem, tinha sido casada e vi- E a isto somos todos convidados: a nunca
vera sete anos com o marido. 37 Depois abandonar, não o Templo de Jerusalém, mas o
ficara viúva, e agora já estava com oi- templo de Deus que é cada um de nós se esta-
tenta e quatro anos. Não saía do Tem- mos na sua graça, porque Nosso Senhor asseve-
plo, dia e noite servindo a Deus com ra: “Se alguém Me ama, guardará a minha pala-
jejuns e orações. Ana chegou nesse
38  vra e meu Pai o amará, e Nós viremos a ele e nele
faremos nossa morada” (Jo 14, 23). Devemos

Dezembro 2020 · Arautos do Evangelho      15


v­ iver nesse templo, servindo constantemente a só da natureza humana do Menino, mas tam-
Deus, ou seja, com a preocupação voltada para bém da Pessoa, e, portanto, como Mãe da Segun-
a glória d’Ele. Não pensemos, porém, que Ana, da Pessoa da Santíssima Trindade unida hipos-
ao longo de seus oitenta e quatro anos, gozava de taticamente a este Menino, tem potestade sobre
modo permanente de um entusiasmo sensível, Deus; no entanto, Ela Se sujeita a José. Por fim,
sem lhe sobrevirem dificuldades ou aridez… Isto Jesus, enquanto Filho, vive na obediência, em
não existe na natureza humana depois do pecado tudo aceitando a orientação e a educação de José
original! Ora, rezar apoiando-se no mero senti- e de Maria. Situação paradoxal: o Criador e Re-
mento seria agir apenas de acordo com os instin- dentor onipotente, o Autor da graça, Aquele cuja
tos, quando é preciso, pelo contrário, que a nossa origem se perde na eternidade, tendo instituído
piedade seja muito lógica, baseada nos princípios uma família, submete-Se totalmente ao domínio
da Fé, como era a de Ana. do pai legal, que não é pai pelo sangue, e ao da
Deitemos agora nossa atenção no ambiente Mãe, criatura nascida no tempo.
criado em torno da Sagrada Família, face à pre- Imaginemos Jesus quando aprende a fa-
visão de Simeão, no momento em que Ana, já cé- lar, sendo ensinado por Nossa Senhora, ou aos
lebre como profetisa e com a venerabilidade da quinze anos, dócil a São José nos trabalhos da
velhice, entrou em cena… Os presentes terão se marcenaria, quando bem poderia, com um sim-
Cristo quis afastado para lhe abrir passo, com os olhos pos- ples ato de sua vontade, transformar aquelas tá-
tos nela, na expectativa do que iria dizer. Apesar buas nos móveis mais belos e perfeitos que ja-
Se encarnar, de não estarem consignadas suas palavras, é pos- mais existiram! “O maior submete-Se ao menor.
passar nove sível conjecturar ter ela feito uma tal proclama-
ção sobre o Menino, que a todos tenha deixado
[…] José era de mais idade, por isso Jesus hon-
ra-o com o respeito devido a um pai. […] José
meses no estarrecidos! sabe que Jesus lhe é superior em tudo e em tudo
lhe estava submetido e, conhecendo a superio-
claustro Trinta anos de exemplar obediência ridade de seu inferior, José, temeroso, manda
materno e Depois de cumprirem tudo, conforme a
39 
com moderação”.7
Lei do Senhor, voltaram à Galileia, para Por que esta inversão? Para nos mostrar o
santíssimo Nazaré, sua cidade. 40 O Menino crescia quanto devemos ser fiéis à hierarquia, mesmo
se aquele que foi chamado a comandar não for
de Nossa e tornava-Se forte, cheio de sabedoria; e o mais virtuoso nem o mais forte… A Providên-
a graça de Deus estava com Ele. cia é ciumenta e quer isto assim! E o Menino Je-
Senhora, e Deus, assim como criou Adão do barro, plas- sus sabia que dava mais glória ao Pai do Céu ao
nascer como mando um belíssimo boneco a quem infundiu a honrar seu pai da terra. Ele, Segunda Pessoa da
alma, poderia perfeitamente formar uma figura Santíssima Trindade, decidiu Se fazer um entre
um infante maravilhosa, por exemplo com pó de diaman- os homens, na sua Encarnação, a fim de ope-
te, da qual saísse Jesus já em idade adulta, pron- rar a Redenção de dentro da natureza humana
to para iniciar sua vida pública. Contudo, quis e conquistar a realeza sobre eles, tornando-Se
Ele Se encarnar, passar nove meses no claus- uma fonte de perdão inesgotável e plenamente
tro materno e santíssimo de Nossa Senhora, e satisfatório para todos os pecados.
nascer como um infante. Ele chora e ainda não
fala, embora seja o Criador do universo; Ele, o III – Em oposição a um
Todo-Poderoso, capaz de assumir num instan- mundo igualitário, o divino
te a plenitude da força corporal, a foi adquirin- exemplo da obediência
do gradualmente. Preferiu crescer e Se desen-
volver pelo processo natural, dentro da vida de À luz da doutrina que o Evangelho da festa da
família. Sagrada Família nos oferece, a primeira leitura
À primeira vista, a constituição da Sagrada (Eclo 3, 3-7.14-17a) adquire uma perspectiva al-
Família é um mistério. São José, por ser o che- tíssima: “Quem honra o seu pai, alcança o per-
fe, o pater, o Patriarca, possui maior autorida- dão dos pecados […]. Quem respeita a sua mãe
de e é dono do fruto de sua esposa, uma vez que é como alguém que ajunta tesouros. […] A ca-
se casou com Maria. Ela, por seu lado, em razão ridade feita ao teu pai não será esquecida, mas
do privilégio da Maternidade Divina, não é Mãe servirá para reparar os teus pecados e, na justi-

16      Arautos do Evangelho · Dezembro 2020


ça, ­servirá para fundamente a
tua edificação” mentalidade li-
(Eclo 3, 4-5.15- beral de nossos
17a). dias. A via revo-
Sobressai, lucionária que o
neste trecho, mundo contem-
uma regra de porâneo prega é
ordem, de dis- a da revolta con-
ciplina e de res- tra toda autori-
peito que apai- dade, da suble-
xona e emocio- vação ante qual-
na: na família quer mandato e
existe uma hie- a promoção do
rarquia perfei- ig u a l it a r i smo.
ta criada por Quem tem este
Deus; todavia, estado de espí-
isto não se apli- rito não obtém
ca apenas aos o “perdão dos
pais carnais, pecados”, nem
mas a toda auto- “ajunta tesou-
Deus é anti-
Angelis David Ferreira

ridade, e sobre- ros”.


tudo à religio- Sim, somos -igualitário;
sa. Assim, quem todos iguais, pois
ama este prin- temos cabeça, Ele ama a
cípio é perdoa- tronco e mem-
do de seus pe- bros, mas é uma hierarquia
cados, pois esta
reverência tri-
Sagrada Família - Igreja de Santo Estêvão, Nova Jersey (EUA) insensatez de-
fender a existên-
e quer uma
butada aos superiores é, no fundo, um ato de cia da igualdade absoluta. Deus não é tartamu- sociedade
religião e de culto a Deus, que lhe alcança, em do para criar dois seres repetidos! Pelo contrá-
consequência, graças estupendas. rio, Deus é anti-igualitário; Ele ama a hierarquia humana
Quando cada um de nós, no seu estado, for e quer uma sociedade humana escalonada, de
chamado a obedecer, lembre-se do Menino Jesus: modo que uns dependam dos outros e conside-
escalonada
seu caminho aqui na terra foi passar, no contex- rem com alegria os aspectos pelos quais os de-
to familiar, trinta anos de vida oculta e submissa mais são superiores a si. Portanto, se quisermos
a São José e a Maria Santíssima. Ele, obviamen- um dia viver na Sagrada Família da Santíssima
te, não tinha culpas a serem reparadas, mas res- Trindade no Céu, contemplando a Deus face a
gatava, isto sim, as transgressões da humanidade. face, compreendamos que a trilha da obediência,
Ora, este “honra o seu pai”, do qual Jesus nos da flexibilidade e da submissão vale mais do que
deu o exemplo, é um ditame que contunde pro- todas as obras que possamos realizar. ²

1
FESTA DA SAGRADA 2
Cf. TUYA, OP, Manuel 4
SÃO TOMÁS DE Señor Jesucristo. Infan-
FAMÍLIA DE JESUS, de; SALGUERO, OP, AQUINO. Suma Teológi- cia y Bautismo. Madrid:
MARIA E JOSÉ. Ora- José. Introducción a la Bi- ca. III, q.37, a.4. Rialp, 2000, v.I, p.180;
ção do Dia. In: MISSAL blia. Madrid: BAC, 1967, EDERSHEIM, Alfred.
5
BEATO GUERRICO
ROMANO. Tradução v.II, p.343. The Life and Times of Je-
DE IGNY. En la Purifi-
portuguesa da 2ª edição sus the Messiah. Grand
3
Cf. RICCIOTTI, Giuse- cación. Sermón II, n.2-3.
típica para o Brasil rea- Rapids (MI): Eerdmans,
ppe. Vita di Gesù Cristo. In: Camino de Luz. Ser-
lizada e publicada pela 1976, v.I, p.197.
14.ed. Città del Vaticano: mones litúrgicos. Burgos:
CNBB com acréscimos
T. Poliglotta Vaticana, Monte Carmelo, 2003, 7
ORÍGENES. In Lucam.
aprovados pela Sé Apos-
1941, p.282. v.I, p.154-157. Homilia XX: PG 13,
tólica. 9.ed. São Paulo:
1852-1853.
Paulus, 2004, p.155.
6
Cf. FILLION, Louis-
-Claude. Vida de Nuestro

Dezembro 2020 · Arautos do Evangelho      17


São Nicolau ou
Papai Noel?
A maioria das crianças sabe responder de onde vem o
famoso Papai Noel: “Do Polo Norte!”
Entretanto, poucos conhecem São Nicolau,
Francisco Lecaros

figura que parece ter sido apagada da História…

Ir. Antonella Ochipinti González, EP

“N oite feliz, noite fe-


liz! Ó Senhor, Deus
de amor, pobrezinho
nasceu em Belém…”
v­ermelhos: presentes de toda espé-
cie, os quais distribui com abundân-
cia e despretensão, como quem deseja
agradar sem esperar retribuição.
De nome Nicolau, nasceu ele de
uma família abastada, na Lícia, pro-
víncia romana situada junto ao Mar
Mediterrâneo. Pelas virtudes que bri-
Após os cânticos que caracteri- Este generoso personagem é co- lhavam em sua alma, foi eleito Bispo
zam a esperada noite de Natal, tão nhecido por alguns como Papai Noel, de Mira, uma das mais importantes
repleta de maravilhas para as almas e por outros como Santa Claus. Am- cidades da região, exercendo o minis-
inocentes, e em meio à atmosfera de bos os nomes referem-se à mesma tério com energia e bondade.
benquerença e expectativa que mar- pessoa, cuja fama é verdadeiramente Sempre zeloso da sã doutrina, to-
ca esse período do ano, algo de inusi- mundial e perdura até os nossos dias, mou medidas severas contra o paga-
tado se passa nos lares… mais viva do que nunca, dando-nos a nismo e combateu incansavelmente as
Na certeza de que todos já se en- impressão de que será eterna! heresias. Mas foram suas obras de ca-
contram imersos num profundo sono, Toda criança, em qualquer locali- ridade para com o próximo que o fi-
através da chaminé da casa ou por dade do globo terrestre, sabe dizer de zeram célebre em todo o orbe cristão.
­alguma outra entrada que muitos até onde vem Santa Claus: “Do Polo Nor-
hoje não descobriram, surge um per- te!” Ora, será mesmo este seu ponto
Milagres feitos em vida
sonagem. Desde terras longínquas, de partida? O certo é que sua viagem Um desses fatos se tornou conhe-
ele chega voando num característico histórica se revela ainda mais longa e cido ainda durante sua vida, valendo-
trenó puxado por renas, com ares de fantástica que sua mítica circunave- -lhe a devoção dos fiéis e uma forte
carruagem, transporte no qual toda gação noturna ao redor da Terra… E fama de santidade.
criança algum dia já fez questão de se nela vamos agora nos adentrar. Naquela época havia em Mira um
sentar, ainda que em sonhos… juiz que, sob a pressão do suborno,
Ora, o que faz esse misterioso vi-
Defensor da Fé e generoso pai condenou à morte três homens ino-
sitante – curiosamente, nunca con- Na realidade, esta figura natali- centes. Ora, no momento da execu-
fundido com um ladrão – que che- na não é tão imaginária quanto pare- ção, o bondoso Nicolau apareceu no
ga “atrasado” na noite natalina, en- ce. Ela remonta a um varão que nas- local, arrancou a arma das mãos do
quanto todos já dormem? ceu no século III na Ásia Menor – verdugo, repreendeu o iníquo juiz e
De barbas sempre alvas e com- portanto, não no Polo Norte! –, mais deu a liberdade aos sentenciados.
pridas, ele vem trazendo “surpre- precisamente onde hoje se localiza a Pouco tempo depois, ocorreu em
sas” escondidas em grandes sacos Turquia. Constantinopla outro fato s­imilar:

18      Arautos do Evangelho · Dezembro 2020


No momento da
execução, o bondoso
Nicolau apareceu
no local, arrancou
a arma das mãos do
verdugo, e deu-lhes
a liberdade
São Nicolau salvando os três inocentes,
Gustavo Kralj

por Mariotto di Nardo - Museus Vaticanos;


Na página anterior, São Nicolau abençoa
uma criança - Igreja do Santo Cristo,
Ciudadela de Menorca (Espanha)

três oficiais foram indevidamente No dia seguinte, Constantino um dos Santos mais conhecidos da
condenados. Pobre justiça secular, chamou os três condenados e, in- Igreja Católica.
tantas vezes regida pela infâmia da terrogando-os, tomou conhecimen- A respeito dele existem inúmeros
ambição em lugar do amor à Verda- to de que haviam invocado a “Ni- fatos cuja memória perdurou pelos
de! Estes réus, porém, haviam pre- colau de Mira”, pedindo-lhe o seu séculos. Os marinheiros o têm por
senciado a cena acima narrada e não auxílio. Comovido, o imperador os patrono e em certas regiões até hoje
duvidaram: cheios de devoção pela soltou. conservam o costume de, ao desejar
figura imponente e paternal de São a outro uma boa viajem, dizer: “Que
Nicolau, puseram-se logo a rezar, ro-
O padroeiro das crianças! São Nicolau leve teu timão!”
gando a ele que também os salvas- São Nicolau morreu no dia 6 de Entretanto, o mais famoso de seus
se, ainda que à distância… E eis que, dezembro, em meados do século IV. títulos sempre foi o de “padroeiro
naquela mesma noite, o Imperador As virtudes praticadas por esse varão das crianças”. E isto se deve princi-
Constantino teve um sonho com o levaram-no a atingir um alto grau de palmente a dois episódios. O primei-
Santo, no qual recebia dele a ordem santidade, e seus milagres post mor- ro aconteceu quando o santo Bispo
de libertar aqueles infelizes, porque tem serviram para enaltecê-lo ainda soube que o pai de três moças esta-
eram inocentes! mais. Tornou-se assim, rapidamente, va em sérios apuros financeiros e não

Oculto pela
penumbra da
noite, dirigiu-se
até a casa onde
moravam e lançou,
um saquinho cheio
de moedas de ouro
Gustavo Kralj

São Nicolau lançando as moedas


para o interior da casa das donzelas,
por Bicci di Lorenzo - Metropolitan
Museum of Art, Nova York

Dezembro 2020 · Arautos do Evangelho      19


conseguiria pagar o dote necessário sua mente paire a seguinte dúvida: o Contudo, a devoção a ele esta-
para o casamento das filhas, o que as que o Papai Noel tem a ver com essa va tão arraigada na Europa que não
levaria a adotar uma vida errante… descrição sobre São Nicolau? Como desapareceu por completo. A figura
Cheio de compaixão pelos mem- converteu-se o tão virtuoso Bispo de São Nicolau misturou-se com en-
bros dessa família, Nicolau dirigiu- de Mira num habitante do Polo Nor- tes mitológicos, alguns deles bem an-
-se até a casa onde moravam e, ocul- te que, em uma só noite, reparte pre- tipáticos e agressivos, dando origem
to pela penumbra da noite, lançou sentes de Natal a todas as crianças do a personagens como o Sinterklaas ho-
pela chaminé um saquinho cheio de mundo? landês, que passou ao Novo Mundo
moedas de ouro, a fim de ajudá-los. A transformação do Santo numa com os imigrantes desta nação.
Assim o fez por três vezes. Algumas quimera tem suas mais remotas ori- Ao longo do século XIX, ele foi
versões da história chegam a afirmar gens na Reforma Protestante. Assim tomando em Nova York sua fisio-
que um destes generosos saquinhos como há muitos séculos o Imperador nomia atual. Em 1822, o poeta Cle-
caiu justamente dentro da meia de Diocleciano havia tentado acabar ment Clarke Moore escreveu um
uma das jovens, que estava pendura- com a pessoa de Nicolau, os refor- livro intitulado A Visit from Saint
da na chaminé secando… madores procuraram apagar da His- Nicholas, no qual apresentava um
O segundo fato consiste num mag- tória e, sobretudo, dos corações dos personagem vindo do Norte, em
nífico milagre operado em vida por fiéis a lembrança deste grande varão. um trenó de renas voadoras. Anos
São Nicolau: a ressurreição de três mais tarde, em 1863, o caricaturista
meninos que haviam sido assassina- político Thomas Nast fez um dese-
dos! Este foi o acontecimento que ter- Em muitos lares, nho para a revista Harper’s ­Weekly,
minou por consagrá-lo oficialmente no qual já apresentava as caracte-
como patrono e protetor das crianças. um pagão Papai rísticas que hoje conhecemos: um
Desse modo, em vários países esta-
beleceu-se a piedosa tradição de dar
Noel substitui homem de idade avançada, corpu-
lento, risonho, de barbas brancas
presentes às crianças todo dia 6 de de- São Nicolau, e abundantes.
zembro, em honra a São Nicolau. A partir de então, várias empresas
quer substituir passaram a se aproveitar desta figura
Como pôde transformar-se natalina como meio de publicidade,
em Papai Noel? também o próprio inclusive a Coca-Cola, responsável
Após conhecer tais maravilhas, Menino Jesus! por consagrar definitivamente seu
é compreensível, caro leitor, que em traje vermelho e branco, em 1920.

Fotos: Reprodução

À esquerda, capa da revista “Harper’s Weekly” do dia 3 de janeiro de 1863, contendo uma das primeiras representações
do moderno Santa Claus; ao centro, desenho de Thomas Nast para a mesma publicação;
à direita, uma das ilustrações criadas por Haddon Sundblom para a Coca-Cola nas décadas de 1920 e 1930

20      Arautos do Evangelho · Dezembro 2020


Festejemos o Natal com das pelo consumismo; a outra é
autêntico espírito de fé! a dos que com alegria e fé prepa-
Como se pode ver, Santa ram suas almas para receber no
Claus é, portanto, a distorção Natal não somente o simpático
do santo e generoso Bispo de Bispo de Mira com seus presen-
Mira, patrono dos navegan- tes, mas o próprio Homem-Deus!
tes, das crianças e de muitos Peçamos, então, a intercessão
lugares. de São Nicolau, a fim de que ele
Aquele virtuoso varão que nos conceda neste Natal os pre-
brilhou por sua caridade e sentes espirituais dos quais ca-
soube proclamar a verdadei- recem nossas almas, para que,
ra fisionomia cristã do Natal como ele, possamos ser genero-
foi substituído pelo laico Pa- sos, retribuindo com uma vida
pai Noel que hoje conhece- pura todo o amor que emana do
mos e transformado em pro- Coraçãozinho do Menino Deus
pagador do consumo. Para por cada um de nós.
muitos homens de hoje, Santa Assim, mais do que esperar
Claus está no centro de todas presentes que perecem, saibamos
as comemorações, tomando nos preparar para o prêmio eter-
o lugar do Menino Jesus, cau- no, fazendo nossa oferta de amor
sa e alegria do Natal!… e gratidão ao Divino Infante na
Portanto, muito mais do comemoração de seu natalício!
que simples nomenclaturas Que o Natal deste ano de 2020
históricas, poder-se-ia dizer seja enaltecido pelos coros angé-
que esses personagens – Pa- licos como sendo a noite feliz que
pai Noel e São Nicolau – sim- contemplou pela primeira vez
bolizam, perante o sublime seu Criador e Senhor Onipoten-
fato do nascimento do Di- te numa frágil criancinha, emba-
Dario Iallorenzi

vino Infante, duas mentali- lada nos braços virginais de Ma-


dades opostas: uma é a da- ria Santíssima. E que todo o orbe
queles que, com os horizon- saiba reconhecer nesta misterio-
tes postos neste mundo ter- sa noite a grandeza de um Deus
reno, “voam” pelos ares das São Nicolau - Basílica de Nossa Senhora que Se fez Homem, a fim de nos
fantasias frívolas apresenta- de Luján (Argentina) fazer como Deus. ²

Foi um modelo de caridade cristã


Plinio Corrêa de Oliveira

P ersonagem envolto na áurea e inocente


legenda natalina, São Nicolau foi um modelo
de caridade cristã, desvelado benfeitor do próximo
essa figura mítica, repassada de bondade e carinho,
fonte das alegrias e sorrisos com que as crianças
festejam seus presentes de Natal.
mais necessitado, ao qual prodigalizava seu auxílio, Também eu, quando menino, aguardava
sem que ele soubesse de onde viera o inestimável ansioso a manhã do dia 25 de dezembro, na certeza
socorro. de que o bom São Nicolau viria durante a noite
Príncipe da Igreja, sucessor dos Apóstolos, sua depositar aos pés de nossa cama os brinquedos que
compaixão e generosidade o tornaram para sempre tanto desejávamos. E ele os trazia sempre...

Dezembro 2020 · Arautos do Evangelho      21


A divina humildade
expressa na noite de Natal
“E tu Belém de Éfrata, pequena entre os clãs de Judá,
de ti sairá para mim aquele que governará Israel”…
O mistério da noite de Natal nos ensina
a viver a virtude da humildade.
Cardeal Raymundo Damasceno Assis

T anto o Advento quanto


o Natal nos lembram o
acontecimento sublime
e divino de Deus encar-
nado que, para nos salvar, Se fez pe-
queno.
Os tratados de espiritualidade
sempre destacaram essa indiscutível
e profunda verdade teológica: a hu-
mildade é um dos elementos cristo-
lógicos de maior relevância. E o mis-
tério da noite de Natal em Belém de
‘­tocar’ a pobreza que escolheu, para
Si mesmo, o Filho de Deus na sua en-
carnação, tornando-se assim, impli-
citamente, um apelo para O seguir-
mos pelo caminho da humildade, da
pobreza, do despojamento, que par-
No fato sublime da Encarnação, Judá nos ensina a viver a virtude da te da manjedoura de Belém e leva até
contemplamos, primeiramente, a hu- humildade. Estamos diante de uma à Cruz, e um apelo ainda a encon-
milde condição do ser humano, ser realidade: “Deus está no meio de trá-Lo e servi-Lo, com misericórdia,
frágil e contingente. nós, ele Se encarnou e Se fez um de nos irmãos e irmãs mais necessitados
nós”. (cf. Mt 25, 31-46)”.
Deus veio nos visitar Assim, o “Deus conosco” pro-
Contemplando a Encarnação, duz na comunidade eclesial mui-
Tempo de alegria
vemos a Deus que nos veio visitar to mais do que um mero sentimen- Tendo presente em nossas vidas
na nossa pobre carne mortal: “E o to. T
­ rata-se – ressalto – de uma cons- essa oportuna reflexão que nos foi ofe-
Verbo Se fez carne e habitou en- tatação: Deus, em sua “humildade”, recida pelo Papa Francisco, vivamos
tre nós” (Jo 1, 14). Para habitar en- está no meio de nós. este tempo de Advento e de Natal,
tre nós, o Verbo Divino escolheu prezados Arautos do Evangelho, ins-
nascer em Belém. Habitar evo-
Significado e valor pirados pelo exemplo do Senhor. Este
ca um espaço concreto e limitado.
do presépio é um tempo de alegria, pois um cora-
Nascendo em Belém, Jesus mani- Na Encarnação, a grandeza e a ção humilde sempre será alegre. É um
festou a grandeza da pequenina ci- onipotência de Deus se revelam na tempo de esperança, pois Deus nos
dade de Judá, lugar imperceptível fragilidade da criatura humana. Isso surpreende sempre, transformando-
no contexto geográfico, escolhida está muito bem expresso na bela -nos com seu amor misericordioso e
para dar lugar ao nascimento do Carta Apostólica Grande Sinal, es- abrindo-nos caminhos com sua proxi-
Salvador. Essa é a lógica de Deus – crita pelo Papa Francisco para res- midade amorosa.
que está sempre a nos surpreender saltar o significado e o valor do pre- Expresso-lhes, com afeto, meus
– muito bem expressa nas palavras sépio – aliás, tão bem promovi- fraternais votos de um feliz e san-
do profeta: “E tu Belém de Éfrata, do nas casas da família Arautos do to Natal, com o desejo de que, jun-
pequena entre os clãs de Judá, de ti Evangelho. tos, possamos, no ano vindouro, per-
sairá para mim aquele que governa- Nessa Carta lemos que “o Presépio manecer assistidos pela doce e suave
rá Israel” (Mq 5, 1). em Belém é um convite a ‘sentir’, a força do Espírito. ²

22      Arautos do Evangelho · Dezembro 2020


A história dos Macabeus,
um exemplo de fidelidade!
Quando a Lei de Deus está em jogo, todos os sacrifícios, todo
o devotamento e toda a constância na fé valem a pena. Sendo
Ele Rei e Senhor tem direito a ser louvado e obedecido, ainda
que isso nos custe o sangue do corpo e do espírito.
Gabriel Ferreira Paiva

A história dos Macabeus é,


sem sombra de dúvida, uma
das mais belas das Sagradas
Escrituras!
O testemunho de um amor
adamantino à Lei de Deus, de uma fi-
Entretanto, após submeter ao seu
jugo algumas das nações mais in-
fluentes daquele tempo – como o rei-
no dos persas –, sentiu que a morte se
avizinhava. Convocou então os altos
oficiais e repartiu entre eles seu impé-
caustos, os sacrifícios e as libações no
Templo, violassem os sábados e as fes-
tas, profanassem o santuário e os san-
tos, erigissem altares, templos e ído-
los, sacrificassem porcos e animais
imundos, deixassem seus filhos incir-
delidade exímia a seu Santo Nome e de rio. Todos cingiram o diadema real, e cuncidados e maculassem suas almas
uma força sobre-humana que se impõe seus filhos os sucederam por muitos com toda sorte de impurezas e abomi-
sobre a própria fraqueza distinguiu o anos, fazendo o mal se multiplicar so- nações, de maneira a obrigarem-nos a
périplo desses varões e damas que lu- bre a terra (cf. I Mac 1, 7-10). esquecer a Lei” (I Mac 1, 45-49). Ade-
taram na Judeia e os fez dignos de mar- Não é de estranhar que entre esses mais, mandou erguer sobre o altar o
car a Histórica com sua constância. reis tenha surgido “uma raiz de peca- que o Primeiro Livro dos Macabeus
O Altíssimo Se compraz com a fide- do: Antíoco Epífanes” (I Mac 1, 11), qualifica de “a abominação da deso-
lidade dos seus, sobretudo quando pro- o qual subiu ao trono da Síria no ano lação” (1, 54), a quem, daí em diante,
vada até o extremo, “pois é pelo fogo 175 a.C. “Também se tornou conheci- os judeus deveriam adorar como deus.
que se experimentam o ouro e a prata, do pela alcunha de epímane – manía- Ninguém que contrariasse suas
e os homens agradáveis a Deus, pelo co –, por causa de seu orgulho, que o ordens seria poupado do castigo.
cadinho da humilhação” (Eclo 2, 5). impelia a igualar-se a Zeus”.1
Assim o Senhor tratou seu povo Tomado pela ambição, Antíoco
Uma conquista
durante as perseguições que então se planejou conquistar o Egito. Atacou
há muito preparada
desataram, e assim também Ele ma- o Rei Ptolomeu VI, que fugiu em de- Grande parte dos judeus não apre-
nifestou o seu poder… bandada, e de regresso para a Síria sentaram resistência, pois há muito
marchou rumo a Jerusalém, onde en- suas almas estavam corroídas pelo de-
Antíoco Epífanes, uma raiz iníqua trou triunfante. Saqueou o Templo, samor ao Deus de Israel e à sua causa.
Estamos no século IV a.C. Alexan- apoderando-se dos objetos de valor A tal ponto que vários deles já haviam
dre Magno se tornara um dos maio- que o adornavam, e voltou para sua se mancomunado com os pagãos para
res potentados do orbe, a ponto de terra, após matar os judeus que se lhe adotar seus maus costumes e práticas
nenhum exército conseguir fazer-lhe opuseram. perversas (cf. I Mac 1, 12-14).
frente: “Avançou até os confins da ter- Dois anos depois atacou novamen- Com efeito, o Livro dos Macabeus
ra e apoderou-se das riquezas de vá- te Jerusalém, estabelecendo ali uma descreve que antes mesmo da inva-
rios povos, e diante dele silenciou a cidadela. E prescreveu aos habitantes são de Antíoco os israelitas partidá-
terra” (I Mac 1, 3). de Judá que “suspendessem os holo- rios do helenismo “edificaram um

Dezembro 2020 · Arautos do Evangelho      23


g­ inásio como os gentios, dissimula- gum livro da Aliança ou persistissem a­ lcunhado Avarã; e Jônatas, conhe-
ram os sinais da circuncisão, afasta- em seguir as prescrições da Lei. cido como Afos.
ram-se da aliança com Deus, para se Os que sobraram do furor dos pa- Emissários de Antíoco chegaram
unirem aos estrangeiros e venderem- gãos se refugiaram em lugares solitá- a Modin para obrigar seus habitan-
-se ao pecado” (I Mac 1, 15). rios e lá mantinham, na medida em tes a sacrificar ao ídolo. Visavam es-
O desejo de uma vida mais adap- que lhes era possível, a prática da ver- pecialmente a apostasia de Matatias
tada aos hábitos novos dos gregos dadeira religião. Mas sua situação pois, sendo ele um homem influente
agitava, a cada dia, o coração dos ju- tornava-se cada vez mais difícil… e respeitado, serviria de exemplo aos
deus aggiornati daquele tempo. A re- Talvez seja por isso que, de início, seus compatriotas de como se devia
ligião, os costumes, a moral e as pres- o Primeiro e Segundo Livro dos Ma- abandonar a Lei sem escrúpulos nem
crições dos seus antepassados esta- cabeus foram chamados nas tradu- pesar.
vam fora de uso e fadados ao comple- ções para o latim de Angustiæ filio- No dia marcado para o sacrifício,
to esquecimento… rum Dei e Angustiæ templi,2 respecti- Matatias compareceu ao local para
Para eles mais valia viver de acor- vamente. ver como se desenrolariam os fatos.
do com os ditames da terra do que Aceitar tal desolação e deixar-se Ao ser intimado pelos emissários a
com as leis do Céu. massacrar foi, para esses judeus, sua cumprir a ordem real, ele se recu-
mostra de amor a Deus e à Lei. Con- sou rotundamente, declarando que
Desolação entre os poucos fiéis tudo, bastaria isto? não se desviaria da verdadeira Reli-
Os poucos que ousaram fazer fren- gião “nem para a direita, nem para a
te ao conquistador foram cruelmente
Impelido por justa cólera esquerda” (I Mac 2, 22), junto com
massacrados pelos seus soldados. Diz “Foi nessa época que se levan- toda a sua família.
a Escritura que se abateu “sobre ­Israel tou Matatias, filho de João, filho Contudo, mal ele acabara de pro-
uma imensa cólera” (I Mac 1, 64): as de Simão, sacerdote da família de nunciar tais palavras, um judeu adian-
mulheres que circuncidavam seus fi- ­Joarib, que veio de Jerusalém se es- tou-se para sacrificar ao ídolo diante
lhos, os que haviam realizado o rito e tabelecer em Modin” (I Mac 2, 1) de toda a assembleia. Assim que Ma-
os próprios meninos eram assassina- com seus cinco filhos: João, chama- tatias o viu, “sentiu estremecerem-se
dos por mandato do rei. Igual destino do Gadis; Simão, cognominado Tasi; suas entranhas. Num ímpeto de jus-
tinham aqueles que conservassem al- ­Judas, apelidado Macabeu; Eleazar, ta cólera arrojou-se e matou o homem
sobre o altar” (I Mac 2, 24). Tirou
também a vida do oficial do rei incum-
bido de obrigá-los à apostasia, concla-
mando para junto de si os que queriam
resistir, por amor a Deus, até o fim.

Início da resistência
Instalada a revolta dos Macabeus,
eles se fortificaram em refúgios afas-
tados da cidade. A conduta de Mata-
tias haveria de ser bem diferente da
que até então tinham tomado os israe-
litas. Ele não vinha para perder, mas
para vencer. Com efeito, é na hora da
dificuldade que aparecem, com todo
o ímpeto do amor, os verdadeiros fi-
lhos de Deus.
Ora, aconteceu que muitos dos ju-
Reprodução

deus que estavam refugiados no de-


serto foram alcançados pelos sírios e
massacrados sem nenhuma resistên-
Num ímpeto de justa cólera, Matatias arrojou-se cia, deixando-se matar, pois era dia
e matou o homem sobre o altar de sábado e não queriam romper o
Matatias e o apóstata, por Gustave Doré repouso prescrito pela Lei…

24      Arautos do Evangelho · Dezembro 2020


Quando soube disso, Matatias deci- em t­ odas as fronteiras de Israel e to-
diu não agir como eles, mesmo se fos- dos os que praticavam o mal deram-
se atacado num sábado; do contrário, -se a conhecer” (I Mac 9, 23). Os ju-
ninguém sobreviveria às investidas dos deus renegados prosseguiram suas
pagãos. Reuniu um exército e come- maquinações (cf. I Mac 9, 58; 10, 61;
çou a percorrer o país exterminando os 11, 25), e a perspectiva de uma nova
judeus prevaricadores, destruindo os apostasia do povo eleito se vislum-
altares dos ídolos e perseguindo os ini- brava com clareza no horizonte.
migos (cf. I Mac 2, 44-47). Diante disso, poder-se-ia pensar
A atitude de Matatias revela algo que a luta dos Macabeus foi nobre e
daquela astúcia da serpente que o heroica, mas inútil. Eles não extirpa-
Divino Mestre haveria de ordenar ram a verdadeira raiz de iniquidade:
aos filhos da luz (cf. Mt 10, 16). Ele os falsos praticantes da verdadeira re-
não se ateve à letra da Lei, mas soube ligião. Suas vidas teriam sido sacrifica-
discernir a necessidade de abdicar de das em prol da realização fugaz de um
um costume santo para defender va- “sonho de olhos abertos”, condenado a
lores ainda mais altos! não ter continuidade no tempo.
Por outro lado, digna de admira- Valeu a pena tanta fidelidade a
ção é também a postura de seus se- uma Lei que já estava esquecida na
guidores: atenderam à voz do homem sua nação? Valeu a pena tal leal-

Torsade de Pointes (CC 0)


de Deus, certos de que o caminho dade a um Deus que, havia muito,
por ele apontado conduzia à vitória. fora abandonado por grande parte
do povo? Não teria sido melhor que
Martelo de Deus contra os pagãos Matatias e seus descendentes hou-
Após a morte de Matatias, seu vessem adotado uma política mais
filho Judas Macabeu tomou o conciliadora, cedendo parcialmen-
­comando do exército. Suas façanhas Depois de muitas lutas, te às exigências do inimigo em vez de
foram simplesmente inumeráveis! os Macabeus conseguiram ­tratá-lo com tanta intransigência?
Conta-se que Judas era chamado quebrar o poder dos pagãos Diz o poeta Fernando Pessoa que
de Macabeu por causa do formato de Judas Macabeu - Capela de “tudo vale a pena, se a alma não é pe-
sua cabeça, que se assemelhava a um Nossa Senhora da Consolação, quena”!4
Pierrelongue (França)
martelo – maqqeneth em hebraico, e Quando Deus e sua Lei estão em
maqqaba em aramaico.3 Foi com esse suas tropas haviam sido desbarata- jogo, todos os sacrifícios, todo devo-
nome que sua família e a resistência das (cf. I Mac 6, 8-16). tamento e toda constância se tornam
dos israelitas na Terra Santa passa- Depois de inumeráveis lutas e difi- dever de justiça. Como supremo Rei e
ram para a História, e nenhum outro culdades, os Macabeus conseguiram, Senhor, Ele tem direito a ser louvado
poderia ser mais adequado, pois eles por fim, quebrar o domínio dos pa- e obedecido, ainda que isso nos custe
foram verdadeiros martelos de Deus gãos em seu território. A religião do o sangue do corpo e do espírito.
contra os pagãos. verdadeiro Deus voltou a ser pratica- Por terem sido um exemplo de fi-
Assumido por Deus em todos os da, com muito mais fervor do que an- delidade a Deus em meio ao absurdo
seus empreendimentos, Judas Maca- tes, e “a terra de Judá esteve tranquila e à desilusão, os Macabeus merece-
beu venceu com a força do Altíssimo durante algum tempo” (I Mac 7, 50). ram brilhar no firmamento da Igre-
e pôs em fuga os inimigos. Junto com ja e da História. Proclamam por to-
seus irmãos, derrotou os sucessivos
Aparente desmentido e dos os séculos que só n’Ele se encon-
generais enviados pelo Rei Antíoco,
verdadeira vitória tra a verdadeira vitória. Por isso, hoje
o qual, humilhado em seu orgulho, Entretanto, após a morte de são e sempre serão dignos de nossa
morreu de desgosto após s­aber que Judas “os perversos reapareceram
­ admiração! ²

1
ARNALDICH, OFM, Luis. to. 2.ed. Madrid: BAC, 1963, 2
Cf. Idem, p.949. Do latim: Afli- 4
PESSOA, Fernando. Mensa-
Biblia comentada. Libros his- p.960. ções dos filhos de Deus e Afli- gem. Lisboa: Parceria Antônio
tóricos del Antiguo Testamen- ções do Templo. Maria Pereira, 1934, p.64.
3
Cf. Idem, ibidem.

Dezembro 2020 · Arautos do Evangelho      25


Dona Lucilia Corrêa de Oliveira

Síntese de bondade e
inquebrantável firmeza
Dona Lucilia possuía um conjunto harmônico de virtudes que
lhe permitia unir a bondade à firmeza, a misericórdia à justiça, a
afabilidade à seriedade de espírito, e discernir o que as situações e
as pessoas tinham de bom ou de mau.
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP

U
m dos muitos dons com os telefone. Poucos instantes depois, Não muito tempo depois, Dr. Pli-
quais a Providência quis veio a empregada avisar que o Sr. X nio recebia desse “amigo” verdadeira
cumular Da. Lucilia, a fim estava na linha, e tinha um assunto “punhalada” nas costas…
de que ela cumprisse de urgente a tratar com Dr. Plinio. Este Pode-se perguntar como Da. Lu-
modo exímio sua missão de mãe e for- interrompeu o almoço para atendê- cilia, pessoa tão reconhecidamen-
madora, foi o discernimento das psi- -lo. Como o aparelho ficava numa te bondosa, tinha uma desconfiança
cologias. sala ao lado, Da. Lucilia e o visitante que a levava a discernir o mal atra-
Distinguia ela, por exemplo, entre para lá também se dirigiram. Nos as- vés de detalhes na aparência insigni-
os amigos de Dr. Plinio, aqueles que suntos que seriam tratados nesse te- ficantes. De fato, o conceito de bon-
o eram autenticamente, de um ou ou- lefonema jogavam-se altos interesses dade que se espalhou em numerosos
tro que não o era. Dois fatos demons- da Causa Católica. meios, em especial a partir do fim da
tram a singularidade desse dom. Terminado o telefonema, volta- década de 1930, era bem diferente da
Certa vez Dr. Plinio convidou para ram à mesa e a conversa retomou seu verdadeira concepção dessa virtude,
jantar em sua casa um jovem colega rumo. Quando o visitante se retirou, ensinada pela Igreja.
dos meios católicos. Durante a refei- Da. Lucilia perguntou a Dr. Plinio: Desde essa época há a tendên-
ção, Da. Lucilia observou discreta- — Você viu a reação dele enquan- cia de confundir bondade com uma
mente o convidado, entrevendo algo to você falava ao telefone? complacência em relação a certas
de peculiar nele. Assim que o rapaz se — Não, mamãe, estava tão absor-
retirou, ela disse a seu filho: to na conversa que não prestei aten-
—  Tome cuidado com aquela ção.
mão… O modo de ele pegar no gar- Num tom de voz grave, mas que
fo é muito esquisito… deixava transparecer ainda mais o
O pressentimento dela foi em bre- quanto de afeto lhe votava, ela o ad-
ve confirmado pelos fatos: algum vertiu:
tempo depois esse rapaz abando- — Meu filho, cuidado com esse
nou seus correligionários, causando
grandes dissabores a Dr. Plinio.
Noutra ocasião, Dr. Plinio con-
seu amigo… Sempre que você esta-
va com a fisionomia preocupada, ele
manifestava contentamento; quando
Dona L
vidou para almoçar em sua casa um você dava uma boa resposta a seu in- Uma biografia de Dona Lucilia Ribeiro dos Santos Cor
de seus amigos mais chegados, per- terlocutor e punha os pingos nos “is”, Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP, e editada pela
tencente às Congregações Marianas. ele ficava indiferente ou demonstra- Disponível em: http://lumencatolica.online/produ
Durante a refeição ouviu-se tocar o va tristeza… Esse não é seu amigo!

26      Arautos do Evangelho · Dezembro 2020


formas de mal, o que redunda quase Sabendo ter esse seu parente muito Dr. Plinio ficou desagradado –
sempre em fechar os olhos obstina- bom apetite, e conhecendo seu come- com Da. Lucilia nunca! – com a ideia
damente ante ele, como se não exis- dimento, Da. Lucilia combinou com a de um muro cheio de gatinhos an-
tisse. empregada: quando lhe fizesse sinal, dando de um lado para o outro. Daí a
Bem diferente era a alma de deveria aproximar-se com a traves- pouco os gatos estariam crescidos e o
Da. Lucilia, na qual se reuniam, sa e, sem ele perceber, servir-lhe um quintal ficaria superpovoado desses
numa admirável síntese, a bonda- pouco mais. Ora, ele tinha o hábito de simpáticos animais. Quando menos
de e uma inquebrantável firmeza de correr o garfo pela periferia do pra- se esperasse, começariam a esguei-
princípios; a misericórdia e um agu- to e depois por toda a sua superfície, rar-se para dentro de casa. Se fosse
çado senso de justiça; a afabilidade à procura dos alimentos. De repente, um ou dois ainda ia, mas uma ninha-
e uma inteira seriedade de espírito. quando julgava já estar no fim, encon- da inteira…
Este conjunto harmônico de virtudes trava – com evidente comprazimento Imediatamente disse ele à criada,
lhe propiciava, com certa frequência, – outra porção de comida! com decisão:
perceber o que as situações e as pes- Da. Lucilia assim procedeu até a ex- — Pegue uma vassoura, ou uma
soas tinham de bom ou de mau. trema velhice desse parente, não ape- mangueira de regar o jardim e ponha
nas satisfazendo os gostos gastronômi- a gata com todos os gatinhos fora do
Afetuoso engano cos dele, como também dispondo-se à terreno da casa.
Sempre materna, Da. Lucilia se prosa que mais lhe agradasse. Era a so- Da. Lucilia, com pena da gata,
condoía de modo muito especial dos licitude levada ao último ponto. voltou-se para o filho e ligeiramente
desvalidos, a quem dispensava, sem- aflita lhe disse:
pre que necessário, toda espécie de
“Coitada, não faça isso!…” — Ah! Coitada! Não faça isso.
afabilidades e consolações. Em Da. Lucilia, esse desejo de fa- Você não vê que ela pode perder um
O modo como tratava um de seus zer o bem era tão amplo que abarca- dos filhotes e nunca mais o encontrar?
parentes afastados, que tivera a infe- va até os seres mais miúdos. Era o maternal coração de Da.
licidade de ficar cego ainda menino Um dia, durante o almoço, Dr. Pli- Lucilia sentindo-se como que arra-
em virtude de uma imperícia médica, nio notou na parte exterior de sua nhado perante tal perspectiva. Po-
é um exemplo desses predicados. casa um movimento estranho debai- rém seu filho tentou argumentar:
O fato de ser ele ateu inveterado le- xo da folhagem. Surpreso, disse a Da. — Mamãe, ela não tem raciocí-
vava Da. Lucilia a ter ainda mais pena Lucilia: nio. Ela perde um filhote como um
do infeliz. Por isso não poupava opor- — Mamãe, veja que coisa esquisi- de nós perde um fio de cabelo.
tunidade de lhe fazer algum bem, ta aquele movimento lá. Mas Da. Lucilia queria, mais do
com a intenção de tocar sua alma. Ela não disse nem sim, nem não, e que fazer um silogismo, tocar-lhe no
Com frequência o recebia para almo- esquivou-se à resposta. sentimento:
çar ou jantar, e nessas circunstâncias Apenas disse: — Coitada! Não faça isso.
o entretinha horas inteiras. Ato de ca- — É, eu já tinha notado alguma “Coitada” era dito com tanta bon-
ridade do qual também participavam coisa. dade e tanta pena que Dr. Plinio não
Dr. João Paulo e Dr. Plinio. — Mas eu estou notando só ago- resistiu e disse à criada:
ra – respondeu ele, mais categórico. — Anna, cuide dessa gata e leve
Dirigindo-se à empregada que todo dia leite para ela.
servia à mesa, Dr. Plinio disse: Aquela gata, como ser irracional,
— Anna, vá olhar o que há naque- não podia ter conhecimento da pró-
le muro. pria existência. Mas uma vez que so-
Da. Lucilia ficou silenciosa. A cria- bre ela tinha baixado a compaixão,
da riu e disse com seu sotaque portu- cheia de doçura, de Da. Lucilia…
guês: em vez de um esguicho, haveria leite

Lucilia — “Seu doutôire”, o senhor não


percebeu o que é? Da. Lucilia está a
esconder-lhe uma coisa.
para a gataria toda. ²

Extraído, com pequenas


rrêa de Oliveira, escrita por — O que Da. Lucilia está escon- adaptações, de: Dona Lucilia.
a Libreria Editrice Vaticana. dendo de mim? Città del Vaticano-São Paulo: LEV;
uto/livro-dona-lucilia/ — É uma gata que tem uns filho- Lumen Sapientiæ, 2013,
tinhos ali. p.360-362; 372-374.

Dezembro 2020 · Arautos do Evangelho      27


Saudades do Natal
Ao narrar suas reminiscências do tempo de menino,
Dr. Plinio se comprazia em recriar o clima de inocência
que envolvia as celebrações natalinas à época.
Especialmente em seu lar, onde a piedade e o afeto de
Sérgio Miyazaki

Dona Lucilia as revestiam de uma alegria toda especial.


Plinio Corrêa de Oliveira

T
alvez de nada em minha teórico: tratava-se ao mesmo tempo va o gozo da vida para as crianças, e
infância eu tenha tantas da ansiedade pela vinda do Menino o aspecto religioso, quando existia,
saudades quanto da gra- Jesus, mas também da perspectiva era vago.
ça do Natal. O que houve da festa do Natal, nos seus aspectos Mamãe aproveitava, então, a festa
de mais maravilhoso para mim nessa humanos e terrenos. Isso fazia par- da criançada, mas acrescentava nela
idade ficou na minha memória repre- te das harmonias e delicadezas de uma nota de piedade muito acentua-
sentado por essa festa. A alegria do alma que só a Igreja Católica é ca- da, de maneira a dar-nos a ideia da
Natal! Era intensa, calma, doce, ele- paz de transmitir. alegria boa, lícita, honesta e terrena,
vada, “ordenativa” e “equilibrante”! santificada pela justaposição da sa-
Preparando o Natal das crianças cralidade.
A alegria prévia às celebrações Da. Lucilia, minha mãe, era o cen- Chegavam à nossa casa grandes
Quando se aproximava o Natal, tro da família no que diz respeito ao caixas provenientes das lojas, que
tudo era tomado por certa paz e re- trato com os pequenos, pois possuía os mais velhos recebiam e “confis-
colhimento. Era algo que minha alma um extraordinário jeito para isso e ti- cavam” imediatamente, para que
sentia, como um sussurro vindo de nha um grande carinho, cujo trans- as crianças não as pudessem abrir.
muito alto, mais eloquente do que to- bordamento agradava enormemen- Eram, evidentemente, presentes e
dos os discursos, que me convidava te à criançada. Se ela quisesse, teria enfeites para a árvore de Natal…
a não prestar atenção em outras coi- dirigido um colégio na perfeição, de Víamos também as senhoras saírem
sas. Parecia-me que um princípio de modo muito calmo, suave e delicado. sigilosamente e voltarem carrega-
pureza, de limpidez, de honestidade, Sendo mamãe a animadora do das de pacotes. Às vezes ouvíamos
de bondade e de candura baixava so- ­Natal, este era em certo sentido a fes- furtivamente alguma coisa sobre os
bre a terra e alterava as almas de to- ta dela. preparativos e começavam os tele-
dos os homens: a maldade humana se Ela aproveitou um hábito de sua fonemas entre nós e nossos primos,
encolhia e os Anjos abriam as asas. época e do seu ambiente, mas, ao contando as últimas novidades.
Eu realmente tinha impressão de que mesmo tempo, colocou-se em rea- O dia 24 de dezembro amanhecia
eles desciam à terra… ção contra ele. Estávamos num pe- completamente diferente dos outros.
Já nos dez ou quinze dias antece- ríodo de especial prosperidade em Já de manhã eram distribuídas algu-
dentes estabelecia-se uma expecta- São Paulo e as famílias organiza- mas iguarias, deixando-se, entretan-
tiva, e a alegria começava a baixar vam grandes festas natalinas, dan- to, as mais gostosas para a noite. Sen-
Sergio Hollmann

sobre a pequena cidade de São Pau- do bons presentes aos filhos e pre- tia-se muito o perfume do pão de mel
lo, impregnando o ambiente em to- parando árvores de Natal com toda – Honigbrot, segundo a expressão da
dos os recantos. Para as crianças, espécie de ornamentos e inúmeros Fräulein – que eu comia em quanti-
esse sentimento não era em nada comestíveis. Entretanto, aquilo visa- dade, com manteiga.

28      Arautos do Evangelho · Dezembro 2020


Mamãe comprava, nos arredores i­ nfluência da nossa Fräulein e da go- acordado o respeitável e altamente
de São Paulo, um pinheiro que cou- vernanta de nossos primos, cuja lín- santo Casal”.
besse na sala dos brinquedos e, aju- gua todos falávamos –, sobretudo Descíamos pela grande escada de
dada pela Fräulein Mathilde, deco- uma canção que em português se tra- mármore, levando a imagem do Me-
rava-o com alguma novidade a cada duz por Noite Feliz, mas cuja letra nino Jesus com os bracinhos abertos,
ano: uma estrela muito grande e bo- em alemão diz assim: a qual era adornada por mamãe to-
nita, um anjo de papel colado num “Stille Nacht, heilige Nacht. Alles dos os anos com um vestidinho di-
círculo dourado, azul ou verde escu- schläft, einsam wacht nur das trau- ferente. Dávamos uma pequena vol-
ro. Toda espécie de ornamentos! As te hoch heilige Paar. – Noite silencio- ta pelo jardim, cantando; e, quando
crianças eram proibidas de entrar sa, noite santa. Tudo dorme; só está chegávamos à sala dos brinquedos, a
durante os preparativos, sendo rele- porta ainda estava fechada…
gadas para o jardim, quando o tem- Afinal abriam e nós entrávamos,
po permitia. Para as crianças, encontrando a sala completamente
Pelas cinco ou seis horas da tarde, transformada! Para mim, aquilo era
o movimento nas ruas começava a di- tratava-se ao mesmo um enorme deleite: a árvore de Na-
minuir. Acendiam-se todas as luzes
das casas do bairro, o que lhes dava
tempo da ansiedade tal, preparada ao modo alemão, ti-
nha na ponta uma estrela dourada
um ar mais festivo e, às vezes, as sa- pela vinda do Menino ou prateada, com um anjo. Nos ga-
las de cerimônia – que permaneciam lhos havia figurinhas de papel repre-
habitualmente fechadas nos dias co- Jesus, mas também sentando anjos e santos, velas acesas,
muns – tinham as suas janelas larga- bolas douradas, vermelhas, azuis,
mente abertas. Viam-se árvores de
da perspectiva da prateadas e verdes, com tonalidades
Natal erguidas lá e acolá. festa do Natal muito vivas. Eu me encantava com o
À noite, chegavam à nossa casa to- pinheiro e achava-o lindo, mas, como
dos os primos e primas, e eu era desejoso de uma per-
então éramos aglutinados feição maior, não existente
numa saleta intensamen- nas coisas terrenas, via a ár-
te iluminada. Eram umas vore de Natal como a figura
vinte crianças, dirigindo-se de uma planta que poderia
umas às outras com manei- existir no Paraíso Terrestre.
ras mais respeitosas e ele- Parecia-me que realçava
gantes do que o normal, muito o encanto da árvore o
pois estavam em traje de fato de ela ter balas e bom-
gala. Entretanto, não pres- bons pendentes no meio
távamos muita atenção na dos enfeites. Quiçá mamãe
conversa, pois ouvíamos co- os colocasse por conhecer
chichos dos mais velhos, vía- o meu apetite inesgotável.
mos misteriosas bandejas Nos quatro cantos da sala
descendo e ficávamos assa- havia mesas cheias de doces
nhados, querendo saber o e salgados, uma das quais
que acontecia! era reservada para os refres-
Afinal, por volta das cos de jabuticaba e outras
nove horas, aparecia ma- frutas, preparados em casa.
mãe anunciando que a festa Sem deixar de cantar,
de Natal ia começar. formávamos um círculo, gi-
rando em torno da árvore,
“Stille Nacht, ao pé da qual estava o pre-
Heilige Nacht…”
Reprodução

sépio com imagens, figuras


Então, dávamo-nos as de pastores e, naturalmen-
mãos e começávamos a en- te, o burrinho e o boi, que
toar cânticos natalinos, O Natal, por Charles Tichon; na página anterior, Dr. Plinio não podiam faltar. A dois
em geral alemães – pela venera o Menino Jesus do presépio, na década de 1980 passos do pinheiro estava

Dezembro 2020 · Arautos do Evangelho      29


mamãe, encantada com a inocência A ceia de Natal Mamãe permanecia de pé, olhan-
infantil e sorrindo para as crianças A criançada tinha um apetite fe- do tudo afetuosamente, mas man-
que chegavam. Ela parecia ter no roz, e eu era um dos capitães da co- tendo as coisas em ordem, ajudada
coração uma árvore de Natal para milança. Não duvido muito de que pela Fräulein Mathilde e a outra go-
cada uma… eu fosse, em geral, o primeiro a co- vernanta. De longe chegavam-nos os
Havia uma recomendação for- mer, pois esse era o meu modo de ser ecos dos cânticos de outras crianças
mal: permanecer com as mãos dadas e não estávamos em idade de regimes que também celebravam o seu Natal.
e não comer nem beber nada antes nem de penitências… Quase não se ouviam barulhos nas
de ter rezado. Creio que eu era um Em pouco tempo todos falávamos, ruas, pois a festa era realizada pelas
dos primeiros a dar sinais de cansa- comíamos, e, naturalmente, também famílias no interior das casas.
ço em certo momento, o que ela – co- brincávamos muito, ao modo brasi- Tudo isso nos dava uma felici-
nhecendo seu filho como a palma da leiro. dade cândida, pura e virginal, que
mão – entendia bem e mandava pa- Pode-se imaginar o que era um não era perturbada por intemperan-
rar a roda. Entretanto, ela nunca dei- grupo de vinte crianças juntas, co- ça alguma. Nenhuma criança fazia
xava entender que o fazia por minha mendo e bebendo à vontade! Sendo travessuras ou peraltagens, e todas
causa, para não me dar a ideia de es- muito amigo das cores, a minha aten- brincavam entre si com a maior cal-
tar cumprindo todas as minhas von- ção pousava rapidamente sobre umas ma, dentro daquela paz que pare-
tades… balas douradas ou cor de laranja, em cia emanar das imagens do Menino
forma de pequenos anéis, números ou Deus e de Nossa Senhora, difundin-
Rezando aos pés do presépio animais, açucaradas por fora e con- do-se pela sala. Essa alegria trans-
Começava propriamente a come- tendo licores variados. mitia-nos algo que não sei exprimir
moração do Natal. Mamãe se ajoelha- bem, mas era a ideia de que nos foi
va com todas as crianças aos pés dado um Menino – “Puer natus est
do presépio, colocava nele o nobis” – e que um grande gáudio ti-
Menino Jesus e rezava várias nha descido do Céu. Eu ti-
orações um tanto longas, com nha a sensação de estar vi-
muita suavidade, piedade e vendo o Natal! Para mim,
seriedade. Tenho a impressão era como se o Menino Jesus
de que ela compunha as pre- realmente nascesse e estives-
ces naquela hora, dedicando- se junto de nós!
-as ao Menino, a Nossa Senhora A nossa festa durava mais
e a São José, e pedindo estas ou ou menos duas horas. Em cer-
aquelas graças, orações que eram to momento, ouvíamos os si-
repetidas pela meninada. nos das igrejas que começavam
dução

Durante a comemoração toda a bimbalhar e os adultos saíam


Repro

a ordem era mantida pela simples para assistir à Missa do Galo,


presença de mamãe, de um modo ir- Antiga partitura alemã do Noite Feliz
para a qual as crianças não eram
repreensível. Mas, por via das dúvi- levadas naquele tempo. Estávamos
das, as governantas vigiavam e não num período de anticlericalismo
fariam a mínima cerimônia em re- muito forte da parte de certos seto-
primir severamente a criança que “Stille Nacht, res, e existia o receio de haver dis-
desobedecesse. Entretanto, durante túrbios durante a celebração.
as orações só a nossa Fräulein fica- heilige Nacht…” O Natal ainda nos reservava as
va conosco. Ela era católica e se ajoe-
lhava também, mas a outra era pro-
Eu dormia embalado delícias do repouso. A roupa de
cama havia sido trocada nesse dia.
testante e retirava-se para não tomar pela lembrança do Como o travesseiro estava agradá-
parte nas orações. vel! Como o colchão estava macio!
Depois que mamãe se levantava, “Stille Nacht”, Eu dormia embalado pela lembran-
nós nos segurávamos pelas mãos no- ça do Stille Nacht, com a satisfação
vamente e dávamos mais três ou qua-
com a satisfação da inocência.
tro voltas em torno do pinheiro, can- da inocência Estava encerrado o Natal das
tando. crianças? Não! Começava o melhor.

30      Arautos do Evangelho · Dezembro 2020


Recebendo os presentes — Filhinho!
de São Nicolau E antes de abrir o presente, eu ia
São Nicolau era um Bispo da Ásia para os braços dela, pois aquela in-
Menor que tinha muita pena dos ne- terpenetração de almas valia para
cessitados, especialmente das famí- mim muito mais.
lias que empobreciam por causa de A minha felicidade começava com
maus negócios e outras razões. a carícia materna e, ao mesmo tem-
Esse prelado tinha o hábito de po em que a abraçava, eu ia olhando
passar pelas casas dos pobres na noi- para aquela caixa. Daí a pouco se ini-
te de Natal, jogar os presentes pelas ciava uma das alegrias máximas do
janelas e sair correndo. E estabele- Natal, que consistia em estraçalhar
ceu-se por isso a tradição de afirmar as fitas, os laços e os barbantes, ar-
que, nessa noite, o santo Bispo afável rebentar a caixa se necessário, abri-
passava por todas as casas do mundo -la e ver o que São Nicolau tinha dei-
e deixava brinquedos para as crian- xado. Não me lembro de uma só vez
ças enquanto estas dormiam. em que ele trouxesse menos do que
Nós acreditávamos nessa visita, e eu havia pedido! Eu me maravilhava
eu era um entusiasta de São Nicolau. com a coincidência e pensava: “Veja
Ao despedir-se de nós, mamãe nos só… Como São Nicolau sabe de to-
recordava que ele entraria em casa e das as coisas!”
deixaria brinquedos para nós. Natu-
ralmente, eu ficava muito assanhado
Os dias 25 e 26: um
e queria surpreender São Nicolau en-
hiato luminoso
quanto ele entregava o presente, mas No dia 25 de dezembro dava-se
ele era tão hábil, e eu ia dormir com o que chamavam “o enterro dos os-
tanto sono, que isto nunca acontecia! sos”: comíamos das iguarias e bebía-
Reprodução

Entretanto, pelas quatro ou cin- mos os últimos ponches que haviam


co horas da manhã eu acordava de sobrado da véspera, mas separáva-
curiosidade, querendo saber se São mos e guardávamos muitos paco-
Nicolau já tinha vindo. De fato, ha- Da. Lucilia fotografada em 1912 tes de guloseimas ainda não aber-
via passado… Lembro-me da im- ou 1913, em Paris tos para dá-los às crianças pobres no
pressão deliciosa que eu tinha ao vi- dia de Ano Bom, e eram comprados
rar-me e sentir, de repente, o peso de mais alguns para elas.
uma grande caixa. Eu pensava: “Será A minha felicidade A noite desse dia era um hiato lu-
que São Nicolau acertou?” minoso, cheio de suavidade, paz e
Porém, minha reação não consis- começava com a doçura, dando-me a impressão de
tia em pular sobre o presente. Eu fa-
zia o seguinte raciocínio: “Não é me-
carícia materna e, que todo o céu, com suas estrelas, es-
tava impregnado de mel e perfume…
lhor fruir esta expectativa do que ao mesmo tempo Parecia-me que o som dos sinos che-
destruí-la agora, brincando excitado gava mais longe e que uma alegria
e depois não conseguir dormir mais? em que a abraçava, enorme circundava toda a cidade,
Desse modo mantenho a esperança e impregnando até os jardins escuros
aproveitarei devidamente o prazer”.
eu ia olhando para e lembrando: “Cristo nasceu! Nasceu
Às sete ou oito horas, tínhamos o aquela caixa… em Belém!”. Íamos dormir sob aque-
melhor despertar do ano! Em nenhu- le bafejo do Natal sagrado, com o
ma outra manhã – exceto se eu esti- sono pesado e delicioso da consciên-
vesse doente – acontecia isso: eu acor- s­ emelhante. E ela não sabia que, para cia tranquila. ²
dava e encontrava mamãe aos pés de mim, a sua alegria era um presente
minha cama, olhando-me e deleitan- melhor do que o brinquedo! Extraído, com pequenas
do-se com o prazer que eu iria ter Quando percebia que eu estava adaptações, de:
ao ver o presente. Ao longo de mi- inteiramente acordado, ela estendia Notas Autobiográficas. São Paulo:
nha vida, nunca contemplei um olhar os braços e dizia: Retornarei, 2008, v.I, p.479-496.

Dezembro 2020 · Arautos do Evangelho      31


Santa Odila da Alsácia

Cega para si, águia


para Deus
Na época de Santa Odila, os esplendores da Civilização
Cristã estavam apenas começando a insinuar-se, mas
na alma desta abadessa de têmpera carolíngia eles já
Ralph Hammann (CC by-sa 4.0)

habitavam por inteiro. Cega de nascimento,


tornou-se uma águia: sua alma voava
sempre para Deus!
Ir. Marcela Alejandra Beorlegui Vicente, EP

A
s almas que contemplavam esta nobre dama alsaciana soube ele- tomou conta de seus pensamentos a
os Santos da Alta Idade Mé- var até o Altíssimo em holocausto de ponto de levá-lo a proferir uma fatal
dia, cujas vistas sobrenatu- agradável odor. sentença: a criança deveria morrer. A
rais eram muito mais pene- Assim, Santa Odila foi precursora, intervenção da mãe fez-lhe poupar
trantes que as nossas, viviam a fé de guia e modelo, mas também vítima. a vida da filha, mas para tal ele im-
forma intensa. O espiritual e o terre- Como tal, teve, sem dúvida, um papel pôs como condição nunca mais tê-la
no se misturavam harmoniosamen- histórico muito importante na cons- diante dos olhos e que ninguém sou-
te em seus corações, dando origem a trução da Europa cristã. Suas dores besse da existência da recém-nascida
relatos transbordantes de episódios e provações, unidas ao Cálice Reden- cega, pela vergonha que isso signifi-
maravilhosos, mas por vezes impreci- tor de Cristo, talvez sejam o principal caria para sua linhagem.
sos ou até contraditórios nos detalhes motivo pelo qual a Alsácia, região da Após pedir ao Divino Espíri-
concretos. qual ela é padroeira, seja considerada to Santo que viesse em seu socorro,
Não é de estranhar, portanto, que ainda hoje uma das mais católicas da Benvinda lembrou-se de uma fiel ser-
a vida de Santa Odila tenha chegado França. va que poderia encarregar-se de seu
até nós envolvida num halo de legen- maior tesouro. Ante o triste desti-
da, tornando impossível fazer uma
Logo ao nascer, o repúdio no reservado à criança, a criada pro-
clara distinção entre os aspectos ri-
paterno curou de todas as formas atenuar as
gorosamente históricos e o piedoso Em certo dia do ano 620, o silên- dores de sua senhora: “Não choreis
colorido que foi-lhe acrescentado ao cio dominava os corredores do caste- mais. Deus quis que vossa filha viesse
longo dos séculos posteriores. lo de Hohenbourg, na Alsácia, onde ao mundo assim. Ora, Ele pode con-
Apesar disso, tais crônicas nos des- o Duque Aldarico e sua esposa Ben- ceder-lhe a luz da visão da qual a pri-
vendam uma singularíssima vocação: vinda aguardavam o nascimento de vou. Confiai a menina à vossa serva.
nelas encontramos o heroísmo pionei- um novo rebento. Contudo, longe Eu cuidarei dela e a educarei como
ro de São Remígio e Santa Clotilde, de se realizarem os paternos anseios Deus determinar”.1
aliado à grandeza fecunda de Carlos pela vinda de um varão, nasceu uma Um tanto aliviada por tal solicitu-
Magno. A par desses predicados, seu menina… e cega! de, Benvinda cobriu a filha de beijos,
alto chamado foi marcado desde cedo Quando o chefe franco viu des- abençoou-a e entre soluços entre-
pela contrariedade e sofrimento, que vanecerem-se seus sonhos, a cólera gou-a à serva, dizendo: “Eu a ­confio

32      Arautos do Evangelho · Dezembro 2020


a teus cuidados, recomendando-a a volta do ano 671 fundou a abadia de maravilhando a todos pela sabedoria
meu Salvador, Jesus Cristo”.2 Moyenmoutier, e Santo Erardo, Bispo de suas respostas.
de Regensburg, que pertenceu à men- Por fim se iniciou a cerimônia.
Primórdios da vida religiosa cionada falange dos monges missio- Após o Bispo Erardo ter pronuncia-
Eis a primeira página da história nários. do solenemente as palavras sacramen-
de Santa Odila. A fiel guardiã desdo- Certo dia, estando em Regens- tais, tomou os santos óleos e, ungin-
brou-se em atenções com a pequena, burg, Erardo teve uma visão: “‘Le- do os olhos da cega, disse: “Em nome
a ponto de despertar na região certa vanta-te’, disse-lhe o Senhor, ‘e parte de Nosso Senhor Jesus Cristo, que teu
curiosidade sobre quem seria a ilustre para o mosteiro de Palma: ali tu en- corpo veja como vê tua alma”.5 Ime-
ceguinha. Tais rumores chegaram aos contrarás uma virgem cega de nas- diatamente a menina passou a enxer-
ouvidos de Benvinda, renovando suas cimento. Tu a batizarás em nome da gar e seus olhos se mantiveram vol-
angústias e levando-a a buscar refúgio Santíssima Trindade e, após o Batis- tados para o céu por longos instan-
na oração. Mais uma vez, o Espírito mo, a virgem cega verá a luz do dia’”.3 tes. Inexprimível comoção se apo-
Consolador não Se fez esperar. O Santo Bispo partiu de imediato e derou dos presentes ao testemunhar
No século VII os mosteiros eram encontrou-se no caminho com Hi- tão grande maravilha. Foi então que
não só o asilo seguro dos desafortu- dulfo, que conhecera misticamente o a virgem de Palma recebeu o nome
nados, mas constituíam também o lu- objetivo da missão do irmão. Eles se- de Odila, que significa Luz de Deus,
gar onde se proporcionava uma esme- guiram juntos para Palma e, logo que como indicado pelo Senhor na visão
rada educação aos filhos das mais no- chegaram ao convento, pediram para que tivera o Bispo de Tréveris.
bres dinastias. Tendo isso em mente, ver a menina. Santo Hidulfo levou ao Duque
Benvinda enviou a filha ao convento Muito tocados por comprovar a Aldarico a boa-nova do milagre,
de Palma, situado a algumas milhas realização dos desígnios divinos com mas a atitude deste foi irredutível:
de Besançon, onde uma tia sua se en- relação à criança, os irmãos rogaram ele não a reconhecia como filha, e
contrava à testa da florescente comu- ao Senhor que concedesse “a luz da jamais o faria.
nidade. Sem revelar a origem da re- graça à sua alma e a luz do dia ao seu
cém-chegada, a superiora recebeu a corpo”.4 Terminados os preparati-
Retorno à casa paterna
pequena cega com profunda ternura e vos para o Batismo, a catecúmena foi Passaram-se os anos. A serva aos
piedade, discernindo que pairava um examinada sobre os mistérios da Fé, cuidados de quem Benvinda entre-
desígnio de Deus sobre aque- gara Odila quando pequeni-
la alma marcada desde o ber- na adoeceu gravemente e, an-
ço pelo sofrimento. tes de morrer, relatou à virgem
Assim, a Santa cresceu sob sua verdadeira origem, des-
os influxos do suave jugo da pertando-lhe um grande dese-
vida monástica, abrindo facil- jo de conhecer sua família.
mente sua alma às coisas de Certo dia de inverno hos-
Deus. Segundo a quase totali- pedaram-se no convento al-
dade dos cronistas, foi por vol- guns cavaleiros que, ao calor
ta dos treze anos que se deu o de uma sopa e um bom vinho,
acontecimento que mudou o conversavam durante o jan-
rumo de sua existência. tar sobre o duque de Hohen-
bourg, as virtudes de sua es-
No Batismo, posa e os filhos do nobre casal.
Francisco Lecaros

miraculosa cura Tendo-os ouvido, Odila escre-


Na então nascente Europa veu nessa mesma noite uma
católica, muitos monges eram carta a um de seus irmãos,
ungidos Bispos por neces- chamado Hugo. Contou-lhe
sidade apostólica, voltando sua história e pediu auxílio
para o mosteiro após concluí- O alto chamado de Odila foi marcado pelo para retornar à casa paterna.
sofrimento desde a mais tenra infância
rem sua missão. Entre estes Ao ler a missiva, seu irmão
havia dois irmãos de origem Santa Odila é rejeitada pelo pai por ter nascido cega - quis compartilhar a alegria
Santuário do Monte Santa Odila, Ottrott (França);
germânica: Santo Hidulfo, na página anterior, imagem da Capela com o pai, o qual, ao saber do
Bispo de Tréveris, o qual por de Todos os Santos, Estrasburgo (França) que se tratava, tonitruou sua

Dezembro 2020 · Arautos do Evangelho      33


costumeira negativa. Não obstante, v­estiu-a com roupas finas, deu-lhe f­acilmente, mas não contava com a
Hugo formou a deliberação de trazer um branco corcel e fê-la sentar-se à ação de Deus…
a irmã de volta ocultamente. mesa com os nobres. Após atravessar o Reno com au-
Estando um dia pai e filho no ter- Começou para Odila a vida na cor- xílio de um barqueiro, Odila pro-
raço do castelo, viram um destaca- te, na qual todos ficaram deslumbra- curou refúgio nas montanhas.
mento chegar. Hugo então revelou ao dos por sua beleza e nobreza de alma. Chegando ao local hoje chamado
duque seu empreendimento, confes- Certo dia, um príncipe germânico pe- Musbachtal, nas proximidades da
­
sando ter enviado uma escolta para diu ao Duque Aldarico a mão de sua cidade de Freiburg im Breisgau, na
buscar a irmã no convento de Pal- filha. No momento em que o pai se di- atual Alemanha, sentou-se exausta
ma. Enfurecido, Aldarico descarre- rigia a ela para dar-lhe a notícia, ­Odila ao lado de um rochedo. Subitamen-
gou tão violento golpe no jovem que adiantou-se dizendo que desejava vol- te, escutou o ruído de cavalos que se
o deixou durante algum tempo sem tar ao convento de Palma a fim de acercavam e por um instante julgou
sentidos. Enquanto ele recebia os dedicar-se à vida religiosa, pois sen- que tudo estava perdido.
cuidados necessários, Odila chegava tia falta da paz monástica, do estu- No momento em que o destaca-
à alta montanha onde se localizava o do das Escrituras, da piedosa emula- mento se encontrava a poucos me-
Hohenbourg. ção em seguir as vias do Senhor… Na- tros de distância, porém, sua con-
Ao descer da carruagem, Odila turalmente o progenitor mostrou-se fiança firmou-se como um baluar-
lançou-se nos braços da mãe, que a ­inflexível, exigindo que ela aceitasse a te. Então a pedra que tinha atrás de
recebeu com transportes de alegria e proposta do ilustre pretendente. si se abriu para oferecer-lhe abri-
afeto, juntamente com seus irmãos. go, fechando-se logo que Odila nela
Só Aldarico não participava do gozo
Abandono nas mãos adentrou. Quando o perigo cessou,
geral e, irredutível ante os sombrios
da Providência fendeu-se novamente, para dar-lhe
remorsos que assaltavam sua alma, Ante essa nova prova, Santa Odi- liberdade. A fim de selar o prodígio
mais uma vez decidiu manter a filha la viu-se obrigada a fugir à noite do operado em favor de sua fiel serva,
longe de si. Pouco faltou para um se- castelo, disfarçada de campone- Deus fez jorrar da abertura do ro-
gundo exílio… sa. No dia seguinte, ao dar-se conta chedo uma fonte.
Sem se afligir, a jovem aceitou e da ausência da filha, Aldarico reu- Odila passou a viver do produto de
osculou a cruz que a Providência lhe niu uma comitiva e partiu ao seu en- suas mãos. Viajava de aldeia em al-
dava com um espírito todo sobrena- calço. Imaginava que a encontraria deia, sem nunca cessar de fazer o bem
tural, rendendo graças a Deus por a quem necessitasse. Corria-se o
tantos favores dos quais não se tempo e no castelo de Hohenbourg
considerava digna. ninguém tinha notícias da jovem.
Ao saber da atitude que tomara,
Na corte de Hohenbourg o pretendente à sua mão comuni-
Odila sabia que poderia con- cou a Aldarico que desistia do com-
tribuir com os planos de Deus be- promisso. Este, por sua vez, torna-
neficiando não só aos mais próxi- va-se cada dia mais triste e abatido
mos, mas também a todos quantos e, acometido de remorsos pela vida
se aproximassem de seu zelo e de passada, enviou arautos a apregoar
sua caridade. pelo reino que ele esperava de vol-
Em uma fria noite, tendo saí- ta a sua filha Odila e que respeitaria
Francisco Lecaros

do para distribuir alimentos aos seu desejo de ser religiosa, se esta


mais necessitados, foi surpreendi- fosse realmente sua vontade.
da por Aldarico enquanto cami- Sem se fazer esperar, ela re-
nhava com dificuldade no meio da tornou ao castelo, dando graças a
neve. Diante desse gesto o duque Deus pela nova situação.
“Levanta-te, e parte:
não pôde se conter, e a emoção fê-
-lo cair em si sobre a injusta e cruel
Tu batizarás uma virgem cega de O Mosteiro de Hohenbourg
nascimento e, após o Batismo,
atitude em relação a tão virtuo- ela verá a luz do dia” Desta vez Aldarico prometeu à
sa jovem. No dia seguinte, prodi- filha fazer tudo que estava ao seu
O Bispo Erardo batiza Santa Odila e ela
gou-lhe seus nunca antes reconhe- recobra a visão - Santuário do alcance para cumprir seu ­desejo
cidos direitos como filha legítima: Monte Santa Odila, Ottrott (França) de seguir a via religiosa. Para

34      Arautos do Evangelho · Dezembro 2020


isso, adaptou o castelo de abandonado esta terra.
Hohenbourg para a vida Consternadas pelo fato de
monástica e deu-o a Odi- sua mãe espiritual não ter
la, por estar este no ponto recebido o Viático antes de
mais alto da região e gozar partir para a eternidade,
de um panorama propício rogaram a Deus e Ele fez
ao recolhimento e à con- Odila retornar ao mundo
templação. dos vivos para receber pela
Em pouco tempo, os so- última vez o Rei dos reis e
noros cornos de caça e as Senhor dos senhores.
danças festivas deram lu-
gar ao cântico das horas e
Semente da

Francisco Lecaros
à oração. Numerosas jo-
Civilização Cristã
vens seguiram o exemplo A certas almas muito
de Odila, e não tardou mui- chamadas, como a da pa-
to o dia em que, na presen- droeira da Alsácia, Deus
ça de toda a família ducal, Em Hohenbourg a santa abadessa teve exige grandes renúncias.
a Santa e suas religiosas fo- visões dos mistérios celestes que, infelizmente, Desde o começo de suas
ram consagradas pelo Bis- não chegaram até nós vidas, são elas convidadas a
po da Alsácia e professa- Santa Odila com as religiosas de Hohenbourg - abraçar o bem por inteiro e
ram os votos solenes. Santuário do Monte Santa Odila, Ottrott (França) desapegar-se de todo o res-
Entre as várias capelas to, inclusive de si mesmas.
que Odila fez erigir a partir de en- eterna. A ação que um Santo exerce Muitas vezes o Altíssimo pede-lhes
tão, uma era de sua especial devoção: quando ajuda a outrem no plano ma- também que, embora se sintam cha-
a de São João Batista. Antes de man- terial tem efeito ordenativo no espiri- madas a voar como águias, caminhem
dar construí-la, ela rogara ao Precur- tual, porque leva a pessoa a “ficar em passo a passo, tornando possível com
sor que lhe indicasse o local mais ade- ordem com Deus”, e isso traz paz de seu sacrifício que outros vislumbrem
quado, e em certa noite este lhe apa- alma, juntamente com o desejo de os mesmos horizontes grandiosos por
receu envolto em luz e revelou o lugar que o bem seja difundido e o mal ex- elas contemplados.
de seu agrado. Ali a santa abadessa te- tirpado. Eis a verdadeira caridade. Na época de Santa Odila, os es-
ria numerosas visões dos mistérios ce- plendores da Civilização Cristã esta-
lestes que, infelizmente, não chega-
Tendo cruzado os umbrais vam apenas começando a insinuar-se,
ram até nós.
da eternidade, recebe o Viático mas na alma desta abadessa de têm-
O perfume da santidade de Odila Por fim, no dia 13 de dezembro de pera carolíngia já habitavam por intei-
espalhou-se por toda a região. Curas, 720, Odila percebeu ter atingido o fim ro, como uma árvore frondosa se en-
conversões e multiplicação de alimen- de sua carreira neste mundo. Reunin- contra em germe na semente que a
tos motivavam nobres e plebeus a su- do as religiosas, disse-lhes: origina.
bir até Hohenbourg. Entretanto, mui- — Permanecei muito unidas, sa- Santa Odila nasceu cega, mas tor-
tos doentes e aleijados não possuíam bei viver na simplicidade e na humil- nou-se uma águia. Se seus olhos per-
forças para chegar até lá. Preocupada dade, e tende fé viva. Quando fordes maneceram cerrados no início de sua
com eles, Santa Odila decidiu fundar tentadas, rezai; trabalhai sem cessar existência terrena, seu espírito intré-
um novo mosteiro no sopé da monta- para serdes melhores cada dia. Ja- pido, porém, nunca deixou de voar
nha, chamado Niedermünster – con- mais esqueçais que, como eu, chega- para Deus. ²
vento de baixo –, a fim de ali hospe- reis ao termo da viagem desta vida e
dá-los e ministrar-lhes os cuidados de será necessário dardes contas de to-
que necessitavam. dos os vossos pensamentos, palavras
1
WINTERER, Landelin. Histoire de S ­ ainte
Odile. Paris-Guebwiller: Ch. Douniol;
Assim se passaram os anos. O nú- e ações. Jung, 1869, p.46.
mero das religiosas aumentava e os Em seguida, desejando estar a 2
Idem, ibidem.
enfermos recuperavam não só a saú- sós com Deus, pediu-lhes que fos-
de do corpo, como também a da alma. sem à capela próxima cantar os Sal-
3
Idem, p.54.
Este era o grande objetivo de Santa mos. Quando mais tarde retornaram,
4
Idem, p.56.
Odila: conduzir os outros à salvação constataram haver a santa a­ badessa 5 Idem, p.57.

Dezembro 2020 · Arautos do Evangelho      35


Lúcio César Rodrigues
O louvor perfeito da Liturgia
posto junto ao altar
Os símbolos que envolvem os altares para a Santa Missa não são
meros objetos decorativos, mas representações de uma realidade
misteriosa, da qual somos chamados a participar pela Sagrada Liturgia.
Max Streit Wolfring

D
esde as mais remotas cha oferecia enquanto Homem o que visão simbólica dos ornamentos que
épocas da História, os merecia como Deus: o louvor perfeito. revestem os altares para a Santa Mis-
homens procuraram Esse louvor, contudo, não se en- sa: a toalha, a cruz, as velas e as flo-
perscrutar um mundo cerrou com sua Ascensão aos Céus, res.
envolto no mistério, onde se afigura- mas continua íntegro e perene na Sa-
va a Divindade merecedora de reve- grada Liturgia, através da qual o pró-
Sudário que envolve o
rência. Sentiam eles necessidade de prio Cristo “vive sempre na sua Igre-
Corpo de Cristo
prestar culto a Deus, mas o faziam ja e prossegue o caminho de imensa Sobre todos os altares preparados
de modo imperfeito, pois buscavam o misericórdia que iniciou nesta vida para a Santa Missa, é colocado um
Criador “às apalpadelas” (At 17, 27). mortal”.1 tecido alvíssimo, memorial do “Su-
Na plenitude dos tempos, Nos- O que significam, pois, os gestos dário e outros linhos com os quais foi
so Senhor Jesus Cristo quis viver en- e palavras do Bom Jesus reproduzi- envolto o Corpo do Salvador, repre-
tre os filhos de Adão e Se entregou em dos pela Santa Mãe Igreja, na Sagra- sentado pelo altar”.2
sacrifício para abrir-lhes as portas do da Liturgia? Os primeiros cristãos já tinham
Céu. Em todos os seus gestos, pala- Eis o tema que queremos desen- o costume, provavelmente herdado
vras e orações, o Cordeiro sem man- volver neste artigo, a partir de uma dos romanos, de recobrir com um

36      Arautos do Evangelho · Dezembro 2020


t­ecido a mesa da celebração. Entre- durante a celebração da Missa pro- a Liturgia da Palavra e o Cânon. En-
tanto, por volta do século VIII, a de- vavelmente teve sua origem nas cru- quanto a primeira é pregação e, em
voção e o zelo pelo Santíssimo Sacra- zes que precediam as procissões es- consequência, atenção direta, o se-
mento inspiraram a Igreja a usar não tacionais, cuja haste podia ser reti- gundo é adoração comum na qual,
apenas uma, mas duas ou mais toa- rada, permitindo depositá-las em pé hoje como ontem, rezamos: conver-
lhas. “Foi neste período que a toa- sobre o altar. si ad Dominum, voltemo-nos para o
lha superior, a qual recebia o Corpo Analisando os significados dessa Senhor”.4
de Cristo, passou a ser chamada pal- insígnia nas celebrações versus popu- A Sagrada Liturgia também aco-
la corporalis, ou simplesmente corpo- lum, Bento XVI afirma: “A cruz do lhe o simbolismo legado pelos Padres
ral”3 e começou a tomar a forma que altar não é um obstáculo para ver-se, da Igreja: a analogia entre o lenho da
hoje conhecemos. mas o ponto de referência comum. Cruz e a árvore de cujo fruto come-
Por sua proximidade do Santíssi- […] É, para todos, a imagem que re- ram nossos primeiros pais, e que lhes
mo Sacramento, o corporal tornou- colhe e une os olhares. […] Dessa mereceu a expulsão do Paraíso Ter-
-se objeto de veneração superior à maneira, fica clara a diferença entre restre.
das relíquias dos Santos. Durante a De uma árvore caiu a maldição
Idade Média, reputava-se ter ele uma sobre o homem desobediente, mas
eficácia sobre-humana contra incên- de outro Madeiro incomparavelmen-
dios e doenças. E, em muitas igrejas, te mais belo, Deus fez germinar a re-
o sacerdote se dirigia ao público de- missão dos pecados e a salvação. A
pois da Missa para lhes tocar a face Cruz é, pois, a fonte da vida eterna
com o corporal, a fim de protegê-los que jorra de modo superabundante
das enfermidades da vista. na Sagrada Eucaristia, e a verdadeira
Além do Sudário e demais tecidos árvore da vida de que nos fala o Livro
da sepultura do Salvador, as toalhas do Apocalipse: “Ao vencedor darei a
do altar simbolizam os membros da comer da árvore da vida, que está no
Igreja que circundam o Supremo Rei Paraíso de Deus” (2, 7).
Ressuscitado, quais preciosas ves-
tes, segundo canta o Salmo: “O Se-
Luz que ilumina o mundo inteiro
nhor é Rei e Se vestiu de majesta- Ao lado do crucifixo, os cas-
de” (Sl 92, 1). Os membros do Corpo tiçais e as velas adornam os alta-
François Boulay

Místico espalhados pelo mundo in- res com uma luz discreta, solene e
teiro são as vestes de que Cristo quis ­bruxuleante. Muito além de uma ra-
revestir-Se! zão prática de iluminação, a San-
ta Igreja vê nestes simples objetos
A árvore da vida no Crucifixo - Paróquia São Pedro Apóstolo, “a imagem d’Aquele que é a Luz da
centro do Paraíso Montreal (Canadá); na foto anterior, Luz, a Luz do mundo, o Sol de Justi-
presbitério da Basílica de Nossa
Durante a Santa Missa um cru- Senhora do Rosário ornado para a ça, Jesus Cristo”.5
cifixo é disposto diante do sacerdo- Solenidade da Anunciação, Caieiras (SP) Nas discretas chamas que alu-
te, normalmente em cima do altar, miam os altares, estão representadas
para ressaltar a união entre este ato e “suas palavras luminosas, sua graça
o Holocausto de Cristo no Calvário. Um só é o redentora, seu amor consumado no
Um só é o Sacrifício de Cristo, reno- Sacrifício do Calvário”.6
vado por seus ministros em cada Ce- Sacrifício de Cristo. Por outro aspecto – não menos
lebração Eucarística.
Embora seja incerto o momento
O crucifixo ressalta dotado de beleza e profundidade –,
as velas simbolizam nossa fé, nossa
em que tal uso se tornou oficial em esta união entre esperança e nosso amor, virtudes que
todo o orbe, já no século V alguns ri- conduzem à luz de glória da Igreja
tos orientais o adotaram. No Ociden- a Santa Missa Celeste, “que não tem mais necessi-
te, porém, o costume é mais tardio: dade de Sol nem de Lua que a ilumi-
apenas por volta do século XI tor-
e o Holocausto nem, porque a glória de Deus a ilu-
nou-se comum nas igrejas de Rito do Calvário mina, e o seu luzeiro é o Cordeiro”
Latino. A presença desse ornamento (Ap 21, 23).

Dezembro 2020 · Arautos do Evangelho      37


Lúcio Cesar Rodrigues
João Paulo Rodrigues

João Paulo Rodrigues


Flores e castiçais ornando o altar-mor, a capela de Adoração ao Santíssimo Sacramento e o Monumento
da Quinta-Feira Santa da Basílica de Nossa Senhora do Rosário, Caieiras (SP)

Quanto à sua história, sabemos Nada surge na Igreja


que apenas “na primeira metade do As velas simbolizam de modo artificial
século XI, se começa a depositar os Ao analisar esses aspectos da
candelabros sobre o altar”.7 Antes se nossa fé, esperança história da Liturgia pudemos cons-
costumava deixá-los em terra, dian-
te deste.
e amor. Os cristãos tatar com edificação como a Igreja,
Corpo Místico de Cristo, foi lenta-

Singelo símbolo das glórias


oferecem rosas e mente – ou melhor, solenemente –
crescendo e se fortalecendo em es-
do Deus Crucificado lírios, simbolizando pírito (cf. Lc 1, 80) ao longo dos sé-
Bela pela variedade, delicadeza e culos.
simplicidade, também a natureza ve-
a alegria e “o bom Nada nesta instituição sagrada
getal glorifica o Redentor com seus odor das virtudes” surgiu de maneira artificial. Cada
deslumbrantes coloridos e suaves um de seus costumes, adornos, ri-
perfumes. tos ou cerimônias possui uma histó-
Seguindo uma “antiquíssima tra- De outra parte, a Igreja encon- ria riquíssima, transcendente e, por
dição da Igreja”,8 os cristãos ofere- trou nas pétalas de rosa um “símbolo vezes, até emocionante, e o altar não
cem rosas e lírios para enfeitar os expressivo das línguas de fogo e dos poderia ser uma exceção! Afinal, ele
altares, simbolizando a alegria e “o dons do Espírito Santo”,10 razão pela constitui uma espécie de porta que
bom odor das virtudes, das quais o qual a Solenidade de Pentecostes é se abre, na terra, para o Céu, pois
Divino Redentor, representado pelo chamada na Itália de Pasqua Rosa- sobre ele, a cada dia, Deus desce do
altar, é o dispensador”.9 ta – Páscoa das Rosas. E nas regiões Paraíso a fim de conviver com os ho-
Sendo costume dos antigos ornar mais setentrionais, onde não havia mens.
os túmulos dos falecidos com flores, palmas para celebrar o Domingo de Assim, os objetos que circundam
tal praxe foi piamente transportada Ramos, as flores tomavam seu lugar imediatamente ao altar são os ador-
para o interior das igrejas, cujos alta- para glorificar a realeza de nosso Sal- nos que o próprio Deus escolheu
res serviam de custódias para as relí- vador e exaltá-Lo como Triunfador para rodeá-Lo quando Ele Se apre-
quias dos mártires. por todos os séculos. senta diante de seus filhos. ²

1
PIO XII. Mediator Dei: DH Grafiche, 1945, v.I, p.225, logía Litúrgica. 3.ed. Bilbao: 6
Idem, ibidem.
3855. nota 2. Desclée de Brouwer, 1999, 7
RIGHETTI, op. cit., p.542.
p.193-194.
2
BARIN, Luigi Rodolfo. Cate- 3
RIGHETTI, Mario. Manuale 8
Idem, p.544.
chismo liturgico: Corso com- di Storia Liturgica. 3.ed. Mila- 5
JAKOB, Georg. Die Kunst im
pleto di Scienza Liturgica. Li- no: Àncora, 2005, v.I, p.532. dienste der Kirche. Ein Han-
9
BARIN, op. cit., p.229.
turgia fondamentale. 9.ed. Ro- dbuch für freunde der kirchli- 10
RIGHETTI, op. cit., p.545.
4
RATZINGER, Joseph. La
vigo: Istituto Padano di Arti chen Kunst. 5.ed. Landshut: J.
fiesta de la fe: ensayo de Teo-
Thomann, 1901, p.189.

38      Arautos do Evangelho · Dezembro 2020


Espectadora da História,
palco de dores e glórias
Sou inseparável da Igreja, sirvo de abrigo para
preciosos objetos, ouço magníficas confidências,
colaboro na promoção de solenes cerimônias…

Sergio Hollmann
Permita-me contar, eu mesma, a minha história.
Fábio Henrique Resende Costa

Q uando Jesus Se ofereceu Atravessando os séculos


aos seus numa ceia, na
Porém, antes de estar edificada por
Quando minhas paredes começa- completo, ele morreu. Muitos séculos
Quinta-Feira Santa, e os ram a aparecer, Constantino já ha- depois, um arquiteto chamado Violle-
habitantes do Céu baixa- via dado liberdade de culto aos ca- t-le-Duc,2 reconhecendo o quanto sou
ram à terra para assistir, estupefa- tólicos. Minhas janelas, inicialmente necessária, restaurou-me ao meu an-
tos, à instituição do Sacramento da pequenas, com o passar dos séculos tigo esplendor. Um contemporâneo
Eucaristia, penhor da Ressurreição, acabaram sendo marcadas por arte seu, Augustus Pugin,3 concebeu-me
eu ainda não existia, embora esti- mais angélica que humana. Tornei- revestida de adereços. Mas também
vesse sendo gestada no coração das -me esbelta. Tinha chegado à minha eles eram mortais e passaram. Eu, po-
Santas Mulheres que acompanha- juventude e era muito bela. rém, permaneço.
vam o Mestre (cf. Lc 23, 48-56). Neste período histórico, Dom Outros falecidos servem-me de
Alguns Apóstolos – poucos – de Maurice De Sully1 sonhou-me inseri- pavimento. Sob meus pés estão se-
mim tiveram certo vislumbre (cf. Lc da num conjunto de beleza perfeita. pultados homens virtuosos que lu-
22, 8-12). Um deles, o traidor, taram por Deus no anonima-
sem dúvida me acharia desne- to, tornando-se tão gloriosos
Sergio Hollmann

cessária, receoso talvez de que no Céu quanto da glória es-


onerasse a bolsa comum, pois tiveram afastados neste mun-
normalmente os bens terrenos do. Hoje, eles me contemplam
que se aproximam das realida- sorrindo da eternidade. Mas
des celestes custam muito. En- ali jazem também persona-
tretanto, mais do que moedas, gens famosos aos quais, em-
exigem eles pertinácia e sofri- bora tivessem sido brilhantes
mento para serem edificados. aos olhos dos homens, a justi-
Simultaneamente à expan- ça divina reservou uma sorte
são do Cristianismo, ainda na diversa.
solidão e no silêncio tão pró- Pude, por vezes, assistir a
prios a toda obra radicada em concílios,4 testemunhar acor-
sólidos fundamentos, eu fin- dos e juramentos, ouvir confi-
cava minhas estacas em terre- dências de almas desejosas de
no firme: na alma de homens Quando Jesus Se ofereceu aos seus numa ceia... perfeição, presenciar conver-
santos, desejosos de decoro e eu ainda não existia... sões, registrar colóquios entre
cheios de amor pela Missa, já homens desta terra e Bem-A-
Santas Mulheres - Basílica Notre-Dame de
muito conhecida no vasto Im- l’Épine (França); no alto da página, claustro venturados do Céu. Inúmeros
pério Romano, onde nasci. do Convento de Santo Estêvão, Salamanca (Espanha) são aqueles que e­ ncontraram

Dezembro 2020 · Arautos do Evangelho      39


em mim um prenúncio da Pátria Ce- Nesse ínterim, todos se calam, até
leste… eu mesma. Só posso contemplar o
Fui útil ao longo dos séculos a oci- cortejo que desfila… Minha função
dentais e orientais, cujos costumes está cumprida, minha vocação, mais
muito diferem, e a todos fui provei- uma vez, brilha.
tosa. Tenho sido, efetivamente, uma
atenta espectadora da História.
Partícipe de uma promessa
divina
Testemunha das intenções De certo, sou palco de dores e gló-
dos corações rias.
Mas, infelizmente, quando mi- Ao longo dos séculos – tantas ve-
nhas paredes de sólida alvenaria es- zes implacáveis em sepultar bele-

Stephen Nami
tavam já recamadas de broquéis, pin- zas – fui sendo visitada, contempla-
turas e finas decorações, comecei a da e aperfeiçoada por varões que as-
notar em meu interior, a contragos- sinalaram a História da Igreja: Am-
to, certos cochichos, desavenças e, brósio, Bispo de Milão; Gregório, o
helás, conspirações. Aqueles que as- Quando meu sino toca, brados de Papa Magno; Bernardo, abade de
sim agiam queriam desfigurar a fisio- alerta e súplica são lançados Claraval, São Pio V, São Pio X e tan-
nomia de minha senhora e escolhe- Sino da sacristia da Basílica de Nossa tos outros.
ram, não sei por quê, minhas depen- Senhora do Rosário, Caieiras (SP) Mas hoje tenho sido menos fre-
dências para isso. quentada, e por isso confidencio mi-
Embora indignada por abrigar es- os provê de todo o necessário. Os que nha solidão.
tranhos em meu recinto sagrado, só estarão junto ao Soberano Anfitrião O isolamento, porém, não me
pude manter o silêncio, à espera de vêm-me ao encontro, anelando parti- entristece. Nos momentos de silên-
alguém que limpasse a poeira que cipar de sua dignidade e honra. cio, posso recordar-me de um fato
aviltava minha formosura e a pátina Após estarem devidamente traja- evangélico que minhas paredes re-
que obstruía a luz de meus olhos, os dos, os convivas formam-se para re- tratam, meus vitrais fazem luzir, o
vitrais. zar uma oração, pois devem preparar som do meu sino não deixa de lem-
Enquanto isso sucedia, preferi ad- dignamente o espírito para exerce- brar e meus utensílios não se es-
mirar os tesouros que fui i­ncumbida rem seu alto ministério. Todos, nesse quecem de rememorar: “Tu és Pe-
de custodiar. Os óleos que detenho momento, fazem convergir seus olha- dro, e sobre esta pedra edificarei
são santos: ungiram desde agonizan- res para o meu ponto monárquico, a a minha Igreja; as portas do infer-
tes desconhecidos até reis e Papas. cruz. Com efeito, eu ostento o Cru- no não prevalecerão contra ela”
As roupas que guardo são um bál- cificado para recordar que a nobre- (Mt 16, 18).
samo para as vistas, além de ornato za de meu recinto é fruto de um Re- Sempre acreditei nas divinas pa-
para o corpo. Meu íntimo está forra- dentor. lavras dirigidas por Jesus ao Doce
do do brilho precioso dos vasos sa- Além disso, uma de minhas pa- Cristo na terra. Sendo parte da Igre-
grados. Em virtude dessas riquezas redes sustenta um instrumento que ja, participo de algum modo dessa
sou tão afamada. atrai os Anjos e com o qual anun- promessa de imortalidade. Enquan-
cio, diariamente, o acontecimento to as portas do inferno não prevale-
Preparando o acontecimento mais augusto do orbe: quando meu cerem sobre Ela – e isto jamais acon-
mais augusto do orbe sino toca, brados de alerta e súpli- tecerá – estarei do seu lado.
Contudo, minha faina é diária: ca são lançados pela Igreja Militan- Sou perene como a Igreja, fico
sou eu quem recebe os convidados te à Igreja Gloriosa. É a Missa que sempre junto a Ela, a Ela pertenço e
mais importantes para o Banquete e vai começar. sirvo. Meu nome é: sacristia! ²

1
Dom Maurice de Sully (1120- moso pela restauração da edifício do Parlamento Inglês em minhas dependências, na
1196). Bispo de Paris que ini- Catedral de Notre-Dame e numerosas igrejas, seguin- Basílica Fausti, no qual estive-
ciou a construção da Catedral de Paris e outros edifícios do um estilo neogótico bem rem presentes duzentos e de-
de Notre-Dame. medievais. característico. zessete Bispos (cf. RIGHET-
TI, Mario. Historia de la Litur-
2
Eugène Viollet-le-Duc (1814- 3
Augustus Welby Northmore 4
Por exemplo, o Concílio de
gia. 2.ed. Madrid: BAC, 1955,
1879). Arquiteto francês, fa- Pugin (1812-1852). Projetou o Cartago, realizado no ano 419
v.I, p.442).

40      Arautos do Evangelho · Dezembro 2020


Gustavo Kralj

Sergio Hollmann
Basílica de São Pedro Convento de Santo Estêvão, Salamanca (Espanha)
Thiago Tamura

Francisco Lecaros

Basílica de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, Cotia (SP) Mosteiro de San Millán de la Cogolla (Espanha)
Gustavo Kralj

Gustavo Kralj

Convento de São Francisco, Salvador (BA) Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Salvador (BA)

O isolamento, porém, não me entristece. Nos momentos de silêncio, posso recordar-me


de um fato evangélico que minhas paredes retratam: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja…”

Dezembro 2020 · Arautos do Evangelho      41


Fotos: José Ribeiro e Matheus Defanti
Nova Friburgo – No dia 13 de outubro, a Missa em ação de graças pelo segundo aniversário da dedicação do Oratório Nossa
Senhora de Fátima, anexo à casa dos Arautos, foi presidida por Dom Luiz Antônio Lopes Ricci, Bispo Diocesano, e concelebrada
por sacerdotes diocesanos e da Sociedade Clerical Virgo Flos Carmeli.

Fotos: Jurandir Gurgel da Silva


São Paulo – Membros do Apostolado do Oratório “Maria Rainha dos Corações” angariaram centenas de cestas
básicas e outros mantimentos, a fim de beneficiar entidades de caridade e pastorais sociais. Nas fotos, entrega
feita no dia 8 de outubro na Paróquia de Nossa Senhora da Consolata, Zona Norte de São Paulo.
Rodrigo Siqueira

Victor Lucena

Pernambuco – Cestas básicas destinadas a pessoas carentes foram entregues pelos Arautos na Paróquia de
Nossa Senhora da Conceição, em Recife (esquerda), e na Cúria Diocesana de Caruaru, onde os missionários foram
recebidos pelo Bispo Diocesano, Dom José Ruy Gonçalves Lopes, OFMCap (direita).

42      Arautos do Evangelho · Dezembro 2020


Fotos: Ignacio Dorta
Espanha – Membros da orquestra de metais dos Arautos do Evangelho foram convidados pela Arquidiocese de
Toledo a solenizar a reinauguração da Torre da Catedral, recentemente restaurada. À esquerda, o Arcebispo, Dom
Francisco Cerro Chaves assiste ao concerto acompanhado pela prefeita e outras autoridades.
Gonzalo Jiménez

Stefany Stüepp

Fernando Eras
Equador – As restrições motivadas pela COVID-19 não impediram os Arautos de realizarem atividades evangelizadoras.
Nas fotos, o Pe. Fabián Ricaurte conduz o Santíssimo Sacramento durante uma Adoração Eucarística, em Quito; irmãs missionárias
visitam lares, também em Quito; e Pe. Marlon Jiménez abençoa um prédio em construção, em Cuenca.

Fotos: Eric Salas Varela

Espanha – Em 17 de outubro, um grupo de devotos de Jaén viajou até Camarenilla para fazer a solene consagração
a Jesus pelas mãos da Santíssima Virgem na Casa dos Arautos do Evangelho (esquerda). E, no dia 13, outro grupo
realizou o mesmo ato de entrega marial na Paróquia de Santo Antônio Maria Claret, em Cartagena.

Dezembro 2020 · Arautos do Evangelho      43


caristia. Foi esta certeza que a con- em substituição ao caráter vocacio-
duziu à decisão de ingressar na via nal das escolas, que eliminaria gra-
religiosa. dativamente os símbolos católicos e
a celebração de Missas nos colégios.
Edições históricas de Outra medida do governo irlan-
“L’Osservatore” estão dês que tem causado grande preocu-
disponíveis online pação entre os fiéis são as novas res-
Desde o dia 4 de novembro, a co- trições aprovadas no dia 22 de outu-
leção completa de L’Osservatore ­della bro para combater a segunda onda
Domenica, revista que surgiu em de pandemia, que proíbem totalmen-
1934 e acompanhou a edição sema- te a celebração de Missas públicas.
Convento dominicano dos EUA nal da O L’Osservatore Romano até A pena prevista em caso de infração
tem aumento de vocações o ano 2007, está disponível gratuita- dessas normas inclui a possibilidade
De acordo com informações vei- mente no site do jornal do Vaticano. de multa e até mesmo prisão do sa-
culadas pela Agência Gaudium São cerca de sessenta mil as pági- cerdote celebrante.
Press, alguns países têm registrado nas disponibilizadas online, em for-
um significativo aumento no número mato PDF e com possibilidade de
Salesianos inauguram museu
de vocações religiosas durante a pan- buscas, na página www.osservato-
dedicado a Dom Bosco
demia. Exemplo disso é o conven- reromano.va. Nelas estão contidos No dia 4 de novembro foi inaugu-
to das Irmãs Dominicanas de Ma- mais de setenta anos de história da rado no bairro de Valdocco, em Tu-
ria, Mãe da Eucaristia, em Ann Ar- Igreja e do mundo. rim, o Museu Casa Dom Bosco, a
bor (Michigan), onde foram aceitas fim de que os peregrinos possam co-
dezoito novas postulantes que deci-
Irlanda: crescem as dificuldades nhecer melhor a história do local em
diram abandonar tudo para estarem
para praticar a Fé que surgiu o primeiro Oratório por
mais próximas de Nosso Senhor Eu- A revista irlandesa The Irish Ti- ele fundado, aproveitando um prédio
carístico. mes publicou recentemente uma ma- preexistente: a Casa Pinardi.
“A maior parte do meu discerni- téria em que afirma possuir um do- À inauguração estavam presentes
mento ocorreu durante a pandemia”, cumento governamental, ainda não o Reitor-Mor, Padre Ángel Fernán-
declarou uma das jovens, natural de publicado, contendo uma série de dez Artime; a Superiora-Geral das
Phoenix. Outra postulante oriunda normas referentes ao ensino católi- Filhas de Maria Auxiliadora, Yvon-
de Nova York afirma que o fato de co no país. ne Reungoat, o Padre Pascual Chá-
não ter tido acesso aos Sacramentos Segundo esse artigo, tal documen- vez, nono sucessor de Dom Bosco,
durante a quarentena a fez perceber to descreve os passos necessários além de responsáveis pelas obras ar-
que sua vida estava inteiramente vol- para a implementação de um chama- quitetônicas da congregação e em-
tada para a Missa e a Adoração à Eu- do “espírito multi-denominacional”, baixadores dos países latino-ameri-

44      Arautos do Evangelho · Dezembro 2020


Furiosas profanações no Chile
M anifestações ocorridas no dia 18 de outubro em
Santiago do Chile desembocaram em violentos ata-
ques contra duas históricas igrejas localizadas no centro da
capital: a de São Francisco de Borja e a da Assunção.
Indivíduos encapuzados invadiram os templos e, após
saquearem o seu interior e destruírem várias imagens,
atearam-lhes fogo. A Igreja da Assunção, uma das mais
antigas da capital chilena, teve a agulha que rematava sua
fachada completamente consumida pelo incêndio. Urros
de alegria se ouviram entre os revoltosos quando ela caiu
ao pavimento envolta em chamas.
Nas redes sociais circulam abundantes imagens dos
autores do crime vangloriando-se de seus feitos. Nas
paredes da Igreja de São Francisco de Borja foram es-
critos ditos blasfemos, como, por exemplo, “morte ao
Nazareno”. Também pode-se ver em vídeos publicados
pelos próprios profanadores o momento em que uma
imagem de Nossa Senhora é derrubada do alto da fa-
chada principal.
Houve ainda, no dia seguinte, uma tentativa de incen-
diar a igreja de São Francisco, na cidade de La Serena. Os
criminosos quebraram portas, picharam paredes e amon-
toaram os bancos da igreja para atear-lhes fogo, mas fo- Capturas de tela de um vídeo difundido pela EWTN
ram impedidos por membros dos Carabineiros. mostrando o ataque à Igreja da Assunção

canos com presença salesiana, como go de todo o mês de outubro, a reci- i­ magem da Virgem Maria queimada,
o Brasil. tação do “Rosário Missionário Na- o sacrário aberto e as partículas con-
Precedeu a cerimônia inaugu- cional”. sagradas espalhadas pelo chão.
ral uma solene Celebração Eucarís- A campanha, que foi apoiada por Quatro dias depois, ladrões rou-
tica na Basílica de Maria Auxiliado- todos os Bispos do país e divulgada baram um dos sacrários da Paró-
ra, muito próxima do local. Durante a nas redes sociais, convidava os fiéis quia da Virgem do Mar, em Madri,
mesma, o Padre Ángel Fernández Ar- a se reunirem em suas comunida- e arrobaram a outro, subtraindo as-
time recordou que pelos corredores des, paróquias, associações e famí- sim as hóstias consagradas que ha-
da Casa Pinardi “passaram onze pes- lias para rezar em conjunto a oração via em ambos. No dia seguinte, 26
soas que a Igreja reconhece como ve- mariana. de outubro, criminosos invadiram a
neráveis, beatos ou santos. Isto signi- Igreja de São Wolfgang em Bischof-
fica que Valdocco foi uma escola de
Continuam os atos -Wittmann-Straée, na Alemanha, e
humanidade e santidade, e queremos
sacrílegos e profanações fizeram desaparecer as relíquias do
transmitir esta herança ao mundo”. Seguem multiplicando-se os atos santo, muito bem protegidas por um
sacrílegos e profanações de igrejas vidro blindado. E, em 6 de novembro,
Católicos da Indonésia se ao redor do mundo. Exemplo disto desordeiros sujaram com tinta ver-
reúnem para rezar o terço foi o ocorrido na Igreja de San José melha um crucifixo venerado na Ca-
Por iniciativa da Direção Nacio- de los Arroyos, no Paraguai, onde, na pela de Nossa Senhora de Luján, na
nal das Obras Missionárias Pontifí- manhã do dia 21 de outubro, os pa- localidade argentina de El Bolsón, e
cias (OMP) foi promovida em trinta roquianos se depararam com sinais marcaram com o símbolo anarquista
e sete dioceses da Indonésia, ao lon- de um possível ritual satânico: uma outra imagem de Nosso Senhor.

Dezembro 2020 · Arautos do Evangelho      45


História para crianças... ou adultos cheios de Fé?

Corações inocentes…
como o meu!

Felipe queria atender ao desejo de seu Amigo.


Mas nevava, e sua mãe não deixou que ele
saísse de casa… O que fazer?

Ir. Ana Belén Espínola Gravo, EP

E nfrentavam uma tempes-


tade tremenda, com on-
das enormes e muito vio-
lentas. O mastro princi-
pal balançava de um lado ao outro
e Joãozinho, junto com o Felipe, já
mos uma coisa diferente: ir brincar
no jardim da catedral de Nossa Se-
nhora Auxiliadora? Lá há muitas ár-
vores e pinheiros para esconder-se,
sem contar o gramado lindíssimo…
João entusiasmou-se com a ideia:
suja e abandonada, talvez por loca-
lizar-se um tanto longe da catedral;
então, vendo alguns ramos de árvo-
res caídos no chão, procurou utilizá-
-los para limpá-la, retirando as teias
de aranha, os bichinhos e as traças.
não conseguiam segurar as cordas — Ótimo, Mateus! Peça autoriza- — João! Eu te achei!
das velas. ção para sua mãe, e nós também fala- Felipe estava pronto para voltar à
Parecia que o navio fosse afun- remos com as nossas. base, mas quando viu que seu amigo
dar, mas quando tudo estava defini- Depois do almoço os três meninos não fez caso, perguntou-lhe o que es-
tivamente perdido ouviu-se de den- saíram correndo para o jardim da ca- tava fazendo.
tro da casa uma bondosa voz: tedral, levando cordas, bolas e uma — Veja só, Felipe: ela está toda
— Mateus! O almoço está pron- sacola de doces dados por Da. Mada- suja e esquecida! Estou tentando lim-
to… Chama teus amiguinhos…! lena, a mãe do Felipe. pá-la.
— Mamãe está nos chamando… Chegando lá, decidiram brincar — Mas o que esta imagem está fa-
E acho que precisamos também re- de esconde-esconde. Enquanto Fe- zendo aqui no meio das…
cuperar as forças – disse Mateus, pe- lipe contava até dez, os outros dois — João, Felipe! Onde estão vo-
nalizado. correram para longe. Mateus en- cês? Já acabou o jogo?
— Justo quando a brincadeira es- trou no meio dos pinheiros e Joãozi- Era Mateus, que parecia estar um
tava chegando ao seu auge! – acres- nho entre as árvores e arbustos. De- pouco angustiado.
centou João, levantando-se. pois de ter-se afastado bastante, este — Mateus! Vem! Encontramos
— Mas, João, não crês necessário último viu ao longe um vulto branco uma linda imagem de Nossa Senho-
comermos alguma coisa depois de que parecia ser uma imagem de Nos- ra, porém está muito suja.
tamanho combate? Já faz duas ho- sa Senhora. Aproximando-se, reco- — Ufa! Que alívio… Pensei que
ras que foi o lanche e… nheceu a figura de Maria Auxiliado- tivessem se esquecido de mim e ido
— E você sempre está com fome, ra: Ela portava ao colo o Menino Je- embora. – Enquanto assim falava,
Felipe. sus, que tinha os bracinhos abertos. Mateus aproximou-se da imagem –
— O que acham – interrompeu No entanto, o pequeno João per- Nossa! De fato, ela é muito bonita,
Mateus – de depois do almoço fazer- cebeu que a imagem estava muito e o Menino Jesus…

46      Arautos do Evangelho · Dezembro 2020


— Parece estar muito triste – — Muito obrigado por terem- dido do divino Amigo. Assim, de
completou Joãozinho. – Será por- -Me convidado para brincar com modo infalível, as crianças iam dia-
que ninguém brinca com Ele? Já vocês! Fazia tempo que ninguém riamente até aquele jardim e, uma
sei: vamos convidá-Lo a participar vinha Nos visitar. vez por semana, limpavam a ima-
dos nossos jogos. — Mas… Mas… Será um so- gem milagrosa.
— Mas Ele não pode sair do colo nho?! O Menino Jesus falando e No entanto, o inverno chegou e
de Nossa Senhora… querendo brincar conosco? Nunca tudo se cobriu de neve. A mãe de
— É só pedir autorização para pensei que Nossa Senhora levaria Felipe, com receio de que ele pe-
Ela, Felipe! Vamos rezar uma Ave- tão a sério o nosso pedido! gasse um resfriado, não permitiu
-Maria e ver o que acontece. Ave- — Sim, Felipe – respondeu sor- que fosse até a catedral para “brin-
-Maria… rindo o Menino Deus –, tudo o que car”. Entristecido, o menino não
Nesse momento, a imagem do pedirdes à minha Mãe, Ela vo-lo sabia o que fazer…
Divino Infante tomou vida! E dan- concederá. Basta ter fé. Antes de dormir, Felipe ajoe-
do um pulo, olhou para os três me- — Ele sabe meu nome… – sus- lhou-se diante de uma imagem de
ninos, que ficaram impressionados surrou Felipe no ouvido de Mateus. Nossa Senhora e rezou a Ave-Ma-
e muito surpresos, e lhes dirigiu es- — Podeis contar-nos porque es- ria. Deitou-se e, enquanto esperava
tas palavras: tavas com a fisionomia triste? – in- chegar o sono, tentava explicar ao
dagou Joãozinho. seu Amigo o que tinha acontecido e
— Dias e dias sozinho, sem al- por que não tinha ido visitá-Lo.
guém com quem brincar ou conver- Então, a porta se abriu discreta-
sar, esquecido e posto de lado pelos mente e deixou passar um Menino
que cuidam do santuário, cheio de muito pequenino. Ele subiu sobre a
bichos e teias de aranha: eis a mi- cama de Felipe e disse:
nha tristeza! E abraçar todos aque- — Você não pôde ir Me visitar,
les que vêm rezar aos pés de minha então Eu vim visitá-lo!
Mãe, eis o meu desejo. E, reclinando sua cabecinha so-
— É por isso que vossos peque- bre o coração de Felipe, continuou:
nos braços estão abertos dessa for- — O coração de um menino obe-
ma? diente é o meu repouso, e a com-
— Sim. panhia daqueles que Me amam é a
— Então podemos vos dar um minha alegria! ²
abraço?! – perguntou entusiasmado
o pequeno Mateus.
— E depois quereis brincar de
bola conosco? – acrescentou Feli-
pe, contentíssimo.
— Mas é claro, meus amigos:

Ilustrações: Lucília Bernadete Guarany


Eu fico contente quando encontro
corações inocentes, como o meu!
Gostaria que vocês viessem todos
os dias para rezar uma Ave-Maria
à minha Mãe, e Eu mesmo estarei
esperando para lhes dar um abra-
ço. Desejo mostrar aos homens as
torrentes de bondade que trans-
bordam deste pequenino e humil-
de Coração.
Os meninos nunca mais esque-
ceram daquele dia extraordinário
em que tinham brincado e convi-
Aproximando-se, reconheceram vido com Deus! Além do mais, não Uma vez por semana, as crianças
a figura de Maria Auxiliadora puderam deixar de atender o pe- limpavam a imagem milagrosa

Dezembro 2020 · Arautos do Evangelho      47


Os Santos de cada dia  ________
1. Beato João Beche, presbítero e zes. Foi submetida aos mais terrí- 11. São Dâmaso I, Papa (†384
mártir (†1539). Abade do mosteiro veis tormentos. Roma).
beneditino de Colchester, Ingla- Beato Jerônimo Ranuzzi, pres-
5. Beato Bartolomeu Fanti, presbí-
terra, condenado à morte durante bítero (†c. 1468). Tornou-se sacer-
tero (†1495). Sacerdote carmeli-
o reinado de Henrique VIII. dote na Ordem dos Servos de Ma-
ta que pregava pela palavra e pelo
ria e foi professor em várias casas
2. Santo Habacuc. Profeta do Antigo exemplo o amor à Eucaristia e a
de estudos dos servitas, na Itália.
Testamento que, diante da iniqui- devoção a Maria.
dade e da violência dos homens, 12. Nossa Senhora de Guadalupe,
6. II Domingo do Advento.
prenunciou o juízo de Deus, mas Padroeira da América Latina.
São Nicolau, Bispo (†séc. IV
também a sua misericórdia. São Finiano, abade (†549).
Mira - Turquia).
Fundou vários mosteiros na Irlan-
3. São Francisco Xavier, presbítero Beata Luísa Maria Cañizares,
da, entre os quais o de Clonard,
(†1552 Sanchoão - China). virgem e mártir (†1936). Catedrá-
onde faleceu.
São Birino, Bispo (†c. 650). tica da Universidade de Valência
Enviado como missionário junto (Espanha), foi presa numa checa 13. III Domingo do Advento.
aos anglos pelo Papa Honório I, por ter dado testemunho de sua Fé. Santa Luzia, virgem e mártir
logrou a conversão do Rei Cine- Após duas semanas de maus tratos, (†c. 304/305 Siracusa - Itália).
gilso e fixou sua sede episcopal arrancaram-lhe os olhos e seciona- São Pedro Cho Hwa-so e cinco
em Dorchester. ram-lhe a língua antes de fuzilá-la. companheiros, mártires (†1866).
7. Santo Ambrósio, Bispo e Doutor Leigos torturados e decapitados
4. São João Damasceno, presbítero durante a perseguição na Coreia.
da Igreja (†397 Milão - Itália).
e Doutor da Igreja (†c. 749 Mar
Santa Maria Josefa Rossello, 14. São João da Cruz, presbítero e
Saba - Israel).
virgem (†1880). Fundou em Savo- Doutor da Igreja (†1591 Úbeda -
Santa Bárbara, virgem e már- na, Itália, o Instituto das Filhas de
tir (†séc. III). Oriunda da Nico- Espanha).
Nossa Senhora da Misericórdia. São Venâncio Fortunato,
média, atual Izmit (Turquia), seu
pai enfureceu-se quando ela se 8. Imaculada Conceição de Nossa Bispo (†d. 600). Bispo de Poitiers,
tornou cristã e entregou-a aos juí- Senhora. França, compôs hinos à Santa
Beato João Minami Gorozae- Cruz de Nosso Senhor Jesus
mon, mártir (†1603). Pai de famí- Cristo e escreveu as gestas de
lia morto em Kumamoto, Japão, muitos Santos.
por recusar a ordem do governa- 15. Beato Marino, abade (†1170).
dor de renunciar a Fé. Promoveu o esplendor da Litur-
9. São João Diego Cuauhtlatoatzin gia na abadia beneditina de Cava
(†1548 Cidade do México). dei Tirreni, Itália, e foi admirável
São Cipriano, abade (†séc. VI). na fidelidade ao Papa.
Viveu no mosteiro de Genouil- 16. Beato Filipe Siphong Onphitak,
lac, próximo a Périgueux, na atual mártir (†1940). Pai de família e
França, onde dedicou-se com es- catequista fuzilado durante a per-
mero ao cuidado dos enfermos. seguição na Tailândia.
10. Santa Joana Francisca de 17. São Cristóvão de Collesano, mon-
Chantal, religiosa (†1641
Francisco Lecaros

ge (†séc. X). Grande propulsor da


Moulins, França) vida monástica no sul da Itália.
Santa Eulália de Mérida, vir-
gem e mártir (†c.304). Tendo 18. São Malaquias, profeta. Após o
apenas doze anos, não duvidou desterro da Babilônia, anunciou o
São Pedro Canísio - Igreja do Espírito em entregar sua vida por amor a grande dia do Senhor e a sua vin-
Santo, Salamanca (Espanha) Deus em Mérida, Espanha. da ao Templo.

48      Arautos do Evangelho · Dezembro 2020


__________________ Dezembro
19. Beatas Maria Eva da Providên- 24. Santa Paula Isabel Cerioli, viú-
cia e Maria Marta de Jesus, vir- va (†1865). Após o falecimen-
gens e mártires (†1942). Religio- to do marido e dos filhos, fun-
sas da Congregação das Irmãs da dou as Irmãs da Sagrada Família
Imaculada Conceição, fuziladas de Bérgamo, e a Congregação
em Slonim, Polônia. religiosa masculina da Sagrada
Família.
20. IV Domingo do Advento.
Santo Ursicino de Jura 25. Natal de Nosso Senhor Jesus
(†c. 620). Monge irlandês, discí- Cristo.
pulo de São Columbano, estabe- Beato Miguel Nakashima,
leceu-se como eremita numa gru- mártir (†1628). Religioso jesuíta e
ta ao pé do Monte Jura, perto de catequista japonês que alcançou
Genebra, na Suíça, atraindo mui- a coroa do martírio sendo mergu-

Francisco Lecaros
tos discípulos. lhado em água fervente.

21. São Pedro Canísio, presbítero e 26. Santo Estêvão, diácono e


Doutor da Igreja (†1597 Fribur- protomártir.
go - Suíça). Santo Eutímio, Bispo e mártir
Beato Domingos Spadafora, (†824). Condenado ao exílio pelo
Santa Eulália de Mérida
presbítero (†1521). Nascido de fa- imperador bizantino Miguel II Catedral de Oviedo (Espanha)
mília ilustre e abastada da Sicília, por defender o culto às imagens
fez-se dominicano em Palermo. sagradas, foi flagelado até morrer
Trabalhou diligentemente no mi- em Sardes, atual Turquia. 29. São Tomás Becket, Bispo e már-
nistério da pregação. tir (†1170 Cantuária - Inglaterra).
27. Festa da Sagrada Família de São Marcelo, abade (†c. 480).
22. Santa Francisca Xavier Jesus, Maria e José. Abade do Mosteiro dos Aceme-
Cabrini, virgem (†1917). São João, Apóstolo e tas de Constantinopla, onde dia
Fundadora do Instituto das Evangelista. e noite os monges cantavam sem
Irmãs Missionárias do Sagrado Beato Alfredo Parte, presbí- cessar o Ofício Divino, divididos
Coração de Jesus. De origem tero e mártir (†1936). Religio- em vários coros.
italiana, faleceu nos Estados so da Ordem dos Clérigos Regu-
Unidos, país onde se dedicou lares das Escolas Pias, fuzilado 30. Beata Margarida Colonna, vir-
com exímia caridade ao cuidado em Santander, durante a Guerra gem (†1280). Jovem de família
dos imigrantes. ­Civil Espanhola. principesca, distribuiu sua grande
fortuna entre os pobres e fundou
23. São João Câncio, presbítero 28. Santos Inocentes, mártires. um mosteiro de clarissas em Pales-
(†1473 Cracóvia - Polônia). Beata Matias Nazzaréni, vir- trina, Itália, onde se dedicou à ora-
Beato Nicolau Factor, presbí- gem (†c. 1326). Pertencente a ção, penitência e contemplação.
tero (†1583). Sacerdote francisca- uma família nobre de Matélica,
no que, abrasado de amor a Deus, Itália, aos 18 anos fugiu de casa 31. São Silvestre I, Papa (†335 Roma).
foi várias vezes arrebatado em êx- e ingressou no convento de San- São João Francisco Régis, pres-
tase. Faleceu em Valência, Espa- ta Maria Madalena, do qual foi bítero (†1640). Jesuíta francês, in-
nha, aos 63 anos. abadessa. cansável pregador de missões.

Os Santos do dia, na internet


Acompanhe Os Santos de cada dia em nosso website introduzindo o
QR-Code anexo no seu celular. Ali encontrará uma listas de Santos em
destaque, artigos relacionados e uma galeria de fotos diferente a cada dia

Dezembro 2020 · Arautos do Evangelho      49


Um doce cheio

O brilhante resultado da experiência tornou-a uma


Alena Chavedoni

tradição. Da Alemanha as bengalinhas se espalharam


por toda a Europa, convertendo-se num dos mais
simbólicos ornatos do Natal.

C om cânticos, cores, luzes, en-


feites e iguarias, em dezem-
bro se comemora a festivida-
de mais esperada de todo o
ano! E ainda que os meses anteriores
crianças… Evidentemente isso atra-
palhava a apresentação e, a fim de
solucionar o problema, o regente
mandou um doceiro preparar pali-
tinhos de açúcar para mantê-las en-
Feita a distribuição obteve-se
que, finalmente, as cantatas fossem
bem-sucedidas! O brilhante resulta-
do da experiência tornou-a uma tra-
dição. Da Alemanha as bengalinhas
tenham transcorrido sem muita devo- tretidas durante o concerto. se espalharam por toda a Euro-
ção ou fé, graças especiais batem às No entanto, distribuir doces numa pa, sendo entregues durante as pe-
portas das casas, desde a mais humil- ocasião tão piedosa – e ainda mais ças teatrais natalinas. Assim, elas se
de até a mais abastada. Em todas as dentro da igreja – precisava de uma converteram num dos mais simbóli-
famílias se celebra o Nascimento do justificação. Então, ordenou-se que cos ornatos desse período litúrgico.
Menino Deus! fossem feitos em formato de benga- Novas explicações surgiram para
Durante as comemorações, em al- las, aludindo aos pastores que visita- vincular mais essas bengalinhas ao
guns países, um detalhe não pode fal- ram a Jesus Infante. Pediu-se também nascimento do Redentor: alguns con-
tar: o candy cane – a bengala doce. para serem preparados na cor branca, sideraram sua doçura uma lembrança
Simples e bela, essa peculiar gulosei- no intuito de simbolizar através dela o de que somos alimentados e conforta-
ma tem servido de encantador enfei- parto virginal de Maria. dos com as palavras do Santo Evange-
te para as festividades natalinas, ale-
grando com sua presença adultos e
crianças.
Tradição iniciada no século XVII,
ela nasceu como a solução encontra-
da pelo mestre de capela da Catedral
de Colônia para evitar os ruídos das
crianças durante os concertos nata-
linos. A cada ano, uma apresenta-
ção de músicas em louvor ao Recém-
-Nascido era ali preparada com es-
mero germânico. A cuidadosa es-
colha das melodias, a variedade dos
instrumentos, a afinação primorosa
Javier Pérez Beltrán

fazia daquelas homenagens um mo-


mento ansiosamente esperado.
Éric Salas

Contudo, a impecável execução


musical entremeava-se sempre com
os choros, brincadeiras e gritos das

50      Arautos do Evangelho · Dezembro 2020


de simbolismo

Gustavo Kralj
Ir. Letícia Gonçalves de Sousa, EP

lho; outros compararam seu formato porém, crê serem elas uma recorda- tou nas mentes piedosas, fazendo-as
à primeira letra do Nome de Jesus, o ção do Preciosíssimo Sangue derra- elevar-se de uma realidade material,
Bom Pastor. Outros ainda afirmaram mado por amor aos homens. simples e corriqueira aos páramos da
ser a solidez do palitinho de açúcar O sabor de hortelã que o doce ad- vida sobrenatural.
símbolo de Cristo, rocha firme para os quiriu tempos mais tarde evoca o aro- E nós, neste caótico século XXI,
fiéis e pedra de escândalo para aque- ma do hissopo, arbusto cujas ramas quando uma espécie de “viseira”
les que O rejeitam. E, por não falta- eram usadas no Antigo Testamento espiritual parece impedir os ho-
rem razões, havia também quem iden- para aspergir com sangue o povo. Por mens de contemplar o que há de
tificasse tal rijeza com a força da San- estar ligada à ideia de sacrifício e puri- mais alto, saberemos elevar o nosso
ta Igreja Católica. ficação, a presença desta planta no sa- espírito para o verdadeiro signifi-
A bengalinha tradicional é percor- bor das bengalinhas lembra que Nos- cado do Natal? Sirvamo-nos dos ri-
rida por três listras vermelhas, núme- so Senhor J­esus Cristo nos lavou do quíssimos simbolismos que cercam
ro que remete à Santíssima Trindade. pecado e nos santificou pelos méritos as comemorações do nascimento
Algumas pessoas atribuem sua cor de sua Paixão e Morte na Cruz. de Cristo para elevar nossos cora-
rubra aos sofrimentos dos cristãos Essas são algumas das diversas ções, preparando-os para sua vin-
unidos aos do Redentor. A maioria, analogias que o candy cane desper- da. ²

Associa-se o formato
do “candy cane”
ao nome de Jesus,
o Bom Pastor;
relaciona-se a cor
rubra de suas listras
com o Preciosíssimo
Sangue do Redentor
Da esquerda para a
direita: Detalhe do
presépio do Santuário
do Senhor São José -
João Paulo Rodrigues Chaves

Cidade da Guatemala;
Menino Jesus com a
Cruz - Basílica Real de
Santo Isidro, Madri;
Francisco Lecaros

Presépio da Casa de
Formação Thabor,
Caieiras (SP); Menino
Jesus Bom Pastor -
Igreja do Santo Anjo,
Córdoba (Espanha)

Dezembro 2020 · Arautos do Evangelho      51


Menino Jesus de São José
“el Parlero” - Convento da
Encarnação, Ávila (Espanha)

E
le ainda não falava, mas era o Conselheiro admirável;
não caminhava, mas era o Deus forte, que movia o
Timothy Ring

universo; apresentando-Se indefenso ante os homens,


era o Filho do Padre Eterno, o Príncipe que estabeleceria a
paz no mundo.

Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP

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