Você está na página 1de 52

Número 234

Junho 2021

Mártir de heroica
inocência
Conheça a Fé Católica
com os
Arautos do Evangelho
Com uma única assinatura você terá acesso a
mais de 20 cursos dinâmicos, 100% online que
podem ser acessados de qualquer plataforma,
desde sua Smart Tv até o seu aparelho celular!

Catequese para
Cursos Online de

Crianças

Qual é a
m posso melh
oração? or
Deus Eu també nto O que fazer para
A Mãe de ser Sa
agradar a Deus?

Acesse já
e inscreva-se!
www.reconquista.arautos.org
Ano XX, nº 234, Junho 2021
SumáriO
Escrevem os leitores ���������������������������������������� 4 Santa Germana Cousin –
“A Santa que precisávamos”
ISSN 1982-3193
Revista de cultura Inocência e
e inspiração católica heroísmo da virtude (Editorial) . . . . . . . . . . . . 5 ...................... 30
publicada por:
O “Poema à Virgem”: lavra
Associação Brasileira A voz dos Papas –
Arautos do Evangelho de ouro do Apóstolo do
Divino sinal de salvação Brasil
CNPJ: 03.988.329/0001-09
www.arautos.org.br ...................... 34
........................ 6
Amparo, proteção e
Diretor Responsável:
Mario Luiz Valerio Kühl segurança
Comentário ao Evangelho –
“Basta ter fé!”
Conselho de Redação: ...................... 38
Severiano Antonio de Oliveira;
Silvia Gabriela Panez;
........................ 8 Arautos no mundo
Marcos Aurelio Chacaliaza C.
Escondido nas brumas da
Administração História… um rei mártir! ...................... 42
Rua Diogo de Brito, 41
Aconteceu na Igreja e
02460-110 - São Paulo - SP
admrevista@arautos.org.br
...................... 18 no mundo

Assinatura e Consenso ou convicção? ...................... 44


atendimento ao assinante:
História para crianças... –
(11) 2971-9050
(nos dias úteis, de 8 às 17:00h) ...................... 22 Entre estrelas e pedras…

Assinatura e Participação
...................... 46
Assinante (anual): .............. R$ 204,00 únicos Nossa Senhora do
Santíssimo Sacramento Os Santos de
Participante (por tempo indeterminado):
cada dia
Colaborador.................... R$ 40,00 mensais
Benfeitor......................... R$ 50,00 mensais ...................... 24
Grande Benfeitor............ R$ 60,00 mensais ...................... 48
Exemplar avulso................ R$ 17,00
Meditações de um menino Desafiadores dos ares
Os artigos desta revista poderão ser sobre o Coração de Jesus
reproduzidos, desde que se indique a fonte
e se envie cópia à Redação. O conteúdo das
matérias assinadas é da responsabilidade
dos respectivos autores.
...................... 26 ...................... 50

MISTO Revista Arautos do Evangelho online


Tenha acesso ao conteúdo
da revista diretamente
Impressão e acabamento: de seu celular.
Plural Indústria Gráfica Ltda.
Av. Marcos Penteado de Ulhoa Rodrigues, 700 Acesse: revistacatolica.com.br
06543-001 - Santana de Parnaíba - SP
E screvem os leitores

pelas reflexões sobre temas espiri- Clareza e verdade


tuais, convívio cristão, simples obser-
Agradeço por seus escritos na Re-
vação do dia a dia ou de realidades
vista, tão úteis. Eles são muito edi-
de nosso mundo, como também de
ficantes. O artigo do Comentário
Teologia ou Filosofia.
ao Evangelho na edição de feverei-
A Fé Católica é militante Que mais se poderia pedir em ro passado, intitulado Os insondáveis
Lendo o artigo de março passado uma única publicação? Digo mais, planos divinos e os defectivos critérios
Garantia do triunfo da Santa Igreja, não como mero elogio, mas de todo humanos, foi muito útil para ajudar a
vemos como os cristãos de hoje, de- coração: hoje em dia, apesar de haver resolver a confusão de nossos dias e
pois de anos e anos de um trabalho tanta informação na internet e em trouxe esperanças.
consciente dos inimigos da Igreja, se publicações das mais variadas, não
Obrigada por sua clareza e por fa-
esqueceram do que significa viver a se encontra uma publicação tão com-
lar a verdade!
Fé Católica como um combate, como pleta. Completa e, ao mesmo tempo,
entretida de se ler. Anna Maria Di Ponio
um campo de batalha. As armas, das
Windsor – Canadá
quais fala São Paulo, foram depostas Peço à Santíssima Virgem que Ela
em prol de um pacifismo fastidioso lhes permita ver algum dia, como es- Luz que nos ilumina,
que corrompe tudo. tímulo a seu trabalho diário, todo o do começo ao fim
Lutar pela honra de Deus? Isto é apostolado que fazem. Muito obriga-
A revista Arautos do Evangelho,
de radicais talibãs, dizem agora. Tudo do por tudo. Continuem assim, nun-
quanto me ajuda em minha vida espi-
é paz, misericórdia e solidariedade. ca deixem de crescer e melhorar!
ritual! Cada comentário é mais entu-
Onde ficaram os mártires, dispostos Com toda a estima em Cristo.
siasmante, como também as cartas.
a morrer por Cristo? Onde, os Santos Francisco Javier Donoso Concordo com todas. Vale a pena ler
– muitos não canonizados – que luta- Pichidegua – Chile a Revista inteira, pois ela é uma luz
ram até dar a vida pela evangelização, que nos ilumina, do começo ao fim.
chamada agora proselitismo? Apenas uma intervenção Que a Virgem de Fátima os abençoe.
O inimigo conseguiu fazer os fiéis divina poderá mudar
esse estado de coisas
Maria Valdenisse Oliveira Carvalho
acreditarem que “não há inimigo” e Simão Dias – SE
assim vai! Lutemos pela honra e gló- Com relação ao preclaro artigo
ria de Nosso Senhor e sua Santa Igreja. Queda de edifícios simbólicos: pre- Revista rica e catequética
Silvia Maria Manzanares Jugo núncio de novas eras?, da Revista de A revista Arautos do Evangelho
Via revistacatolica.org abril deste ano, muito me tocou a ci- faz parte da minha história de con-
tação de Daniel-Rops feita no texto, versão.
Publicação completa e segundo a qual “as crises que abalam Desde a fundação da Revista, dela
entretida de se ler as sociedades humanas começam tornara-me assinante, em meus vin-
Queridos amigos da revista Arau- sempre por serem crises espirituais: te anos de idade. As imagens, sempre
tos do Evangelho, se soubessem o os acontecimentos políticos e as con- cuidadosamente selecionadas para
apostolado que faz a sua Revista… vulsões sociais não fazem mais do nos levar a admirar o belo, remetem-
Asseguro-lhes que não conseguem que traduzir nos fatos um desequilí- -nos à beleza que é a morada celeste.
medi-lo em toda a sua extensão. brio cuja causa é mais profunda”. Tenho muito gosto em ler o Comen-
Somos muitos os que mensalmen- Realmente é de claridade solar tário ao Evangelho, sempre feito pelo
te, à distância – em meu caso, numa que tal está acontecendo com a nossa reverendíssimo Mons. João Scogna-
zona rural no sul do Chile –, nos sen- sociedade atual. Os acontecimentos miglio Clá Dias, fundador dos Arau-
timos sustentados quanto à forma- atuais mostram bem uma socieda- tos do Evangelho.
ção, mas também quanto ao entu- de mole e preocupada só com o bem- Que esplêndidos artigos, tão bem
siasmo e – por que não? – entreteni- -estar imediato. Acredito que apenas escritos e selecionados para nós, os
mento sadio. Sempre atual e variada, uma intervenção divina poderá mu- leitores desta tão rica e catequética
quer seja pelas palavras dos Papas, dar esse estado de coisas. Revista!
pelos Evangelhos comentados por Juliano Bongiovanni Passos Maria Aparecida Tavares Spagliare
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, São Paulo – SP Mauá – SP

4      Arautos do Evangelho · Junho 2021


Editorial
Inocência e
heroísmo da virtude

Q uando observamos uma criança entretida candidamente com um brinque-


do ou admirada ao contemplar as estrelas, logo sentimos tocar, no fundo de
nossa alma, alguns acordes de nossa inocência primaveril, que dissonam do
mundo cacofônico, prosaico e interesseiro no qual vivemos. Conforme afirma São
Tomás de Aquino, a reta atividade lúdica, tão comum na primeira idade, é, tal como a
Metafísica, essencialmente despretensiosa, contemplativa e isenta de interesses con-
cretos. A criança tem, por assim dizer, uma conaturalidade com o Céu.
Os pecados contra a castidade – a “virtude angélica” – são os que mais contras-
tam com essa inocência primeva. De fato, eles obliteram o foco da contemplação,
embotam a inteligência e corroem o verdadeiro amor. Entretanto, como a luxúria
incide em larga medida sobre os sentidos, ela possui uma veemente força de pene-
tração. Não por menos a Revolução se utiliza dela para, de modo meticuloso, cor-
romper a juventude. E que massacre de inocências temos testemunhado!
A impureza não é, porém, um pecado recente. A História narra, por exemplo,
como povos antigos pervertiam a infância das formas mais abomináveis, pratican-
do pecados que, conforme a Bíblia, clamam ao Céu por vingança. Ora, com a En-
Número
234
carnação, Nosso Senhor Jesus Cristo trouxe um novo paradigma de inocência, cujo
ponto supremo era Ele mesmo, Deus feito Menino num claustro virginal.
1
Junho 202

O Redentor não só protegeu os pequeninos, mas os atraiu particularmente para jun-


to de Si, alçando-os a modelo de perfeição: “Deixai vir a Mim as crianças. Não as proi-
bais, porque o Reino de Deus é dos que são como elas. Em verdade vos digo: quem não
receber o Reino de Deus como uma criança, não entrará nele” (Mc 10, 14-15). E foi
além, ao anatematizar aqueles que as escandalizam: “Seria melhor que lhe amarrassem
ica
de hero ao pescoço uma pedra de moinho e o lançassem no fundo do mar” (Mt 18, 6).
Mártir c ia
o c ê n
in Seguindo os passos do Divino Mestre, a Igreja também tem a missão de amparar
os mais vulneráveis, tutelar a vida desde a concepção, acolher os órfãos, instruir os
rudes, catequizar e batizar os povos pagãos e, claro, resguardar os inocentes do es-
Luís XVII, cândalo. Para isso, não basta a virtude da temperança, tão própria a moderar a con-
por Alexander cupiscência, mas faz-se igualmente necessária a virtude da fortaleza, cujo ato prin-
Kucharsky - cipal é resistir, ou seja, permanecer firme diante do perigo.
Palácio de Ao contrário do que certas visões superficiais indicam, a inocência está intrin-
Versailles (França) secamente ligada à combatividade, e disso são exemplo o adolescente Tarcísio, san-
Foto: Reprodução
to mártir da Eucaristia, os três pastorinhos de Fátima, que resistiram com bravura
às maquinações do poder civil, e do heroico exemplo de Luís XVII, narrado nestas
páginas. Com toda a propriedade exclamou Paul Claudel: “A juventude não foi fei-
ta para o prazer, mas sim para o heroísmo”!
Uma suposta inocência desprovida das armas da fortaleza é sentimento pueril,
incapaz de discernimento (cf. I Cor 14, 20); o combate sem inocência é temeridade,
pois estará desprovido das forças próprias a um coração puro.
Nesse panorama, pode-se afirmar que a Igreja tem, mais do que nunca, a obri-
gação de ser escudo que protege os inocentes e espada contra a malícia que tanto
os ameaça. ²

Junho 2021 · Arautos do Evangelho      5


A voz dos Papas

Divino sinal de salvação

A abundância dos males que assolam o mundo


exige que busquemos socorro junto ao Único que pode afastá-los.
No Sagrado Coração devemos depositar todas as nossas esperanças,
a Ele devemos rogar a salvação.

H
á cerca de vinte e cin- do Rei sobre Sião, seu monte santo. Isto, porém, não é tudo. Cris-
co anos – nas vésperas Disse-Me o Senhor: ‘Tu és meu Fi- to impera não só por direito natu-
da comemoração do se- lho, Eu hoje Te gerei. Pede-Me e Te ral, enquanto Filho de Deus, mas
gundo centenário do dia darei por herança todas as nações até também por direito adquirido. “Ele
em que a Bem-Aventurada Margari- os confins da terra’” (Sl 2, 6-8). nos arrancou do poder das trevas”
da Maria Alacoque recebeu de Deus Por estas palavras Jesus Cristo de- (Col 1, 13) e “entregou-Se como res-
a ordem de propagar a devoção ao Sa- clara que recebeu de Deus poder so- gate por todos” (I Tim 2, 6). Por isso
grado Coração – muitas cartas foram bre toda a Igreja, aqui representada não só os católicos e outros cristãos
enviadas a Pio IX, não só por particu- pelo Monte Sião, e sobre o resto do devidamente batizados, mas todos e
lares, mas também por Bispos, instan- mundo, “até os confins da terra”. As cada um dos homens, tornaram-se
do-o a consagrar todo o gênero huma- palavras “Tu és meu Filho” indicam para Ele “um povo adquirido” (I Pd
no ao Sacratíssimo Coração de Jesus. claramente o fundamento do sobera- 2, 9).
Julgou ele de bom alvitre diferir a no poder. Com efeito, pelo fato de ser Assim, comenta com toda razão
decisão, a fim de estudar mais deti- Filho do Rei do universo, Jesus é o Santo Agostinho: “Perguntais o que
damente o assunto. […] Agora, tendo herdeiro de todo o seu poder: “dar- Cristo comprou? Vede o que Ele deu
surgido novos fatores, consideramos -te-ei por herança todas as nações”. e sabereis o que comprou. O preço
que chegou a hora de pôr em execu- Palavras semelhantes diz o Apóstolo: de compra é o Sangue de Cristo. Que
ção tal projeto. “Ao qual constituiu herdeiro de to- objeto pode ter tal valor? Qual, a não
das as coisas” (Hb 1, 2). ser todas as nações? Foi pelo univer-
Supremo Senhor de Entretanto, deve-se tomar em so inteiro que Cristo pagou esse pre-
todas as coisas consideração sobretudo o que J­ esus ço”.1 […]
Esse geral e solene testemunho afirmou sobre seu império, não
de respeito e piedade convém cer- mais pelos Apóstolos ou pelos pro-
“Meu filho, dá-Me o teu coração”
tamente a Jesus Cristo, pois Ele é o fetas, mas por seus próprios lábios. Contudo, a esse duplo fundamento
Príncipe e Supremo Senhor. […] Quando o governador romano Lhe de seu poder e seu domínio, Jesus nos
Aquele que é o Filho Unigênito de perguntou “Portanto, és Rei?”, res- permite em sua benevolência acres-
Deus Pai, que é consubstancial a Ele, pondeu sem qualquer vacilação: “Tu centar nossa consagração voluntária.
“esplendor de sua glória e imagem de o dizes, Eu sou Rei” (Jo 18, 37). A Deus e Redentor nosso, Ele pos-
sua substância” (Hb 1, 3), possui ne- grandeza desse poder e a infinitu- sui plena e perfeitamente tudo quan-
cessariamente tudo em comum com de desse reinado são claramente to existe. Nós, ao contrário, somos tão
o Pai; portanto, tem o sumo império confirmadas pelas palavras de Nos- pobres e desprovidos que nada temos
sobre todas as coisas. Por esta razão so Senhor aos Apóstolos: “Todo po- para oferecer-Lhe de presente. Entre-
disse de Si mesmo o Filho de Deus, der Me foi dado no Céu e na terra” tanto, em sua bondade e caridade so-
por meio do profeta: “Fui constituí- (Mt 28, 18). […] beranas, Ele aceita de bom ­grado que

6      Arautos do Evangelho · Junho 2021


sível fosse, expulsar da terra o pró-
prio Deus.
Estando as mentes humanas do-
minadas por tão insolente orgulho, é
de se admirar que a maior parte dos
homens seja presa de profundas con-
turbações e sacudida por ondas que
não deixam ninguém livre de temo-
res e perigos?
Quando se põe de lado a Religião,
acontece fatalmente que os mais só-
lidos fundamentos do bem-estar pú-
blico se desmoronam. Para dar a seus
inimigos o merecido castigo, Deus os
entrega às suas más tendências; eles
então se afundam nas paixões e se
exaurem numa excessiva libertinagem.

Em nenhum outro nome


acha-se a salvação
Daí procede a abundância dos ma-
les que desde longo tempo assolam
o mundo e nos obrigam a pedir so-
Dario Iallorenzi

corro ao Único que pode afastá-los.


Ora, quem é esse senão Jesus Cristo,
Filho Unigênito de Deus? “Debaixo
do céu nenhum outro nome foi dado
Sagrado Coração de Jesus - Basílica de Nossa Senhora aos homens, pelo qual devamos ser
de Luján (Argentina) salvos” (At 4, 12). Cumpre, pois, re-
correr a Ele que é o Caminho, a Ver-
Lhe ofereçamos e consagremos, como dade e a Vida. […]
se fosse nosso, aquilo que de fato Lhe Ele não só aceita Quando a Igreja, ainda em seus
pertence. Não só aceita tal oferta, mas tempos primevos, estava oprimida sob
a deseja e a pede: “Meu filho, dá-Me o que Lhe consagremos o jugo dos césares, um jovem impera-
teu coração”.
Podemos, pois, ser-Lhe inteiramen-
o que, de fato, já dor avistou no céu uma Cruz que lhe
anunciava e preparava uma esplêndida
te agradáveis pela nossa boa vontade e Lhe pertence, mas e próxima vitória. Hoje se apresenta a
pelo afeto de nossa alma. Consagran- nossos olhos outro sinal excelso e divi-
do-nos a Ele, reconhecemos e aceita- o deseja e pede: no: o Sagrado Coração de Jesus, arre-
mos aberta e alegremente seu poder e, matado pela Cruz e resplandecente de
ademais, testemunhamos que, se fosse
“Meu filho, dá-Me magnífico fulgor em meio às chamas.
nosso o que Lhe damos, nós Lho da- o teu coração” N’Ele devemos depositar todas as
ríamos de todo o coração. […] nossas esperanças, a Ele devemos ro-
gar e d’Ele devemos esperar a salva-
Motivo de esperança Nos últimos tempos […] a auto- ção dos homens. ²
para as nações ridade da jurisdição sagrada e di-
Uma tal consagração acarreta in- vina tem sido absolutamente des- Excertos de: LEÃO XIII.
clusive para os Estados a esperança considerada, com o objetivo de Annum Sacrum, 25/5/1899 –
de uma melhor situação; pois este ato que a Religião não possua função Tradução: Arautos do Evangelho
de piedade pode estabelecer ou re- alguma na vida pública. Esta atitu-
forçar os vínculos que unem natural- de chega ao ponto de querer extin- 1
SANTO AGOSTINHO. Enarrationes in
mente as coisas públicas a Deus. guir no povo a Fé cristã e, se pos- Psalmos. Psalmo 95, n.5.

Junho 2021 · Arautos do Evangelho      7


Nosso Senhor ressuscita a filha
de Jairo - Catedral de
Le Mans (França)

s
aro
Lec
co
cis
n
Fra
a  Evangelho  A
Naquele tempo, 21 Jesus atraves- Uma numerosa multidão O se- eu ao menos tocar na roupa
sou de novo, numa barca, para a guia e O comprimia. d’Ele, ficarei curada”. 29  A he-
outra margem. Uma numerosa 25 
Ora, achava-se ali uma mu- morragia parou imediatamen-
multidão se reuniu junto d’Ele, lher que, há doze anos, esta- te, e a mulher sentiu dentro de
e Jesus ficou na praia. 22  Apro- va com uma hemorragia; 26  ti- si que estava curada da doença.
ximou-se, então, um dos che- nha sofrido nas mãos de muitos 30 
Jesus logo percebeu que uma
fes da sinagoga, chamado Jairo. médicos, gastou tudo o que pos- força tinha saído d’Ele. E, vol-
Quando viu Jesus, caiu a seus suía, e, em vez de melhorar, tando-Se no meio da multidão,
pés, 23  e pediu com insistência: piorava cada vez mais. 27  Ten- perguntou: “Quem tocou na
“Minha filhinha está nas últi- do ouvido falar de Jesus, apro- minha roupa?” 31  Os discípulos
mas. Vem e põe as mãos sobre ximou-se d’Ele por detrás, no disseram: “Estás vendo a mul-
ela, para que ela sare e viva!” meio da multidão, e tocou na tidão que Te comprime e ainda
24 
Jesus então o acompanhou. sua roupa. 28  Ela pensava: “Se perguntas: ‘Quem Me tocou?’”

8      Arautos do Evangelho · Junho 2021


Comentário ao Evangelho – XIII Domingo do Tempo Comum

“Basta ter fé!”

Ao operar a milagrosa cura da hemorroíssa e a


ressurreição da filha de Jairo, Jesus ensina que as
grandes graças são concedidas aos que têm mais fé.

Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP

I – O relato de São Marcos culos recolhidos pela Liturgia deste 13º Domingo
O Evangelista São Marcos se distingue pela do Tempo Comum, tais características não o im-
singeleza de suas descrições. Parco em comentá- pedem de traçar com extrema vivacidade e elo-
rios, de linguagem direta e pouco dado a recur- quência os maravilhosos feitos de Jesus, surpreen-
sos literários, ele desenvolve a narração num es- dendo-nos pela riqueza de detalhes que tornam
tilo conciso, como já tivemos ocasião de obser- as cenas verdadeiramente arrebatadoras. Qua-
var em artigos anteriores. Entretanto, nos versí- se poderíamos julgar desnecessária qualquer ou-

32 
Ele, porém, olhava ao redor notícia e disse ao chefe da sina- saíssem, menos o pai e a mãe
para ver quem havia feito aqui- goga: “Não tenhas medo. Bas- da menina, e os três discípulos
lo. 33 A mulher, cheia de medo e ta ter fé!” 37  E não deixou que que O acompanhavam. Depois
tremendo, percebendo o que lhe ninguém O acompanhasse, a entraram no quarto onde esta-
havia acontecido, veio e caiu aos não ser Pedro, Tiago e seu ir- va a criança. 41  Jesus pegou na
pés de Jesus, e contou-Lhe toda mão João. 38  Quando chega- mão da menina e disse: “Talitá
a verdade. 34  Ele lhe disse: “Fi- ram à casa do chefe da sina- cum” – que quer dizer: “Meni-
lha, a tua fé te curou. Vai em goga, Jesus viu a confusão e na, levanta-te!” 42 Ela levantou-
paz e fica curada dessa doença”. como estavam chorando e gri- -se imediatamente e começou a
35 
Ele estava ainda falan- tando. 39  Então, Ele entrou e andar, pois tinha doze anos. E
do, quando chegaram alguns disse: “Por que essa confusão e todos ficaram admirados. 43 Ele
da casa do chefe da sinagoga, esse choro? A criança não mor- recomendou com insistência
e disseram a Jairo: “Tua filha reu, mas está dormindo”. 40 Co- que ninguém ficasse sabendo
morreu. Por que ainda incomo- meçaram então a caçoar d’Ele. daquilo. E mandou dar de co-
dar o Mestre?” 36 Jesus ouviu a Mas, Ele mandou que todos mer à menina (Mc 5, 21-43).

Junho 2021 · Arautos do Evangelho      9


tra apreciação, mas a profundidade da Palavra de consentido, os animais se lançaram na água em
Deus sempre permite ressaltar alguns aspectos seguida, e se afogaram. Depois de recomendar
capazes de tocar nossas almas. ao homem exorcizado que voltasse para junto
Como pressuposto, é importante considerar- dos seus e proclamasse tudo o que o Senhor fi-
mos que esta passagem põe em relevo a huma- zera por ele (cf. Mc 5, 19), o Mestre empreendeu
nidade de Nosso Senhor Jesus Cristo. Enquan- a travessia do Mar da Galileia. Antes de atingir
to nos escritos de São João transparece a sua ní- a outra margem, a notícia de sua chegada já se
tida preocupação de salientar os lados divinos do havia espalhado, pois, naquela época, apesar de
Salvador, sem perder de vista os humanos, nos de quase só existir comunicação oral, as novidades
São Marcos notamos a intenção harmonicamen- corriam como um corisco. Ao descer da barca, a
te oposta. Sabemos que o primeiro compôs seu praia encontrava-se repleta de gente desejosa de
Evangelho impelido pelo combate às heresias vê-Lo e abeberar-se nas suas doutrinas.
gnósticas de seu tempo. O que terá movido este
discípulo de São Pedro a trilhar o caminho inver-
Um chefe de sinagoga alheio aos
Enquanto so? Analisemos o texto sagrado.
preconceitos farisaicos
nos escritos Aproximou-se, então, um dos che-
22 

II – Harmonia entre a fes da sinagoga, chamado Jairo. Quando


de São João divindade e a humanidade na viu Jesus, caiu a seus pés, 23 e pediu com
transparece Pessoa de Jesus Cristo insistência: “Minha filhinha está nas
Naquele tempo, 21 Jesus atravessou de últimas. Vem e põe as mãos sobre ela,
a sua nítida para que ela sare e viva!” 24 Jesus então o
novo, numa barca, para a outra mar-
preocupação gem. Uma numerosa multidão se reu- acompanhou. Uma numerosa multidão
niu junto d’Ele, e Jesus ficou na praia. O seguia e O comprimia.
de salientar os
Cristo acabava de expulsar uma Legião de de- Para estar à altura do cargo de chefe da sina-
lados divinos mônios do possesso de Gerasa (cf. Mc 5, 1-16), goga, Jairo certamente possuía títulos e boa posi-
do Salvador, numa extraordinária manifestação de poder. ção social. Mas ele, ciente de que os seus conhe-
Um deles, porta-voz dos espíritos impuros, supli- cimentos nada significavam perto da sabedoria
nos de cou que não fossem mandados embora daquela de Nosso Senhor, por quem nutria autêntica ad-
região, e que Jesus lhes ordenasse entrar numa miração, foi em busca de Jesus para impetrar a
São Marcos vara de porcos que por ali pastava. Tendo-o Ele cura de sua filha, que agonizava. Ao vê-Lo, pros-
notamos a
intenção
harmonica-
mente oposta
Francisco Lecaros

Pregação de Jesus no Lago de Tiberíades, por Joseph Alfred Ballet du Poisat


Museu Municipal de Bourg-en-Bresse (França)

10      Arautos do Evangelho · Junho 2021


trou-se diante d’Ele – o que era prova de comple-
ta submissão – e, reconhecendo sua força e seu
poder, rogou que impusesse as mãos sobre a me-
nina. Era este o costume dos sacerdotes ao re-
zarem pelos doentes, também adotado por Jesus
em diversas oportunidades (cf. Mc 6, 5; 8, 23.25;
etc.). Considerando sua fé, Nosso Senhor quis
atendê-lo.
Enquanto Se dirigia à casa de Jairo, o Divino
Médico era seguido pela multidão que “O com-
primia”, pois todos ansiavam por aproximar-se
d’Ele, escutar suas palavras ou fazer algum pe-
dido.

Uma mulher que perdia a vida aos poucos


25 
Ora, achava-se ali uma mulher que, há
doze anos, estava com uma hemorragia; A hemorroíssa
26 
tinha sofrido nas mãos de muitos mé-
dicos, gastou tudo o que possuía, e, em
havia batido
vez de melhorar, piorava cada vez mais. a todas as
portas sem
O sangue é sinal de vida e, como é natural,
perdê-lo de maneira progressiva significa defi- nenhum
Francisco Lecaros

nhar. Embora esta enferma tivesse empregado


todos os seus bens em numerosos tratamentos, resultado, e
os médicos não conseguiram obter a cura preten-
dida, levando-a à ruína. Ela havia batido a todas
bem podemos
as portas sem nenhum resultado, e bem podemos A cura da hemorroíssa - Museu de Belas Artes, imaginar os
imaginar os padecimentos a que não terá sido Sevilha (Espanha)
submetida em consequência dos escassos recur- padecimentos
sos daquele tempo! Mas, apesar dos insucessos, lher de fé robusta pensou consigo: “Eis a solu-
continuava animada e com a esperança acesa. ção!”, e se propôs a encostar a mão no manto do
a que não
Fé e constância para obter a cura
Divino Redentor, convicta de que tão só isto re- terá sido
solveria seu problema. Ela poderia julgar que
Tendo ouvido falar de Jesus, aproxi-
27 
uma súplica à distância já seria suficiente; sem submetida
mou-se d’Ele por detrás, no meio da embargo, a fé infundida por Deus em sua alma
multidão, e tocou na sua roupa. 28 Ela indicava que a graça estava condicionada ao ges-
to de “tocar na roupa d’Ele”. Deste modo ficaria
pensava: “Se eu ao menos tocar na rou- patente que a saúde viera de Nosso Senhor, sem
pa d’Ele, ficarei curada”. 29 A hemorra- dar margem à suspeita de que fora obtida pela
gia parou imediatamente, e a mulher intervenção de um Anjo ou de qualquer o ­ utro
sentiu dentro de si que estava curada da ­fator.
doença. Ora, a pobre senhora tinha pânico de se apre-
sentar diante do Messias, não só por timidez,
Este versículo denota a grande fama de Jesus como também por saber que as circunstâncias
entre o povo, a ponto de se divulgar que bastava eram desfavoráveis a externar o seu pedido, dado
tocar na veste d’Ele ou ser coberto por sua som- que esta doença a tornava legalmente impura
bra para ficar são. Era, sem dúvida, uma glória (cf. Lv 15, 25). Lembremo-nos de que as mulhe-
impressionante! res, naquela época, e em particular entre os is-
Estimulada pelas repercussões que lhe ha- raelitas, eram relegadas a um plano inferior no
viam chegado acerca de Nosso Senhor, esta mu- âmbito social e seria inapropriado uma filha do

Junho 2021 · Arautos do Evangelho      11


povo eleito tomar uma atitude como a da cana- transmitir uma noção clara do lado humano de
neia (cf. Mc 7, 24-30; Mt 15, 21-28) – pagã, alheia Nosso Senhor, depois de ter tornado patente sua
aos costumes judaicos –, que se aproximou d’Ele divindade pelo instantâneo da cura.
gritando dramaticamente para implorar ajuda. Embora pudesse deixar partir a mulher, quis
Mas a fé impelia a enferma. Assim, ainda que Ele ainda perguntar quem O tocara, para avi-
comprimida pela multidão, foi aos poucos che- var a atenção dos Apóstolos e convidar a mu-
gando mais perto até notar, quiçá após várias lher a dar testemunho, como afirma São Jerôni-
tentativas, uma brecha pela qual estendeu o bra- mo: “Por acaso o Senhor não sabia quem O ha-
ço e conseguiu tocar na orla do manto de Jesus. via tocado? Por que, então, a procurava? Claro
E logo ficou curada. que sabia, mas desejava que ela mesma o mani-
Esta passagem nos ensina como, por vezes, festasse. […] Se não tivesse formulado a pergun-
para obtermos uma graça especial devemos per- ta […], ninguém teria se dado conta de que havia
severar ante as dificuldades, suportando empur- feito um milagre. […] Por tal razão faz a pergun-
rões, desprezos e até rejeições. ta, para que aquela mulher O reconheça publica-
mente e Deus seja glorificado”.1 O Homem-Deus
Pergunta humana, com intenção divina assim demonstrava que Ele operara a cura, evi-
Jesus logo percebeu que uma força ti-
30 
tando que o demônio inculcasse na miraculada a
Nosso Senhor nha saído d’Ele. E, voltando-Se no ideia de que fora uma mera coincidência ou fruto
meio da multidão, perguntou: “Quem de uma força psicológica, como sustentam os ra-
condicionava cionalistas ao analisar tais fatos.
tocou na minha roupa?” 31 Os discípulos
a realização disseram: “Estás vendo a multidão que A fé e o amor conquistam a vida divina
do milagre Te comprime e ainda perguntas: ‘Quem A mulher, cheia de medo e tremen-
33 

Me tocou?’” 32 Ele, porém, olhava ao re- do, percebendo o que lhe havia aconte-
à fé – às dor para ver quem havia feito aquilo. cido, veio e caiu aos pés de Jesus, e con-
vezes sólida, À primeira vista causa certa estranheza a ex-
tou-Lhe toda a verdade. 34 Ele lhe disse:
outras vezes pressão utilizada por São Marcos: “percebeu “Filha, a tua fé te curou. Vai
que uma força tinha saído d’Ele”. De fato, em paz e fica cura-
apoucada por seu conhecimento divino, infalí- da dessa doença”.
vel e sempre presente, Je-
– que sus tudo abarcava. Como Em lugar de sair
encontrava explicar que percebes- às pressas para esca-
se algo que não podia par de uma situação
nas almas ignorar? Em sua hu- embaraçosa, a mu-
manidade, pelo co- lher preferiu acusar-
nhecimento expe- -se, talvez recean-
rimental, compro- do perder a saúde
vou aquilo que vira que acabara de
desde toda a eter- lhe ser restituí-
nidade, enquan- da, se não o fi-
to Deus. E o zesse. Por isso
E v a n g el i s - ajoelhou-se
ta sublinha diante de Je-
este deta- sus, tremendo,
lhe para mas confian-
Francisco Lecaros

te na misericór-
dia d’Ele, e con-
tou o que acontece-
ra. Conduta louvável,
que indica quanto era
A cura da hemorroíssa - Catedral de Notre-Dame de Coutances (França) uma pessoa humilde,

12      Arautos do Evangelho · Junho 2021


de consciência reta e até tenden- goga, e disseram a Jairo: “Tua
te ao escrúpulo, pois imagina- filha morreu. Por que ain-
va ter furtado algo a Nosso da incomodar o Mes-
Senhor e desejava devol-
tre?” 36 Jesus ouviu
vê-lo, sem que, todavia,
o benefício lhe fosse re-
a notícia e disse ao
tirado. chefe da sinagoga:
A resposta do Sal- “Não tenhas medo.
vador nos permite Basta ter fé!” 37 E
conjecturar que Ele não deixou que
a olhou com grande
ninguém O acom-
complacência e bon-
dade. Chama-a de
panhasse, a não
“filha”, o que signifi- ser Pedro, Tiago e
ca que ela passou a go- seu irmão João.

ros
ca
zar de sua natureza divi-

Le
co
na. Sim, naquele instan- É de se imaginar o cho-

cis
n
te ela teve tal enlevo e ad- que de Jairo perante a no-

Fra
miração pelo Filho de Deus, tícia do falecimento de sua fi- Muitas
até a adoração, que lhe foi in- lhinha, ainda mais por ser uma
fundida a graça santifi- época em que o senso fa-
vezes é pela
cante, porque, como ensi- Ressurreição da filha de Jairo – Igreja de miliar era muito mais in- crença de
na São Tomás de Aquino,2 Nossa Senhora da Consolação, Nova York tenso do que hoje e a pa-
quando a criatura racional ternidade se exercia de terceiros que
se ordena ao seu devido fim já está justificada. forma vigorosa. Como as providências para o en-
A vida sobrenatural penetra em quem se entu- terro já deviam ter sido tomadas, temendo que a se estabelece a
siasma e se encanta por algo superior, a ponto de
amá-lo mais que a si próprio. A este respeito co-
chegada de Jesus, acompanhado pela turba, pro-
vocasse um não pequeno tumulto em circunstân-
ligação entre
menta São João Crisóstomo: “Foi pela fé que ela cias tão trágicas, os empregados quiseram deter a onipotência
se tornou, de fato, sua filha”.3 Que glória ter re- o Mestre.
cebido este título dos lábios de Nosso Senhor Je- Contudo, Jesus, num desvelo próprio a ins- de Cristo e
sus Cristo! pirar os costumes do Ancien Régime, fortale-
Ao mesmo tempo, as palavras “a tua fé te ceu a confiança de Jairo. O conselho: “Não te-
a realização
curou” denotam que o restabelecimento tam- nhas medo, basta-te crer e tua filha se curará” – do milagre
bém se deu em razão desta virtude. É ela que nos segundo Santo Agostinho – “não é uma censu-
une a Deus e, por este motivo, quem a possui em ra a quem desconfia, mas uma confirmação para
grau excelente alcança uma força vinda do alto. quem acreditava mais intensamente”.5 A menina
É inegável que Jesus poderia curar unicamente estava morta! Suas articulações enrijeciam, seu
em função de sua vontade onipotente. No entan- cadáver ficava gélido, pronto para ser embalsa-
to, Ele condicionava a realização do milagre à mado, envolto em faixas e sepultado numa gru-
fé – às vezes sólida, outras vezes apoucada – que ta. Se a filha, portanto, já não tinha meios de pra-
encontrava nas almas.4 Onde esta não existia, de ticar um ato de fé, o pai o fazia, manifestando
ordinário Ele não operava milagre algum (cf. Mc sua fé ao apresentar o pedido ao Divino Mes-
6, 5). Não consta, por exemplo, que algum dos tre. É provável até que ao longo do caminho, na
fariseus que tenha se aproximado de Nosso Se- companhia de Cristo, ele tenha reafirmado em
nhor fosse curado… seu íntimo, com crescente fervor, a certeza da
ressurreição da filha. A fé do chefe da sinago-
Nosso Senhor estimula o pai aflito ga, assim como a dos três Apóstolos escolhidos
a crescer na confiança por Jesus para acompanhá-Lo, tornou sua inter-
venção inteiramente viável, pois muitas vezes é
35 
Ele estava ainda falando, quando che- pela crença de terceiros que se estabelece a li-
garam alguns da casa do chefe da sina- gação entre a onipotência de Cristo e a realiza-

Junho 2021 · Arautos do Evangelho      13


ção do milagre. Se Jairo houvesse pen- meira preocupação de Jesus foi acalmá-
sado que a morte da filha dispensa- -los, afirmando que a menina ape-
va a presença do Salvador, não te- nas dormia. Com efeito, a criança
ria alcançado o benefício da sua “estava morta para os homens,
ressurreição. que não podiam fazê-la vol-
Tal é a fé que devemos tar à vida, e estava adorme-
ter, sobretudo nos mo- cida para Deus, que po-
mentos mais difíceis de dia dispor de seu espíri-
nossa vida. Dada a im- to, o qual vivia em seu
portância desta virtu- seio, e de seu corpo, que
de, é contra ela que o descansava esperando
demônio mais inves- a ressurreição”.6 Para
te, procurando dimi- Ele, enquanto Deus, a
nuí-la, enfraquecê- morte não passa de um
-la e amesquinhá-la, simples sono, passível
para nos impedir de de ser interrompido a
obter aquilo que pre- qualquer instante por
cisamos. Seguindo o seu poder, uma vez que
Quem não ensinamento do Divi- será Ele mesmo quem

alj
no Mestre nesta Litur- ressuscitará toda a hu-
tem fé

Kr
vo
gia, “basta ter fé!” Creia- manidade no último dia.

sta
Gu
constitui um mos na misericórdia d’Ele E na filha de Jairo pode-
para além da realidade apa- mos contemplar simbolica-
empecilho rente, lembrando-nos de que, mente nossa própria figura no
quando imploramos alguma gra- túmulo, deteriorada pelo desgas-
para a ação ça útil para a nossa salvação, para te do tempo, à espera do momen-
da graça e o bem do próximo e a gló-
ria da Santa Igreja, Deus
to em que, a uma ordem do
Supremo Juiz e pela força
Ressurreição da filha de Jairo
pesa negati- tem mais empenho em dá- Igreja São Pedro, Bordeaux (França) d’Ele, nosso corpo se unirá
-la do que nós em recebê- à nossa alma no estado que
vamente na -la. Na verdade, este nosso anseio foi precedido a cada uma corresponda.
Comunhão pelo d’Ele, desde sempre. Porém, por serem incrédulos, os circunstan-
tes julgaram que Jesus era um errado, porque
Só os que têm fé assistem ao milagre
dos Santos sabiam que o corpo da menina já se encontrava
38 
Quando chegaram à casa do chefe da inerte. Começaram então a debochar d’Ele, re-
sinagoga, Jesus viu a confusão e como velando quanto o seu pranto era fingido e egoís-
estavam chorando e gritando. Então, 39  ta; se fosse autêntico, continuariam chorando
sem se incomodar com o que Ele dizia.
Ele entrou e disse: “Por que essa con- Por este motivo Jesus mandou que todos se
fusão e esse choro? A criança não mor- retirassem, à exceção do pai, da mãe e dos três
reu, mas está dormindo”. 40 Começaram discípulos, os únicos com fé naquele ambien-
então a caçoar d’Ele. Mas, Ele man- te. Quem não tem fé constitui um empecilho
dou que todos saíssem, menos o pai e a para a ação da graça e pesa negativamente na
mãe da menina, e os três discípulos que Comunhão dos Santos. Sinal de que os céticos
obstruem o progresso espiritual de seu próprio
O acompanhavam. Depois entraram no meio. Devemos guardar uma prudente caute-
quarto onde estava a criança. la em relação a eles, para não perdermos graças
por sua má influência. Vemos ainda nesta cena
A comitiva deparou-se à entrada da casa com como Deus preza os liames familiares, pois Ele
um quadro de confusão próprio ao espírito ma- ressuscita a menina, sobretudo por causa de seus
nifestativo dos orientais. Alguns choravam, ou- pais. Bem podemos supor que ambos tenham se
tros gritavam, todos estavam em alvoroço. A pri- salvado e hoje se regozijem no Céu.

14      Arautos do Evangelho · Junho 2021


Nosso Senhor ressalta sua dessem de comer, por duas razões. Em primeiro
humanidade num grande milagre lugar, para comprovarem que a filha de fato esta-
Jesus pegou na mão da menina e dis-
41 
va viva, conforme assevera São Jerônimo: “Cada
se: “Talitá cum” – que quer dizer: “Me- vez que ressuscitou um morto, ordenou que lhes
nina, levanta-te!” 42 Ela levantou- fosse dado de comer, para que não se pensasse
que a ressurreição era uma fantasmagoria”.7 De-
-se imediatamente e começou a andar, pois, a fim de nos mostrar quanto Ele ama a or-
pois tinha doze anos. E todos ficaram dem natural das coisas. Nada mais apropria-
admirados. do que os pais tomarem as devidas providências
para alimentar a filha, enfraquecida pelos sofri-
Uma vez mais São Marcos apresenta conju- mentos de uma doença mortal. Sem dúvida, ago-
gados os aspectos divinos e humanos do Mes- ra sua saúde estava melhor que antes da enfermi-
tre. Põe em relevo a sua humanidade, ao con- dade, mas uma boa refeição era conveniente para
tar que Jesus quis ir até a casa de Jairo, tomar a recompor as energias.
mão da criança e ordenar a ela que se levantas-
se. Seria necessário este percurso, algum ges-
to ou qualquer palavra? Não, pois Ele é Deus e,
III – A vida divina também deve Jesus quis
brilhar em nossa humanidade
à distância, poderia tanto ter impedido a mor- que os pais
te quanto operado a ressurreição. Mas proce- Ao percorrer este rico Evangelho – o mais cir-
deu assim para deixar claro que aquela era uma cunstanciado relato dentre os registros sinópticos lhe dessem
obra sua, e a fim de que a menina, ao acordar, do mesmo episódio –, contemplamos a harmo-
sentisse que estava em suas mãos. Desta manei- nia perfeita entre os aspectos humanos e divinos
de comer para
ra, Ele demonstra ser Homem, mesmo ao reali- de Nosso Senhor Jesus Cristo. Segundo explica comprovar
zar milagres, e na eficácia de seu verbo ressal- São Tomás de Aquino, “deve-se dizer que Cristo
ta sua divindade. veio salvar o mundo não somente pelo poder di- que a filha
vino, mas também pelo mistério da própria En-
Nova delicadeza do Homem-Deus carnação. Por isso muitas vezes ao curar os doen-
de fato
Ele recomendou com insistência que
43 
tes não somente Se servia do poder divino, curan- estava viva e
ninguém ficasse sabendo daquilo. E do com uma ordem, mas também aplicando algo
mandou dar de comer à menina. nos mostrar
Jesus proibiu a divulgação do ocor- quanto Ele
rido, porque nessa conjuntura não
era conveniente que tão porten-
ama a ordem
toso sinal se tornasse conheci- natural das
do. É muito bonito que cons-
te na narração evangélica coisas
sua preocupação com a re-
feição da menina, que o
pai e a mãe, abalados pelo
acontecimento, com mui-
ta probabilidade esquece-
riam. Tal delicadeza reve-
la como o zelo de todas as
mães do mundo, somado,
n
an
lm

não equivale ao cuidado d’Ele


ol
H
io

por uma só pessoa. Mas, sendo


rg
Se

Deus, não poderia eliminar a fome


da criança? Pois, o que era mais fá-
cil: satisfazer-lhe miraculosamen-
te o apetite ou fazê-la voltar à vida? Ressurreição da filha de Jairo
Entretanto, Ele quis que os pais lhe Pinacoteca do Real Mosteiro do Escorial (Espanha)

Junho 2021 · Arautos do Evangelho      15


pertencente à própria humani- to, o Verbo, tendo-Se encarna-
dade”.8 Ante este verdadeiro do, experimenta em sua hu-
caleidoscópio de manifes- manidade sentimentos de
tações, ora de uma, ora imensa compaixão para
de outra natureza, na conosco. Em quan-
Pessoa Divina de Je- tas ocasiões, vendo
sus, cabe-nos ana- partir deste mun-
lisar com atenção do um ente queri-
seu convívio com do, nós não dese-
os homens ao lon- jaríamos ter mor-
go da vida terre- rido em seu lugar?
na, para podermos Ora, Nosso Senhor
contemplá-Lo em Jesus Cristo de tal
toda a sua grandeza. maneira nos amou,
Com igual acuida- que Se entregou por

ão

de precisamos procu- nós e nos resgatou por

od
pr
Re
rar compreender o que seu sacrifício, franquean-
se passa ao nosso redor. Em do-nos o acesso à vida ver-
Jesus sempre consequência de uma fé dadeira. Meditar nesta ma-
pouco robusta, somos ten- ravilha nos proporciona
está disposto a dentes a conceber a reali-
Cristo Bendizente - Museu do Hermitage,
São Petersburgo (Rússia) um benefício monumen-
nos curar, não dade por um prisma estri- tal, porque com frequência
tamente humano, menosprezando a visão so- somos assaltados por aflições, tentações, medo,
só dos males brenatural. Não obstante, a existência humana e por vezes até incorremos em funestos delitos;
sempre está sujeita à influência do mundo invi- mas se Nosso Senhor cura, ressuscita e perdoa,
físicos, mas, sível e, portanto, às nossas tendências associa- Ele tem poder para minorar nossos problemas e
sobretudo, -se a ação de um demônio ou de um Anjo. As-
sim como é impensável considerar Nosso Senhor
nos soerguer de qualquer queda. O que é preciso
de nossa parte? “Basta ter fé!”
dos morais, apenas como Homem, ignorando a união hipos-
A hemorroíssa, figura do pecador
tática, do mesmo modo é um grave erro nos es-
restaurando- quecermos de que, pelo Batismo, cada cristão,
que ainda tem fé

-nos na alma sendo mera criatura, ascendeu à participação na


vida divina. Isto faz com que todas as nossas de-
Neste sentido, a hemorroíssa, que “piorava
cada vez mais”, é imagem daquele que, privado
a inocência liberações sejam marcadas pela graça ou por sua do fluxo vital da graça e da energia sobrenatu-
ausência. Saibamos distinguir por qual destes fa- ral, depois de cometer uma falta grave, vai atrás
tores somos influenciados. Serão Anjos ou de- de falsos remédios e busca a felicidade onde ela
mônios? A graça ou os instintos naturais desre- não está, unindo-se a más amizades e optando
grados? A virtude ou o vício? Com esta imposta- por certos convívios que o desviam do bom ca-
ção veremos tudo não em duas dimensões, mas minho. E quanto mais esforços empreende para
na perspectiva da eternidade. satisfazer seus anseios, tanto mais se exaure e
se afasta daquilo que enganosamente procu-
Amor humano de magnitude infinita ra; o brilho da inteligência e a força de vontade
Por efeito da culpa original e dos pecados diminuem; o dinamismo da alma se esvai. Per-
atuais, as portas do Céu estavam fechadas para didas as virtudes e os dons, pelo pecado, res-
nós e merecíamos a morte eterna. No entan- ta-lhe apenas um resquício de esperança e um

1
SÃO JERÔNIMO. Trata- cas. Madrid: BAC, 1999, 3
SÃO JOÃO CRISÓSTO- drid: BAC, 2007, v.I,
do sobre el Evangelio de v.I, p.853. MO. Homilías sobre el p.619.
San Marcos. Homilía III Evangelio de San Mateo
2
Cf. SÃO TOMÁS DE 4
Cf. SÃO TOMÁS DE
(5,30-43). In: Obras Com- (1-45). Homilía XXXI,
AQUINO. Suma Teológi- AQUINO, op. cit., III,
pletas. Obras homiléti- n.2. In: Obras. 2.ed. Ma-
ca. I-II, q.89, a.6. q.43, a.2, ad 1.

16      Arautos do Evangelho · Junho 2021


“tendão” de fé. À medida que reincide em no- do, com a certeza de ficar limpo de toda culpa.
vas transgressões, também estes vão aos poucos Que grande dom o Divino Redentor pôs ao nos-
se apagando. so alcance!
Para evitar que isto aconteça é indispensável
que, se cairmos, nos arrependamos e digamos
Nós temos a Eucaristia!
suplicantes: “Senhor, eu mereço todos os casti- A exemplo dos protagonistas da passagem do
gos e, quiçá, o inferno. Mas peço perdão de meus Evangelho deste 13º Domingo do Tempo Co-
crimes com ardorosa fé no vosso poder”. Tenha- mum, aproximemo-nos de Nosso Senhor e Ele
mos confiança de que Jesus sempre está dispos- nos prodigalizará seus favores. No Sacramen-
to a nos curar, não só dos males físicos, mas, so-
bretudo, dos morais, restaurando-nos na alma a
to da Eucaristia, mais que estreitar a mão que
levantou a menina do leito de morte ou tocar o
No
inocência, como restituiu a saúde à hemorroíssa. manto cujo contato devolveu a saúde à mulher, Sacramento
A tal ponto se preocupa em revigorar a alma, de cada um de nós recebe Jesus em Corpo, San-
preferência ao corpo, que Ele não legou à Igre- gue, Alma e Divindade. Se Ele Se dá por inteiro da Eucaristia,
ja algo ao estilo de um caixa automático para sa- a nós, não haverá de nos curar as misérias, solu-
rar doenças, em que os enfermos se ajoelhem e cionar as dificuldades espirituais e, inclusive, su-
mais que
saiam restabelecidos. Instituiu, isto sim, o Sacra- prir as carências materiais? Roguemos a Jesus, estreitar
mento da Penitência, com o qual não contaram por intercessão de Maria, uma fé maior que a da
os eminentes varões do Antigo Testamento. Na- hemorroíssa e a de Jairo, para nos beneficiarmos a mão que
quele então, ninguém podia recorrer a um sacer- de todos os tesouros que em sua misericórdia Ele
dote para se acusar de suas faltas e ser absolvi- quer nos conceder! ²
levantou a
menina do
leito de morte
ou tocar o
manto cujo
contato
devolveu
a saúde à
mulher, cada
um de nós
recebe Jesus
João Paulo Rodrigues

em Corpo,
Sangue, Alma
e Divindade
Adoração Eucarística na Basílica de Nossa Senhora do Rosário,
Caieiras (SP)

5
SANTO AGOSTINHO. 6
SÃO BEDA. In Mar- In: Obras Completas. Tra- 8
SÃO TOMÁS DE
De consensu evangelis- ci Evangelium expositio. tados apologéticos. Ma- AQUINO, op. cit., III,
tarum. L.II, c.28, n.66. L.II, c.5: PL 92, 182. drid: BAC, 2009, v.VIII, q.44, a.3, ad 2.
In: Obras. Madrid: BAC, p.339; 341.
7
SÃO JERÔNIMO. Con-
1992, v.XXIX, p.377.
tra Joviniano. L.II, c.17.

Junho 2021 · Arautos do Evangelho      17


Escondido nas brumas
da História… um rei mártir!
À semelhança do Rei do Universo, que nasceu numa gruta
gélida e morreu crucificado pelos chefes do mundo, Luís XVII
iniciou seu reinado numa prisão e carregou sobre si, até a
morte, o pesado jugo do ódio revolucionário.
Ir. Patricia Victoria Jorge Villegas, EP

P
aris, 21 de janeiro de 1793. O “melhor vinho” da O Delfim Louis-Charles, nasci-
O rufar dos tambores soa realeza francesa do em 27 de março de 1785, filho
por toda a capital, seguido Para alguns, a notícia da morte do da ilustre Princesa d’Áustria e Ra-
do urro de uma multidão rei causou terror e consternação; para inha da França, Maria Antonieta,
sedenta de sangue. De repente, faz-se outros, ela foi motivo de danças e cân- e do Rei Luís XVI, era já aclamado
um espantoso silêncio, que toma con- ticos, que rapidamente culminaram como Luís XVII por todas as nações
ta da praça enquanto o criminoso che- em verdadeiras orgias, próprias à vile- da Europa e pelos franceses que se
ga ao cadafalso. za de espírito que a Revolução Fran- mantinham fiéis à monarquia.
Criminoso? Sim. Qual lei ha- cesa propagava entre seus adeptos.
via rompido? A lei que “a liberda- Entretanto, a mão de Deus, que
Um reinado marcado pela
de, a igualdade e a fraternidade” ti- tão bondosamente havia conduzido
fidelidade em meio à tragédia
nham imposto à nação: a monarquia a filha primogênita da Igreja ao lon- “Vive le Roi! Vive Louis XVII!”,
é “opressora” e, portanto, deve-se ex- go dos séculos – desde o Batismo de era o brado que ecoava pelas tropas
terminá-la. O “crime” desse réu con- Clóvis, atravessando o reinado do católicas da Vendée e pelo exército
sistia em ser rei da França, razão pela grande Carlos e rejubilando-se com do Duque de Condé. Entretanto, à
qual estava sendo tratado como o a virtude de São Luís IX, até chegar semelhança do Rei do Universo, que
pior dos bandidos! àquele terrível dia –, não se afastara nasceu numa gruta gélida persegui-
Na praça, o silêncio prolonga-se dela. Estava reservada para a Fran- do pelos chefes do mundo, o pequeno
por mais alguns instantes pois, por ça, assim como para toda a História, Luís XVII viveu os primeiros dias de
incrível que pareça, nos corações dos o “melhor vinho” de sua realeza: um seu reinado numa prisão, carregando
franceses ali presentes ainda palpi- menino! sobre si o pesado jugo do ódio e da
tam restos de respeito pela hierar- Sim, um menino, que chorava indignação revolucionária.
quia e de amor à nobreza. Meses an- amargamente a morte do pai e jazia Sabiam os fautores da Revolução
tes aclamavam com entusiasmo o Rei prisioneiro abraçado por sua mãe, a que por esta criança passava o fio
Luís XVI, o qual agora contemplam partir de então uma pobre viúva. So- dourado da realeza da França, cuja
ser entregue à morte, para logo com- bre este jovenzinho de apenas sete monarquia quase lendária havia im-
parecer ante o justo juízo de Deus. anos recaía o manto dos Reis Cris- pregnado com seu perfume os sécu-
Segue-se um último toque de tam- tianíssimos, o qual, por sua vez, havia los da Cristandade. E sabiam, por-
bores, e a implacável lâmina da gui- de crescer em dignidade ao passar a tanto, que a história do pequeno mo-
lhotina desce sobre a cabeça do infe- cobrir uma criança inocente coroada narca definiria o futuro da Europa e
liz monarca. pela dor e pelo martírio. da Civilização Cristã.

18      Arautos do Evangelho · Junho 2021


­ elos horríveis sofrimentos da prisão,
p
compreendeu, afinal, ser aquele tor-
mento permitido por Deus por razões
que ela não alcançava a compreen-
der. Lembrando-se do martírio supre-
mo que Ele próprio abraçara por amor
dos homens, armou-se da coragem que
animara a Santíssima Virgem a estar
de pé ante o Filho agonizante e, com
santo heroísmo, disse ao pequeno, que
se encontrava desesperadamente agar-
rado a ela: “Não, meu filho, é necessá-
rio obedecer; é necessário!”1 Com seu
coração materno transpassado de dor,
soltou a mão do menino, o qual acabou
por aceitar que a elevada condição de
Fotos: Reprodução

rei lhe exigia, naquela hora, um cruel


padecimento.
Era, de fato, preciso que um ino-
cente sofresse pelo pecado de seu
povo. Assim, arrancado para lon-
Maria Antonieta com seus filhos Marie-Thérèse, Louis-Charles (no colo) ge do carinho e dos cuidados mater-
e Louis-Joseph, por Élisabeth Vigée-Le Brun - Palácio de Versailles (França) nos, Luís XVII iniciou seu doloroso
­calvário.
Desejando derrubar qualquer
tradição sadia, levar à ruína a or- Era preciso que um Cruel e lento martírio,
dem estabelecida pela Santa Igre-
padecido com santidade
ja nos costumes e implantar o caos inocente sofresse Levado para um outro comparti-
e a igualdade nas almas e nos po-
vos, planejaram maquiavelicamente
pelo povo. Assim, mento da Torre do Templo, o delfim
foi entregue nas mãos de Simão, o sa-
o misterioso desaparecimento des- arrancado do carinho pateiro, um “fiel patriota”, dado à be-
te jovem rei. Para isso, começaram bedeira e aos mais depravados cos-
por separá-lo da única que poderia e dos cuidados tumes. Este seria o “educador” de
ampará-lo, sustentá-lo e aconselhá- Luís XVII, que contava apenas oito
-lo naquelas dramáticas circunstân-
maternos, Luís XVII anos de idade.
cias: sua mãe. iniciou seu calvário Aproveitando-se de sua pueril in-
Durante a tragédia mais sublime genuidade, o sapateiro ensinava-lhe
da História dos homens, a Paixão de as músicas revolucionárias e inúme-
Nosso Senhor, deu-se uma cena pun- Santíssima amou o seu, o qual era o ras vezes o embriagava para que pro-
gente e desgarradora: o encontro de próprio Deus! ferisse injúrias à coroa e assinasse
Jesus com Maria e a solene despedi- Séculos depois, houve uma mãe que documentos que favoreciam o novo
da de ambos no Calvário. Depois de – guardadas as devidas proporções – “governo” francês.2
entregá-La ao Apóstolo João, o Divi- sofreu no cárcere da Torre do Templo É difícil descrever em poucas li-
no Redentor expirou, separando-Se dores análogas às de Nossa Senhora, nhas a condição lastimosa em que os
fisicamente d’Aquela que, entre to- ao ver lhe arrancarem dos braços seu maus-tratos de Simão deixaram o pe-
das as criaturas, era a mais amada de amado filhinho, o delfim da França. queno rei… Sua saúde ficou profun-
seu Sagrado Coração. Prantos, ameaças, gritos e lamenta- damente abalada; sua fisionomia, ou-
Quem poderá imaginar as dores ções… Nada comoveu os corações en- trora doce e sorridente, tornou-se
que essa separação causou ao Ima- durecidos daqueles revolucionários. marcada pela tristeza, e seu semblan-
culado Coração de Maria? Ninguém! Vendo todos os seus esforços caírem te, emagrecido e pálido; seus mem-
Pois não houve mãe que tivesse ama- no vazio, Maria Antonieta, cuja ca- bros ficaram alongados e despro-
do tanto um filho quanto a Virgem beleira loira havia se tornado branca porcionais, suas costas, encurvadas,

Junho 2021 · Arautos do Evangelho      19


e sua postura, abatida.3 Contudo, a Em várias outras circunstâncias são e nela esquecido como um enter-
personalidade do jovem Luís manti- Luís XVII brilhou diante de Deus rado-vivo. Durante seis longos me-
nha-se firme. Nos momentos de lu- por suas piedosas disposições. Certa ses ficou apenas sob a vigia de alguns
cidez, ele se opunha energicamen- vez, foi flagrado por Simão enquanto guardas. Ele já havia combatido, com
te a qualquer sugestão de Simão, e rezava, de madrugada, ajoelhado so- o mesmo heroísmo de seus antepas-
era por isso castigado com injúrias bre sua enxerga; no dia seguinte, ven- sados, a influência pecaminosa e sa-
furibundas, bofetadas, pontapés e do o pequeno novamente em oração, tânica de Simão; agora, ser-lhe-ia ne-
até mesmo agressões mais violentas, o bruto sapateiro surpreendeu-o pe- cessário enfrentar adversários ainda
como ser agarrado e sacudido no ar las costas com uma bacia de água ge- mais cruéis: o abandono, a solidão e
até ter o corpo todo deslocado.4 lada que o ensopou completamen- o medo.
A cólera do ímpio sapateiro era te, assim como ao seu leito. Em ou- Iniciava-se um novo “martírio in-
tão descontrolada que, certo dia, tra ocasião, deu mostras de profundo cessante, de coração e de espírito,
constatando que de nenhuma forma desapego de si mesmo quando, ao ser profundo e lancinante, totalmente
conseguiria obrigar o menino a dizer questionado sobre o que faria se os inefável, comovente para todos, mas
“Viva a República!”, precisou ser de- vandeanos restaurassem o trono da que só Deus pôde conhecer. Apa-
tido por um conhecido ali presente, França, respondeu: “Eu vos perdoa- rentemente, pelo menos, ele não po-
para não acabar por matar o peque- ria”.6 A maior prova de sua virtude, dia ter deixado de se sentir totalmen-
no com golpes… porém, encontra-se sem dúvida em te abandonado pelos Anjos e pelos
Diante de tanto horror, porém, o que “nunca [formulou] a menor cen- seus, e entregue, indefeso, ao ódio, à
delfim dava constantes mostras de sura, [nem] a mais leve acusação con- crueldade bárbara e à grosseria inju-
virtude e paciência. Um exemplo co- tra os que o tinham torturado”.7 riosa dos seus inimigos que não pro-
movente deu-se a propósito do fato Esse jovem rei foi um autêntico curavam senão destruí-lo e, nele, a
narrado acima. Conta a História que, mártir de corpo e, antes de tudo, de França, de que era a encarnação”.8
“no dia seguinte, quando [o mes- alma. Sua fidelidade a Deus e à Fran- Quem poderá desvendar os enor-
mo conhecido] regressou [aos apo- ça, em meio a tantos tormentos, mar- mes combates interiores que esta jo-
sentos de Simão], foi surpreendido cou a História para sempre. vem alma travou em sua solidão? O
pela oferta de uma maçã por parte tempo passado na prisão parecia-
de Luís XVII, que lhe disse ter con-
Novas e mais lancinantes -lhe uma eternidade… Os fantasmas
servado a sobremesa da véspera para
provações… do pavor atormentavam-lhe o ter-
lhe oferecer, em agradecimento por Como a Revolução sempre enga- no coração, e a angústia tomava con-
lhe ter salvo a vida”.5 De fato, embora na seus agentes, uma mudança de po- ta de seu ser, antes tão cheio de for-
exausto pelas torturas e pela prisão, deres levou o próprio Simão à gui- ça e de coragem. Sua curtíssima vida
o jovem rei jamais perdeu sua nobre- lhotina. O pequeno delfim, quase assemelhava-se ao pior dos pesade-
za de alma e de sangue; pelo contrá- destruído por tantos maus-tratos e los: bem longe do respeito, pompas e
rio, o sofrimento apenas requintou com a saúde completamente depau- honrarias a que tinha direito, sem a
em seu coração essas qualidades. perada, foi então lançado numa pri- menor ocupação que o pudesse dis-
trair, sem uma palavra sequer que o
animasse e, sobretudo, sem alguém
Nos momentos de que o amparasse naquela dura si-
tuação. Seus dias se passavam como
lucidez, o delfim se anos, e os meses como décadas…
opunha às sugestões Entretanto, enquanto a Revolução
espalhava o terror pela França, o san-
de Simão, sendo gue deste rei, vítima do seu próprio
povo, era apresentado a Deus qual
castigado com oferenda de suave e irresistível odor.
injúrias furibundas, Opróbrio da nação, carregou até
a morte os pecados de seu povo
bofetadas e pontapés
Os meses se passaram e a direção
Simão, o sapateiro, e Luís XVII no do governo tomou, novamente, ou-
Templo em 1794, por Jean-Louis Prieur tros rumos. Os responsáveis pelo del-

20      Arautos do Evangelho · Junho 2021


fim – agora menos radicais e odiosos tos, dando a impressão de estar em
–, vendo seu estado assustador, ini- um êxtase, o jovem rei ergueu-se com
ciaram os procedimentos para sua muita dificuldade e disse: “Eu tenho
recuperação. Contudo, a saúde do algo a dizer…”11 Porém, as forças o
menino a tal ponto definhara que os deixaram, e os homens não foram
esforços dos médicos foram inúteis, dignos de ouvir as últimas palavras
servindo apenas para prolongar sua concebidas por seu virginal coração;
agonia… ficaram como um segredo precioso
Há uma pungente frase da Escri- que Deus quis reservar para Si. Com
tura que se aplica ao Divino Chaga- muita calma, o menino recostou no-
do: “Sou um verme, não um homem, vamente a cabeça e entregou sua
o opróbrio de todos e a abjeção da alma ao Sagrado Coração de Jesus,
plebe” (Sl 21, 7). Este rei da França, Aquele que, havia mais de cem anos,
à semelhança de Nosso Senhor J­ esus concedera aos soberanos da França
Cristo, tinha o corpo coberto de úl- o privilégio de sua amizade, de seu
ceras e, irreconhecível, não podia amor e de sua predileção. Era o dia 8
movimentar-se sem dor. Tendo-se Luís XVII, por Alexander Kucharsky de junho de 1795.
tornado, como Cristo, o opróbrio da Palácio de Versailles, França
sua nação, carregava também sobre
Por fim, os Céus o acolheram!
si os pecados do seu povo. Por amor Certamente, o pequeno rei már-
aos seus, havia de sorver até o fim o O jovem rei jamais tir logo pôde encontrar o conso-
cálice que lhe fora destinado. lo e o repouso de todos os seus tor-
Em junho de 1795, era finalmente perdeu sua nobreza mentos nos braços de Nossa Senho-
chegada a hora derradeira para o pe-
queno mártir. Num leito, com dores
de alma e de sangue; ra! A este filho de tantas dores, a
este herdeiro de tantos tesouros, a
violentas em todo o corpo, sua fisio- o sofrimento este guerreiro que concentrou em
nomia tornou-se de repente plácida si os mais belos e ousados heroís-
e serena. Um dos que o acompanha- apenas requintou mos de sua linhagem, Maria Santís-
vam, segurando sua mão, disse-lhe: sima, Mãe de Misericórdia, não po-
“Espero que vós não tenhais de so-
em seu coração deria deixar de abrir, com ternura,
frer mais…” E recebeu esta respos- essas qualidades as portas do Paraíso!
ta cheia de unção: “Oh! Eu sofro ain- Apesar de não ter sido beatifica-
da, mas muito menos. A música é tão do pela Igreja, Luís XVII é merece-
bela!” Surpreso e tomado de compai- -lhe como se sentia. O pobre órfão- dor de toda nossa admiração, nosso
xão, o acompanhante perguntou-lhe zinho, insistindo no que dissera an- enlevo e nosso encanto, pois ele dei-
de que lado vinha a música, ao que teriormente, respondeu: “Crês que xou um sublime exemplo para os sé-
ele respondeu: “Do alto! E posso dis- minha irmã está escutando a músi- culos futuros. Ao aceitar com heroi-
tinguir entre as vozes o timbre de mi- ca? Faria tão bem a ela poder ouvir ca grandeza sofrimentos muito aci-
nha mãe!”9 essa música!”10 Diante de tanta ino- ma de suas forças, e suportar em be-
Algum tempo depois, houve uma cência e nobreza de alma, do coração nefício da nação os tormentos que ela
troca de carcereiros. Quando o novo dos que o acompanhavam brotou um própria lhe infligira, ensinou-nos a
guarda se aproximou, percebendo respeitoso silêncio. proceder como outros Cristos quan-
que o menino estava nos últimos mo- Passados mais alguns instantes, do os ventos da tragédia baterem às
mentos de sua existência, perguntou- com os olhos brilhantes e bem aber- portas de nossas almas! ²

1
CHARLES-ROUX, Jean. Pai- 3
Cf. BEAUCHESNE, Alcide de. 5
Idem, p.138. 10
Cf. Idem, p.325. Referência a
xão e calvário de um menino-rei Louis XVII, sa vie, son agonie, Marie-Thérèse Charlotte, a Ma-
6
Idem, p.136.
de França. In: ESCANDE, OP, sa mort. Captivité de la famille dame Royale, irmã mais velha
Renaud (Dir.). O livro negro da royale au Temple. 8.ed. Paris:
7
Idem, p.143. de Luís XVII e, como ele, pri-
Revolução Francesa. Lisboa: Hachette, 1871, v.II., p.163. 8
Idem, p.141. sioneira num dos compartimen-
Alêtheia, 2010, p.134. tos da Torre do Templo.
4
Cf. CHARLES-ROUX, op. cit., 9
Cf. BEAUCHESNE, op. cit.,
2
Cf. Idem, p.137. p.137-138. p.324-325.
11
Idem, ibidem.

Junho 2021 · Arautos do Evangelho      21


Consenso ou convicção?
Destituído de qualquer princípio verdadeiro, aquele homem
se colocava sempre ao lado do vencedor, fiel ao seu
eterno partido, o da maioria… Seria esse um
personagem do passado, ou de nossos dias?
Vinícius Niero Lima

N aquele parlamento mui-


tos falavam, outros gri-
tavam, alguns vocifera-
vam palavras vazias; to-
dos ao mesmo tempo, sem ordem nem
Apenas pronunciou o seu voto,
os olhares se voltaram para ele. Seus
amigos sentiram a punhalada que
acabavam de receber, sem entender
o jogo que executava; seus inimigos
Quando Fouché saiu do parla-
mento, o clima estava cinzento.
Depois de haver cometido tão hor-
rendo crime, o deputado de angu-
losa fisionomia caminhava tran-
respeito. Num canto, um homem ana- abriram um cínico sorriso de apro- quilamente pelas ruas de Paris,
lisava a cena: enquanto a maioria dis- vação. Na verdade, tratava-se de al- agitadas por uma população em al-
putava a palavra, ele guardava silên- guém que, “devido à sua reserva su- gazarra.
cio, atento à atitude dos circunstantes. til, à audácia de não ter nenhum ca- Quiçá, ao longo de seu trajeto,
O personagem era magro, de olhar ráter, à sua ausência completa de tenha buscado justificar-se perante
frio, nariz aquilino; nada nele possuía convicções”,2 sempre se colocava, os assaltos da consciência pesarosa,
estética, tudo era anguloso e de as- “tranquilamente e sem perigo, ao pensando: “Embora por muito tem-
pecto sombrio. lado do vencedor, no seu eterno par- po investido de um poder oculto e
Iniciou-se, então, uma votação: tido, o da maioria”.3 terrível, dele apenas me servi para
“Sim”, diziam os mais atrevidos; Joseph Fouché4 acabava de se tor- acalmar paixões, dissolver os parti-
“Não”, murmuravam alguns. O ho- nar um regicida. dos e evitar as revoltas. Eu, que tan-
mem esquálido esperava o momento to me esforcei em moderar e abran-
decisivo, pois não gostava de mani-
Seu ideal: ver-se livre de dar o poder, em conciliar ou fundir
festar sua opinião antes de ter avalia-
qualquer convicção os elementos contrários e os inte-
do bem o que mais lhe seria proveito- Era o dia 16 de janeiro de 1793. resses opostos que dividiam a Fran-
so. A certa altura, aquele que, horas Por instantes o destino de Luís XVI ça”.5
antes, havia escrito um discurso a fa- passou pelas mãos maculadas daque- Com efeito, a enganosa bandeira
vor do “não”, foi chamado. “O bom le homem, cujo ideal era o de ver-se do consenso sempre tremula quando,
calculador contara os votos e verifi- livre de qualquer convicção. E ele sendo necessário tomar uma decisão
cara que ia ficar na minoria, o único optou por sentenciá-lo à morte. Em firme, baseada em princípios verda-
partido ao qual ele nunca pertence- consequência, a guilhotina, incle- deiros, capitula-se diante da mesqui-
rá, e subindo à tribuna com o seu pas- mente e intolerante, deceparia dias nha maioria, por medo ou por inte-
so silencioso, murmurou: ‘A morte’”.1 depois a cabeça do rei da França. resse.6

1
ZWEIG, Stefan. Joseph Fou- 3
Idem, p.37. Polícia no Diretório e durante 6
Observa Margaret Thatcher,
ché. Retrato de um homem po- o período napoleônico. ex-primeira-ministra do Rei-
4
Joseph Fouché foi influente e
lítico. Rio de Janeiro: Guana- discreto político durante a Re- 5
FOUCHÉ, Joseph. Memórias no Unido: “Para mim o con-
bara, 1942, p.33. volução Francesa, e dela saiu sobre Fouché. São Paulo: José senso parece ser o processo
ileso; chegou a ser Ministro da Olympio, 1946, p.11. do abandono de todas as cren-
2
Idem, p.30.

22      Arautos do Evangelho · Junho 2021


Por espírito de consenso, pela autoridade divina, o intelecto do do com que os atos de amor se tor-
negam-se as convicções crente é convencido a aderir àquilo nem mais firmes e profundos.
Mas por que recordar esse fato que não vê”.7
histórico, ocorrido há mais de dois Portanto, quando a convicção
Ai dos “Fouchés”
séculos? Terá ele algum ensinamen- provém da fé, ela se robustece, lan-
contemporâneos!
to para os nossos dias? çando fora qualquer dúvida: “Ao di- À luz dessa doutrina, surgem algu-
Num mundo de instabilidade, in- zer prova, distingue-se a fé da opi- mas perguntas para cada um de nós.
segurança e, portanto, de incerteza, nião, da suspeita e da dúvida, pelas Diante da perseguição que a verda-
como este em que vivemos, se as nos- quais a primeira adesão do intelecto deira Igreja sofre em tantos ambien-
sas convicções em relação ao bem, à a alguma coisa não é firme”.8 tes, de que lado ficarei? Se me for pe-
Igreja e a Deus não estão muito fir- O Doutor Angélico não se detém, dido renegar os meus princípios cris-
mes, elas cambalearão diante da pres- contudo, em meras elucubrações in- tãos em favor da opinião geral, o que
são psicológica ou até da perseguição telectuais. Mais adiante afirma que responderei? Serei contado entre os
aberta feitas por aqueles que visam “à fé se refere não somente a crença seguidores do consenso unanimista?
desfigurar ou destruir qualquer pre- do coração, mas também a manifes- Queira Deus que estejamos sem-
sença do sobrenatural na terra. Pois o tação dessa fé interior por palavras e pre firmes na fé, inabaláveis na espe-
instinto de sociabilidade impele todo procedimentos exteriores”.9 rança e ardentes na caridade (cf. Col
homem a querer “ficar bem” com os Assim sendo, quando a convicção 1, 23), para não acontecer de desco-
demais, ainda que isso suponha rene- é fruto da fé, ela tende a se expres- brirmos que as fortes convicções que
gar os princípios adquiridos. sar em atitudes concretas, de manei- julgávamos ter na realidade eram
Um exemplo paradigmático des- ra que, quanto mais a alma se fortale- frutos pecos de um deletério consen-
sa realidade se encontra na Paixão de ce nesta virtude, mais a vontade ade- so. Diante deste, nunca dobremos
Nosso Senhor: a mesma população re aos princípios. E como as virtudes nossa inteligência nem nossa vonta-
que O saudou com hosanas no Do- são irmãs, a caridade, auxiliada pe- de, quais infames “Fouchés” contem-
mingo de Ramos, poucos dias depois las certezas da fé, se acrisola, fazen- porâneos. ²
– por espírito de consenso – vociferou
o “Crucifica-O”, cometendo o pior
dos pecados da História, o deicídio.
Como, então, adquirir convicções
firmes, capazes de vencer qualquer
desafio? Onde alicerçá-las?

As convicções inabaláveis
só nascem da fé
Ao explicar a definição de fé con-
tida na Carta aos Hebreus – “a fé é
a substância das coisas que se devem
Fotos: Reprodução

esperar e a prova do que não se vê”


(11, 1) –, São Tomás de Aquino ob-
serva que o termo prova está empre-
gado aqui com vistas a indicar seu
efeito: pela prova o intelecto é indu-
zido a aderir a uma verdade da fé, O consenso sempre tremula quando, sendo necessário tomar uma decisão
que não se comprova pelos sentidos. firme, capitula-se diante da mesquinha maioria
“Por isso, uma outra versão usa a pa- Gravura alemã representando a execução de Luís XVI; na página anterior,
lavra convicção, o que significa que, retrato de Joseph Fouché - Palácio de Versailles (França)

ças, princípios, valores e polí- cisam ser resolvidos, simples- ‘Eu represento o consenso?’” 7
SÃO TOMÁS DE AQUINO.
ticas, em busca de algo em que mente porque não se consegue (THATCHER, Margaret. Spe- Suma Teológica. II-II, q.4, a.1.
ninguém acredita, mas ao qual chegar a um acordo no cami- ech at Monash University, 6 out. 8
Idem, ibidem.
ninguém se opõe; o processo nho a seguir. Que grande causa 1981. In: www.margarettha-
de evitar os problemas que pre- lutou e venceu sob a b
­ andeira tcher.org).
9
Idem, q.12, a.1, ad 2.

Junho 2021 · Arautos do Evangelho      23


Nossa Senhora do
Santíssimo Sacramento
Ao considerar a vida de Maria, costuma-se ter em vista sua presença
em Belém, em Nazaré ou no Calvário, deixando de lado o tempo em
que, já sem a presença humana de Jesus, Ela continuou em sua
companhia através das Espécies consagradas.
Pe. Rafael Ramón Ibarguren Schindler, EP

A
o fundar a Congregação onde Cristo instituiu o Divino Sa- Modelo das almas eucarísticas
do Santíssimo Sacramento cramento, o Cenáculo. Mas, ape- “‘Nossa Senhora do Santíssimo Sa-
em 1856, São Pedro Julião sar de seus esforços, ele não con- cramento é o novo nome de algo mui-
Eymard levou à máxima seguiu concretizar tão simbólico e to antigo’ […]. Veneram-se com razão
exaltação o culto à Eucaristia, me- genial objetivo. todos os mistérios da vida da Mãe de
diante sua exposição perpétua e so- Como não poderia deixar de ser, Deus. As almas contemplativas têm
lene. É esta a originalidade da fun- esse Santo era também um gran- um exemplo na vida de Maria em Na-
dação por ele feita. de devoto de Maria Santíssima, zaré, assim como os corações deso-
Seu zelo o impulsionou a am- que o inspirou a fundar sua provi- lados encontram consolação na Vir-
bicionar e trabalhar empenhada- dencial congregação. Escreveu ele, gem Dolorosa. Há em todas as ações
mente para estabelecer a Ado- para proveito de seus filhos espiri- da Santíssima Virgem uma graça que
ração Perpétua no próprio local tuais, uma breve meditação maria- nos conduz suavemente a honrá-las e
no-eucarística, sintetizada por um imitá-las, cada um conforme sua pró-
de seus discípulos, que interessa- pria vocação.
rá a todos os fiéis amantes da Eu- “Ora, Maria viveu mais de quin-
caristia. ze anos após a Ascensão de seu Di-
vino Filho. Em que foram ocupados
esses longos dias de exílio e que gra-
Maria é chamada ça encerra este importante período
da vida de nossa Mãe? O Livro dos
Mãe da Igreja, pois Atos dos Apóstolos nos responde
desde seus albores com muita clareza. Nele está dito que
os primeiros cristãos viviam na paz,
Ela lhe deu exemplo, na união, na mais ardente caridade
[…], perseverando na fração do pão
força e instrução, e (cf. At 2, 42).
“Viver da Eucaristia e para a Eu-
no Céu Ela continua caristia, reunir-se em torno do ta-
esta missão! bernáculo para cantar hinos e cân-
ticos espirituais: eis o caráter distin-
Gustavo Kralj

tivo da Igreja primitiva. O Espírito


Última Ceia (detalhe), por Fra Angélico - Santo o consignou na sublime histó-
Museu de São Marcos, Florença (Itália) ria eclesiástica redigida por São Lu-

24      Arautos do Evangelho · Junho 2021


cas; tal foi também o resumo dos úl- brevive” nas diversas crises que te-
timos anos da Santíssima Virgem, nha de atravessar. Ela se renova e
que reencontrava na adorável Hóstia progride permanentemente!
o Fruto bendito de suas entranhas, e A propagação do culto ao Santís-
na vida de união com Nosso Senhor simo Sacramento constitui um dos
no tabernáculo, os ditosos tempos aspectos desse contínuo progresso.
de Belém e Nazaré. Oh, sim! É so- Se é verdade que ultimamente fo-
bretudo Maria quem perseverava ram fechadas várias igrejas – e algu-
na fração do pão. mas até profanadas –, não é menos
“Ó almas eucarísticas, que quereis certo que o fervor e a sede eucarísti-
viver para o Santíssimo Sacramen- ca se intensificaram aqui, lá e acolá.
to, que fizestes da Eucaristia o centro Por exemplo, em muitas capelas

ão

de vossas vidas, e de seu serviço vos- dos Arautos do Evangelho se realiza

od
pr
so único labor, Maria é vosso mode- há anos, sem interrupção, a Adora-

Re
lo, sua vida é vossa graça. Perseverai, ção ao Santíssimo Sacramento.
como Ela, na fração do pão”.1 Nossa Senhora do Santíssimo
Sacramento - Basílica de Santa Maria Prêmio eterno dos adoradores
Maggiore, Roma
Convivendo com Jesus nas de Jesus Eucarístico
Espécies consagradas Tão fulgurante realidade não bri-
De fato, ao considerar a vida de “Ó almas, que lha aos olhos do mundo paganizado,
Maria, costuma-se ter em vista sua mas sim ante o trono do Altíssimo.
presença em Belém, em Nazaré ou no fizestes da Quantos benefícios esses atos de ado-
Calvário, deixando de lado o tempo
em que, já sem a presença humana de
Eucaristia o centro ração compram, e quantas desgraças
evitam! A oração aos pés do Senhor
Jesus – como a teve até a Ascensão –, de vossas vidas, Sacramentado conquista graças assi-
Ela continuou em sua companhia naladas.
através das Espécies consagradas que Maria é vosso As muitas horas que São Pedro
palpitavam ininterruptamente em seu Julião Eymard passou junto a Jesus
Coração e se renovavam a cada Co-
modelo, sua vida Sacramentado – no altar, próximo
munhão. é vossa graça” ao sacrário ou diante do ostensório –
Um piedoso autor antigo, Bernar- lhe mereceram o prêmio de ver sem
dino de Paris,2 afirma que Jesus, ao véus o Deus que ele adorou oculto
instituir a Eucaristia, visou de modo albores Ela lhe deu exemplo, força e na Eucaristia e de contemplar Nossa
especial sua Mãe, para que a mais instrução, e no Céu continua a exer- Senhora do Santíssimo Sacramento,
excelsa de suas obras fosse recebida cer até hoje esta missão! sua Mãe. Porque desfrutar para sem-
pela mais nobre de suas criaturas. pre desse celeste convívio é o mara-
Só Maria Santíssima conservou ín-
Fervor sempre crescente, sob a vilhoso destino eterno dos adorado-
tegra a fé enquanto Jesus estava no se-
proteção de Maria res de todos os tempos. ²
pulcro. Após a Ressurreição, Ela ani- A Igreja sempre cresce em santi-
mou os discípulos, manteve-os unidos dade ao longo da História, dado que Transcrição, com adaptações, da
e esperançosos, propiciou a vinda do os pecados de seus membros não mensagem escrita para a Federação
Espírito Santo, instruiu os Apóstolos conseguem desfigurá-la em sua subs- Mundial das Obras Eucarísticas
com seu testemunho, seus conselhos tância. Cristo “amou a Igreja e Se en- da Igreja, de cujo conselho diretivo
e relatos da vida de seu Divino Filho. tregou por ela, para santificá-la, pu- o autor é membro
Quem senão Ela poderia ter nar- rificando-a pela água do Batismo
rado a São Lucas os episódios da com a palavra, para apresentá-la a
infância de Jesus relatados em seu Si mesmo toda gloriosa, sem mácula,
1
TESNIÈRE, SSS, Albert. Le prête de l’Eu-
charistie ou Le Bienheureux Pierre-Julien
Evangelho? E quantas confidências sem ruga, sem qualquer outro defeito
Eymard. 9.ed. Lille: Desclée de Brouwer,
recebeu São João d’Aquela que Cris- semelhante, mas santa e irrepreensí- 1926, p.166-168.
to confiou a seus cuidados, no alto da vel” (Ef 5, 25-27). Pela força da Eu- 2
Cf. BERNARDINO DE PARIS. La Com-
Cruz? Com toda razão Maria é cha- caristia e sob a proteção de Maria, munion de Marie, Mère de Dieu. Paris: Jac-
mada Mãe da Igreja, pois desde seus não se pense que a Igreja apenas “so- ques Lecoffre, 1860, p.18.

Junho 2021 · Arautos do Evangelho      25


Meditações
de um menino sobre
o Coração de Jesus

Desde cedo a devoção ao Sagrado Coração de Jesus


acendeu-se no interior do pequeno Plinio. Sentia-se
ele especialmente atraído por sua nobreza e
Reprodução

bondade, como narraria mais tarde.


Plinio Corrêa de Oliveira

R ecordo com emoção


que Nossa Senhora dis-
pôs as coisas de manei-
ra que eu residisse per-
to de uma igreja tão altamente car-
perfeições e maravilhas de alma
possíveis, de um modo que eu ja-
mais poderia ter imaginado! E, ao
discernir o bom espírito que ha-
via em todas as coisas da igreja,
Deus seja visto assim e, por isso,
representaram Nosso Senhor des-
sa forma. Ora, Deus, visto assim,
é completo! Percebo que Ele é, de
fato, assim.
regada de bênçãos quanto é a Igre- pensava: “Este ambiente é o refle- “Que fisionomia! A beleza de que
ja do Sagrado Coração de Jesus.1 Ali xo d’Ele! A harmonia que encon- ouço falar por aí não vale nada! Se
eu assistia à Missa de domingo, com tro aqui é o próprio Deus. Ele é isso um dia eu quisesse analisar a ideia
meus pais, desde que dei acordo de num grau supremo, extraordinário, de formosura, viria aqui para olhar
mim mesmo. perfeito e infinito”. a fisionomia d’Ele, pois só Ele é bo-
Esse santuário exercia sobre mim Às vezes, permanecia diante da nito! Esse é o padrão: uma beleza de
um efeito que hoje vejo ser uma ação imagem do Sagrado Coração de alma, mais do que de corpo. Mas,
sobrenatural; mas eu pensava que Jesus que existe num altar lateral que corpo!… E, por detrás dele, que
aquela sensação decorria do aspecto da igreja. Via-O em pé, muito no- alma!… Que maravilha!
do edifício, cuja composição de cores bre e com um sorriso ligeiramen- “Dado que essa imagem coincide
e formas parecia-me tão digna e re- te triste, mas imensamente convi- de um modo inteiramente satisfató-
catada que era para mim a expressão dativo, tocando com a mão no Co- rio com o ambiente da igreja e com o
da própria santidade. ração e olhando para quem estava que me ensinaram sobre Nosso Se-
embaixo, como se dissesse: “Que- nhor, olhando a sua fisionomia, suas
“Queres um lugar aqui dentro?” res um lugar aqui dentro? Não Me mãos, seu traje, seus cabelos e seu
Não me custou perceber que aceitas? Olha que tesouro! Isto é gesto, terei uma ideia global a res-
Nosso Senhor Jesus Cristo, espe- para ti!” peito d’Ele, que posso tornar mais
cificamente enquanto fazendo ver Eu olhava e pensava: “Bem sei precisa e mais rica em contornos,
seu Coração aos homens, era a fon- que se trata de uma imagem e não se examinar cada ponto. Sobretu-
te infinita da qual emanava todo o de um homem, mas as pessoas que do seus divinos olhos e seu Sagrado
bem. N’Ele se realizavam todas as construíram a igreja querem que ­Coração”.

26      Arautos do Evangelho · Junho 2021


Nosso Senhor vivo, um cacho, nem um fio, que não este-
acolhedor e afável jam inteiramente no lugar apropria-
Começava, então, a fazer a aná- do, para dar uma ideia perfeita d’Ele
lise psicológica d’Ele e assim O dis- mesmo!
cernia. Hoje vejo o quanto eu “ar- “Muita gente viveu em ambientes
quetipizava” a imagem por efeito da mais distintos dos que Ele frequen-
minha inocência, pois ela está real- tou. Mas… distinção é aquela! Os
mente distante daquilo que a graça outros são todos insignificantes em
me fazia ver. Numa atitude de res- comparação com Ele!”
peito e de adoração, eu compunha a E eu chegava à conclusão: “Como
mais alta das ideias que minha men- Ele é amigo da ordem universal!
te de criança podia formar. De ma- Como é coerente com essa ordem!
neira que, quando muito mais tarde Ele ama todas as coisas na sua orde-
conheci o Santo Sudário, exclamei: nação própria e no mais belo aspec-
“É Ele!” to que podem dar de si mesmas. E
Posso dizer que aquilo que eu via com quanto carinho! Ele gosta des-
na infância representava ainda mais sa rosa que foi posta em seu altar, as-
fielmente a Nosso Senhor do que o sim como também gosta de mim que
próprio Santo Sudário, o que se com- estou igualmente aos seus pés. Ele é
preende facilmente, pois este O mos- afim com tudo o que é reto! A Igre-
tra enquanto morto e vítima, e na ja Católica é santa porque é como
imagem do Sagrado Coração Ele Se Ele; é um hífen entre Ele e nós; é a
me apresentava vivo, acolhedor e própria auréola que nimba a cabeça
afável. Eu via n’Ele algo de uma bon- d’Ele, e por isto eu a amo! A influên-
dade insondável, e essa ideia era re- cia, a mentalidade e a presença d’Ele
quintada pela impressão que me cau- estão neste ambiente”.
sava a cor vermelha de seu Coração. Essas graças foram de tal pro-
Encantavam-me também, em fundidade e alcance que não creio
Nosso Senhor, o asseio e as boas ma- ter podido, naquela idade, conhecer
neiras, expressas no feitio da sua face d’Ele mais do que conheci.
e ainda mais no seu corpo, que pare-
cia emitir luz. Sua túnica dava-me a
“Aqui está o Plinio…”
ideia de uma pessoa perpetuamen- Eu tinha a impressão de que Ele
te limpíssima, sem mancha alguma me olhava, não com os olhos de vidro
na alma ou na própria indumentá- de uma imagem sem vida, mas, de al-
ria. E havia no seu traje uma discre- gum modo, comunicando a essa ima-
ta bordadura dourada que me pare- gem certa expressão. Não sabia como

João Paulo Rodrigues


cia indispensável à sua elevação. Sem definir esse olhar, nem me preocupa-
ouro, Ele não teria reverenciado sua
própria grandeza como devia. Essa
consciência d’Ele a respeito da sua “Como Ele é amigo da
majestade me deixava encantado.
Eu me dizia: “Como Ele está em ordem universal! Ele
pé com distinção! Como o modo de
segurar o Coração é o de uma pes-
ama todas as coisas
soa bem-educada! Como a imposta- na sua ordenação
ção da cabeça é de alguém que re-
cebeu boa formação! Como a barba própria e no mais belo Imagem do Sagrado Coração de Jesus
está bem-arranjada, sem faceirice! do santuário desta invocação,
Que supremo aristocratismo natural
aspecto que podem em São Paulo; na página anterior,
Plinio aproximadamente no ano de 1919
nos cabelos! Tem-se a impressão de dar de si mesmas”
que Ele nem pensa nisso, mas não há

Junho 2021 · Arautos do Evangelho      27


va em fazê-lo, pois, por outro lado, me fazia lembrar da Paixão que Ele
achava ser talvez uma ilusão de havia sofrido, e a carga desses
minha parte, em vista da dis- símbolos tinha, para mim, o
tância entre Ele e os ho- significado de uma pergun-
mens. Como Ele chegaria ta feita por Ele: “Você se
a ter uma manifestação dá conta de que, em cada
assim a meu favor? um dos seus atos maus,
De qualquer maneira, você feriu o meu Cora-
parecia-me que Ele reali- ção? Olhe como sou bom.
zava comigo o mesmo que Meça o mal que fez”.
as
eu fazia em relação a Ele: B.
Ve E eu pensava: “Quanta
ins
analisar. E eu imaginava que n i o L intransigência! Basta cometer
Pli
Ele me olhava pensando: “Aqui uma falta para Ele ostentar o Co-
está o tal Plinio, o menino nú- ração ferido… Quanta pureza e
mero ‘um trilhão quinhen- Detalhe da imagem do Sagrado Coração de Jesus - Igreja sabedoria! Ele, no fundo, está
tos milhões e tanto’, de quem Nossa Senhora da Imaculada Conceição, Sabará (MG) mostrando o que eu fiz… As
gosto e no qual Me comprazo suas mãos estão chagadas e eu
em apreciar tais aspectos bons; de tenho parte nisso. Os pés, aparecen-
quem espero tal coisa. É uma crian- Eu pensava: do sob o traje, também o estão… As
ça ­boazinha, para a qual Me digno minhas falhas concorreram para es-
olhar com compaixão e com inten- “Quanta ses ferimentos. Sinto que em mim há
ção de beneficiá-la. Uma vez que está
aqui, tenho algo a dizer-lhe, do que
intransigência! defeitos potenciais não reprimidos,
em relação aos quais, por enquanto,
ele deve tirar proveito”. Basta cometer não sou um alheio, pois não os rejei-
Eu já considerava isso muito mais tei ainda.
do que eu merecia e, então, dian- uma falta para “Também estou vendo bem tudo
te da atitude d’Ele, refletia: “É um quanto há de mal em mim… Se eu
Pastor e um Rei que empreendeu
Ele ostentar o não aplicar atenção nisso, estou per-
de me governar, e Ele quer absolu- Coração ferido…” dido, pois não sei até onde decai-
tamente a minha docilidade às suas rei…” E concluía: “Como as coisas
indicações. Dar-me-á conselhos e do homem tocam no infinito! Como
ordens, preparando-me o caminho tir, à maneira de uma bebida delicio- é bonita a vida, ao considerar que
para voltar até Ele”. sa que eu tomasse e me agradasse so- cada pequeno fato tem relação com o
Eu refletia: “Antes de tudo, sinto- bremaneira, mas ao mesmo tempo Céu! Como tudo é grande!”
-me elevado acima de mim mesmo, me corrigisse. Ou seja, adorando-O, Essa era a primeira “mensagem”
por ver a sua grandeza. De onde se vejo que os meus aspectos tortos e re- d’Ele para mim.
abre em mim uma certa luz no cogi- prováveis endireitam-se e, com isso, A segunda, porém, manifestava-
tar e no ver, que me extasia, porque Ele me cura de doenças cuja existên- -se assim: “Entretanto, meu filho,
algo em mim é feito para admirar o cia eu ignorava”. Eu não lhe digo isso para perdê-lo,
que é mais do que eu. Quando saio mas para perdoá-lo, pois existe em
das minhas ocupações normais de
Palavras interiores do Mim o manancial de um afeto mais
menino e vejo algo muito maior do
Sagrado Coração de Jesus suave que o veludo, mais ameno do
que eu, tenho a impressão de fugir Sua seriedade me impressionava que qualquer brisa do mar e capaz de
do bom para o ótimo! Ali eu me po- muito, e eu percebia que Ele queria inundá-lo inteiramente, até o mais
nho ‘na ponta dos pés’ e me alegro. manifestá-la no modo de segurar o íntimo de seu ser”.
Isto é: vejo-O como Ele é e O adoro. Coração, rodeado de espinhos e ten- E eu continuava refletindo: “Como
“Eu noto que, enquanto O con- do uma chama em cujo centro havia é imensa a doçura d’Ele! Eu não seria
templo, Ele me faz como que ‘tocar uma cruz. Esse Coração, retirado do capaz de medir sua grandeza, se não
com as mãos’ no pensar, no querer e peito e colocado à mostra, dava-me entendesse a dimensão dessa doçura!
no sentir d’Ele. E isso me comunica a ideia de uma certa violência, o que Sinto que Ele não quer cobrar algo de
uma retidão e uma santidade no meu era acentuado pela cor vermelha, mim, nem castigar-me, nem vingar-
pensar, no meu querer e no meu sen- apesar de esta ser muito bonita. Isso -se, pondo o seu pé chagado mas ven-

28      Arautos do Evangelho · Junho 2021


cedor sobre minha cabeça desvaira- estava, em raiz, o desejo da consecra- te com o Sagrado Coração de J­ esus,
da e pecadora. Não! Ele quer dizer- tio mundi e da sacralização da ordem o que constituía, portanto, uma medi-
-me que está disposto a pagar o bem temporal. tação profundamente religiosa.
pelo mal, pois, apesar de tudo, tem Nessas horas de silêncio, eu tinha
pena de mim considerando a minha
“Minha alegria de viver” uma paz e um contentamento mui-
pequenez”. Hoje percebo que a minha atitu- to intenso em sentir a minha virtu-
Aquele corretivo era delicioso, de nesses momentos era de verdadei- de e minha união com Ele. E essa era
mas eu percebia que me seria di- ra oração, entretanto não vocal. a minha alegria de viver! Se alguém
fícil manter essa postura interior Eu pensava sobre muitas coisas, me afirmasse com provas de evidên-
e que, em certo momento, teria de encantando-me por ver que eram cia que o Sagrado Coração de Jesus
sofrer e lutar muito. Mas, como boas e relacionando-as implicitamen- não existia, eu era capaz de ter uma
criança, pensava: “Bem, ainda não convulsão e morrer. Pois se Ele não
chegou a hora! E isto é tão bom fosse verdadeiro, eu me desagregaria
que deixarei esse problema para A Igreja Católica é e não seria mais eu mesmo! ²
depois”. Eu tinha mais curiosida-
de em fixar minha atenção no que santa porque é como Extraído, com pequenas
Deus estava me mostrando, do que
em deduzir por mim mesmo a con-
Ele; é um hífen entre adaptações, de:
Notas Autobiográficas.
sequência futura daquilo. Ele e nós; é a própria São Paulo: Retornarei,
2008, v.I, p.502-518
Desejando a “consecratio mundi” auréola que nimba
Entretanto, o meu desejo ia mais
longe: eu queria morar n’Ele! E re-
a cabeça d’Ele, e 1
Atual Santuário do Sagrado Coração de
fletia: “Se pudesse estudar, rezar, por isto eu a amo! Jesus, localizado no Bairro dos Campos
conversar, enfim fazer tudo quanto Elíseos, em São Paulo.
faz um menino, aos pés da imagem
do Sagrado Coração de Jesus, seria
para mim uma explosão de alegria,
pois sinto que Ele impregnaria tudo
em mim e em torno de mim, inclusi-
ve os meus amigos”.
Poder-se-ia pensar que eu dese-
java permanecer rezando lá, aban-
donando as brincadeiras, a comedo-
ria, o leito bom e o conforto. Não era
assim! A minha ideia era a seguinte:
“Como seria bom se Ele pudesse pre-
sidir toda a minha vida!”
Eu gostaria de trazer às escondi-
das um éclair e dizer a Ele: “Senhor,
aqui está este doce, tão afim convos-
co. Eu vou me unir a Vós comendo-
-o e pensando em Vós. Abençoai este
éclair!” Eu comeria aos pés d’Ele e
ficaria contentíssimo! Depois diria:
“Senhor, eu trouxe mais um… É de
café, o éclair de minha preferência!”
Stephen Nami

E, se eu não pudesse permanecer


ali, despedir-me-ia d’Ele assim: “Se-
nhor, agradeço-Vos pela boa com-
panhia que me fizestes!” E acho que
não haveria nada de mau nisso. Ali Altar-mor do Santuário do Sagrado Coração de Jesus, São Paulo

Junho 2021 · Arautos do Evangelho      29


Santa Germana Cousin

“A Santa que
precisávamos”
O corpo perfeitamente intacto décadas após a morte,
os contínuos milagres e a acendrada devoção dos fiéis
demonstraram o empenho do Altíssimo em defender
Francisco Lecaros

uma causa que era só sua!


Ir. Maria Teresa Ribeiro Matos, EP

A
s janelas altas e estreitas, ções e, às vezes, a guerra tomavam percebem a marca vermelha que a pi-
as torres largas e a facha- por completo aquela gente. Uma careta de Guillaume lhe deixou no
da meio amuralhada da- existência digna e piedosa apoia- rosto. Que milagre!
vam um aspecto de for- da em trabalho honesto era tudo o A notícia logo se espalha pelo po-
taleza à pequena igreja medieval de que almejavam. Até que, numa tar- voado e todos acorrem curiosos.
Santa Maria Madalena, no povoado de do ano 1644, um acontecimento Quem seria aquela Santa nascida
francês de Pibrac. veio modificar a rotina do povoado e, em seu meio, mas de cuja virtude se-
O vilarejo não distava mais que mais tarde, torná-lo conhecido até os quer tinham se dado conta? Por fim,
­alguns quilômetros da grande e de- confins do mundo católico. ­alguns mais experientes e avançados
senvolvida cidade que dominava o sul em idade a reconhecem: é Germana
da França e que muita fama acumu-
Uma insigne descoberta Cousin, a pobre pastorinha escrofu-
lara ao longo dos séculos: Toulouse. Guillaume Cassé trabalha com ar- losa que falecera havia mais de qua-
Entre os inúmeros feitos que compu- dor no piso da igreja de Pibrac para re- renta anos.
nham a sua história, ela contempla- mover uma grossa laje. Falecera uma Mesmo sem saber muito como ela
ra a partida para a Primeira Cruzada piedosa paroquiana e seus familiares vivera ou o que fizera, o povo a reti-
de seu conde, o não pouco ambicioso desejam que o corpo repouse no re- rou do solo e passou a venerá-la numa
Raimundo IV; assistira aos inumerá- cinto sagrado à espera da ressurreição lateral do templo, não tendo a menor
veis golpes desferidos nas suas redon- final. Após numerosas batidas e mui- dúvida de que tanta paz, serenidade e
dezas pela espada de Simão de Mont- to esforço, o coveiro finca novamente jovialidade só podiam emanar de um
fort em luta contra a heresia cátara; e a picareta, fazendo-a penetrar fundo corpo cuja alma estivesse bem próxi-
mais recentemente também fora pal- e desprender a pedra do solo. ma de Deus e da Santíssima Virgem.
co de sangrentas batalhas entre cató- Subitamente, um grito de assom- Mas, afinal, quem era aquela jo-
licos e protestantes huguenotes. bro se faz ouvir, atraindo todos os vem tão atraente quanto desconhe-
Contudo, esses episódios – e mui- circunstantes para junto da abertu- cida?
tíssimos outros – pouco influencia- ra. Algo ao mesmo tempo prodigioso
vam a vida simples e campestre dos e assustador contemplam: o corpo de
Contemplação em meio à dor
habitantes de Pibrac. O gado, as di- uma donzela ali jaz em perfeito esta- A História não registra com segu-
ficuldades climáticas com as planta- do. Tão viva parece estar que todos rança o nome dos pais de Germana,

30      Arautos do Evangelho · Junho 2021


mas sabe-se que ela pertencia à famí- castigos por parte de sua madrasta, se “sim” e o plano de Deus se reali-
lia Cousin, proprietária de uma fa- que descarregava seu mau humor so- zou na História. Não hesitou mesmo,
zenda em Pibrac. bre a inocente menina. certa vez, em ajoelhar-se em meio às
Além do braço direito atrofiado, águas de um rio ao ouvir o toque du-
cuja deformação se constatava no
Jamais perdia um momento de rante a travessia, ou a sujar-se no bar-
angelical corpo, Germana padecera
convívio com Jesus e Maria ro por estar passando num lugar pan-
uma terrível doença, a escrofulose. À Se os habitantes de Pibrac pouco tanoso.
época, essa enfermidade era incurá- viam Germana e quase nada conhe- Outro forte elemento da piedade
vel e, por ser contagiosa, trazia para ciam dos seus afazeres, em um lugar de Germana era a recitação do Rosá-
a menina, ademais do sofrimento fí- era certo que poderiam encontrá- rio, pelo qual cresceu na intimidade
sico, o desprezo e o trato desumano -la diariamente: a igreja paroquial. com Aquela que é o Paraíso de Deus.
por parte de sua madrasta. Ao ouvir os sinos chamando os fiéis Desse convívio tirava as forças ne-
Entre as humilhações que esta lhe para junto de Deus, a pastora enco- cessárias para enfrentar com galhar-
infligia, estava a proibição de aproxi- mendava o rebanho a algum conheci- dia, confiança e espírito sobrenatural
mar-se da mesa da família e a sujei- do – e, quando não encontrava quem sua difícil existência e fazer dela um
ção a dormir num canto do corredor lhe prestasse esse auxílio, confiava as instrumento de combate para o pró-
ou mesmo na estrebaria, de onde de- ovelhas a seus companheiros celestes prio Deus.
via sair bem cedo para passar o dia – e dirigia-se sem tardar à celebração Se, ao abrir a maçaneta de uma
no campo a guardar o rebanho. Era da Eucaristia. porta, a Santíssima Virgem dava
este o único ofício para o qual a jul- Mesmo sem estudos, a menina sa- mais glória a Deus do que um már-
garam capaz e que ajudava, ademais, bia discernir o valor infinito do San- tir em seus tormentos, quanto não
a mantê-la afastada de casa. Nos me- tíssimo Sacramento, não achando ne- poderiam valer as doenças, os traba-
ses de frio ou de calor vestia sempre nhum motivo suficientemente válido lhos, o isolamento e os maus-tratos
a mesma roupa, e lhe davam para le- para perder aquela hora de convívio que Germana sofria, unidos aos mé-
var como alimento apenas um peda- com seu Divino Modelo, ali presente ritos de Maria?
ço de pão. em Corpo, Sangue, Alma e Divinda- Essa era a razão da constante se-
Durante todo o dia, Germana de. E alegrava-se em poder recebê- renidade e alegria que a jovenzinha
conduzia o rebanho pela floresta de -Lo em todas as festas. comunicava, levando o esquecimen-
Bouconne ou pelas pradarias próxi- Também era sagrada na rotina da to de si até o heroísmo. Em certa oca-
mas à aldeia, velando para que ne- pastorinha a hora do Angelus, que sião, notando-a ainda mais débil e
nhuma ovelha se extraviasse ou fos- soava no campanário. Onde e como sem forças, souberam que naquela
se atacada pelos lobos. Quem se en- se encontrasse, ela interrompia o que semana privara-se de seu único pe-
contrasse com ela nesses momentos estivesse fazendo, punha-se de joe- daço de pão para destiná-lo a um po-
não podia fazer ideia de tudo quanto lhos e recitava a oração, venerando bre homem desfalecido de fome, com
sofria. Sempre alegre, elevada e ge- o momento auge em que Maria dis- o qual se encontrara no caminho.
nerosa, a pastorinha não
passava suas horas de so-
lidão pensando nas tris-
tezas e dificuldades da
vida. Afastada das agi-
tações do mundo, da
ebulição das paixões e
Sylenius (CC by-sa 4.0)

das ambições humanas,


aproveitava para con-
templar as maravilhas
da criação que tão bem
refletiam a Deus e sua
Mãe, à qual a jovem de-
votava especial carinho. Sempre alegre, elevada e generosa, a pastorinha não passava suas horas de solidão
Entretanto, não ra- pensando nas tristezas e dificuldades da vida
ras eram as jornadas que Casa de Santa Germana Cousin, Pibrac (França); na página anterior,
terminavam em surras e Santa Germana - Igreja de São Bartolomeu, Laàs (França)

Junho 2021 · Arautos do Evangelho      31


A correnteza amainada revelar à História a grandeza des- Regando tais virtudes com o con-
Embora o povo de Pibrac não lhe sa alma escondida aos olhos dos ho- tínuo oferecimento de suas dores,
desse atenção, a família a desprezas- mens, “mas escolhida e preciosa aos Germana não só apresentava a Deus
se e ninguém reconhecesse suas vir- olhos de Deus” (I Pd 2, 4). um desagravo pelas afrontas dos ho-
tudes, sem dúvida muitos sentiam, no Nenhuma palavra saída dos lábios mens, como também atenuava os
fundo da alma, que aquela pastori- de Germana ficou registrada, mas males que esses mesmos desregra-
nha representava algo superior, mais ela ensinou ao mundo inteiro como mentos atraíam sobre o mundo.
próprio ao Céu do que à terra. Não o verdadeiro valor, glória e sucesso
faltaram testemunhas disso no seu são aqueles conquistados diante de
Longa espera para a glorificação
processo de canonização, havendo Deus. O corpo mantido intacto, os Após a descoberta do corpo de
inclusive relatos de fatos milagrosos inúmeros milagres e a contínua devo-
Germana, o Pe. Sounilhac, pároco
ocorridos com a menina. ção dos fiéis demonstram o empenhoda Igreja de Santa Maria Madalena
Por exemplo, aproximava-se ela do Altíssimo em defender uma causade Pibrac, mandou que o depositas-
em certa ocasião do Rio Courbet, que era somente sua! sem num sarcófago simples e o dei-
que sempre atravessava para chegar Num século assolado pelos errosxassem na lateral do templo, pois
à igreja. Naquele dia, porém, a chu- de pseudorreformadores e constan- o povo não se afastava daquela que
va tinha sido intensa e a corrente- tes guerras contra a Santa Igreja, a
já considerava sua Santa. Mas logo
za era forte. Sem titubear, Germana existência de Germana bem pode seros milagres começaram e a fama de
avançou em direção às águas, que se considerada uma reparação ao Cora-Germana ultrapassou os limites do
amainaram permitindo-lhe passar ção Divino. Sua fé na Presença Real
povoado…
tranquilamente. na Eucaristia e a ardente devoção Receoso de transgredir a proibi-
Também houve quem atestas- mariana firmavam os pontos mais ção de Roma de render culto oficial a
se milagre semelhante ao ocorri- atacados pelos hereges; sua submis-
um falecido antes da aprovação ecle-
do com Santa Isabel da Hungria: são incondicional e seu apagamentosiástica, o cura transferiu o corpo
em pleno inverno, Germana saiu contrapunham-se à rebeldia contra a
para a sacristia. Continuava, porém,
de casa levando restos de pão para autoridade papal. a receber os milhares de peregrinos
os pobres, ocultos no avental. e a registrar com cuidado, dian-
Percebendo o volume que a jo- te do tabelião, os milagres alcan-
venzinha carregava, a madras- çados.
ta correu furiosa atrás dela e Entretanto, as autoridades
abriu-lhe à força o tecido, fa- não participavam da mesma
zendo cair ao solo inúmeras flo- pressa e entusiasmo dos devotos
res… em promover a glorificação de
Germana.
Apagada aos olhos dos Somente em 1661 o Cônego
homens, mas preciosa Dufour, Vigário-Geral da Arqui-
diante de Deus diocese de Toulouse, vai a Pibrac
No sofrimento e apagamento, a fim de tomar contato com essa
com a saúde debilitando-se cada realidade sobrenatural. Abre o
vez mais, a pastora atingia seus caixão e imediatamente compro-
vinte e dois anos. va o milagre; manda levantar a
Ora, certa manhã, provavel- pedra sob a qual Germana esti-
mente no ano 1601, o rebanho vera enterrada, para verificar as
Francisco Lecaros

não saiu para as pastagens. O condições do solo, e da defunta


que sucedera? Entraram no es- paroquiana que ocupou o lugar
tábulo e viram que a alma de da Santa só encontra pó…
Germana subira para a eterni- Não resta a menor dúvida:
dade tão serenamente quanto Suspeitando que Germana levava
aquele corpo incorrupto é obra
vivera; apenas seu corpo perma- pães aos pobres, a madrasta abriu-lhe o divina. Fecha a urna com gros-
necia deitado em meio às ove- avental, do qual caíram flores... sos cadeados, manda colocá-la
lhas. E só por elas seria venera- Santa Germana - Igreja de Nossa Senhora da a uma altura fora do alcance dos
do, se o Altíssimo não quisesse Assunção, Caussade (França) fiéis e despede-se, l­embrando as

32      Arautos do Evangelho · Junho 2021


normas de Roma e prometendo lutado e vencido num campo mui-
abrir uma comissão para preparar to mais sublime que o das questões
o processo diocesano, com vistas à sociais: junto ao Coração de Deus!
canonização. É nesse sentido que dela co-
Em 1680 dirigem-se até a igre- menta Dr. Plinio Corrêa de Oli-
ja os comendadores da Ordem de veira, apontando-a como mode-
Malta, sob cujos cuidados se en- lo para nós: “O católico de nossos
contrava aquele templo, desejosos dias deve ser altivo, batalhador,
de ver o prodígio. Admirados, com- cônscio de seu valor, não esque-
provam eles que o corpo da pasto- cendo, porém, de representar pe-
rinha se encontrava “inteiro, pare- rante seu século as virtudes de
cendo ainda de carne, com flexibi- Santa Germana Cousin. Muitas
lidade em todos os seus membros, vezes negado, malvisto, isolado e
quando segurados e movidos”.1 perseguido, ele vê constituírem-se
em torno de si as inimizades mais
Afinal, a canonização! gratuitas, enquanto desfazem-se
Entretanto, passam-se trinta e as mais fundadas amizades. Ele
GFreihalter (CC by-sa 3.0).

cinco anos desde a visita do vigá- tem de lutar de peito aberto contra
rio, e não se ouve qualquer notícia as potências de sua época, reman-
dele… O povo, cada vez mais bene- do contra a maré montante dos ví-
ficiado pela santa pastora, não de- cios e desvios de seu tempo. Não
siste. Enviam então o próprio al- raras vezes torna-se objeto de des-
caide de Pibrac, Jacques de Lespi- prezo, senão de ódio. […] Entre-
nasse, para rogar ao Arcebispo de Ela ensinou a todos que o verdadeiro tanto, quando a glória de Deus é
Toulouse, Dom Colbert, que fizes- valor, glória e sucesso são aqueles tocada, devemos defendê-la como
se algo para o reconhecimento da conquistados diante de Deus leões. E ao tratar-se de problemas
glória de Germana Cousin. Santa Germana - Paróquia de São Nicolau, do amor-próprio ou de reivindica-
Após alguns anos de espe- Châteubriant (França) ções pessoais, devemos ser man-
ra, o prelado acede e encarrega o sos como cordeiros. Teremos imita-
Pe. ­Morel de iniciar o processo. Em chegou ao destino. Foi preciso travar do, então, a nosso modo, as virtudes
1700, com uma solene Missa, à qual ainda muitas batalhas para, no sé- de Santa Germana, ora inclinando a
acorre uma multidão de devotos, esse culo XIX, Gregório XVI retomar o cabeça perante as humilhações, ora
sacerdote abre novamente a urna e processo e Pio IX concluí-lo com a defendendo a glória de Deus como
contempla o prodígio. A seguir, es- solene canonização em 1867. guerreiros”.2
cuta as numerosas narrações de mi- Concluímos, assim, quão oportu-
lagres alcançados por intermédio da
Exemplo para os nossos dias na é, também para o nosso contur-
humilde pastorinha, ouve o parecer No prolongado período que ante- bado século XXI, a exclamação saí-
de médicos e especialistas e, por fim, cedeu a glorificação terrena da San- da dos lábios do Papa Gregório XVI
recolhe também o testemunho de ta, Deus não Se cansou de revelar ao ao tomar contato com os documen-
Françoise Pères, senhora de setenta mundo, através de incessantes prodí- tos para a beatificação da pastorinha
e sete anos que, quando menina, pre- gios, o valor de sua alma generosa e de Pibrac: “É a Santa que precisáva-
senciara a descoberta do corpo e ou- abnegada. E os maus compreendiam mos”.3 ²
vira o relato daqueles que haviam co- bem isso. Tendo explodido a Revolu-
nhecido Germana e atestado a santi- ção Francesa, o Comité de Salut Pu-
dade de sua vida. blique mandou lançar aquele corpo
Estando tudo arquivado, o virginal e luminoso numa fossa de
1
RICHOMME, Agnès. Sainte Germaine de
Pibrac. Paris: Fleurus, 1967, [s.p.].
Pe. Morel encaminha o dossiê a cal. 2
CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Santa
Roma através de um padre capuchi- Por que a Revolução, que se in-
Germana Cousin. In: Dr. Plinio. São Pau-
nho. Décadas se passam e não rece- titulava defensora dos direitos do lo. Ano XIII. N.147. (jun., 2010); p.14-15.
bem resposta alguma… O que acon- povo, não fez daquela pastora pobre, 3
VEUILLOT, Louis. Sainte Germaine
teceu? Só muito mais tarde se sou- doente e excluída, um ídolo seu? Por- Cousin. 3.ed. Paris: Victor Lecoffre, 1904,
be que o material se perdera e nunca que, antes de tudo, Germana havia p.173.

Junho 2021 · Arautos do Evangelho      33


O “Poema à Virgem”:
lavra de ouro
do Apóstolo do Brasil

Cercado de mil perigos, o jovem missionário


afervorou sua devoção a Nossa Senhora. E
prometeu escrever em versos a vida da Mãe de
Deus, se Ela o conservasse em sua pureza.
Timothy Ring

Francisco de Assis Silveira Leite Esmeraldo

A
origem do Poema à Virgem a colonização portuguesa na região e, Nesse ínterim, o Pe. Nóbrega foi cha-
está ligada a um dos heroi- com ela, a Fé Católica. mado a São Vicente, onde sua pre-
cos episódios da História O Pe. Manoel da Nóbrega e o sença se fazia muito necessária.
da nação brasileira, no qual Ir. José de Anchieta,1 partindo como Por mais que lhe custasse ver o ve-
transparecem reunidos o espírito de embaixadores de paz em maio de nerável superior partir em tal conjun-
fé, a confiança na Providência, a for- 1563, chegaram às praias de Iperoig, tura, Anchieta preferiu o bem comum
taleza de alma e o fino tato diplomá- atual Ubatuba. Ali passaram meses ao seu privado, oferecendo-se de bom
tico de São José de Anchieta, admirá- de contínua incerteza entre a vida e grado a ficar entre os inimigos, até
vel homem de Deus. a morte, no meio dos tamoios, sem que aprouvesse a Deus abrandar-lhes
conseguir promover nenhum acordo. o coração e fazer com que chegassem
Arriscada embaixada a uma conciliação.
junto aos tamoios
Desde os primeiros anos da funda- Quando se sentia Uma promessa à
ção de Piratininga na capitania de São
Virgem Santíssima
Vicente, vinham os índios tamoios cansado, o jovem Sozinho em meio a uma gente per-
hostilizando as povoações portugue-
sas, confederadas com os tupis do ser-
jesuíta passeava pela versa, o Ir. José viveu todo esse tem-
po como um lírio entre os espinhos.
tão. O ataque se tornou quase inces- praia, compondo A convivência com os nativos – que
sante em 1559, quando os tamoios se para qualquer outro teria sido funes-
aliaram aos franceses estabelecidos na areia, em versos ta – lhe serviu para robustecer e dar
no Rio de Janeiro. Vencidos por Mem novo brilho à sua virtude.
de Sá em 1560, estes instigaram os
latinos, a vida da Para um jovem na flor da idade,
aborígenes a uma insurreição geral, Santíssima Virgem bem espinhoso era estar cercado de
que ameaçava arrasar ­completamente mil ocasiões de pecado, ­incontáveis

34      Arautos do Evangelho · Junho 2021


perigos e escândalos de toda sorte; e comer”. Ao que ele respondia com cimento, cuja clave sublime perpassa
e, de mais a mais, privado dos Sacra- brandura: “Não me haveis de matar; de início a fim toda a peça literária:
mentos, sem um bom livro para ler ainda não chegou a minha hora”.3 “Cantar ou calar? / Mãe Santís-
nem um diretor espiritual que o sus- sima de Jesus, os teus louvores / hei
tentasse. Redobrou, pois, a vigilân-
Conversão conquistada de os cantar ou hei de os calar? / A
cia sobre si mesmo, sufocando pronta-
pela doçura mente alvoroçada / sente-se impelida
mente o menor movimento da nature- Tal foi o comportamento do Santo pelo aguilhão do amor / a oferecer a
za que pudesse debilitar a virtude. durante os três meses em que perma- sua Rainha uns versos…
Afervorou a devoção para com neceu só entre os selvagens. A suavi- “Mas receia com a língua impura /
Nossa Senhora, confiando-Lhe de dade do trato e a retidão de seus cos- decantar tuas glórias: / inúmeras cul-
modo especial a guarda de seu cora- tumes ilibados acabaram por conquis- pas carregam-na de manchas. / Como
ção e sua pureza. E prometeu escre- tar-lhes o coração, de tal maneira que, ousará mundana língua enaltecer / A
ver a vida da Mãe de Deus em versos, afinal, pôde-se concluir a paz, tão sa- que encerrou no seio o Onipotente?”5
se Ela o ajudasse a sair da situação em tisfatória para ambas as partes. Séculos antes da definição dog-
que se achava, sem mancha alguma Depois de publicamente render mática da Imaculada Conceição e
que obscurecesse o alvo lírio da cas- ações de graças a Deus por tão as-
tidade. sinalado benefício, dispôs-se a par-
tir para São Vicente, o que muito lhe
Impresso na areia e na memória custou, pois não podia esquecer-se
Quando se sentia esgotado pelo dos favores que ali recebera da Pro-
cansaço, o jovem jesuíta repousava vidência. Como São João na Ilha de
passeando pela praia, e ali punha-se Patmos, ele amava aquele local que,
a cumprir sua promessa, compondo de terra de exílio, se lhe tornara pá-
na areia, em versos latinos, a vida da tria querida. Via, ademais, que os po-
Santíssima Virgem. vos nativos eram fáceis de civilizar,
Quem lê as tocantes alegorias, sím- bastando para isso habilidade e ver-
bolos e figuras extraídas das Sagra- dadeiro espírito apostólico. Dilace-
das Escrituras e dos Santos Padres, de rava-lhe o coração deixar uma região
que está recheado o poema, não sabe onde tanto bem restava por fazer.
o que mais admirar: se a piedosa un- De outro lado, os próprios índios
ção do autor, se o seu gênio, erudição opunham-se a que ele os deixasse,

Reprodução
e doutrina, que assim deixou consig- pois tendo mudado de atitude, pa-
nados para louvor da Rainha do Uni- reciam ter-lhe agora um entranha-
verso e edificação na fé das gerações do amor. Já não poderiam suportar a
futuras. ausência do homem de Deus que tan- São José de Anchieta, por Benedito
O quanto tal composição foi agra- to os tinha assistido, consolado e so- Calixto - Museu Paulista da USP São
Paulo; na página anterior, O poema à
dável aos Céus, bem se deduz das corrido em suas aflições. Heroica foi
Virgem Maria, por Benedito Calixto -
narrações de testemunhas oculares a sua partida, mas a santa obediência Museu Anchieta, São Paulo
que afirmam ter visto muitas vezes o chamava e ele não hesitou.4
um formoso passarinho, de linda e Finalmente, a 21 de setembro de
variada cor, a esvoaçar em torno de 1563, depois de quase cinco meses Anchieta viveu
Anchieta enquanto ele fazia seu poe- afastado, entrava Anchieta em São
ma, e pousar-lhe ora nos ombros, ora Vicente para abrir o tesouro precio- como um lírio
na cabeça, ora nas mãos.2
De sua parte, a Virgem foi fiel ao
so de sua memória e dar ao mundo
as pérolas de inestimável valor do
entre os espinhos.
compromisso, guardando-lhe intac- poema de quase seis mil versos que A convivência com
ta a pureza de alma e a própria vida, lavrara nas areias de Iperoig.
mesmo quando na praia ensolarada os nativos serviu
O poema
os terríveis canibais faziam soar aos
ouvidos do missionário a frase amea- A título de amostragem, apresen-
para dar novo brilho
çadora: “Farta-te de ver o sol, por- tamos alguns trechos do célebre Poe- à sua virtude
que em breve te havemos de matar ma à Virgem. Abaixo segue o ofere-

Junho 2021 · Arautos do Evangelho      35


tendo como testemunhas apenas os “Eis os versos que outrora, ó corpo e alma. / A inspiração do
Anjos e os inquietantes olhares de fe- Mãe Santíssima, / Te prometi em Céu, / eu muitas vezes desejei pe-
rozes índios, assim se exprimia o can- voto, / vendo-me cercado de feros nar / e cruelmente expirar em du-
tor da Imaculada, nas areias da Terra inimigos. / Enquanto, entre os ta- ros ferros. / Mas sofreram merecida
de Santa Cruz: moios conjurados, / pobre refém, repulsa meus desejos: / só a heróis /
“Concebida em seio materno, tratava as suspiradas pazes, / tua compete tanta glória!”8
como todos nós, / só tu, ó Virgem, graça me acolheu / em teu materno
foste livre do labéu / que mancha os manto / e teu véu me velou i­ ntactos
Flor semeada por todo
outros todos, / e esmagas ao calca-
o Brasil
nhar / a cabeça do enroscado dra- Enaltecendo as virtudes do Após-
gão, / retendo sob as plantas sua “Em Anchieta, tolo do Brasil, Dr. Plinio Corrêa de
fronte humilhada. / Toda bela de al- Oliveira afirmava solenemente na
vura e luz, / não houve sombra em brotara uma flor Assembleia Nacional Constituinte
Ti, doce amiga de Deus!”6
E tomado de zelo pela ortodoxia,
de virtude: é a de 1934:
“Em Anchieta, vas electionis,9 bro-
contra a insolência da heresia calvi- mansidão suave, tara uma flor de virtude, e esta flor,
nista que atacou a virgindade perpé- ele a semeou por todo o Brasil: é a
tua da Rainha Celeste, ele proclama: ligada à energia mansidão suave, ligada à energia se-
“Como não pode enxergar os rena, mas inexorável, que é o eixo de
raios da divina luz, / donde flui o
serena, mas nossa alma”.10
brilho de teu corpo e de tua alma, inexorável” Peçamos confiantes que, a ro-
/ rouba-Te a honra da perpétua vir- gos deste incomparável herói da
gindade […]. / Com negro Fé, a Senhora da Concei-
coração roído pela lepra, / ção Aparecida, padroei-
Te atira setas envenenadas ra do Brasil, nos obtenha,
em fel de víbora. / Mons- na atual encruzilhada his-
tro, por que te inchas, / tórica por que passa a na-
com a inveja da antiga Ser- ção, graças extraordinárias
pente? / Por que róis com para que nosso país seja,
loucos dentes / a beleza da de fato, a Terra de Santa
Virgem Mãe? […] / Ousas- Cruz com a qual sonharam
te, venenosa cobra, / tocar, seus fundadores, cujo fu-
com essa tua maldita lín- turo grandioso foi profeti-
gua, / o leito alvíssimo do zado por São José de An-
eterno Deus?”7 chieta na epopeia A gesta
Com uma breve dedica- de Mem de Sá: “Quando os
Reprodução

tória termina o poema num povos brasis observarem a


brado de amor à Virgem, doutrina de Cristo, instau-
no desejo ardente do mar- rar-se-á por séculos neste
tírio e em nobilíssimo sen- Evangelho nas Selvas, por Benedito Calixto mundo austral a idade de
timento de humildade: Pinacoteca do Estado de São Paulo ouro!”11 ²

1
São José de Anchieta foi orde- nhia Editorial Nacional, 1949, 8
Idem, p.340. 11
SÃO JOSÉ DE ANCHIETA.
nado sacerdote três anos de- p.210. De gestis Mendi de Saa, apud
9
Do latim: vaso de eleição
pois, em 6 de junho de 1566, VIOTTI, SJ, Hélio Abran-
4
Cf. SAINTE-FOY, op. cit., (cf. At 9, 15).
na Catedral de Salvador. ches. Anchieta, o Apóstolo do
p.47-48. 10
CORRÊA DE OLIVEI- Brasil. 2.ed. São Paulo: Loyo-
2
Cf. SAINTE-FOY, Charles. 5
SÃO JOSÉ DE ANCHIETA. RA, Plinio. 98ª Sessão, em 19 la, 1980, p.237.
Vida do Venerável Pe. José de
Sobre a Virgem Maria Mãe de de março de 1934. In: Ope-
Anchieta. São Paulo: Jorge Se- 12
SÃO JOSÉ DE ANCHIETA,
Deus. 5.ed. São Paulo: Pauli- ra Omnia. Reedição de escri-
ckler, 1878, p.43-47. Sobre a Virgem Maria Mãe de
nas, 1996, p.57. tos, pronunciamentos e obras.
Deus, op. cit., p.278-279.
3
VIEIRA, Celso. Anchie- São Paulo: Retornarei, 2009,
6
Idem, p.59.
ta. 3.ed. São Paulo: Compa- v.II, p.63.
7
Idem, p.140-141.

36      Arautos do Evangelho · Junho 2021


Hino de amor à Divina Chaga
Em seu “Poema à Virgem”, São José a Santa Margarida Maria Alacoque,
de Anchieta dedica alguns versos que no século seguinte receberia
ao Sagrado Coração de Jesus, do próprio Salvador a missão
ferido de amor pela salvação de espalhar essa devoção pelo
dos homens. Precedia assim mundo.

Ó chaga sagrada, não foi o ferro


de uma lança que te abriu mas
sim o apaixonado amor que ao nosso
A ti recorrem os perseguidos do
inimigo fero, medicina pronta a
toda a enfermidade!
amor tinha Jesus foi quem te abriu!
Em ti vai sorver consolação o triste
Ó caudal que borbulhou no seio do e arrancar do peito opresso a carga
Paraíso, de tuas águas se embebe e da tristeza.
fertiliza a terra!
Não será frustrada a esperança do
Ó estrada real, porta cravejada pobre réu que, depondo o temor,
do Céu, torre de refúgio, abrigo da entra nos palácios do Paraíso, por
esperança! tua via.

Ó rosa a trescalar o perfume divino Ó morada da paz! Ó veio perene


da virtude! Pedra preciosa com que da água viva que jorra para a vida
o pobre compra um trono no Céu! eterna!

Ninho em que as cândidas Só em Ti, ó Mãe, foi rasgada esta


pombinhas depositam seus ovinhos, ferida, só Tu a sofres, somente Tu a
João Paulo Rodrigues

em que a rola casta alimenta seus podes franquear.


filhotes.
Deixa-me entrar no peito aberto
Ó chaga vermelha, que reverberas pelo ferro e ir morar no Coração
de imensa formosura e feres de de meu Senhor; por esta estrada
amor os corações amigos! chegarei até às entranhas deste
amor piedoso; aí farei o meu
Ó ferida que abriste com a lança descanso, minha eterna morada.
do amor, através do peito divinal,
estrada larga para o Coração de Aí afundarei os meus delitos no
Cristo! rio de seu Sangue, e lavarei as
torpezas de minha alma, nesta água
Prova de inaudito amor com que cristalina. Nesta morada, neste
Ele a Si nos estreitou: porto a que se Sagrado Coração de Jesus remanso, o resto de meus dias, quão
acolhe a barca na procela! Casa de Formação Thabor, Caieiras (SP) suave será viver, aí, por fim, morrer!12

Junho 2021 · Arautos do Evangelho      37


Luzes da intercessão de Dona Lucilia

Amparo, proteção e
segurança
Gratos pelos inúmeros benefícios recebidos, muitos desejam
externar o enorme contentamento que sentem por
encontrar uma mãe que, da eternidade, lhes tem guiado,
amparado e protegido.
Elizabete Fátima Talarico Astorino

À
incomparável bondade seis centímetros cúbicos estava com Enquanto realizava os exames
de Da. Lucilia para com quarenta centímetros cúbicos. A mé- pré-operatórios, Da. Ana fez uma
aqueles que lhe dirigem dica, desconfiando da ultrassonogra- rápida viagem a São Paulo, durante
súplicas, bem podem ser fia por não ser um exame de tanta pre- a qual teve a oportunidade de visi-
aplicadas as palavras do salmista: cisão, pediu uma ressonância magné- tar uma das casas do Arautos e con-
“Ainda que passe pelo vale tenebro- tica com contraste feita em outro la- versar com um sacerdote da insti-
so, nenhum mal temerei” (Sl 22, 4), boratório de maior confiabilidade. O tuição:
pois sob seu maternal xale encon- resultado não só confirmou o primei- “Contamos todo o acontecido, pe-
tram eles amparo, proteção e segu- ro, como também indicou que se trata- dimos uma bênção, e ele no mesmo
rança (cf. Sl 70, 3). va de um aumento para sessenta centí- instante a concedeu, pedindo a inter-
Sim, jeitosamente Da. Lucilia tem metros cúbicos. Ou seja, estava dez ve- cessão de Da. Lucilia”.
livrado de apuros seus fiéis devotos, zes maior que o normal. Ao voltar para Recife e concluir
conduzindo-os por caminhos retos e “A médica me encaminhou para os exames pré-operatórios, foi mar-
restaurando-lhes as forças nos inú- um cirurgião, que me falou da ne- cado o procedimento cirúrgico de
meros sofrimentos e dificuldades da cessidade de tirar esse ovário e talvez Da. Ana:
vida. até o útero, dependendo de como es- “Fui para a cirurgia pedindo que
tivesse na hora da cirurgia”. ela, Da. Lucilia, estivesse comigo. E,
“Pela intercessão
dela estamos aqui”
De Recife (PE) escre- “A médica ficou
ve-nos Da. Ana Karina
Bueno, a fim de relatar a sem saber o que
cura de uma enfermida-
de, alcançada por inter-
dizer quando viu
médio de Da. Lucilia: a filmagem da
“Estive com minha mé-
dica para fazer os exames cirurgia; disse-me
Reprodução

de rotina e, na ultrassono-
grafia, apresentou-se um
que não sabia como
aumento em um dos ová- explicar tal fato”
rios. O que era para ser de Da. Ana Karina Bueno e sua filha

38      Arautos do Evangelho · Junho 2021


para a surpresa de todos
– maior ainda do médi-
co, que não entendeu
nada –, não havia altera-
ção alguma no meu ová-
rio. Estava no tamanho
normal, e eu poderia en-

Fotos: Reprodução
gravidar novamente se
quisesse”.
Admirada, Da. Ana
levou a filmagem da ci-
rurgia à médica que an-
tes lhe atendera, a fim
de informa-lhe do ocor-
rido:
“A médica ficou sem Sr. Jorge Nunes e sua família; em destaque, seu filho, Sr. Miguel Dias Nunes
saber o que dizer quan-
do viu o vídeo, pois
achava que eu queria satisfações. diagnosticada com esgotamento físi-
Disse-me que não tinha como expli- “Após a novena a co seguido de esgotamento mental.
car tal fato”. Em um primeiro momento, procu-
Reconhecedora do enorme favor Da. Lucilia, ramos um tratamento psicológico;
prestado por Da. Lucilia, Da. Ana
afirma: “Eu sabia perfeitamente e
meu filho conseguiu porém, as crises continuavam. Ti-
nha muito medo de enlouquecer. Os
não tive dúvida de que fui curada na realizar os sintomas bombardeavam o meu cor-
bênção que recebi. Pela intercessão po e, sobretudo, a mente.
dela estamos aqui e tenho fé de que exercícios e “Meses depois dei início ao tra-
ela estará me ajudando novamente tamento psiquiátrico. O diagnóstico
para que meu bebê esteja com toda
formou-se no dia era depressão e síndrome do pânico.
a saúde”. 20 de novembro” Comecei então a tomar os medica-
mentos. Tinha dias bons, seguidos
“Comecei uma novena de dias ruins. Os remédios ameniza-
a Da. Lucilia” “A partir daí meu filho conseguiu vam os sintomas, mas não impediam
Tendo conhecimento dos incontá- realizar o exercício além do mínimo as crises.
veis benefícios alcançados por inter- exigido. Passou por todas as etapas “Passado um ano, estava com
médio de Da. Lucilia, Jorge Nunes, e formou-se no dia 20 de novembro, uma viagem marcada para São Pau-
de Xangri-Lá (RS), também recor- data até a qual mantive as orações. lo – nossa família iria participar da
reu a ela, pedindo que ajudasse seu A partir dali mudei a intenção para romaria a Aparecida, com os Arau-
filho a vencer certa dificuldade que o agradecimento”. tos do Evangelho –, quando uma cri-
o impedia de continuar o treinamen- se muito forte de pânico me fez no-
to após passar no concurso do Corpo
Amor maternal, que lhe vamente parar no hospital. Sentia
de Bombeiros:
devolveu a paz e a vida meu corpo todo formigar, a cons-
“Nas provas físicas ele não conse- Também Flávia Emília Duar- ciência chegava a me faltar, conse-
guia realizar as ‘barras’ por ter apa- te, de Campo Grande (MS), escre- guir respirar era praticamente im-
recido um problema muscular. Mas, ve-nos a fim de demonstrar sua gra- possível. Recitaram-me outro an-
feito o exame médico, este não acu- tidão pelo amparo recebido de Da. siolítico, e resolvemos seguir com a
sava nenhuma anomalia. Comecei Lucilia, durante um período atribu- ideia da viagem”.
uma novena a Da. Lucilia, rezando lado de sua vida: Durante o percurso, Da. Flávia
uma Ave-Maria diariamente. Então “Há alguns anos, em meio a cri- recebeu uma fotografia de Da. Lu-
ele encontrou um especialista que in- ses de enxaqueca, dores no peito, cilia e, encantada com aquele olhar
dicou um tratamento possível para o formigamento nos braços e várias bondoso que tanta paz lhe trazia,
desconforto. passagens no pronto-socorro, fui decidiu recorrer à sua intercessão:

Junho 2021 · Arautos do Evangelho      39


“Ao retornarmos a casa, depois de “Agradeço a ela pela bondade e ia passando, o prazo final para a en-
mais um dia dos terríveis sintomas, rapidez com que me socorreu” trega do imóvel se aproximando, e o
resolvi pegar aquele pequeno retrato Foi nesse momento de tensão que risco de perder a venda se tornando
e recorrer à ajuda a Da. Lucilia. Pedi um parente aconselhou Da. Maria a cada vez mais real devido à crescente
que parasse a ‘sensação de não saber apelar à intervenção de Da. Lucilia, obstinação do inquilino.
respirar’; poderia continuar com os a fim de que o caso se solucionasse “Faltando dez dias para terminar
outros sintomas, mas este era o pior a tempo: o prazo, tivemos uma áspera discus-
de todos, tirava a minha paz! Colo- “Tentamos convencê-lo a cumprir são, em que ele se comportou de for-
quei a foto embaixo do meu traves- o que havíamos combinado verbal- ma muito mais agressiva e vulgar.
seiro e, qual não foi minha surpre- mente. Porém, as conversas foram se “Extremamente aflita, resolvi
sa ao acordar e perceber que aquele complicando e se transformando em conversar com meu tio, para pergun-
desconforto havia desaparecido. Pas- discussões e atritos. Assim, o tempo tar se teria alguma ideia ou sugestão
saram-se os dias e nenhum dos para me dar. Não vendo como re-
sintomas se manifestaram, estava solver o problema a não ser atra-
curada! Parei então com os me- vés de uma ação judicial, solução
dicamentos e hoje levo uma vida que, por demandar muito tem-
normal, graças ao amor maternal po, poderia inviabilizar o negó-
daquela senhora que me devolveu cio, sugeriu-me que recorresse a
a paz e a vida”. Da. Lucilia.
“Rezei, imediatamente, três
Inesperados obstáculos em Terços para pedir a interces-
plena efetivação de uma venda são dela. Logo depois, o inquili-
A família de Da. Maria Bagh- no apareceu de modo inesperado
dikian, de São Paulo (SP), encon- na parte térrea do imóvel, onde
trava-se numa delicada situação eu me encontrava e, espontânea
financeira quando resolveu ven- e surpreendentemente, disse-me
der um imóvel recebido em he- que iria desocupar a casa.
rança. Um inesperado percalço, “Ocorrera uma radical e inex-
porém, veio a ameaçar o êxito do plicável mudança de comporta-
negócio: mento da parte dele. De imedia-
“Conseguimos um compra- to associei essa mudança a uma
dor, sob o compromisso de entre- intervenção de Da. Lucilia. Dou
gar-lhe o imóvel, totalmente de- graças a Deus pelo favor que me
Reprodução

socupado, no prazo de três me- fez por intercessão dela, e agra-


ses. A parte térrea do imóvel en- deço a ela pela bondade e rapidez
contrava-se ocupada por nós. Já com que me socorreu”.
a parte superior estava alugada Da. Flávia Emília Duarte e seu esposo *      *      *
para uma pessoa que, desde o iní- segurando um banner de Dona Lucilia Com intervenções como as
cio da locação, sabia de nossa inten- acima narradas, Da. Lucilia tem aco-
ção de vendê-lo. Esse inquilino, com lhido sob seu maternal xale todos
o qual tínhamos um antigo relacio- “Pedi que parasse a aqueles que, aflitos e necessitados de
namento de boa confiança, assumi- auxílio, lhe dirigem preces.
ra o compromisso de desocupá-la em sensação de não saber Gratos pelos inúmeros benefí-
caso de efetivar-se a venda, de forma
a não criar obstáculos.
respirar; poderia cios recebidos desta generosa senho-
ra, que fez de sua vida um constan-
“Entretanto, a partir do momen- continuar com os te holocausto de si mesma em favor
to em que foi fechado o negócio, ele do próximo, muitos desejam externar
passou a adotar um comportamen- outros sintomas, através desses relatos o enorme con-
to negativo: extremamente agressi- tentamento que sentem por haver en-
vo, recusava-se a desocupar o imó-
mas esse era o pior, contrado uma mãe que, da eternida-
vel, de modo a inviabilizar a efetiva- tirava a minha paz!” de, lhes tem guiado, amparado e pro-
ção da venda”. tegido. ²

40      Arautos do Evangelho · Junho 2021


Trato ordenativo
e compaixão
mum. Às vezes se pode ser levado a Era sempre firme e definida no
achar que quem é bom não deve con- exercício de sua autoridade, que, en-
trariar os outros ou não é capaz de tretanto, se apresentava invariavel-
ver onde está o mal. Tia Lucilia não! mente envolta numa atmosfera de
Quando ela se zangava com o Plinio bondade. Se possível, sua decisão se
por ele ter feito alguma travessura, aplicaria de imediato para a solução
quantas vezes eu a vi pegar uma es- de qualquer problema em que lhe
cova de prata e lhe bater na mão! Po- fosse imperioso mandar; nunca, po-

I númeras devem ter sido as cir-


cunstâncias nas quais a mater-
nalidade de Da. Lucilia pôde mani-
rém, ao mesmo tempo possuía uma
bondade rara, era boníssima!
“Tia Lucilia era uma santa. So-
rém, perdeu ou sequer diminuiu sua
convicção de que pela bondade de-
moveria os obstáculos e tornaria fle-
festar-se através do carinho inson- freu muito na vida, mas sabia supor- xível a rigidez do amor-próprio em
dável, envolvente e nunca desmenti- tar tudo com paciência. Era real- incontáveis almas com que lhe era
do com que acolhia a todos os que mente uma pessoa extraordinária. dado tratar. ²
eram atingidos por alguma tragédia, “Foi ela quem criou minha mãe.
ou por alguma necessidade, mínima Quando mamãe nasceu, tia Lucilia CLÁ DIAS, EP, João
que fosse. tinha treze anos, e foi praticamente Scognamiglio.
Exemplo disso era o modo como ela quem a educou. A mãe de mamãe Dona Lucilia. Città del Vaticano-
ela tratava sua irmã Zili. Desde o pri- foi na realidade tia Lucilia. São Paulo: LEV; Lumen Sapientiæ,
meiro instante em que esta viu a luz “Mamãe tinha loucura por ela! 2013, p.118-119
do dia, Da. Lucilia, treze anos mais Loucura! Acho que mamãe
velha, passou a desempenhar junto a tinha muito mais afinidade
ela o papel de mãe, envolvendo-a em com a irmã do que com a
seu inesgotável afeto. Da. Zili con- própria mãe”.
servou por toda a vida, em relação a Entre os sobrinhos,
Da. Lucilia, um devotamento e grati- Da. Lucilia era considerada
dão quase filiais. a tia predileta. Eram ávidos
Semelhante ventura coubera à fi- de estar com ela para ouvir
lha de Da. Zili, Ilka, a qual, moran- suas histórias ou para as co-
do também no palacete Ribeiro dos memorações do Natal, da
Santos e tendo quase a mesma idade Páscoa e de outros festejos
de seus primos, era educada com eles em família.
como se fosse sua irmã. O convívio harmôni-
Fotos: Reprodução

Transcorridas tantas décadas da- co, agradável e respeitoso


queles saudosos tempos, Da. Ilka constituía para ela a pró-
continua a guardar gratas recorda- pria perfeição da vida so-
ções de sua tia: cial, verdadeira dádiva de
“Tia Lucilia era uma autênti- Deus a suavizar as agruras
ca lady, pessoa de um espírito supe- do peregrinar do homem Plinio, Ilka e Rosée no Jardim da Luz, São Paulo;
rior, mas de uma bondade fora do co- por esta terra de exílio. acima, Da. Lucilia fotografada em 1912, em Paris

Junho 2021 · Arautos do Evangelho      41


Fotos: Lucilia Bassi

Estados Unidos – No mês de maio, a convite do pároco, Pe. Ivan Sciberras, missionárias dos Arautos deram
palestras sobre a Santíssima Virgem na Igreja de São Pedro, em New Jersey, e na escola paroquial. Houve também
procissões e outros atos de piedade em honra à Mãe de Deus.
Fotos: Dora Santos

Brasil – Os Arautos do Evangelho foram convidados a solenizar a posse do Pe. Dorival Aparecido de Morais como
pároco da Igreja Matriz Sant’Anna, Catedral Diocesana de Mogi das Cruzes (SP) .
A Celebração Eucarística, presidida por Dom Pedro Luiz Stringhini, Bispo Diocesano, ocorreu no dia 11 de abril.
Ana Maria Veas

Ana Maria Veas


Pedro Beltrán

1 2 3

Chile – Missionários e missionárias dos Arautos visitaram a Paróquia Nossa Senhora do Carmo, de Curacaví,
com a Imagem Peregrina do Imaculado Coração de Maria (foto 1), e levaram seu Oratório a residências (foto 2) e
instituições, entre estas à Escola Agrícola Las Garzas (foto 3).

42      Arautos do Evangelho · Junho 2021


Reprodução

Reprodução
Eric Salas

1 2 3

“Testemunha jubilosa do Senhor ressuscitado”


C om as palavras que encabeçam estas linhas, o Núncio
Apostólico na Costa Rica, Dom Bruno Musarò (foto 3),
tolo. A celebração foi realizada na Paróquia San Ginés,
em Madri (foto 5), e teve como concelebrantes Dom Luis
qualificou o Pe. Gonzalo Raymundo Esteban, EP (foto 2), Armando Tineo Rivera, Bispo Emérito de Carora, e mais
que no dia 12 de abril entregou sua alma a Deus na cidade de dezesseis sacerdotes.
São Paulo, vítima de um câncer fulminante. Elas foram pro- Por sua vez, o Núncio Apostólico em El Salvador, Dom
nunciadas durante a Missa celebrada pelo prelado na casa Santo Rocco Gangemi, celebrou uma Santa Missa na casa
dos Arautos nesse país, onde o Pe. Gonzalo desenvolveu nos dos Arautos na cidade de San José (fotos 4 e 7), enquan-
últimos anos sua incansável atividade pastoral. to Dom Francisco Cerro Chaves, Arcebispo de Toledo e
Também o Arcebispo de Madri, Cardeal Carlos Oso- Primaz da Espanha, presidiu uma Eucaristia na casa dos
ro Sierra (foto 1), que conheceu pessoalmente o Pe. Gon- Arautos em Camarenilla (fotos 6 e 8), ocasião em que
zalo quando estava à frente da Diocese de Oviedo, quis afirmou: “O Pe. Gonzalo foi um sacerdote que transmi-
presidir uma Eucaristia pela alma deste dedicado após- tia o que vivia”. ²
Kaué Cezario

Eric Salas
4 5
Fotos: Eric Salas

6 7 8

Junho 2021 · Arautos do Evangelho      43


grande patrimônio artístico, bem jetivo é coletar doações e fundos para
como antigas e valiosas relíquias. a reconstrução –, assegurou que é
A tradicional produção de cerve- possível o templo estar, de fato, pron-
ja deste mosteiro, interrompida no to no ano previsto, embora o teto pos-
séc. XIII, foi retomada em 2019 e de- sa não ter sido ainda finalizado.
verá revitalizar o jazimento arqueo- O reitor da Catedral de Notre-
lógico da abadia, além de contribuir -Dame, Dom Patrick Chauvet, afir-
para o sustento da comunidade. Já mou que a obra pode durar ainda
foram elaborados três sabores da be- vinte anos, resultando num gasto to-
bida e outro ainda está por vir. tal de mais de um bilhão de euros.

Ministro de Educação da França Encontrados eremitérios


proscreve “escrita inclusiva” do século IV
O recurso de “linguagem inclusi- Missões arqueológicas encon-
va”, que utiliza um caractere “neu- traram no sítio Tal Ganoub Qasr-al

gaudiumpress.org
tro” para significar os gêneros mas- Agouz, no Oásis Bahariya (Egito),
culino e feminino, foi proibido nas o mosteiro cristão mais antigo já
escolas da França pelo Ministro da descoberto. Exames de radiocarbo-
Educação, Jean-Michel Blanquer. no indicam ser do séc. IV. Até en-
Ele explica que o uso dessa forma de tão, acreditava-se que as primeiras
escrita prejudica a compreensão dos Crianças iraquianas recebem comunidades datavam do séc. V,
alunos, por causa da complexidade e a Primeira Comunhão pelo que o achado trará importan-
instabilidade de que é constituída. Na Igreja de São João Batista, em tes dados sobre o Cristianismo pri-
Qaraqosh, no norte do Iraque, foi rea- mitivo e o monaquismo no Egito.
Polícia inglesa pede desculpas lizada a Primeira Comunhão de cento Seis eremitérios construídos em
por entrada em paróquia e vinte e uma crianças. O celebrante, basalto, escavados na rocha ou fei-
Após uma interrupção realizada Pe. Majeed Attalla, disse que ainda tos de tijolo de argila foram encon-
por oficiais da polícia durante a ce- há mais quatrocentas à espera de re- trados no local. Graças à ausência
rimônia de Sexta-Feira Santa na pa- ceberem este Sacramento, e declarou: de umidade e à areia do deserto, as
róquia polonesa de Londres, os agen- “Graças a Deus temos muitas crian- ruínas ficaram excepcionalmente
tes encarregados desse serviço foram ças e isto é fonte de alegria, porque bem conservadas. Nas paredes es-
instados a pedir desculpas devido à dão força e esperança para continuar, tão gravadas inscrições em grego
ilegalidade da intervenção. representam o futuro. [Todas] foram e pinturas coptas. Os textos foram
A denúncia que chegara à polícia preparadas com um espírito de gran- motivo de surpresa para os estudio-
naquele dia afirmava que as normas de participação. A COVID-19 parou sos e serão objeto de análise.
de prevenção contra a COVID-19 o mundo, mas felizmente não inter-
estavam sendo infringidas na igre- rompeu a vida da comunidade”.
Lançado novo website do
ja. No entanto, verificou-se que to- Qaraqosh é atualmente o centro
Observatório Astronômico
dos os regulamentos foram seguidos cristão mais importante na planície
do Vaticano
à risca pelos paroquianos, que ade- de Nínive: quase a totalidade da po- Um novo website foi lançado pelo
mais afirmaram terem cumprido os pulação professa a fé em Nosso Se- Observatório Astronômico do Vati-
mesmos protocolos durante as Mis- nhor Jesus Cristo. cano, com o intuito de “mostrar ao
sas de Quinta-Feira Santa e Sábado mundo que a Igreja apoia a ciência”,
Santo.
Reabertura de Notre-Dame é asseverou o diretor, Pe. Guy Con-
prevista para o ano 2024 solmagno, SJ, em entrevista à Ca-
Antigo mosteiro retoma O Presidente da França, Emma- tholic News Agency. Juntamente foi
sua produção de cerveja nuel Macron, prometeu que a restau- lançado um podcast que explora “as
A mais antiga abadia do Ociden- ração da histórica catedral parisiense maravilhas do universo de Deus”,
te ativa até os dias de hoje se encon- estaria concluída em 2024. Também com explicações de especialistas no
tra na Suíça. Trata-se do Mosteiro de Michel Picaud, presidente da insti- assunto. O site possui uma série de
Saint-Maurice d’Agaune, fundado tuição de caridade Amigos de Notre- recursos sobre fé e ciência, e mui-
em 515, e que se destaca por possuir -Dame de Paris – associação cujo ob- tos interessados poderão acessá-lo e

44      Arautos do Evangelho · Junho 2021


c­ onhecer o trabalho de forma mais em 1905 foi decretada a lei de sepa- pelas da Paróquia Santo Antônio,
detalhada. ração entre a Igreja e o Estado. na comuna de Padre Las Casas,
Em síntese, a França tem perdi- em La Araucanía. Tudo leva a crer
Igrejas francesas sofrem do um templo católico a cada duas que se tratou de um ataque terro-
crescentes ataques semanas. De todas as ofensas per- rista. A perda da capela foi com-
A unidade central de inteligência petradas contra edifícios de culto, a pleta, apesar de quatro equipes de
criminal da França informou que, só maioria visa a Igreja Católica. bombeiros terem atuado na emer-
em 2018, registraram-se 877 ataques gência.
a locais de culto católico no país. O
presidente do Observatório do Patri-
Imagem da Virgem de Guadalupe
mônio Religioso de Paris, Edouard
é reentronizada em Houston
de Lamaze, apontou que esse nú- A imagem de Nossa Senhora de

gaudiumpress.org
mero cresceu cinco vezes em com- Guadalupe, pertencente à Paróquia
paração à década anterior. Ele aler- Rainha da Paz, em Houston, foi re-
tou ainda que, se os vandalismos per- cebida pelos fiéis numa cerimônia,
sistirem, cinco mil edifícios de nossa após ter sido restaurada. Em dezem-
Religião desaparecerão em um pra- bro do ano passado, ela havia sido
zo relativamente breve. Mais uma igreja atingida com seis tiros de revólver
Lamaze lamentou o fato de tais é queimada no Chile por um delinquente vestido, segundo
locais não serem restaurados nem Em meados de abril um incên- testemunhas, com roupa vermelha e
protegidos pelo governo, desde que dio tomou conta de uma das ca- chapéu preto.

Museu de Arte Sacra restaurará


imagens vandalizadas
S eis imagens pertencentes à Paróquia Nossa Senho- ­demorará por volta de um ano. Informou também que,
ra dos Remédios, da Diocese de Osasco, foram en- para isso, participarão quinze pessoas, entre restaura-
viadas ao Museu de Arte Sacra com o objetivo de serem dores e voluntários, os quais procurarão ao máximo
restauradas por causa do dano que sofreram sob os gol- deixá-las com a aparência original. A primeira imagem
pes de dois homens e duas mulheres que invadiram a ma- a ser trabalhada será a da padroeira.
triz. Ao correr atrás dos bandidos, o
administrador paroquial, Pe. Amauri
Baggio, ouviu de um deles que aque-
le ato tinha sido realizado “em nome
de Jesus”.
Dentre essas imagens estava a da
padroeira, Nossa Senhora dos Remé-
Fotos: gaudiumpress.org

dios, e outra de Santo Ubaldo, v­ inda


da Itália há mais de sessenta anos e
toda entalhada em madeira. Havia ain-
da uma sétima, representando San-
ta Cecília, a qual não poderá ser con-
sertada devido ao estado lastimável em
que ficou. Igreja Nossa Senhora dos Remédios, Osasco (SP); em destaque, a
João Rossi, encarregado da res- imagem de Santa Cecília, que não poderá ser restaurada por causa da
tauração, calcula que o trabalho gravidade dos danos

Junho 2021 · Arautos do Evangelho      45


História para crianças...

Entre estrelas

Desde que a Ametista se fora, aos poucos tudo começou


a mudar. O que, no início, era o divertimento das novas
estrelas, tornou-se uma verdadeira aflição.

O
gélido vento da noite ba- porque se movimentam e quão aci- ficai certas de que lá tudo é muito di-
tia impiedosamente so- ma deste mundo brilham! – excla- ferente. Por isso, quando quiserdes
bre as vilas e bosques. Os mou a Opala. voltar, podereis por vós mesmas
animais se refugiavam em — Sua moradia é o céu! Enquanto descerdes à Terra.
suas tocas, os pássaros em seus ni- que a nossa é este chão tão banal… – E começou a designar
nhos, e os homens dormiam profun- manifestou o Diamante. o destino de cada pedra
damente junto à lareira. Existiam, po- — Algum dia seremos como elas: preciosa:
rém, outras personagens que, sem ne- próximas de nosso Criador! – voltou “Tu, Rubi, por seres
cessidade de fogo ou vestimenta algu- a pronunciar-se o Citrino. reflexo de fortaleza sem
ma, permaneciam insensíveis ao frio — Minhas companheiras, não par, ficarás na constelação
noturno… percamos a esperança! – interveio a de Leão.
Imóveis, apoiadas sobre o solo e Esmeralda – As estrelas são nossas “Por tua generosidade, Ametis-
escondidas do olhar humano, algu- irmãs e certamente nos acolherão. ta, ficarás no Cruzeiro do Sul, sig-
mas pedras preciosas começaram a Vamos! Vamos para o céu! nificando a infinita doação de Deus
considerar uma maravilha da criação A essas palavras, a Ametista con- para com os homens: sua Morte na
que naquele momento se manifesta- testou: Cruz.
va: a luz das estrelas. — Espere um pouco, Esmeralda! “Diamante, tu, que és perene, re-
O Citrino, voltando seus olhos Por nós mesmas, não conseguiremos presentas a verdadeira paz, e por
para o céu, disse às demais: chegar até lá. Precisamos de alguém isso podes unir-te à constelação de
— Minhas irmãs, vede a beleza que nos ajude! Não temos forças nem Águia, para contemplares tranquila-
dessas estrelas! Cada vez que as ana- para nos mover, quanto mais para mente a eternidade.
liso, parece-me que algo além de mi- voar além do globo terrestre… Reze- “Tu, belo Citrino, por tua cor dou-
nhas forças me eleva até Deus. mos ao Anjo que nos guarda. rada, a mais nobre entre as demais,
— Sim! – respondeu o Rubi – Mal iniciarem a oração, o Anjo poderás ficar na constelação de Es-
Como nós, elas também não das Belezas Criadas, forte e lumi- cudo, para significar a virtude da-
sentem o frio, pois são fo- noso como o Sol, apareceu. E, ao queles que combatem pela fé.
gosas como o Sol que escutar o desejo de habitarem “Opala, com tua alegria multico-
nos aquece! o céu, respondeu: lorida, ficarás na Coroa Austral.
— Ah, maior — Certamente as estre- “E tu, ó encantadora Esmeral-
alegria a delas, las vos acolherão! Porém, da, refletirás melhor tua luz nas

46      Arautos do Evangelho · Junho 2021


ou adultos cheios de F é?

e pedras…

Sarah Ramos Mafort

Três-Marias, que servem para iden- Entretanto, durante estes dias ela o za, brutalidade. Noto que minha mo-
tificar outras constelações”. procurou por aqui e descobriu que rada não é aqui; o meu céu é o cora-
Ditas estas palavras o Anjo lan- no Céu não se sofre mais. Então ela ção do justo! Irei convosco e tomarei
çou sobre as pedras sua luz. Estas fi- descerá para junto dos homens. posse do que é meu.
caram tão e tão brilhantes que, como Desde que a Ametista se fora, aos Inesperadamente a estrela da paz
o orvalho da manhã ao calor do Sol, poucos tudo começou a mudar. pôs-se a chorar:
aos poucos foram se elevando da ter- Numa manhã, as estrelas-pedras — Ficarei aqui sozinha sem vós?
ra ao céu. assistiam a vida dos homens, sem por Não posso descer, lá embaixo não é
Ao chegarem às belas moradias si- eles serem notadas. Isto, que no iní- lugar de absoluta paz. Deus consti-
derais, as estrelas formaram um cor- cio fora o divertimento das novos as- tuiu a Terra como campo de batalha,
tejo, dançando e cantando alegre- tros, logo tornou-se uma aflição: e a completa posse de meu bem só se
mente para suas novas companhei- — Vede, minhas companheiras – encontra no Céu.
ras. Num misto de exultação e curio- exclamou a Opala –, em todas as ca- — Calma, minha amiga. Dentro
sidade, queriam todas saber como sas as pessoas choram! Elas não co- em breve terás novas companhias,
era a vida na Terra. Em cada cons- nhecem a alegria. O sofrimen- pois também eu irei para visi-
telação ouvia-se contar dos mares e to bate à porta das almas; tar as almas. Enchê-las-ei de
lagos, das montanhas nevadas e vul- minha irmã Ametista esperança em possuir-te eter-
cões incandescentes. Porém, o que está lá para as ajudar, namente – consolou-a Esmeral-
mais as encantava era conhecer a mas ninguém sabe da, que também retornava à sua “ter- Ilustrações: Priscila Vieira
história de Santos. bem sofrer… Preciso ra natal”.
Transcorridos alguns dias, um amparar os homens. Assim, acalmado o belo Diaman-
movimento diferente chamou a aten- — Minha irmã, não faças isso sem te-paz, desceram as demais pedras-
ção dos conjuntos celestes para o mim! A humanidade só terá verda- -estrelas. Até os dias de hoje elas cor-
Cruzeiro do Sul: deira felicidade se se tornar forte tejam a estrela da generosidade e da
— A Estrela-Ametista decidiu re- para lutar destemidamente contra o dor, que diariamente visita os cora-
tornar à Terra – comentavam. mal – explicou o Rubi. ções dos homens, desejosa
— Mas qual o motivo? Uma voz provinda da constelação de levá-los ao gozo do
– perguntou um dos as- de Escudo cortou, então, a conversa Reino da paz eterna.
tros. entre a estrela-alegria e o astro-for- Estejamos nós com a
— Sua generosida- taleza: alma aberta e ouçamos
de tende a se expandir, — E quem conseguirá com que os o que estes fulguran-
mas para que isso acon- homens vivam isto que vós pregais? tes luminares celestes têm a
teça ela precisa do sofrimento. Sem a fé, toda alegria é vã e a fortale- contar! ²

Junho 2021 · Arautos do Evangelho      47


Os Santos de cada dia  ________
1. São Justino, mártir (†c. 165 mãos do próprio São Domingos
Roma). e, superados todos os obstáculos
Beato João Pelingotto (†1304). postos pela família, entrou para
Terciário franciscano de Urbino, o mosteiro dominicano de Santa
Itália. Retirou-se para viver numa Inês, em Bolonha, Itália.
cela, de onde só saía para atender
os pobres e enfermos. 11. Solenidade do Sagrado Coração
de Jesus.
2. Santos Marcelino e Pedro, márti- São Barnabé, Apóstolo.
res (†304 Roma).
Santa Rosa Francisca Ma-
Santa Blandina, mártir (†177).
ria das Dores, virgem (†1876).
Decapitada em Lyon, França,
Transformou uma associação de
nos tempos do Imperador Marco
mulheres piedosas na Congre-
Aurélio, após sofrer numerosos
gação das Irmãs de Nossa Senho-
tormentos.
ra da Consolação, em Tortosa,
3. Solenidade do Santíssimo Corpo e Espanha.
Sangue de Cristo
São Carlos Lwanga e doze 12. Imaculado Coração de Maria.
companheiros, mártires (†1886 Beato Guido de Cortona, pres-
Kampala - Uganda). bítero (†c. 1245). Discípulo de
Santa Clotilde, rainha (†545). São Francisco de Assis, fundou o
Graças às suas orações e ao seu convento de Celle, Itália. Ainda
Dario Iallorenzi

zelo apostólico, conseguiu a con- em vida tinha fama de santidade


versão de seu esposo Clóvis, rei e operava muitos milagres.
dos francos, e de todo o reino.
13. XI Domingo do Tempo Comum
4. Santo Optato, Bispo (†séc. IV). São Barnabé - Igreja de Nossa Santo Antônio de Pádua, pres-
À frente da diocese de Milevi, no Senhora do Perpétuo Socorro,
Montevidéu
bítero e Doutor da Igreja (†1231
norte da África, distinguiu-se no Pádua - Itália).
combate aos donatistas. Escreveu quais o de Newminster, do qual São Fândila, presbítero e mon-
diversas obras, todas muito apre- se tornou abade. ge (†853). Decapitado em Cór-
ciadas por Santo Agostinho.
doba, Espanha, no tempo do Rei
8. Santo Efrém, diácono e Doutor
5. São Bonifácio, Bispo e mártir Mohamed I.
da Igreja (†378 Edessa - Turquia).
(†754 Dokkum - Holanda).
São Fortunato de Fano, Bispo 14. Santo Eliseu, profeta. Discípulo
Santo Eubano, Bispo, e dez
(†séc. VI). Dedicou-se empenha- e sucessor de Santo Elias e profe-
companheiros, mártires (†754).
damente ao resgate dos cativos. ta de Israel desde o tempo do rei
Obtiveram a palma do martírio
junto com São Bonifácio, na Frí- Jorão até os dias de Joás.
9. São José de Anchieta, presbítero
sia, atual Holanda. (†1597 Reritiba - Brasil). 15. Santa Bárbara Cui Lianzhi,
6. X Domingo do Tempo Comum Beato José Imbert, presbíte- mártir (†1900). Mãe de família
São Norberto, Bispo (†1134 ro e mártir (†1794). Religioso je- morta por meio de crudelíssimas
Magdeburgo - Alemanha). suíta nomeado vigário apostóli- torturas durante as perseguições
co de Moulins por Pio VI durante na China.
7. São Roberto de Newminster, aba- a Revolução Francesa. Foi preso
de (†1159). Após ser ordenado sa- numa galera em Rochefort, onde 16. Santa Julieta e São Quirico,
cerdote, ingressou na abadia be- morreu. mártires (†séc. IV). Jovem viúva
neditina de Whitby, Inglaterra. martirizada junto com seu filho,
Com outros doze monges, ajudou 10. Beata Diana de Andaló, virgem ainda criança, em Tarso (atual
a fundar vários mosteiros entre os (†1236). Pronunciou os votos nas Turquia).

48      Arautos do Evangelho · Junho 2021


______________________ Junho
17. São Rainério de Pisa, peniten- Bispo de Lyon e mais tarde eleito mente seu ministério sacerdotal
te (†1160). Em sua juventude en- Papa. Empenhou-se em unir à Sé na Inglaterra.
tregou-se a divertimentos mun- Romana as igrejas separadas.
29. Solenidade de São Pedro e
danos; após sua conversão,
23. São José Cafasso, presbítero São Paulo, Apóstolos (no Brasil,
abandonou tudo e partiu para a
(†1860). Sacerdote da Diocese de transferida para o dia 4 de julho)
Terra Santa onde viveu treze anos
Turim, Itália, dedicou-se a au- Santos Paulo Wu Yan, João
fazendo penitência.
mentar a piedade e a ciência dos Batista Wu Mantang e Paulo Wu
18. Beata Hosana Andreasi, virgem futuros sacerdotes, e a reconciliar Wanshu, mártires (†1900). Paulo
(†1505). Religiosa dominicana com Deus os encarcerados e os Wu era pai de João Batista, então
de Mântua, Itália, que conseguiu condenados à morte. com dezessete anos, e tio de Pau-
unir com sabedoria a contem- lo Wanshu, de dezesseis anos. Os
24. Natividade de São João Batista
plação das coisas divinas com os três foram massacrados durante a
Santa Maria de Guadalupe
trabalhos e o exercício das boas perseguição religiosa na China.
García Zavala, virgem (†1963).
obras.
Cofundadora da Congregação 30. Santos Protomártires da Igreja
19. São Romualdo, abade (†1027 das Servas de Santa Margarida de Roma (†64 Roma).
Marcas - Itália). Maria e dos Pobres, em Guadala- Beato Januário Maria Sarnel-
Santa Juliana Falconieri, vir- jara, México. li, presbítero (†1744). Conhecen-
gem (†c. 1341). De nobre famí- 25. Santa Orósia, virgem e már- do Santo Afonso de Ligório, tor-
lia, fundou em Florença a Ordem tir (†c. 714). Princesa da Boêmia nou-se redentorista e viajaram
Terceira dos Servos de Maria, que, segundo a tradição, foi mor- juntos em missões pela Itália.
chamadas “mantelatas” por causa ta perto de Jaca (Espanha) quan-
do seu hábito religioso. do viajava para casar-se com um
20. XII Domingo do Tempo Comum príncipe visigodo de Aragão.
Beato Dermício O’Hurley, Bis- 26. Beato André Jacinto Longhin,
po e mártir (†1584). Preso e tor- Bispo (†1936). Religioso capu-
turado durante meses, no reina- chinho nomeado Bispo de Trevi-
do de Isabel I da Inglaterra, foi so (Itália) por São Pio X, ajudou
por fim enforcado, pelo fato de os prófugos e prisioneiros duran-
não querer desligar-se da Igreja te a I Guerra Mundial e defen-
de Roma. deu os direitos dos mais débeis da
21. São Luís Gonzaga, religioso sociedade.
(†1591 Roma). 27. XIII Domingo do Tempo Comum
São Rodolfo de Bourges, Bis- São Cirilo de Alexandria, Bis-
po (†866). Abade beneditino elei- po e Doutor da Igreja (†444 Ale-
to Bispo de Bourges, França. De- xandria - Egito)
monstrou grande solicitude pelo Santa Margarida Bays, virgem
aperfeiçoamento do clero. (†1879). Terciária franciscana de
Friburgo, Suíça, que, sem nunca
22. São Paulino de Nola, Bispo (†431
descuidar a vida de oração, dedi-
Nola - Itália).
cou-se incansavelmente a diver-
São João Fisher, Bispo, e São
sas obras de apostolado laico.
Tomás Moro, mártires (†1535
Reprodução

Londres). 28. Santo Irineu, Bispo e mártir (†c.


Beato Inocêncio V, Papa 202 Lyon - França).
(†1276). Depois de haver recebido São João Southworth, presbí-
o hábito dominicano e ensinado tero e mártir (†1654). Condenado Santa Blandina - Vitral da Igreja de
teologia em Paris, foi nomeado à morte por exercer clandestina- Santo Irineu, Lyon (França)

Junho 2021 · Arautos do Evangelho      49


Desafiadores
dos ares
Nossa vida terrena é uma seguidilha de lutas e conquistas
pela sobrevivência e, sobretudo, para alcançarmos o Céu,
galardão dos verdadeiros heróis.
Ir. Cecília Grasielle Ramos Levermann, EP

A
o contemplarmos um ho- pulos e seguidores de todos os tem- Nossa vida terrena é uma segui-
rizonte onde predomina o pos. dilha de lutas e conquistas pela so-
límpido firmamento ani- O “campo de batalha” do falcão brevivência e, sobretudo para alcan-
lado, nos extasiamos com transcende o das outras aves de ra- çarmos o Céu, galardão dos verda-
sua placidez. Entretanto, neste mes- pina, as quais costumam capturar deiros heróis que pugnam pela causa
mo palco podem ter acontecido epo- animais terrestres. Ele, por sua vez, de Deus. Compete a nós medirmos
peias na aparência discrepantes da busca aventuras mais arriscadas e os desafios e lançarmo-nos com en-
tranquilidade que o panorama apre- conquistas mais custosas procuran- tusiasmo em direção a eles, segun-
senta. do caça nos ares. Uma vez fixado o do o conselho da Carta aos Hebreus:
Não me refiro a nenhum feito no- alvo com sua visão aguda, larga e “corramos com perseverança ao
tável passado nos céus. O “herói” do analítica, parte célere em direção a combate proposto, com o olhar fixo
qual falo é um grande desafiador dos ele. Enfrentando com prodigiosa vi- no Autor e Consumador de nossa fé,
ares. Ele não procura brilhar diante talidade os ventos e a distância agar- Jesus” (12, 1).
dos homens, pois sua “guerra” é pela ra decididamente a presa com um Não fujamos da dor que fere os
sobrevivência e acontece no dia a dia. élan digno de sua altivez. O discer- nossos sentidos. Abracemos, pelo
A “galhardia” deste lutador costu- nimento foi prévio e cuidadoso, o contrário, os sofrimentos imitando
ma passar despercebida, mas, quan- lance, impetuoso, e o resultado teve o Divino Redentor: “em vez do gozo
do entramos em contato com ela, en- êxito: eis que o falcão volta vitorioso que se Lhe oferecera, Ele suportou a
chemo-nos de admiração. de sua expedição. Cruz” (Hb 12, 2). Com passos reso-
Essa figura não está inteiramen- Podemos encontrar nesta ave uma lutos e com a alma em chamas, avan-
te fora do nosso alcance; basta le- imagem de como age a vontade hu- cemos rumo à santidade, desafiando
vantarmos o olhar para o céu e lá en- mana. O homem, antes de fazer qual- qualquer obstáculo, a fim de nos tor-
contraremos, em pleno voo, travando quer coisa, monta um plano: é a inte- narmos instrumentos para a glorifi-
sua árdua batalha, o falcão. ligência que age. Estando definido o cação de Deus e exaltação da San-
Quando paira no ar, transparece objetivo, ele penetra no coração, isto ta Igreja, o que resultará em nossa
nele uma compostura cheia de tran- é, na vontade. Em seguida, a pessoa eterna salvação. E nunca nos esque-
quilidade, que não lhe impede es- empregará os meios necessários para çamos de que nessa peregrinação ja-
tar atento a tudo o que se passa ao realizar aquilo que concebeu, à se- mais estaremos sozinhos: uma Mãe
seu redor. Evoca assim o estado de melhança do voo decidido e enérgi- cheia de bondade e misericórdia vela
espírito de vigilância e oração, en- co do animal que contemplamos nes- por cada um de nós e nos aponta o
sinado pelo Mestre aos seus discí- te artigo. caminho para a morada eterna. ²

50      Arautos do Evangelho · Junho 2021


John O’Neill (CC by-sa 3.0)

Fir0002/Flagstaffotos

1 2

Andreas Trepte (CC by-sa 2.5)


Peter K Burian (CC by-sa 4.0)

3 4
Bohuš Číčel (CC by-sa 3.0)

Juan Lacruz (CC by-sa 3.0)


Lip Kee Yap (CC by-sa 2.0)

Alan Manson (CC by-sa 2.2)

5 6 7

Nas fotos acima: 1. Falcão marrom, Vitória (Austrália); 2. Falcão cenchroides, Vitória (Austrália); 3. Falcão de
coleira; 4. Falcão peneireiro-vulgar; 5. Falcão marrom, Norte da Austrália; 6. Falcão-sacre, Herálec (República
Tcheca); 7. Falcão peregrino em voo; na página anterior Falcão-borni, KwaZulu-Natal (África do Sul)

Junho 2021 · Arautos do Evangelho      51


Nosso Senhor
com as crianças
Igreja Gesù,
Miami (EUA)

“Deixai vir a Mim


os pequeninos”

J esus diria isso não só com o sentido


de proteção, mas também de respei- Angelis David Ferreira

to, de dedicação, de admiração. “Que al-


ma limpa! Que alma pura! Eu, Deus,
autor e foco de toda a pureza, Me con-
templo vendo este menino. E vejo nele
um reflexo criado de Mim mesmo. Eu o
criei para Me olhar e Me amar”.

Plinio Corrêa de Oliveira

Você também pode gostar