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PROFESSORES DE GEOGRAFIA: FORMAÇÃO E

PRÁTICAS VOLTADAS À DIVERSIDADE


Solange Lucas Ribeiro

Introdução

Uma sociedade que se autointitula democrática, ou que assim pretende ser, deve ter
como premissa básica a promoção da igualdade de oportunidades e de direitos para
todos. Isso perpassa, inevitavelmente, por uma educação pautada na pluralidade
cultural e na reelaboração das representações sociais de uma sociedade sobre as
diversas minorias que, ao longo do tempo, têm sido vistas, por segmentos dominan-
tes da sociedade, como grupos “desviantes”, por fugirem aos padrões idealizados, a
exemplo dos negros, indígenas, pessoas com deficiências físicas, sensoriais e mentais,
dentre outros. Nesse sentido, urge que tais temáticas sejam tratadas no contexto
educacional brasileiro contemporâneo, principalmente, nos cursos de formação de
professores, que serão regentes, gestores, coordenadores e outros.
Para tanto, impõe-se, cada vez mais, a necessidade de se repensar a formação
docente, inicial e continuada, para que contemple conhecimentos, competências
e atitudes que possibilitem ao professor compreender a complexidade da prática
docente.
Em tempos de inclusão educacional, busca-se desenvolver uma prática reflexi-
va, pautada em uma concepção de ensino como construção do conhecimento, o
professor como mediador e a escola como um espaço aberto às diferenças, onde as
relações interétnicas e dos sujeitos com deficiência não sejam marcadas por estig-
mas. As diferenças não devem ser vistas só como limites, mas como possibilidades
de aprendizagem social, intelectual e afetiva.
Nessa perspectiva, a educação inclusiva é concebida como uma filosofia e prática
educativa, que pretende melhorar a aprendizagem e participação ativa de todos. Em
um contexto comum, é considerada um processo inacabado que desafia qualquer

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forma de exclusão e, por isso, busca eliminar as barreiras que obstaculizam essa edu-
cação. (MORIÑA-DIEZ, 2010) Assim, deve contemplar a todos os segmentos (afrodes-
cendentes, indígenas, pessoas com altas habilidades, com deficiência e outros).
Entretanto, no presente texto, analisar-se-á, apenas, aspectos voltados a alunos
com deficiência, destacando a questão da formação e da prática docente, de pro-
fessores de Geografia, em atenção à diversidade, visto que, no intenso processo de
escuta, durante pesquisa realizada pela autora,1 esses alunos apontaram essa área de
conhecimento como uma das mais problemáticas.
Assim, intenciona-se contribuir para minimizar ou reverter tal situação na tenta-
tiva de ampliar os direitos, o respeito à diversidade, a equidade de oportunidades de
acesso, de permanência e de desenvolvimento pessoal e acadêmico desses alunos.
Para tanto, busca-se desvelar alguns entraves e, também, possibilidades no que diz
respeito à formação docente e práticas voltadas à Geografia que possam favorecer a
inclusão educacional desses alunos.

Formação de professores de Geografia em atenção à diversidade

A formação inicial de professores, nos cursos de licenciatura, tem sido marcada por
tensões, silenciamentos, ao sabor da ideologia hegemônica no espaço/tempo em
que se desenrola. Inicia-se a discussão, trazendo algumas ideias de Mello (2000, p.
102), consideradas pertinentes quando se fala de formação, pois ela alerta que

[...] a situação de formação profissional do professor é inver-


samente simétrica à situação de seu exercício profissional.
Quando se prepara para ser professor, ele vive o papel de
aluno. O mesmo papel, com as devidas diferenças etárias,
que seu aluno viverá tendo-o como professor.

Ela adverte ainda que:

Ninguém facilita o desenvolvimento daquilo que não teve


oportunidade de aprimorar em si mesmo. Ninguém promove
a aprendizagem de conteúdos que não domina, a constitui-
ção de significados que não compreende, nem a autonomia
que não pôde construir. É imprescindível que o professor
que se prepara para lecionar na educação básica demons-
tre que desenvolveu ou tenha oportunidade de desenvolver,
de modo sólido e pleno, as competências previstas para os

1 Pesquisa realizada nas escolas da rede pública de Feira de Santana, em 2011.

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egressos da educação básica. Isso é condição indispensável
para qualificá-lo como capaz de lecionar na educação infan-
til, no ensino fundamental ou no ensino médio.
Muitos dos jovens que hoje saem da educação básica e in-
gressam no ensino superior não possuem essa condição mí-
nima. É preciso que a formação docente propicie a eles a
oportunidade de refazer o percurso de aprendizagem que
não foi satisfatoriamente realizado na educação básica para
transformá-los em bons professores. (MELLO, 2000, p. 102)

Embora essa afirmação pareça óbvia, a autora destaca a preocupação com a


qualidade da educação e com os estudantes do ensino superior que chegam, cada
vez menos preparados, sem o domínio das competências esperadas para a educa-
ção básica. Chama atenção, também, para as fragilidades da formação inicial dos
professores que, muitas vezes, não conseguem superá-las e nem refazer o percurso
de aprendizagem, anteriormente negligenciado. Nesse sentido, ressalta-se, aqui, a
relevância da formação continuada, como uma possibilidade para minimizar tais la-
cunas e uma necessidade, visto que a complexidade e os desafios da prática docente
são cada vez maiores.
A situação anteriormente descrita, também é percebida nas licenciaturas de
Geografia, em que os estudantes chegam à universidade sem ter construído conhe-
cimentos, competências e habilidades que se esperam da escola básica, conforme
prescrevem os Parâmetros Curriculares Nacionais do ensino fundamental e médio
de Geografia. Assim, é comum se encontrar estudantes concluintes, desse nível de
ensino, sem saber

[...] ler, analisar e interpretar os códigos específicos da Ge-


ografia, [...] reconhecer e usar escalas cartográficas e geo-
gráficas, como forma de organizar e conhecer a localização,
distribuição e freqüência dos fenômenos naturais e humanos,
[...] compreender e aplicar no cotidiano os conceitos básicos
da Geografia, [...] identificar, analisar e avaliar o impacto das
transformações naturais, sociais, econômicas culturais e polí-
ticas no seu lugar-mundo (BRASIL, 1999, p. 315)

Frente a tal situação, é preciso considerar as proposições de Mello (2000), de que


o ato de ensinar exige aprender a inquietar-se com o fracasso sem se deixar destruir
por ele e que ensinar implica em uma atividade relacional que para coexistir, faz-se
necessário enfrentar a resistência, o conflito, acolher e respeitar a diversidade, fazendo
disso, um instrumento de melhoria de sua prática docente. Esse aprendizado deve
fazer parte do aprender a ser professor para o atendimento à diversidade, em conso-

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nância com a política vigente, pautada na Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), que norteia as políticas públicas
de educação e tem como objetivo o acesso, a participação e a aprendizagem dos
alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades
nas escolas regulares.
No delineamento de uma educação inclusiva, é indispensável pensar a escola
como uma organização reflexiva, isto é, uma “organização que continuamente se
pensa a si própria, na sua missão social e na sua organização. [...] Só a escola que se
interroga a si própria se transformará, [...] mudará seu rosto, [...] envolvendo todos
os seus membros” (ALARCÃO, 2001, p. 25-26), pois, uma escola com organização
inflexível, com uma estrutura excessivamente hierarquizada, onde não há diálogo
entre setores e é cética em relação às potencialidades de seus membros estará fada-
da ao insucesso. A referida autora acrescenta, ainda, que uma escola reflexiva pres-
supõe professores reflexivos, que constroem conhecimento e busca a competência.
A competência inclui conhecimentos (conceitos, princípios), capacidades (saber
o que e como fazer), experiência (capacidade de aprender com sucessos/ erros),
contatos (capacidades sociais, redes de contatos, colaboração), valores (vontade de
agir, acreditar, aceitar responsabilidades). (ALARCÃO, 2003)
Para tanto, é necessário que os formadores de professores busquem e oportu-
nizem a formação do professor reflexivo, isto é, que reflita, pense, discuta e aja,
individual e coletivamente, na/sobre sua prática docente, com vistas a não tornar os
alunos com deficiência “invisíveis” na sala de aula.
Aprender a trabalhar de forma colaborativa é essencial, visto que, durante a pes-
quisa, ficou evidenciado que os professores das classes regulares onde há inserção
de estudantes com deficiência, ainda planejam e desenvolvem uma prática desar-
ticulada das professoras das Salas de Recursos Multifuncionais (SRM), implantadas
pelo Ministério da Educação (MEC) e Secretaria de Educação Especial (SEESP), nas
escolas regulares, para propiciar o Atendimento Educacional Especializado (AEE)
tendo como objetivo apoiar o sistema regular de ensino e como função identificar,
elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade, que eliminem as bar-
reiras para a plena participação dos alunos considerando suas especificidades. Dessa
forma, o atendimento é complementar e/ou suplementar para a formação dos alu-
nos, devendo ser oferecido em turno oposto ao das aulas.

Educação geográfica e educação inclusiva

O conhecimento geográfico é relevante, na escola básica, por sua função alfabetiza-


dora, favorecendo a leitura e compreensão do mundo e do espaço em que o aluno

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está inserido. Para tanto, é necessário, como preconizava Freire (2004), superar a
curiosidade ingênua, “criticizando-a”, transformando-a em curiosidade epistemo-
lógica, contextualizando e situando o aluno no mundo. Assim, deve transcender
o ensino mnemônico e propiciar a educação geográfica que compreende a aqui-
sição de uma linguagem própria da Geografia que transcende os conteúdos. É o
saber geográfico, competências, que possibilitam ao sujeito compreender, analisar,
interpretar, descrever, representar o espaço, orientar-se e localizar-se nele. É uma
interlocução de saberes que extrapolam a sala de aula e passam a fazer parte de seu
cotidiano. Nesse sentido, supera a preocupação de Lacoste (1988), de que, dentre
as disciplinas do currículo escolar, a Geografia parece ser um saber sem aplicação
prática fora do sistema de ensino.
Na perspectiva de romper com essa visão, as práticas pedagógicas devem envol-
ver situações de aprendizagem e procedimentos de problematização, observação,
pesquisa, registro, descrição, representação, dentre outros, considerando sempre os
saberes, as vivências e a diversidade dos alunos, para possibilitar o letramento carto-
gráfico, que amplia a concepção de alfabetização, pois vai além do domínio da téc-
nica e implica na construção do “raciocínio geográfico”. O uso efetivo dessa lingua-
gem pelo aluno, no extramuros da escola, não deve se limitar apenas a decodificar
elementos do mapa, mas tornar esse aluno capaz de atribuir sentido, contribuindo
para seu desenvolvimento, como sujeito social e como cidadão.
Nessa linha de pensamento, o papel docente assume maior importância e com-
plexidade, visto que deixa de ser um simples transmissor de conteúdos para assumir
a função de mediador entre o objeto do conhecimento e o sujeito cognoscente, na
busca da educação geográfica. (CASTELLAR, 2005; CAVALCANTI, 2006) As autoras
destacam também o potencial educativo da Geografia e a importância dessa área de
conhecimento para o cotidiano do aluno, por contribuir para a compreensão e lei-
tura do espaço onde está inserido. A esse respeito, Cavalcanti (2006, p. 34) destaca:

Os alunos que estudam essa disciplina já possuem conheci-


mentos nessa área oriundos de sua relação direta e cotidiana
com o espaço vivido. Sendo assim, o trabalho de educação
geográfica é o de ajudar os alunos a analisarem esses conhe-
cimentos, a desenvolverem modos do pensamento geográ-
fico, a internalizarem métodos e procedimentos de captar a
realidade, a vivida e a apresentada pela Geografia escolar,
tendo consciência de sua espacialidade.

Pensar nesse potencial educativo, isto é, na educação geográfica, implica em


mudanças na formação do professor e, consequentemente, na prática docente, com
reflexos diretos na sala de aula. Assim, poderá propiciar aos alunos a formação de

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uma consciência espacial, uma postura propositiva, visando possíveis intervenções,
porque possibilita

[...] o conhecimento e a compreensão dos espaços nos con-


textos locais, regionais, nacionais, internacionais e mundiais
e, em particular: conhecimento do espaço territorial; com-
preensão dos traços característicos que dão a um lugar a sua
identidade; [...] compreensão dos domínios que caracterizam
o meio físico e a maneira como os lugares foram sendo or-
ganizados socialmente; compreensão da utilização e do mau
uso dos recursos naturais. (CASTELLAR, 2005, p. 211)

Essas ideias são reforçadas por Cavalcanti (2002, p. 19), ao ressaltar que “[...]
o espaço geográfico não é apenas uma categoria teórica que serve para pensar e
analisar cientificamente a realidade; ele é essa categoria justamente porque é algo
vivido por nós e resultante de nossas ações.” Por isso, a autora acrescenta que o en-
sino de Geografia deve implicar no compromisso de efetivar reais possibilidades de
contribuir para a formação de cidadãos participativos em seu espaço, permitindo a
formação da consciência espacial-cidadã e de um saber-pensar o espaço, condição
essencial à vida em sociedade, para participar de seus processos, tomadas de deci-
são, agir democraticamente, ser e estar situado nos contextos sociais.
Para tanto, Almeida (2001) adverte sobre a importância de se trabalhar as ca-
tegorias geográficas, desenvolvendo conhecimentos e habilidades (localização,
orientação e representação) e competências espaciais e, ainda, de se respeitar o
desenvolvimento cognitivo do aluno, condição primordial para a aprendizagem ge-
ográfica e cartográfica.
Considerando a importância dessa área de conhecimento, é necessário oportu-
nizá-la a todos os alunos, inclusive, os que têm deficiência. Para tanto, a mediação
assume uma importância impar, pois é concebida, aqui, na perspectiva vygotskyana,
como um

[...] processo de intervenção de um elemento intermediário


numa relação; a relação deixa, então, de ser direta e passa
a ser mediada por esse elemento. [...] O processo de media-
ção, por meio de instrumentos e signos, é fundamental para
o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, dis-
tinguindo o homem dos outros animais. (OLIVEIRA, 2002,
p. 26, 33)

A mediação é de suma relevância para todos, mas, é imprescindível para os alu-


nos com particularidades acentuadas, a exemplo dos alunos com deficiência, visto

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que vão precisar de instrumentos e signos específicos para atender a sua necessi-
dade educacional especial. É pertinente destacar que, nas escolas da rede pública
pesquisadas, os alunos (cegos e surdos) inseridos nas classes regulares indicaram a
Geografia como a disciplina do currículo que mais sentiam dificuldades. Excertos
dos depoimentos apontam-na como a que lidera as disciplinas que menos gostam.
As justificativas giravam, via de regra, em torno da Cartografia e das aulas expo-
sitivas, por exemplo:

[...] é por causa dos mapas, porque a professora explica o assunto na sala, mos-
trando mapas, eu não posso acompanhar, porque ela não leva mapa tátil para a
sala, só manda procurar a sala de recursos, mas quando a pró da sala de recursos
vai fazer o mapa a explicação já passou (aluno cego – ensino fundamental).
[...] o professor de Geografia fala muito e rápido, às vezes, até o intérprete tem di-
ficuldade, não sou ouvinte e preciso muito do recurso visual (aluno surdo – ensino
fundamental).

Por conta dessas dificuldades, o professor deve estar preparado, do ponto de vis-
ta teórico-prático, para essa mediação, de modo a responder às necessidades desses
alunos, quanto à: interação; recursos cognitivos, didáticos e tecnológicos; tempo,
espaço; e outros.
Com base nos pressupostos vygotskyanos de que as leis gerais que atuam no
desenvolvimento das crianças com deficiências são as mesmas leis que atuam no
desenvolvimento das demais crianças, há que se considerar as dificuldades desses
alunos, mas não com o olhar de piedade e descrédito e, sim, em uma perspectiva
dialética, que percebe as limitações, mas também as possibilidades. Para o referido
autor, todas as crianças podem aprender e esclarece que:

[...] um defeito ou problema físico, qualquer que seja sua na-


tureza, desafia o organismo. Assim, o resultado de um defeito
é invariavelmente duplo e contraditório. Por um lado, ele en-
fraquece o organismo, mina suas atividades e age como uma
força negativa. Por outro lado, precisamente porque torna a
atividade do organismo difícil, o defeito age como um incen-
tivo para aumentar o desenvolvimento de outras funções no
organismo; ele ativa, desperta o organismo para redobrar a
atividade, que compensará o defeito e superará a dificuldade.
(VYGOTSKY, 1984, p. 233)

Dessa forma, as deficiências podem ser compensadas quando há um ensino


apropriado e fatores ambientais favoráveis, pois, segundo Vygotsky (1995), o apren-

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dizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental, daí a im-
portância da mediação.

Práticas de Geografia: voltando o olhar às diferenças

Em consonância com os postulados de Vygotsky, anteriormente citados, de que


qualquer pessoa pode aprender, quando lhes são possibilitados instrumentos e
procedimentos alternativos que supram ou minimizem as dificuldades, a exemplo
do Braille, da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e outras possibilidades que en-
volvam sentidos e as capacidades remanescentes (auditiva, olfativa, tátil, visual,
cinestésica) nesses alunos, este texto foi escrito. É uma tentativa a mais, no sentido
de contribuir para a desconstrução de posturas, muito presentes no espaço esco-
lar, onde os vários segmentos da escola costumam centrar-se mais na deficiência
do aluno do que em suas potencialidades. Nesse pensar, acabam por empobrecer
a mediação, por não oferecer, a esses alunos, os desafios e recursos necessários à
aprendizagem. É possível que isso ocorra pela fragilidade da formação, pela falta
de conhecimento, visto que o processo de inclusão ainda é relativamente novo;
bem como pela precarização da profissão docente e das condições estruturais das
escolas, dentre outras barreiras.
Entretanto, sem desconsiderar a importância das demais variáveis intervenien-
tes, pretende-se, aqui, voltar o olhar para os desafios da Geografia escolar, para que
ela possa cumprir a sua função na escola básica, ou seja, possibilitar a formação de
uma consciência espacial nos alunos, sem excluir os que têm deficiências, conside-
rando isso um motivo/necessidade a mais, para aprender Geografia, oportunizando-
lhes a compreensão e a participação nos espaços onde estão inseridos. Entende-se
que esse conhecimento é essencial ao exercício da cidadania.
Para tanto, deve-se buscar conhecer as singularidades acentuadas de seu alu-
no com deficiência, bem como suas potencialidades, para responder melhor as
suas necessidades, explorando os sentidos remanescentes. Nesse aspecto, os pro-
fessores das salas de recursos multifuncionais poderão dar uma significativa con-
tribuição, visto que, em geral, têm uma formação na área da educação especial.
Postas essas reflexões, chama-se atenção para a necessidade de práticas que esti-
mulem experiências táteis, visos espaciais e outras, a depender das necessidades
educacionais dos alunos.
É válido destacar que “o desenvolvimento cognitivo de uma criança surda, por
exemplo, se estrutura tendo por base informações visuais. A imagem e a experiência
são fundamentais para que haja aprendizagem.” (SILVA; BARAÚNA, 2007, p. 62)

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Ademais, é indispensável que as barreiras comunicacionais sejam eliminadas, asse-
gurando-lhe a comunicação através da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), para as
que são alfabetizadas nessa língua. Isso é possível com a presença de um intérprete
de LIBRAS, nas salas de aula onde há alunos surdos. No entanto, é oportuno lem-
brar que o intérprete não é professor de Geografia, por isso, a responsabilidade pelo
processo de mediação continua sendo professor. É importante que o professor, ao
planejar, socialize com o intérprete, com o professor da SRM, com antecedência,
para que os mesmos possam se preparar.
Mas, é pertinente lembrar que nem todos os surdos fazem uso de LIBRAS, alguns
fazem leitura labial, outros são oralizados. Sendo assim, o professor deve conhecer
e interagir com seu aluno para ver a melhor forma de comunicação/mediação. Por
ocasião da pesquisa, alguns alunos surdos se queixavam das aulas expositivas, es-
clarecendo que, mesmo com o intérprete de LIBRAS, em alguns momentos, não
conseguiam entender alguns conteúdos. No entanto, gostavam e sentiam mais faci-
lidade quando o professor fazia uso de imagens e justificavam: “nos não somos como
os ouvintes, entendemos melhor com recursos visuais”.
Postas essas reflexões, o professor que atua em classes inclusivas deve, sempre
que possível, durante as situações didáticas, fazer uso de imagens, tais como: filmes,
gravuras, mapas pictóricos, fotografias, mapas conceituais. Além disso, outras alter-
nativas como objetos concretos em miniaturas, maquetes, estudo do meio, trabalho
de campo, dentre outros, contribuem significativamente para a construção/compre-
ensão dos conceitos.
Ademais, deve-se acrescentar que tais situações/recursos favorecem a media-
ção e a aprendizagem dos alunos com síndrome de down, transtornos globais do
desenvolvimento, distúrbios de linguagem e, enfim, de todos os alunos, com ou sem
deficiência.
Merece, ainda, destacar que o estudo da paisagem, do lugar e de outras cate-
gorias da Geografia, pode ser feito através de observação direta in loco ou indireta
com o uso de imagens. Sobre isso, Santos (1991, p. 5) complementa que “as imagens
têm propiciado também a observação indireta de fatos geográficos que não ocorrem
ou não correspondem ao espaço de vida mais ou menos imediato dos escolares.”
Assim, as imagens podem oferecer uma ajuda significativa, a esses alunos, para a
compreensão/ construção dos conceitos.
Sugere-se, também, o uso de mapas pictóricos, porque como representa os
objetos ou fenômenos, mediante signos pictóricos, em lugar de utilizar os signos
convencionais habituais, facilita a compreensão dos alunos. As imagens favorecem
o entendimento porque, segundo Reily (2004), a imagem é percebida de uma só
vez, na simultaneidade e não em partes como ocorre a com a fala. Por conta disso,
deve-se fazer uso constante de tais recursos, explorando, também, as imagens dos

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próprios livros didáticos que, muitas vezes, são subutilizadas por professores e alu-
nos. A imagem a seguir, por exemplo, pode favorecer bastante a compreensão do
conteúdo, formas de relevo.

Figura 1 - Formas de relevo

Fonte: Roberto Lôbo, 2015.

Figura 2 - Mapa Pictórico

Fonte: R. Lôbo; P. D. Araujo (org.). Dados IBGE, 2012.

O mapa acima, mesmo sendo pictórico, para a sua utilização é preciso que os
alunos já tenham construído os pré-requisitos para isso, ou seja, noção de legenda;
proporção e escala; lateralidade, referências e orientação espacial, dentre outras.
Porém, quanto ao processo de ensino/aprendizagem dos alunos cegos, deve-se
enfatizar a percepção tátil, mas tendo a clareza de que o conhecimento não é um

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mero produto dos órgãos sensoriais, pois esse conhecimento resulta de um proces-
so de apropriação através das relações interpessoais e da mediação. Vale ressaltar,
também, que a função tátil não está restrita às mãos. O tato ativo, isto é, o sistema
háptico, constitui-se de componentes cutâneos e cinestésicos através dos quais im-
pressões, sensações e vibrações detectadas pelo indivíduo são interpretadas pelo
cérebro, sendo fontes valiosas de informação. O tato ativo difere do tato passivo. No
primeiro, a informação ocorre de forma intencional, há uma intenção de buscá-la e,
no outro, de forma casual. Por isso, o primeiro é o que realmente importa à media-
ção em Geografia, ou seja, a exploração e conhecimento do espaço. Ochaita e Rosa
(1995, p. 185) ressaltam que

Quando um cego está explorando com as mãos um objeto


estranho, para reconhecê-lo, ocorre algo parecido a quando
um vidente olha uma forma complexa e desconhecida para
posteriormente desenhá-la. As mãos, como os olhos, embora
de forma mais lenta e sucessiva, movem-se de forma inten-
cional para buscar as peculiaridades da forma e poder, assim,
obter uma imagem dela.

Com base na reflexão sobre as experiências perceptivas vivenciadas, são cons-


truídos os significados da pessoa no mundo. O tato permite captar as propriedades
dos objetos, tais como: textura, temperatura, forma, relações espaciais, e reter na
memória a informação colhida. É importante ressaltar que o que não é apreendido
pelos olhos, poderá ser alcançado através de modelos táteis.
Vygotsky alerta que a função do professor é fazer essa mediação, para que os
conceitos espontâneos adquiridos na experiência pessoal da criança sejam eleva-
dos à categoria de conceitos científicos. Mesmo entendendo que são complexas a
representação e a leitura de mapas por alunos cegos; há alternativas, a exemplo dos
modelos táteis, da cartografia tátil, maquetes ou outros materiais concretos, possi-
bilitando, através do tato ativo, extrair informações, favorecendo, dessa forma, o
processo de abstração dos alunos cegos e, consequentemente, possam alcançar a
compreensão das representações gráficas.
A falta do sentido da visão pode comprometer o desenvolvimento e a apren-
dizagem, mas não significa que o sujeito não possa aprender. Em se tratando dos
alunos cegos, é relevante que o processo de mediação contemple a percepção este-
reognóstica, isto é, o reconhecimento das formas do objeto através do tato. Então, é
preciso explorar e experimentar o objeto, o espaço, para conhecê-lo.
Daí a importância dos recursos táteis e, dentre esses, destaca-se, aqui, a Car-
tografia tátil que é um ramo específico da Cartografia, que se ocupa da confecção
de mapas e outros produtos cartográficos, para serem usados por pessoas cegas ou

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com baixa visão. Tais recursos podem ter objetivos educativos, ou seja, favorecer a
construção de conceitos ou facilitar a orientação e mobilidade dessas pessoas nos
espaços de vivência. A Orientação e Mobilidade (OM) é uma área específica que
tem como finalidade ajudar o aluno cego e/ou com baixa visão a construir o mapa
cognitivo do espaço que o rodeia e a deslocar-se nesse espaço. Por isso, exige um
conjunto de competências motoras, cognitivas, sociais e emocionais, permitindo ao
cego conhecer, relacionar-se e deslocar-se de forma independente nos diversos es-
paços.
A Cartografia tátil é considerada uma Tecnologia Assistiva (TA). Segundo o Co-
mitê de Ajudas Técnicas (CAT), a Tecnologia Assistiva é:

Uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar,


que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias,
práticas e serviços que objetivam promover a funcionalida-
de, relacionada à atividade e participação de pessoas com
deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando
sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão
social. (CAT, 2007 p. 3)

A Cartografia, tátil ou convencional, deve permear o processo de ensino/apren-


dizagem estabelecendo relações entre os fenômenos e suas espacialidades. Para tan-
to, é válido acrescentar que a construção de noções de representação e orientação
é imprescindível à compreensão da Cartografia pelos alunos. Nesse sentido, Loch e
Fuckner (2005) ressaltam a importância de uma prática pedagógica que contemple
a alfabetização cartográfica, para que os alunos possam compreender a função e
importância dos mapas. Por isso, fazer o levantamento dos conhecimentos prévios,
detectando que os alunos ainda não têm o domínio dessas noções e habilidades
específicas, o professor deverá desenvolver atividades que propiciem esse desenvol-
vimento.
Importa esclarecer que os alunos com deficiência visual precisam de uma maior
atenção, visto que apresentam uma defasagem em relação a imagens e habilidades
espaciais. Tal defasagem varia de acordo com os estímulos que recebem, ou seja, da
história de vida de cada um. Durante a pesquisa, isso foi constatado, porque dois alu-
nos cegos congênitos – da mesma série, turma e escola – apresentaram habilidades
espaciais muito diferenciadas, para interpretar a planta tátil da escola e para a sua
mobilidade e orientação.
A Cartografia tátil segue estruturas e princípios semelhantes aos da Cartografia
convencional, embora mais flexíveis, permitindo alguns exageros e omissões. Sen-
do assim, para a construção de noções e conceitos espaciais, deve-se basear em

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procedimentos metodológicos comuns, apenas com algumas variações quanto aos
recursos e atividades.
Almeida (2007) propõe que a representação do espaço, inicialmente, decorra de
uma reflexão sobre o mesmo; que as atividades sejam problematizadas, propiciando
ao aluno a busca de soluções que envolvam relações espaciais, e a operacionaliza-
ção dos referenciais espaciais, aplicando-os em situações concretas. Complementa,
ainda, que

[...] a maestria sobre o espaço surge da ação sobre ele, os


procedimentos que melhor contribuem para sua aquisição
são aqueles que permitem manipulação e, ao mesmo tempo,
instigam a reflexão sobre como representá-lo através de dife-
rentes meios. (ALMEIDA, Rosângela, 2007, p. 159)

Essas proposições assumem uma importância ímpar para os alunos com defici-
ência visual, visto que eles precisam experienciar o espaço, os objetos concretos e
estabelecer relações com os objetos espaciais. Entretanto, a realidade das chamadas
escolas inclusivas, ainda deixa muito a desejar, no que se refere ao uso dos recursos
táteis. Isso ficou bastante visível, durante a pesquisa, pois, quando indagados sobre
o uso de mapas táteis nas aulas de Geografia, as respostas dos alunos ratificavam a
afirmação anterior, a saber: “uma vez na 6ª série a pró levou um mapa das regiões” ou
ainda, “já conheci o mapa tátil com a pró da sala de recurso”; “quando a professora traz
mapa para os alunos normais, me manda procurar depois a sala de recurso.”
Postas essas reflexões, importa discutir algumas possibilidades de ampliar o co-
nhecimento espacial dos alunos com deficiência visual, na tentativa de superar as
restrições provocadas pela ausência da visão ou por uma prática docente lacunar,
possibilitando a alfabetização cartográfica (escala, localização direção, orientação,
codificação, outros) desses alunos. Para tanto, é necessário uma preparação, grada-
tiva, atentando para as possibilidades cognitivas de percepção e representação do
espaço, bem como a necessidade de suportes, de referências concretas, para a cons-
trução da função simbólica, do espaço representativo, das relações topológicas de
envolvimento ou fechamento (noções de interior, exterior, centralidade, contorno),
e projetivas (lateralidade).
É conveniente ressaltar que a preocupação não deve se limitar à idade crono-
lógica, mas incluir a avaliação da capacidade cognitiva dos alunos, considerando a
Zona de Desenvolvimento Real, ou seja, as aprendizagens já efetivadas, e a Zona
de Desenvolvimento Potencial, isto é, as capacidades em vias de serem construídas
com a mediação do outro, professor ou colega.

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Assim, sem desconsiderar a complexidade do ato de ensinar e do processo de
criação e comunicação cartográfica, procura-se, aqui, observar o que Simielli (2007,
p. 88) recomenda: “o mapa será mais eficiente se o cartógrafo confeccioná-lo para
um usuário específico. [...] a fim de apresentá-lo da forma mais acessível possível ao
aluno, respeitando o seu desenvolvimento mental e a sua capacidade de abstração.”
Com vistas à alfabetização cartográfica do aluno com deficiência visual, preten-
de-se compartilhar algumas experiências e atividades que se constituem em possibi-
lidades para oportunizar, a esse aluno, entender as representações espaciais, locali-
zar-se no espaço, ler maquetes e mapas, dentre outros.
A planta baixa tátil consiste em adequar uma planta convencional já impressa ou
elaborada pelos alunos, com a mediação do professor, em planta de alto relevo com
escrita em braile, a partir das medidas reais do espaço representado. É importante
lembrar que, como a leitura é feita através do tato, caso a planta tenha sido feita
em papel ofício, deve ser colada a uma base mais dura. Para o alto relevo, pode-se
usar cola relevo (plástica), cordão ou, ainda, materiais de texturas diferentes (papel
camurça, papel canelado, tecido, grãos etc.) disponíveis, desde que não ofereçam
riscos ao usuário. Ver exemplo

Figura 3 - Planta tátil da escola, elaborada pela professora, em diferentes texturas

Fonte: elaborada por Adriana L. Machado.

Porém, mais importante que os materiais usados é a mediação do professor, que


se diversificará de acordo com os objetivos propostos. Para tanto, é necessário o re-
conhecimento tátil do espaço escolar pelos alunos com deficiência, com a mediação
do professor, pois, embora a descrição feita pelas pessoas que enxergam seja impres-

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cindível, ela não é suficiente, pois é marcada pela subjetividade, pela incompletude;
por isso, é complementar e não substitutiva, já que não assegura a compreensão do
espaço descrito.
Alguns alunos com Deficiência Visual (DV), sobretudo os que têm curso de
Orientação e Mobilidade (OM) e circulam com desenvoltura pelo espaço escolar,
já têm o mapa mental da escola. Entretanto, outros alunos não têm autonomia para
circular no espaço escolar, precisando conhecê-lo primeiro, repetindo o percurso,
se necessário for, para que, posteriormente, ao explorar a planta tátil, possam enten-
dê-la. Para isso, a intervenção do professor é indispensável, levantando os conheci-
mentos prévios dos alunos, questionando-os, avaliando-os, possibilitando, assim, a
compreensão e construção de conceitos e noções necessárias para isso. Nesse senti-
do, deve-se desenvolver atividades diversas como jogos para trabalhar lateralidade,
limites, fronteiras, dentre outros. Na exploração e leitura da planta tátil, os alunos
vão sendo estimulados a identificar os ambientes representados pelas diferentes tex-
turas com base no mapa mental; quando não conseguirem, pode ser feito um novo
reconhecimento simultaneamente a essa exploração.
Outra atividade importante é a maquete tátil, que é uma representação tridi-
mensional, com informações escritas em braile e na forma convencional. A maquete
não deve ser muito grande, para não dificultar o reconhecimento tátil pelo aluno.
Para os alunos com DV, ela é indispensável à alfabetização cartográfica, porque pro-
picia uma percepção do todo, através da interação, da reflexão, da representação,
possibilitando o exercício de transformar essa representação tridimensional em bidi-
mensional e vice-versa, com a mediação para a construção das noções básicas de
Cartografia, evitando-se que a atividade seja apenas lúdica ou artesanal.
É pertinente esclarecer que, para evoluir da representação tridimensional para a
configuração bidimensional, os alunos cegos precisam de se exercitar bastante, visto
que as crianças que não enxergam não são estimuladas, pelos pais e professores, a
desenhar; ao contrário, são até dispensadas de atividades que envolvam desenho,
conforme relatos de alunos e professores.
Duarte (2009) recomenda que, simultaneamente as figuras descobertas tatilmen-
te nas maquetes, esses alunos devem conhecer a versão bidimensional, por meio de
um desenho/representação com linhas de contorno em relevo. Em suas experiências
ele demonstra que uma criança cega (de 8 anos), após aprender a reconhecer e a
desenhar esquemas gráficos básicos (casa, sol, árvore, cão) e após serem trabalha-
dos conceitos de paisagem e espacialidade, por meio de maquetes, passou a fazer
inferências, de forma autônoma, e outras representações gráficas de objetos de seu
cotidiano, de suas próprias experiências, sem precisar da mediação dele. Sendo as-
sim, a maquete, por ser uma representação tridimensional, é um importante recurso,

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porque permite a quem não enxerga conhecer objetos que, devido a sua grande di-
mensão, não poderiam ser percebidos, em sua totalidade e formato, através do tato.
Atualmente, existem maquetes com dispositivos sonoros que se utilizam da ro-
bótica com software de programação, criando modelos com movimento, nos quais
a informação é transmitida por sensores de toque que, pressionados, fazem o com-
putador decodificar e responder, através de um som gravado, à informação tátil.
Entretanto, sabe-se que essa não é uma realidade nas escolas. Por isso, sugere-se
maquetes que podem ser confeccionadas com materiais simples, de baixo custo, en-
contrados no dia a dia (isopor, papelão, papel, cola relevo, caixas, massa de modelar,
argila, gesso, corino etc.), conforme a figura a seguir.

Figura 4 - Maquete tátil do globo, elaborada pela professora da Sala de Recursos

Figura 5 - Maquete da escola feita por alunos

Segundo relatos, os professores já haviam trabalhado com maquetes, mas de for-


ma muito pontual, visando exposições em eventos e não como uma atividade para a
construção de noções e conceitos de representação do espaço. Também revelaram
que desconheciam a importância disso para os alunos com deficiência visual.

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Os mapas táteis consistem em transformar mapas convencionais impressos em
tinta, em mapas com alto relevo, que permitem às pessoas com deficiência visual usá
-los para obter informações e ajudá-los em sua vida cotidiana. Bustos (2004) afirma
que os mapas podem facilitar a orientação e a mobilidade, aumentar o conforto e
a segurança no dia a dia. Sugere, inclusive, que os mapas táteis e maquetes podem
contribuir para a obtenção de informações relativas a um determinado espaço, prin-
cipalmente quando esse espaço é muito grande e dificulta a exploração tátil.
É oportuno lembrar que os mapas, com seus elementos operatórios, resultam
de decisões, da eleição de signos, projeções e escalas. Nesse sentido, é importante
que os professores reflitam sobre isso para evitar interpretações acríticas, pois, como
adverte Andreis (2011, p. 218),

[...] o uso insistente e incisivo de uma imagem representativa


nas aulas de Geografia, apresentada como única e final, cons-
trói no imaginário das pessoas uma representação de mundo
linear, distante, estático, alheio e, portanto, admissível e in-
questionável.

Para desenvolver atividades com mapas táteis, deve-se observar alguns aspectos
tais como: se o aluno já tem a percepção tátil desenvolvida para o reconhecimento de
linhas, figuras, texturas, símbolos, bem como uma adequada orientação espacial, para
que os alunos possam buscar pontos de referência dentro do que estão explorando.
Nesse tipo de Cartografia é possível apropriar-se de variáveis visuais, adaptando
-as ao tato, para atender às limitações da pessoa com deficiência visual. No entanto,
a cor é uma variável que não tem como ser transformada em tátil, por isso deve ser
substituída por diferentes texturas. Ainda sobre a confecção da cartografia tátil Vascon-
cellos (1993) alerta que é importante ter uma preocupação quanto à quantidade de
informação expressa no mapa, para não sobrecarregá-lo, dificultando a compreensão.
A referida autora recomenda, ainda, a observância de outros aspectos, como:
o tamanho, porque os mapas não devem ser muito grandes, pois o tato é bem mais
restrito que o campo da visão; e um maior grau de generalização com omissões,
exageros de acordo com os objetivos definidos. Dessa forma, um mapa temático
(climas) com várias texturas não deverá ter informações sobrepostas que não sejam
essenciais, a exemplo da divisão política, para não confundir o usuário.
Assim, a Cartografia tátil, embora prime pela simplicidade, ela não é simplista.
Essa cartografia coaduna-se com o que afirma Castellar (2011, p. 133) “[...] a car-
tografia é uma linguagem a partir da qual se comunica fatos, conceitos, e sistemas
conceituais; é uma linguagem iconográfica de comunicação que permite ler e es-
crever características do território.” Nessa direção, esclarece ainda que o domínio

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da leitura e escrita é importante para essa apropriação. No caso dos mapas táteis, a
escrita deve vir em braile e, também, na forma convencional, pois permite também
a leitura por quem vai mediar.
Os mapas táteis ainda são pouco encontrados nas escolas, mesmo nas que têm
Salas de Recursos. A alguns mapas faltam elementos importantes como, por exem-
plo, a escala, a legenda, os pontos cardeais. Outros têm tamanhos inadequados
(muito pequenos ou grandes), dificultando a leitura tátil. Tais mapas podem ser ad-
quiridos através de compra (mapas de acetato), ou produzidos em PVC com máqui-
na (Thermoform) e, ainda, adaptados na própria escola. Para isso, alguns cuidados
precisam ser observados como: a significação tátil, isto é, precisa possuir um relevo
perceptível que possibilite identificar as partes; aceitação, ou seja, o material não
deve provocar rejeição ao manuseio; segurança e resistência.

Figura 6 - Mapa com diferentes texturas Figura 7 - Mapa em acetato

Fonte: UFSC - Lantate, 2008. Fonte: Autora

Loch (2009) esclarece que não há convenções internacionais para a produção


de mapas táteis, mas recomenda que, quanto mais diferenciados forem os padrões
formados pelos pontos ou linhas que preenchem as diferentes áreas, mais fácil será
reconhecê-los pelo tato. Existem várias possibilidades de elaboração e adaptação de
mapas táteis. É importante ter sempre o cuidado de ver a quem se destina o mapa
para se respeitar as especificidades do sujeito. Assim, quando os mapas se destinam
a alunos com baixa visão, que não fazem uso do braile, deve-se ter a preocupação
com a escolha das cores fortes e luminosas que, segundo esses alunos, facilitam a
legibilidade do mapa, bem como aumentar a fonte das letras usadas. Para os que

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não têm resíduo visual, os signos e informações devem ser táteis, isto é, em relevo e
em braile respectivamente.
Tais adaptações não podem ser aleatórias, pois a simples transcrição das in-
formações visuais em táteis não assegura resultados satisfatórios, tendo em vista a
diferença de resolução entre o sentido da visão e do tato. (ALMEIDA, Rosângela,
2007)

Considerações Finais

Tecer reflexões sobre a formação de professores de Geografia e práticas em atenção


à diversidade foi a intenção desse artigo, pensando, sobretudo, em compartilhar,
preocupações, experiências e conhecimentos quanto ao processo de ensino/apren-
dizagem de Geografia, considerando a inclusão escolar de alunos com deficiência,
com vistas a desconstruir alguns pré-conceitos em relação ao aprendizado e as po-
tencialidades dos alunos com deficiência.
É necessário reconhecer que muitas das ideias que permeiam o espaço escolar
e o imaginário popular ocorrem não por uma dificuldade de aprendizagem desses
alunos, mas por um processo de mediação inadequado e pela falta de recursos que
atendam as especificidades desses sujeitos.
Assim, o atendimento a essa nova demanda exige a preparação do professor.
Pressupõe professores reflexivos que, como esclarece Alarcão (2003), constroem co-
nhecimento e busca a competência. A competência inclui conhecimentos (concei-
tos, princípios), capacidades (saber o que e como fazer), experiência (capacidade
de aprender com sucessos/erros), contatos (capacidades sociais, redes de contatos,
colaboração), valores (vontade de agir, acreditar, aceitar responsabilidades).
No delineamento de uma educação inclusiva, é indispensável pensar em uma
escola reflexiva que, continuamente, se pensa a si própria, na sua missão social e na
sua organização, que se transforma, envolvendo todos seus membros. Uma escola
com organização inflexível, com uma estrutura excessivamente hierarquizada, onde
não há diálogo entre setores e é cética em relação às potencialidades de seus mem-
bros estará fadada ao insucesso. (ALARCÃO, 2003)
Para tanto, é necessário que se estimule e oportunize a formação do professor
reflexivo que reflita, isto é, que pense, discuta e aja individual e coletivamente na/
sobre sua prática docente, pensando, sobretudo, em como não tornar os alunos com
deficiência invisíveis na sala de aula.
Aprender a trabalhar de forma colaborativa é essencial, visto que os professores
das classes regulares, ainda, planejam e desenvolvem a prática totalmente desarticu-

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lada das professoras das Salas de Recursos Multifuncionais (SRM), implantadas pelo
MEC/SEESP nas escolas regulares para propiciar o Atendimento Educacional Espe-
cializado. Esse atendimento é complementar e/ou suplementar para a formação dos
alunos e deve ser oferecido em turno oposto ao das aulas.
Enfatiza-se, aqui, a importância da educação geográfica para a formação da
cidadania, por isso, os alunos com deficiência não podem ser privados desses co-
nhecimentos, porque podem e precisam usar os conceitos, os códigos, a linguagem
geográfica e as habilidades de orientação, localização, representação gráfica, dentre
outros, para sua mobilidade e autonomia. Portanto, é mais do que necessário repen-
sar o sentido da Geografia escolar, na perspectiva da educação geográfica, para que
esta possa, efetivamente, contribuir para que os alunos, independentemente de suas
diferenças, possam compreender, conhecer o espaço e situar-se nele.
Com esse pensar, buscou-se compartilhar algumas experiências e possibilidades
que podem propiciar aos alunos com deficiência a construção de um arcabouço
conceitual e o desenvolvimento de habilidades que podem contribuir, significativa-
mente, para a formação de um “cidadão geograficamente competente”.

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