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Universidade do Porto Faculdade de Psicologia 0 Ciéncias da Educagio ". A gente aqui o que gosta mais € de brincar com os outros meninos! ss exangs como actors socal a (lorganzaga soll do grupo de pres ‘no quoicano de um Jardim de infancia Meria Manuela Martinho Ferreira, | Dissertagtio de Doutoramento em Ciéncias da Educagéo, realizada sob orientagio do Professor Doutor Stove Stoer 2002 Agradecimentos ‘Ags meninos © meninas que so a razo de ser deste trabalho, sem os ‘quais este néo teria sido possivel, Espero ter sido capaz de traduzir as suas ‘experiéncias no quotidiano do JI da Vérzea © de com isso, fazer jus & relagSo criada, ‘Acs pais por terem autorizado os seus filhos @ partcipar na pesquisa; uma alitude de dieponibildade © confianga que em muito se deve & mediago feita pola Carita, a educadora e a amiga que fez como sempre: abr @ porta - desta vez, também, a do JI =, convidou-me para entrar @ culdou que me sentisse ‘Ao Professor Doutor Steve Stoer, meu orientador, pela mao de quem me aventurel nos caminhos da Sociologia, pelo acompanhamento @ oportunidade de cesclarecer dividas opgées ao longo do trabalho, pela liberdade @ pela confianca depositadas. Devo também 20s amigos e colegas auxilio, roca de ideias, estimulo & _afecto que jamais a palavra obrigada poderd resgatar. Refiro-me especialmente & istina Rocha, Dulce Abreu, Emfia Vilaritho, Helena Aradjo, Helena Barbier, Humberto Lopes, José Alberto Correia, Jodo Caramel, Ligia Pereira, Maria José ‘Aratjo, Manuela Teraseca, Mariana Dias, Natércia Pacheco, Orfanda Trindade, ‘Telmo Caria, Francisco Vaz da Silva, Virginia Santos. A FCT, através do programa PRODEP e a Faculdade de Psciclogia & Cignoias da Educacéo pelo apoio, meios e faciidades cisponibiizados que tomaram possivel a concretizaco desta investigacéo. RESUMO ‘Alravés da andlise do dla-a-dia de 18 criangas de idades entro 08 3-6 anos rum Jardim de Infanela publico, stuado em melo rural, durante um ano lective, pretende-se mostrar a8 eriangas como actores sociais envolvides numa dupla integragao social: no ‘mundo adutto @ num munde de erangas, © argumento principal é que 50 através da observagio dos contextos de vida nos uals as criangas tecom as suas relagtes socials com outras criangas @ adultos, é possivel mpreender come aqueles eo conetantemente relnterpratados e apropriados em fungi dos constrangimentos e oportunidades experimentados © construldes,{fe}produzindo a ‘sua propria cultura de pares e estabelecendo processos de transigdo de conjunto a grupo do eriangas organizado socialmente, Subscrevendo cs pressupostos da Sociologia de Infancia para assumir uma posigso na confluéncia das abordagens da cranca tribal e da crianga estruturada socialmente, este argumento 6 custentago através de uma etnograla onde ee descrave © seu quotidiano no JI, desde as suas principals rotinas, ruals © performances comunicativas, as sociabilidades, quer por referéncia as relacdes assimétricas com 0 adulto-educadora quer por referencia & relagdes de maior horizontaiéade entre criangas. Neste percurso, salientam-se as dimensdes da scs8o que, {endo-se tornado um patriménio comum ao grupo, so estruturadoras de uma identidade parlihada come criangas, na qual se entrecruzam identidades particulares onde se reconstréem em paptis © posigdes de gbnero, idades e classe sociale, indivievalmonte, ‘em identideds singulares onde co-existem diferentes estos de acco, Na desconstrugie do grupo de pares como homologia, além da identficagzo dos processes socio-culturais @ de sociablldade, que asseguraram @ sua continuidade, constataram-se ainda importantes civagens sociol6gicas - de géneto, idade e classe social nos processos de interaccao e nas midtiplas relagbes de poder que os impregnam, onde 82 (re)produzem desigualdades sociais, Finalmente, persiste uma ordem social infant sob 8 éalde dasfos mals votnasios e dos valores da classe média, mas onde sao as meninas ‘que dominam, Quanto 4 classe socal, constata-se ainda que, se relativamente @ algumas ciiangas provenientes de melas mals desfavorecidos, o JI se apresenta como uma "porta aberta’ a realizagao e reconhecimento de talentos que prometem, naquele contexto, possibiidades de mobilidade social ascendente ainda que por aproximagao aos grupos da classe média, para outras, o peso dos constranglmentos estruturae all estove para nos lembrar a agudeza dos seus efits, na expressao de reas imitagSes, ABSTRACT By analyzing the day to day activity of 18 children between the ages of 3 and 6 in a puble kindergarten, situated in a rural setting, curing one school year, ne aime at showing children as social actors involved in a process of double social integration: in the adult orld and inthe world of cédren ‘The main argument is that only by way of observation ofthe ife contexts, where children weave thelr social relations with otner children and aduts, is It possible to \inderstand how such relations are constantly reinterpreted and appropriated in function of the constraints and opportunities experimented and constructed, (re)preducing their own peer group culture and establishing transition processes turning the children into @ socially organized group. Taking the presuppositions of the Sociology of Childhood as a starting point in order to assume a positon at the confluence of approaches to the tribal child and the socially structured chil, this argument is sustained through an ethnography that describes the dally life, of the kindergarten, from its main routines, rituals and communicative performances, to its socially both with regard to the asymmetrical felatlonship of the chikiren vis--vie the adult kindergarten teacher and to the more horizontal relations between children, Along the way, the dimensions of action that, having become common patrimony of the group, are structured on the basis of a sharod identity ‘among the ciléren are emphasized. This identity is made up of particular identities that are reconstructed on the basis of gender, social class and age roles and positions and, individually, on singular identtios where different styles of action co-exist In the deconstruction of the peer group as a homology, in adcition to the identification of socio-cultural processes and the sociality which assures their continulty, important sociological eivsions were also found ~ gender, age and social class ~ in the processes of interaction and in the multiple power relations which invade them and where social inequalities are (‘e)produced. Finally, 8 social order of children under the aegis of the older children and of the values of the middle class persists, a socal order where girls are dominant, With regard to social class, one also finds that, even if with respect to children coming ftom disadvantaged areas the kindergarten provides an “open door’ for recognizing and promoting promising talent, in tis context, the possiblities of upward social ‘mobility, when measured as increasing proximity to mide class groups, are limited by the Weight of structural constraints which appear ts be always present to remind us of the real effets of socal clase el RESUMEE A travers analyse du quotidien de 18 enfants agés entre les 3-5 ans, dans une ‘materelle publique, stuée en milieu rural, pendant une année scolaire, nous prétendons montrar les enfants en tant quacteurs sociaux engagés dans une double istration sociale, sot dans te ‘monde adulte, sit dans le monde des enfants, argument principal soutient que ce n'est qu’ travers Febservation dee contetes de vie dans esquels les enfans tissent lous rapports sociaux avec d'autres enfants et adultes, que Fon Put rendre possible le compréhension de comment ces contextes sont constamment ré- Interretés et appropri en fonction des contraintes ot opportunites expérimentées et constrtes, {ans la (production de leur propre culture de pars et des processus de transtion dlensemble & groupe denfants organise socislement. Souscrivant les présupposés de la Sooiologie de "Enfonce a fn de prendre une postion dans Ia confluence anze les approches de enfant tial et e enfant socialement structur cet argument est scutenu par une ethnographe 00 se développe la description de leur quotidien a la maternelle, depuis leurs principales routines, rituele, et performances communicatives jusqu'aux socleblités, soit par référence @ leurs rapperts asymétriques avec Tadute-insttutice, soit par référence aux rapports d'une plus grande horizontalité ente les enfants. Dans ceite démarche, sont soullgnées fea dimensions de Faction {ui en devensnt un patrimoine commun au groupe sont stucturantes une isentlé partagée en {ant quvenfants, dans laquelle senrecrlsent des idenitésparioulrs ob eles sont reconsinuites on res et positions de genre, ages et classe sociale et, indvduellement, det identi singuléras ‘08 coeristant es fren styles cacton Dans la déconstruction du groupe de pairs en tant qu'homologie, au-dla de Tidentiication des processus socio-culture’s et de sociabilté qui ont assuré 2 continuité, nous avons constaté en plus d'importantes civages socologiques — de genre, age et classe sociale ~ dans les démarches interaction et dans les multiples rapports de pouwcir qui les imprégnent, ot sont (e)produites des inégaltes sociales. Finalement, pertste un ordre eocial infantile sous Tegide des plus agés et des valeurs dela classe moyenne, mais od sont es files qui dominent En co qui conceme Ia classe sociale, nous constatons aussi que sil est vrai que pour cortaine de ces enfants appartenant & des miloux plus défavorsés la matemelle se présante en tant que «porte ouverte» a la réalsation et reconnaissance de talents promettant, dans ce contexte, des possblités de mobilté sociale ascendante, méme si cela se fait par approximation sux groupes de la classe moyenne, par contre, pour autres enfants, le poids des contraintes structures y a 6t présont pour nous rappeler la profondour de ‘alles tetations, urs effets dane Fexpression do INDICE | Capitulo -“Onde estéo as criangas?” ou... dos motes aos rascunhos de uma investigagdio com criancas. _ 4." Onde estio as criangas?" ou... dos motos pessoals a justificagao de uma investigacéo com criangas numa perspectiva sociolégica 3 1.4. De corpo armatilhade a corpo potonciado para a aorH0, de uma perspectva da efléncie para uma perspeciva da competéncia’ do paradigma da crianca ‘como objecto passivo de socializagéo para um paradigma da edanca-actor ‘ua jutifoagoes opsiomologioas © metocolégices, sodas © poltioas 5 2. "Cresco e aparecer” ou... da emergéncia de uma sociologia da fancia, a Infancia e a agncia das criancas. 2.4. A flanga come construpso social, @ crianca como uma categoria estutural permanente das sociedade, a cianga minora © a crlanga tribal ou... quatro ‘modos de constitu socologicamenie @ evanga, duas concepgies de agéncla a infil 16 3. *Virar 0 quotidiano do avesso" ou... opgées toéricas o motodolégicas, rascunhos para uma Investigacao com criancas no Ambito da sociologia da infancia 25 3.1. Ene a erianga tribal @ a crianga como estrutura social ou... definindo um Angulo tesrico de referencia no émbito das abordagons da sociologia da Infancia 25, ian Repeal 28 13.2. % Onde esto as eriangas?” ou. contexto do como um espace privieglado para a capiarso da relagSo entra a agSncia das crlangas e estulura social “ erent com otamgae 33. * 0 que fazem a8 eriangas?” para poder compreender “= O que so as iangas-aciores socsis © como grupo socal?” ou... grandes questées como onto de para, um processo de descoberta 40 3.4. Da tigi interna de cada uma das partes e da Kigica que as atoula entre st. a I Capitulo - "Branco demasiado" ou... tornar transparente a relacdo social de investigagao numa etnografiacomcriancas a 1. "Branco demasiado", uma metéfora poderosa numa etnografia com cilangas 1.4. Branco demasiado”, uma meléfora poderosa ov... daz prestupostos bésioos uma etnografia com eiangas « 49 112, Os “estranhos sabores" das perplexidades como experiéncia do eflexvidade © esconsinuso de essoncialsmos FA 2. Biografia de uma investigagdo ou... tomar transparente a relag3o social de Investigacso “* 58 2.1 Into @ pesquisa, garan 0 2oesso.com os adutos 5s 2.2.*0 primeira dia ‘04.08 “eabores” das primeiras perpexidades, bores" das primeres perk A 56 * ate = Vane mar cia dba marnoa?"6™ No van arr denise? 0, meso @ " peut Gunn és aa 2, Entre a observacso participate vs. particjpago observante com ae erlangas. 0 eslalula da investgadora como amiga invesigaora cme amigas corto do una oagia de enago tom Be cng ius impor Se patio sbsanans 7 Porispeni aera em ieaotas de ado B Teas qe ae aera rr “Gunih 6 qn ou. 0 Oo, eu oad 6 as OiSpEE. AauincanTaa © aaa os etl 5 bseragbes 808 registos, a investiondora como einégrafa ea * Eee brs core uate TpS0O . dae pes kata SU STS 7 0s rts dae egae« a eis rp poms Go ven ou. RS TT 7g Ss stint storie: posses de cievactoevatarso de sence 2.5, Entre a apropriaglo @ 9 conrolo dos meus "papéis"e a representapo do meu papel polas crlangas ou... outros modos de paricipagdo das criangas na pezque 2.8 Acorea da inferoretagio a da andlse ou... dos textos ao texto fa m Ill capitulo - “A porta do Jf" ou... retratos da heterogeneidade social que envolve e contém o grupo de criangas 0 1." porta do Jardim de Infancia” —introdugao st * Habits sock de contosienis, doa perspstvas do andl, dos coals @ ro ee eee 2, "“Gomegar a conhecer as crlangas da Vérzea” ou... primolros retratos dda hoterogeneldade social que envolve e contém o grupo decriancas 90 2.1. Vasa, um fash do meio social do Jha se 22. Albuns de familia ou... a fais das ciangas que frequertaram oI da Varaee 90 2.3. Um “relralo de Conjunto" ou... @ helsrogeneidade intema do conjunto de iangas do J - 109 IV Capitulo - “Entrar da porta p'ra dentro do JI da Varzea” ou... do espaco-tempo onde decorre a acgdo__ 115 1. “Entrar da porta p'ra dentro..." -IntrodugSo. 17 1.1.Do agui edo agora a0 local onde se construc o quotilano 118, 2. “Brincar sim, mas...” - da ordem institucional definida pelo adulto- feducadora : 123 2.1, Eanapos,objectos actividades ou... da orgaizagio da sala 69 108 = Reps ingen rpnanao do espe 27. 2.2. Um dia no Jou... da omganizago do espacn tempo Tonos sci np leo ace esos aut, spas eps ds rane poe pos pra canny, efayo fos da re 98 2.9, Da exdem inalitcionl do JI dfinide palo adultos wuoadora 88 V capitulo — “Dos meandros da ordem institucional adulta as ordens sociais emergentes das criancas” “9 ou... retratos da construgo das ordens socials no JI. 4. Do “passar da porta p'ra dentro..." ao “ombrenhar nos meandros. = introdugao. Ti. Da aoaSe social enire6 "Sando" 60s "ut 112, Da acgio scal como prion situada © como possibiidade de evidenciar as compelsncias socials, toos de aogs0 e Kgicas do acgfo mobilzadas pelos aclores na gua experiénca quotidana. 1.3.0 aorso sociale das intoracgbes como relagtes de poder - 1.4. A reprodugio interpretative, um concelto itl para compreender 0 processo do cetruturagdo socal no J do porto de vista das criancas 2, Do confronto entre tempos dos adultos os tempos para e das criancas, 161 164 158 64 166. 169 169. 2,1. Ajustamentes secundéios ou... um mado do evidenciar as criangas como __setores sodkis actives no confonio com a ordem aduil, 2.2, Dois momentos do tompo des adits, cinco razbes 3, Da emergéncia da ordem instituinte das criangas © da construcdo 13 a8 Social do grupo de eriancas no confronto com o tempo do adulto. 34. 1 momentos reunio como ritual de enirada na insite doqumelain de eats orgunos 7% Oa aque mov fos. da eraniasdo doe ao gS. ang ce go resto... ace ol do al os mpeisino ra gio da an 2.2. O(8) momento(a) do srrumagso come ital de ordom na instugo 198 thor de ruta? = a Col, “197 "Usar aumar ou. ada « contemidads das efargae& ordam hsiludoral no payetonps para a lanes 206 7 *incar Beara ou, aos 6 cnlrmadee de clngee Aor neBusora agpierpn see tangs 200 tua sal. Sino e aanaghee aio node do War para oo slaw pregandeojegs.amunan, Une sore deers amt ‘sunt do ub $a ios 2a “estos aeons aso ac srtrau on rosnoss Go sc8s0 © ‘Shomileleda: anges termining aii 18 Ease nod @ pare Yet ro sl? & pare odo ico?" pegs = Cala SQ ™ Passa! Poa”. do cota pala pose dos obedos. « Garza WiaTa ab wueaeio niama oF 91. + Ammar lrnte do Sepa, & eer de gusta o "Quem ao aruma nf val rs aem aman am sah, nom ana ou. contapgee, ares © woe ac rmapi ro grupo ge Senge 237 cu. ae ‘Sesaromagser” come Tome de afmafoe cra das orangas a econ Ite como procsee nea da sede sal seta 246, 3.3, Das (des)arrumagées do grupo de “pares” ou... entre onsideragdes e novas intorrogacées. ar VI capitulo - “Embrenhar nos meandros das ordens sociais emergentes das criangas” ou... retratos da construgao das ordens sociais das criangas an 1, Do embrenhar nos meandros da ordem emergonte das criangas & __captagéo da sua organizagdo como grupo social —introdueéo 218 1.4. A cultura de pares ¢ rotinas da cultura de pares ~ conceitos uteis para compreender a ordem Instilinte das elangas e © proceso de estrulurags6 do grupo social de criangas = 282 112, Cultura infantile grupo de “pares, relagbes socials e agos de socablicad 28 2. Do confronto entre eriangas no’ espagos-tempos das criancas. 201 2.4, Brincarhogar coma mao de evidenciar as ralagSes entre pares, as rotias da cultura de pares ea consiugso da(s) ordemens) socials) das ciancas sot 3. Da apropriagéo dos espagos das criangas @ da sua rosignificagao pelos usos socials colectivos expressos em rotinas do brincar, forces que constréem ordons soclais das criancas. 318 3.1, Os momentos do brincar como momentos de apropriaggo do espago Inatiucional pelee criangas © da eva ressignifeagno pelos usos socials coleaivos, 318 ges poor Fier prac lwo Ta Oo 318 * rue "homadune” ea “sodanatzap, cor ‘ora’, capi Wersias, Car a Reis ibee Semen dome para a momems apy Ta sedans ou. das “pavangan™ foe oupagee da Ganene ne romano 92 mar a) 3.2. Os momentos do brincar como momentos de resignicago dos espagos das ‘anges pales u on rte do “brincar s3t BEN fev one pe Rar cnt Toa ee, OTE any eter otande de spare fear rang © “aus dos cara dei de pape aes on ree cou ono doa soos el ptm 9 nua rina Ene © ‘ata soba do mie" ©. oe toe sae Gm melemidae:ectaapa, orgmenoe © pines nobteon 240 71 Aa ries aio grade Ab eT, Val ar eanida 90 Dba, eno ala a # nosso dae ies, er br dems ager 251 7 nr a “cr eo “loner bento” cu. Fag Ts fo & 0 que ea Desai Sica, plo expos oarparoo crploear leq e ces pala regen 9 956 Na cura, nr aio eae oe cialon Goniwicon————S~—*SD rtd oie «po «gp townie Con vas iOS G6 snd na cao ato el rerio ro oo ‘ss eka scsi ane aso an TE. Reta Sears pet at Pout ee? ils rece etn a Gtniho coma © nies 68977 —__“estsiiocenefbmas detaicaeanaisemsage ST ‘3.3. Uma apropriagso cferenciada do espago institucional polas clangas,aliceroes ‘ata compreendar a consirecao das ordans saints das ciangas 283 SIU. Eno horsare’ 99 'senatas, saleando agunas Soraradhe ie OUGAGM 5g powers dan ones ron egoavas dae erase - TE. Ene horadare 95 sceriateas, cosscbs HORE GI USAC agg uance® qu ns cra down “poveamé”pandonds aoe 7 Una apepigae dlerendaca do esse Inslticonal pais cas ou. oeparos 369 sue de xls de gneroeespacos uote de ence ent gine? + Ui spins vec een pols tren ee a __ Serine dae? mee 393 Una orerort Gejaaiada 0 sapaqo intuinal plas Sanpae i. dar ies 4, Da apropriagio diferenciada dos espacos para o das criancas © da Sua resignificagio pelos usos socials colectivos & construgao da(s) ‘ordem(ns) social(ais) das criancas _ 4.1. Ent a "ease" e 0 "trabalho" ou... do uma cartagraia gonderizada do “biacar” 08 espapos geradores de exclushvidades de gener 390 UR isngu “ea-derons qe fm a casa como "can. Os eapagee “pNaee © 209 pac mernes coma essen, OO a2 En eensiargies¢ rove hlorooner 408. 4.2. Ene a “casa” ¢ 0 “tabalho’, entre “damas” e ‘mascarihas” ou. enire 08 ‘spagos geradores de exclusivdades de género e a constucto de ordens Socials do gener homossccias, entre as suas zonas de ransgrossio e a dofesa das suas ffonleias. A consirugao de ordens sodlals de género femining © masculina, az TA cas oS SD TINA a i a Soa air + vostro sfc um mado de prossegu a epreontio da eo gp a. 2 re oo Ge ea Wm ra create # reg GR gy Eno Sas ur, "0 veailo vera, 0 “ealo cordoyoad oe Wa @ alans © vomit au coneindo em care da cian, crpoe So ie. Insgee pure Se ‘einso 425 Se toa alo iotnaa Se NGG? A Ria pated po de sou. soneepgiae valores de cutira dae mines, Ene 8 aigio #'8 ao esrinase amoigadade sadn, a4 reupel Trae"- Of 8 renina Sal agua. ane ocanlo ce znas Se oe onerous tarsessto. Ene «clea ds ss foreees ara Go gro aco © poe Sa head ma eNSeT® gay os pubic dacs, sam conoumdanib‘emiana, AT nso re GUST SOIR gig ssa NO a. he [sp creo ann we armas a3 7 Vamos fazer uma casa." = 0 papel do conto © da iabdade ra Gorse de stigaiedaes masuinas& de et eatao no ge dos mann, nagane pars Go cancogtan tlre ot clare dor marine [ogee sentra sormanno ere menror, ou 512 "onan or aero ssn ou. D papa dos hee dd TV na consapto socal co pu de mens, pa srecntrn sete do acs ‘menos «rn taegecsdo dae ovis a casa," “paces no confeno oe ‘Sur posous ara om sora co eating de reo anise 54s 4.3. Da “praga” & “pracela’, passando pelo “posto médco" ou... 08 “espapos ‘icblios” dae e para criongae coma “alooe noultoe”, Enro a Sonvorgénola © ‘08 navos “encontros"intrafentre géneros e 2 prossscurdo do canfronto,dos ‘sus poderes relatives. 564 abbots pag pinion, es irae 566. pots mses ps arie paios anne are 05 doers: na area” Gols hele ond os spermine 819 44. Da co-exsténcia do ordens socials do género e de idade & da (rlorganizagtio social do grupo de pares sob a égide do feminine das/os mais voihasios © dos valores da classe mécia -consideragbes finals. 590 “at "Cads ul ro Sus page” ou.« dlrerlain dos eapos 5 como poor de ‘enratriao colt Socal pat anges Toma elamonar de tua Forpontaca0 Sho aetetede pees Pte rm aad ce partion 0 (erase) ols) pres 0 6 de SSteminng. dacbe mai vahacoee doe oon sede dh sor ate et cur orn Saar e aad oir joe ara oe ~ Esportrias soasi semelnnies, aroies « daigcais ou. pas Ge TaGsO © intracte qu orn Monseoa prices de goo oleate. 204 a Gate ee) tu opie) wae) ale GTS], OO uate, com llvorasroraiasv erage em rene papal ekigeo das foabidede es proses de creics esos Go aghrela nm Veergniongso soe) So ge dass 612 7 Ene prec" “paar staria’ pGU 6 wtb Subs ua Veparaneao soa cb gasoltesennasne tenga Wemroaniasi? et2 + ip “pre inp’ saat pers esto gure ou, sd deo ow mnie no tang 3 (opgaizagio 1444 a epee) sol do ur de pares ob a ite do fersno, abe mat vax costes dene mes "Var 0 ata db avnse" uo Ta un eapape Ge Catania 66 Brea ora wa ‘ooms dh exrssio do Safed patsbacde? VII ~ Bibliogratia 618 eas INDICE DE QUADROS Quateo 1 Guairoz “Guados ‘Guadrot Guadeos Guaro 6 Guadro7 ‘Guaaros - SltuagSena proisto de Pai o Mio vs. nivel de escolaridede @ dade sig social das oangas (wniese) Tdades vs poroursos naituconais 208 inaitucionais por idade vs. GENO Pana da ala de acvidades do I da Varz6a s5560 6 uso sibjacontas aos eepaqos formals pals no tempo-espago do JT ~ Desidobramanta dos expagne-adlvidades nos eapapoeimpos das iangaa. Quadro Guatro 10 Guaaro 17 Garo 12 Gunso Quadro Grae 6 Ooupaco media por eapag ve. GSTS ~Oeupagio relava por espago ve gener ~Ocupag relalva dos aspapos vs marinas vs. FacpBes de Wades aces ~Orsipagi lava dos eapanos v= Gariograta gordorizada do espago-ala ~ Diferenis Temniidadss ve ads (airtase) rings va. acpi ~ Diaronlas miasculnidads vs Gasse social vs: Wades (siniese) 109 Tt 8 7 Tae cy J 140 300 oat ca aa ae | Capitulo - “- Onde estao as criangas?” ou... dos motes aos rascunhos de uma investigagao com criangas 4.."- Onde estao as criangas?" ou... dos motes pessoais & justificagdo de uma investigagao com criangas numa perspectiva sociolégica "Mas, afinal, onde esto as criangas?* - eis 2 questo com que me confrontel logo nos primelros tempos em que, ainda como estagiaiafinalista do curso de educadoras de Infancia, me vi sozinha e impotente frente a vinte cinco criangas de quatro/cinco anos © que me fol acompanhando ao longo dos cito ‘anos seguintes em que exerci aqueta profisszo, {As razBes de tal interrogago bem como da sua persisiéncia decorriam da constatagdo quotidiana de que as acobes esperadas das criangas no s6 no ‘se conformavam como desassossegavam as Imagens e modelos teéricos de uma crlanga universal, abstracta, aprendidos numa formagéo inicial dominada pelo paradigma psioo-pedagégico. Isto, para além de me confrontar com alguém que me colocava exigéncias tanto do ponto de vista fisico como cognitive @ fectivo, alguém capaz de, ao me “apanhar" e "dar a volta", desaffar 0s meus poderes me devolver as minhas préprias contradigbes de adulta, Ao mesmo tempo, @ observagéo @ a intervengo nos sous conflitos, ao fazerem-me descobrit no exerciclo da forga entre si @ no uso discricionério de atefactos, saberes e afectos um leque de relagbes sociais, poderoso o suficiente para lengencrar formas de Inclusiio e/ou marginalizagio geradoras de "pares" “impares', abslava seriamente uma imagem das criangas como seres inocentes, simples e ingénuos © de uma rolagdo entre educadora-criangas a-social, espoitizada, meramente pedagégica e afectva. Mas, afinal, onde estio as criangas?" fol também a questo com que {ui confrontada no preciso momento em que defendia a minha tese de mestrado. Desse vez, @ sua contundéncia decorria justamente do facto de naquele trabalho, apesar de advogar a defesa de uma socioiogia da inféncia em que as criangas fossem assumidas como actores socials, eu ter acabado por dar conta, unicamente, de como os adultos, por via dos discursos médico e psico- pedagégico, titham contibuldo pars a definigo de concepgses de crianga @ para leglimagéo social de um conceito de infancia. A desconstruglo social da Infancia, naquilo que até hoje tem permanecido como sendo os seus fundamentos bio-psicolégicos, constilutivos de um recorte social de idades, traduzidos numa determinada condigdo @ estatuto social das criangas como sores vulnerdvels e dependentes, a proteger © educar desde tenra idade, 20 captar como 0s "infantes* foram ditos pelos “falantes” permitiu-me encontrar a "chaver para a compreensdo de uma parcela importante das minhas Interrogagoes anteriores — @ Infancia como construgo social © as relagdes socials entre geragées. Mas, mesmo assim, dava-me conta que permanecera encerrada num solléquio de adultos entre adultos. ". Afinal, onde estéo as criangas?" tornou-se entéo 0 desafio para a redefinigao de um estudo centrado nas criangas onde importa saber "= quem so ‘as criangas?”. Mantenho o Interesse por essa realidade humana e social que so 8 criangas de idades compreendidas entre os trés © os seis anos, mas inverto radicalmente o Angulo de visso e de anélise: da telescopia anterior da sua construgdo sécio-hisiérca situada no passado, num periodo de tempo alargado & uma perspectiva macro-social onde elas foram apreendidas indlrectamente por via dos discursos adultes, para uma éptica microscépica radicada na contemporancidade. Esta visa projectar as suas proprias vozes, a partir da repercusstio das suas acpées socials na sincronia e diacronia dos dias de um ‘ano lectivo, circunscrita @ um dos seus contextos socials mals represontativos, ‘como @ 0 caso do Jardim de Infancia (J). © propésito 6 mostrar as criancas como actores sociais, individuais e colectives, implicados nos seus mundos de vide quotidiana num contexto institucional, 0 que significa a suaassungao como objecto-sujsitos de estudo; a roduge da perspectiva do construtivismo social mas agora preocupada com as praticas interpretativas que a partir das interacgées € relagées socials que estabelecem com outras criangas e 0s adultos ‘em presenga, incluind @ Investigadora, déo significado e estruturam as suas experiéncias sociais; @ reconsideragio das relagdes socais entre geragies © 0 seu alargamenta as relagSes socials entre criangas, wuigo "grupo de pares"; 0 convite, como investigadors, para inverter @ posigto social e epistemotdgica de “cima para baixo", de "Tora para dentro”, para passar a estar /4, com @ entre (Vasconcelos, 2000) as criangas no “aqui © agora" delas. Els-mo, portanto, perante um mote para ensalar um virar de pernas para 0 ar? aquilo que tem sido a ténica dominante da pesquisa acerca das criangas na sociologia e a minha propria experiéncia como adults-investigadora, Um desafio pessoal no isento de "porn questo de cormsade,peesrence aero Jatin dnl com sro J 2 eaeee qua se nape ne ra de Endo tleano"Pate arb essa Jl mando 0) consequéncias epistemolégicas © metadolégicas, sociais @ polticas que, 20 ‘advogar um conhecimento das erlangas como criangas e pelas criangas, solicita Igualmente a justiicacdo dos desafios varios que se me colocaram, sob pena da ‘concepsio crianga-actor correr 0 risco de se tornar um lugar comum ou uma mera acjectivagso polticamente correcta, 411, Do corpo armadithado a corpo potenclade para a acelo, de uma perspectiva dda defiléneia para uma perspectiva da compoténcia?, do paradigma da crianga ‘como objecto passive de socializacio para um paradigma da crianga-actor ou. Justinicagses epistemolégicas © motodolégicas, socials e poticas \J4 no se pode dizer, hoje em dla, que em Portugal a abordagem da Infancia no Ambito das Ciéncias Sociais e numa perspectiva sociolégica seja propriamente uma novidade. Longe vao as "Nolles de Sociologia" organizadas pela APS onde, creio, pela primeira vez se organizou uma sesso publica acerca da Sociologia da Infanciat ou 0 Ill Congresso de Sociologla® onde, numa breve sec¢o sobre a Infancia, pontuaram antropélogos. De tema eusente (Ferreira, 2000) assiste-se, no decurso dos sltimos oito anos, a um crescente interesse pela eleiggo da crianga como objecto de estudo® a investigar no &mbito de projectos, mestrados © doutoramentos. Emergindo da dispersa, lenta, mas inegdve! publicapo e divulgagdo om livros’, artigos em revistas® © em Actas de Congressos®, aquele ‘interesse viu-se recentemente projectado num 3. Meaty 199830. “4 feaiada om 1004 ra Livara Bart, om sea, corona por At Nunes de Amst cnt, tte ctor, com somuricageas de obo Sebetaoe Teese Sea, 5 Falouon dl Coreen Ponugute oe Goselgi, “ries e Proceioe de Mena Soca raeado sm tlsboo, Fundote Casas Gukerian, ce? #8 Feverar So TODS, Above soosto que Gifu uma ro de mani "lenereanoe or ule, S oes reece au agin dos bale quo ae repetan eapelicaete ds capa No nulmes aausos gus shodence, por ear, 3 frmafeo ou a ensue co areas potesonae Ge ila (i's queien ao denaroterana cer, spar se hes igor aroramont. Nera Spgs ‘Sein que o eam earl ano sa proleraitcn ca isn ens ben ange de aspen ao waa ‘Bm re vat cs sua prodogo ceniien ndopusings amo ales Yocenio penta om Plo & ‘Serena (69, 7s ents exon, Raa (1801; Vatconson (1997) ura (1997, 1988, 2009 Pino & Samant (1987, 196); Gebanss (189) Pita (100) Paria (008). Nene (1889) Fae (2000); Vin (2000 ‘Gara Fer (2500 Pio 200} Saran (200); rs t 20D) Sipor exam, Revie Esverto, Socedade o Culras, 22 Censo de Inveripato @ isevengto dental PCCP roar tmaica sete ail: Argues Momo age. ogo © Sproncsepon = (188) Reman de Certo Ge tos de Eiaoga Poruguera, re dilo Bi ¢ Fon ‘SEselsisn, Docs Acree de nt nets do Esso de Doss Sec, 200, "38 amo Unorsande Nove Go Labo 8 por examol, a ttn do 1 Congreso luan-rasno de EdcarSo "Latur suite en Portia 00 ‘rs, 1500-170 paliea, mntlvace, pies educate, vl yl (1998) Pot, SPCE: Ace do Encanto reason! “kancos Soci Colurase Irie’, Vall, ly ti. (2000, Braga TEC reconhecimento institucional na instfncia académica, manifesto na realizagso do Gongresso Internacional Os mundos socials e cuturais da Inféncia'®e no inicio do primeira mestrade em Sociologia da Infanciat', Neste panorama da investigagtio nacional, ainda incipiente, a inscriglo de um estudo com criangas que se pretende de Sociologia da Infancia, deseja contribuir para o elargamento do campo das Ciencias da Educagio das Ciéncias Socials. Procura, mais do que 0 seu esparilhar com 0 acréscimo de mais uma disciplina e de um object, patticipar na sua recomposigao por considerar que @ sua inclusao obriga ao exerclo critico da propria soctologia, em particular da sociologia da educagao. A isso mesmo obriga 0 conftonto com aquilo que se constitui no legado de duas das malores lronias da propria sociologia: uma, que decorre do facto de esta tor deixado campo ire as ciforentes corrontes da psicologia para explicaro estatuto social das oriangas - seré melhor falar de sua auséncia de estatuto - © para justificar as pratices socials destinadas as criangas (Mollo-Bowvier, 1998:74) @ @ outra, inserida nesta indiferenga, que encerrou @ reduziu o estatuto social das criangas 20 de fiho ou de aluno. ‘Ao focalizar este estudo nas criancas (paricularmente as de idades entre 08 3-6 anos) estare, pos, interessada em interrogar 0 modo como 0 conceito de criangarinféncia tem sido temado como © quadro de referéncia do @ pera o sou estudo pelos adultos, uma vez que interfere directamente no modo como séo percepcionadas e nos relacionamos com ela @ nos modos como elas préprias vive a sua Infancia, Tal, ao implicar rever os modos como as caraciersticas, salientes do sistema de classiicagao ou das categorias de entendimentot? de uma dada sociedade foram produzidas © come encerram relagSes socials Gesiguals, remete, desde logo, para os modos como na cultura ocidental se processou a construgao social da inféncia, nomeadamente o conhecimento ientifico que se tomou dominante. Constata-se entéo que a fixago nas dimensdes fisicas do seu corpo, entendidas como o facto mais evidente © pregnante da infancta, se tomou a sua marca distintiva @ desigual por referéncia, 208 adultos. Isto porque, uma boa parte das propriedades e atributos cognitive, 10 una iniivn do Canto do Seid da Cas retzado em Sap, de 19022 de Jno do 200. 8 canto com a ress deinvesipacores ano no caps a socked fac: ee cs, Sere ‘Serio, Slate inn, Regie ea, Man owe Gav Sosa "2 be econo con Boudu (1608), a categoria ema virus de designr 89 mosmo po une unis socal eum ears coi 9 maher tape aus une afecivos © sociais que a8 caracterizam ~ amoral, a-cltural,a-socal, imatura, iresponsével, Incapaz, iracionat -, tomem como base 0 seu estado bio- ontoldgico. Este, detinido em estado de défice, denota assim uma percepcao cultural particular do seu corpo fisico, pelo que 08 conceitos de crianga @ inféncia, preconcebidos sobre as paricularidades daquele, tém servido para interpretar a inféncia como dependents e todas as dependéncias como infants (Ct. James & Hockiey, 1993; Hendrick, 1960, 1987; Rocha & Ferreira, 1994; Prout, 2000; Ferreira 2000, 2001). Inerente a este proceso de defn social da infanca assste-0 ao abstrair da imensa heterogencidade bio-socal concreta das criangas (géner, idades, etnia, classe social) por via da saliéncia dos aspects (sicos,psiol6gicos, moras, afectvos,cronolégicos) mais uniformes © homogéneos que caracterizam esta fase de vida, conduziu a sua conceptualizagdo como fenémeno urilério relativo a um grupo social Indiferenciado ~ as criangas - 6, ainda, & atrbuigso de uma identidade categorial que @ indexa a niveisolrios cada vez mais detalhados. Falar de infancia ou da cvianga referenciando-a a idade tornou-se assim um citério dotado de eficdcia desertiva, j que & capaz de iniroduzrcstingbes amplas entre geragSes (adultos @ criangas), ou mals rfinadas que, designando sub-categoras e dferenciando- a8 eniro grupos de idades, se traduzem numa série de identidades colectivas ordenadas. Ao especificé-as, continuam porém a ser usados como pricipios classificatérlos dominantas 0 funcionamanto @ os comportamentos expressos pelo corpo fisico, Neste sentido, a concordéncia entre as estruturas objectvas (0 corpo da crianga) @ as estruturas sécio-cogntves produzidas @ seu respelto polos saberes centficos naturalizam as divisbes sociamente construldas © 0 reconhecimento da sua legitimidade (Bourdieu, 1999:8), fundamentando, um (o}conhecimento da crianca assente em dualismos opostos: adult-crianga © inféncia-aditez. Conformando 0 ser @ as formas de conhecer,fazendo coinccir © que se vé com 0 que se pensa, fazendo derivar a condigao socal de adultos © criangas da evidéncia biolégica da sua diferenca @ das expectativas sociais a seu respelto, estes dualismos, num golpe de dedugdo teleclégica, encerram Identidades exclusivas sustentadas na sua diferenga pelas relagdes que os fazom corresponder-so e depender-se muluamente, ‘Ore, © desigual conhacimento e reconhecimento das diferentes idades de vida como realidades humanas e socials relevantes torna-se sintomético de uma concepcdo prevalecente no selo da sociologia acerca dos que contam ou no como seres socials, sobretudo quando se considera o lugar marginal © 0 desinteresse para que t8m sido remetidas as criangas, tanto mais acentuados quanto menores so as suas idades'®, Por consequinte, a integragao no selo da sociologia desta realidade humana especifica — por muitos considerada como hibrida, ambgua e limitada"* — que so as crlangas cujas idades J4 no sao propriamente as dos bébés mas cujas competéncias cognitivas, morals & escolares também ainda no so 2s que se autenticam as criangas a partir das idadlos escolares convida & ruplura com as concepgées sociolégicas tradicional «© normativas que reiteram as vistes do senso comum acerca das criangas cula ‘verdadolra’ humanidade esté para vir @ @ critica da prépria sociologia como insirumento de reprodugo de formas de pensamento instituldas (ct. Gatnier, 1995:322), ‘Ao pretender assumir as criangas como objectos-sujeitos de estudo femplrico, mals do que prosseguir uma antropodoxia da crianga (cf. Bemard- Bécheriés, 1994) que faz coincidir a sua (‘in')competéncia social com 2 "sua natureza” — ecultando © cardcter social da representagio e da relagso estabelecida entre aquelas duas categorias que torna invisivel @ sua agéncia humana concepgées que avaliam as suas accbes e conhecimento como imperteitos ou Goficientes, em erro, © as consideram como actores superficiais (ct. Weksler, 1981; Mackay, 1991; Mayall, 1994). Dai que a relevaincia que se pretende atribuir fs acgSes das criangas como prova de si e do que elas so como seres . ereio poder contrbuir com dados substantivos para desafiar as 1 nos onfor de las ncor se owas raiatos humans wads xcusto cose asarolgca cone by nes ah corte gis en anon) fe, et) © Pees {ats pron sen (Coen 08 Gee 8 Nak 90, Gone TN). aas “4 be exempl, Vance Gut (1982) corer que una rly, no poe sa dit ‘sol 50 a tm un ‘anaament act, {a sent guano © aro exe import So veta orton, 2 gue Se ‘ioco am eploabaa no aeoecs anos doa # anos A anlar ra ora ea ase ‘tase Ge uo as fares cbabo dose Mads ado woes acca (abue) eu pre-soal, como no {S28 no Sera een 20 ade ter ocnonto de silent em so frmndeexsusvararia ‘eepectva aula ams a eancapto de wlangse come Sendo ecsndatnons cefoise visas tos ‘eg em oe pice cao 6a enesgneo sb carga © nl, ui pe, iooegio edulovcragas @ Tomato como presse oe socio, ae craneae cana feronere csearocam a ce soles realms come pala # eeber vores absacas © Ans cae ae Sas ovongorau cues. ‘cognoscitives, socialmente competentes e dotados de emogdes e sentimentos & luz das suas préprias evidéncias, se constitua num estimulo acrescido para uma reflexéio oritica acerca da inféncia, advogando desde ja que as relagdes de Inorsubjectividade entre adultos-criangas e criangas-ctiangas dos tis aos sels ‘anos, ainda que possam ser atravessadas por racionalidades diferentes, nao so so possiveis ¢legitimas (cf. Waksler, 1991). De igual modo, ae procurar neste estude fazer valer a inféncia como uma categoria social intenta-se, a semelhanca do género (Scott, 1990), integrar a dade na historia das sociedades © das mentalidades ¢ na histéria das relagSes socials, Estas, reflectidas e reconstruldas no presente, permitem revelar onde @ como & que as criangas situadas em contextos socials, individuaimente ou como ‘grupo social, experienciam as possibilidades e os constrangimentos colocados pelos sistemas e estruturas sociais, geracionais e genderizadas. O recurso da variével idade na andlise sociolégica, como forma de singularizar este grupo social, facuita assim uma maior compreenséo da sua siiuagao estrutural, tanto por referéncia aos adultos como por referéncia a si préprias nos grupos de "pares", © uma maior evidéncia de que 2s suas vides esto sujetas as mesmas forgas econdmicas, sociais © polticas que as dos demas, Na soquéncia das justficagSes de um estudo com criangas dos trés 20s Seis anos, esté ainda o interesse em fazé-lo no com as infancias que definidas como problema social ou em situagdes de softimento @ vitimizaggio'S t8m sido um dos alvos preferencials quer da hist6ria quer da soclologia, mas sim com aquelas que, ditas "vulgares' © “normais" t8m, por isso mesmo, passado quase despercebidas © das quais pouco se sabe. Prestar aten¢o ao que parece no Serter ‘nada de especial" pretende assim ser uma forma de dar conia da complexidade social das acces das criangas que preenchem a vaculdade do "gem problema" para, problematizando-o, romper com os sensos comune que as tomam fenémenos socials rrelevantes. Neste sentido, a localizagao das criancas que se constituem no objecto/sujeltos deste estudo no contexto do JI visa interrogar a persisténcia da sociologia, em especial as sociologias da familia © da leducagao que, a0 tomarem 0 espaco doméstico ou a escola priméria como os sous objectos de estudo privilegiados, tm negligenciado aquilo que se tornou 18 Per exenpo, naneae an ru (Sbastte, 198), am stactes Ge pobreza elke soll (Bass, 200 nse mau oe (ea a a 209), was se (Sar EE, 20000 Peta 185 uma das marcas mals distinvas da infancia moderna: © processo da sua Institucionalizagto cada vez mais precoce'® (cf. Nasman, 1994; Bairtéo et af, 1997), Este facto, por sua vez, tende a expandii-se sob outras formas, como dé conta a concomitante prolferagdo de uma panéplia de actividades educatives destinadas as crlangas das varias idades, ndo redutiveis &s insttuigdes ‘radicionale mas que visam colmatar o8 tempos livres dalxados por aquelas ‘Servem estes exemplos para anotar que esta transferéncia da infancia modema da familia para o JI parece nao ter tido repercussbes epistemoligicas no Ambito da agenda da sociologia da educagso. Continuando a primar pela sua auséncia, @ educagto pré-escolar aprofunda neste campo o critério de pertingncla epistemolégica j4 roferido, que, 0 seleccioner as realidades humanas © educativas consideradas soclaimente relevantes'®, reforca as concepgées dominantes das criangas "pequenas" como seres em devir ¢ da “pequene” Infancia como um tempo de espera e Improdutivo, simbolizado no brincar como sendo o seu oficio por natureza (ct. Chamboredon & Prévot, 1973). Faz assim jus a uma concepefo de socializagéo percursora do classico postulado durkheimiano sobre a educagao concebida como acglo exercida polas goragdes adultes sobre as que ainda se no encontram amadurecidas para a vida social (cf. Durkheim, s..:17). Como tal, as criangas consignadas aos quadros Instituides tém sido inferidas mais a partir dos adultos que as representam, os professores ou as familias, do que propriamente das suas acgbes. 80s pocaoe do ndisualzapo dau, a par és nttaconaleagso dine Ses cares com ennai aap ipaq, co as Nema (a 168). ‘eporandose 20 poceeso Ge tusinstzagio da intel, Wedo.Souver (098), chage Tle, ‘evermore an caso ect, da una nomaizspo Go prooadats (em) os subeso somlo do fpowocknca (dem), En Parag, pare aso de Eaagao Meeacoor connate, esse ‘Petuconteapo ran 005 oe 66 (1% 182 caren arias). 20000tenb nner, ‘dos poss ME, aumenou pare os 24 Sf Gute uss pode sr feas sos ens oa ‘e cana com oancmara daa rosor oma inttcoraades ara fof de tnt otar ‘longa eu am tures Ge abanono lu eGo nope se coconut nstusonaeasas (Gotas nao orien apn pare cnea 121000 congas nes stesso) 17 ce Mato-aouer (104, 1085, 1888: Rousous & Brougir (950, Howesaye (165), Nelo & Pera (4957; Pomen a (000 Levert o at (200: Mate (200s, 2000) Sermons a (20005 Shs iN 1 Semanocondo seb osnvele de asin qua ae enon 8 monn © jusarie da eecela ind, impersonator un sosentaIniroses plo Clo So Eso Beso (9 es) © Satna fara w cane poragute, Aue & Dose (10% Carele © Naa (00H: Parka & Nora ty mavo cs exten 4 ante supe ro Pata, ct Farandse ea (201) Coo ak aan Sarco nen, 8 ecg perc’ © sao iwi andes mr 10 ‘Trazer para o debate sociol6gico as criancas ~ dos 8 aos 6 anos — obriga a considerago das erlangas com idades pré-escolares, nas suas acgdes, quatidianas com adultos ¢ outras criangas, requet entéo a conceptualizagao da sus invisiblidade social como mais um reflexo do “estado da arto" da propria disciplina e da sua natureza ~ do que conta como entidades sociais, como educaglo, como sodializagio — 9, anal, das relagbes que se estabelecem entre adultos © criangas"®, Da que nesta investigaglo, a localizagéo das criangas no contexto do JI permita desefiar a ideia generalizada de que o seu lugar na sociedade continua a ser na familia e de que a sua socialzaglo se restringe & socilizagdo primaria que all ocorre para, ao invés, reconhecer a sua allemancia entre ambas as instituigées © 0s processos de socializagéo primérios & secundéirios. Sobretude para, ao procurar desconstrulr aguilo que até agora tem sido os grandes mitos da infaincia, problematizar as concepgbes tradicionals: |) de crianga como seres em défice, simples objectos passives @ meros receptdculos de uma aogéo de socializagso; Il) da socializagéo como um processo vertical, conduzido exciusivamente por adultos que o encimam e com objectives claramente definidos © em prol da reprodugao social; i) do brincar como uma 2ogéo natural ¢ espontanea das criangas, credo Unico e embiema das actividades da Infancia: iv) do grupe de pares como forma de organizagao heterénima e genuina e, como tal, um dado imediato, adquirido, de cuja suposta homogeneidade estio isentas relagées socials desiguals. Esta ¢ uma desconstrugée necessiria porque tomar como certas uma condigao de crianga sociaimente construida no dia a dia, na experiéncia de relagio directa © Impicada com outros, adultos e eriangas, em contextos sociais espectficos onde, para se ser filho, irméo, aluino @ orianga tem de se aprender a s8-o, adquirir competéncias necessérias para participar e ser reconhecido como membro numa © noutra relagao social, obriga @ afirmar: 1) os sujeitos que séo cada uma das criangas porque naquele processo se Ihes retita toda a dimensao social, cognitiva ¢ afectiva que participa na construgdo de acgies significantes @ significados parilhades colectivamente, subsumindo as partes no todo @ ‘amalgamando os individues com 0 seu conjunto @ este com 0 grupo; fl) 08 processos de socializagio que acorram em registos miltiplos ¢ ndo "9 Deo soexanpl os ania pour eto ue, epotsdes 2 J, 50 dain, sche, na igre do ‘chhovedoscin« nan sun sagan eto Setemonimara de medne codes, sj ha conarusae Ee Sted profesor Vastecsioe 10a samen (23), “ necessariamente convergentes, protagonizados polas proprias criangas quando procuram gerit a heterogeneidade dos seus oficios, papéis, identidades @ osigtes socials; lv) a presenga de relagbes estratégicas, de poder © contra- oder como intrinsecas a toda esta rede de interdependéncias © o papel que desempenham na conversao de diferengas em desigualdades sociais Teconhecidas pelas proprias criangas como legitimas ou em formas de Tesisténcia ou potenciago de mobilidade social. Esta critica dos enquadramentos concepluais da infincia requer assim a sua considerag#o como uma categoria social logitima © solicita que se proceda ao aprofundamento das bases empiricas que informam a realidade humana e social que séo as criancas. ‘Tl implica a sua incluso tedrica e melodol6gica e a sua assuncao, para além de objectos empiricos de anaiise, como sujetos com cidadania episterolégica (Qvortrup, 1994). ‘Assim sendo, mais do que um "regresso ao actor” 6 uma "descoberta do actor-crianga" que ests em causa. Trats-se de relevar a sua agéncia “escondida" no contexto das insttuigSes e dos multiples constrangimentosipossiblidades que envolvem a sua relago com os diferentes espacos-tempos do JI, das relagses verticals com 0 adulto-educadora e das relagdes de maior horizontalidade com as outras crlancas, para que se possa também, a0 assumir como legitimas as ‘suas formas de comunicagiio e relacéo, dar-hes voz. Isto 6, reconhecé-ias como produtoras de sentido € com o direito de se apresentarem como sujeltos de Conhecimento © assim poder resgatar a sua considerago como uma categoria, marginal, néo-categoria do ponto de vista cognitive © moral ou objecto infrasociolgico (Sirota, 1988:31) ¢ @ justiticago para ignorar ou se thes, continvar @ negar um estatuto com signicagdo social. Uma tarefa que convoca, ento, um exercicio de indagagso sosiolégica da teoria disponlvel a partir dos problemas particulares colocados por este objecto/sujelto empirico © @ mobiizagao de um conjunto de ferramentas conceptuais que localizem as dace Soma fr ada) ‘Baar sesnracaonte ts atdedes Se ae sutra arp) atarde do valor ve ® ‘sdhutae de aang po a pra. 0 aoe. Cab. Wine (138, 200) Bg urn Crm 08 une, 1 Hye (5, aes (Tame (903) 19 crianga tribal, em que a erlanga 6 honrada © a sua autonomia 6 colebrada (Mayall, 1994; James, Jenks & Prout, 1998:29), visa, ao colocar em equidade os ‘mundos sociais infants e adultos, evar a sério 0 actor social que a crianga e assumir a tomada do seu direto & palavra. Velorizar a capacidade de produgsio simbélica a constiuigéo das suas préticas, representagdes, crengas e valores com sistemas organizados de saberes, fazeres © sontiros que, transformados em rmeios de interacgo social entre pares, ou seja, em culturas, geram modos de governo préprios as sociedades infantis, toma-se assim uma forma de identificar © compreender a agéncia das criancas. Mais, toma-se uma forma de insurreigo ‘contra a existéncia de uma concepglo singular © universal de infancia ou crianga que tende a ocultar uma diversidade de infancias e de experiéncias sociais das ctiangas em contextos em que agem como micro-sociedades. Como tal, privilegla estudos em pequena escala, onde “dar @ vez @ a voz" as criangas & considerélas no s6 como repérteres competentes da sua propria experiéncia de Vida, mas também encarar as suas acgSes como sendo dotadas de sentido ‘estruturadas de acordo com as suas proprias I6gicas; uma descoberta, uma aprendizagem e uma andlise que s6 do ponto vista das criangas @ através da Ccompreenséo das suas inleracgSes nos seus universos especifices se tomam acessivels aos adultos. Dal, 0 recurso a metodologias interpretatives © cetnograffcas que convacam os adultos a desafiarem as barreiras do seu proprio adultocentrismo, {As erlicas maiores de que tem sido alvo esta abordagem decorem do facto de alguns destes estudos iniciais, a0 quererem fazer jus & concepgio da crianga actor social, se terem pautado por uma circunscrigdo radical as culturas das oriangas, vendo como virude a sua separagdo dos adultos e defendendo que nessas circunstancias, elas n8o s6 tornavam explicitas as suas especificidades enquanto tal, como eram capazes de desempenhar tarefas socials mais complexas (cf. Wyness, 1999:365) e originals. Nao estando em ccausa que os estudos acerca das culturas das criancas sejam em si relevantes na devolugao de informagso antropolégica dotalhada acerca da complexidade dos sous mundos de vida, estes incorrem, no entanto, no risco de no exacerbamento a-ctiice © descontextualizado das criangas e das restantes relagdes @ estruturas socials, elas poderem ser vistas como uma “tibo" demasiado exética € & parte da sociedad, 0 que, perversamente,reforga o seu 20 esstatuto de marginalidade (ct. James, Jenks & Prout, 1998; Mayall, 1994, 1936), (Ou, ainda pior, 20 serem apenas consideradas “engracadas", coroborarem Infantizago da infancia. Assim sendo, de se tornarem numa espécie de "feitgo contra 0 feiticei, uma vez que destituem uma parte importante das suas actividades @ as destituem como seres sociais que, como todos os outros, afectam e so afectadas pelas estruturas socials, produzem e reproduzem a sociedade, Se agora retomar as quatro abordagens tabricas da sociologia da Infancia © as referenciar as concepgdes de agéncia que thes subjazem, & possivel nolas identificar e distinguir dois grandes modos de enfatizarem a. relagio inféncia vs. agéncie. Como tal e de acordo com Wynoss (1999:364-356, 2000): um deles reporta-se & abordagem da crianca tribal que identifica © enfatiza a agéncia de inféncia quando posiciona as criangas nos seus préprios contextos de vida quotiiana e, sobretudo, em relago com grupo de pares, para thes recontiecer, no seu poder de iniciativa e autonomia, a quota-parte de autoria na produgio do culturas infantis ¢ na criago dos sous mundos sociais. Um Angulo que, a meu ver, abarca também a perspectiva sociolégica da crianga como construgéo social quando, de uma éptica microssocial, procura enfatizar 0 cardcter construldo que assiste a experiéncia de ser ctianga por via da Constituigdo de culturas infantis e formas de estruturagéo das suas préticas sociale, organizando:se em grupo com uma ordem social. © outto, ao localizar fas criangas na estrulura social mais vasta onde sdo vistas e posicionadas em termos nacional e, glabalmente, como um grupo social subordinado, aponta para uma nogio de agéncia que ao ser articulada com as teorias do poder e da desigualdade social parece estar mais interessada na dentncia da sistematica nogaeo da sua agéncla, como 6 0 caso das abordagens sociolégicas da crianga, ‘como estrutura social e como grupo minoritério. Uma tal posigéo decorre precisamente da assuncao de que a sociedade nao reconhece as criancas como ‘actores ~ néio apenas como actores no senlido de erlangas que brincam, por ‘exemplo, mas antes como actores construtivos @ até produtores de valias, (Qvortrup, 1994:22-23) — nem que de cada vez que as criangas intoragem @ comunicam com a natureze, soctedade outras pesos — tanto adultos como pares - esto a contribuir para a formagdo, tanto da Infancia como da sociedade (Qvortrup, 199318). No sendo difcll substanciar esta concepcio de agéncia, 0 a que se toma problemaico para os seus defensores - que, em consonancia, reclamam a aceltagéo completa do reconhecimento social das criangas, Le: as criangas como uma ontologia no seu préprio direto devem ser aceites como actores socials nos mesmos termos que 08 adultos, jd que participam @ s80 co- construtores da Infancia @ da sociedade - 6 a consideragdo de que esta tese & suficientemente radical para se tornar uma ameaga a ordem social. Daf, a prevaléncia das concep9Ges tradcionais acerca das criancas. Depara-se onto no cerne desta “divergéncia de angulot com uma tematica seminal da teoria sociolégica que ao confrontar a relagdo individuo vs. sociedad, dimenstes subjectivas vs. objectivas da constituigao da sociedade, remete para o problema da integragao ou da ordem social numa perspectiva de mudanga social. Ora, nas abordagens da sociologta da Infancia referenciadas, ‘esta questo traduz-se na presenga de uma ideia comum a todas eles, aideia de {que os modes como se pensa @ inféncialcriancas reflecte os modos como se pensa @ natureza do "social" da constituigdo da sociedado. ‘© “soctal, visto como sendo consituido com base em relagses socials organizadas, i.c., com uma detemminada estrutura e em formas, padres e meios reconhectveis (James, Jenks & Prout, 1998:200-203) 6, todavia, conceptualizado diferentemente quanto aos modos como aqueta consiltuigdo se processa pelas abordagens da crianca tnbale da crianca estrutural. Dai que o importante a ter fem mente é que as concepgdes de ordem variam em fungao dos modos como se combinam as dimensdes subjectivas vs. objectivas da constituigfo da realidade social, Isto quer dizer que quando se onfatiza a agéncla, a sociedade tende a ser vista como se as estruturas fossem sendo produzidas através de um conjunto de ‘209608 sociais justapostas, entrecruzadas, compostas, em interdependéncia, resultantes da interaogdo de individuos que, sendo agentes criativos das suas proprias linhas de ace, plenas de significados subjectivos, reflexamente se desenvolven nas suas simultneas inter-relagGes sociais. A atengao divde-se u articula-se entéo entre os processes de integragéo social (Giddens, 1984) que 80 revelam nos actores empiricos, produtores da ordem social, @ nas constelagées de acglo colectiva que podem transformar realidades existentes. Como tal, @ em termos epistemolégicos, os entendimentos subjectivos dos, Individuos e dos grupos ~ a aogo humana, as ligivas de organizagio da acgzo humana de que derivam as tégicas socials, da cultura e das emoges —tendem a ser considerados mais importantes que 0s principlos estruturais vistos como determinagées, uma vez que se concebe @ acgSo social como contendo 0 potencial capaz de criar as possibilidades de resisténcia © eventual Uultrapassagom dos constrangimentos advindos dessas relagdes estruturals. A posigdo contrétia, reforenciada as abordagens que acentuam a ténica nas. ‘ostruturas socias, tala como sinénimos as relagbes socials @ as suas estruturas: a sociedade & uma rede sedimentada de inter-relaghes que “exteriores” & “fora {da consciéncia" dos individuos, ager causando ou determinando a sua conduta, ‘ou a dos grupos. Um determinismo que ao funcionar através das condigdes, Impostas pelas escolhas toradas possiveis @ pelos constrangimentos objectives € subjectivos que (operando independentemente da percepeao, sao colocadas & ‘acco humana como realizagdo de aspiracbes individuais) consideram que @ cgi dos agentes socials se revela na sua capacidade para se moklarem &s ‘formas da sociedade existente © na medida em que os seus comportamentos se roferenciam & totalidade soctal que os integra; uma perspectiva que transcendendo @ acco individual e colectiva assegura e constitul uma Integragao no sistema. ‘A tradugo do problema da ordem social para o Ambito da Sociologia da Inffncia, quando reportado ao estatuto da crianga-actor relativamente aos conlextos cocials espectfions onde esta inserida, permite ainda reconsiderar um ‘outro rascunho das inter-relagées entre estrutura vs. agOncia, Estas, a0 retomarem a concepgio bipolar representads pola relago criancas vs. adultos, tende a apresentar as primelras como os agentes e aqueles que potenciimente emplricos, descoberta de conexies, novas observagies @ Interrogagées, novo "mergulho" nos dados e redescoberta de novos sentidos. Por conseguinte, como se fora uma espécie de matrioska ~ & medida que se ‘bre uma caixa, vase desco(a)brindo uma e outra sucessivamente - a escrta ste trabalho, na gica que articula entre sios seus capitulos, procura respeitar (© desenrotar do tempo © as deslocagées espaciais aos ritmos e movimentos da propria relagio de investigagao, Assim sendo, progride-se de fora para dentro do conlexto das interacgdes © da andlise das suas dimenstes mais visiveis © & superficie para uma anélise de maior profuncidade dos textos das interacndes e relagSes das criangas, cada vez mais invisiveis. Esta sequéncia, orentando-se dda ordem adulta institulda para a ordem emergente das criangas, procura dar conta delas como actores sociais © da complexidade que envolve a sua agéncia ‘nos processos respeitantes @ sua organizagao como grupo social, [A devolugao da interpretaao dialéctica que supie a observagéo participate, bem como a interpretagio dos dados e a sua andlise, realiza-se em los. Explicitadas as perspectivas teéricas consideradas pertinentes para construir as problematicas emergentes da andlise com uma cada um dos cay signiticagéo complexa e densa e os conceitos que foram tels para compreender 08 textos socials que nelas se integram, niio me escusel, nesse proceso, de lexpressar 0s impasses © as novas interrogagbes suscitadas. Encaradas como 3 nan ncn gan rr. a een ee one scl em gus wor 8 gesnee ol veipadaya #2 vanos pase asumicr a ang eam 0° ‘ates (at 100, Sve, 2001232 259) “3 situagdes de descoberta, constituram-se frequentemente no mote que assegura @ articulagéo efou langa pistas para o capitulo seguinte onde, podendo ser relomadas @ re-analisadas, se procuram aprofundar. Trata-se agora de uma escrita que na légica itera de cada um dos capitulos privilegia uma anise que ‘age como se fosse um caleidoscdpio: rodando sobre si 0s mesmos elementos, cespagos e actores sobre os quais me detenho, eles apresentam, no entanto, configuragées diferentes no seu posicionamento relative, dependendo dos Angulos, luzes @ momentos sobre os quals so olhados (cf. Stanley, 1992:168/178 ol. Aratjo, 2000:288). Quando entdo me colaco A porta do Jardim de Infancia para apresentar as criancas por via do seu retrato de familia, quero com isso relevar a anterioridade da sua biografia nas suas dimensées socio-estruturais ¢ em algumas experiéncias de vida de que j4 so portadoras quando ali chegam, fatendendo ao que as assemelha e distingue & partida ~ capitulo Ill, erendo que {al permitics compreender melhor as suas acgdes posteriores e inferr 0 sentido da mudanga nas suas trajectérias individuais e colectivas no Jl Adenirar para a sala de actividades do JI ¢ interpretar 0 enquadramento cespacio-temporal, entendido como um contexto estruturante (estavel para e da ‘acg8o) que, previamonte definido pela educadora, representa afinal a ordom institucional aduita, ¢0 que se faz no capitulo IV. Este capitulo toma-se paragem cobrigatéria para contextualizar as acpbes sociais que ali se sucadem e para se proceder seguidamente & andlise “do que ld se passa’, nese palco © cenério ‘onde quotidianamente criangas @ adultos se encontrar, ‘Ao embronhar-me na ordom institucional adult, viso entéo dar conta "do ‘que Id se passa", tomando como referéncia as relacbes verticals entre 0 aduito- ‘educadora e as criangas, atentando aos modos como estas lidaram com ela, ‘acatando-a mas também desencadeando estratéglas partilhadas de transformago e resisténcia & autoridade adulta que estéio no come da ‘emergéncia de culturas de pares e dos provessos sociais que estruturam a sua ‘organizagao como grupo hierarquizado ~ capitulo V. Detenho-me depois nas relagées de maior horizontalidade havidas entre crlangas para “no que la se passa” sallentar as dimensSes da acglo colectiva ‘que tendo-se tornado um patriménio comum ao grupo so estruturadoras de uma ‘dentidade partihada de si como criangas — rotinas da cultura de pares. € aqui “4 ‘que a saliéncia e significancia das dinamicas de género, idade e ciasse social ‘conduzem & descoberta dos processos mais ocullos onde, paralelamente, se ceruzam e constréem as identidades particulares © as identidades singulares. Da confirmagao do grupo de criangas como heterogéneo e da constatacao de importantes clvagens sociologicas nos complexos processos de interacpo entre pares, bem como das miltiplas relagdes de poder que as impregnaram, sobressai a consirugdo de diferenciagdes e distingves baseadas no género, Idade @ classe social, geradoras ou reprodutoras de desigualdades sociais ou trajectérias de mobiidade social ascendente. Identifcam-se ainda os processos socio-culturals de sociabilidade que asseguraram, na coexisténcia de diferentes. ‘etllos de acco, a continuidade do grupo, Pode-se assim aflrmar a persisténcia, de uma ordem social infant sob a égide das/os mais velhas/os e dos valores da classe média, mas onde so as meninas que dominam. Da construgao social de toda esta complexidade, onde se retomam dimensées analitcas quo estiveram prasentes ao longo de todo 0 trabalho, se trata no capitulo VI ~ A ordem ‘emergente das criangas. Considerando que se trata de um ponto de chegada, constitul-se também num capitulo final que termina tecendo breves cconsideragSes acerca dos direitos de participacio das criangas no contexto do J Il Capitulo - "Branco demasiado" ou... tornar transparente a relagao social de investigagdo numa etnografia com criangas ar 1. “Branco demasiado", uma metéfora poderosa numa etnografia com criancas “a hora do entrada main! J. Aesbadas de chagare sonar ne tape, © Gabi e a Rita mosttam uma & ouva as unas das mos pinadas com veeniz © farem comentios métues acorca das cores. Chega a Ara que se sen junto dela, formando as tbs meninas un creo Yechad, Meso Senta ao lado dolas “fico 4x escuras®, $6 consigo ouvir a conversa que conta a sor ‘cerca das cores do verniz ate que @ Ana dz: ~ Olam! Também pint! as £0 mostral © mostal - dizem logo a Rita @ 2 Gabi, em fom curios, debrurando-e sotre 2 mor da Ana, Seque-se um brave sino, sublamante Interrompido pala aque, Ineigade, exctama: - Que cor 60:84? hum... a Ana hos, Proce procurar a plava cera AD Jel branco demasiado AN = die @ Ra. - Mostra i oura vez! As marines debrigam-se novamente sabre as mos da Ana e naqusle memento © que mo ecoreu foi: # vemiz ‘eaneparente! Seria? “Esta 0r 698 para dar bho! -expicaa Aa, ‘saa de obtar a" que abonava a minha interpreta, mas o melhor era ‘mesmo ver. Dei ua espretadla: era mesmal (50 Maro, 1990). 4.4. "Branco demasiado", uma metéfora poderosa ou... dez pressupostos bBasicos numa otnografia com criangas A relevancia desta situagdo decorre da densidade da matriz de signiticagao social nela contida, porque age como uma metéfora poderosa acerca do tudo 0 que se Joga e esté em causa numa pesquisa elnogréfica com crlangas: a interpretagio dos textos culturais como a principal actividade do etndgrafo (ct Geertz, 1973, 1983). Neste sentido, e em prime lugar, ali se reitera, desde logo, a questio teériea da abordagem interpretativa com criangas. Fundamentalmente preocupada com os modos como as criangas, individual e colectivamente, Investem os recursos culturais de significados, reflecte-se neste episédio interactive aquilo que Gaskins, Miler & Corsaro (1992b:14-15) identificam como ssendo as premissas-chave daquela abordagem: i) 0 significado 6 contextualizado ‘6 entendido na sua dinémica, o mesmo é dizer que, para descobrir © entender (08 processos de criagdo de significados nas suas variagbes, confitos, estabilidades, complexificagdes, se torna necessario reconhecer a 25 ie deat dae stusgbs obzarae a inertia por mim retzaes som em ao. 08 pls ‘sandr dos plas srs lr po sous ce 49 interdependéncia entre as criangas e os seus contextos culturas; i) 0 processo de criagdo de significado 6 activo 0 afectivo, o que remele para a importincia da particjpagéo das criangas em rotinas culturais colectivas, onde a criago de significado, vivido e experienciado como um processo individual e colectivo, 6 inerente 8s actividades que, mediadas pela linguagem e pela emogoes, s40 desenvolvides no contexte institucional; ii) 0 poder consttutivo da linquagem em que esta, entendida como um sistema simbélico, pragmitico ¢ chave-mestra para aceder 20 significado, 6 assumida como principal recurso e uma ferramenta para negociar pontos de vista divergentes o (re)construir a realidade; ou soja, para as Criangas participarem e serem aceites nos quadros interpretativos da sua cultura. ‘Assumir como valido, sério e legtimo o que as criangas querem e t8m para nos contar ou no, mesmo que néo 0 fagam exactamente nos mesmos termos que nds adultos, significa entéo procurar conhecé-ias nos seus contextos de vida, mais pelo fazer do que polas suas idades (ct. Waksler, 1991; Solberg, 1996; Christensen & James, 2000:3). Isto &, tomar as suas acgdes como modos de lerem, interpretarem, comentarem e se situarem no mundo @ de como se ‘modificam, S80 suprimidas ou reconstruidas na interacgo com 0 grupo de pares @ adultos com quem quotidianamente convivem. Considerar que, de alguma forma, as aoybes das criangas sao passiveis de ser “idas" @ o seu significado {xado, Inserito, 6 assim reconhecer-ihes o estatuto de textos culturals onde, na interpretagao entre o que se observa e 0 que se representa e na sua tradupéo, ‘essa captura dos ‘seus’ pontos de vista com o ‘nosso’ vocabulério (Geertz, 1983/1999:20), se toma central o papel da etndgrata. Sobrevem entio, em segundo lugar, as questées epistemolégica e ‘metodoldgica que coloca no Amago daquela situagao os processos de interacga0, ‘aduttos-criangas, em particular, aqueles em que a investigadora se envolve como intérprete competente, ou no, dos pontos de vista das criangas. é, precisamente, essa interpretagao que the confere 0 predicado de principal Instrumento da investigagdo, Tal solcita de mim, como adulta-Investigadora, por 4 prova os prinolpios de equivaléncia © de legitimidade de aceao faco as criangas, 0 trabalho politico © cognitive de representagao das criangss [que] relova bem duma gramética das relagées entre adultos © criangas (Gamier, 1995:7). Ora, a questio que se colaca é a do imprescindivel trabalho coleative de cconstrugdo © apreensao do mundo como realidade social inter-significante e, portato, intersubjective, que faz exis 0 indviduos uns paras outros. N&o ignorando 0s saberes © 08 poderes adultos que afinal eu represento na consirugdo de um conhecimento acerca das criangas, a eficdcia da intersubjectividade revela-se, apesar de tudo, na construgdo possivel de modos limiares de comunicagéo (Siva, M.C.,1999:5-6). So eles que me pormitem, com a minha propia biografia © néo a delas, ir estando por anelogias sucessives dertro do contaido das interacgdos das criangas: fl sso mesmo que acontoceu com a minha inferénia, mals tarde confrmada, acerca de qual seria a cor do verni2. Mais do quo olhar para examinar, € preciso entéo escutar para compreender 0 que elas cizem, a partir da auscullagso da sua voz, 0 que reclama uma nova atude epstemelégica: a da oscuta sonsive (Barbier, 1993). “Trata-se de pestar sonido no do o impbr,entendendo-se equ prstar como sinrimo de cudado e abertura ao outro, tomando-o na sua existénca dndmica Tal supde uma inversdo da stengéo: antes do stuar uma pessoa no seu lugar comega-se por reconhecé-a no seu ser, na sua qualidade de pessoa complexe (idem), Assim, a investigadora, ao suspender o juigamento, procua captar a densidade de sentidos que estio envolvdos na situaglo e, ao fazé-o, reposicionar-se a si prépria mais do que almojar a comunhao de esprios que seria sompre pretense, esta uma tecsira considera. Entre © mundo adulto representado por via do uso do verniz © cespectcagio da sua cor traduzida como *branco demasiado" porlentro 9s criangas @ depois « sua inirpretago © tradugto pela investigadora como “transperents, 0 que est om causa, em quarto lugar, S8o também os processos de intorprotacdo, analogia @ tradugéo de sentidos mituas ente as prépries criangas © entre a investigadora-acila estas. Nas ransaogSes cultural de que trata oepiscio em questo enas tensées que afr the subjazem, a designagéo de “ransparenta™ como um modo de mostrar a lgica das suas formas de exprosséo com a frascologia (Geertz, 1983/1989:20) adult, consubstania-s0 niuma descrgdo etnogrfica racicada numa experiéncia biogréfca © desta num texto de aspectociontiico (dem, 19811996:17), esta uma quiniaconsieragéo. Da interpretagio de um texto através do um outro text decors, em sexo lugar, a assungéo da minha prépria vo2. Entendo o falar na primeira pessoa do ‘singular, cu, como um modo de revelara mina presenga, de falar do mim e das mminhas relagdes com os Outros indvidvaizados para que estes existam afinal 51 como ‘sujeitos’ © ndo mais como categorias genéricas (Olivier de Sardan, 2000:424); de assinar 0 texto @ de este sor verosimil de que realmente astive 1d (cl. Geertz, 1988/1996), Mais do que isso, de me poder considerar a mim prépria ‘como objecto do rellexo © expressio de uma viglancia metodolégica, condigao de desocultagéo das condigies de producso dos textos etnogréficos, saivo- condiuto delpara estar cd (idem), Em sétimo lugar, retomando a situago descritainicialmente, se ali se coloca o problema das interpretacdes © poderes adultos perante as criancas, 0 ‘mesmo se poderé dizer acerca das outrasintorprotagbes © rolagbes socials a que all so assiste entre elas. Acrescem, inversamente, 0s poderes das criangas face & presenca de adultos quando estas, reservando-se as suas proprias experiancias, confrontam & investigadora com 0 “ficar de fora". Como tal, retrata-se no s6 uma pluralidade de realidades como de poderes e direcgBes do poder que ali se debate e jogam, esbogando, ainda que sob a *nuvers" eufemista de gestos, ‘emogéio cognigdo, os sistemas de hierarquias em presenca. Assim sendo, todos nos constitulmos como sujeites e participantes nos processos de construgio do conhecimento social, 0 que pressupée néio mais ignorar as dlstingées e relagdes de poder enire adultos © crlancas @ entre estas; sobretudo de no as tomar como certas. Em oltavo lugar, descobrem-se ainda premissas e procedimentos ‘metodolégicas sem os quais 0 trabalho de interpretagio seria impossivel: Indexicalidade ¢ 0s processos de reflexividade matuos entre as ciangas, entre a Investigadora @ as criangas o entre mim propria. Tal permite esclarecer, quando ‘me rofiro & obsorvagdo participants, qual o significado que af assume 2 paricipagéo. Isto 6, na medida em que, como observadora em presenga, no dissocio a minha interpretago do conteddo da interacedo @ estou simbolicamente implicada nela, partiho e participo comummente do significado {quo dé sentido aos actos observados; o que reenvia & necessétia construgéo da intersubjectividade. E ainda neste Ambito que se assiste a processos de vvalidago da interpretago, Em nono lugar, € na sua imperceptibiidade, emerge como dimensio central © tempo. Ou seja, 0 “sucesso” da minha interpretacdo $6 pode ser ‘compreendido porque aquela situacéo ocorre quando eu jé conhecia os membros «© estava a par de alguns dos sous principals intoresses e procedimentos, como 2 fra 0 caso destas meninas com as suas unhas pintadas. Consciente de que para Interpretar as criangas do seu ponto de vista era necessétio estabelecer uma relagio de nelureza infersubjectiva com os actores, onde o trabalho relacional é ccondigo da interpretagao cientifca, parecia-me Sbvio que quanto mais tempo passasse om sua companhia mais possibllidades teria de sair da minha adultez; ‘86 assim eu poderia envolver-me na construgéo de uma “intimidade" e tomar-me ‘membro do grupo para aprender mais sobre @ sua cultura. Permanéncia prolongada no terreno, els entéo outra premissa bésica desta etnografia: ‘pormanéncta por forma a apreender 0 mundo social em primeira mao (Burguess, 1997:3), a conhecer por dentro o contexto onde as interacgles oorressem para aceder 20 significado das situagSes do ponto de vista dos participants, de como se instituem, mantém, desfazem e refazem continuamente interacgdes e de como, a partir delas © nelas, se geram ¢ transmitem os signiicados que se estendem ao grupo de pares. Prolongade, porque sé a dimenséo temporal na sua lacronia me permitria consubstanciar aquilo que se designa por proceso, ou sseja, compreender @ hist6ria dos modos como diferentes actores conhecem, (o)interpretam a realidade o (re)estruturam as suas vidas no contexto do JI. Em ‘suma, com a minha permanéncla prolongada no terreno, de aiguma forma, pretendia “deixar-me socializar” pelas criancas que estudava. PPor tudo isto, © em décimo lugar, o significado poderoso da designagéo “branco demasiado’ 6 aqui tomado como pretexto para tomar o mais "ansparente" possivel a rolago social de investigagao tida com as criangas como etnégrafa durante a observagdo participante © a particisagdo observante; Fazio de sobra que solicita a explicitago dos processos de reflexividade ‘metodolégica accionades quando, a0 colocar-me no mesmo plano dos actores Investigados, dou conta das perplexidades, “cegueiras e surdez”, relagtes de poder, saber © afectivas envolvidas @ dos sucessivos reposicionamentos assumidos. 1.2, Os “estranhos sabores” das porploxidades como experiéncia do roflexividade o desconstrugao de essencialismos ‘So 0s sempre “estranhos sabores” experimentados no'decurso desta <*tnografia que, gerando perplexidades, se constituem em analisadores fulorais do pracesso de construgao do conhecimento acerca das formas de existéncia ‘specifica das criangas no seu quotidiano © nas suas relagdes com os outros; 53 incluindo(-me) eu propria enquanto adulta-investigadora. Com efeito, face as oxpectativas © representagées dos quadros mentais dos actores, a edlosao de tudo aquilo que 6 discrepante, extravagante, contradit6rio, descontinuo desavisado, ao desafiar, ou no, a definigo social que os permetam, disponibiiza-se a uma reflexio critica acerca da heterogeneidade dos papéis @ estatutos sociais em presenca. Quer isto dizer que, de acordo com as ikcunstancias da interacgo, os sueltos investigados @ a investigadora assumem relagdes de poder, cognitivas e afectivas que, mantidas e/ou transformadas 20 longo do sou fluxo © no tempo eronolégico, sendo-thes intrinsecas, 50 oxpl ou se tomam mais visiveis nos momentos de confronto e contlte, Séo, pois, testes momentos que, consttuindo-se em oportunidades de (re)negociagao dos ppapéls dos sujeltos, participam igualmente na (ce)defnigdo dos seus estalutos respectivos. No caso da investigadora, trata-se de ser capaz de vencer a “estranheza’ © ganharitornar-se merecedora da conflanga dos sujeitos ‘observados, adquirindo 0 estatuto de amiga (Fine & Sandstrom, 1988; Mandel, 11981). No caso das criangas, porque intérpretes competentes e reflexivos da sua prépria experiéncia de vida, inclindo acerca da presenca e do envolvimento da investigadora no quotidiano do JI, mais do que respondentes se poderem assumir como participantes actives no processo de pesquisa. Toma-ce entdo necassério Compreender como ¢ que ambos, no seu trabalho reciproco de dar um sentido & vida e resolver, através disso, os consirangimentos e as tensbes da sua experiéncia social, so igualmente confrontados com perploxidades matuas. Estas, encerrando em si os “estranhos sabores" das complementaridades contraditérias, permitem elucidar os processos de refiexividade inerentes que instituem um nexo entre o mundo adulto © o mundo infantil, entre os individuos @ entre estes © as propriedades estruturals da estrutura social. E na andlise de ‘lgumas dessas perplexidades mbtuas vividas na pesquisa etnogréfica com as ctiangas do JI da Varzea que me deterei de seguida, iter 84

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