Você está na página 1de 5

As idades do Leitor

Curso de Ilan Brenman

As Idades do Leitor
Trecho do livro “Através da vidraça da escola novos leitores”, Editora Aletria.

O gênero ‘ literatura infantil ’ tem, a meu ver, existência duvidosa. Haverá


música infantil? Pintura infantil? A partir de que ponto uma obra literária
deixa de constituir alimento para o espírito da criança ou do jovem e se
dirige ao espírito adulto? Qual o bom livro para crianças, que não seja lido
com interesse pelo homem feito?

Carlos Drummond de Andrade


As idades do Leitor

Curso de Ilan Brenman

Existiu sempre durante a história da educação uma produção exclusiva dirigida à escola, aliás, atualmente em nosso país é grande a
participação da indústria editorial nesse nicho do mercado. Mas os livros didáticos são feitos levando-se em conta a divisão de crianças em
faixas etárias de aprendizagem, nos conteúdos de determinadas matérias, na gradação crescente das dificuldades. Podemos nos utilizar
desse mesmo método quando falamos de literatura infantil? Evidentemente que não. Se levantamos a possibilidade de que a literatura
infantil seja herdeira dos contos populares, de que ela venha a possibilitar uma abertura para a ressignificação diária do que somos, sejamos
adultos ou crianças, a escolha de que faixa etária seria conveniente para tal ou qual livro deveria ser feita pelo próprio leitor.
Muitas vezes, nos cursos em que trabalhamos estes livros infantis, os professores começam sempre a encaixar as obras nas faixas
etárias, não percebendo que eles mesmos, adultos, se encantaram e se emocionaram com as leituras que fizemos.

“Em essência, sua natureza é a mesma da que se destina aos adultos. As diferenças que a singularizam são determinadas pela
natureza do seu leitor/receptor: a criança.” (Novaes, 2000: 29)

As editoras que publicam os livros didáticos e de literatura, usam as faixas etárias como estratégia mercadológica, dividem crianças
em faixas etárias para poder atingir melhor seu objetivo. Eles segmentam para poderem atingir a todos. Mas sempre dizemos aos professores
que quem escolhe o livro em sua adequação ao leitor não é a editora, nem o catálogo. Quem escolhe é o professor e o aluno, e nesse campo
as surpresas são muitas.
As idades do Leitor

Curso de Ilan Brenman

“[...] tudo é uma literatura só. A dificuldade está em delimitar o que se considera como especialmente do âmbito infantil.
São as crianças, na verdade, que o delimitam com sua preferência (...) Não haveria, pois, uma literatura infantil a priori,
mas a posteriori.” (Meireles in Souza, 1996: 36)

Pudemos comprovar isso quando publicamos o nosso livro1, fruto de contos criados no início da nossa trajetória de
contadores de histórias. Quando o livro saiu, e a editora quis focar numa certa faixa etária, já nós dizíamos que as histórias eram
para crianças de diversas idades. Quando começaram as adoções escolares ficamos muito felizes, já que esse processo
comprovou tudo isso que vínhamos falando. O livro percorreu da 1a à 5a série, sendo que um amigo nos revelou que tinha
levado nosso livro para um bar, e à noite, tomando algumas cervejas, leu as histórias para adultos que riram e se divertiram com
elas.
Crianças de cinco, seis, sete anos, por exemplo, não estão, obrigatoriamente, na mesma fase. Crianças desfavorecidas, que
lutam para sobreviver, geralmente são mais maduras do que crianças da classe média, que vivem em condomínios fechados e
assim por diante. Cada um tem uma história de vida, cada um se relaciona com o mundo de uma forma bem própria, e,
portanto, cada um tem uma relação diferente com a literatura, independentemente da idade. É claro que nisso tudo entra o
bom senso, não vamos ler “O Primo Basílio” para uma criança de quatro anos. Mas podemos ler um livro indicado para 4 anos
para um adulto, isso sem sombra de dúvida.
As idades do Leitor

Curso de Ilan Brenman

A favor da perspectiva que adotamos, o jornal Folha de São Paulo, do dia 02/09/2002, traz um artigo de um intelectual, Boris Fausto,
com esta contribuição para a nossas reflexões:

“O pequeno livro de Drauzio Varella “ Nas Ruas do Brás” ( Companhia das Letrinhas ), embora destinado a um público infantil,
tem, entre outros méritos, o de ser uma atração também para os adultos. Ao ler o texto de um só fôlego, me lembrei de um trecho
do “ Marco Zero”, de Oswald de Andrade[...] No fim da leitura, acabei verificando que o texto, na aparência tão límpido, contém
um mistério, envolto numa confissão: como o dr. Varella, nascido no Brás, com ascendentes espanhóis e portugueses, contrariou
as leis da genética e, desde criancinha, se tornou sãopaulino? “ ( Folha de São Paulo, 2002, p. A2)

A questão da idade, porém, pode ser usada a favor do nosso intento de formar leitores. Dizer a uma criança: “ Este livro não é pra
sua idade!”, pode ser um grande fator motivador. O proibido é mais gostoso. Já ouvimos muitos relatos de adultos contando o quão bom
tinha sido ler um livro censurado, ou proibido para sua idade. Lendo a Folha de São Paulo de 22 de agosto de 2002, encontramos um
exemplo do que estamos falando:

“Conselho questiona livro em escola: Obra de escritor Charles Bukowsky é considerada pornográfica.” (Folha de São Paulo, 2002, p
C5 )
As idades do Leitor

Curso de Ilan Brenman

A matéria relata a indignação de um pai de aluno do ensino médio de uma escola pública do interior de São Paulo, com
a compra, por parte do Estado, do título do autor referido. Mas quais parâmetros esse pai usou para definir o que é
pornográfico? Jorge Amado também seria pornográfico? E As Mil e uma Noites? E a novela das oito? E a música funk do
“Tigrão”? O que este pai não sabe é que, possivelmente, prestou um belo serviço ao objetivo de formar leitores. A curiosidade
que deve ter despertado esta obra entre os alunos de muitas escolas que viveram esta polêmica deve ter sido imensa.
O fator idade, como vimos, é muito relativo quando falamos de literatura. José Mindlin, bibliófilo muito conhecido,
contou numa palestra que, quando tinha 60 anos, foi argüido por uma jornalista sobre o que estava lendo: “ Os Três
Mosqueteiros”, de Dumas, ele respondeu. A jornalista, contou Mindlin, ficou estupefata. Como um grande leitor, sofisticado,
culto, estava lendo uma “ literatura de entretenimento” que deveria ser lida na juventude? Mindlin disse que não havia idade
para ler tal ou qual livro e que a leitura de “Os Três Mosqueteiros” foi uma das mais prazerosas de que ele se lembra da sua
época de jovem.

1 Ilan Brenman : “O Pó do Crescimento e Outros Contos”. Martins Fontes, 2001.

Você também pode gostar