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BIOENGENHARIA CUTÂNEA

Técnicas de Biofísica e Imagens


da Pele na Pesquisa Clínica
Maísa Oliveira de Melo, Patrícia MBG Maia Campos
Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto – USP, Ribeirão Preto SP, Brasil

A análise das alterações cutâneas é um método utilizado para avaliar a eficácia de Figura 1: Imagem de alta
tratamentos médicos e de procedimentos cosméticos. Neste artigo, os autores abordam resolução da região malar, com
diferentes técnicas de análise de imagem da pele, suas aplicações e os princípios em identificação dos poros finos
que se baseiam. (verdes) e largos (vermelhos)
El análisis de condiciones de la piel es un método utilizado para evaluar la efectividad
de los tratamientos médicos y de los procedimientos cosméticos. En este artículo los
autores discuten diferentes técnicas de análisis de imágenes de la piel, sus aplicaciones
y los principios se basan.
The analysis of cutaneous alterations is a method used to evaluate the efficacy of
medical treatments and cosmetic procedures. In this article the authors discuss different
skin image analysis techniques, their applications and the principles they are based on.

Análise da Pele por Imagens


A análise das alterações cutâneas é
essencial para a determinação da
eÞcácia dos tratamentos médicos e dos
de Alta Resolução
O equipamento Visioface Quick (Cou-
procedimentos estético-cosméticos. Os Figura 2: Imagens de alta
rage-Khazaka, Colônia, Alemanha) está resolução da região da
efeitos desses cuidados e processos na disponível comercialmente e produz fo- glabela (frontal), com e sem a
pele podem ser determinados, ao longo do tograÞas digitais para a avaliação da pele demarcação das rugas
tempo, por meio de diversos parâmetros, da face. Esse instrumento consiste em
como aumento da hidratação e melhora da uma cabine na qual estão instaladas uma
elasticidade da pele, assuntos que foram câmera digital de alta resolução (10 me-
expostos nos artigos anteriores desta sé- gapixels) e 200 LEDs (diodos emissores
rie. No entanto, equipamentos de análise de luz) brancos. O equipamento ilumina
de imagem da pele, como o microscópio a face homogeneamente, permitindo a
confocal de reßectância, são diferencia- obtenção de imagens da face em alta re-
dos, uma vez que possibilitam a avaliação solução de mais de 7 milhões de pixels.
das reais condições da pele no momento Um software de pesquisa próprio permite
de análise, em nível quase histológico, de a avaliação de manchas visíveis (na cor da
forma não invasiva. Além disso, há diver- imagem), com poros, rugas e diferenças de
sas possibilidades de avaliação da pele, tonalidades de cor na área a ser estudada.
como se houve ou não a melhora de suas A seleção da área é feita manualmente
características visíveis, por fotograÞas de pelo operador e as imagens obtidas podem
alta resolução que empregam tecnologias ser comparadas com imagens obtidas em
diferenciadas. Desse modo, o presente tempos diferentes.
artigo tem como objetivo abordar as di- Para a análise dos poros da pele, o
ferentes técnicas de análise de imagem equipamento identiÞca, seleciona e clas-
da pele, suas aplicações e os princípios siÞca os poros em Þnos ou largos. A partir
em que se baseiam, agregando valor aos disso, o software, além de contar ambos
estudos clínicos da área. os tipos de poro separadamente, calcula

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Figura 3: Imagem de alta resolução da região da Figura 4: Imagem de alta resolução com mancha
glabela (frontal) em um modelo 3D demarcada para análise pelo software

Figura 5: Imagem de alta resolução com aplicação


de filtro UV-like para visualização de manchas
invisíveis avaliar as manchas invisíveis por meio de um Þltro de imagem
UV-like. Essa imagem representa a pigmentação que Þca sob a
superfície da pele, pigmentação essa que pode ser causada pela
exposição à luz solar e é uma das formas de representação do enve-
lhecimento prematuro da pele, o fotoenvelhecimento (Figura 5).8

Características Celulares da Epiderme por


Análise de Imagem
As técnicas de biofísica e de imagem da pele têm sido desta-
cadas para a avaliação e quantiÞcação das mudanças estruturais
da pele ao longo do período de uso de produtos dermocosméticos,
sendo um avanço nos estudos que visam comprovar seus efeitos
e na elucidação do mecanismo de ação desses produtos nas con-
dições reais de uso.10,11
Assim, as técnicas de imagem para avaliar a morfologia e para
caracterizar a pele de modo dinâmico que atingem o nível celular
têm ganhado grande destaque entre os pesquisadores da indústria
e os estudiosos da área cosmética. O microscópio confocal de
a área na imagem coberta por poros e fornece os resultados em reßectância a laser tem sido proposto para uso em tais estudos.3
Com o uso do microscópio confocal de reßectância é possível
pixels e em porcentual da área (Figura 1).
obter imagens de alta resolução, em tempo real, de modo não
Durante a análise das rugas, é possível escolher manualmen-
invasivo em voluntários e com contraste que pode ser comparado
te qual é a região que será avaliada e, uma vez selecionada, o
ao da histologia convencional.1,13
software também consegue calcular o volume, a área analisada,
Com essa técnica, é possível realizar a análise da pele in vivo
a profundidade das rugas e o percentual de ruga da área. O sof- sem o uso de técnicas invasivas, como a biópsia ou o processa-
tware também faz foto sem marcação e transforma a imagem da mento histológico convencional do tecido, evitando assim um
área selecionada em um modelo 3D, o que permite visualizar a trauma físico decorrente do procedimento e a necessidade da
melhora obtida com o tratamento (Figuras 2 e 3). destruição da amostra após a análise, como ocorre no caso do
Com a análise da coloração da pele, após a seleção dos limites procedimento histológico comum.13
da mancha a ser analisada, são calculados os parâmetros ǻL e ǻE, O microscópio confocal de reflectância tem um feixe de
que representam a diferença entre as tonalidades mais claras e as laser de 35 mW de potência, com o comprimento de onda que
mais escuras da região demarcada e a diferença total da tonali- alcança as proximidades do infravermelho (830 nm) e lentes
dade da área, respectivamente. É possível fazer a demarcação e objetivas de 30x de ampliação, chegando a uma profundidade
a análise de até 4 manchas simultaneamente (Figura 4). de 200-300 —m,6 com resolução lateral de 0,5-1 —m e axial de
Além disso, a imagem obtida com o auxílio da luz LED, que é 2-5 —m, sendo que essa espessura está relacionada intima-
fortemente absorvida pela melanina presente na epiderme, permite mente à espessura axial das seções histológicas excisadas.

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Figura 6: Microscópio confocal de reflectância a Figura 7: Exemplos de imagem obtida pelo
laser VivaScope® 1500 e exemplo de imagem obtida equipamento DermaScan C e identificação das
pelo instrumento caracterizando o estrato córneo camadas da pele
cutâneo

Epiderme

Derme
SLEB

Hipoderme

Fontes: PR Web. Lucid, Inc. Appoints Martin C. Mihm, Jr., MD, FACP
as Chair of Scientific Advisory Board, disponível em: www.prweb.com/
releases/2010/06/prweb4146334.htm, acesso em: 24/11/2014; arquivo
pessoal das autoras Fonte: Crisan D et al. Ultrasonographic assessment of skin structure
according to age. Indian J of Derm Ven Leprol 78(4):519-524, 2012

Cada imagem obtida por esse instrumento tem um campo de espessura e ecogenicidade da derme em diversos tipos de estudo,
visão de 500 x 500 —m.5 como envelhecimento cutâneo, cicatrizes, celulite, preenchimen-
No microscópio disponível comercialmente e de maior uso tos, estrias, feridas, entre outros. Os pesquisadores Alexander e
(VivaScope® 1500, da Lucid Inc., Rochester, NY, EUA), o laser Miller foram pioneiros no uso dessa técnica na dermatologia a
utilizado tem potência baixa, de 5-10mW, nas análises, evitando partir de 1979, determinando, com o uso de um ultrassom unidi-
assim qualquer tipo de dano à pele (Figura 6).3 mensional de 15 MHz, a espessura da pele com precisão similar
A formação das imagens ocorre com a emissão da luz do à técnica radiológica.2 O primeiro ultrassom bidimensional de 20
equipamento, iluminando um pequeno ponto no interior da pele. MHz entrou no mercado nos anos 1980 e, desde então, estudos
Quando essa luz é reßetida, passa por uma pequena abertura, clínicos utilizam essa técnica para avaliar diversas condições
formando em seguida a imagem no detector. Essa abertura é feita da pele.4 Em 1989, Rigal et al. mostraram que uma banda hipo-
de maneira que a luz reßetida vinda de outro ponto do tecido não ecogênica está presente na região subepidérmica da pele enve-
consegue alcançar o detector; assim, somente a luz reßetida da lhecida. Esses autores apresentaram provas de que a espessura
região em estudo é detectada. Para criar uma imagem de interesse dessa banda subepidérmica hipoecogênica (SLEB) aumenta
da região inteira, cada ponto é registrado pelo modo descrito.14 em função da idade. Por essa razão, propuseram a utilização da
O contraste da imagem ocorre devido aos diferentes índices SLEB como um marcador do envelhecimento. Outros estudos
de refração dos componentes de pele humana, sendo que a mela- indicam que essa técnica reßete não apenas alterações estru-
nina é a maior fonte endógena de contraste, seguida da queratina, turais na pele, mas também se há extenso acúmulo de água na
das mitocôndrias das organelas citoplasmáticas, da cromatina derme papilar. A formação de um edema superÞcial pode estar
presente nos núcleos e do colágeno dérmico.13 relacionada com a luz ultravioleta induzida na elastose, bem
Essa técnica de análise de imagem também vem sendo muito como na deposição subepidérmica de glicosaminoglicanos,
utilizada na dermatologia, principalmente para a avaliação de nas alterações da disposição entre as Þbras de colágeno, nas
alterações cutâneas, como lesões pré-malignas e até mesmo reações inßamatórias superÞciais, ou mesmo na hipertensão
câncer de pele. Além disso, tem se destacado como uma pro- do sistema venoso.9
missora ferramenta na área cosmética, em pesquisas de novos O equipamento DermaScan C (Cortex Technology, Dinamar-
produtos ou ativos e no monitoramento das alterações histológi- ca) é constituído de um ultrassom de 20 MHz com um transdutor
cas decorrentes de tratamentos cosméticos. A título de exemplo, de foco utilizado para obter imagens transversais bidimensio-
essa técnica de análise já foi aplicada em estudo de hidratação nais que são mostradas no software especíÞco do instrumento.
do estrato córneo, em estudo da comedogenicidade e no moni- Também está disponível comercialmente o Ultrascan UC22
toramento do tratamento de comedões, e no estudo de produtos (Courage-Khazaka, Colônia, Alemanha), um ultrassom de 22
antienvelhecimento.7,8,12 MHz que permite a obtenção de imagens da pele com 6-8 mm
de profundidade.
Análises da Derme por Ultrassom de Alta A onda de ultrassom (com velocidade de 1,580 m/s) é par-
Frequência cialmente reßetida pela estrutura da pele, dando origem a ecos de
Durante a última década, o envelhecimento cutâneo tornou-se diferentes amplitudes. Para calcular a ecogenicidade, o número
uma área de crescente interesse nas pesquisas. A quantiÞcação de pixels com baixa ecogenicidade é medido por meio de um
precisa e não invasiva do envelhecimento é essencial para estudos programa de análise de imagem desenvolvido especialmente
in vivo em peles envelhecidas, e para tal Þm várias metodologias para o DermaScan e está relacionado com o número total de
diferenciadas têm sido propostas. Nesse sentido, o uso de ima- pixels obtidos.8
gens por ultrassom vem aumentando signiÞcativamente na área O ultrassom é composto de três partes principais: a sonda
de pesquisa dermatológica, nas últimas quatro décadas. C, com o transdutor; o sistema de elaboração; e o sistema de
Com essa técnica é possível quantiÞcar parâmetros como armazenamento de dados. A onda ultrassônica é parcialmente

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reßetida no limite entre as estruturas adjacentes e gera ecos de 5. Calzavara-Pinton P, Longo C, Venturini M, Sala R, Pellacani G. Re-
flectance confocal microscopy for in vivo skin imaging. Photochem
diferentes amplitudes. A intensidade dos ecos reßetidos é ava- Photobiol 84(6):1421-1430, 2008
liada por um computador próprio do equipamento e visualizada 6. Chu M, Kollias NA, Luedtke M. Confocal Scanning Laser Microscopy:
como uma imagem bidimensional colorida. A escala de cores de Applications for Imaging Dynamic Processes in Skin in Vivo. In: Wang
C. Laser Scanning, Theory and Applications. Rijeka: Intech, 2011
ecogenicidade é: branco> amarelo> vermelho> verde> azul> 7. Corcuff P, Gonnord G, Piérard GE, Lévéque JL. In vivo confocal
preto (Figura7).9 microscopy of human skin: a new design for cosmetology and
dermatology. Scanning 18(5):351-355, 1996
8. Gianeti MD, Maia Campos PMBG. Efficacy evaluation of a multi-
Conclusão functional cosmetic formulation: the benefits of a combination of
Em todos os equipamentos apresentados, os dados obtidos active antioxidant Substances, Molecules, São Paulo, 2014
9. Gniadecka M. Effects of ageing on dermal echogenicity. Skin Re-
também podem ser demonstrados de maneira quantitativa, já que search Technology, Copenhagen, 2001
os softwares próprios para esse Þm possibilitam essa análise, 10. Longo C et al. Skin aging: in vivo microscopic assessment of epi-
agregando maior conÞabilidade aos resultados. dermal and dermal changes by means of confocal microscopy. J
Am Acad Dermatol 13(3):73-82, 2011
Por Þm, as técnicas avançadas de análise de imagem em des- 11. Maia Campos PMBG, Mercurio DG. Farmacologia e a pele. Rev
taque podem ser aplicadas para investigar inúmeros parâmetros Bras Med 66(9):15-21, 2009
na pele, possibilitando o uso desses parâmetros, separadamente 12. Nakano K et at. Real-time reflectance confocal microscopy, a no-
ninvasive tool for in vivo quantitative evaluation of comedolysis in
ou em conjunto, em protocolos de estudos clínicos que demons- the rhino mouse model. Skin Phar Phys 20(1):29-36, 2007
tram, de maneira visível e clara, as mudanças na pele durante um 13. Nehal KS, Gareau D, Rajadhyaksha M. Skin imaging with reflectance
período de tempo ou de tratamento. confocal microscopy. Semin Cutan Med Surg 27(1):37-43, 2008
14. Rito C, Pineiro-Maceira J. Microscopia confocal reflectante aplicada
ao diagnóstico do melanoma cutâneo. An Bras Dermatol 84(6),
Referências 2009
1. Abramovits W, Stevenson LC. Changing paradigms in dermatology:
new ways to examine the skin using noninvasive imaging methods. Maísa Oliveira de Melo é farmacêutica e mestranda do Programa de
Clin Dermatol 21(5):353-358, 2003 Pós-graduação em Ciências Farmacêuticas da Faculdade de Ciências
2. Alexander H, Miller DL. Determining skin thickness with pulsed
Farmacêuticas de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (USP), Ri-
ultrasound. J Invest Dermatol 72:17-19, 1979
3. Andrade JP et al. Avaliação em nível celular das estruturas cutâneas beirão Preto SP.
por meio da microscopia confocal de reflectância. Rev Bras Med, in Patrícia Maria Berardo Gonçalves Maia Campos é farmacêutica com
press mestrado e doutorado em Fármacos e Medicamentos pela Faculdade de
4. Bagatin E, Caetano LVN, Soares JLM. Ultrasound and dermatology: Ciências Farmacêuticas da USP, e com pós-doutorado na University of
basic principles and main applications in dermatologic. Res Expert Strathclyde, Glasgow, Reino Unido. É professora associada da Faculdade
Rev Dermatol 8(5):463–477, 2013 de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da USP, Ribeirão Preto SP.

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