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CPI da Pandemia: estratégia de

fragilizar Bolsonaro começa a perder


força
A oposição aposta que a comissão pode enfraquecer o
presidente a ponto de inviabilizar sua reeleição em
2022. A história mostra que não será tão fácil assim
Por Rafael Moraes Moura Atualizado em 11 jun 2021, 10h58 - Publicado em 11
jun 2021, 06h00

O SHOW VAI COMEÇAR - CPI da Pandemia: a estratégia de fragilizar a imagem do governo começa a
perder força - Edilson Rodrigues/Agência Senado

Em 2005, o deputado federal Jair Bolsonaro, então um típico representante do


chamado baixo clero da Câmara, foi a uma sessão da CPI do Mensalão
disposto a constranger o depoente. O ex-presidente do PT José Genoino havia
sido convocado a falar sobre sua participação no escândalo de corrupção. De
surpresa, o ex-capitão adentrou a comissão acompanhado do coronel Lício
Augusto Maciel, que, na década 70, atuou no combate à guerrilha do Araguaia
e foi um dos responsáveis pela prisão do petista, então militante do Partido
Comunista do Brasil (PCdoB). Bolsonaro foi acusado de tentar intimidar o
depoente, ao colocá-lo frente a frente com um de seus algozes. Na época, a
oposição recorreu a expedientes como esse para fragilizar a imagem do
governo, desgastar quanto fosse possível o presidente Lula, cravando nele a
estaca da corrupção, o que, acreditava, seria suficiente para inviabilizar a
reeleição. Deu tudo errado.

Com personagens em posições invertidas, a oposição na CPI da Pandemia está


apostando na mesma estratégia de duas décadas atrás. Em 2005, Lula viu
seus assessores trilharem o caminho da cadeia, sua base política ser fulminada
e a popularidade bater no fundo do poço. A crise atingiu tal ponto que aliados
chegaram a discutir a possibilidade de o presidente renunciar ao mandato.
Menos de um ano depois, porém, o cenário mudou completamente.
Impulsionado principalmente pelo bom desempenho da economia, o petista
sangrou em praça pública como previa a oposição, mas se recuperou a tempo
de vencer a eleição e ainda eleger e reeleger seu sucessor, possibilitando ao
PT permanecer treze anos consecutivos no poder. A estratégia, portanto, foi
um grande fiasco. “Algumas pessoas achavam que o desgaste do Lula poderia
gerar a derrota eleitoral, mas indicadores sociais e a economia estavam bons e
o momento internacional era mais favorável”, lembra o deputado Gustavo Fruet
(PDT-PR), que participou ativamente da investigação do mensalão.

CORRUPÇÃO - CPI dos Correios: a mesma tática não impediu a reeleição de Lula – Lula
Marques/Folhapress/.

A bancada de oposição ao governo Bolsonaro acredita que o cenário hoje é


completamente diferente. A tese é a seguinte: ao contrário do que aconteceu
no passado, o bombardeio nas redes sociais deve perenizar a narrativa de que
a omissão do governo custou milhares de vidas. Independentemente do que
aconteça de agora em diante, Bolsonaro não conseguiria se livrar da pecha de
responsável pelo agravamento da maior crise sanitária que o país já viveu,
deixando um rastro de mais de meio milhão de mortos, o que seria letal a seus
planos eleitorais. “A corrupção do PT provocou a indignação de setores da
sociedade, mas a pandemia atinge a vida de todos”, diz Fruet.

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Desde que foi criada, a CPI da Pandemia se tornou uma vitrine para expor erros
e trapalhadas do governo Bolsonaro no combate ao coronavírus. Na prática, é
a disputa eleitoral de 2022 que dita os trabalhos da comissão. Com apenas um
mês e meio de atividade e dominada pela oposição, as linhas gerais da
narrativa já estão devidamente traçadas sob algumas premissas (todas
verdadeiras): o governo federal foi negligente ao não priorizar a compra de
vacinas, foi irresponsável ao defender o uso de medicamentos sem eficácia
comprovada, foi incompetente ao delegar decisões a um suposto “gabinete
paralelo” e foi criminoso ao difundir declarações contra medidas de
distanciamento social e uso de máscaras. A questão é o efeito disso na cabeça
do eleitor em 2022.

ÍCONE - A cena antológica que marcou o governo petista: propina nas estatais – ./Reprodução

Pelo lado do governo, o discurso de imunização já está preparado. “A comissão


é escandalosamente parcial. Serve apenas como palanque político antecipado.
Já escolheu quem é culpado e quem é inocente, o que faz derreter sua
credibilidade junto à opinião pública”, avalia o senador Eduardo Girão
(Podemos-CE), integrante da base governista. Outro fiel escudeiro do Planalto,
o senador Marcos Rogério (DEM-RO) acrescenta: “Eles não querem investigar
fatos, querem apenas colocar o carimbo de culpado no peito do presidente da
República”. Na tentativa de estender o sangramento do governo, a CPI pode
funcionar até agosto ou ser prorrogada por mais noventa dias. É dado como
certo, porém, que, antes disso, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) deve
apresentar um relatório apontando Bolsonaro como responsável, entre outras
coisas, por crime contra a humanidade. “É da essência de uma CPI ser um
movimento político para constranger o presidente de plantão. Não há nada de
errado nisso”, diz o cientista político Carlos Pereira, da Escola Brasileira de
Administração Pública e de Empresas.

Na terça-feira 8, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, prestou seu segundo


depoimento à comissão. Depois de dez horas de interrogatório, além dos bate-
bocas e das trocas de acusações de praxe, não surgiu uma mísera informação
que esclarecesse alguma coisa que já não se soubesse. Os oposicionistas
comemoraram. “Esses depoimentos revelam que foi assassinato, que o
governo patrocinou uma estratégia de disseminação da Covid”, disse a
senadora Simone Tebet (MDB-MS). Para o cientista político Paulo Kramer, é
muito cedo para se falar que a crise sanitária terá um peso político decisivo nas
eleições de 2022. “Quando nós estivermos mais próximos da saída da
pandemia, com boa parte da população vacinada e a vida voltando ao normal,
qual será a memória da Covid-19 na opinião pública?”, indaga Kramer, que
ajudou a formular o programa de governo do então candidato Jair Bolsonaro
em 2018. É a resposta a essa pergunta que vai mostrar se a oposição acertou
ao apostar que a pandemia manterá o presidente da República enfraquecido
até outubro do ano que vem ou se incorreu no mesmo erro de avaliação do
passado.

Publicado em VEJA de 16 de junho de 2021, edição nº 2742

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