Você está na página 1de 3

POESIAS DE AGOSTINHO NETO – LITERATURA ANGOLANA

ADEUS À HORA DA LARGADA

Minha Mãe
(todas as mãe negras
cujos filhos partiram)
tu me ensinaste a esperar
como esperaste nas horas difíceis

Mas a vida
matou em mim essa mística esperança

Eu já não espero
sou aquele por quem se espera

Sou
eu minha Mãe
a esperança somos nós
os teus filhos
partidos para uma fé que alimenta a vida

Hoje
somos as crianças nuas das sanzalas do mato
os garotos sem escola a jogar a bola de trapos
nos areias ao meio-dia
somos nós mesmos
os contratados a queimar vidas nos cafezais
os homens negros ignorantes
que devem respeitar o homem branco
e temer o rico
somos os teus filhos
dos bairros de pretos
além aonde não chega a luz eléctrica
os homens bêbedos a cair
abandonados ao ritmo dum batuque de morte
teus filhos
com fome
com sede
com vergonha de te chamarmos Mãe
com medo de atravessar as ruas
com medo dos homens
nós mesmos

Amanhã
entoaremos hinos à liberdade
quando comemorarmos
a data da abolição desta escravatura
Nós vamos em busca de luz
os teus filhos Mãe
(todas as mães negras
cujos filhos partiram)
vão em busca de vida.

in "Sagrada Esperança", Agostinho Neto, Obra Poética Completa, página 25

VELHO NEGRO

Vendido
e transportado nas galeras
vergastado pelos homens
linchado nas grandes cidades
esbulhado até ao último tostão
humilhado até ao pó
sempre sempre vencido

É forçado a obedecer
a Deus e aos homens
perdeu-se

Perdeu a pátria
e a noção de ser

Reduzido a farrapo
macaquearam seus gestos e a sua alma
diferente

Velho farrapo
negro
perdido no tempo
e dividido no espaço!

Ao passar de tanga
com o espírito bem escondido
no silêncio das frases côncavas
murmuram eles:
Pobre negro!

E os poetas dizem que são seus irmãos.

1948

in "Sagrada Esperança", Agostinho Neto, Obra Poética Completa, página 41


PARTIDA PARA O CONTRATO

O rosto retrata a alma


amarfanhada pelo sofrimento
Nesta hora de pranto
vespertina e ensanguentada
Manuel
o seu amor
partiu para S. Tomé
para lá do mar

Até quando?

Além no horizonte repentinos


o sol e o barco
se afogam
no mar
escurecendo
o céu escurecendo a terra
e a alma da mulher

Não há luz
não há estrelas no céu escuro

Tudo na terra é sombra

Não há luz
não há norte na alma da mulher

Negrura
Só negrura…

1945
in "Sagrada Esperança", Agostinho Neto, Obra Poética Completa, página 2

Você também pode gostar