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2.1. Introdução
“Fluidos são substâncias ou corpos cujas moléculas ou partículas têm a propriedade de se
mover, umas em relação às outras, sob acção de forças de mínima grandeza” (Azevedo Netto
et al., 1998: 8).
“(...) fluids are aggregations of molecules, widely spaced for a gas, closely spaced for a liquid”
(White, 1994: 4).
Os fluidos podem ser: líquidos ou gasosos. Os líquidos têm as suas moléculas mais
próximas e tomam a configuração do recipiente que os contém, mudando a sua forma com
as mudanças de forma do recipiente, mas conservando o seu volume praticamente
constante.
Um gás é o conteúdo da fase gasosa, no qual a matéria tem forma e volume variáveis. Nos
gases, as moléculas se movem livremente e com grande velocidade. A força de coesão é
mínima e a de repulsão é enorme. Por razões didácticas, a Física classifica os gases em duas
categorias:
• os gases perfeitos ou ideais;
• os gases reais.
Um gás diz‐se perfeito quando:
• A via teórica (teoria cinética dos gases): um gás é considerado perfeito se não tem
interacções entre suas moléculas e se o volume ocupado por cada molécula é
desprezável;
• A via experimental ‐ um gás é considerado como perfeito se obedece às seguintes
leis:
lei de BoyleMariotte – “sob temperatura constante (condições isotérmicas),
o produto da pressão e do volume de uma massa gasosa é constante, sendo,
portanto, inversamente proporcionais. Qualquer aumento de pressão
produz uma diminuição de volume e qualquer aumento de volume produz
uma diminuição de pressão”;
Todos os gases em condições de temperaturas elevadas e pressões baixas (relativamente ao
seu ponto crítico) comportam‐se de acordo com a lei dos gases perfeitos.
No caso dos gases perfeitos, a massa volúmica é dada pela seguinte equação:
p∀ = mRT (2.1a)
p = ρRT , com ρ = m/∀ (2.1b)
p
= R = cons tan te
Um gás considera‐se termicamente perfeito quando:
ρT
Os gases reais são todos os gases, salvo quando estão em condições de pressão e de
temperatura particulares e nestes casos são considerados como gases perfeitos.
Portanto, nas aplicações de engenharia interessa considerar as condições médias da
velocidade, pressão, massa volúmica, entre outras grandezas físicas (ver Massey,
2002: 38 – 39).
1 Meio contínuo (continuum, em inglês): massa compacta, sem espaços livres entre as partículas
elementares (ver Massey, 2002: 38 – 39).
QUADRO 2.1 – Variação da massa volúmica da água com a temperatura ( Azevedo Netto et al.,
1998: 10).
Temperatura (ºC) Massa volúmica (kg/m3) Temperatura (ºC) Massa volúmica (kg/m3)
Quando a água se contrai, devido ao arrefecimento, acontece um facto único. A contracção continua
até se atingir a temperatura de 4º C, a partir da qual ocorre novamente a sua expansão. Tal facto leva
a que a 4º C a água seja mais densa que a água fria. É na sequência desse comportamento que o meio
hídrico em climas frios arrefecem até 4º C e depois começam a gelar à superfície. Os níveis mais
profundos de água ficam protegidos pelas camadas de gelo da superfície porque o gelo é um mau
conductor de calor. É também por este motivo que a neve protege as culturas do efeito das geadas.
Mais informarções constam de Peixoto, 1993: 27‐29.
gravidade (kg/m2/s2 ou N/m3) sendo que o peso volúmico da água (γágua) é 9800 N/m3 =
1000 kgf/m3 = 9,8 N/l = 62,4 lbf/ft3.
♣
umm - Unidades métricas de massa.
ρ liquido (2.2a)
d liquido =
ρ água @ 4 º C
ρ gas
d gas = γar = 11,8 N/m3 = 0,0752 lbf/ft3 (2.2b)
ρ ar
Nota: É muito comum referir‐se, erradamente, à massa volúmica (ρ) como
densidade, mas são grandezas distintas. Densidade (d) ≠ massa volúmica (ρ).
Compressibilidade
É a propriedade dos corpos que consiste na redução do volume quando sujeitos à pressões
externas. Esta redução de volume é acompanhada do aumento da massa volúmica, i.e. um
aumento de pressão corresponde a um aumento da massa volúmica (lei da conservação da
massa). Daí resulta que os fluidos são compressíveis (a compressibilidade é mais
significativa nos gases do que nos líquidos).
∂∀ (2.3a)
= −α∀ , com α = 1 ; ∂∀ = −α∀∂p
∂p K
∂p K K∂∀ (2.4b)
c= = , com ∂p = −
∂ρ ρ ∀
onde: p é a pressão, ρ a massa volúmica, ∀ o volume inicial e K o módulo de elasticidade.
Exercício (ver Azevedo Netto et al., 1998: 13).
Se considerarmos um movimento unidireccional do fluído (ver Figura 1), a tensão
tangencial τ (ou de arrastamento ou ainda a taxa de transporte da quantidade de
movimento) é proporcional à taxa de variação da velocidade u com a distância y, sendo
expressa por (lei de Newton):
∂u μ (2.5)
τ =μ , com ν = ou μ = νρ
∂y ρ
onde: μ é o coeficiente de viscosidade dinâmica (absoluta), u a velocidade, y a distância
perpendicular entre as partículas em movimento e ν a viscosidade cinemática que é a razão
entre a viscosidade e ρ (para água @ 20º C assume o valor de ν = 1.01×10‐6 m2 s‐1).
∂u U
τ =μ =μ
∂y h
onde: U é a velocidade
média do escoamento e h
Figura 2.1. Fluxo viscoso induzido pelo movimento relativo entre duas placas (White, 1994: 23).
(a) Viscosidade absoluta (b) Viscosidade cinemática
Figura 2.2. Viscosidade de alguns fluidos (Massey, 2002: 63, 65).
Nota:
“A viscosidade é uma propriedade que resulta do ‘atrito interno’ das moléculas. Quando as
camadas de um fluido deslizam umas sobre as outras, verifica‐se um certo atrito, que se
traduz em colisões sucessivas das moléculas na superfície de resvalamento e que, assim,
transferem quantidade de movimento entre elas” (Peixoto, 1993: 31).
QUADRO 2.3 – Variação da ν da água com a temperatura (Azevedo Netto et al., 1998: 15).
A viscosidade diminui ou aumenta com a temperatura consoante o fluído seja líquido ou
gasoso, respectivamente. No caso da água a viscosidade aumenta com a pressão em vez de
diminuir. Para aprofundar o assunto consulte Peixoto (1993: 32).
Ainda sobre a viscosidade importa referir que o movimento do líquido é nulo na fronteira
sólida (ou seja o fluído não se desloca directamente sobre a superfície de um conduto ou
canal). Portanto, o líquido adere à fronteira sólida que fica sujeita à uma força de
arrastamento resultante do deslocamento do líquido em movimento sobre o líquido em
repouso (aquele que se encontra em contacto directo com a parede). A viscosidade (a
resistência à deformação do fluído) provoca a dissipação de energia mecânica do fluído em
movimento.
É devido a viscosidade que se desenvolve a chamada camada limite que corresponde à
zona onde o efeito da viscosidade se manifesta. De facto, como a água não é um líquido
perfeito as partículas líquidas não deslizam sobre a parede. Na verdade, por se comportar
como um líquido real, a velocidade do escoamento junto à parede é nula e desenvolve‐se
uma região com elevado gradiente de velocidade segundo a normal à parede e tensões
tangenciais (ver Quintela, 2005: 80‐85; Massey, 2002: 280‐283; Manzanares, 1979: 188 –).
Um líquido entra em ebulição quando a tensão de saturação de vapor (ev) iguala o valor da
pressão atmosférica.
A pressão atmosférica decresce rapidamente com o aumento da altitude. Por isso, para
altitudes elevadas em relação ao nível médio do mar (ao nível médio do mar corresponde
uma pressão de aproximadamente 1000 mb) a pressão atmosférica é muito pequena. Logo,
em altitudes elevadas a água começa a ferver a temperaturas inferiores a 100º C.
A título de exemplo, na Serra da Estrela onde a pressão é da ordem de 800 mb a água ferve a
93º C.
Curiosidade: por esta razão é difícil cozinhar ovos em locais montanhosos. Alguém
já tentou cozinhar ovos no Pico do Arreeiro (ilha da Madeira)?
Figura 2.3 – Quanto mais baixa for a pressão, menor é a tensão de saturação e, portanto, mais baixa é
a temperatura de ebulição (adaptada de Peixoto, 1993).
Os leitores interessados em aprofundar o conhecimento sobre este assunto deverão
consultar Peixoto, 1993: 64‐68.
QUADRO 2.4 – Tensão de saturação do vapor da água para diferentes temperaturas (Peixoto, 1993: 67)2.
Temperatura (ºC) ev (102 Pa ou N/m2) Temperatura (ºC) ev (102 Pa ou N/m2)
10 12,27 35 56,24
2 À temperatura de ebuliação (100º C) a tensão maxima iguala a pressão atmosférica normal.
A água na fase líquida tem uma grande tendência para formar ‘aglomerados’ fortemente ligados entre
si, razão pela qual as moléculas possuem uma forte coesão. Tal coesão manifesta‐se através dos
valores muito elevados da tensão superficial da água.
Explicação:
“Uma molécula, que se move no interior do líquido, é atraida aqui e repelida além pelas
moléculas vizinhas. Mas, a força resultante é praticamente nula, porque estatisticamente, em
torno de uma molécula, há moléculas vizinhas em todas as direcções. No entanto, uma
molécula da superfície fica sujeita a uma força resultante dirigida para o interior, porque
acima da superfície não há moléculas em número suficiente que a possam puxar para fora.
As moléculas superficiais ficam sujeitas a forças de atracção umas dirigidas para o interior e
outras para o lado”.
Fonte: Peixoto, 1993: 33.
Na fase líquida da água as forças laterais mantêm as moléculas superficiais fortemente
ligadas entre si, como se formassem uma membrana elástica, constituindo uma “barreira de
segurança” para as moléculas interiores, exactamente como um balão para o gás que
contém (Peixoto, 1993: 33).
Curiosidade: É em virtude da elevada tensão superficial que os insectos caminham
sobre a superfície da água. Não precisam de nadadores salvadores☺.
Ainda sobre a tensão superficial, sabe‐se que ela permite que o solo passe (ou
transporte) a água nos interstícios existentes entre as partículas sólidas.
Toda a água não se infiltra sob a acção da gravidade para as camadas inferiores do solo,
criando uma zona saturada (camada inferior do solo) e outra totalmente seca, devido á
(Peixoto, 1993: 33): i) atracção molecular entre as partículas sólidas dos solos e a água;
ii) propriedades “elásticas”♣ da água e aos fenómenos de capilaridade (ascensão
capilar resulta da acção conjunta da coesão e da adesão entre líquidos e sólidos), onde a
tensão superficial desempenha um papel fulcral. Sobre este assunto, ver também
Azevedo Netto et al. (1998: 18‐20) e Costa (2004: 411‐413).
Portanto, existe água na camada superficial do solo acima no nível freático como
consequência do efeito da elevada tensão superficial da água.
♣
“Na superfície livre de qualquer líquido, como resultado da atracção entre as respectivas moléculas, actua a chamada tensão
superficial, a qual provoca, nessa superfície, propriedades semelhantes às de uma película elástica, e tende a reduzir o volume
do líquido à forma que exponha a mínima superfície” (Costa, 2004: 411).
τ cos α (2.4a)
h=4
ρd
onde: τ é a tensão superficial (N/m), d o diâmetro do tubo (m), α o ângulo de contacto (º)
(ver Figura 2.4) e ρ a massa volúmica (kg/m3). Quanto menor o diâmetro (d) do tubo maior
será a ascensão capilar (h).
The vertical component of the ring surfacetension force at the interface in tube must balance
the weight of the column of fluid of height h:
Evidenciando o h:
τ cos α (2.4b)
h=2
γr
onde: r é o raio do tubo (m), α o ângulo de contacto (º) e τ a tensão superficial (para água
limpa à 20 ºC a τ é igual a 0,073 N/m no caso do contacto ar‐água).
É através deste processo que se dá a ascensão capilar da água nas camadas insaturadas do
solo.
Nota: h é mais elevado para d mais pequenos. Portanto, a ascensão capilar cresce inversamente com o raio do tubo.
Figura 2.4 – Representação da água no interior de um tubo capilar.
Os interessados em aprofundar este assunto deverão consultar Costa (2004: 411‐413;
White, 1994: 26‐29).
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, A.B. (1990). “Protecção Contra o Golpe de Aríete”, in DGRN (Ed.). Manual de
Saneamento Básico. Volume I, Direcção Geral dos Recursos Naturais (DGRN), Lisboa.
AZEVEDO NETTO, J.M., FERNANDEZ Y FERNANDEZ, M., ARAUJO, R., ITO, A.E. (1998).
Manual de Hidráulica. 8ª Edição, Editora Edgar Blücher, São Paulo.
COSTA, J.V.B. (2004). Caracterização e Costituição do Solo. 7ª Edição, Fundação Calouste
Gulbenkian, Lisboa.
MANZANARES, A.A. (1979). Hidráulica Geral I – Fundamentos Teóricos. Técnica, AEIST,
Lisboa.
MASSEY, B.S. (2002). Mecânica dos Fluídos. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.
MATA‐LIMA, H. (2006). Regimes Transitórios em Pressão, Material de apoio, Universidade
da Madeira, Funchal (Portugal).
PEIXOTO, J.P. (1993). A Água na Atmosfera e o Ambiente. Instituto de Promoção Ambiental,
Lisboa.
QUINTELA, A.C. (2005). Hidráulica. 9ª Edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.
WHITE, F.M. (1994). Fluid Mechanics. 3trd Edition, McGraw‐Hill, New York.
WYLIE, E.B., STREETER, V.L. (1978). Fluid Transients. McGraw‐Hill, New York.