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O “CRIME DE COLARINHO BRANCO EMPREENDEDOR”:

CONCEPTUALIZAÇÃO E INFERÊNCIAS PARA A DINÂMICA DOS


SISTEMAS JUDICIAIS

José Neves Cruz


Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade do Porto

André Lamas Leite


Assistente da Faculdade de Direito da Universidade do Porto

Pedro Sousa
Professor Auxiliar Convidado da Faculdade de Direito da Universidade do Porto

Daniela Wilks
Professora Associada da Universidade Portucalense

1. Introdução

Nos últimos anos, o crime de colarinho branco (CCB) tem sido alvo de
grande atenção nos meios de comunicação, estando muito associado à crise
financeira e económica desencadeada em 2007 e cujos reflexos ainda se fazem
sentir. De facto, sucedem-se as notícias de grandes escândalos financeiros per-
petrados por pessoas de elevado estatuto social e por sociedades comerciais, o
que tem favorecido, de entre outros, a perda de poupanças de muitos milhões de
pessoas, os seus empregos e a criação de condições de miséria extrema.

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Vários destes crimes acontecerem no setor bancário, que anteriormente


havia sido um bastião da confiança e um dos pilares fundamentais da econo-
mia de mercado. Perante uma indiscutível falha das entidades reguladoras, os
contribuintes foram chamados a suportar os prejuízos por via da subida dos
impostos e do aumento do endividamento público derivados da intervenção
dos Estados nos bancos arruinados, para evitar crises sistémicas.
Quando se depreende que tais atos foram cometidos por profissionais al-
tamente qualificados e com cargos de liderança, tendo desenvolvido esquemas
ilícitos inovadores e altamente sofisticados para obterem riqueza, conclui-se
que muitos destes delitos incluem os elementos típicos do empreendedoris-
mo, designadamente o enfoque em vantagens económicas ou financeiras, a
identificação de uma oportunidade, a inovação e a assunção de risco. O con-
texto jurídico-económico internacional tem-lhes sido propício pela liberdade
de circulação internacional de capitais e pela existência de jurisdições pou-
co cooperantes na troca internacional de informações (jurisdições de sigilo).
Este ambiente facilita a sonegação de capitais, o favorecimento de interesses,
o enriquecimento ilícito e o branqueamento, sem que as autoridades nacionais
possam ultrapassar a barreira da soberania das jurisdições de sigilo.
Portugal não é exceção neste domínio. Vários exemplos de casos de
CCB têm marcado a agenda do país, onde o empreendedorismo dos perpe-
tradores se revela presente. Em novembro de 2007, a Polícia Judiciária pôs
em ação a operação “Império das Sucatas” e em novembro do ano seguinte
foram condenadas empresas desse setor, tendo recuperado 105 milhões de
euros. Cinquenta e seis pessoas foram formalmente acusadas de branquea-
mento e fraude fiscal. Por mais de uma década, uma teia de grandes, médias
e pequenas empresas juntaram-se num esquema criminal muito complexo,
delineado com mestria, que combinava operações lícitas com delitos econó-
micos e financeiros, envolvendo um largo número de empresários de diversos
países, assim como a movimentação de contas em off-shores para escapar à
tributação. Foram concretizadas fraudes avultadas em sede do imposto sobre
o valor acrescentado, com grandes prejuízos para os contribuintes. A inova-
ção deste esquema passava pelo estabelecimento de três circuitos (comercial,

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documental e financeiro) em que se realizavam operações que ocultavam as


disparidades introduzidas pela combinação de atividades lícitas com negócios
ilícitos, de modo a que os números apresentassem uma grande conformidade
com os movimentos bancários. Não pode deixar de ser destacada a precisão e
a competência com que o esquema foi delineado, envolvendo pessoas muito
qualificadas (1).
No setor da banca também não faltam exemplos elucidativos. Destaca-se
a ruína e posterior nacionalização do “Banco Português de Negócios” (BPN),
no qual o corpo de gestores de topo desta instituição construiu um complexo
“esquema Ponzi” (2), envolvendo dezenas de contas em paraísos fiscais, num
intrincado circuito financeiro onde perdas muito avultadas foram escondidas
dos acionistas e dos clientes. O esquema foi tão bem montado que as autori-
dades ainda não conseguiram localizar mais de 700 milhões de euros “par-
queados” em contas off-shore. A nacionalização e concomitante salvamento
deste banco da ruína implicou um custo para os contribuintes na ordem dos 7
mil milhões de euros (3)).
O “Banco Comercial Português” (BCP) também foi objeto de um es-
quema criminal sofisticado que envolveu transações ocultadas em paraísos
fiscais. No dia 10 de setembro de 2013, o ex-CEO do banco foi condenado
a pagar 10 milhões de euros por, juntamente com outros gestores de topo,

(1)
Para mais detalhes sobre este caso, vide A. T , «A investigação da
criminalidade tributária organizada: relato de uma experiência», in: M F
P ,A S D eP S M (ed.), 2.º Congresso de Investiga-
ção Criminal, Coimbra: Almedina, 2011, pp. 215-262.
(2)
Um “esquema Ponzi” é uma operação de investimento, em que os autores do
mesmo fazem pagamentos de rendimentos muito elevados aos investidores com base
no dinheiro investido por novos investidores que aderiram posteriormente e não a par-
tir de um negócio produtivo real. Enquanto a expansão a novos investidores se alarga
em “pirâmide”, os investidores mais antigos usufruem de cada vez mais rendimentos.
Quando o ritmo de expansão abranda ou para, os rendimentos desaparecem. O nome
deste esquema deve-se ao italo-americano C P , que nos anos 20 do século XX
configurou este tipo de investimento.
(3)
Cfr. a reportagem de investigação jornalística em http://sicnoticias.sapo.pt/
programas/afraude (9-5-2014).

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ter manipulado o mercado e falsificado documentos em atos cometidos entre


1999 e 2007. De acordo com a acusação do Ministério Público, usaram 17 so-
ciedades off-shore sediadas em paraísos fiscais para influenciar a cotação das
ações do banco que lideravam e manipularam os dados contabilísticos com o
fito de esconder as perdas dos acionistas.
Outro caso ligado a um banco envolveu o “Banco Espírito Santo” (BES)
que recentemente foi objeto de intervenção do regulador e do Governo de
Portugal, sendo os seus ativos divididos em um banco “bom” (“Novo Ban-
co”) e em um banco “mau”, onde se mantiveram os ativos e produtos proble-
máticos (“BES”). O problema surgiu com o financiamento por parte do banco
ao grupo de empresas da família do administrador que o liderava (“Grupo
Espírito Santo”), que operava no Luxemburgo e Suíça, sendo que várias des-
sas empresas estavam insolventes, com dívidas astronómicas. O BES usou
os seus ativos, “ocultando e manipulando os dados contabilísticos” (4) para
cobrir dívidas, deixando o banco num estado de ruína e obrigando o Governo
a montar uma solução para cobrir um “buraco financeiro” de mais de 4 mil
milhões de euros. As investigações sobre o caso ainda estão numa fase inicial,
não sendo possível, para já, saber quais os montantes globais, assim como
quem serão todos os envolvidos (5). O recurso a contas off-shore e aos paraísos
fiscais também fez parte deste esquema.
Os casos relatados revelam a utilização de talento empreendedor e de
conhecimentos muito qualificados associados ao exercício da atividade pro-
fissional por indivíduos que lideraram o delineamento dos esquemas e a sua
execução, provocando danos de grande montante em milhares de vítimas,
sem o recurso à violência física (6). A proliferação deste tipo de crime levou

(4)
Nas palavras do Presidente da Associação Portuguesa de Bancos, F
O , proferidas relativamente a este caso no programa da “Rádio Renascença”,
“Terça à Noite”, cuja emissão foi para o ar no dia 11-11-2014.
(5)
Foi criada uma Comissão Parlamentar de Inquérito cujos trabalhos iniciaram
em 17 de novembro de 2014.
(6)
Embora os casos referidos sejam relativamente recentes, este problema não
é de agora. Basta, por exemplo, recordar os delitos cometidos por V A
R (1898-1955), que revelou grande talento empreendedor na realização de contratos

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C R (7)
a afirmar que o CCB já não é um produto dos negócios,
mas passou a ser um negócio em si mesmo.
Os factos relatados levam-nos a colocar várias questões. Porque é que
indivíduos talentosos, empreendedores e com elevado estatuto profissional
escolhem direcionar o seu talento e aptidões para atividades destrutivas de
valor social? Porque se tem tornado tão frequente a ocorrência destes delitos
em setores de tão grande sensibilidade e influência como o setor bancário?
Estão os sistemas judiciais nacionais preparados para enfrentar a inovação e
internacionalização dos delitos? Haverá possibilidades de transformar o con-
texto jurídico e institucional no sentido de tornar menos atrativo o CCB?
Este artigo tem como objetivo contribuir para clarificar os conceitos en-
volvidos neste tipo de criminalidade a partir das categorizações desenvolvidas
na Criminologia, designadamente pela delimitação de uma nova categoria,
doravante designada por crime de colarinho branco empreendedor (CCBE).
Além disso, na linha das questões postuladas, salienta-se a importância de
melhorar as “regras de jogo” (Direito e enquadramento institucional) no sen-
tido de tornar menos atrativo o uso do talento empreendedor em atividades
destrutivas de valor social (“empreendedorismo destrutivo”), como o CCB.
Começamos por percorrer brevemente a definição e a categorização do CCB
na Criminologia, passando depois a analisar o empreendedorismo destrutivo.
Segue-se o elenco e análise dos elementos do empreendedorismo presentes
em vários tipos de CCB. Com base nas secções anteriores, foi possível definir

fraudulentos, de entre outros na compra da empresa “Caminhos de Ferro Transafri-


canos de Angola”, ou na compra (com dinheiro da própria empresa) da “Companhia
Ambaca”. Mais engenhoso foi o contrato forjado entre o Banco de Portugal e a empresa
emissora de notas do banco “Waterlow Sons, Limited”, tendo A R encomen-
dado para si 200 mil das recém-criadas notas de 500 escudos, com a efígie de Vasco
da Gama, o que correspondeu a uma burla com um valor semelhante a 1% do PIB de
Portugal. Com o dinheiro que começou a receber, criou em junho de 1925 o “Banco de
Angola e da Metrópole”. Em 5-12-1925 a burla foi descoberta, tendo sido detido no dia
seguinte e cumprido pena de prisão de 20 anos.
(7)
C R , «Os Senhores do Crime», in: Revista Portuguesa de
Ciência Criminal, 9, 1, (1999), p. 7.

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o conceito de crime de colarinho branco empreendedor. Por fim, apresentam-


-se algumas inferências do reconhecimento da importância (e das dificulda-
des) do combate do CCBE para a dinâmica do Direito Penal, em perspetiva
dogmática e político-criminal.

2. Definição e categorização do crime de colarinho branco

A primeira definição de crime de colarinho branco foi apresentada em


1941 (8) por S (9)
: a violation of the criminal law by a person of the
upper socioeconomic class in the course of his occupational activities. Vários
elementos desta definição foram posteriormente discutidos, designadamente:
se apenas pessoas de elevado estatuto são ofensores de colarinho branco, se
somente podem ser considerados como crimes de colarinho branco atos classi-
ficados como delitos segundo a lei penal ou se o termo também abrange todo o
tipo de infrações e até comportamentos não éticos; se nas ofensas de colarinho
branco apenas se pode apurar responsabilidade individual, ou se haverá lugar
a responsabilidade organizacional. Diversos autores pronunciaram-se a favor
das diferentes posições, originando uma discussão longa sobre a definição de
crime de colarinho branco, sendo que, em 1996, foi estabelecida a seguinte de-
finição por um grupo de criminólogos que se encontraram especificamente para
o efeito: [w]hite collar crimes are illegal and unethical acts that violate fidu-
ciary responsibility of public trust committed by an individual or organization,
usually during the course of legitimate occupational activity, by person of high
or respectable social status for personal or organizational gain. (10).

(8)
Vide a evolução das principais definições de CCB em J. C , «O crime de
“colarinho branco”: complexidades na definição e delimitação do objecto de estudo»,
in: C. A (coord.), A Criminologia: um arquipélago interdisciplinar, Porto: Editora
U.Porto, 2012, pp. 313-338.
(9)
E. S , 1941, apud G. G (eds.), White-collar criminal: The of-
fender in business and the professions, New York: Aldine Transaction, 1968, p. 376.
(10)
J. H , J. B e K. T , 1996, apud D. F , Trusted
criminals: white collar crime in contemporary society, 4th ed., Belmont: Wadsworth
Cengage Learning, 2010, p. 6.

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Nesta definição, que seguiremos no presente artigo, encontra-se uma vi-


são muito lata do conceito de “crime”, abrangendo não só delitos como tais
definidos pelas normas penais, mas também infrações de cariz civil e admi-
nistrativo, assim como simples atos não éticos que não contrariam qualquer
norma jurídica. Doravante, usaremos o termo crime de colarinho branco nes-
te referencial abrangente, sendo que, quando nos quisermos referir especifica-
mente a infrações puníveis segundo o Direito Penal, designá-las-emos por de-
litos penais de colarinho branco. A razão desta opção prende-se com o facto
de o termo white-collar crime estar bem enraizado na literatura, sendo usado
na Criminologia com um sentido abrangente. Repare-se que a opção por uma
definição que permitisse exclusivamente o enquadramento no Direito Penal
seria de difícil operacionalidade, pois aquilo que a lei considera juridicamen-
te como crime varia entre sistemas jurídicos, o que implicaria que o uso do
termo “crime” num dado país se estivesse a referir a coisas diferentes em
outra jurisdição. Além disso, e esta é talvez a razão mais importante, a própria
Criminologia desenvolveu teorias que defendem que aquilo que é classifica-
do juridicamente como “crime” num dado ordenamento jurídico depende do
poder dos grupos dominantes — referimo-nos à teoria do labeling —, sendo
que tal é mais premente quando se trata do crime de colarinho branco. Uma
vez que tais indivíduos ocupam cargos elevados nas mais variadas instâncias,
não sendo o setor judicial uma exceção, evitariam classificar como “crime”
comportamentos que lhes permitem obter impunemente avultados ganhos,
ainda que deles resulte um desvalor social. Daí que a definição de CCB inclua
comportamentos não-éticos não puníveis juridicamente.
Um exemplo é a existência de regimes fiscais preferenciais cuja configu-
ração jurídica não consegue impedir que diversos contribuintes, para os quais
a priori o regime não foi pensado, consigam reduzir substanciale legalmente)
a tributação, originando um profunda violação do princípio da igualdade em
detrimento dos mais desfavorecidos. Vejam-se a este propósito as tax rulin-
gs (11), designadamente o exemplo dos contratos secretos estabelecidos entre
(11)
São acordos fiscais secretos entre os Estados e empresas estrangeiras que
permitem às últimas reduzir a tributação nos países de origem em troca de baixa tribu-
tação no país onde foi realizado o acordo.

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diversas multinacionais e o Luxemburgo, os quais permitem que licitamente


estes contribuintes de elevado rendimento reduzam a tributação para níveis
escandalosamente baixos, por comparação com contribuintes de muito menor
capacidade contributiva, mas que não tiveram a possibilidade de usufruir dos
referidos esquemas de planeamento fiscal (12)).
C eQ (13)
estabeleceram a primeira categorização do cri-
me de colarinho branco (CCB), dividindo-o em: crime ocupacional (14) — de-
litos de colarinho branco cometidos por pessoas de todos os estratos sociais
no exercício da sua ocupação profissional, com o intuito de aumentar os gan-
hos pessoais ou para obtenção de alguma vantagem económica ou financeira
em benefício próprio ou de terceiros por si designados; crime empresarial (15)
— inclui os crimes perpetrados pelos trabalhadores ou pela própria empresa
com vista ao aumento de ganhos ou para obtenção de alguma vantagem eco-
nómica ou financeira para a empresa (ou organização).
O elemento central do crime ocupacional reside na procura de ganhos
individuais, embora possa haver situações, ainda enquadráveis nesta catego-
ria de delito, em que os agentes são trabalhadores de uma empresa ou de uma
organização e esta, lateralmente, também obtém benefícios com a infração.
São exemplos os crimes cometidos por médicos, advogados, juízes, gestores,
a evasão fiscal pessoal, a corrupção ativa (pública ou privada) exercida por
profissionais sobre funcionários de organizações públicas ou trabalhadores de
organizações privadas, a corrupção passiva (pública ou privada) exercida por
um funcionário público ou por um trabalhador de uma organização privada
(12)
Sobre estes contratos secretos entre diversas multinacionais e o Luxembur-
go veja-se o artigo do The Guardian em http://www.theguardian.com/business/2014/
nov/05/-sp-luxembourg-tax-files-tax-avoidance-industrial-scale (5-11-14) e os seus
desenvolvimentos de investigação jornalística conduzidos pelo The International Con-
sortium of Investigative Journalists (ICIJ), os quais estão disponíveis em https://offsho-
releaks.icij.org/.
(13)
M. B. C e R. Q , 1967, 1973, apud D. F , Trusted
criminals…, op. cit., p. 6.
(14)
Ou crime no exercício profissional.
(15)
Pode ser estendido às organizações não lucrativas — crime organizacional
—, quando perpetram crimes em função do interesse coletivo da organização.

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e todos os demais crimes económicos e financeiros cometidos por indiví-


duos em proveito do próprio ou a favor de pessoas singulares terceiras por
si escolhidas. Já no caso do crime empresarial, o elemento central reside no
aumento dos ganhos da organização, mesmo que os seus trabalhadores tam-
bém lucrem com a infração. Ou seja, se como resultado do crime empresarial
advierem ganhos pessoais para os trabalhadores envolvidos, a infração será
ainda classificada como crime empresarial, desde que a procura desses gan-
hos não esteja no projeto criminoso dos profissionais aquando da respetiva
execução. São exemplos de crime empresarial os crimes das empresas contra
o meio ambiente, contra os trabalhadores, contra os consumidores, as infra-
ções contra a concorrência, os crimes das instituições financeiras, a corrupção
exercida pelas empresas sobre os trabalhadores de organismos públicos ou
de outras organizações ou empresas privadas. Esta divisão do CCB em crime
ocupacional e em crime empresarial está bem consolidada na literatura.
Q (16)
indica seis elementos presentes na definição do CCB (quer no
ocupacional, quer no empresarial): ocorre num contexto económico; não utiliza
a violência física; exige conhecimentos profissionais específicos nas áreas da
economia, comércio, gestão, contabilidade ou finanças; é cometido com o intui-
to de enriquecimento ou para a resolução de um problema económico; constitui
uma violação ou um abuso de confiança, eliminando a credibilidade e segu-
rança de determinados setores económicos e provoca malefícios. P e
P (17)
acrescentam três outros elementos: é enganador, pois está associado
à mentira, à dissimulação, simulação e à manipulação da verdade; é intencional,
ou seja, a fraude não resulta de um simples engano ou negligência, mas existe
um propósito de obtenção abusiva de ganhos ou de uma vantagem económica
(dolo); normalmente está escondido sob a aparência de legalidade.

(16)
N. Q , «Recherche sur les processus de corruption en Suisse: une pre-
mière», in: B , J.M. dir.), Crimes et cultures, Paris: L’Harmattan, 1999, pp. 189-204.
(17)
K. H. P e J. M. P , 2002, apud J. K. A e P. G ,
«Principals, agents and entrepreneurs in white-collar crime: An empirical typology of
white-collar criminals in a national sample», in: Journal of Strategic-Management Ed-
ucation, 8, 3 (2012), pp. 1-22.

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B , F , R e R (18)
dividiram os agentes de CCB
em duas categorias: líderes — aqueles que tomam a iniciativa de cometer
a infração (quando não atuam sozinhos lideram quem está envolvido); se-
guidores — aqueles que ajudam, assistem, ou participam como cúmplices.
Os primeiros são motivados pela ganância, a obtenção de ganhos financeiros
ou económicos; os segundos frequentemente não estão bem conscientes do
que de facto se passa, estão convencidos que atuam corretamente, ou foram
influenciados pelo líder. Esta classificação do CCB apenas se aplica ao crime
ocupacional, uma vez que seria contraditório admitir que haveria empresas
autónomas e independentes subordinando-se a outra empresa (líder) no co-
metimento de crimes de colarinho branco (19).
Conjugando as anteriores classificações, é possível construir um
diagrama que resume a categorização do CCB (Fig. 1).

(18)
P. H. Bucy, E. P. Formby, M. S. Raspanti e K. E. Rooney, «Why do they do
it? The motives, mores, and character of white collar criminals», in: St. John’s Law
Review, 82 (2008), pp. 405-406.
(19)
É frequente acontecer no domínio da concorrência, sobretudo na estrutura
de oligopólio, que exista uma empresa líder e que as demais se tornem seguidoras na
fixação dos preços. No entanto, esse tipo de conluio é tácito, não sendo por isso consi-
derado uma infração. As empresas têm liberdade para voluntariamente fixarem preços
iguais aos seus concorrentes. Situação diversa ocorre quando as empresas comunicam
entre si, combinando os preços (concertação explícita). Neste caso, sendo os preços fi-
xados diferentes do que seria o preço de concorrência, ocorrerá uma infração por cons-
tituição de um cartel que restringe a concorrência, mas não se pode denominar qualquer
das empresas como líder (no sentido da definição de líder de B et al., «Why do they
do it?...», op.cit., uma vez que todas participam na iniciativa de cometer a infração.

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1 — Diagrama categorizador do CCB.

Fonte: Elaboração própria.

3. O empreendedorismo destrutivo

O empreendedorismo tem atraído muita atenção em todo o mundo des-


de os anos 80 do século XX. A origem deste interesse pode ser encontrada
na evolução do contexto económico mundial. Com o aumento das restrições
orçamentais, o setor público perdeu capacidade para ser uma via de criação
de emprego. Por outro lado, a globalização levou a um processo de deslocali-
zação industrial, pelo que os países mais desenvolvidos começaram a enfren-
tar também no setor privado fortes dificuldades na criação de empregos. As
políticas de apoio ao empreendedorismo apareceram como uma solução, uma
vez que tratavam de promover a criação de emprego pelos próprios, ou seja,
levando a que as pessoas fossem criativas e inovadoras, tornando-se empresá-
rios, o que além de reduzir o desemprego, impulsionaria o nível de atividade
económica. De facto, o valor do empreendedorismo para o desenvolvimento
económico está bem documentado na literatura (20).
Rapidamente este emergir do empreendedorismo originou uma avalanche
de artigos científicos sobre o tema, eclodindo assim um novo tópico de investi-

(20)
Cfr., por exemplo, D. U , M. W , e P. W , «Opportuni-
ty identification and pursuit: does an entrepreneur’s human capital matter?», in: Small
Business Economics, 30, 2 (2008), pp. 153-173.

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gação (21). Apareceram muitas definições desta nova realidade, sem que até hoje
se tenha atingido um consenso. Contudo, uma das definições iniciais, de S -
(22)
continua a marcar a literatura. Segundo este autor, um empreendedor
é alguém criativo que desenvolve ações que incluem 5 tipos de inovação:
i) a introdução de um novo bem ou melhoria de qualidade de um bem;
ii) a introdução de um novo método de produção;
iii) a abertura de um novo mercado;
iv) a conquista de uma nova fonte de matérias-primas ou de matérias
subsidiárias ou de bens intermédios;
v) a alteração da organização de uma dada indústria, incluindo o surgi-
mento de poder de mercado (23)).
B (24)
entende que a lista de S não inclui apenas ati-
vidades que aumentam o valor da produção (produtivas), mas também ini-
ciativas puramente redistributivas (que podem ser o resultado de pressões
de rent-seeking) e outras que podem originar a destruição de valor social
(destrutivas), gerando perdas de bem-estar e sendo contrárias às normas éti-
cas ou jurídicas, o que abrangerá o crime de colarinho branco. O empreende-
dorismo destrutivo inclui ações inovadoras associadas ao aproveitamento de
oportunidades ilícitas, sendo as técnicas usadas escondidas sob a aparência

(21)
Há diversas revisões de literatura sobre o tema, inter alia, P. D , The
entrepreneurship research challenge, Cheltenham: Edward Elgar, 2008, B. C ,
P. B , M. M K , C. O , L. P e H. Y , «The
evolving domain of entrepreneurship research», in: Small Business Economics, 41, 4
(2013), pp. 913-930, e ainda M. M , D. L , B. T , K. G , W. G
e K. D , «Origin and emergence of entrepreneurship as a research field», in:
Scientometrics, 98, 1 (2014), pp. 473-485.
(22)
J. S , 1934, apud W. J. B , «Entrepreneurship: productive,
unproductive and destructive», in: Journal of Political Economy, 98, 5 (1990), p. 5.
(23)
Um exemplo de inovação destrutiva que caberia no tipo de inovação v) re-
ferido por J. S seria o abuso de poder de mercado cometido por um cartel
de empresas.
(24)
W. J. B , «Entrepreneurship: productive, unproductive and destruc-
tive…», op. cit., p. 7.

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de legalidade, dado o seu caráter engenhoso e de grande complexidade. Para


B , os empreendedores são pessoas who are ingenious and creative in
finding ways that add to their own wealth, power, and prestige, then it is to
be expected that not all of them will be overly concerned with whether an
activity that achieves these goals adds much or little to the social product or,
for that matter, even whether it is an actual impediment to production. (25)).
O trabalho de B sobre as similitudes entre o CCB e o empreendedo-
rismo foi secundado por vários autores (26) e obteve algum suporte empírico (27)).

4.Elementos comuns ao empreendedorismo e a alguns tipos de crime


de colarinho branco

Aprofundando as semelhanças entre o empreendedorismo e alguns tipos


de CCB, é possível encontrar vários pontos comuns às duas realidades. A lite-
ratura sobre o empreendedorismo apresenta diversas definições do fenómeno,
cada uma delas relevando determinados elementos que o caracterizam. No
Quadro 1 indicam-se os principais, associados a algumas definições sobre o
empreendedorismo.

(25)
Idem, p. 6.
(26)
Cfr. R. S , Understanding entrepreneurial behaviour in organized
criminals, 2009, disponível em OpenAIR@RGU, obtido em http://openair.rgu.ac.uk
(5-11-2014) e V. T , R. S , M. H , e M. P , «Corruption
and entrepreneurship: How formal and informal institutions shape firm behaviour in
transition and mature market economies», in: Entrepreneurship Theory and Practice,
34, 5 (2010), pp. 803-831.
(27)
Cfr. J. K. A e P. G , «Principals, agents and entrepreneurs in
white-collar crime…», op. cit., pp. 1-22, e D. U , U. W , S. R e A.
W , «Exploiting opportunities at all cost? Entrepreneurial intent and
externalities», in: Journal of Economic Psychology, 33, 2 (2011), pp. 379-393.

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1 — Definições de empreendedorismo e elementos implicados no


comportamento empreendedor.

ELEMENTOS DO EM-
DEFINIÇÃO AUTOR
PREENDEDORISMO

ENFOQUE EM GAN-
The entrepreneur is an
K (a)
HOS ECONÓMICOS E
opportunistic trader.
FINANCEIROS

Entrepreneurial activi-
ty involves identifying IDENTIFICAÇÃO DE
P (b)
opportunities within the OPORTUNIDADES
economic system.

The entrepreneur carries


out new combinations. S (c)
INOVAÇÃO

Entrepreneurs attempt
to predict and act upon
change within markets.
The entrepreneur bears on K (d)
ASSUNÇÃO DE RISCO
the uncertainty of market
dynamics.

Fonte: Elaboração própria.

Relativamente ao primeiro elemento — enfoque em ganhos económicos


e financeiros —, é extensa a literatura que indica que os empreendedores criam
novas empresas e projetos (28) com o intuito de obtenção de lucros ou de maiores

Caso dos intrapreneurs que trabalham em empresas de outrem e nelas de-


(28)

senvolvem projetos inovadores. Cfr., sobre o conceito de intrapreneurship e sua ori-

RPCC 25 (2015)
O “CRIME DE COLARINHO BRANCO” EMPREENDEDOR ... 559

remunerações ou de vantagens associadas à progressão na carreira. Grande par-


te do empreendedorismo tem esta motivação económico-financeira, pois está
muito ligado ao desenvolvimento de negócios ou empresas. Contudo, existe
também um empreendedorismo social, o qual consiste no desenvolvimento de
inovações em instituições não lucrativas, organizações do setor público, insti-
tuições sócio caritativas, organizações não-governamentais, projetos sociais,
em que o enfoque se direciona para a criação de valor social ou coletivo. Este
tipo de empreendedorismo distancia-se do CCB na natureza dos objetivos que
persegue, pois no segundo a busca de ganhos é de ordem individual ou empre-
sarial e no primeiro procuram-se vantagens sociais. Deste modo, o empreende-
dorismo social não fará parte do objeto deste artigo.
Já o empreendedorismo que se direciona para a obtenção de lucros ou
outras vantagens económicas ou financeiras individuais ou empresariais, par-
tilha com o CCB os mesmos objetivos. De facto, este tipo de empreendedo-
rismo é o que mais atenção tem recebido dos estudiosos do fenómeno e que
normalmente é operacionalizado pelos autores como a criação de empresas (29)
ou de negócios individuais (30), estando ambos orientados para a obtenção de
ganhos económicos ou financeiros. O mesmo acontece com o CCB, como
está expresso na sua definição apresentada supra. Como também se referiu,
entre os elementos do CCB apontados por Q (31)
encontra-se um que
indica que o CCB se centra na busca de ganhos económicos ou financeiros
para o(s) agente(s) ou para a organização onde trabalha(m), à semelhança do

gem, F. Z , «Exploring the synergy between entrepreneurship and innovation», in:


International Journal of Entrepreneurial Behaviour & Research, 11, 1 (2005), p. 27.
(29)
Cfr. R. H e A. L , «The entrepreneur as innovator», in: Journal of
Technology Transfer, 31, 5 (2006), pp. 589-597.
(30)
Cfr. L. K , «Prediction of Employment Status Choice Intentions»,
in: Entrepreneurship: Theory and Practice, 21, 1 (1996), pp. 47-53, ou C. L e N.
F , «The “making” of an entrepreneur: Testing a model of entrepreneurial intent
among engineering students at MIT», in: R&D Management, 33, 2 (2003), pp. 135-147,
ou ainda D. D e S. W , «Knowledge context and entrepreneurial intentions
among students», in: Small Business Economics, 39, 4 (2012), pp. 877-895.
(31)
N. Q , «Recherche sur les processus de corruption en Suisse: une pre-
mière», op. cit..

RPCC 25 (2015)
560 JOSÉ NEVE CRUZ / ANDRÉ LAMAS LEITE / PEDRO SOUSA / DANIELA WILKS

empreendedorismo individual ou empresarial, no que se refere aos objetivos


dos empreendedores.
Quanto ao segundo elemento do empreendedorismo indicado no
Quadro 1 — identificação de oportunidades —, desde a definição de
P (32)
, muitos autores têm colocado a tónica neste elemento do
empreendedorismo (33). Por exemplo, S eV (34)
in-
dicam que: [t]he field of entrepreneurship involves the study of sources
of opportunities; the processes of discovery, evaluation, and exploita-
tion of opportunities; and the set of individuals who discover, eval-
uate, and exploit them. De acordo com H (35)
, um aspeto chave
do empreendedorismo é a capacidade para identificar uma oportuni-
dade e desenvolver uma solução para o problema que esta oportuni-
dade apresenta. Uma vez descoberta a oportunidade, o indivíduo tem
de decidir se é uma oportunidade que ele quer aproveitar. Novamente
comparando com o CCB, a literatura da Criminologia está bem preen-
chida de abordagens que indicam que a identificação de oportunidades
é um elemento do CCB e também dos demais tipos de crime. B
eS (36)
eA eG (37)
realçam que este é o elemen-

(32)
E. P ,1959, apud N. A e R. G. S , «Defining entrepre-
neurial activity…», op. cit., p. 7.
(33)
Cfr., entre outros, S. S , A general theory of entrepreneurship: The indi-
vidual-opportunity nexus, Cheltenham: Edward Elgar, 2003; R. A. B , «Opportu-
nity recognition as pattern recognition: How entrepreneurs connect the dots to identify
new business opportunities», in: Academy of Management Perspectives, 20, 1 (2006),
pp. 104-119; U et al., «Opportunity identification and pursuit: does an entre-
preneur’s human capital matter?», op. cit.; D. J. H , R. S e J. M ,
«Defragmenting definitions of entrepreneurial opportunity», in: Journal of Small Busi-
ness Management, 49, 2 (2011), pp. 283-304.
(34)
S. S e S. V , 2000, apud N. A e R. G. S ,
«Defining entrepreneurial activity…», op. cit., p. 7.
(35)
R. D. H , Advanced introduction to entrepreneurship, Cheltenham: Ed-
ward Elgar, 2014, p. 26.
(36)
M. L. B e S. S. S , White-collar crime: An opportunity perspec-
tive, New York: Routledge, 2009.
(37)
J. K. A e P. G , «Principals, agents and entrepreneurs in

RPCC 25 (2015)
O “CRIME DE COLARINHO BRANCO” EMPREENDEDOR ... 561

to central do CCB. A oportunidade no crime de colarinho branco está


relacionada com a posição profissional do ofensor que legitima o seu
comportamento, dando-lhe a possibilidade de cometer a infração e de a
esconder ou dissimular sob a aparência de legalidade (38)).
No que se refere ao terceiro elemento indicado no Quadro 1 — inovação
—, é indiscutível que desde que S lhe deu primazia, o mesmo tem
sido alvo de muita atenção pela literatura . As condições de concorrência
(39)

onde operam os empreendedores exigem-lhes criatividade e capacidade de


fazer melhor do que os concorrentes, pois de outro modo não serão bem-su-
cedidos. Segundo Z (40)
, as inovações podem ser radicais — mudam radi-
calmente os produtos ou processos, abrem um novo paradigma, criam uma
descontinuidade — ou incrementais — pequenas melhorias aos processos e
produtos existentes. Esta visão abrangente do conceito de inovação, que co-
bre até pequenas melhorias, ainda que muito ténues face ao status quo, está
bem patente em diversos autores. Por exemplo, C (41)
) atribui a qualida-
de de inovação ao simples facto de o empreendedor escolher ultrapassar the
routine application of a standard rule, especialmente quando no obviously
correct procedure exists. Esta visão praticamente faz coincidir a inovação
no empreendedorismo com diversos tipos de CCB, onde se decide aprovei-
tar lacunas ou indeterminações das leis para prosseguir comportamentos em

white-collar crime…», op. cit..


(38)
“(1) the offender has legitimate access to the location in which the crime is
committed, (2) the offender is spatially separated from the victim, (3) the offender’s
actions have a superficial appearance of legitimacy.” (M.L. B e S. S. S ,
White-collar crime: An opportunity perspective, op. cit., p.80).
(39)
F. Z , «Exploring the synergy between entrepreneurship and innovation»,
op. cit., e A. B , «Linking innovation and entrepreneurship — literature overview
and introduction of a process-oriented framework», in: International Journal of Entre-
preneurship and Innovation Management, 14, 1 (2011), pp. 6-35, mostram quão impor-
tante é este elemento para o empreendedorismo.
(40)
F. Z , «Exploring the synergy between entrepreneurship and innovation», op. cit.
(41)
M. C , 1982, apud M. P , «The meaning of entrepreneurship: a
modular concept», in: Journal of Industry, Competition and Trade, 9, 2 (2009), p. 78.

RPCC 25 (2015)
562 JOSÉ NEVE CRUZ / ANDRÉ LAMAS LEITE / PEDRO SOUSA / DANIELA WILKS

proveito próprio. Assim, para M B (42)


, o CCB, ao contrário do “crime
de rua”, não se expressa simplesmente pela violação de alguma norma ju-
rídica, mas esconde-se sob a aparência de legalidade, combinando elemen-
tos legítimos com ilegítimos, de forma complexa, o que exige criatividade,
inteligência e conhecimentos específicos. P (43)
afirma que o CCB não
implica necessariamente a violação de uma norma jurídica, mas pode ser um
comportamento que apenas contradiga a ratio da lei: practices that are within
the letter of the law and yet have multiple adverse social consequences. É o
que acontece com os esquemas de planeamento fiscal eticamente reprováveis,
como as tax rulings, de que são exemplo os contratos entre as multinacionais
e o Luxemburgo mencionados supra, os quais originaram desigualdades pro-
fundas no tratamento dos contribuintes e promoveram a redução dos recursos
fiscais de muitas jurisdições.
Quando a técnica usada num dado esquema de CCB é inovadora, isso
quer dizer que há algo nele que o torna muito difícil de ser detetado pelas au-
toridades, pois combina de forma nova as competências profissionais, a inte-
ligência e a criatividade. O sistema judicial não tendo ainda conhecimento ex-
periencial do esquema que origina desvalor social, terá muita dificuldade em
classificá-lo como ilegítimo. Ou seja, é esperado que a inovação aumente a
possibilidade de êxito dos agentes de CCB, o que faz com que, tal como com
os empreendedores em resposta à concorrência, os agentes do CCB procurem
adiantar-se para além dos conhecimentos já na posse das instituições de con-
trolo. A inovação, embora não esteja presente em todas as formas de CCB, à
medida que os sistemas judiciais estão mais apetrechados para combater este
tipo de infrações, é um elemento cada vez mais essencial para o sucesso.
O quarto elemento do empreendedorismo — assunção de risco — está
também bem consolidado na literatura. Criar uma empresa ou um projeto ne-
gocial em mercados concorrenciais envolve sempre a assunção de risco, onde

(42)
D. M B , «Whiter than white collar crime: Tax, fraud insurance and the
management of stigma», in: The British Journal of Sociology, 42, 3 (1991), pp. 323-344.
(43)
P , N., «Lawful but awful: “Legal corporate crimes”», in: The Journal
of Socio-Economics, 34, 6 (2005), p. 771.

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O “CRIME DE COLARINHO BRANCO” EMPREENDEDOR ... 563

a perda do capital/esforço investidos é uma possibilidade. Os negócios ocor-


rem normalmente em contextos de incerteza. De acordo com B (44)
,
a insolvência do negócio ou da empresa é uma possibilidade real, a qual pode
resultar em graves perdas para o empreendedor, afetando negativamente o
seu futuro. Note-se que estas perdas não são apenas materiais, mas podem ser
acompanhadas por custos psicológicos (vergonha de falha pessoal, arrepen-
dimento, culpa e medo que podem levar ao suicídio) e custos sociais (perda
de reputação, divórcio e quebra de outras relações sociais, dificuldade em
obter recursos no futuro) (45). Da mesma forma, também os criminosos correm
riscos quando cometem crimes. As suas perdas não se cingem a meios finan-
ceiros, mas incluem custos psicológicos e sociais. Para os ofensores de CCB,
as perdas financeiras são especialmente elevadas, pois deixam bons empre-
gos, destrói-se a sua reputação e muitas vezes ficam sem autorização legal
para continuarem a exercer a sua atividade profissional (médicos, advogados,
juízes, etc.). Contudo, segundo F (46)
, para os ofensores de CCB, os
custos psicológicos e sociais também podem ser muito elevados, designada-
mente quando são presos, o que associado ao facto de serem pessoas de es-
tatuto elevado os leva a sofrerem uma substancial perda de reputação, vendo
frequentemente quebrar-se a teia das suas relações sociais.
Para além dos elementos referidos, há uma caraterística adicional co-
mum aos empreendedores e à grande parte dos agentes de CCB: a tomada de
iniciativa para levar avante um projeto ou um esquema de ação (nova empre-
sa/crime). A tomada de iniciativa significa liderar (líder). A literatura sobre

(44)
R. H. B , «Risk taking propensity of entrepreneurs», in: Academy
of Management Journal, 23, 3 (1980), pp. 510-511.
(45)
A propósito deste tipo de custos, cfr. D. U , D. A. S , A.
L e S. J. L , «Life after business failure: the process and the consequences of
business failure for entrepreneurs», in: Journal of Management, 9, 1 (2013), pp. 163-
202. Vide também R. SMITH e G. MCELWEE, «After the fall: Developing a conceptu-
al script based model of shame in narratives of entrepreneurs in crisis!», in: Internation-
al Journal of Sociology and Sociology and Social Policy, 31, 1/2 (2011), pp. 91-109.
(46)
D. F , Trusted criminals…, op. cit., p. 357.

RPCC 25 (2015)
564 JOSÉ NEVE CRUZ / ANDRÉ LAMAS LEITE / PEDRO SOUSA / DANIELA WILKS

a relação da liderança com o empreendedorismo é abundante (47). H (48)

sublinha que [t]he person who is going to establish a successful new corpo-
rate venture must also be a visionary leader — a person who dreams great
dreams. Paralelamente, como se viu a partir de B et al. (49), uma grande
parte do CCB inclui a caraterística liderança, ou seja, surge da iniciativa
de alguém com um “sonho” (enriquecimento, conquista de poder) e não se
confina ao seguidismo de um líder ou ao cumprimento ingénuo — sem plena
consciência da natureza e das consequências dos atos, das orientações ou
indicações estipuladas por superiores hierárquicos, ou colegas de profissão.
Em suma, nesta secção apresentaram-se vários elementos e característi-
cas do empreendedorismo comuns ao CCB, o que está em linha com a hipóte-
se de B (50)
. Contudo, esta similitude não acontece em todas as formas
de CCB, pelo que será importante delimitar a categoria de CCB que coloca
maiores dificuldades e desafios à eficácia das instituições judiciais e dos sis-
temas de controlo, e que se pode designar por crime de colarinho branco
empreendedor (CCBE).

(47)
Para uma revisão sobre a relação entre o empreendedorismo e a liderança
vide R. V , «Entrepreneurship and leadership: common trends and common
threads», in: Human Resource Management Review, 13, 2 (2003), pp. 303-327. Cfr..,
também, C. C e K. B , «The intersection of leadership and entrepre-
neurship: Mutual lessons to be learned», in: The Leadership Quarterly, 15, 6 (2009),
pp. 771-799, e ainda J. Z , «Toward a hypothesis connecting leadership and
entrepreneurship», in: International Journal of Management & Information Systems,
18, 4 (2014), pp. 291-298.
(48)
R. D. H , Advanced introduction to entrepreneurship, op. cit., p. 56.
(49)
P. H. B , E. P. F , M. S. R e K. E. R , «Why do they
do it?...», op.cit..
(50)
W. J. B , «Entrepreneurship: productive, unproductive and destruc-
tive», op. cit.

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O “CRIME DE COLARINHO BRANCO” EMPREENDEDOR ... 565

5. Definição e delimitação do conceito de crime de colarinho branco


empreendedor

Tendo em conta o exposto nas secções anteriores, é possível definir o


conceito de crime de colarinho branco empreendedor (CCBE) e delimitá-lo
dentro das categorizações de CCB desenvolvidas na Criminologia.
Partindo dos elementos e caraterísticas do empreendedorismo e da noção
de CCB, o CCBE pode ser definido como crime ocupacional cometido por
líderes (51) e que inclui as quatro características do empreendedorismo (enfo-
que na obtenção de ganhos económicos ou financeiros, identificação de uma
oportunidade; inovação e assunção de risco). Mas, uma vez que todos os cri-
mes incorporam o reconhecimento de uma oportunidade e assunção de risco,
e, sabendo-se que todo o CCB (incluindo, portanto, o crime ocupacional) está
enfocado em ganhos económicos e financeiros, a definição de CCBE pode
ser simplificada, designando-o por crime ocupacional inovador cometido por
líderes.
Adaptando à definição mencionada supra, de J. H , J. B e K.
T (52)
, estabelecida em 1996, o CCBE pode ser definido como: todo
o conjunto de atos ilegais e atos não éticos que incorporam algum tipo de
inovação e que se traduzem numa violação ou abuso de confiança, cometidos
por iniciativa de pessoas singulares socialmente respeitáveis no exercício
legítimo da sua ocupação profissional, com o intuito de obtenção de ganhos
ou vantagens económicas e financeiras a favor dos próprios ou de terceiros
por si designados.
Na Fig. 2 visualiza-se a caracterização de CCBE dentro do CCB.

(51)
Líder entendido no sentido atribuído por P. H. B , E. P. F , M. S.
R e K. E. R , «Why do they do it?...», op.cit.: aqueles que delineiam o ato
criminal e que tomam a iniciativa de o concretizar, ou seja, não são simples “seguido-
res” ou cúmplices que contribuem para a sua realização.
(52)
Cfr. D. F , Trusted criminals…, op. cit., p. 6.

RPCC 25 (2015)
566 JOSÉ NEVE CRUZ / ANDRÉ LAMAS LEITE / PEDRO SOUSA / DANIELA WILKS

2: Diagrama categorizador do CCBE

Fonte: Elaboração própria.

O diagrama explicita que o CCBE é o crime ocupacional que incorpora


algum tipo de inovação, cometido por líderes. Cada delito cometido por se-
guidores está associado a uma ofensa cometida por um líder. Se existir inova-
ção no esquema ou na técnica da ofensa, os seguidores podem ter contribuído
para a sua configuração, mas a iniciativa é do líder.

RPCC 25 (2015)
O “CRIME DE COLARINHO BRANCO” EMPREENDEDOR ... 567

Para tornar mais clara esta categorização, é possível adicionar algumas


distinções. O CCBE é mais extenso do que o crime dos empreendedores, pois
para além deste tipo de crimes, inclui os delitos cometidos pelos trabalhadores,
desde que incorporem algum tipo de inovação. O CCBE é um conceito mais
estrito que o de crime ocupacional, pois exclui os atos cometidos pelos segui-
dores e todos os crimes perpetrados por líderes que não incorporam inovação.

6. Inferências para a dinâmica do Direito Penal, em perspetiva dog-


mática e político-criminal

I. O reconhecimento da prevalência do CCBE e a perceção das dificul-


dades existentes ao seu combate apelam a uma reflexão aprofundada sobre
como preparar enquadramentos que desviem o talento empreendedor de uma
utilização prejudicial para a sociedade. É reconhecido que esse talento, o qual
inclui potencial de criatividade e capacidade para desenvolver inovações, as-
sociado a uma certa propensão para assumir riscos, é algo que as sociedades
devem promover e preservar, estando demonstrado que é essencial à dinâ-
mica económica. Porém, como também se viu, este talento empreendedor
pode ser causador de destruição de valor social. Destarte, para B (53)
,
o papel das “regras de jogo” é fundamental para que o talento empreendedor
seja direcionado para atividades produtivas e desejáveis do ponto de vista
social. Da análise precedente é possível intuir que devem ser incluídos nas
principais “regras de jogo” os sistemas judiciais, o Direito, as instituições de
monitorização e de controlo social e as políticas, designadamente as políticas
económicas e as políticas criminais. Na realidade, o que leva os indivíduos
com talento empreendedor a escolherem as atividades criminosas é o facto de
nelas obterem um maior benefício líquido (benefícios deduzidos dos custos)
do que no empreendedorismo produtivo.
O papel de um “bom enquadramento institucional” seria facilitar o em-
preendedorismo produtivo, designadamente através de legislação favorável e

(53)
W. J. B , «Entrepreneurship: productive, unproductive and destruc-
tive», op. cit.

RPCC 25 (2015)
568 JOSÉ NEVE CRUZ / ANDRÉ LAMAS LEITE / PEDRO SOUSA / DANIELA WILKS

políticas capazes de atrair os empreendedores para a criação de empresas e


o desenvolvimento de inovações com valor para o mercado. Nos elementos
que reduzem a atratividade do empreendedorismo produtivo incluem-se os
custos e exigências para a obtenção de capital para investir, as dificuldades
burocráticas à criação de empresas, o desequilíbrio entre a legislação de pro-
teção dos credores e a legislação relacionada com a responsabilização dos
empreendedores em caso de insolvência, a tributação elevada, uma legisla-
ção laboral muito restritiva do despedimento, a instabilidade da legislação,
o fraco desenvolvimento de alternativas à banca no financiamento de novos
investimentos, uma reação social estigmatizante em caso de insucesso de um
projeto empresarial, entre muitos outros.
No que diz respeito ao crime de colarinho branco empreendedor, os bene-
fícios estão relacionados com os níveis de monitorização do exercício profissio-
nal, com a existência ou não de alternativas que permitam retirar determinadas
operações da alçada de poder das autoridades nacionais (como, por exemplo, a
possibilidade de recorrer a jurisdições não cooperantes na troca de informações
internacional) e com a “qualidade” da legislação. De facto, a existência de la-
cunas na legislação ou de leis deficientemente construídas abre portas a “zonas
cinzentas de indefinição”, o que é extremamente propício a um aproveitamento
por parte dos criminosos de colarinho branco mais criativos. Também são rele-
vantes os benefícios que podem advir do poder de influência dos perpetradores
sobre os políticos e as instituições — o respetivo conluio e comprometimento
mútuo —, o grau de anomia social, sendo favorável a este tipo de crimes uma
sociedade que valoriza excessivamente os fins comparativamente aos meios
usados para os atingir. Já do lado dos custos é importante a eficiência do sistema
judicial (tempo de tomada de decisão) e a sua eficácia (probabilidade de dete-
ção dos comportamentos criminais), o que está relacionado com a eficiência
organizacional das instituições de controlo e os meios de que dispõem. Apre-
sentam ainda relevância o grau de preparação e de multidisciplinaridade das
equipas de investigação criminal, o grau de permissividade e aceitação social
dos crimes económicos não violentos, a severidade das punições dos diferentes
tipos de infrações económicas e financeiras, entre outros.

RPCC 25 (2015)
O “CRIME DE COLARINHO BRANCO” EMPREENDEDOR ... 569

II. Como se vê, a dinâmica do enquadramento institucional e do Direito


pode ser de extrema importância, simultaneamente para aumentar o nível de
atratividade do empreendedorismo produtivo ( (54), como para reduzir a atra-
tividade do crime de colarinho branco, alterando os custos e benefícios de
ambos os comportamentos. Refira-se que, especificamente no caso do CCBE,
são de destacar como vias especialmente propícias ao delineamento de inova-
ções por parte dos agentes o acesso a formas de retirar da alçada das autorida-
des nacionais as operações danosas e a “má qualidade da legislação”.
Indicam-se, de seguida, de forma breve, alguns exemplos de como o
Direito e a política criminal poderão contribuir para um aproveitamento mais
produtivo do talento empreendedor e, par conséquence, para uma redução do
crime de colarinho branco empreendedor.
No que diz respeito à utilização do talento empreendedor em empreende-
dorismo produtivo, a sua atratividade pode ser aumentada, segundo A
eC (55)
, pela instituição de uma legislação sobre a insolvência e a re-
cuperação de empresas mais favorável a estas últimas, que encoraje a assun-
ção de riscos e, portanto, o empreendedorismo, ao limitar as possibilidades de
perda de quem arrisca ser empresário. De acordo com C (56)
, também
uma legislação que permita maior facilidade e menos custos no patenteamen-
to de inovações será favorável aos empreendedores produtivos. C e
L (57) verificaram que a legislação fiscal, a legislação laboral e o enquadra-
mento normativo do mercado de trabalho afetam a criação de empresas, po-
dendo ou não definir-se uma legislação mais favorável aos empreendedores,
(54)
Cfr. V. M -S , «The Law as stimulus: The role of Law in
fostering innovative entrepreneurship», in: Journal of Law and Policy, 6, 2 (2010), pp.
154-188, para um aprofundamento de como o Direito pode estimular o empreendedo-
rismo produtivo.
(55)
J. A e D. C , «Bankruptcy law and entrepreneurship», in:
American Law and Economics Review, 10, 2 (2008), pp. 303-350.
(56)
P. E. C , «Coping with the America Invents Act: patent challeng-
es for startup companies», in: Ohio State Entrepreneurial Business Law Journal, 8, 2
(2013), pp. 355-377.
(57)
D. C e D. L , «Public policy, entrepreneurship, and venture capital in
the United States», in: Journal of Corporate Finance, 23 (2013), pp. 345-367.

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570 JOSÉ NEVE CRUZ / ANDRÉ LAMAS LEITE / PEDRO SOUSA / DANIELA WILKS

designadamente pela criação de incentivos fiscais ao lançamento de novas


empresas ou através da redução da tributação sobre elas, ou ainda por via de
uma maior flexibilização do mercado de trabalho. Segundo D (58)
,
a redução ou eliminação do nível de capital mínimo para iniciar um negócio
também facilita a criação de novas empresas.
Ainda no domínio da legislação, outro aspeto que pode favorecer o em-
preendedorismo produtivo é a regulação de formas alternativas de acesso a
financiamento — por exemplo, a criação de legislação para regular o crowd-
funding (59). No domínio do funcionamento do sistema judicial, segundo T -
(60)
, a lentidão nos processos para iniciar uma empresa e na resposta do
sistema judicial prejudicam o empreendedorismo, ou seja, o crescimento da
eficiência deste último sistema contribui quer para o aumento do empreen-
dedorismo produtivo, quer para a diminuição da atratividade do CCBE, por
incrementar a probabilidade de ser julgado e condenado. Um sistema mais
célere reduz o número de processos que prescrevem. O problema da prescri-
ção (sobretudo do procedimento criminal) coloca-se com especial relevo no
CCBE, dada a sua complexidade e dificuldade de investigação, pelo que é
muito frequente que este pressuposto negativo de punição ocorra, criando nos
infratores e na sociedade em geral uma sensação de impunidade.
No que se refere a evitar que o talento empreendedor se dirija para o
CCBE, o Direito e a política criminal poderão ter um papel relevante na re-
dução da sua atratividade. Os delitos de colarinho branco referidos no iní-
cio deste artigo mostram que a falta de cooperação internacional na troca
de informações fiscais, designadamente a resistência à eliminação do sigilo
bancário, é um fator de atratividade para a realização de crimes que envol-

(58)
P. T. D , Variações sobre o capital social, Coimbra: Almedina,
2009, p. 12.
(59)
A propósito deste tipo de financiamento coletivo de múltiplos interessados
num dado projeto, frequentemente realizado interativamente pela internet, vide C. P.
S e S. C , «O crowdfunding e o financiamento das startups», in: Revista Por-
tuguesa de Contabilidade, III, 11 (2013), pp. 409-460.
(60)
M. T , «Legal institutions and high-growth aspiration entrepreneur-
ship», in: Economic Systems, 35, 2 (2011), pp. 158-175.

RPCC 25 (2015)
O “CRIME DE COLARINHO BRANCO” EMPREENDEDOR ... 571

vem operações off-shore (61), os quais ficam protegidos por barreiras à inves-
tigação criminal, dada a necessidade de respeitar a soberania das jurisdições
não cooperantes. Deste modo, um país que adote com efetividade os tratados
internacionais de troca de informações e que seja muito cooperante, estará a
contribuir para reduzir a atratividade do CCBE. Recentemente, os Estados
Unidos da América aprovaram legislação — FATCA (Foreign Account Tax
Compliance Act) —, em vigor desde julho de 2014, que praticamente elimi-
na o sigilo bancário entre os Estados-membros, dando lugar a um sistema
automático de troca de informações. Na mesma linha, a União Europeia e a
OCDE estão a configurar sistemas de troca automática de informações. Portu-
gal, que tem experienciado delitos de colarinho branco que se aproveitam das
barreiras à investigação neste domínio, com elevados prejuízos para o erário
público, tem vindo a posicionar-se na linha da frente na adesão e contribuição
para o desenvolvimento de iniciativas internacionais que procuram aumentar
a transparência, o que revela uma política criminal proativa neste domínio.
Destarte, o desenvolvimento de políticas incentivadoras de maior cooperação
internacional e que possibilitam interatividade entre os organismos, as forças
de segurança e todos os agentes relevantes no combate ao CCB é bem-vindo
para a redução da atratividade do empreendedorismo destrutivo.
Acrescentam-se alguns exemplos adicionais que revelam o esforço do
legislador português, na sequência da experiência de outros países, para dimi-
nuir o êxito dos empreendedores que buscam construir esquemas proveitosos
e inovadores usando a seu favor as lacunas ou indeterminações das normas
jurídicas. A estratégia passa por aprovação de legislação que não procura es-
pecificar taxativamente todos os atos ou comportamentos puníveis — o que
seria difícil, perante uma inovação —, mas suficientemente geral para poder
enquadrar atos ou comportamentos (ou situações inovadores, não previstos
aquando da formulação da lei (62). Mas o legislador foi ainda mais longe, ao

(61)
Cfr., sobre o papel das jurisdições de sigilo na criminalidade internacional,
J. N. C , «Jurisdições de sigilo: a verdadeira identidade dos paraísos fiscais, o que
mudou?», in: Revista Portuguesa de Contabilidade, II, 8 (2012), pp. 473-500.
(62)
Cfr. J. N. C , «Empreendedorismo Produtivo, Improdutivo e Destruti-

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ponto de estabelecer deveres de comunicação, informação e esclarecimen-


to (prévio) à administração tributária sobre esquemas propostos ou atuações
adotadas que tenham como finalidade, exclusiva ou predominante, a obtenção
de vantagens fiscais (63), i. e., antes de um esquema de planeamento fiscal ser
adotado, terá de ser colocado à disposição das autoridades para apreciação
— o que permitirá a sua aprendizagem das inovações — e posterior decisão
quanto à permissão do mesmo. Esta solução “inovadora” salda-se em duas
vantagens na luta contra os esforços empreendedores destrutivos: permite que
as autoridades de controlo não sejam surpreendidas com as “inovações” e
aprendam; dissuade as empresas de gastarem recursos na preparação de es-
quemas de inovadores de redução de tributação, dado o risco de virem a ser
declarados abusivos e, portanto, não passíveis de aplicação impune. Como se
vê, as normas jurídicas podem reduzir a atratividade do uso de talento em-
preendedor no CCBE.
A par destas possibilidades, também mudanças de ordem institucional
e processual tornam mais eficaz a deteção do CCBE, aumentando os custos
deste tipo de empreendedorismo. São exemplos disso a introdução de melho-
rias tecnológicas no funcionamento das instituições, que permitam, v. g., o
cruzamento rápido e fiável de informações entre diferentes serviços nacionais
ou internacionais ou uma forte aposta na melhoria dos recursos humanos nas

vo», in: A F da C (coord.), I Congresso de Direito Fiscal, Porto: Vida


Económica, 2011, pp. 196-197, relativamente à “cláusula anti-abuso”, inscrita no n.º
2, do artigo 38.º da Lei Geral Tributária, como uma norma abrangente e passível de se
adaptar a novas formas de planeamento fiscal não previstas especificamente como abu-
sivas. A administração fiscal deixou de ter um papel de seguidismo das inovações, mas
pretendeu um efeito de dissuasão do esforço empreendedor na redução de impostos, ao
instituir por via desta norma que o “novo” e não “previsto” poderia ser enquadrável no
que se considera abusivo. O criticável nesta abordagem é o aumento da incerteza jurí-
dica. Contudo, o facto de se ter abdicado um pouco desse valor é revelador de que antes
da instituição da “cláusula anti-abuso” não faltariam esquemas inovadores configura-
dores de situações sem previsão específica nos comandos existentes e que permitiam
uma grande redução da carga fiscal.
(63)
Idem, pp. 197-198, a propósito dos deveres de comunicação plasmados no
Decreto-Lei n.º 29/2008, de 25 de fevereiro.

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equipas de investigação criminal, com a constituição de equipas com valên-


cias multidisciplinares e com competências e conhecimentos capazes de lidar
com o talento e aptidões dos agentes de CCBE. Por exemplo, o êxito con-
seguido no caso mencionado do “Império das Sucatas” só foi possível dada
a existência de uma equipa de investigação com competências em diversas
áreas de conhecimento.

III. Em sumo esboço, cumpre agora refletir em alguns desafios que a


noção de CCBE comporta, sobretudo do prisma jurídico-dogmático, na medi-
da em que as suas implicações político-criminais já foram sendo acentuadas.
O legislador português tem sentido a necessidade de responder à aplica-
ção de métodos empreendedores nos CCB por via de propostas de lei que — e
bem — foram julgadas inconstitucionais. De facto, todo o combate a qualquer
delito não pode afrontar os princípios basilares da dita “Constituição Penal”,
de entre eles a proibição da inversão do ónus da prova ou a construção de
tipos legais pejados de conceitos de ius aequum vulneradores do mandato de
determinabilidade. Assim sucedia com a proposta do crime de “enriqueci-
mento ilícito”. O que diferencia um Estado de Direito democrático de outras
formas de organização política é, de entre outros, a convicção profunda de
que mesmo contra factos nocivos ao tecido social não valem quaisquer meios
para o seu combate. Donde, não é duvidoso que, por natureza, o Direito Penal
e a sua dogmática estejam, quase sempre, um ou mais passos atrás dos esque-
mas de empreendedorismo destrutivo citados no presente trabalho.
Para além desta óbvia verificação, a proposta ora elaborada de um con-
ceito de CCBE, projetada no “pensamento do sistema”, a partir do “pensa-
mento do problema” (F D ), comporta consequências ao nível da
matéria da aplicação da lei penal no espaço. Desde logo dir-se-á que a iden-
tificação do CCBE é mais uma razão ponderosa para a justeza da adoção do
chamado “critério da ubiquidade” do artigo 7.º do CP e do alargamento que
o “critério do pavilhão” (artigo 5.º, n.º 1, al. b), do CP) tem vindo a conhecer
desde os acontecimentos do 11/9/2001. Não sendo estes crimes económico-fi-
nanceiros, é muito provável que algo similar ao Patriot Act norte-americano

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574 JOSÉ NEVE CRUZ / ANDRÉ LAMAS LEITE / PEDRO SOUSA / DANIELA WILKS

(2001) seja replicado em vários países europeus, não somente com alarga-
mentos sucessivos do âmbito aplicativo espacial da lei penal, mas também
com restrições de direitos fundamentais tidos por essenciais a uma investi-
gação criminal mais competente. Os meios invasivos nas comunicações hu-
manas, a televigilância, o controlo do posicionamento através de satélite e
toda a panóplia orwelliana permitida pela sociedade da informação estarão,
no futuro, ainda mais em confronto com uma matriz liberal do Direito Penal.
É, aliás, expectável um ressurgimento das teses em torno do Feindstrafrecht
a que a Europa continental tinha, por regra, respondido negativamente, pelo
que o punitive turn fará aqui o seu caminho, atravessando o Atlântico ( (64)).
Por outro lado, o problema do erro, sobretudo do erro de conhecimento,
ou mais concretamente, do “erro sobre as proibições” do artigo 16.º, n.º 1,
2.ª parte, do CP. Para esses líderes empreendedores, dificilmente se poderá
afirmar esta causa de exclusão do dolo, tendo em conta a circunstância de
que o mesmo deve ser aferido em função dos específicos conhecimentos do
concreto agente. Talvez o conceito de CCBE seja um contributo para dirimir
a velha querela quanto a saber se a exigência de um conhecimento à esfera
do concreto agente do crime ou do dito “homem médio”- no seio de dúvidas
em função do princípio da igualdade, dando sustentabilidade a que se possa
responder a favor da primeira conceção. Aliás, não vislumbramos como o
mandato da igualdade pudesse ser vulnerado, porquanto o erro a que aludi-
mos está pensado, se bem vemos, para a melhor adequação possível entre o
elemento intelectual do dolo-do-tipo e a ação. Os componentes desse elemen-
to nunca se afirmam em abstrato. Algo de similar cremos poder afirmar-se
quanto ao “erro sobre a proibição”. Agora no domínio da culpa, por via do
dito “elemento emocional” do dolo, muito dificilmente, perante um CCBE, se
afirmará a causa excludente da culpa ou mesmo a especial atenuação da pena.

(64)
Sobre a matéria, p. ex., A L L , «”Nova penologia”, punitive
turn e Direito Criminal: quo vadimus? Pelos caminhos da incerteza (pós-)moderna»,
in: M C A et al. (org.), Direito Penal: fundamentos dogmáticos e
político-criminais. Estudos em homenagem ao Prof. Peter Hünerfeld, Coimbra: Coim-
bra Editora, 2013, pp. 395-476.

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Numa palavra, a dogmática do erro pode ser um instrumento intrassistémico


para um mais eficaz combate a esta modalidade criminosa.
Uma outra matéria convocada é a da comparticipação. O que na teoria
económica se apelida de “cúmplices” pode, no crivo da dogmática penal, bem
corresponder aos conceitos de coautor ou instigador. Um esforço hermenêu-
tico acrescido é exigido ao jurista no sentido de não elaborar importações
acríticas do sistema do common law neste domínio, em que as distinções não
têm o apuro e o lastro histórico da família romano-germânica (65)).
As consequências jurídicas do crime, maxime o instituto da perda de
produtos, vantagens ou instrumentos será aplicado mais vezes no âmbito do
CCBE e a ideia de uma “perda alargada” fará o seu percurso (66). Porventura
far-se-á ouvir com mais insistência a voz de quantos clamam pelo aumento do
limite máximo das molduras penais abstratas, sendo fulcral não diminuirmos
a reafirmação dos estudos criminológicos que demonstram a inexistência de
relação direta entre a severidade punitiva e a diminuição da criminalidade ou
da reincidência. Outro ponto sensível no CCBE é o das penas sharp-short-
-shock, particularmente eficazes à luz do artigo 40.º, n.º 1, do CP, e que julga-
mos deverem ser afirmadas para este segmento específico de criminalidade.
Somente para este, repita-se, pois temos por bem fundada a opção político-
-criminal pelo reforço das penas de substituição no concernente aos delitos
menos graves. Por fim, neste apontamento, penas acessórias como a proibição
do exercício de funções, atividades ou mesmo medidas de segurança de cas-
sação de títulos habilitadores para o exercício de profissões regulamentadas
devem ser acrescidas nos CCBE. A sua eficácia é, frequentemente, superior à
das próprias sanções principais. Aliás, parece-nos ser defensável a transfor-
mação de várias delas em penas principais, aplicáveis em vez da prisão ou
concomitantemente, em função das necessidades preventivas-gerais e espe-

(65)
Hoje essencial, A M A C , Ilícito pessoal, im-
putação objectiva e comparticipação em direito penal, dissertação de Doutoramento
apresentada à FDUP, 2013, disponível na Biblioteca daquela Faculdade.
(66)
Por todos, vide J C C , Da proibição do confisco à perda
alargada, Lisboa: INCM, 2012.

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ciais ao caso concreto cabidas.


Do prisma processual penal, já se nomearam algumas consequências,
sendo que o direito probatório é, por certo, o domínio da dogmática proces-
sualista mais chamado a modernizar-se. Apesar de continuarmos a considerar
que os meios particularmente invasivos dos direitos de personalidade devem
ser sempre de ultima ratio, a tensão entre este valor constitucional e o da
eficácia da investigação será cada vez mais patente. A concreta resposta só
pode ser dada a propósito dos problemas específicos, mas o princípio-guia só
pode ser o do sublinhado do art. 18.º, n.º 2, da CRP e da recusa de um Direito
de dupla, tripla ou quádrupla via. Quer isto dizer que não nos custa aceitar
que para a criminalidade altamente organizada, incluindo diversas formas de
CCBE, se justifique constitucionalmente a introdução de maiores restrições
aos direitos fundamentais dos arguidos, o que se não passa já com os crimes
de médio ou pequeno potencial ofensivo. Sabe-se que “à boleia” de um mo-
vimento endurecedor dos meios de investigação e das penas para os delitos
mais graves, os demais podem ser afetados, o que se não deseja.

7. Súmula e conclusão

O estudo do crime de colarinho branco tem sido alvo de uma grande


atenção pela Criminologia, a qual produziu uma categorização deste tipo le-
gal, embora ainda persistam discussões quanto à sua definição e quanto aos
atos que nele são ou não enquadráveis. Está consolidada na literatura a sub-
divisão do CCB em crime empresarial (em benefício da organização) e crime
ocupacional (centralidade nos ganhos individuais) e este, por sua vez, foi
classificado em crime cometido por líderes (aqueles que tomam a iniciativa e
delineiam o esquema criminal) e crime cometido por seguidores (aqueles que
são cúmplices, apenas colaborando com o líder).
Diversos autores têm verificado que muitos tipos de CCB possuem os
elementos e caraterísticas do empreendedorismo, nomeadamente o enfoque
na obtenção de ganhos económicos ou financeiros, a identificação de uma
oportunidade, a inovação, a assunção de risco e o facto de serem cometi-

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O “CRIME DE COLARINHO BRANCO” EMPREENDEDOR ... 577

dos por iniciativa individual de alguém que lidera o comportamento criminal.


Uma vez que a generalidade dos crimes incorporam o reconhecimento de
uma oportunidade e a assunção de risco, as características “enfoque na ob-
tenção de ganhos económicos ou financeiros” e “inovação” permitem isolar
uma subcategoria do CCB muito coincidente com o empreendedorismo no
delineamento e execução do delito, a qual designamos por crime de colarinho
branco empreendedor (CCBE). Cruzando a categorização do CCB, segundo
a Criminologia, com os elementos do empreendedorismo, é possível definir o
CCBE como crime ocupacional inovador cometido por líderes. Adaptando a
noção de CCB mais consensual da Criminologia, de J. H , J. B e
K. T (67)
, o CCBE é definido como:
Atos ilegais e atos não éticos que incorporam algum tipo de inovação e
que se traduzem numa violação ou abuso de confiança, cometidos por iniciati-
va de pessoas singulares socialmente respeitáveis no exercício legítimo da sua
ocupação profissional, com o intuito de obtenção de ganhos ou vantagens eco-
nómicas e financeiras a favor dos próprios ou de terceiros por si designados.
B (68)
já havia indicado que o talento empreendedor pode ser uti-
lizado na perpetração do CCB se tal for mais rentável do que o desenvolvi-
mento de atividades produtivas ou incrementadoras de valor social. Sendo
características centrais do CCBE a inovação, a liderança por quem possui
um estatuto elevado e a grande competência profissional dos agentes, este
tipo de crime desafia a eficácia dos sistemas judiciais, pois é árduo descobrir
e desmontar esquemas criminais sofisticadamente construídos que incorpo-
ram conhecimentos novos ou formas novas de combinar conhecimentos exis-
tentes, sem que haja experiência anterior dessas situações. Por outro lado,
está demonstrado que o talento empreendedor é fundamental para o desen-
volvimento da economia e para o aumento do bem-estar social — se usado
em atividades produtivas —, pois gera emprego, vantagens competitivas e
consequentemente riqueza. Destarte, torna-se premente procurar melhorar as

(67)
Cfr. D. F , Trusted criminals…, op. cit., p. 6.
(68)
W. J. B , «Entrepreneurship: productive, unproductive and destruc-
tive», op. cit.

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“regras do jogo” que enquadram as decisões das pessoas, de modo a que a


atividade produtiva lícita se torne mais apelativa e o CCBE menos atrativo
para quem possui “talento empreendedor”.
Demonstrou-se com alguns exemplos que o Direito e a política crimi-
nal podem contribuir substancialmente para esse desiderato. Acresce que um
elemento fundamental é a melhoria da eficiência do sistema judicial, maxi-
me através da redução dos tempos de investigação criminal e de tomada de
decisão, de modo a evitar a prescrição de processos complexos, cuja análise
requer equipas multidisciplinares com elevado grau de formação. Para tal
será necessário o Estado investir em tecnologia e na formação de recursos
humanos, assim como no recrutamento de equipas qualificadas, o que num
clima de grande restrição orçamental quanto à disponibilidade de recursos
monetários públicos se adivinha quase uma miragem. Porém, se a investi-
gação criminal for bem-sucedida no combate a este tipo de criminalidade,
provavelmente recuperar-se-á para o erário público montantes bastantes su-
periores ao investimento necessário ora reclamado. O caso do “Império das
Sucatas” é paradigmático neste desiderato.
O aumento da cooperação internacional entre as autoridades de todos os
países é um outro domínio que pode ajudar a reduzir fortemente a ocorrência
de CCBE. Efetivando o funcionamento dos sistemas de troca automática de
informações e dos acordos internacionais que obrigam a disponibilizá-las em
tempo útil e dessa forma abdicando de garantir o sigilo bancário nas operações
internacionais de mobilidade de capitais, será possível tornar menos atrativo o
planeamento fiscal abusivo e o branqueamento. Portugal tem estado na linha da
frente na adesão às iniciativas internacionais desta índole. Nos próximos anos
será de esperar o desenvolvimento de um combate mais efetivo ao CCBE a ní-
vel mundial e o adensar da consciência social quanto aos malefícios deste tipo
de criminalidade, apesar de esta não envolver violência física e de os delitos
serem cometidos por pessoas educadas e bem posicionadas na sociedade.

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Notas

(a)
I. K , Competition and entrepreneurship. Chicago: University of Chicago
Press, 1973.
(b)
E. P , 1959, apud N. A e R. G. S , «Defining entrepre-
neurial activity: Definitions supporting frameworks for data collection», in: OECD Sta-
tistics Working Paper, 2008, p. 7. Consultado em http://papers.ssrn.com/sol3/papers.
cfm?abstract_id=1090372 (18-3-2014).
(c)
J. S , 1912, apud W. J. B , «Entrepreneurship: productive,
unproductive and destructive», op. cit., p. 5.
(d)
F. K , 1921 apud N. A e R. G. S , «Defining entrepreneurial
activity: Definitions supporting frameworks for data collection», op. cit., p. 7.

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