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Pedro Sousa
Professor Auxiliar Convidado da Faculdade de Direito da Universidade do Porto
Daniela Wilks
Professora Associada da Universidade Portucalense
1. Introdução
Nos últimos anos, o crime de colarinho branco (CCB) tem sido alvo de
grande atenção nos meios de comunicação, estando muito associado à crise
financeira e económica desencadeada em 2007 e cujos reflexos ainda se fazem
sentir. De facto, sucedem-se as notícias de grandes escândalos financeiros per-
petrados por pessoas de elevado estatuto social e por sociedades comerciais, o
que tem favorecido, de entre outros, a perda de poupanças de muitos milhões de
pessoas, os seus empregos e a criação de condições de miséria extrema.
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(1)
Para mais detalhes sobre este caso, vide A. T , «A investigação da
criminalidade tributária organizada: relato de uma experiência», in: M F
P ,A S D eP S M (ed.), 2.º Congresso de Investiga-
ção Criminal, Coimbra: Almedina, 2011, pp. 215-262.
(2)
Um “esquema Ponzi” é uma operação de investimento, em que os autores do
mesmo fazem pagamentos de rendimentos muito elevados aos investidores com base
no dinheiro investido por novos investidores que aderiram posteriormente e não a par-
tir de um negócio produtivo real. Enquanto a expansão a novos investidores se alarga
em “pirâmide”, os investidores mais antigos usufruem de cada vez mais rendimentos.
Quando o ritmo de expansão abranda ou para, os rendimentos desaparecem. O nome
deste esquema deve-se ao italo-americano C P , que nos anos 20 do século XX
configurou este tipo de investimento.
(3)
Cfr. a reportagem de investigação jornalística em http://sicnoticias.sapo.pt/
programas/afraude (9-5-2014).
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(4)
Nas palavras do Presidente da Associação Portuguesa de Bancos, F
O , proferidas relativamente a este caso no programa da “Rádio Renascença”,
“Terça à Noite”, cuja emissão foi para o ar no dia 11-11-2014.
(5)
Foi criada uma Comissão Parlamentar de Inquérito cujos trabalhos iniciaram
em 17 de novembro de 2014.
(6)
Embora os casos referidos sejam relativamente recentes, este problema não
é de agora. Basta, por exemplo, recordar os delitos cometidos por V A
R (1898-1955), que revelou grande talento empreendedor na realização de contratos
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C R (7)
a afirmar que o CCB já não é um produto dos negócios,
mas passou a ser um negócio em si mesmo.
Os factos relatados levam-nos a colocar várias questões. Porque é que
indivíduos talentosos, empreendedores e com elevado estatuto profissional
escolhem direcionar o seu talento e aptidões para atividades destrutivas de
valor social? Porque se tem tornado tão frequente a ocorrência destes delitos
em setores de tão grande sensibilidade e influência como o setor bancário?
Estão os sistemas judiciais nacionais preparados para enfrentar a inovação e
internacionalização dos delitos? Haverá possibilidades de transformar o con-
texto jurídico e institucional no sentido de tornar menos atrativo o CCB?
Este artigo tem como objetivo contribuir para clarificar os conceitos en-
volvidos neste tipo de criminalidade a partir das categorizações desenvolvidas
na Criminologia, designadamente pela delimitação de uma nova categoria,
doravante designada por crime de colarinho branco empreendedor (CCBE).
Além disso, na linha das questões postuladas, salienta-se a importância de
melhorar as “regras de jogo” (Direito e enquadramento institucional) no sen-
tido de tornar menos atrativo o uso do talento empreendedor em atividades
destrutivas de valor social (“empreendedorismo destrutivo”), como o CCB.
Começamos por percorrer brevemente a definição e a categorização do CCB
na Criminologia, passando depois a analisar o empreendedorismo destrutivo.
Segue-se o elenco e análise dos elementos do empreendedorismo presentes
em vários tipos de CCB. Com base nas secções anteriores, foi possível definir
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(8)
Vide a evolução das principais definições de CCB em J. C , «O crime de
“colarinho branco”: complexidades na definição e delimitação do objecto de estudo»,
in: C. A (coord.), A Criminologia: um arquipélago interdisciplinar, Porto: Editora
U.Porto, 2012, pp. 313-338.
(9)
E. S , 1941, apud G. G (eds.), White-collar criminal: The of-
fender in business and the professions, New York: Aldine Transaction, 1968, p. 376.
(10)
J. H , J. B e K. T , 1996, apud D. F , Trusted
criminals: white collar crime in contemporary society, 4th ed., Belmont: Wadsworth
Cengage Learning, 2010, p. 6.
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(16)
N. Q , «Recherche sur les processus de corruption en Suisse: une pre-
mière», in: B , J.M. dir.), Crimes et cultures, Paris: L’Harmattan, 1999, pp. 189-204.
(17)
K. H. P e J. M. P , 2002, apud J. K. A e P. G ,
«Principals, agents and entrepreneurs in white-collar crime: An empirical typology of
white-collar criminals in a national sample», in: Journal of Strategic-Management Ed-
ucation, 8, 3 (2012), pp. 1-22.
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B , F , R e R (18)
dividiram os agentes de CCB
em duas categorias: líderes — aqueles que tomam a iniciativa de cometer
a infração (quando não atuam sozinhos lideram quem está envolvido); se-
guidores — aqueles que ajudam, assistem, ou participam como cúmplices.
Os primeiros são motivados pela ganância, a obtenção de ganhos financeiros
ou económicos; os segundos frequentemente não estão bem conscientes do
que de facto se passa, estão convencidos que atuam corretamente, ou foram
influenciados pelo líder. Esta classificação do CCB apenas se aplica ao crime
ocupacional, uma vez que seria contraditório admitir que haveria empresas
autónomas e independentes subordinando-se a outra empresa (líder) no co-
metimento de crimes de colarinho branco (19).
Conjugando as anteriores classificações, é possível construir um
diagrama que resume a categorização do CCB (Fig. 1).
(18)
P. H. Bucy, E. P. Formby, M. S. Raspanti e K. E. Rooney, «Why do they do
it? The motives, mores, and character of white collar criminals», in: St. John’s Law
Review, 82 (2008), pp. 405-406.
(19)
É frequente acontecer no domínio da concorrência, sobretudo na estrutura
de oligopólio, que exista uma empresa líder e que as demais se tornem seguidoras na
fixação dos preços. No entanto, esse tipo de conluio é tácito, não sendo por isso consi-
derado uma infração. As empresas têm liberdade para voluntariamente fixarem preços
iguais aos seus concorrentes. Situação diversa ocorre quando as empresas comunicam
entre si, combinando os preços (concertação explícita). Neste caso, sendo os preços fi-
xados diferentes do que seria o preço de concorrência, ocorrerá uma infração por cons-
tituição de um cartel que restringe a concorrência, mas não se pode denominar qualquer
das empresas como líder (no sentido da definição de líder de B et al., «Why do they
do it?...», op.cit., uma vez que todas participam na iniciativa de cometer a infração.
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3. O empreendedorismo destrutivo
(20)
Cfr., por exemplo, D. U , M. W , e P. W , «Opportuni-
ty identification and pursuit: does an entrepreneur’s human capital matter?», in: Small
Business Economics, 30, 2 (2008), pp. 153-173.
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gação (21). Apareceram muitas definições desta nova realidade, sem que até hoje
se tenha atingido um consenso. Contudo, uma das definições iniciais, de S -
(22)
continua a marcar a literatura. Segundo este autor, um empreendedor
é alguém criativo que desenvolve ações que incluem 5 tipos de inovação:
i) a introdução de um novo bem ou melhoria de qualidade de um bem;
ii) a introdução de um novo método de produção;
iii) a abertura de um novo mercado;
iv) a conquista de uma nova fonte de matérias-primas ou de matérias
subsidiárias ou de bens intermédios;
v) a alteração da organização de uma dada indústria, incluindo o surgi-
mento de poder de mercado (23)).
B (24)
entende que a lista de S não inclui apenas ati-
vidades que aumentam o valor da produção (produtivas), mas também ini-
ciativas puramente redistributivas (que podem ser o resultado de pressões
de rent-seeking) e outras que podem originar a destruição de valor social
(destrutivas), gerando perdas de bem-estar e sendo contrárias às normas éti-
cas ou jurídicas, o que abrangerá o crime de colarinho branco. O empreende-
dorismo destrutivo inclui ações inovadoras associadas ao aproveitamento de
oportunidades ilícitas, sendo as técnicas usadas escondidas sob a aparência
(21)
Há diversas revisões de literatura sobre o tema, inter alia, P. D , The
entrepreneurship research challenge, Cheltenham: Edward Elgar, 2008, B. C ,
P. B , M. M K , C. O , L. P e H. Y , «The
evolving domain of entrepreneurship research», in: Small Business Economics, 41, 4
(2013), pp. 913-930, e ainda M. M , D. L , B. T , K. G , W. G
e K. D , «Origin and emergence of entrepreneurship as a research field», in:
Scientometrics, 98, 1 (2014), pp. 473-485.
(22)
J. S , 1934, apud W. J. B , «Entrepreneurship: productive,
unproductive and destructive», in: Journal of Political Economy, 98, 5 (1990), p. 5.
(23)
Um exemplo de inovação destrutiva que caberia no tipo de inovação v) re-
ferido por J. S seria o abuso de poder de mercado cometido por um cartel
de empresas.
(24)
W. J. B , «Entrepreneurship: productive, unproductive and destruc-
tive…», op. cit., p. 7.
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(25)
Idem, p. 6.
(26)
Cfr. R. S , Understanding entrepreneurial behaviour in organized
criminals, 2009, disponível em OpenAIR@RGU, obtido em http://openair.rgu.ac.uk
(5-11-2014) e V. T , R. S , M. H , e M. P , «Corruption
and entrepreneurship: How formal and informal institutions shape firm behaviour in
transition and mature market economies», in: Entrepreneurship Theory and Practice,
34, 5 (2010), pp. 803-831.
(27)
Cfr. J. K. A e P. G , «Principals, agents and entrepreneurs in
white-collar crime…», op. cit., pp. 1-22, e D. U , U. W , S. R e A.
W , «Exploiting opportunities at all cost? Entrepreneurial intent and
externalities», in: Journal of Economic Psychology, 33, 2 (2011), pp. 379-393.
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ELEMENTOS DO EM-
DEFINIÇÃO AUTOR
PREENDEDORISMO
ENFOQUE EM GAN-
The entrepreneur is an
K (a)
HOS ECONÓMICOS E
opportunistic trader.
FINANCEIROS
Entrepreneurial activi-
ty involves identifying IDENTIFICAÇÃO DE
P (b)
opportunities within the OPORTUNIDADES
economic system.
Entrepreneurs attempt
to predict and act upon
change within markets.
The entrepreneur bears on K (d)
ASSUNÇÃO DE RISCO
the uncertainty of market
dynamics.
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(32)
E. P ,1959, apud N. A e R. G. S , «Defining entrepre-
neurial activity…», op. cit., p. 7.
(33)
Cfr., entre outros, S. S , A general theory of entrepreneurship: The indi-
vidual-opportunity nexus, Cheltenham: Edward Elgar, 2003; R. A. B , «Opportu-
nity recognition as pattern recognition: How entrepreneurs connect the dots to identify
new business opportunities», in: Academy of Management Perspectives, 20, 1 (2006),
pp. 104-119; U et al., «Opportunity identification and pursuit: does an entre-
preneur’s human capital matter?», op. cit.; D. J. H , R. S e J. M ,
«Defragmenting definitions of entrepreneurial opportunity», in: Journal of Small Busi-
ness Management, 49, 2 (2011), pp. 283-304.
(34)
S. S e S. V , 2000, apud N. A e R. G. S ,
«Defining entrepreneurial activity…», op. cit., p. 7.
(35)
R. D. H , Advanced introduction to entrepreneurship, Cheltenham: Ed-
ward Elgar, 2014, p. 26.
(36)
M. L. B e S. S. S , White-collar crime: An opportunity perspec-
tive, New York: Routledge, 2009.
(37)
J. K. A e P. G , «Principals, agents and entrepreneurs in
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(42)
D. M B , «Whiter than white collar crime: Tax, fraud insurance and the
management of stigma», in: The British Journal of Sociology, 42, 3 (1991), pp. 323-344.
(43)
P , N., «Lawful but awful: “Legal corporate crimes”», in: The Journal
of Socio-Economics, 34, 6 (2005), p. 771.
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(44)
R. H. B , «Risk taking propensity of entrepreneurs», in: Academy
of Management Journal, 23, 3 (1980), pp. 510-511.
(45)
A propósito deste tipo de custos, cfr. D. U , D. A. S , A.
L e S. J. L , «Life after business failure: the process and the consequences of
business failure for entrepreneurs», in: Journal of Management, 9, 1 (2013), pp. 163-
202. Vide também R. SMITH e G. MCELWEE, «After the fall: Developing a conceptu-
al script based model of shame in narratives of entrepreneurs in crisis!», in: Internation-
al Journal of Sociology and Sociology and Social Policy, 31, 1/2 (2011), pp. 91-109.
(46)
D. F , Trusted criminals…, op. cit., p. 357.
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sublinha que [t]he person who is going to establish a successful new corpo-
rate venture must also be a visionary leader — a person who dreams great
dreams. Paralelamente, como se viu a partir de B et al. (49), uma grande
parte do CCB inclui a caraterística liderança, ou seja, surge da iniciativa
de alguém com um “sonho” (enriquecimento, conquista de poder) e não se
confina ao seguidismo de um líder ou ao cumprimento ingénuo — sem plena
consciência da natureza e das consequências dos atos, das orientações ou
indicações estipuladas por superiores hierárquicos, ou colegas de profissão.
Em suma, nesta secção apresentaram-se vários elementos e característi-
cas do empreendedorismo comuns ao CCB, o que está em linha com a hipóte-
se de B (50)
. Contudo, esta similitude não acontece em todas as formas
de CCB, pelo que será importante delimitar a categoria de CCB que coloca
maiores dificuldades e desafios à eficácia das instituições judiciais e dos sis-
temas de controlo, e que se pode designar por crime de colarinho branco
empreendedor (CCBE).
(47)
Para uma revisão sobre a relação entre o empreendedorismo e a liderança
vide R. V , «Entrepreneurship and leadership: common trends and common
threads», in: Human Resource Management Review, 13, 2 (2003), pp. 303-327. Cfr..,
também, C. C e K. B , «The intersection of leadership and entrepre-
neurship: Mutual lessons to be learned», in: The Leadership Quarterly, 15, 6 (2009),
pp. 771-799, e ainda J. Z , «Toward a hypothesis connecting leadership and
entrepreneurship», in: International Journal of Management & Information Systems,
18, 4 (2014), pp. 291-298.
(48)
R. D. H , Advanced introduction to entrepreneurship, op. cit., p. 56.
(49)
P. H. B , E. P. F , M. S. R e K. E. R , «Why do they
do it?...», op.cit..
(50)
W. J. B , «Entrepreneurship: productive, unproductive and destruc-
tive», op. cit.
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(51)
Líder entendido no sentido atribuído por P. H. B , E. P. F , M. S.
R e K. E. R , «Why do they do it?...», op.cit.: aqueles que delineiam o ato
criminal e que tomam a iniciativa de o concretizar, ou seja, não são simples “seguido-
res” ou cúmplices que contribuem para a sua realização.
(52)
Cfr. D. F , Trusted criminals…, op. cit., p. 6.
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W. J. B , «Entrepreneurship: productive, unproductive and destruc-
tive», op. cit.
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(58)
P. T. D , Variações sobre o capital social, Coimbra: Almedina,
2009, p. 12.
(59)
A propósito deste tipo de financiamento coletivo de múltiplos interessados
num dado projeto, frequentemente realizado interativamente pela internet, vide C. P.
S e S. C , «O crowdfunding e o financiamento das startups», in: Revista Por-
tuguesa de Contabilidade, III, 11 (2013), pp. 409-460.
(60)
M. T , «Legal institutions and high-growth aspiration entrepreneur-
ship», in: Economic Systems, 35, 2 (2011), pp. 158-175.
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vem operações off-shore (61), os quais ficam protegidos por barreiras à inves-
tigação criminal, dada a necessidade de respeitar a soberania das jurisdições
não cooperantes. Deste modo, um país que adote com efetividade os tratados
internacionais de troca de informações e que seja muito cooperante, estará a
contribuir para reduzir a atratividade do CCBE. Recentemente, os Estados
Unidos da América aprovaram legislação — FATCA (Foreign Account Tax
Compliance Act) —, em vigor desde julho de 2014, que praticamente elimi-
na o sigilo bancário entre os Estados-membros, dando lugar a um sistema
automático de troca de informações. Na mesma linha, a União Europeia e a
OCDE estão a configurar sistemas de troca automática de informações. Portu-
gal, que tem experienciado delitos de colarinho branco que se aproveitam das
barreiras à investigação neste domínio, com elevados prejuízos para o erário
público, tem vindo a posicionar-se na linha da frente na adesão e contribuição
para o desenvolvimento de iniciativas internacionais que procuram aumentar
a transparência, o que revela uma política criminal proativa neste domínio.
Destarte, o desenvolvimento de políticas incentivadoras de maior cooperação
internacional e que possibilitam interatividade entre os organismos, as forças
de segurança e todos os agentes relevantes no combate ao CCB é bem-vindo
para a redução da atratividade do empreendedorismo destrutivo.
Acrescentam-se alguns exemplos adicionais que revelam o esforço do
legislador português, na sequência da experiência de outros países, para dimi-
nuir o êxito dos empreendedores que buscam construir esquemas proveitosos
e inovadores usando a seu favor as lacunas ou indeterminações das normas
jurídicas. A estratégia passa por aprovação de legislação que não procura es-
pecificar taxativamente todos os atos ou comportamentos puníveis — o que
seria difícil, perante uma inovação —, mas suficientemente geral para poder
enquadrar atos ou comportamentos (ou situações inovadores, não previstos
aquando da formulação da lei (62). Mas o legislador foi ainda mais longe, ao
(61)
Cfr., sobre o papel das jurisdições de sigilo na criminalidade internacional,
J. N. C , «Jurisdições de sigilo: a verdadeira identidade dos paraísos fiscais, o que
mudou?», in: Revista Portuguesa de Contabilidade, II, 8 (2012), pp. 473-500.
(62)
Cfr. J. N. C , «Empreendedorismo Produtivo, Improdutivo e Destruti-
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(2001) seja replicado em vários países europeus, não somente com alarga-
mentos sucessivos do âmbito aplicativo espacial da lei penal, mas também
com restrições de direitos fundamentais tidos por essenciais a uma investi-
gação criminal mais competente. Os meios invasivos nas comunicações hu-
manas, a televigilância, o controlo do posicionamento através de satélite e
toda a panóplia orwelliana permitida pela sociedade da informação estarão,
no futuro, ainda mais em confronto com uma matriz liberal do Direito Penal.
É, aliás, expectável um ressurgimento das teses em torno do Feindstrafrecht
a que a Europa continental tinha, por regra, respondido negativamente, pelo
que o punitive turn fará aqui o seu caminho, atravessando o Atlântico ( (64)).
Por outro lado, o problema do erro, sobretudo do erro de conhecimento,
ou mais concretamente, do “erro sobre as proibições” do artigo 16.º, n.º 1,
2.ª parte, do CP. Para esses líderes empreendedores, dificilmente se poderá
afirmar esta causa de exclusão do dolo, tendo em conta a circunstância de
que o mesmo deve ser aferido em função dos específicos conhecimentos do
concreto agente. Talvez o conceito de CCBE seja um contributo para dirimir
a velha querela quanto a saber se a exigência de um conhecimento à esfera
do concreto agente do crime ou do dito “homem médio”- no seio de dúvidas
em função do princípio da igualdade, dando sustentabilidade a que se possa
responder a favor da primeira conceção. Aliás, não vislumbramos como o
mandato da igualdade pudesse ser vulnerado, porquanto o erro a que aludi-
mos está pensado, se bem vemos, para a melhor adequação possível entre o
elemento intelectual do dolo-do-tipo e a ação. Os componentes desse elemen-
to nunca se afirmam em abstrato. Algo de similar cremos poder afirmar-se
quanto ao “erro sobre a proibição”. Agora no domínio da culpa, por via do
dito “elemento emocional” do dolo, muito dificilmente, perante um CCBE, se
afirmará a causa excludente da culpa ou mesmo a especial atenuação da pena.
(64)
Sobre a matéria, p. ex., A L L , «”Nova penologia”, punitive
turn e Direito Criminal: quo vadimus? Pelos caminhos da incerteza (pós-)moderna»,
in: M C A et al. (org.), Direito Penal: fundamentos dogmáticos e
político-criminais. Estudos em homenagem ao Prof. Peter Hünerfeld, Coimbra: Coim-
bra Editora, 2013, pp. 395-476.
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(65)
Hoje essencial, A M A C , Ilícito pessoal, im-
putação objectiva e comparticipação em direito penal, dissertação de Doutoramento
apresentada à FDUP, 2013, disponível na Biblioteca daquela Faculdade.
(66)
Por todos, vide J C C , Da proibição do confisco à perda
alargada, Lisboa: INCM, 2012.
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7. Súmula e conclusão
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Cfr. D. F , Trusted criminals…, op. cit., p. 6.
(68)
W. J. B , «Entrepreneurship: productive, unproductive and destruc-
tive», op. cit.
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Notas
(a)
I. K , Competition and entrepreneurship. Chicago: University of Chicago
Press, 1973.
(b)
E. P , 1959, apud N. A e R. G. S , «Defining entrepre-
neurial activity: Definitions supporting frameworks for data collection», in: OECD Sta-
tistics Working Paper, 2008, p. 7. Consultado em http://papers.ssrn.com/sol3/papers.
cfm?abstract_id=1090372 (18-3-2014).
(c)
J. S , 1912, apud W. J. B , «Entrepreneurship: productive,
unproductive and destructive», op. cit., p. 5.
(d)
F. K , 1921 apud N. A e R. G. S , «Defining entrepreneurial
activity: Definitions supporting frameworks for data collection», op. cit., p. 7.
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