Você está na página 1de 1

Capa

Holanda se prepara
UMA DAS 50 casas à beira do

Amelia Gonzalez*
rio Ijssel que será realocada

País cria tecnologias para se adaptar à natureza por causa


do aquecimento: Fundo de 1 bilhão de euros está previsto
Amelia Gonzalez talvez, fazer replicar seu exemplo mundo afora. para que eles possam se reerguer. Duas mil pessoas
amelia@oglobo.com.br “Viver num Delta é viver eternamente com o risco abandonaram a cidade de Nova Orleans e não pre-
de enchentes”, diz Jan Stijnen, do Departamento de tendem mais voltar por lá — disse ele.
HOLANDA — O vento cortante entra pela pele e a Risco e Segurança da Água. Contra esse risco eterno, Mas, voltemos para Holanda. Na cidade de Roter-
gente nem se dá conta de que está começando a Pri- foram construídos diques ao longo dos tempos e ho- dã, o foco da adaptação é na gestão urbana. Consi-
mavera naquele gelado país europeu. Estamos no je há, ao todo, 17 mil quilômetros deles para segurar derada a maior emissora de carbono do mundo se-
terceiro dia de viagem pela Holanda, agora numa pe- 59% do país que vivem em área alagável. No final do gundo o Instituto Internacional para o Meio Ambiente
quena cidade com pouco mais de 150 mil habitantes século XX, no entanto, uma decisão foi tomada: não e Desenvolvimento, a cidade assume este papel mas
chamada Arnhem. De uma rua construída em cima construir mais diques e, sim, aplicar alta tecnologia quer mudar. “Roterdã quer ficar conhecida como uma
de um dique, vemos cerca de 50 casinhas lindas, pa- em obras para conviver com as águas, levando em cidade carbono neutro em 2025”, diz um funcionário
recendo de boneca, que vão ser demolidas para dar conta os novos desafios que virão. de uma unidade municipal desenvolvida para criar
lugar às águas do rio iJssel quando começarem as E não são poucas as obras. A maior e mais impres- uma estratégia de adaptação, que inclui telhados ver-
obras do programa “Room for Rivers” (“Espaço para sionante é a barreira de Maeslant, que foi erguida em des para absorver água da chuva. Para estimular a
os rios”). Os moradores já foram comunicados, e a 1997 para proteger o Porto e a cidade de Roterdã população a entrar na onda dos telhados eco haverá
maioria parece apoiar a iniciativa. É apenas uma par- quando o nível do Mar do Norte se elevar. São dois uma grande campanha e, aos domingos, um estande
te de um enorme programa do governo holandês pa- portões em forma de arco gigantes, com 22 metros será montado num centro de lazer para ensinar as
ra se adaptar às mudanças climáticas em vez de rea- de altura por 220 de comprimento que, quando acio- pessoas a fazer. Roterdã também se prepara para ar-
gir às tragédias causadas pelos desastres naturais. nados por computador (nenhum homem tem o po- mazenar água da chuva numa grande garagem que es-
Neste caso específico, o rio iJssel precisa de mais der de fazer isso, só a máquina) viram uma espécie tá sendo construída. Esta água será usada depois pa-
espaço porque, com o degelo no Ártico, receberá de comporta anti-enchente. Custou US$ 700 milhões, ra ajudar o sistema de drenagem de esgoto.
uma quantidade muito maior de água do que seu lei- não provoca nenhuma alteração no Porto de Roter- De Roterdã partimos para Haia, onde o Mar do
to consegue suportar. Ou seja, de uma forma ou de
outra, as casinhas estão condenadas. A menos que
dã (considerado o segundo maior do mundo) e exige
uma equipe de cerca de dez pessoas. Uma delas é
Norte receberá outro tratamento, sempre com o ob-
jetivo de tentar contê-lo. Este plano, que recebeu o ‘Temos que manter esse país seguro e atraente’
não se acredite nas previsões e nos estudos enco- encarregada de pegar o telefone para avisar, primei- nome de “Construindo com a natureza”, é depositar,
mendados pelos próprios coordenadores do proje- ro ao prefeito, caso a barreira comece a se fechar, próximo à praia, uma grande quantidade de areia re- O trabalho no Delta assu- quente, que o mar está subindo, Bangladesh, ajudamos Nova Orleans, temos contato
to, que vão de encontro aos dados revelados em movimento que demora cerca de 20 minutos. tirada do fundo do oceano. Quatro navios farão o miu proporções tão gran- que o rio terá um novo traçado com Califórnia, no Delta Mississipi.
2007 pelos cientistas do Painel Intergovernamental Até hoje a Maeslant só fechou uma vez, em 2007, transporte nesse plano piloto, e vão jogar a areia de (aumentando em alguns pontos,
des que o governo decidiu
de Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em inglês). numa enorme tempestade. E deu certo. Há uma bar- uma distância grande, com um mecanismo especial, diminuindo em outros), que o O GLOBO:Por que a opção da adaptação em vez
Uma forte campanha de convencimento, no entanto, reira também no rio Tâmisa, para proteger Londres, de jato. A areia vai criar sedimentos naturais, o que nomear um coordenador. nosso solo está diminuindo. Temos da mitigação dos problemas?
encontra eco na maioria — “Não pouco, não muito, mas com outra tecnologia, pois vai precisar ser au- dá ainda um toque ecológico ao empreendimento. É Wim Kuyken falou com o que estar preparados para manter WIM KUYKEN: Porque nós sempre reagimos. Em
não tão cedo, não muito tarde. Nós não subestima- mentada 200 vezes, todos os anos, até o fim deste simples e caro, mas eles garantem que até 2015 es- Razão Social sobre a estra- esse país seguro e atraente. 1995, tivemos que evacuar 250 mil pessoas por
mos os desafios que vamos enfrentar” – diz um dos século, a fim de aguentar o rojão do impacto causa- tará pronto e que vai dar certo. tégia para o futuro. causa do aumento das águas do rio Waal.
CDs de propaganda do Delta Program. Se a Lei Delta do pela combinação entre tempestades mais violen- Temporais deixam os holandeses bastante aflitos. O GLOBO: A Holanda está Estávamos começando a pensar no programa "Um
for aprovada pelo Parlamento, vai permitir que, a tas e elevação do nível do mar. E Nova Orleans, de- Até hoje eles se lembram de 1953, quando uma tre- O GLOBO: Qual é seu trabalho? exportando essa tecnologia para espaço para os rios". Essa é a primeira vez que o
partir de 2020, pelo menos 1 bilhão de euros sejam pois da passagem do Katrina, está importando a tec- menda tempestade no Mar do Norte causou a morte WIM KUYKEN: Todos sabem lidar com águas? O Brasil já país decidiu mudar essa política. Nós temos que
depositados anualmente no Fundo Delta para obras nologia holandesa para se defender, segundo conta, de muita gente em toda a Europa, afetando sobre- que há alguma coisa mudando procurou informações? mostrar não só para os cidadãos como para os
de adaptação. orgulhoso, Peter Peerson, diretor técnico do Centro tudo os Países Baixos. “O lado bom foi que se criou no clima, mas ninguém sabe a WIM KUYKEN:É um desafio nossos investidores estrangeiros de que somos um
O orgulho de viver na “região de delta mais segura de Água Pública, responsável pela barreira desde uma governança para tratar da questão das enchen- extensão dessas mudanças. nacional mas, naturalmente, com país seguro. É uma questão econômica também. Os
do mundo” aparece na conversa com quase todos os sua concepção. tes”, diz Alex Hekman, gerente do Programa de Del- Tentamos, então, trabalhar com vários cenários uma influencia internacional porque nós cenários dizem que, se não estivermos preparados,
holandeses envolvidos no projeto. Tanto quanto a A informação é confirmada pelo professor Piet tatecnologia. Essa governança pensou também na para garantir a segurança do nosso país, sempre trabalhamos na Europa e há muitos interesses na em 2050 vamos ter que pagar uma conta muito
preocupação com a vulnerabilidade do lugar a sú- Dircke, da universidade de Ciências Aplicadas de Ro- melhor maneira de salvar a água da agricultura, com seguindo a opção adotada pelo governo: entre a nossa tecnologia da água, como também no jeito maior por causa dos desastres naturais, que trarão
bitas alterações do nível do mar, fenômeno previsto terdão, que acrescenta um detalhe: “Depois do fu- as Greenhouses, espécie de estufas gigantes que rea- mitigação e a prevenção, faremos a prevenção. com que nós abordamos este problema. Um danos também para a nossa agricultura e nosso
para acontecer se a Terra continuar aquecendo no racão Katrina, os americanos estão tratando as inun- proveitam 60% da água das chuvas. E criou a pos- ministro do Brasil já esteve aqui para falar sobre processo industrial. Bem, eu não sei quanto aos
ritmo de hoje. Somos um pequeno grupo de jorna- dações como uma questão de guerra”. Mas ele conta sibilidade de os holandeses morarem também em O GLOBO: Há quem duvide das previsões sobre o transportes e se interessou pela nossa tecnologia outros governos, mas o nosso decidiu estar
listas (dois brasileiros e um australiano) convidado que construção da barreira norteamericana não foi casas flutuantes. aquecimento global. O que o senhor pensa disso? do Delta, mas apenas isso. Nós temos contato com preparado. Nos próximos 2, 3 anos, faremos ainda
pelo governo holandês para conhecer os planos pa- um consenso entre os ambientalistas: WIM KUYKEN: Nós sabemos que está ficando mais Cingapura, Austrália, agora estamos fazendo uma muito mais, é a nossa estratégia para o futuro. É a
ra o futuro do país face às mudanças climáticas e, — É seguro, mas não é bonito. Mas é importante Arepórterviajouaconvite dogovernoholandês missão enorme no Vietnam, estaremos em nossa história.

10 ● Razão Social O GLOBO ● Terça-feira, 19 de abril de 2011 Terça-feira, 19 de abril de 2011 ● O GLOBO Razão Social ● 11

Você também pode gostar