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Cristiana Seixas

VIVÊNCIAS
EM BIBLIOTERAPIA
práticas do cuidado através da literatura
Direção editorial: Jean Cândido Brasileiro
Revisão: Gracinda Rosa e Luiz Antonio Barros
Design da capa: Raquel Ponte
Programação Visual e diagramação: Absoluta Criações

Este livro segue as normas do Acordo Ortográfico


da Língua Portuguesa de 1990, adotado no Brasil em 2009.

Esta obra está protegida por direitos autorais de acordo com a Lei 9.610/98.

Editora Cândido
Rua General Andrade Neves, 63/401 São Domingos
Niterói/RJ
Aos grandes mestres: Nise da Silveira,
Paulo Freire, Augusto Boal
e tantos outros que dedicaram seu ofício e arte
para transformar e libertar pessoas.
O poeta não me confere o passado de sua imagem,
e, no entanto, ela se enraíza imediatamente em mim.
Gaston Bachelard
Apresentação por Lena Jesus Ponte

Apoiada numa visão de Psicologia como “o cultivo da


alma”, a psicóloga Cristiana Seixas dedica-se a “desatar os nós do
ser” por meio da Biblioterapia.
Neste livro, apresenta os caminhos que vem percorrendo
nessa área de conhecimento. Partilha com o leitor textos
utilizados em sua prática de consultório e em outras atividades de
leitura que iluminam sentidos e sentimentos. Vozes de muitos
escritores entrelaçam-se à poeticidade da voz da própria autora.
Obra essencial para qualquer pessoa que se identifique
com a riqueza da literatura de todos os lugares e tempos. Para
quem arte é uma necessidade vital, um instrumento de
transformação interior, de encontro consigo e com o outro.
Apresentação por Renato Augusto
Farias de Carvalho

Eu estive anoitecendo no descampado dessas Vivências e


me senti mais aproximado... da literatura, do tato, do cheiro do
meu interior. Esse manual se guarda, religiosamente, sob dois
testemunhos: da ética e da retidão profissional. Tudo envolto em
dois símbolos – aptidão e decoro. E foi Carlos Nejar quem
escreveu – “Cada palavra é nova. Como a folha na parreira,
depois que o orvalho jorra.” Não me desfaço em frases porque
sua apaixonante terapia já está ordenada em correta escritura (de
inumeráveis sentimentos). A gente percebe o trabalho e o
resultado.
Emparceirados, os livros e as pessoas se harmonizam num
adágio que só deseja o bem. É bem possível resumir a dimensão
desse trato literário/terapêutico, repetindo as próprias palavras da
autora: “a profundidade do olhar poético que desnuda o humano
escondido por baixo das máscaras sociais”. Fico atraído pela luz
e pelo eco das cenas poéticas que você relata, Cris, em tantos
eventos, e me sinto desbotado a buscar expressões. Por lá andam
desde Oscar Wilde a Fernando Pessoa, de Manuel Bandeira a
Mário Quintana, Manoel de Barros a Lena Jesus Ponte,
“conversando” com Lygia Fagundes Telles, alcançando a poesia
cantada (linda!) do Milton Nascimento. Posso compreender (ou
sentir) o alcance terapêutico – bíblico? – muito mais que um
argumento. Verdadeiro encontro de ajudas mútuas. Clarice
Lispector, impregnada de ser, aprofunda-se e diz: “Você que me
lê, me ajude a nascer”. De fato, Cristiana Seixas, você está inteira
e sabiamente envolvida nesse cais de cheganças e buscas. Cais de
coragem. E acerta quando diz: (...) Sinto que sou um canal.
Morgana Masetti escreveu: “(...) muitas vezes a plateia é
composta por uma única pessoa, mas a intensidade é de um
teatro lotado.”
Estou, assim, absolutamente plural, na leitura deste livro.
A um só tempo feliz e único, no meu solar-auditório, lendo você.
Veja só, Cris, como foi útil meu contato com suas Vivências e
entendo que é preciso ficar tranquilo na companhia das minhas
intenções, seguindo a sua recomendação: textos e livros de
fruição não possuem contraindicações.
Temos um trabalho didático, lúcido e autoexplicativo.
Trajetória que se realiza completamente. Ressalve-se a ótica da
boa escolha. Uma vitrine literária. A gente tem vontade de se
enturmar e alimentar a alma. Às vezes uma certa fragilidade
poética proposital consegue provar a intensidade da força. Como
se costuma dizer, lá pelas terras de Fernando Pessoa, muitos e
muitos parabéns, Cristiana Seixas.

RENATO AUGUSTO FARIAS DE CARVALHO


escritor, poeta, membro da Academia Niteroiense de Letras
Sobre Cristiana Seixas

CRISTIANA SEIXAS é psicóloga, biblioterapeuta,


contadora de histórias, facilitadora de programas de educação e
desenvolvimento com mais de 20 anos de vivências, coach,
palestrante, escritora, mediadora de eventos literários variados
como rodas de leitura semanais, cafés-concerto mensais e
intervenções poéticas e literárias diversificadas. É pós-graduanda
em arteterapia. Nasceu em 24 de setembro de 1966 em Niterói,
onde hoje vive.
Organizou pela Editora Cândido as antologias Brumas e
Brisas (2017) e Vicejantes (2018), sendo co-curadora da Coleção
Biblioterapia.
Para saber mais: www.cristianaseixas.com.
Prefácio
Aceitei, com grande prazer, escrever esta introdução, mas a
verdade é que logo verifiquei que este livro dispensa apresentação. Como
relato que é, muito bem documentado, de um trabalho minucioso em que a
literatura, mais que um instrumento, é ela mesma a protagonista, que cria,
orienta, executa e propicia sempre transformações: o texto de Cristiana
Seixas é um legado.
A autora nos entrega um presente precioso: seu depoimento vibrante
do exercício que vem fazendo, cotidianamente, de sorver palavras escritas,
faladas, recitadas, gravadas e de, deixando-se embeber por elas, devolvê-las
impregnadas de sua crença inabalável no poder que têm.
Cristiana tece aqui um manto bordado e rebordado com o que existe
de mais precioso nos (quantos!) livros que a alcançaram. Sim, porque são
eles que nos buscam e se deixam abraçar, se a gente se oferece para o
encontro. Como o que começa a acontecer neste momento, quando você abre
Vivências em Biblioterapia.
Pois então, que posso eu dizer, à guisa de prefácio, numa
composição tão ricamente combinada e emoldurada? Posso, talvez, falar de
minha própria experiência, em que as histórias foram, também, as
condutoras. Traçando assim um paralelo com a biblioterapeuta Cristiana, eu,
que me autodenomino uma terapeuta cultural, busco, mais que atestar a
qualidade de seu trabalho, enfatizar a propriedade do elemento que o
origina: as histórias.
Aprendi que os contos eram regeneradores, menina ainda, quando
era acordada no meio da noite por uma irmã mais nova,que tinha medo da
solidão que lhe surgia de um escuro habitado por fantasmas. Nessas
ocasiões, ela me acordava e me pedia que lhe contasse uma história.
Ficávamos, então, lado a lado e eu ia criando enredos minuciosos, que
davam continuidade a um filme que víramos ou a uma historinha que já
conhecíamos, fazendo-os ganhar novos coloridos, outros ritmos.
Normalmente, qual nos contos de Sherazade, os relatos ficavam pela metade,
porque adormecíamos, ambas, antes de haver o final almejado.
Tínhamos, também, em nossa casa, disquinhos infantis coloridos,
com vozes mágicas de contadores ausentes que nos acalentavam no começo
da noite e as coleções de livros que muitas vezes eram eleitos como
personagens, depois de serem lidos, encarnando cada qual uma
personalidade distinta, de acordo com o enredo que se escondia em suas
páginas. Assim, fui me acostumando, desde muito cedo, a ficar atenta aos
aspectos e sentimentos diferentes que apareciam nos participantes daquelas
histórias…
Foi no colégio religioso, onde estudava, que tive a sorte de
encontrar quem me mostrasse os evangelhos como histórias exemplares, que
podiam ser interpretadas, adequando-se a qualquer tempo, a qualquer
cultura, a qualquer grupo social.
E, acrescendo tudo isso, havia as poesias (caprichosamente
copiadas em cadernos especiais e recitadas tanto nas aulas, quanto em
saraus), as letras das músicas que aprendíamos de cor e as histórias que nos
eram contadas em tardes chuvosas, por uma mãe substituta amorosa e teatral.
Esses foram alimentos que nutriam, em meu coração, o desejo de retribuir e
zelar também, o que me tornaria mais tarde uma educadora e, em seguida,
uma terapeuta.
Mas foram os mitos indígenas de nossos povos ancestrais, mais
recentemente descobertos, que me levaram a juntar todas essas vivências e
ousar introduzi-las em meu trabalho como psicanalista. Porque seus
conteúdos oferecem uma maneira outra de lidar com espaço e tempo, que
acompanham os descaminhos do inconsciente, como os sonhos fazem tão
bem! Essa nova prática me apontou a cultura (que é múltipla e infinda) como
campo genuíno de meu fazer terapêutico.
E esses mitos, ao se tornarem temas dos livros que passei a
escrever, me trouxeram, um dia, Cristiana e me propiciaram saber de seu
importante movimento como biblioterapeuta. Descobrimos desde o primeiro
momento que falávamos linguagens irmãs e o respeito mútuo, que surgiu daí,
só nos trouxe o fortalecimento de nossos próprios desejos.
Receber, da autora, a homenagem de falar de seu trabalho como escritora é
tarefa que muito me envaidece e que merece delicadezae precisão.
E eu lhes digo, pois, sem nenhum exagero: eis um livro delicioso de
ler, porque interessante, totalmente despojado e sincero, que é, ao mesmo
tempo, um excelente manual. Cristiana Seixas narra, aqui, todo seu percurso
nesse campo; dá todas as dicas; informa generosamente sobre as fontes de
onde extraiu muitas de suas inspirações; estimula quem quiser segui-la,
fornecendo detalhadamente os mapas dos tesouros; e ainda agradece, ao fim,
sábia que é, com a simplicidade de uma boa mestra.
Vivências em Biblioterapia, um livro que agrega muitos livros
importantes, fará, sem dúvida, uma bela carreira. Na academia, na
preparação de profissionais, como estímulo para quem se dedica ao
processo de autoconhecimento, como roteiro para educadores, aqui está um
bonito presente. Repleto de riquezas do passado, aponta para um tempo que
há de vir e que já se anuncia, quando os valores poderão ser resgatados, no
ambiente de magia que as histórias conservam e fazem ressurgir, sempre que
necessário.

Maria Inez do Espírito Santo


www.mariainezdoespiritosanto.com
Palavras em abertura
Eu quase que nada não sei.
Mas desconfio de muita coisa.
Guimarães Rosa

Muitas histórias para contar nestes anos de experiência com a


Biblioterapia. Escrevo para partilhar estas vivências: as descobertas, as
formas, os aprendizados, acervos garimpados, depoimentos, diálogos
trançados, assuntos correlatos, além de uma lista de desejos para futuros
desdobramentos. Inspirada por Bartolomeu Campos de Queirós, acredito que
cada livro seja como uma semente: carrega em si o antes e o depois.
(QUEIRÓS, 2004)
Escrevo também para me permitir retornar a viver. Sim, porque este
livro vem sendo escrito na mente ininterruptamente, enquanto a correria do
cotidiano exige o desvio da atenção para outros universos. E quando o
mundo interior vai ganhando espaço, os bens mais preciosos e raros são o
silêncio e a solidão. Navegar nos rios internos para deixar fluir a expressão,
ou simplesmente para libertar-se dela. E isto não é simples ou fácil. Criar
espaço para o que é relevante é tarefa de uma vida inteira. A capacidade de
dizer não ao outro e sim para si é uma evidência de coragem e força de
criação.
Este livro é um mosaico de influências. Serão mencionadas
inúmeras referências, citações, fontes para permitir a navegação nas águas
infinitas das palavras. E, pela minha experiência, sinto que a transformação é
potencializada através da oralidade, quando o que está escrito ganha vida e é
trazido para discussão. É na troca, no compartilhamento, na expressão que as
crenças se movem, a percepção se expande e outros caminhos se apresentam.
Desta forma, meu discurso é fruto de matizes de vozes de escritores,
participantes dos círculos de biblioterapia, pacientes, mestres, amigos de
clubes de leitura, dentre tantos outros, a quem honro e agradeço.
Uma reverência especial a Dília Gouveia, portuguesa, escritora, professora
de literatura e filosofia, especialista em Fernando Pessoa e Nietzsche, que se
mudou para o Brasil e passou a ministrar aulas para pequenos grupos em
residências. A luz do conhecimento através dela fez brilhar esperança em
meu norte. Parceira em inúmeras atividades, deu-me a alegria em contribuir
com um capítulo desta obra. Minha admiração e respeito a cada um que
generosamente cede um pouco de si para o outro.
Se, ao ler qualquer trecho, você sentir que precisa me mostrar algo
essencial para potencializar a prática ou para dissipar meus enganos, ficarei
sinceramente agradecida e feliz em ouvi-lo. Alimento-me do desconhecido e
das desleituras e assim descortino universos, ciente e faminta do papel de
semear expansão. Deixo aqui registrada minha incompletude e lembro que
um dos objetivos deste livro é ser uma ponte para ressonâncias.
Gratidão por todas as relações e pelo que através delas se constrói.

Cristiana Seixas
Mas o que é biblioterapia?
Com o Quixote, a literatura se torna “clínica”.
Passa a ser não apenas objeto de prazer intelectual,
mas objeto de cuidado humano.
José Castello

A reação mais comum das pessoas ao ouvir esta palavra é surpresa.


A maioria nunca ouviu falar. Apesar de não conhecer o termo, há duas
perguntas que mostram que cada um já tem certa intimidade com a prática:

1. Algum livro já o impactou a ponto de mudar suas escolhas


de vida?
2. Já aconteceu de, ao conversar com alguém, ter vontade de
recomendar um livro para ampliar a percepção da pessoa sobre a
questão?

Se você respondeu sim, já foi tocado por ela.


De acordo com a etimologia, biblioterapia significa terapia por
meio de livros. É derivada do grego, composta dos termos Biblion e
Therapein. Biblion é todo tipo de material bibliográfico ou de leitura e
Therapein significa tratamento, cura ou restabelecimento.
O psicólogo clínico é um terapeuta. O primeiro sentido da palavra
terapeuta é: aquele que cuida. Como alertou Boff:

Cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais


que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude
de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo
com o outro.
(BOFF, 1999, p. 33)

E Ouaknin complementa a definição, para abranger a fluidez da


linguagem como exercício de liberdade:
O papel do terapeuta é cuidar do ser, isto é, essencialmente,
cuidar da liberdade e da abertura que provoca uma linguagem em
movimento. Oterapeuta deve assim “desfazer” não somente os “nós da
alma”, que são um entrave à vida e à inteligência criadora, mas também
os “nós da linguagem”, palavras encerradas na prisão de um sentido
único.
(OUAKNIN, 1996, p. 21)

Em hebraico, a palavra “doença” se diz mahalá, da raiz mahol,


“fazer uma roda”, “traçar um círculo”. Para sair da doença, é preciso sair do
aprisionamento, quebrar o círculo.
A capacidade terapêutica do livro remonta às antigas civilizações
egípcia, grega e romana, que consideravam suas bibliotecas um espaço
sagrado, em que a leitura possibilitaria um alívio das enfermidades.
Na Grécia antiga e na Índia recomendava-se a leitura individual
como parte do tratamento médico.
No século XVIII, foi criado o movimento filantrópico que levou a
leitura aos hospitais.
Desde o século XIX, nos Estados Unidos se utiliza leitura individual
em hospitais como coadjuvante no processo de recuperação do doente. A
biblioterapia é uma disciplina da biblioteconomia e pouco difundida não só
no Brasil, como no mundo. Globalmente, por enquanto, não há formação,
certificado, nem associação de biblioterapeutas. Como é interdisciplinar, as
exigências para compor
uma formação estão ainda em discussão.
No Brasil, Clarice Caldin, autora do livro Biblioterapia: um
cuidado do ser (CALDIN, 2010) e de inúmeros artigos científicos
publicados sobre o assunto, ministra a disciplina biblioterapia na graduação
em Biblioteconomia na Universidade Federal de Santa Catarina. Ela faz uma
distinção entre biblioterapia de desenvolvimento e clínica, sendo a de
desenvolvimento aquela que pode ser aplicada por bibliotecários e
biblioterapia clínica, somente por psicólogos.
Durante minha formação em psicologia, dentro da abordagem da
Terapia Cognitivo-Comportamental, a biblioterapia foi apresentada como a
prática de incentivar a que o próprio paciente tenha acesso a informações
sobre sua patologia. Uma aplicação relevante, mas aquém da potencialidade
desta prática.
Minha atenção é direcionada à biblioterapia clínica, não apenas por
ser pouco abordada, mas por reconhecer nela um fecundo campo de
expansão da prática para benefício sistêmico.
Como fui fisgada pela prática
Hesito, logo existo.
Lena Jesus Ponte

Em 2009, com 43 anos, completava o estágio necessário à


graduação em psicologia. Com mais de 20 anos atuando em recursos
humanos em empresas, especificamente na área de educação e
desenvolvimento, estava mais interessada na prática do coaching, um método
utilizado para “liberar o potencial de uma pessoa para maximizar sua
performance, ajudá-la a aprender em vez de ensiná-la”. (WHITMORE,
2006, p. 02)
Na época, atuava como coordenadora de treinamento e
desenvolvimento de uma fábrica da área de Petróleo e Gás e a graduação em
psicologia permitiria ampliar o campo de atuação profissional na empresa.
No passado, trilhei caminhos pela Faculdade de Letras – Português/Inglês,
que não segui pelos reveses da vida. Jamais imaginei atuar como psicóloga
clínica ou sequer incorporar a literatura em minha atividade profissional.
Durante o estágio, iniciei os atendimentos individuais. Comecei a
observar que cada pessoa é como se fosse um livro: várias histórias
emaranhadas em busca de expressão, um conteúdo à espera de ser
desvelado. Mas um caso, em especial, provocou uma reviravolta no meu
rumo: uma paciente de 44 anos iniciou acompanhamento psicológico, em
março de 2010. Sua queixa era a presença de insônia, calafrios, palpitações,
pressão alta, falta de ar. Já tinha consultado um clínico geral, que descartou
questões de origem fisiológica e recomendou um acompanhamento
psicológico.
No primeiro encontro estava muito angustiada e falou sobre a morte
do seu marido, que se deu durante uma relação sexual com ela. Possuía dois
filhos, uma menina de 12 anos, que estava agressiva nas relações com a
família e um menino de 16. No decorrer dos encontros, foi observado que o
luto era uma questão central e que não fora trabalhado. Havia dois anos que
ninguém da família tinha coragem de falar sobre a morte. A paciente passava
a maior parte do tempo isolada em seu quarto, nutrindo um forte sentimento
de culpa. Lembrei-me do livro Mas por quê??! A história de Elvis de Peter
Schössow (2008), que trata o tema do luto de forma sutil. Eu o trouxe na
semana seguinte e pedi a ela que o levasse, lesse e que deixasse em local
visível para despertar a curiosidade dos filhos. No encontro posterior, ela
contou que todos o leram e, motivados pelo seu conteúdo, iniciaram a
relembrar histórias, a buscar fotografias, a falar do pai. Isto gerou uma
oportunidade de esta família se expressar, compartilhar seus sentimentos.
Permitiu que chorassem juntos, reconhecessem sua dor e processassem o
luto. Este fato contribuiu para uma melhora significativa no quadro da
paciente e na relação com os filhos, além da retomada de projetos de vida,
como o retorno aos estudos e o início de um namoro. Uma semana após, a
paciente suspendeu a terapia por sentir-se aliviada e apta para iniciar uma
nova fase. Meus supervisores ficaram surpresos e não acreditaram que um
livro pudesse impactar desta maneira e provocar uma transformação tão
rápida num processo psíquico.
Desde então, fiquei surpresa com o quanto um livro pode contribuir
para descristalizar uma situação. Encantou-me presenciar a possibilidade de
uma contribuição significativa na vida de alguém. A partir disto,
entusiasmei-me pela atuação clínica e passei a garimpar continuamente
livros que pudessem me acompanhar nos casos.
Paralelamente ao trabalho na fábrica, realizava atendimentos à noite,
sublocando espaço em consultório de amigos. Minha gratidão à Luciani
Peçanha e especialmente ao Paulo Bastos, pela sincronicidade do encontro e
generoso apoio nos momentos iniciais. Durante as sessões, sentia falta de ter
acesso a um livro, ou poesia específica. Iniciei então o acervo que faz parte
da estante de livros que chamo de “farmacinha”, pois considero que cada um
tem a função de um medicamento.
Após a conclusão da formação em psicologia no final de 2010, pedi
demissão da fábrica, abrindo mão de um salário fixo e benefícios, para
dedicar-me de forma autônoma e integral à psicologia e biblioterapia. Passei
a atender em consultório próprio em Icaraí, Niterói – RJ, onde foi possível
ter os livros ao meu lado. Sinto-me desde então protegida e ancorada por
eles.
Em julho de 2011, dei início aos círculos de biblioterapia: rodas de
leitura com fins terapêuticos. Com um acervo que considerava precioso,
divulguei uma programação de encontros semanais, com uma hora e meia de
duração, sem necessidade de leitura prévia. A participação poderia ser
eventual, por encontro ou mensal. Para minha surpresa, duas pessoas, as
irmãs Wanda Grandelle e Maria da Glória de Moraes, pagaram a
mensalidade. Gratidão especial a elas, e também a Adelina Magalhães, que
logo se juntou ao grupo e até hoje participam dos encontros. Sua confiança e
valorização foram forças cocriadoras desta história. Elas acreditaram em
mim num momento repleto de incertezas. É de um valor inefável ter alguém
interessado no que você pode oferecer! Inicialmente imaginei que, ao esgotar
o acervo, reiniciaria com os mesmos títulos para grupos diferentes, mas o
que aconteceu na prática foi um forte estímulo a conhecer continuamente
novos livros e compartilhá-los através dos círculos, com o mesmo grupo,
aprofundando e explorando leituras, afrouxando os nós e estreitando os
laços.
Círculos de ler, acolher e escrever-se
Alfabetização é leitura do mundo, leitura de si,
leitura dos outros, leitura da realidade.
Estar vivo é ler, reler, continuar lendo,
desconstruindo palavras e sentidos
e construindo novos.
Somos permanentes alfabetizandos
e alfabetizadores.
Madalena Freire

Como já mencionado, os círculos de biblioterapia são rodas de


leitura com fins terapêuticos. Acontecem semanalmente, com uma hora e
meia de duração, e um material é previamente selecionado para leitura
coletiva. Não requer leitura prévia dos participantes, os encontros são
interdependentes e há premissas que norteiam sua dinâmica:

1. O mais importante não é o que o autor quis dizer, mas o que a


leitura evoca em cada participante. Desta forma, se alguém quiser
fazer uma interrupção para expor um comentário ou lembrança,
este é priorizado e constitui o propósito do trabalho;

2. Quando há opiniões divergentes, não há disputa para concluir


quem está correto. Cada um pode expressar suas opiniões acerca
do que está sendo discutido e os demais fazem um exercício de
escuta, de suspensão do julgamento, para ouvir os argumentos
alheios. Como escreve Paulo Freire:

Escutar significa a disponibilidade permanente por parte do sujeito


que escuta para a abertura à fala do outro, ao gesto do outro, às
diferenças do outro. [...] A verdadeira escuta não diminui em mim,
em nada, a capacidade de exercer o direito de discordar, de me opor,
de me posicionar. Pelo contrário, é escutando bem que me preparo
para melhor me colocar ou melhor me situar do ponto de vista das
ideias.
(FREIRE, 1996, p. 119-120);

3. Quem participa das rodas de biblioterapia não tem compromisso


com ser intelectual, literato ou possuir grande cultura. Todos são
bem- vindos. Convoco novamente as sábias palavras do mestre
Paulo Freire:
Minha segurança se alicerça no saber confirmado pela própria
experiência de que, se minha inconclusão, de que sou consciente,
atesta, de um lado, minha ignorância, me abre, de outro, o
caminho para conhecer. Me sinto seguro porque não há razão para
me envergonhar por desconhecer algo.
(FREIRE, 1996, p. 135);

4. Raramente é distribuído material para acompanhar as leituras


para que se desenvolva a capacidade de atenção focada. Cada
participante pode pedir releitura, até para poder processar e
aprofundar o conteúdo e seus impactos;

5. Os participantes são incentivados a ler para o grupo, mas não há


a obrigatoriedade. A prática contribui para melhoria na dicção,
vocabulário e expressão oral.

As pessoas são muito diferentes, mas possuem questões similares.


Uma saída para uma pode dialogar com o histórico de outra. Pela
pluralidade de leituras de um mesmo fato, uma pessoa pode flexibilizar
sua interpretação e assim “descosturar” o pensamento, utilizando uma
expressão de Lygia Bojunga contida no livro A Bolsa Amarela. (NUNES,
1985)

[...] Gosto de inventar argumento só para ver até onde vai o


cimento do pensamento alheio.
(ROCHA, 2012, p.63)

O que inevitavelmente acaba acontecendo é que são atraídas


pessoas amantes dos livros. Desta forma, cada assunto remete a outra leitura
e assim vamos fazendo empréstimos e doações entre os participantes e
aumentando o acervo, as visões e ideias a respeito de qualquer assunto. Um
vínculo acaba se formando e fortalecendo a autoestima para o enfrentamento
das dificuldades do cotidiano.
Por vezes, há trechos que podem evocar dores mais antigas, mais
profundas e, através da confiança tecida pelo tempo, acontece o chamado
“efeito saca-rolhas”: como se o que estancava a emoção se dissolvesse e
permitisse seu fluxo. Como contornar estas situações? Em primeiro lugar, há
um agradecimento pelo ocorrido, pois o propósito está sendo atingido. As
dores engolidas e ignoradas formam nódulos no corpo. Expressas ou fluidas
em lágrimas contribuem para uma travessia da dor e amadurecimento.
Quando a questão é recorrente ou o participante começa a catalisar o tempo
do grupo para si, este é convidado a um encontro individual para permitir
uma atenção dedicada ao que foi despertado.
Outra prática utilizada nos círculos é a de fazer perguntas para
fomentar a reflexão e expressão. Um exemplo: na antologia de Hilda Hilst,
Uma superfície de gelo ancorada no riso, há a seguinte frase:

[...] ninguém está mais vivo dentro de mim do que o meu pai.
(HILST, 2012, p. 103)

É feita então uma pergunta aos participantes: quem ou o quê está


muito vivo dentro de você?
Os momentos gerados por este tipo de questionamento foram, em sua
grande maioria, ricos e reveladores. A sensação é de viver outro tempo e
ritmo. Um espaço para quebrar a rotina, mergulhar numa leitura, se perceber
através das provocações do que é lido e expandir possibilidades pelo
encontro da diversidade do viver.
A seguir, há uma relação de alguns dos livros trabalhados no
período de 04 de julho de 2011 a 26 de novembro de 2013. Foram 110
encontros que contaram com 528 participações. Esta seleção se deu através
da identificação de conteúdos que potencialmente renderiam boas
discussões, sugestões dos participantes, resenhas de críticas literárias,
temáticas diversas:

• A arte de amar, de Erich Fromm, 1958;


• A arte de restaurar histórias, de Jean Clark Juliano, 1999;
• A borboleta amarela, de Rubem Braga, 1963;
• A ciranda das mulheres sábias, de Clarissa Pinkola Estés, 2007;
• A confissão da leoa, de Mia Couto 2012;
• A disciplina do amor, de Lygia Fagundes Telles, 1980;
• A escola e os desafios contemporâneos, de Viviane Mosé, 2013;
• A luta corporal, de Ferreira Gullar, 2013;
• A matéria do poema, de Nuno Júdice, 2008;
• A paixão segundo G.H., de Clarice Lispector, 1998;
• A passagem tensa dos corpos, de Carlos de Brito e Mello, 2009;
• A poética do espaço, de Gaston Bachelard, 2008;
• A psicanálise do fogo, de Gaston Bachelard, 2008;
• A queda, de Albert Camus, 2012;
• A terra e os devaneios da vontade, de Gaston Bachelard, 2008;
• A velhice, de Maria Helena Martins e Simone de Beauvoir, 2008;
• Água Viva, de Clarice Lispector, 1998;
• Antologia poética, de Carlos Drummond de Andrade, 2009;
• Antologia poética, de Cecília Meireles, 2002;
• Antologia poética, de Cora Coralina, 2004;
• Antologia poética, de Vinicius de Moraes, 2009;
• Apontamentos de história sobrenatural, de Mario Quintana, 2005;
• As cidades invisíveis, de Ítalo Calvino, 1990;
• As cores do crepúsculo, de Rubem Alves, 2001;
• As feridas de um leitor, de José Castello, 2012;
• Até passarinho passa, de Bartolomeu Campos de Queirós, 2003;
• Baú de Espantos, de Mario Quintana, 2006;
• Cada homem é uma raça, de Mia Couto, 2013;
• Carência e Plenitude, de Jean-Yves Leloup, 2001;
• Cérebro e crença, de Michael Shermer, 2012;
• Correspondências, de Clarice Lispector, 2002;
• De profundis, de Oscar Wilde, 2002;
• De uma vez por todas, de Thiago de Mello, 1996;
• Em busca de sentido, de Viktor Frankl, 1991;
• Estórias abensonhadas, de Mia Couto, 2012;
• Inventário das sombras, de José Castello, 2006;
• Ler o mundo, de Affonso Romano de Sant’anna, 2011;
• Lições de feitiçaria, de Rubem Alves, 2003;
• Livro do desassossego, de Fernando Pessoa, 2006;
• Longe como o meu querer, de Marina Colasanti, 2002;
• Minerações, de Bartolomeu Campos de Queirós, 1991;
• Mormaço na floresta, de Thiago de Mello, 1983;
• Muitas vozes, de Ferreira Gullar, 2010;
• Mulheres que correm com os lobos, de Clarissa Pinkola Estés,
1994;
• Notas do subsolo, de Fiódor Dostoiévski, 2012;
• O Aleph, de Jorge Luis Borges, 1992;
• O encantador, de Lila Azam Zanganeh, 2013;
• O fio das missangas, de Mia Couto, 2009;
• O gato malhado e a andorinha Sinhá: uma história de amor, de
Jorge Amado, 1976;
• O livro dos abraços, de Eduardo Galeano, 2000;
• O mal-estar da pós-modernidade, de Zygmunt Bauman, 1998;
• O olho de vidro do meu avô, de Bartolomeu Campos de Queirós,
2004;
• O retrato, de Nikolai Gogol, 2012;
• O teatro de sombras de Ofélia, de Michael Ende e Friedrich
Hechelmann, 1992;
• Para ler em silêncio, de Bartolomeu Campos de Queirós, 2007;
• Paratii entre dois polos, de Amyr Klink, 1992;
• Pedagogia da autonomia, de Paulo Freire, 1996;
• Pedagogia do oprimido, de Paulo Freire, 2005;
• Perdi um jeito de sorrir que eu tinha, de João Batista Ferreira, 2009;
• Poemas dos becos de Goiás e estórias mais, de Cora Coralina, 1978;
• Poesia completa, de Manoel de Barros, 2010;
• Quero minha mãe, de Adélia Prado, 2005;
• Sábados inquietos, de José Castello, 2013;
• Saber Cuidar, de Leonardo Boff, 1999;
• Solte os cachorros, de Adélia Prado, 1991;
• Superação: um salto além da doença, de Ana Garcia, 2010;
• Teoria geral do esquecimento, de José Eduardo Agualusa, 2012;
• Toda palavra, de Viviane Mosé, 2006;
• Toda poesia, de Paulo Leminski, 2013;
• Trocando olhares, de Florbela Espanca, 2009;
• Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, de Clarice Lispector, 1998;
• Uma ideia toda azul, de Marina Colasanti, 1979;
• Uma superfície de gelo ancorada no riso, de Hilda Hilst, 2012;
• Vasos sagrados – mitos indígenas brasileiros e o encontro com o
feminino, de Maria Inez do Espírito Santo, 2010;
• Vermelho amargo, de Bartolomeu Campos de Queirós, 2011.

Pode-se observar que a seleção é bem eclética, pois um dos


objetivos é justamente expandir o olhar. E não há nada melhor do que a
diversidade e pluralidade de narrativas. Admiro o escritor Amós Oz, que
disse que entrar em contato com a literatura é como fazer uma viagem na
condição de um turista observador que entra na casa das pessoas, nos cantos
mais escondidos, na mente de cada morador daquela cultura. Ele afirma que
a curiosidade é o antídoto para o fanatismo e que o fanático é um ponto de
exclamação ambulante: não só não muda de opinião, como não muda de
assunto. Há ocasiões em que é possível ter a presença do autor. O encontro
fica enriquecido pela possibilidade de dialogar a respeito do processo
criativo, de ampliar o contexto que fomentou a escrita e de se aproximar de
alguém com força e coragem de compartilhar histórias. Para o escritor, ter
um contato mais próximo com seus leitores e poder presenciar os
desdobramentos que suas palavras provocam são verdadeiros presentes.
Todos os envolvidos saem positivamente alimentados. Foi realizado, em
2012 e 2013, um total de 20 encontros com a presença dos autores, a saber:
O círculo que teve maior quantidade de pessoas foi o de Dília
Gouveia, com treze presenças. A média é de cinco participantes por
encontro. Alguns aconteceram com apenas duas ou até mesmo com uma
pessoa. Não defino número mínimo de participações, influenciada por um
trecho do livro Soluções de palhaços, de Morgana Masetti (1998), psicóloga
que dá apoio e escreve sobre a ação dos doutores da alegria nos hospitais.
Ela menciona que muitas vezes a plateia é composta por uma única pessoa,
mas com a intensidade de um teatro lotado. Sinto isto, pois quando o
encontro é individual, abordamos as questões com mais profundidade. E não
há prejuízo, pois os círculos demandam um ritmo contínuo de leitura e
decantação, através do preparo dedicado para apresentá-lo ao grupo. Além
de ler e reler, marcar os trechos significativos, pesquiso a biografia do autor,
busco vídeos e reportagens para enriquecer as partilhas. E este processo
alimenta o acervo utilizado no consultório, além do próprio conhecimento
adquirido que por si só é valor agregado. Sinto-me uma viajante nas
palavras e sou reinventada a cada leitura.

[...] ponho primazia é na leitura proveitosa.


Guimarães Rosa (2001, p. 31)

Em minha opinião, o ápice do processo biblioterapêutico é quando o


leitor se torna autor. O incentivo à leitura desperta as próprias histórias. A
escrita criativa é fomentada no processo e há encontros programados para
partilhar produções de própria autoria. Não há o compromisso com o valor
literário, estética ou qualquer outra variável. O pacto é com a expressão, em
deixar fluir, colocar para fora aquilo que não quer calar, que borbulha, que
busca saída. O próprio contato com a pluralidade das produções vai criando
um campo de permissão criativa.

[...] escrever significa mexer com funduras.


Caio Fernando Abreu (2006, p. 106)

Quem escreve escava o que o silêncio palavra.


Viviane Mosé (2006, p. 19)
Se escreveu, a pessoa foi capaz de criar um espaço para mergulho
em si mesma e provocar uma saída da expressão. E este é um ato de coragem
extrema e transgressão de um grande fluxo de alienação. Muitos passam a
vida fugindo e sendo vítimas do que não é olhado, reconhecido e cuidado.
Quando o que incomoda sai para o papel já é um alívio. Se publicado, o
sentimento é de exorcismo, como num parto das entranhas, um processo de
deixar partir, de fazer a travessia para a cicatrização e libertar-se.
Recomendo fortemente. E não sou só eu.

[...]É que gavetas que guardam textos inéditos assemelham- se a


túmulos.Com uma diferença crucial e dramática: as gavetas
literárias guardam (e escondem) Vida e não restos inanimados.
Daí, sua condição inaceitável para os que não gostam de ver vida
sem ser vivida.
(NOVAES/, 2013, p. 8)

Um dos maiores prazeres que vivenciei neste trabalho foi a


realização de um círculo com poesias inéditas de uma das participantes, a
Inês Drummond, a caminho da publicação de seu primeiro livro: Des
Caminhos. É inefável assistir à transformação de um ser que transmuta suas
inquietações em expressão escrita e assiste o próprio parto, ganha força e
luz. Compartilho aqui uma de suas produções:

[...] se não escrevo correto, me escrevo,


me amanheço. Enão sou certa, sou irregular, pontiaguda.
Se o receio me prende elas me soltam, desapertam.
Só sei que tenho
um amor muito grande que pulsa.
E um quê de criança perdida
que me faz querer dançar na chuva.
Ou me recolher na indiferença da solidão. E me acho.

Acredito que um grande ganho no trabalho é o fortalecimento da


autoestima. Mais seguro de si, o indivíduo toma coragem de ousar e ir além.
É um aprendizado a caminhar com o medo, apesar dele.

Escondo o medo e avanço. Devagar. Ainda não é o fim. É bom


andar, mesmo de pernas bambas.
Thiago de Mello (2006, p. 156)

A expressão por si já é um caminhar, é uma atitude, uma entrega do


que transbordou pelo diálogo consigo mesmo. Há um trecho do poema “Ex-
voto” de Adélia Prado que bem traduz esta potencialidade:

Ao escolher palavras com que narrar minha angústia, eu já respiro


melhor. A uns, Deus os quer doentes, a outros quer escrevendo.
(PRADO, 1991, p. 471)

Já foi realizado um círculo com outro livro ainda não publicado:


Palavrador de Tiene Decache, uma terapeuta corporal que compartilha seus
aprendizados conquistados na experiência de sua profissão e nas tessituras
com a arte e a espiritualidade. Um encontro memorável e recheado de
sabedoria. Cito uma de suas inspiradoras frases partilhadas:

... pude vivenciar bem de perto a chance de adoecer para perder o


medo de ser saudável.
Tiene Decache

Estes exemplos mostram o quanto o processo, além de terapêutico, é


de incentivo à leitura e à escrita. O crescimento é cultural, pessoal, coletivo,
ou seja, sistêmico.
Para um livro ser alvo de círculo, ele é lido no mínimo duas vezes.
Numa primeira leitura, são identificados trechos que potencialmente serão
utilizados. Há que se ter a preocupação em dar um encadeamento de
questões que serão abordadas e buscar uma espécie de fechamento. Após a
primeira leitura e seleção dos trechos, imagina-se o que essencialmente
deverá ser abordado, considerando o tempo de uma hora e trinta minutos
com intervenções dos participantes. O que costumo fazer é identificar, dentre
os trechos selecionados, aqueles que são essenciais. Quando a participação
é grande e reduz o tempo de leitura, limito-me a estes.
Se o grupo for maior, recomenda-se um material mais conciso para
permitir o espaço de expressão de cada um, com um conto, poesia ou
crônica. Como todo encontro é um fenômeno, não há como prever o que
acontecerá, como e o quanto as pessoas participarão. Desta forma, é
prudente preparar-se para a falta ou o excesso de tempo.
Costumo fazer e divulgar uma programação prévia e isto algumas
vezes impediu de esmiuçarmos com mais profundidade alguns livros e suas
provocações. Há conteúdos densos e ricos demais para serem abordados em
apenas um encontro. Um exemplo foi A velhice, de Maria Martins e Simone
de Beauvoir (MARTINS & BEAUVOIR, 2008), que rendeu excelentes
reflexões e discussões, um livro clássico, com 712 páginas, que
revolucionou uma época. Poderíamos perfeitamente ter trabalhado este livro
durante todo um mês, ou seja,
em quatro encontros.
Cada aprendizado é então incorporado nos próximos círculos, num
diálogo contínuo pela transformação construtiva.
Atendimento clínico: um diálogo de
muitas vozes
Tenho sido a maior dificuldade no meu caminho.
É com enorme esforço que consigo
me sobrepor a mim mesma. [...]
Mas às vezes por uma palavra tua ou
por uma palavra lida, de repente tudo se esclarece.
Clarice Lispector

A pessoa que busca psicoterapia encontra-se num momento de


travessia.Procura ajuda por estar diante do insustentável. Normalmente,
chega como um pote muito cheio, a ponto de transbordar. Ao mesmo tempo,
empenha uma força enorme para conter a emoção que o sofrimento está
causando.

[...] Tem gente que tem o costume de vazar pelos cantos. No


começo vaza calada. Aos poucos. Aos pingos.
Mas se pega gosto principia o derrame. Escorre quando fala. Escorre
quando anda. Não tem mais braço nem cabelo que segure. Parece que
vicia em ficar transbordada.
Mas tem gente que quando transborda é pra dentro E corre o risco de ficar
represada. E represa, você sabe. Se aumenta muito arrebenta.
Mas se a pessoa ensaia um jeito de derramar pra fora Aí vai fazendo leito.
Vai abrindo seu caminho na terra
E a terra parece que se abre para ela passar. Às vezes não.
Viviane Mosé (2000, p. 54)

Os livros e as palavras são como os barcos que auxiliarão nas


travessias necessárias, seja em mar calmo ou no meio das tempestades.

Andei por abrigos extensos. Mas não encontrei sombra senão na


palavra.
Mia Couto (2012, p. 243)
No consultório, tenho estantes com livros já dissecados e
preparados para fazerem parte das sessões. Isto significa que em cada um há
trechos identificados com marcadores de páginas, símbolos desenhados no
texto para permitir sua rápida localização. É relevante adotar um critério
para permitir a fluidez da intervenção.
Enquanto a pessoa conta sua história, é comum algum livro “pedir
voz”. Se o conteúdo for breve, o livro é retirado da estante e o trecho, lido.
Se não, o livro é mostrado e a leitura, sugerida. Se o cliente confirmar o
interesse, é feito o empréstimo para permitir que faça contato com suas
ideias, em uma semana. Na sessão seguinte, ele comenta como a leitura o
impactou. Quando o leitor encontra muita ressonância com o autor, acaba
comprando o livro, para fomentar diálogos mais duradouros.
Chamo os livros de “voadores”, pois estão sempre entrando e
saindo da estante. Alguns chegam a desfazer-se, pois muitos foram
comprados em sebos.

Quando você possui um livro com toda a força da sua mente e


espírito, você se aprimora. Mas quando você passa o livro
adiante, se aprimora três vezes mais.
Henry Miller (apud SANKOVITCH, 2011, p. 97)

Neste processo é importante manter um registro de empréstimos,


pois é muito desagradável já não haver certeza de com quem está um
determinado livro, principalmente quando ele não retorna. É raro, mas já
ocorreu. O extravio configura um prejuízo considerável, pois, mesmo que o
cliente compre um novo, os fragmentos significativos deverão ser novamente
identificados através da releitura, o que roubará o precioso tempo de
explorar aqueles que aguardam na fila. Um aprendizado é criar critérios de
responsabilização para conscientizar o paciente da importância de cada
exemplar que compõe o acervo biblioterapêutico.
Acontece, com certa frequência, de um livro ou trecho ser citado e
não estar disponível por ter sido levado por outra pessoa. Neste caso, anoto
para oferecê-lo no próximo encontro.
Não há como prever quantos e quais livros serão utilizados em cada
sessão. A prática requer uma atenção contínua ao que se apresenta e uma
disciplina para o espaço ser predominantemente da fala do paciente e não da
literatura. Há situações em que cinco livros (com pequenos trechos) são
trabalhados e, em outros, nenhum.

[...] só os livros que amamos guardam um poder curativo. Livros


vistos como objetos de utilidade, de progresso material, de
competição, não causam alívio algum.
José Castello (2012, p. 68)

O acervo biblioterapêutico não é formado apenas pelo psicólogo. O


paciente pode e é incentivado a trazer leituras que o afetam para discussão e
investigação. Não sou especialista em literatura, nem tenho a pretensão de o
ser. Sou amadora (aquela que ama), aprendiz iniciante das mensagens
subliminares nos livros, nas pessoas, nos conflitos, nos medos e buscadora
de caminhos possíveis pela liberdade de ser. Tenho imenso prazer na
cocriação de vida e coloco-me a serviço disto.
Certa vez, uma pessoa entrou em contato para marcar um encontro
individual para falar do livro Em busca de sentido, de Viktor Frankl (1991).
Seu interesse foi despertado após a divulgação de um círculo de
biblioterapia com ele. Ela não possuía o livro, mas admirava o autor. Pediu
que eu lesse os trechos identificados por mim. E assim fizemos. A cada
trecho lido, muito choro o acompanhava. Fomos tecendo pontes entre a
angústia da realidade e emoções descritas pelo autor no campo de
concentração e seu contexto. A paciente era casada com um militar que
trabalhava em missões sigilosas. Sua vida era recheada de solidão e
segredo. A tristeza transbordava em sua expressão.

Quem enterra um tesouro enterra-se com ele. O segredo é um


túmulo.
Gaston Bachelard (2008, p. 100)

Foi apenas um encontro. Na despedida, ela me deu um forte abraço,


agradeceu e relatou seu alívio. Foi para mim uma das mais fortes evidências
da potência das palavras em trazer à tona o que está guardado.
Uma das grandes vantagens em se trabalhar com a biblioterapia é a
possibilidade de revisitar continuamente trechos literários significativos e,
através da interação com os pacientes, expandir interpretações e ser
testemunha do impacto da arte literária no humano. É uma estante de livros
vivos que são continuamente acessados, libertos, que cumprem sua missão.
Veja o que diz o escritor Carlos Rosa, no livro O mar, a montanha, a
cidade, na crônica “Leituras”:

[...] Livro fechado é isso, um folhoso objeto cheio de letras. Estará


sempre à espera, como ficava a moça solitária nos bailes de
antigamente, esperando num canto do salão que a convidassem
para dançar.
[...] A literatura é uma arte dependente e nisso difere das outras
artes. Não bastam os olhos, são necessárias as mãos. E as mãos
dependem de uma vontade. Um livro não se exibirá a um simples
olhar, tampouco contará histórias a ouvidos distraídos. Livro tem
de ser provocado e exige ser degustado ou que o devorem.
(MOREIRA, 2010, p.181-182)

É instigante observar que um determinado trecho, o mesmo, tem um


impacto avassalador em uma pessoa e numa outra parece causar nenhum tipo
de reação. Cada um é então recebido como um mistério, uma caixa-preta,
título de um livro de Amós Oz (2007), autor israelense que escreve sobre
conflitos entre o certo e o certo. Com cuidado, vamos bordando tranças de
diálogos entre histórias contadas e trechos literários já atravessados. A
satisfação é sentida quando a situação faz lembrar um verso do Drummond,
do poema “Instante”:

O que se desatou num só momento não cabe no infinito, e é fuga e


vento.
(ANDRADE, 2009, p. 226)

É como se alguma palavra, ideia ou releitura funcionasse como uma chave


para resolver a questão e libertar a pessoa. Como escrito por Hillman:

[...] a partir do momento em que o indivíduo cruza o limiar da


terapia, toda uma nova história começa.
(HILLMAN, 2010, p. 30)

Considero que a literatura potencializa e muito os processos de


amadurecimento psíquico e costumo dizer que não trabalho sozinha e sim
com uma “junta médica”, ou seja, inúmeros escritores que viveram em
lugares e épocas diversas e possuem um olhar plural sobre o humano, além
da habilidade, sensibilidade e diversidade no uso da linguagem. São mestres
nisto. Nise da Silveira, médica psiquiátrica que revolucionou a forma de
tratar da “loucura”, relata numa entrevista que ela encontrava, na literatura,
muito material para ajudar na compreensão dos doentes. Preferia ler
Machado de Assis pela décima vez a consultar um maçudo tratado de
psiquiatria de fundo cartesiano.

Uma simples imagem, se for nova, abre um mundo.


Gaston Bachelard (2008, p. 143)

Tenho muita satisfação e gratidão pelos resultados deste trabalho


mediado pela literatura.
Questões recorrentes e prescrições
biblioterapêuticas
Quem ocupa a cadeira do psicanalista –
quem lê, interpreta e provoca é o livro.
Quem se deita no divã e “sofre” do que lê é o leitor.
José Castello

Numa crítica de José Castello sobre a obra Vidas Secas, de


Graciliano Ramos, ele menciona que a vida é seca não apenas pela falta de
condições básicas de subsistência, mas principalmente pela falta de palavras
que possam conferir um sentido diante da precariedade da situação, da dor
das perdas, ou que possam alçá-los acima daquele cenário. O que percebo
na prática é que em determinadas circunstâncias, um autor é capaz de
descrever, melhor do que a própria pessoa, os sentimentos envolvidos em
seu drama pessoal.
Observo que, quando um texto realmente traduz o que a pessoa
sente, ela cala e o acolhe como um bálsamo ou um raio na consciência. Um
silêncio profundo e um olhar de concordância pairam, a cabeça balança
positivamente, algumas vezes a pessoa até coloca a mão na boca, prende a
respiração, arregala os olhos e diz: é exatamente isto!

Listo, a seguir, exemplos de trechos de livros que com frequência


provocam estas reações:

1. Quando alguém finalmente consegue se desvencilhar de um


emprego torturante ou de uma relação adoecida há tempos, mas
está estranhamente desconfortável com a situação:

Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais.


Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna
que até então me impossibilitava de andar, mas que fazia de mim um tripé
estável. A ausência inútil da terceira perna me faz falta e me assusta, era
ela que fazia de mim uma coisa encontrável por mim mesma, e sem sequer
precisar me procurar.
Clarice Lispector (1998, p. 11)

Este fragmento dialoga com outro, de novaes/, no livro letras


rebeldes, fluidos insensatos (NOVAES/, 2013, p. 68):

Pensava eu nesse estrupício de homem e concluí pelo despropósito


de nosso casamento, faz tempo terminado – ele fugiu, como fogem
os ratos. Entre uma passada e outra, no breu da rua sem vida,
enxerguei que sempre estive só, sobretudo casada, pois aquela
companhia fora apenas ilusão, não era nada, era pior do que
nada. Era muito pior do que nada: me fez perder tempo, nem que
fosse um tempo precioso comigo mesma. E fechou-me para um
amor de verdade, usando uma chave de papel: aquela certidão de
casamento [...].

2. Diante de um sentimento de profunda falta de esperança:

A esperança é a última a morrer. Diz-se. Mas não é verdade. A


esperança não morre por si mesma. A esperança é morta. Não é
um assassínio espetacular, não sai nos jornais. É um processo
lento e silencioso que faz esmorecer os corações, envelhecer os
olhos dos meninos e nos ensina a perder a crença no futuro.
Mia Couto (2011, p. 8)

3. Perante a dificuldade ou incapacidade de se libertar de um


defeito:

[...] não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar
qualquer espécie de vida e continuar a mesma. Até cortar os
próprios defeitos pode ser perigoso – nunca se sabe qual é o
defeito que sustenta nosso edifício inteiro.
Clarice Lispector (2002, p. 165)

Provocar esta identificação é o primeiro passo. Em seguida, o


trabalho continua com ampla utilização dos livros.
Como exemplo, nesta última situação relatada, a partir da leitura do
trecho, são feitas perguntas para aprofundar a questão:
– Qual é o padrão que o incomoda e que se repete constantemente?
– O que ganha com ele?
Trabalhadas as respostas, é possível apresentar em seguida o trecho:

Preocupada em acumular quilates de perfeição, crê que seja


virtude aquilo que a esta altura é uma melancólica obsessão de
preencher os receptáculos vazios de si mesma; não sabe que os
seus únicos momentos de abandono generoso são aqueles em que
se desprende, deixa cair, se expande.
Ítalo Calvino (1990, p. 104)

É incentivado um movimento progressivo de desapego para ganhar


força de deixar ir o que é necessário para criar espaço e movimento para o
novo, reforçando a expressão “abandono generoso” de Calvino. Outras
leituras são incorporadas, como um trecho do De profundis, de Oscar Wilde:

Na verdade, na vida não há coisas grandes ou pequenas: todas têm


o mesmo valor e o mesmo tamanho.
(WILDE, 2002, p.23)

Bachelard reforça:

Resolvendo os pequenos problemas, aprendemos a resolver os


grandes. [...] nadahádeinsignificante na psique humana.
(2008, p. 143)

Constato pelos casos acompanhados que pequenos passos e


conquistas dão forças para enfrentar as questões mais complexas. Este
processo é então incentivado e trabalhado.

Não há outra maneira de avançar por entre os escombros da


realidade senão pisando levemente.
José Castello (2012, p. 128)
E o maior antídoto para o medo é a ação. Pequenas ações desfazem
os monstros criados pela mente. Muitas vezes a ação é adiada pelo medo de
errar. Mas o erro é parte integrante de qualquer processo de aprendizagem.
Clarice Lispector escreve:

Meu erro, no entanto, devia ser o caminho de uma verdade: pois


só quando erro é que saio do que conheço e do que entendo. Sea
“verdade” fosse aquilo que posso entender –terminaria sendo apenas uma
verdade pequena, do meu tamanho.
(LISPECTOR, 1998, p. 109)

Seguiremos, com outros exemplos de trechos que costumam


provocar alto impacto nos atendimentos.

4. Ao sofrer por relações familiares adoecidas:

A extorsão, o insulto,
a ameaça, o cascudo, a bofetada, a surra,
o açoite,
o quarto escuro, aducha gelada,
o jejum obrigatório, a comida obrigatória,
a proibição de sair,
a proibição de se dizer o que se pensa, a proibição de fazer o que
se sente,
a humilhação pública
são alguns dos métodos de penitência e tortura tradicionais na
vida da família. Para castigo e desobediência e exemplo de liberdade, a
tradição familiar perpetua uma cultura do terror que humilha a mulher,
ensina os filhos amentir econtagiatudo comapeste domedo.
Os direitos humanos deveriam começar em casa – comenta
comigo, no Chile, Andrés Domínguez.
Eduardo Galeano (2000, p. 141)

Há clientes que desabafam a sensação de que nasceram na família


errada, na época errada, no lugar errado. Para estes casos, retiro da estante o
Livro do desassossego, de Fernando Pessoa:
Em todos os lugares da vida, em todas as situações, eu fui sempre,
para todos, um intruso. No meio de parentes, como no de
conhecidos, fui sempre sentido como alguém de fora. Desejei
sempre agradar. Doeu-me sempre que me fossem indiferentes. A
vida dói-me.
(PESSOA, 2006, p. 391)

Em seguida, prescrevo a leitura do capítulo 6: “A procura da nossa


turma”, do livro Mulheres que correm com os lobos, de Clarice Pinkola
Estés (1994), para discussão no encontro seguinte.
Após estas leituras, é comum que o cliente interprete sua
inadaptação como algo positivo, ao invés de negativo.

Não há nada de bom ou mau sem o pensamento que o faz assim.


(SHAKESPEARE, 2013, p. 54)

[...] justiça só pode ser feita onde eu pertenço.


Mia Couto (2013, p. 84)

Ele então percebe que está num meio que não o compreende e
acolhe. É, pois, incentivado a se aproximar dos seus semelhantes, da sua
turma. Um trecho do livro As cidades invisíveis contribui neste processo:

O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já
está aqui,o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos
estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é
fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se
parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é
arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: procurar e
reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e
preservá-lo, e abrir espaço.
(CALVINO, 1990, p. 150)

5. Diante do desânimo pela vida dissonante de seus valores e


crenças ou pela angústia da saudade de si mesmo:
Ando à procura de espaço para o desenho da vida. Em números me
embaraço e perco sempre a medida. Se penso encontrar saída,
em vez de abrir um compasso, projeto-me numabraço
e gero uma despedida.
Se volto sobre o meu passo, é já distância perdida.

Meu coração, coisa de aço começa a achar um cansaço esta


procura de espaço
para o desenho da vida.
Já por exausta e descrida
não me animo a um breve traço:
– saudosa do que não faço,
– do que faço, arrependida.
(MEIRELES, 2002, p. 30)

Há outro poema de Cecília que toca profundamente:

Eu não tinha este rosto de hoje,


assim calmo, assim triste, assim magro, nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força, tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa, tão fácil:
– Em que espelho ficou perdida a minha face?
(MEIRELES, 2002, p. 13)

Muitas vezes,o paciente é convidado a mudar o foco de sua atenção.


Para isto, são utilizados dois trechos do livro Uma aprendizagem ou o livro
dos prazeres, de Clarice Lispector:

[...] uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de.
Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se
deve morrer. Inclusive é o próprio apesar de que nos empurra para
a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita
foi a criadora de minha própria vida.
(LISPECTOR, 1998, p. 26)
[...] um dia procurou entre os seus papéis espalhados pelas
gavetas da casa a prova do melhor aluno de sua classe, que ela
queria rever para poder guiar mais o menino. E não achava,
embora se lembrasse de que, na hora de guardá-la, prestara
atenção para não perdê-la, pois era muito preciosa a
composição.A procura se tornava inútil. Então ela se perguntou,
como antes fazia, já que perdia tanto as coisas que guardava: se
eu fosse eu e tivesse um documento importante para guardar que
lugar eu escolheria? Na maioria das vezes isso a guiava a achar o
perdido.
Mas desta vez ficou tão impressionada pela frase “se eu fosse eu”
que a procura da prova se tornara secundária, e ela começava sem
querer apensar, o que nela era sentir.
[...]
“Se eu fosse eu” parecia representar o maior perigo de viver,
parecia a entrada nova no desconhecido.
(LISPECTOR, 1998, p. 128-129);

Ou seja, apesar dos motivos que a fazem não ter espaço para o
desenho da vida, o “se eu fosse eu” da Clarice convida a criar outra
realidade, primeiro na imaginação. E isto requer uma canalização da energia
para outro foco. Como diz Caio Fernando Abreu:

Tão voltada para sua própria dor que estava, também, meio cega.
Via pra dentro: charco, arame farpado, grades.
(ABREU, 2006, p. 77)

E, ainda, Carlos Moreira:

A vida nos pega em rodopios ferozes, tão cheios de consequências,


que esquecemos as aventuras e as paisagens bonitas que vimos. Só
nos lembramos da infelicidade presente.
(MOREIRA, 2010, p. 88)

O método biblioterapêutico pressupõe o desenvolvimento da


liberdade de imaginar. Uma crença limitante estanca movimentos. No livro A
terra e os devaneios da vontade, de Gaston Bachelard (2008, p. 309-310),
ele cita a expressão “homeopatia mental”, de Desoille, que se baseia num
princípio de que “quando a imaginação funciona, tudo funciona. O psiquismo
inteiro recobra coragem, a vida reencontra objetivos, a paixão reencontra
esperança.”. Quando percebo que o paciente está petrificado numa leitura da
situação, retiro da estante o livro A psicologia do Esotérico de Osho (2003),
onde há uma parábola zen, que traz um ensinamento. Eis a síntese da história:
um ovo de ganso é colocado dentro de uma garrafa. O ganso nasce e vai
crescendo e o mestre coloca o desafio para o discípulo – não se quer perder
nem o ganso, nem a garrafa. Qual é a solução? O jovem se isola para buscar
uma resposta e não consegue. O mestre o incentiva a se esforçar mais,
repetidas vezes, mesmo que acredite que não há solução. Em determinado
momento o pensar cessa e ele corre gritando: “Eureka! O ganso está fora!”.
O professor nunca pergunta como e assim acaba.
O estranhamento causado por esta história faz parte do processo.
Ficam todos perplexos. É necessário navegar no desconhecido para viver
qualquer processo de expansão.
Como disse Hillman:

A própria imaginação deve ser cuidada, pois pode muito bem ser
ela mesma a origem de nosso ferimento.
(HILLMAN, 2010, p. 116)

Na verdade, nossa imaginação é muito fértil, mais facilmente para o


mal. Se um alguém se atrasa, já imaginamos que algo trágico aconteceu. Se
precisamos fazer um exame por ter aparecido um nódulo no corpo, já
imaginamos todo o drama de uma doença terminal. Por que não usar esta
capacidade de criar ficções para o lado construtivo e não catastrófico?

Pensamentos, como cabelos, também acordam despen- teados.


Caio Fernando Abreu (2006, p. 91)

Após a leitura do Osho, convido o paciente a não pensar no como,


mas a dar um salto além de seu problema e limitação, a permitir imaginar o
que de melhor poderia acontecer, desconsiderando qualquer impeditivo
racional. O resultado destes devaneios é surpreendente. Um exemplo é de
uma paciente aposentada, já com saúde debilitada e restrições financeiras,
expressando com dor suas perdas em vários aspectos da vida. Diante deste
exercício, iluminou-se ao descrever que o melhor que poderia acontecer
seria uma viagem ao exterior, que isto traria muito prazer, mudança de ares,
novas descobertas, um sopro na sua existência. Na semana seguinte, chegou
contando surpresa que uma amiga querida e com recursos convidou-a a
viajar para os Estados Unidos, com despesas pagas, como sua
acompanhante. Claro que o fato trouxe inúmeras preocupações e demandas,
porém ficamos surpresas com a sincronicidade, vibramos e comemoramos
juntas.
Numa outra situação, uma adolescente com talento na escrita, sofria
e escrevia lamentando-se pela incapacidade de viver um relacionamento
afetivo com um amigo de classe. Sugeri a ela que soltasse a imaginação e,
em vez de escrever sobre o que a incomodava, que inventasse a situação de
aproximação, o relacionamento sendo vivido, os desdobramentos e sua
satisfação junto dele. Ela o fez, leu para mim num de nossos encontros e,
para nossa surpresa, na semana seguinte, o que foi escrito começava a
acontecer.

Qualquer semelhança com a ficção é pura realidade.


Daniel Rolim Rocha (2012, p. 80)

Bachelard menciona:
Seguimos a imaginação em sua tarefa de engrandecimento até
chegar a um ponto além da realidade. Para ultrapassar bem, é
preciso primeiro aumentar. Vimos com que liberdade a imaginação
trabalha o espaço, o tempo, as forças.
(2008, p. 123)

O que presencio é que as pessoas têm receio de se frustrar, por isto


optam por economizar nos sonhos e ações. Ter medo de sofrer já é sofrer.
Uma virtude que considero essencial à vida é a resiliência: a capacidade de
seguir, apesar do que acontece, de adaptar a vida ao que é possível, ao que
se apresenta. É interessante tornar-se mais tolerante e resistente frente aos
fracassos, que são e serão frequentes na história de cada um, principalmente
na de quem desbrava campos desconhecidos. Fico intrigada cada vez que
leio artigos sobre física quântica. Cientistas que se dedicam ao estudo da
matéria descobrem que no cerne dela há um vazio. Com isto, desenvolvem
pesquisas que evidenciam o quanto o pensamento produz matéria. Sinto que
criamos mundos através dos pensamentos e das histórias que imaginamos.
Quanta realidade já não foi criada através da ficção? Se você quer que algo
aconteça, experimente imaginar e escrever como se já fosse realidade.
Gratidão a Cervantes que nos mostrou, através de Dom Quixote, as dores e
delícias de criar e viver novas realidades germinadas através dos livros.

isso de querer
ser exatamente aquilo que a gente é
ainda vai
nos levar além
Paulo Leminski (2013, p. 228)

6. Outra questão recorrente que atrai as pessoas para um


processo terapêutico é a infelicidade no trabalho. Neste caso,
inicio com um trecho do livro Estórias de quem gosta de ensinar
de Rubem Alves, onde ele diz:

Imagine-se agora, nessa situação: você é casado ou casada, não


gosta do marido ou da mulher, mas é obrigado a, diariamente, fazer
carinho, agradar e fazer amor. Pode existir coisa mais terrível que
isso? Pois é a isso que está obrigada uma pessoa, casada com uma
profissão sem gostar dela. A situação é mais terrível que no
casamento, pois no casamento sempre existe o recurso de umas
infidelidades marginais. Mas o profissional, pobrezinho, gozará do
seu direito de infidelidade com que outra profissão?
(ALVES, 2000, p. 38)

Em seguida é lida uma frase do livro O primeiro homem, de Albert


Camus:

A maldição daquele trabalho de uma estupidez de fazer chorar,


cuja monotonia interminável consegue tornar ao mesmo tempo os
dias mais longos e a vida mais curta.
(CAMUS, 2005, p. 229)

Esta frase é uma daquelas que ecoa e movimenta forças interiores.


Numa ocasião, durante uma palestra num programa de qualidade de vida de
uma empresa, ao ler esta frase, uma participante imediatamente
complementou-a como um desabafo. Depois me confidenciou que se
surpreendeu, pois foi uma reação involuntária. Ela não queria se expor,
porém, quando se deu conta, já tinha feito isto.
É comum pessoas chegarem ao consultório perdidas quanto ao rumo
profissional, independentemente da idade. Nestes casos, sugiro uma colagem
de recortes de revistas para ter um acesso mais direto ao material psíquico
que se apresenta através das imagens.

Imagens são palavras que nos faltaram.


Manoel de Barros (2010, p. 263)

Esta colagem pode ser feita no consultório ou como tarefa para o


próximo encontro. A técnica é centrar numa pergunta: neste caso, qual a
profissão que traria sincera realização e expressão dos talentos? Ou então:
se ganhasse muito dinheiro e escolhesse trabalhar apenas por prazer, o que
faria? Em seguida, relaxar e deixar que as imagens escolham a pessoa e não
o contrário. Normalmente são separadas imagens numa quantidade maior do
que é possível caber numa folha (que pode ser tamanho A3, por exemplo).
Porém, o exercício de selecionar aquilo que é fundamental faz parte do
processo. Ao final, algumas perguntas são feitas para ler as mensagens
desveladas pelas imagens:

1. Olhando para sua colagem, o que ela lhe diz?


2. Quais foram os valores ou atividades que se
sobressaíram?
3. Como seria possível dar um primeiro passo em direção
ao que se apresentou?

Após este diálogo, é pedido que a pessoa escolha um título para o


trabalho, date e assine. É incentivado que seja exposto em um local
facilmente acessível para reforçar diariamente o que valoriza e deseja.
Outros livros que podem ser incorporados nesta temática são:

• Perdi um jeito de sorrir que eu tinha, de João Batista Ferreira


(2009), que relata situações de violência, assédio moral e servidão
voluntária no trabalho. Através dele, o paciente pode identificar
situações que espelhem sua realidade e mostrem seus direitos;
• A corista & outras histórias, de Tchékhov (2012), para, através
do conto “A palerma”, incentivar a reagir diante de abusos sociais.

Pelos casos acompanhados, o que percebo é que a pessoa sabe em


que gostaria de trabalhar, porém não acredita que possa viver daquilo. Neste
contexto, apresento dois livros:

• O alvo, texto e ilustração de Ilan Brenman (2011) – um livro


infanto juvenil belíssimo, que conta a história de um jovem arqueiro
que estudou muitas técnicas e, ao chegar a uma cidade para participar
de um torneio, surpreendeu-se ao ver inúmeros alvos com flechas na
pontuação máxima. Ficou estupefato e questionou sobre quem seria
capaz de tamanha proeza. Um menino ouviu a pergunta e respondeu
que fora ele mesmo. E explicou: primeiro colocou a flecha e depois
pintou o alvo em volta.

Após mostrar a história, convido a caminhar para firmar o propósito


pessoal e começar a construir um cenário em torno dele. É fácil? Com
certeza não! Por isto, o próximo livro apresentado é o…

• Cartas a um jovem poeta, de Rilke, no trecho que diz:

Sabemos pouca coisa, mas que temos de nos agarrar ao difícil é


uma certeza que não nos abandonará.
(RILKE, 1994, p. 55).

Assim sendo, é mais sensato lutar pelo difícil que valha a pena.
Vamos juntos, tecendo leituras de livros, destecendo situações
opressoras e construindo possibilidades de mudanças de rumos.

7. Outra questão recorrente é o descontrole emocional.


Demonstrações de raiva são materiais fecundos para
investigação. Reprimir não é boa estratégia, pois gera resíduos
tóxicos. Clarissa Pinkola Estés, no livro Mulheres que correm
com os lobos, revela:
E por trás da falta de esperança geralmente está a raiva; por trás
da raiva, a dor; por trás da dor, normalmente algum tipo de
tortura, às vezes recente, mas quase sempre muito remota.
(ESTÉS, 1994, p. 438)

No capítulo 12, “A demarcação do território: os limites da raiva e


do perdão”, ela ensina que a raiva é uma mestra. Rosnar, mostrar as garras e
os dentes é dizer: estou sendo invadido! Quando se apresenta, a autora
sugere “subir a montanha”, conversar com ela e investigar o que provocou
sua visita. Olhar para esta dor, gerada pelo toque numa ferida aberta é talvez
o maior antídoto para a voracidade. A raiva esconde uma fome, uma
necessidade básica não atendida e não expressa. É um convite para iluminar
e desvendar o que está oculto. Há um verso revelador de Thiago de Mello,
que diz:

O que não fiz ficou vivo pelo avesso.


(MELLO, 2006, p. 15)

Albert Camus, no livro A queda, escreve:

Quanto mais me acuso, mais tenho o direito de julgar os outros.


(CAMUS, 2012, p. 105)

Suspeito que haja estreita relação entre o olhar e cuidar dos


próprios resíduos emocionais e a qualidade nas relações. Quanto menos me
conheço e cuido, mais agrido e acuso.

Há um espelho invertido em todos nós


palavras ao contrário cifradas mensagens
e códigos a (re)conhecer são reflexos do avesso
que se traduzem no seu olhar.
(MAGNAGO, 2012, p. 22)

Quanto mais mergulho e assumo conteúdos guardados, mais calo e


aceito o outro, agradecendo pelo espelhamento que promove. No mesmo
livro citado, Camus nos dá de presente outra frase que convida à reflexão:
A libertinagem nada tem de frenético, ao contrário do que se
pensa. É apenas um longo sono.
(CAMUS, 2012, p. 80)

Fugir deste encontro com o obscuro dentro de si mesmo contribui


para ser vítima dele. Dostoiévski, no livro Notas do subsolo, descreve a
cena:

Tinha a cabeça entorpecida. Parecia que alguma coisa


pairava sobre mim, e essa coisa me roçava, excitava e
incomodava. A angústia e a raiva novamente começavam a ferver
e buscavam saída.
(DOSTOIÉVSKI, 2012, p. 103)

Este é o combustível de sintomas como pressão alta, problemas


digestivos, refluxo, pedras nos rins e nódulos variados: a incapacidade de
expressão. Nossa emoção é como a água: impossível conter. Pode- se
encontrar um meio para canalizá-la. Parece suave, mas é de uma força
avassaladora.
É preciso vasculhar nossos subsolos, porões, cantos onde
armazenamos o que socialmente não pode ser dito ou feito.

Mas sei que ao mesmo tempo quero e não quero mais me conter. É
como na agonia da morte: alguma coisa na morte quer se libertar
e tem ao mesmo tempo medo de largar a segurança do corpo.
Clarice Lispector (1998, p. 147)

Os índios norte-americanos possuem a expressão: Aho


Mitakoyassin, que significa gratidão por todas as relações. É através das
relações, positivas ou não, que temos oportunidade de conhecer nossa luz e
sombra; afinal, o que vejo no outro é apenas um pedaço do que há em mim,
reconhecido ou não. Há um trecho no livro A elegância do ouriço, de Muriel
Barbery, que retrata esta condição:

Nunca vemos além de nossas certezas e, mais grave ainda,


renunciamos ao encontro, apenas encontramos a nós mesmos sem
nos reconhecer nesses espelhos permanentes. Se nos déssemos
conta, se tomássemos consciência do fato de que sempre olhamos
apenas para nós mesmos no outro, que estamos sozinhos no
deserto, enlouqueceríamos.
(BARBERY, 2008, p.153)

8. Outro assunto recorrente tanto no consultório quanto na


literatura é a perda. Há inúmeras obras que foram criadas para
atravessá-la. Causadora de grande sofrimento, para ser
processada, precisa de expressão em palavras, músicas, imagens,
ou qualquer forma de arte. Há um acervo específico que pode ser
utilizado nestes casos. Costumo iniciar com alguns trechos do
livro A arte de restaurar histórias: o diálogo criativo no caminho
pessoal, de Jean Clark Juliano:

Sei que o momento é de dor e perplexidade, nada faz sentido. O


que fica presente, martelando, é a dor, que vem das entranhas e, apesar de
ser nova, ao mesmo temo parece velha conhecida, uma vez que abre
caminho para que todas as dores anteriormente vividas se façam
presentes.
[...]
Permita que as palavras impressas entrem devagarinho, para que
no caminho façam efeito, acalmando um pouco o tumulto que aí está
instalado.
[...]
A dor é o sentimento de perda diante da quebra do vínculo; luto é
o processo de integração dessa perda em nossas vidas. A dor surge da
traição do inesperado, e é a expressão emocional desse espaço recém-
criado. O luto, essa angústia que faz o peito doer tanto, ficando tão
apertado, é o processo de atravessar essa dor.
[...]
A perda é para sempre. Essa intensidade de dor não. A dor que não
encontra um canal de expressão transforma-se em doença. Raiva e medo,
expansão e retração são respostas perfeitamente naturais, mesmo que não
caibam na imagem socialmente aceita de coragem.
(JULIANO, 1999, p. 139-140)
Há quatro livros infanto juvenis que considero essenciais para quem
está vivendo este processo:

• Mas por quê??! A história de Elvis, de Peter Schössow (2008);


• O teatro de sombras de Ofélia, de Michael Ende e Friederich
Hechelmann (1992);
• Até passarinho passa, de Bartolomeu Campos de Queirós (2003);
• O coração e a garrafa, de Oliver Jeffers (2012).

Estes tratam do tema com extrema sensibilidade e cuidado. Há livros


que considero serem curativos, não no sentido de curar (se assim fosse seria
“literacura”), mas da capacidade de cuidar da ferida que está aberta. Há
ternura em palavras e imagens que amenizam os tumultos interiores e seus
sintomas.
Há dois trechos do livro Pequenas Epifanias, de Caio Fernando
Abreu, que costumo utilizar nos atendimentos, para traduzir esta difícil fase
de travessia:

Todo mundo conhece ciclo seco, a maioria até já passou por ele.
Alguns mesmo vivem desde sempre dentro dele, achando que isso é
vida e eternizando o que, por ser ciclo, deveria também ser
transitório.
[...] Só que passa, por ser ciclo, e por ser da natureza dos ciclos
passar. Até lá, recomenda-se modestamente o que se tem a fazer
com o máximo de disciplina e ordem, sem querer novidades.
[...] Todo mundo tem os seus, é preciso paciência. E contemplá--lo
distante como se se estivesse fora dele.
(ABREU, 2006, p. 136 e 138)

Pois repito, aquilo que eu supunha fosse o caminho do inferno está


juncado de anjos. Aquilo que suja treva parecia, guarda seu fio de
luz. Nesse fio estreito, esticado feito corda bamba, nos
equilibramos todos. Sombrinha erguida bem alto, pé ante pé,
bailarinos destemidos do fim deste milênio pairando sobre o
abismo. Lá embaixo, uma rede de asas ampara nossa queda.
(ABREU, 2006, p. 111)
O relevante nestes momentos é o reconhecimento da dor e sua
expressão. No livro As cores do crepúsculo, há uma história de um homem
que desejava a felicidade de poder conversar com os amigos sobre sua
morte:

Um dos grandes sofrimentos dos que estão morrendo é perceber


que não há ninguém que os acompanhe até a beira do abismo. Eles
falam sobre a morte e os outros desconversam. “Bobagem, você
logo estará bom...”. E eles então se calam, mergulham no silêncio
e na solidão, para não incomodar os vivos.
Rubem Alves (2001, p. 75)

Defendo que a educação emocional para lidar com perdas deveria


ser parte integrante da grade curricular das escolas, desde os primeiros anos,
através de contação de histórias e livros infantojuvenis que abordam a
temática, apresentados por psicólogos ou biblioterapeutas, utilizando
materiais expressivos.
Sei que é inexorável no humano o não reconhecimento de sua
finitude, mas também o é a impermanência. Precisamos aprender a digerir
perdas, deixar ir para deixar vir o novo, e abrir espaço para o possível.
Um dos primeiros livros frequentemente apresentado aos pacientes é
O menino Nito, de Sonia Rosa (2008). Conta a história de um menino que
chorava à toa, até que o pai disse: “homem não chora”. Nito passou a engolir
vários choros por dia. Engoliu tantos, por tanto tempo, que adoeceu. A
família, preocupada, chamou o médico. O doutor examinou e não achou nada
de errado e quis conversar para saber o que estava acontecendo. Nito então
contou sobre a proibição e de todos os choros que estava engolindo. O
médico reuniu a família para dizer que o caso era muito simples: era só
“desachorar” todo o choro engolido. O doutor o convidou a sentar no seu
colo e contar cada choro engolido, um a um.
Em 2012, em reunião com diretores e chefias médicas do Hospital
de Clínicas de Niterói, durante uma proposta de inclusão do serviço da
biblioterapia aos pacientes internados (adultos e crianças), o chefe do CTI,
ao ouvir a história do Menino Nito, falou:
– “Não sei se você percebeu, mas já está acontecendo um trabalho aqui.”
Livros infantojuvenis como este tocam as questões com síntese e
leveza, além de trazer imagens que posteriormente serão acionadas de forma
irresistível e automática, não importa a idade.
Nesta história, as imagens são de uma represa que vai enchendo e
começando a romper. A partir dela, no consultório, incentivo o paciente a
fazer um inventário de perdas ou de raivas engolidas. Este inventário é
trabalhado em uma ou inúmeras sessões, até que estes resíduos sejam limpos
internamente. Ao final, realizamos juntos um rito: de queima dos escritos
e/ou algum trabalho expressivo para abrir espaço para a transição de ciclo.
Esta questão dialoga com a diferença entre o “libertar-se de” e o “libertar-se
para” trazido pelo livro A águia e a galinha, de Leonardo Boff (1997). A
sensação é que, enquanto não se liberta de, o passado é trazido
continuamente para o presente, entulhando-o e incapacitando o futuro.

E tenho medo de atrolhar a terra por dentro: se houver alguma


coisa querendo nascer e não houver espaço?
Caio Fernando Abreu (2006, p. 136 e 155)

A função dos trechos literários não se restringe a nomear o que se


sente. Outra propriedade fundamental é oferecer uma leitura divergente,
interpretar alguma situação por outra perspectiva não imaginada. Vejamos
alguns exemplos:

1. Para quem se encontra prostrado diante de uma determinada


doença, leio um trecho do livro O ano da morte de Ricardo
Reis, de José Saramago:

Se está doente do coração, também está doente de si mesmo. Todos


nós sofremos duma doença, duma doença básica, digamos assim,
esta que é inseparável do que somos e que, duma certa maneira,
faz aquilo que somos, se não seria mais exato dizer que cada um
de nós é a sua doença, por causa dela somos tão pouco, também
por causa dela conseguimos ser tanto.
(SARAMAGO, 1988, p. 130)

2. Para quem vive o arquétipo da “grande mãe” que cuida do


mundo e esquece-se de si mesma, leio um trecho do livro A arte
de amar, de Erich Fromm:
A terra prometida (a terra é sempre um símbolo materno) é
descrita como aquela em que “corre leite e mel”. O leite é o
símbolo do primeiro aspecto do amor, o do cuidado e afirmação. O
mel simboliza a doçura da vida, o amor por ela e a felicidade de
estar vivo. Muitas mães são capazes de dar “leite”, mas só a
minoria o é também de dar “mel”. A fim de ser capaz de dar mel, a
mãe deve não só ser uma “boa mãe” mas ainda uma pessoa feliz –
e este alvo não é alcançado por muitas. O efeito sobre o filho
dificilmente poderá ser exagerado. O amor da mãe pela vida é tão
contagioso quanto o é a sua ansiedade. Ambas as atitudes têm
profundo efeito sobre toda a personalidade do filho; pode-se, em
verdade, distinguir, entre crianças e adultos, aqueles que só
receberam “leite” e aqueles que tiveram “leite e mel”.
(FROMM, 1958, p. 75-76)

Considero-o também aplicável aos cuidadores de pessoas enfermas,


que, com genuíno desejo de ajudar, vão além de seus limites, adoecem e
acabam piorando o contexto. Quem cuida do outro precisa muito cuidar de
si, distrair-se, arejar, regenerar suas energias e forças para a luta diária no
enfrentamento da doença e seus convidados (o medo, a raiva, o desânimo
etc.). Afinal, há coisas terríveis feitas com a melhor das intenções e em nome
do amor.

3. Quando a pessoa está arrasada por um fracasso:

Os fracassos são experiências preciosíssimas, não só porque


através deles se faz a abertura para uma verdade maior, mas
também porque nos obrigam a repensar nossas concepções e
métodos.
Jung (2007, p. 36).

Este trecho dialoga com Clarice Lispector:

Não entender era tão vasto que ultrapassava qualquer entender –


entender era sempre limitado. Mas não entender não tinha
fronteiras e levava ao infinito, ao Deus. [...] Era uma bênção
estranha como a de ter loucura sem ser doida. [...] Compreender
era sempre um erro – preferia a largueza tão ampla e livre e sem
erros que era não entender.
(LISPECTOR, 1998, p. 43-44)

Trata-se do temido encontro com o que não se pode controlar, com o


desconhecido, com o caos criador.

4. Diante da velhice:

[...]a velhice não é, absolutamente, um tempo estéril, infecundo. É


um oásis! Os objetivos (mais antigos) vão se agregando, sem
mágoa, aos passos já caminhados e não nutrem mais envoltórios
tolos, sejam conquistas, vaidades, glórias... Nosso oásis é uma
constatação, basta que seja singular, “escolha” e remate de nós
mesmos. São alvoradas mágicas.
Renato Carvalho (2012, p. 149-150)

Estes foram alguns exemplos da dinâmica de utilização dos livros


nos processos terapêuticos. Há inúmeros outros casos e tessituras literárias,
não tão frequentes, porém significativos na subjetividade. É um encontro
transformador entre pessoas e palavras, silêncio e expressão, estagnação e
movimento, certezas e desnorteamentos, que inspira e fomenta releituras e
aberturas para uma vida nova, possível, apesar de.

Um fim de mar colore os horizontes.


Manoel de Barros (2010, p. 310)
Qual a diferença entre biblioterapia de
fruição e clínica?
Quando nada acontece,
há um milagre que não estamos vendo.
Guimarães Rosa

A biblioterapia de fruição é a capacidade de exercer a maior das


liberdades: a interior. É criar realidades mentais, através da memória e
imaginação, para divertir-se, para ausentar-se de uma situação desfavorável
e imaginar outra.

A pessoa interiormente pode ser mais forte que seu destino


exterior.
Viktor Frankl (1991, p. 68)

Um exemplo está no livro Se Obama Fosse Africano, de Mia Couto:

Quando Ho Chi Minh saiu da prisão e lhe perguntaram como


conseguiu escrever versos tão cheios de ternura numa prisão tão
desumana, ele respondeu: “Eu desvalorizei as paredes.”
Mia Couto (2011, p. 99)

Fiz parte do grupo de contadores de histórias para crianças


hospitalizadas, o Viva e Deixe Viver, do Projeto Rio de Histórias, de 2012 a
2013. Um trabalho que evidencia o quanto provocar construtivamente o
imaginário contribui para a saúde. No site www.vivaedeixeviver.org.br/ há
um campo específico que disponibiliza pesquisas que mostram os benefícios
da leitura para os pacientes. Em agosto de 2012, registrei alguns sentimentos
vividos, durante estas visitas:

COMITIVA
Não, não vou só.
Vou acompanhada de muita gente: escritores, ilustradores, personagens,
apoiadores, seres protetores, guardiões.
O quarto se ilumina por olhos faróis de fantasia, da capacidade de colorir
qualquer cenário, do aprendizado da verdadeira liberdade: a interior.
Cada dia, uma exploração: ora contar coletivamente, ora olhos nos olhos,
aprender a linguagem dos bebês, adolescentes, adultos ressecados pela vida.
Temas atemporais, apresentados de forma possível, apesar do desconforto,
da dor, dos raros silêncios.
Tranças de histórias das páginas da memória, da vivência.
Fendas imaginárias.
Abertura para riquezas que relativizam as prioridades do cotidiano.
Distanciamento e aproximação de si.
A cada saída do hospital, um agradecimento sincero pela alta, pela liberdade
para a vida.

GABRIEL
De tempo de vida, apenas 2 anos.
Meias encardidas, roupas e olhar que denunciam a desatenção.
Frágil e só, num hospital público. Acompanhado apenas do soro encravado
em sua pequena mão.
Diante de minha presença, franziu os olhos, repelindo a aproximação de
quem veste branco: cor de visita de dor.
Deitou-se ignorando-me.
Sentei ao seu lado para contar uma história, mesmo que estivesse dormindo.
Nunca se sabe o caminho que elas percorrem e o poder regenerador que
provocam.
Ao iniciar a leitura e virar as páginas, constatei surpresa que ele estava
sentado e com olhos bem abertos.
Brilho de curiosidade no olhar.
Aos poucos foi relaxando e, antes que a história terminasse, adormeceu.
Entregou-se nos braços do afeto sob forma de palavras.

Ao contar uma história, todo o ambiente se transforma. O foco da


atenção muda instantaneamente.
Um exemplo é relatado por Wanderlino Teixeira Leite Netto,
escritor que disponibilizou um texto para homenagear um amigo, na revista
virtual da Academia Niteroiense de Letras, na seção “Canto da saudade”,
disponível no site: www.academianiteroiense.org.br

[...] Assim Jacy Pacheco: um ser inquieto, fustigante e fustigado.


Dado a rompantes e lirismos, pitos e afagos. Quixote a domar
palavras, brandindo versos em lugar de lanças. Para ele, a poesia
já não possuía mistérios nem segredos. Desvendara-os todos. Bom
trovador, ótimo sonetista, exímio nos versos livres, excelente
haicaísta.
[...] Daí porque, para mim, foi muito triste ver o poeta perder o
viço, fragilizar-se, afastar-se do rebuliço das palestras, dos
recitais, dos lançamentos. Já hospitalizado, a doença o
consumindo, seus olhos mortiços ganharam repentino brilho ao
receber a visita de Luís Antônio Pimentel. Num balbucio, soprou o
nome do visitante. Com voz de fiapo, recitou: “Completa a ternura
/ tira os espinhos da rosa / antes de ofertá-la” – famoso haicai de
Pimentel. Creio que o mesmo nó nos apertou as gargantas: a de
Alaôr Scisínio, a de Pimentel, a minha própria.
A morte, essa zombeteira: ou ceifa repentinamente ou maltrata
com lentidão. Por que terá castigado assim o poeta? Uma coisa,
porém, não conseguiu: os livros de Jacy ela não destruiu. São Jacy
perpetuado. Em prosa e verso. Jacy não morreu.
(LEITE NETTO, 1989)

Imagine a inanição desta alma num CTI. Apesar do contexto, o


brilho nos olhos, uma faísca de luz e felicidade foi possível através da visita
do haicai e seu autor. E o efeito por ele provocado, se fosse medido,
superaria qualquer medicamento ou intervenção no quadro do paciente.
Uma amiga do clube de leitura, a Vera Magalhães, durante um
círculo de biblioterapia em 2013, contou uma história real e inspiradora e,
generosamente, aceitou o convite para compartilhá-la aqui:

A notícia do médico caiu sobre nós como uma bomba: carcinoma


de vias biliares. O prognóstico passou a ser um fantasma andando em
nossa casa com uma espada em nossas costas: apenas quatro meses de
vida. Fiquei literalmente desesperada, afinal estava condenada a perder o
meu amado companheiro com quem vivia há 45 anos, como meu eterno
namorado. A princípio tive dificuldade para absorver a ideia de que meu
marido estivesse com um câncer terminal, logo ele que sempre fora tão
forte e saudável... Eu precisava fazer algo para aliviar o seu drama diante
da morte iminente e veio à minha mente a ideia de prolongar a sua vida.
Lembrei da história de Sherazade em Asmileumanoites. A única arma de
defesa contra o terrível prognóstico do câncer era distraí- lo e a literatura
passou a ser esta estratégia. Ele gostava de ler e já havia lido muitos
escritores clássicos, mas a angústia da doença o deixara prostrado e
deprimido, sem vontades, inclusive a da leitura de seus inseparáveis livros
de medicina.
Passei a ler em voz alta para ele, com o intento de mantê-lo ativo
e presente, e comecei com as poesias de Manuel Bandeira, de quem ele
tanto gostava. Depois li as de Drummond, João Cabral de Melo Neto,
Ferreira Gullar, Cecília Meireles. Vendo aquelas cenas de leitura, meu
filho comprou a antologia de poemas de Manoel de Barros, que o pai não
conhecia. Ele foi se empolgando com o mundo poético nas imagens
daquele autor. Minha amiga Marise Rodrigues, doutora em literatura
brasileira, acompanhando de perto todo o nosso drama familiar, assumiu o
papel de interlocutora nesse processo de biblioterapia. Semanalmente ela
comparecia a nossa casa munida de novos remédios: sempre um livro de
sua rica biblioteca. Meu marido já não dependia de mim para ler o livro
emprestado. Ele próprio bebia sua cura nas páginas com aventuras
prazerosas. Ele conheceu nesse tempo a obra de Mário de Andrade,
Oswald de Andrade, Murilo Mendes, Jorge de Lima e muitos outros. Meu
marido voltou a sorrir e permanecia sereno e com esperança na
continuação do tratamento médico, sempre complementado pela terapia
vinda da literatura. Quando Marise chegava, os dois discutiam o teor do
último livro lido e ela complementava com seu conhecimento literário.
Assim os dias passavam sem que ele pouco lembrasse a doença.
Tive a ideia de publicar seus antigos poemas de juventude. Ele se
entusiasmou e se ocupou da revisão. Convidei a “Delirante Confraria”,
um grupo de professoras que falam poesias, para apresentar seus poemas
na noite de lançamento. Meu marido estava feliz, embora fosse portador
de uma doença fatal. Alimentava-se de palavras literárias e isso
amenizava dores, depressão, angústia. Nos livros ele encontrou a força
para viver sem se preocupar com quanto tempo ainda teria pela frente.
Como Sherazade, eu não deixava que ele ficasse um dia sem uma história
que o encantasse para que ele mantivesse o interesse em continuar lendo
ou ouvindo o seu desenrolar nos dias seguintes. Os quatro meses de
sobrevida anunciada acabaram se estendendo para um ano e meio, para
espanto do médico que o acompanhava. Nesse período, sempre carregando
a literatura, eu e meu marido fizemos uma viagem ao sul do país,
participamos de festas e ele próprio se manteve ativo e trabalhando em
seu consultório médico até um mês antes de sua morte, quando foi
internado. Levamos para o hospital os livros e sempre novas leituras para
tratar sua mente e espírito. Ele se despediu da vida sem amargura e
certamente partiu levando em sua memória as poesias, as crônicas, os
contos e os romances que encheram sua vida de personagens e enredos
com que ele se deliciava, fazendo-o esquecer o tormento da doença. A
biblioterapia foi que lhe deu o suporte, o lenitivo necessário para ir se
despedindo da vida sem perder o encantamento, nem que fosse ficcional.
Vera Lucia Magalhães de Araujo (25/01/14).

Marise igualmente aceitou o pedido de escrever sobre esta vivência:

Há muito tempo a literatura vem fazendo parte de minha vida.


Considero que em toda a minha trajetória de professora de literatura os
momentos mais prazerosos e empolgantes foram propiciados quando nos
deixávamos levar pelo “prazer do texto”, lição colhida em Roland Barthes
e jamais esquecida. E creio que foi exatamente isso que aconteceu quando
passei a frequentar a casa de minha amiga Vera, levando comigo a
literatura para amenizar o sofrimento de seu marido, o saudoso médico
Edmar Augusto Santos de Araújo, que se encontrava com diagnóstico de
câncer.
Creio que naquele momento a literatura foi o santo remédio, pois
trouxe novamente esperança, deu alento, deu força, alegria, vida... Nossas
conversas semanais corriam em torno da literatura e em especial da
poesia. Como no jogo infantil, uma palavra puxava a outra; uma poesia
trazia outra e mais outra e assim interminavelmente. Era o alimento da
alma, driblando o tempo algoz.
Eu me sentia gratificada em compartilhar com Edmar os livros,
deixar que ele se embebesse na poesia de Bandeira, dos Andrades: Mário,
Oswald e Carlos Drummond. Não me esqueço de sua fascinação pelo
poema “Jandira”, de Murilo Mendes. E depois, Hilda Hilst, Jorge de
Lima, João Cabral de Melo Neto e tantos outros. Também não foram
esquecidos os poetas mais próximos: a maestria viva de Luiz Antônio
Pimentel em haicais memoráveis, além da poesia aconchegante de Beatriz
Chacon, recitada na varanda da casa. Essa aura poética nos contaminou e
a cada encontro novas descobertas, novos autores, tudo fluía com muita
naturalidade. Foi um momento de pura epifania, como diria Clarice
Lispector.
Nesses encontros com a poesia, pude, mais uma vez, me certificar
de sua força e de seu mistério diante das adversidades que a vida nos
apresenta.
Para o poeta e amigo Edmar, a literatura trouxe-lhe de volta a chance
de reviver momentos de lirismo e prazer, afugentando, assim, o fantasma
da morte para além das expectativas da ciência. Em suas própria
palavras:
“A poesia permite optar pela loucura, pela quarta dimensão da
física, pelo nada, pela precisão ou imprecisão. Ela é o inesperado, um
surto, um engasgo, um soluço e vive em todos os espaços e tempos. Sem a
poesia a existência seria linear e irrespirável.”
E a literatura é isso. Um grande mistério que nos atravessa a
vida!
Marise Rodrigues (12/02/14)

Agradeço-lhes por este exemplo arrebatador, que nos convida a


rever os atuais métodos utilizados, que somente dão atenção e cuidado ao
corpo físico. O desejo e objetivo é que este serviço seja oferecido nos
hospitais, como coadjuvante no tratamento, para incluir e cuidar dos corpos
mental e emocional, além de alimentar a parte saudável do ser. Considero o
processo aplicável inclusive para pacientes em coma, desde que a família ou
cuidador responsável esteja de acordo e o autorize. Já deixei minha família
orientada a fazê-lo, no caso de ficar “incomunicável” e ainda viva. Talvez
seja por isto que busco memorizar as poesias essenciais. Poderei, se
necessário for, acessá-las com autonomia.
Uma pessoa da família, o tio José Rubens, está tomando uma
infinidade de medicamentos para coibir a deterioração de sua memória, que
já dá preocupantes sinais de fragilidade. Apesar disto, seus olhos faíscam ao
recitar um poema:
Na tênue casca de verde arbusto Gravei teu nome, depois parti;
Foram-se os anos, foram-se os meses, Foram-se os dias, acho-me
aqui.
Mas ai! o arbusto se fez tão alto,
Teu nome erguendo, que mais não vi! E nessas letras que aos céus
subiam Meus belos sonhos de amor perdi.
Fagundes Varela (apud CARVALHO, 2014, p. 105)

Que labirintos são estes atravessados pela poesia, capazes de gerar


deleite ao evocar palavras e emoções inabaladas pelo desamparo do corpo,
do tempo, do contexto?
Um outro exemplo de desvio através da imaginação foi Oscar
Niemeyer, que ao lado do enfermeiro Marcelo de Almeida, durante uma
internação em CTI, compôs versos de uma samba:

TRANQUILO COM A VIDA

Assim vou eu tranquilo com a vida, à espera da noite já solta no


ar,
como o manto de estrelas com que se anuncia e se multiplica nas
águas do mar.
(Notícia veiculada no jornal OGLOBO, encarte especial de
homenagem, dia 07/12/12)

Na própria literatura, encontramos exemplos que incentivam esta


prática:

[...] Tive um acidente e fiquei maravilhosa! Nunca me senti tão


bem quanto no hospital! Não consegui fechar os olhos e lia sem
parar, dia e noite!
Milan Kundera (1985, p. 110)

Estes foram alguns exemplos de biblioterapia de fruição, em que,


através da leitura, desenvolve-se a capacidade de brincar com a própria
cabeça, desviar do sofrimento e criar outra realidade. Fruir é desfrutar,
aproveitar, usufruir. Brincar é criar. E criar é ter autonomia sobre si mesmo.
Dom Quixote não é nem louco nem idiota, mas alguém que joga de
cavaleiro andante. Jogar é uma atividade voluntária ao contrário
da loucura e da idiotice. [...] Dom Quixote deixa sua aldeia em
busca da pátria de seu espírito no exílio, porque só exilado pode
ser livre.
Harold Bloom (2010, p. 174-175)

Mas Quixote não é tolo nem louco, e sua visão é sempre, no


mínimo, dupla: ele vê aquilo que vemos, mas vê também algo a
mais, uma glória da qual deseja se apropriar, ou ao menos
compartilhar.
Harold Bloom (2009, p. 101)

Há inúmeros artigos científicos publicados que evidenciam os


benefícios em levar a leitura para espaços de saúde, provocando prazer,
entretenimento, alívio de estresse e ansiedade.
O Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido adotou, em junho de
2013, o programa Books on Prescription, de prescrição de livros como
fármacos para tratar depressão.
A decisão foi influenciada por uma pesquisa realizada em 2003,
pelo psiquiatra Neil Frude, em que o cientista constatou o potencial dos
livros como substituto eficaz dos antidepressivos.
Pelos casos relatados, as vantagens são inúmeras: baixo custo, não
produz os indesejáveis efeitos colaterais e é alta a adesão dos pacientes. O
governo investe em outras iniciativas para relacionar saúde mental com
leitura, como por exemplo o The Reader Organization, uma associação que
reúne grupos de pessoas menos favorecidas (como desempregados, presos,
idosos etc.) para leitura em grupo de poemas e
livros de ficção.
A revista Galileu, na edição de fevereiro de 2013, veiculou uma
matéria sobre a mudança da terminologia “terapias alternativas” para
“terapias complementares”, pelo reconhecimento da medicina para as
práticas da acupuntura, musicoterapia, fitoterapia, meditação, reiki, dentre
outras, sendo algumas delas já disponibilizadas inclusive em hospitais do
SUS (Sistema Único de Saúde). Esta expansão do olhar para a complexidade
do humano e seus meios de cuidar das diversas demandas – físicas,
emocionais e espirituais – está ganhando espaço. Há evidências, como: o
primeiro curso nacional de pós-graduação em medicina integrativa,
ministrado pelo Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo em 2013; a
inclusão de perguntas ligadas à medicina integrativa na Pesquisa Nacional
de Saúde no mesmo ano e a oferta das terapias complementares em hospitais
de ponta como o Sírio-Libanês em São Paulo, conforme divulgado na
matéria. (Revista Galileu 259, 2013)
A biblioterapia não faz parte deste cardápio, ao menos por enquanto, pois a
Câmara de Deputados analisa a proposta de sua inclusão em hospitais
públicos ou contratados e conveniados pelos SUS, através do Projeto de Lei
4186/12, apresentado por Giovani Cherini (PDT-RS). A decisão tramita em
caráter conclusivo.
Pela proposta, os livros autorizados terão um selo com a inscrição:
“Recomendado pelo Ministério da Saúde” e poderão ser adquiridos
mediante prescrição médica, com venda autorizada em farmácias, drogarias
e livrarias.
A notícia é maravilhosa, porém desconheço e preocupo-me com os
critérios que serão adotados para que uma obra seja considerada
biblioterapêutica, como e por quem será feita esta seleção.
Já a biblioterapia clínica é, com o apoio do material literário, tocar
nas feridas, ir ao encontro da dor para dialogar com ela e ter a possibilidade
de ressignificá-la.

As feridas não sangram para fora.


Elas escorrem para dentro, corroem a alma.
E nada faz secar as feridas mal curadas senão abri-las novamente
para que esvaziem afinal.
Henrique Chaudon (2005, p. 16).

No livro O fio das missangas, de Mia Couto, há trechos com


potencial para provocar boas reflexões e discussões de questões delicadas,
como por exemplo:

Pela milésima vez me preparo para ir visitar meu marido ao


hospital.
... Há muito que não me detenho no espelho. Sei que, se me olhar,
não reconhecerei os olhos que me olham. Tanta vez já fui em visita
hospitalar, que eu mesma adoeci. [...]
A meu homem deram transfusão de sangue. Para mim, o que eu
queria era transfusão de vida, o riso me entrando na veia até me
engolir. [...]
– Seu marido morreu. Foi esta noite.
Eu estava tão preparada, aquilo já tanto acontecera, que nem
procurei amparo. Depois de tanta espera, eu já queria que
sucedesse. [...]
Saio do hospital à espera de ser tomada por essa nova mulher que
em mim se anunciava. Ao contrário de um alívio, porém, me
acontece o desabar do relâmpago sem chão onde tombar.
(COUTO, 2009, p. 23-24)

– Dói-te alguma coisa?


– Dói-me a vida doutor.
– E o que fazes quando te assaltam essas dores?
– O que melhor sei fazer, excelência.
– E o que é?
– É sonhar. [...]
– Não continuas a escrever?
– Isto que faço não é escrever, doutor. Estou, sim, a viver. Tenho este
pedaço de vida – disse, apontando o novo caderninho –quase a
meio.
(COUTO, 2009, p. 132-133)

O objetivo da biblioterapia clínica não é desviar do sofrimento, mas


ir ao encontro dele, através de leituras que acessam o mais profundo e oculto
por motivos vários, acolhendo-o para permitir sua expressão e para
amenizar as dores da alma.
Há inúmeros trechos literários que criam este campo de mergulho
interior. Um exemplo é o conto “A terceira margem do rio” de Guimarães
Rosa (2001, p. 79-85). Uma linguagem enigmática, cheia de lacunas que
permitem que cada um insira nelas suas próprias inquietações.
E isto é de uma relevância inefável, pois a pós-modernidade criou
inúmeros recursos para alimentar a alienação, que por sua vez aumenta a
voracidade e o consumo. É somente o mergulho interior que permite
consumar para não consumir desnecessariamente.
Quanto mais avançamos na ciência, mais parece que tememos e
negamos a realidade da morte.
Elisabeth Kübler-Ross (2008, p. 11)

Compartilho, a seguir, outros trechos aplicáveis à biblioterapia


clínica:

[...] digam-me se não é a violência na terceira idade. Isto é


violência na terceira idade. Sabem por quê?Porque o nosso
inimigo é o corpo. Porque o corpo é que nos ataca. Estamos
finalmente perante o mais terrível dos animais, o nosso próprio
bicho, o bicho que somos. [...] ser-se velho é viver contra o corpo.
(MÃE, 2011, p. 126)

Minha canoa primeira, de menino, deslizou pela correnteza dos


igapós e o madeirame enluarado poetizou-se do som das aves e da
floresta.

Os meus remos de rapaz vislumbraram o horizonte atraídos pela


música das águas.

Continuo morando no barranco rude junto às juras que não


cumpri.
São retalhos daquele sol, dos tempos em que parti.
Olho obarranco
e repito Adélia Prado:
“o campo santo é estrelado de cruzes.”
Renato Carvalho (2011, p. 85)

A via-crúcis não é um descaminho, é a passagem única, não se


chega senão através dela e com ela. A insistência é o nosso
esforço, a desistência é o prêmio. [...] Desistir é a escolha mais
sagrada de uma vida. Desistir é o verdadeiro instante humano. E
só esta é a glória própria de minha condição. A desistência é uma
revelação.
Clarice Lispector (1998, p. 176)
[...] dentro de mim, não sou sozinho. Sou muitos. E esses todos
disputam minha única vida. Vamos tendo nossas mortes.
Mia Couto (2013, p. 75)

Sou um cego que vê muitas portas. Abro a janela que está mais
perto. Não escolho, tropeço a mão no fecho. Minha vida não é um
caminho. É uma pedra fechada à espera de ser areia. Vou entrando
nos grãos do chão, devagarinho. Quando me quiserem enterrar já
eu serei terra.
Mia Couto (2013, p. 84)

As notícias eram cada vez piores, e aprendi por experiência


própria que muitas vezes a gente prefere ser deixado a sós como
enigma do próprio corpo, quando ele ameaça nos devorar feroz,
incompreensível. Lutar em segredo, fechado no quarto, sem que
ninguém saiba.
Caio Fernando Abreu (2006, p. 161)

O trem chega e para. Na plataforma você começa a tentar colocar


as bagagens dentro dele. Mas elas não saem do chão. O trem
apita, o trem vai partir. Você percebe que não pode levar nada
além de você mesmo. E entra no trem. Mas isso que você tenta
fazer entrar no trem, e que é o seu corpo, também não pode entrar.
Então você o deixa, deixa o vulto que entrevejo jogado na estação
junto com as bagagens. O trem então parte levando de você algo
que nem você nem eu sequer conseguimos entrever.
Caio Fernando Abreu (2006, p. 194-195)

Me formei em tristezas, sou cursada. A dor o que é? A dor é uma


estrada: você anda por ela, no adiante da sua lonjura, para
chegar a um outro lado. E esse lado é uma parte de nós que não
conhecemos. Eu, por exemplo, já viajei muito dentro de mim…
Mia Couto (2012, p. 107)

Há situações em que a dor é tanta que a pessoa não tem coragem


de encará-la, muito menos de falar a respeito. Nestes casos, as
atividades expressivas (gerar imagens através da pintura,
escultura, escrita, música, dança etc.) abrem um acesso direto com
o inconsciente.
A imagem convida a palavra e quando a pessoa fala e processa
significados, é como se a grade da prisão fosse aberta.
Tristeza mais triste é aquela que não se ouve.
Mia Couto (2013, p. 62)

Um momento propício para a biblioterapia clínica é quando a


pessoa adoece e precisa ficar de repouso ou internada. A doença reconfigura
o ritmo da vida. Impõe restrições, convida à reflexão e revisão de valores e
prioridades. Impede o desvio da atenção do que nos aflige e nos coloca cara
a cara com nossa finitude. Nos espaços de saúde, prioriza-se o cuidado com
o corpo. A atenção ao corpo mental, emocional e espiritual é ainda precária,
com raras exceções. Familiares, cuidadores e equipe multidisciplinar
igualmente não encontram espaço para dar vazão ao turbilhão de angústias e
emoções que são expostos diariamente. A superlotação e precariedade dos
espaços só agravam a situação.
Incorporar a prática da biblioterapia nestas condições é contribuir
para a saúde emocional e mental, essenciais para cuidar do humano.

Escondi a mágoa da rejeição. Como há espaço, dentro de nós,


para enterrarmos as nossas pequenas mortes!
Mia Couto (2012, p. 38)
Finitude: tempo de renascer através de
livros
Começamos nos braços da vida,
acabamos dançando com a morte.
Mia Couto

Em fevereiro de 2013, fui convidada a dar uma aula sobre


biblioterapia, cuidados paliativos e luto na pós-graduação em cuidados
paliativos da Pinus Longaeva em São Paulo (www.
saudeeducacao.com.br/pinus_longaeva), bem como escrever um capítulo
sobre biblioterapia e finitude para compor o Tratado brasileiro de luto, sob
a organização de Franklin Santana Santos. Apresento a seguir, uma parte do
capítulo escrito, que ganhou uma revisão:

***

A certeza da finitude, quando o corpo físico não pode mais ser


curado, fomenta um campo fecundo de trabalho com outros corpos:
emocional, mental e espiritual.
Diante da evidência da proximidade da morte, são despertados
sentimentos como: frustração pelo que não foi vivido, falta de sentido na
existência, medo do desconhecido, impossibilidade de controle, dentre
outros. Apesar disto, a aceitação da finitude favorece a plenitude: de
reconhecer e potencializar o que realmente tem valor, de encorajar a
expressão, de desapegar-se de máscaras sociais, de rever prioridades, de
apurar o olhar, de apressar o enfrentamento do que precisa ser feito, de
intensificar momentos de dignidade ainda possíveis. Trata-se de uma
oportunidade de mudança de perspectiva. E, neste aspecto, a literatura é
mestre.
O drama humano intemporal demonstrado através de diversas obras
literárias clássicas é acreditar na eternidade, ignorar os movimentos de
declínio e morte. O reconhecimento da nossa finitude se evidencia quando já
é tarde demais. Deveríamos ser educados a acolher as perdas, que são
inexoráveis ao longo da vida. É impossível ser e ter mais, mais, mais. O
menos é necessário e muito rico, pois se trata de uma capacidade de se
desapegar de ilusões: da saúde e do amor eternos, de sonhos irrealizáveis. A
biblioterapia conduz à reflexão, ao encontro das múltiplas verdades, em que
o curar-se configura como o abrir-se a outra dimensão. A biblioterapia
oferece à pessoa o caminho de sua liberdade. Este caminho é criado através
da interpretação – que é em si mesma uma terapia, pois permite a atribuição
de vários sentidos ao texto. O leitor rejeita o que lhe desgosta e valoriza o
que lhe apraz, dando vida e movimento às palavras, numa contestação ao
caminho já traçado e numa busca de novos caminhos. Cumpre lembrar que a
decisão de mudança ou não de comportamento é posterior à história, pois o
sujeito fica como que digerindo o que acabou de constatar. No entanto, há
casos em que a ideia é instantânea e o sujeito tem necessidade de expor ao
grupo o que sente até como uma purgação. Em grupo, o diálogo sobre o lido
torna-se terapêutico por abrir a oportunidade para os outros participantes
também exporem seus pensamentos, desejos e motivações, trocarem ideias e
eliminarem o que incomoda. O que se busca é o resgate das subjetividades, a
verbalização dos medos, lembranças e vivências, pela leitura e diálogo. O
sentir pessoal aparece para o outro e, ao permitir a inserção da vivência
alheia, dá-se o descentramento, ou seja, todos passam a fazer parte de um só
campo de experiências, trocando palavras, gestos e afetividades.
A possibilidade de fazer contato com novas perspectivas acerca da
situação vivida e de encontrar formas alternativas de atuação no mundo é
libertadora, na medida em que oferece saídas ainda não consideradas. A
literatura, com sua diversidade de temas e formas de abordagem,
proporciona uma flexibilização de conceitos, crenças e valores. O indivíduo
é constantemente mobilizado pelo que lê e, ao conquistar uma visão
expandida da situação, já não se sente “sequestrado pela adversidade”,
expressão de Perissé (2014).
O texto literário é essa ação de forças entre o dito e o não dito, que
oferece, em suas brechas, maneiras variadas de leituras. Cabe ao leitor
significar o narrado de acordo com seus referenciais internos.

Recuse-se a cair.
Se não puder se recusar a cair, Recuse-se a ficar no chão.
Se não puder se recusar a ficar no chão, Eleve o coração aos céus
E, como um mendigo faminto, Peça que o encham,
E ele será cheio.
Podem empurrá-lo para baixo. Podem impedi-lo de se levantar.
Mas ninguém pode impedi-lo De elevar seu coração
Aos céus – Só você.
É no meio da aflição
Que tantas coisas ficam claras.
Quem diz que nada de bom resultou disso Ainda não está
escutando.
Clarissa Pinkola Estés (2006, p. 84)

Ainda um exemplo de pluralidade interpretativa, desta vez nas


palavras do escritor português valter hugo mãe:

um problema com o ser-se velho é de julgarem que ainda devemos


aprender coisas quando, na verdade, estamos a desaprendê-las, e
faz todo o sentido que assim seja para que nos afundemos
inconscientemente na iminência do desaparecimento.
(MÃE, 2011, p. 33)

Para Caldin (2010), através da biblioterapia, o indivíduo pode ser


ajudado a ganhar distanciamento de sua própria dor e expressar seus
sentimentos, ideias e pensamentos, o que permite abrir espaço para uma
transformação de sua situação de vida.
Juliano (1999) mostra que, ao longo do processo psicoterápico,
além de ouvir histórias, o terapeuta também é um narrador de histórias,
sempre visando ao diálogo com seu cliente: ele poderá fazer uso de
metáforas, lendas, contos de fada, histórias pessoais, histórias infantis e
mitos, como estratégia de comunicação com camadas mais inacessíveis da
pessoa. Revela ainda a possibilidade de transformar os pacientes em
produtores e contadores de histórias. No caso específico da finitude, o
processamento da perda se dá através da linguagem. Se a dor decorrente do
luto não for verbalizada, expressa, acolhida, representará um peso
insustentável, incapacitante para o tratamento, para o convívio social, para a
disponibilidade para a vida.

A finitude na plural perspectiva de Fernando Pessoa e seus heterônimos


A morte é um tema que perpassa toda a vida de Fernando Pessoa.
Aos cinco anos de idade, morreu seu pai. Até completar oito anos, perdeu a
irmã, a casa e a pátria, por ter que morar na África do Sul com sua mãe e
padrasto. Morreu com 47 anos. O reconhecimento como o maior poeta de
língua portuguesa revelou-se após sua morte, através da publicação de 27
mil originais descobertos, guardados numa arca. Foi um homem solitário,
com vida modesta e uma grande angústia existencial, pelo seu contexto
pessoal e de sua época. Num cenário caótico, a única certeza que
permaneceu foi a morte. Sua poesia vem de um profundo pesar pela
consciência de finitude e do sentimento de falta de sentido na vida. Escrever
foi um recurso de salvação. Procurou diversas maneiras de fragmentar-se
para sobreviver à fragmentação de seu tempo. Cada um de seus heterônimos
exprime uma forma de se relacionar com a finitude.
Somos tocados a cada expressão do legado de Fernando Pessoa. Sua
inteligência intrapessoal faz-nos compreender a pluralidade de vozes
interiores.
Vejamos como cada heterônimo lê a morte, através de poemas seus,
aqui selecionados:

Quando vier a Primavera


Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.
Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.
Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu
tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente;
Porque tudo é real e tudo está certo.
Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.

Alberto Caeiro

Tão cedo passa tudo quanto passa!


Morre tão jovem ante os deuses quanto
Morre! Tudo é tão pouco!
Nada se sabe, tudo se imagina.
Circunda-te de rosas, ama, bebe
E cala. O mais é nada.

Ricardo Reis

Agora que os dedos da Morte à roda da minha garganta


Sensivelmente começam a pressão definitiva...
[...] Vejo quem fui, e sobretudo quem não fui,
Considero lucidamente o meu passado misto
E acho que houve um erro
Ou em eu viver ou em eu viver assim.
Será sempre que quando a Morte nos entra no quarto
E fecha a porta à chave por dentro,
[...] Viro-me para trás, para o passado, não vivido;
Olho e o passado é uma espécie de futuro para mim.
[...] Quando eu abandonar o meu ser como uma cadeira donde me
levanto
Deixar atrás o mundo como a um quarto donde saio,
Abandonar toda esta forma, de sentidos e pensamento, de sentir as
coisas.
Como uma capa que me prenda,
Quando de vez minha alma chegar à superfície da minha pele
E dispersar o meu ser pelo universo exterior.
Seja com alegria que eu reconheça que a Morte
Vem como um sol distante na antemanhã do meu novo ser.
[...] Eu morrerei assim? Não: o universo é grande
E tem possibilidade de coisas infinitas acontecerem
Não: tudo é melhor e maior que nós o pensamos
E a morte revelará coisas absolutamente inéditas...
[...] A morte — esse pior que tem por força que acontecer;
Esse cair para o fundo do poço sem fundo;
Esse escurecer universal para dentro;
Esse apocalipse da consciência, com a queda de todas as estrelas
Isso que será meu um dia.
Um dia pertíssimo, pertíssimo,
Pinta de negro todas as minhas sensações,
E é a areia sem corpo escorrendo-me por entre os dedos
O pensamento e a vida.
[...] Entremos na morte com alegria! Caramba
O ter que vestir fato, o ter que lavar o corpo,

O ter que ter razão, semelhanças, maneiras e modos;


O ter rins, fígado, pulmões, brônquios, dentes.
Coisas onde há dor e sangue e moléstias
(Merda para isso tudo!)
Estou morto, de tédio também.
[...] Vivam, vivam, vivam
Os montes, e a planície, e as ervas!
Vivam os rios, vivam as fontes!
Vivam as flores, e as árvores, e as pedras!
Vivam os entes vivos – os bichos pequenos,
Os bichos que correm, insectos e aves.
Os animais todos, tão reais sem mim.
Os homens, as mulheres, as crianças.
As famílias, e as não-famílias, igualmente!
Tudo quanto sente sem saber porquê!
Indo quanto vive sem pensar que vive!
Tudo que acaba e cessa sem angústia nem nada,
Sabendo, melhor que eu, que nada há que temer,
Que nada é fim, que nada é abismo, que nada e mistério,
E que tudo é Deus, e que tudo é Ser, e que tudo é Vida.
[...] Reunir-me-ei em vida e morte
Aos sonhos que não realizei
Darei os beijos nunca dados,
Receberei os sorrisos, que me negaram,
Terei em forma de alegria as dores que tive...
[...] Toquem num arraial a marcha fúnebre minha!
Quero cessar sem consequências...
Quero ir para a morte como para uma festa ao crepúsculo.

Álvaro de Campos

Pessoa nos revela esse turbilhão de emoções vividas internamente


diante da evidência de finitude. Seus mergulhos transformados em poesia são
um convite para nossa plural expressão e ações possíveis, diante do fim.
Tive também uma oportunidade de falar sobre a finitude na
perspectiva poética de Fernando Pessoa em 2012, numa palestra direcionada
aos médicos residentes do Hospital Universitário Antônio Pedro, em
Niterói. A poesia de Pessoa tanto os fez enxergar seus pacientes com mais
profundidade, quanto tocou a emoção deles próprios, através de suas
reações de choro e relatos, posteriores à apresentação. Jovens, em início de
carreira, já se deparando com o drama da vida, das perdas, da dor e da
ausência, dos outros e as próprias. A biblioterapia é um antídoto para o que
bem descreve Mia Couto:

Existe, afinal, a outra incurável doença: a síndroma da


humanodeficiência adquirida. Proliferam as ciências desumanas e
os cientistas ocultos.
Mia Couto (2012, p. 146)
As formas de biblioterapia
Olho é uma coisa que participa
o silêncio dos outros.
Manoel de Barros

São três as formas de biblioterapia: leitura solitária, compartilhada


e coletiva. Vejamos cada uma com detalhes:

1. Leitura solitária

Ouaknin observa:

A leitura é primeiramente um acontecimento solitário, um


encontro privado com outro mundo, sozinho com o livro, sozinho
consigo mesmo.
O que difere essencialmente entre um livro e um amigo não é a sua
maior ou menor sabedoria, mas a maneira pela qual nos
comunicamos com eles. A leitura, ao contrário da conversa,
consiste para cada um de nós em receber comunicação de outro
pensamento, ao mesmo tempo em que permaneceremos sozinhos,
isto é, continuando a usufruir do poder intelectual que temos na
solidão e que a conversa dissipa imediatamente, podendo
continuar inspirados, permanecendo no pleno trabalho fecundo do
espírito sobre ele mesmo.
(OUAKNIN, 1996, p. 16-17)

Diferentemente da conversa, a leitura consiste em receber


comunicação de outro pensamento e poder elaborá-lo sem interrupções. São
feitas as pausas necessárias para o processamento do que foi lido, sem ser
atravessado pela fala do outro.
O autor ressalta que a partir da leitura estabelece-se uma relação do
autor com o leitor, em que cada um oferecerá ao outro o que tem de mais
valioso: suas profundezas. Os autores isolam-se para produzir suas obras e
os leitores para interpretá-las, criando uma oportunidade de mergulho em
questões mais profundas para ambos.

A biblioterapia funda-se em uma prática da leitura que permite ao


homem ir ao mais profundo de si mesmo e se inventar a cada vez
de maneira diferente.
OUAKNIN (1996, p. 97)

Para o autor, a leitura é um encontro entre duas subjetividades, a do


leitor e a do autor, que se enriquecem mutuamente. Abre-se a possibilidade
de dialogar com autores que viveram em outras épocas e lugares distantes.

2. A leitura compartilhada: o diálogo

O ser humano, em movimento constante de desenvolvimento,


encontra suas forças no processo narrativo-interpretativo da leitura, através
da linguagem em movimento. O pluralismo interpretativo dos comentários
aos textos deixa claro que cada um pode manifestar sua verdade e ter sua
visão do mundo.

[...] cada um só vê e entende as coisas dum seu modo.


Guimarães Rosa (2001, p. 33)

Entre os sujeitos do diálogo há o texto, que funciona como meio.


Assim, as diversas interpretações permitem a existência da alteridade e a
criação de novos sentidos.
No diálogo biblioterapêutico, cada comentário sobre o texto
acrescenta, inflete, opõe, introduz um jogo no sentido e um movimento na
identidade. O livro abre para um movimento, que liberará o conjunto de
bloqueios e cristalizações nos quais um homem pode ter-se deixado
encerrar.

3. A leitura coletiva
Clarissa Pinkola Estés é doutora em psicologia etnoclínica, que é o
estudo da psicologia clínica aliada à etnologia, dando esta última ênfase ao
estudo da psicologia de grupos. Em seu livro Mulheres que correm com os
lobos, menciona:

Dou uma ênfase substancial à psicologia clínica e de


desenvolvimento e uso o ingrediente mais fácil e mais acessível
para a cura: as histórias.
(ESTÉS, 2006, p. 26)

São muitos os grupos de mulheres que se reúnem para ler em


conjunto os capítulos deste livro e permitir expressão e acolhida de
emoções. Há também grupos de leitores que compartilham plurais leituras de
um único livro escolhido democraticamente. Outros se reúnem para
apresentar trechos significativos de livros diferentes.
Ana Garcia, no livro Superação: um salto além da doença, onde
descreve o acompanhamento psicoterápico de um grupo de mulheres
mastectomizadas, diz:

O empoderamento grupal se dá através da informação /reflexão


coletiva a partir de estudos, pesquisas e constantes contatos
formais e informais.
(GARCIA, 2010, p. 76)

Na visão de Paulo Freire (1992), o indivíduo ou o grupo


“empoderado” é aquele que realiza, por si mesmo, as mudanças e ações que
o levam a evoluir e se fortalecer.
O método biblioterapêutico
Um busca uma parteira para seus pensamentos,
o outro, alguém a quem possa ajudar:
assim nasce uma boa conversa.
Nietzsche

A biblioterapia permite um caminho de saída da cristalização, da


falta de movimento para um jogo dinâmico de interpretações através da
desconstrução de certezas e exame dos pensamentos e comportamentos.
Fazem parte do método biblioterapêutico os seguintes elementos: o universo
fechado, o estranhamento/desconstrução, construção de novas verdades, o
desmame e o movimento.

1. Reconhecimento do universo fechado

Ouaknin traz o conceito de biblioterapia hermenêutica, ou seja, ouso


da literatura para abertura às diferentes interpretações, num movimento
dinâmico de sair de um círculo fechado e endurecido para um abrir de
possibilidades através do diálogo e da desconstrução das certezas.
São vários trechos que abordam o fechamento em si mesmo como
origem da doença, como por exemplo:

Estagnação temporal, impasse temporal e aprisionamento


espacial. O mundo se fecha sobre si mesmo, como um universo
fechado, sem nenhum horizonte. A depressão é, de algum modo,
uma amputação do futuro.
(OUAKNIN, 1996, p. 45)

Para o autor, na visão da biblioterapia, a doença é concebida como


um apego desmesurado a uma palavra, a um objeto ou a um acontecimento
qualquer. Esse apego radical é a ausência de jogo, do movimento dinâmico.

Manoel de Barros retrata esta condição:


Nunca sabia direito qual o período necessário para um sapato ser
árvore. Muito menos era capaz de dizer qual a quantidade de
chuvas que uma pessoa necessita para que o lodo apareça em suas
paredes. De modo que se fechou esse homem: na pedra: como
ostra: frase por frase, ferida por ferida, musgo por musgo.
(BARROS, 2010, p.172)
Para Eny Pires:
A cura de um mal pode estar dentro do próprio indivíduo que,
lendo um livro ou reescrevendo sua história, pode desencalhar
palavras que estavam mofadas dentro de seu inconsciente.
(PIRES, 2008, p. 43)

O processo de cuidado biblioterapêutico inicia a partir do


reconhecimento desta cristalização, para então partir para o próximo estágio.

2. O estranhamento e a desconstrução

O estranhamento do literário permite o estranhamento próprio, o


desvio do estável para o dinâmico, a aceitação da diferença, a aventura de
outras vivências.

Tive um chão (mas já faz tempo)


todo feito de certezas
tão duras como lajedos.
Agora (o tempo é que o fez)
tenho um caminho de barro
umedecido de dúvidas.
Thiago de Mello (1983, p. 43)
Na leitura, pode acontecer um momento em que o leitor, como o
próprio autor, se sente perdido. Mas essa desorientação, esse extravio fora
do caminho já traçado do saber, é a própria experiência da vida. Ler,
interpretar, estudar é estar aberto ao encontro da estranheza mais radical.
Este estranhamento, esta desconstrução igualmente é ressaltada por Ouaknin
como parte do processo de liberdade e desenvolvimento:
Para a biblioterapia, o ser humano é uma criação contínua, em
incessante movimento de tornar-se. Esse tornar-se passa por uma
transfiguração, a cada vez nova, de si e do mundo.
A criação não pode ocorrer sem um despedaçamento, uma
demolição do que existe anteriormente. Há a quebra de um
horizonte dado, depois recriação. Na criatividade leitural, o
homem leitor-criador se inventa de outro modo. Ler
biblioterapeuticamente é procurar encontrar no texto esse
momento de despedaçamento criador.
(OUAKNIN, 1996, p. 97)

Para Roland Barthes (1996), o texto de fruição é aquele que põe em


estado de perda, aquele que desconforta, faz vacilar as bases histórico-
culturais, psicológicas, do leitor.
Para um exemplo, seguem fragmentos da poesia de Florbela
Espanca:

Castelos, um a um, deixa-os cair. [...] E deixa sobre as ruínas


crescer heras.
Deixa-as beijar as pedras e florir. [...]
Deixa tombar seus rútilos castelos.
Tenho ainda mais sonhos para erguê-los.
Mais alto que as águias pelo ar.
(ESPANCA, 2000, p. 55)

Drummond, no poema “Ausência”, compartilha um novo olhar sobre


a falta:

Por muito tempo achei que a ausência é falta.


E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
Que rio e danço e invento exclamações alegres,
Porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
(ANDRADE, 2002, p. 25)

Um outro exemplo de pluraridade interpretativa é o capítulo


“Conferir sentido ao inaceitável”, do livro Carência e Plenitude, de Jean
Leloup (2001), que defende que dor e sofrimento não são exatamente
sinônimos. De acordo com o autor, a dor é parte integrante da experiência
humana e o sofrimento é uma leitura da dor. O autor até apresenta quatro
estágios de reagir, viver e interpretar a dor, aqui apresentados em resumo:

a) dor sem sentido – como um mal que a pessoa quer eliminar a qualquer
preço, sendo capaz de procurar o médico, psicoterapeuta ou curandeiro;
b) dor como ocasião de provar nossa força ou coragem – uma
oportunidade de manifestar a grandeza da alma, a capacidade de ser maior
do que sua dor;
c) o absurdo, o sofrimento, a solidão e a morte são assu-midos e
transcendidos. Há um contato e restabelecimento com as raízes de sua
existência;
d) a não interpretação, o não questionamento dos males pela aceitação do
sofrimento e da morte como inerentes à vida.

Na leitura biblioterapêutica, há uma busca pela soltura dos


pensamentos, soltura das palavras, dos movimentos e da interpretação dos
fatos.

3. Construção de novas verdades

Após esta desconstrução, a partir de novos olhares possíveis passa-


se então a uma fase de construção de novas verdades e caminhos. Conforme
menciona Juliano:

Atravessar cada morte é aprender a respeito da transformação que


resulta de cada momento de perplexidade, de não saber.
Só nos cabe arejar, dar espaço, abrir a roda. Entregar-se, viver o
caos da experiência da morte, viver o nada, poder ser continente
para o descontínuo. Só então ressurgimos modificados.
Crescimento, mudança e maturação ocorrem pela deformação do
antigo e pela formação do novo. Não há marcos importantes de
nossas vidas que não sejam acompanhados de sentimentos de
morte, porque não existe crescimento sem finalizações e perdas.
(JULIANO, 1999, p. 139)

A leitura revela ao leitor problemas desconhecidos. A linguagem


desarrumada quebra o ritmo doentio de nossas rotinas e manias, de nossos
preconceitos disfarçados, de nossos equívocos. A leitura questiona nossa
superficialidade, nossa passividade, nosso conformismo. Os desejos
profundos que carregamos em segredo, e de que não temos plena
consciência, aparecem nas páginas dos livros, em verso e prosa.
Identificam-se esses desejos universais como nossos também, como desejos
individualizados em cada um. Desejos de liberdade, de imortalidade, de
felicidade, de transbordamento, de transcendência.
A fala é abertura de meu corpo ao corpo do outro, a leitura é uma
troca consentida de ideias, pensamentos, conhecimentos e emoções.
A leitura é um encontro de minha fala e da fala do autor.

4. O desmame

Interessante ressaltar a importância do desmame no


desenvolvimento humano, inclusive na biblioterapia. O desmame significado
por todas as fases em que o humano se torna cada vez mais autônomo.
Ouaknin associa o desmame à reapropriação da subjetividade, à oposição
incessante aos encerramentos e aos sistemas que anulam a pessoa em
benefício de uma comunidade ideológica de ação ou pensamento. O
desmame, a partir desta perspectiva, corresponde à construção permanente
de si, impossível sem essas rupturas com as formas pré-fabricadas das
palavras e das coisas.

Viver é jogar, isto é, permitir à dinâmica do existente encontrar


um local de expressão. Essa vitalidade dinâmica do existente é o
que garante a saúde, definida como criação contínua de si.
OUAKNIN (1996, p. 216)

Quem retrata bem este processo é Quintana no poema “O velho do


espelho”:
Por acaso, surpreendo-me no espelho: quem é esse
Que me olha e é tão mais velho do que eu?
Porém, seu rosto... é cada vez menos estranho...
Meu Deus, meu Deus... Parece
Meu velho pai – que já morreu!
Como pude ficarmos assim?
Nosso olhar – duro – interroga:
“O que fizeste de mim?!”
Eu, Pai ?! Tu é que me invadiste,
Lentamente, ruga a ruga... Que importa ? Eu sou, ainda,
Aquele mesmo menino teimoso de sempre
E os teus planos enfim lá se foram por terra.
(QUINTANA, 1999, p. 55)

5. O movimento

Como mencionou Juliano (1999), a pessoa precisa não de um “olhar


certo”, mas de um “olhar diferente” e esta condição de diversidade já
possibilita oxigenar seus temas. O simples fato de outra pessoa ver o mesmo
acontecimento a partir de outro ângulo já provoca movimento. E movimento
é saúde.
Um mestre em olhar de forma diferente é o poeta Manoel de Barros:

Ao poeta faz bem desexplicar – tanto quanto escurecer acende os


vaga-lumes.
(BARROS, 2010, p. 13)

As coisas jogadas fora têm grande importância – como um homem


jogado fora.
(BARROS, 2010, p. 147)

Ao desvelar os incontáveis significados da realidade através da


intimidade e do diálogo, descortinam-se universos. Evidencia-se a imensa
capacidade humana de reinventar o mundo.

A carreira do texto escapa ao horizonte finito vivido por seu autor.


O que o texto diz importa mais do que o que o autor quis dizer.
OUAKNIN (1996, p. 193)

Esta liberdade de interpretações oferece a possibilidade de o


homem imaginar a própria liberdade. Como um legítimo romper de
correntes:

A leitura biblioterapêutica faz sair da petrificação do ser, que se


assenta na petrificação das palavras. Soltura das palavras
acorrentadas em estruturas definitivas, onde não têm força para
dizer a vida.
OUAKNIN (1996, p. 229)

Nenhum poema tem suas possibilidades interpretativas esgotadas.


Movimentos, separações, estranhezas. São deslizamentos sem fim que levam
em sua arrebentação toda cristalização, todo limite, toda margem calculável,
toda fronteira intransponível. A fala deve ser nossa fala e não uma fala que
pertence a outros: “fala falante” e não “fala falada”. Assim, o homem não é
mais, ele se torna. Para Merleau-Ponty (1999), a fala falada é a que o leitor
traz consigo, o conjunto de escritos da língua. Já a fala falante é uma
recriação, é a passagem dos signos ao significado no momento da leitura,
produtora de significados. A terapia por meio de livros somente acontece
quando se pode inferir novos sentidos ao lido.
Costurando com linhas psicológicas
Seja qual for o caminho que eu escolher,
um poeta já passou por ele antes de mim.
Freud

Das linhas psicológicas, a que mais vibra em ressonância com as


práticas em biblioterapia, em minha opinião a partir das vivências e
pesquisas até o momento, é a psicologia arquetípica de James Hillman. No
livro Re-vendo a psicologia, ele expõe seus principais fundamentos, que
apresento em síntese a seguir.
Sua premissa central é o processo dinâmico de cultivo da alma.
Como somos feitos da matéria de nossos sonhos e ideias, somos tomados e
formados por imagens.

Como a fantasia da doença, em primeiro lugar, é fantasia (e não


doença), então tratar a fantasia requer uma terapia que tenha seu
foco na fantasia (e não na doença). [...] Toda fantasia diz algo
sobre a alma.
James Hillman (2010, p. 173 )

E, para que isto aconteça, há que se abolir qualquer forma de


literalismo. Significados literais geram imagens fixas que são inerentemente
falsas, pois únicas. Esta abordagem considera o poder encantatório das
palavras como veículo, entendidas como aquelas que tocam a emoção: um
indicador de movimento da alma.
Os sintomas, o caos, a aflição, o despedaçamento, são vistos, nesta
perspectiva, como demonstrações da psique, processos inerentes do cultivo
de alma, portas de acesso à profundidade, consciência que potencialmente
acionam revoluções.

Através da depressão adentramos a profundidade, e nas


profundidades encontramos alma.
James Hillman (2010, p. 208)

Para cuidar e cultivar a alma, faz-se necessário criar um espaço de


escuta (em que o bizarro, o decaído, o fantástico são acolhidos), onde estas
imagens profundas guardadas de seus monstros, forças e medos possam ser
derramadas e cozidas o tempo necessário para que seus significados
emerjam. Hillman defende que este espaço não é, necessariamente, num
consultório clínico. Ele cita que a psicologia clínica é um “resquício do
modelo médico”. O “psicologizar” (criar espaço para refletir sobre as
próprias angústias) é algo que acontece intermitentemente na busca por alma.
O próprio “psicopatologizar” (a psique criando patologias) é uma linguagem
da alma que, através da expressão do sintoma patológico, diz que algo
precisa ser visto e transformado.

Em meu sintoma está a minha alma.


James Hillman (2010, p. 221)

A ferida e o olho são um só.


James Hillman (2010, p. 223)

Importante é dar um continente para a psicopatologia. As artes em


geral (literatura, pintura, música, dança e outras expressões) são modos de
visitar nossa loucura e dar um receptáculo para as imagens que nos
governam. Uma via possível para a sanidade.

Servir à alma implica deixá-la reinar, ela conduz, nós a


seguimos.
James Hillman (2010, p. 166)

Chama-se psicologia arquetípica, pois acredita que as ideias


remetam a estruturas mais arcaicas da psique: os arquétipos.

[...] eu nunca tenho, de fato, ideias, elas me têm, me suportam,


me contêm, me governam. Nossa luta com as ideias é um combate
sagrado.
[...] quando a esses deuses e demônios não é dado
reconhecimento e lugar apropriado, eles se tornam doenças.
James Hillman (2010, p. 62)

Os arquétipos são as raízes mais profundas que sustentam nosso


funcionamento psíquico. Olhar para eles, reconhecê-los e dialogar com estas
forças são um caminho para engendrar alma e gerar insights de novas
perspectivas e ações no mundo.
Assim sendo, em minhas práticas, o que busco é essencialmente este
cultivo da alma. Em que imagem ou fantasia a pessoa que me procura se
cristalizou? O que esta alma clama? Quais são as mensagens das “sombras”
que exigem luz e voz? Que fome não está sendo saciada? Incentivando a
liberdade de imaginar a liberdade, indo ao encontro das poéticas da alma,
através da literatura e materiais expressivos, criamos uma parceria em busca
das imagens e palavras essenciais para sua nutrição.

Psicologia significa idealmente dar alma para a linguagem e


encontrar linguagem para a alma.
James Hillman (2010, p. 410)

Apesar dos argumentos utilizados acima, reconheço que a


biblioterapia dialoga muito bem com outras linhas, como a psicanálise,
analítica Junguiana e Gestalt.
Os conceitos da psicanálise estão presentes no processo
biblioterapêutico, tais como: catarse, identificação, introjeção, projeção e
introspecção. Freud e Breuer, nos estudos sobre a histeria, chamaram de
método catártico o procedimento terapêutico pelo qual um sujeito consegue
eliminar seus afetos patogênicos e dessa forma reviver os acontecimentos
traumáticos a que eles estão ligados.
De acordo com o Vocabulário de Psicanálise de J. Laplanche e J.
Pontalis (1994, p. 226), na identificação, o sujeito assimila um aspecto, uma
propriedade, um atributo do outro e se transforma, total ou parcialmente,
segundo o modelo desse outro. Essa investigação de si por si mesmo efetua-
se como recuo que o ser humano realiza para dentro de si após a leitura do
objeto literário.
O ser que se esconde, o ser que “entra em sua concha” prepara
“uma saída” [...] parece que, ao conservar-se na imobilidade de
sua concha, o ser prepara explosões temporais do ser, turbilhões
do ser.
Gaston Bachelard (2008, p. 123)

É como se os personagens ficcionais atuassem como um espelho no


qual seria possível visualizar nossos defeitos (reais ou imaginários) – até
então obscurecidos pelos apelos da vida cotidiana. Um exemplo é o trecho
da poesia “Tabacaria”, de Pessoa:

[...] Fiz de mim o que não soube,


E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti,
[e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
(PESSOA, 1996, p. 68)

Na introjeção (LAPLANCHE J, PONTALIS, 1994, p. 248), o sujeito


faz passar, de um modo fantasístico, de fora para dentro, objetos e
qualidades inerentes a estes objetos. Na projeção (LAPLANCHE J,
PONTALIS, 1994, p. 374), o sujeito expulsa de si e localiza no outro
(pessoa ou coisa) qualidades, sentimentos, desejos e mesmo objetos que lê,
desconhece ou recusa nele. A introspecção é uma percepção interna, uma
auto-observação, um processo mental consciente, um exame dos próprios
pensamentos, desejos e sensações. Por meio de tais mecanismos, o humano
procura restabelecer o equilíbrio de sua existência, pois ao envolver-se na
leitura esquece-se das pressões externas e volta-se para si mesmo como
fonte de conhecimento (pela introspecção), procura harmonizar-se com a
essência de existir (pela identificação com os personagens) e se libera (pela
catarse). Em literatura, a catarse é definida como purgação. Como ressaltou
Caldin:
Na biblioterapia, advoga-se que essa interação de subjetividades,
essa identificação com os personagens ficcionais permite ao leitor,
ouvinte ou espectador compreender seus conflitos à luz dos
conflitos vivenciados pelas personagens de uma forma segura,
indolor e prazerosa.
(CALDIN, 2010, p. 165)

A analítica junguiana traz inúmeros conceitos ligados à


biblioterapia: individuação, inconsciente coletivo, arquétipos, função
transcendente.
Sob a ótica junguiana, a dimensão arquetípica é a matriz de todas as
possibilidades herdadas da imaginação humana e constituinte do
inconsciente coletivo. No desenvolvimento da personalidade, os arquétipos
são ativados para organizar as representações simbólicas em determinados
padrões de atitude e comportamento.
Para Jung, o processo de individuação não ocorre só por causa do
sofrimento, mas também pela força do grupo. Na Psicologia Analítica, em
especial, faz-se importante a presença do mito, que por meio de
representações e imagens, uma linguagem universal é capaz de explicar os
mais diversos fenômenos psíquicos. Dessa forma, as pessoas podem se
identificar com aquilo que está sendo simbolizado e se conscientizar sobre
quais aspectos devem ser trabalhados nos seus processos. Através da
literatura, os sujeitos podem ter acesso às histórias arquetípicas do
inconsciente coletivo, conscientizando-se de sua situação, liberando
emoções e adquirindo referências de comportamento.
A psicoterapia é um processo dialético, de discussão entre duas
pessoas. A pessoa é um sistema psíquico que entra em interação com outro
sistema psíquico, possibilitando uma ampliação de horizonte por interpretar
os dados da experiência de diferentes maneiras. Na biblioterapia, este
processo é mediado pela literatura, fortalecendo o processo de
individuação. Para Jung, a função psicológica transcendente resulta da união
dos conteúdos conscientes e inconscientes.

A consciência é um processo momentâneo de adaptação, ao passo


que o inconsciente contém não só todo o material esquecido do
passado individual, mas todos os traços funcionais herdados que
constituem a estrutura do espírito humano. O inconsciente contém
todas as combinações da fantasia que ainda não ultrapassaram a
intensidade liminar e, com o correr do tempo, e em circunstâncias
favoráveis, entrarão no campo luminoso da consciência.
(JUNG, 1984, p. 1)

É chamada transcendente, porque torna possível organicamente a


passagem de uma atitude para outra.
(JUNG, 1984, p. 6)

Relatou Caldin que, na leitura biblioterapêutica, são utilizados os


conceitos da Gestalt: a figura pode virar fundo, e o fundo, figura (CALDIN,
2010, p. 82). Tudo depende do leitor, do seu ponto de vista, de suas
emoções, suas experiências. Pode-se dizer que o leitor faz as configurações
que lhe convêm dependendo da percepção sensível que o objeto lhe
despertou. A leitura igualmente é propiciadora de um forte conceito da
Gestalt: o insight, ou seja, favorece o ato ou resultado de se surpreender com
um novo olhar, contribuindo para a redução dos quadros de ansiedade e
depressão.

Mas quando um insight ou uma ideia afunda em nós, provoca


mudanças invisíveis. A ideia abre o olho da alma. Por vermos
diferente, agimos diferente.
(HILLMAN, 2010, p. 245)
Quero ser biblioterapeuta: por onde
começar?
A Biblioterapia é uma arte,
deve ser aprendida por experiência.
Ruth Tews

Compartilho o que me deu forças e base para iniciar este caminho


de forma autodidata. Recomendo essencialmente a leitura de quatro livros:

•Biblioterapia, de Marc-Alain Ouaknin (1996);


•A poética do espaço, de Gaston Bachelard (2008);
•Ficções que curam, de James Hillman (2010);
•Re-vendo a psicologia, de James Hillman (2010).

Ouaknin, filósofo e rabino, detalha, de forma sensível e consistente,


questões fundamentais relacionadas à biblioterapia: o processo, o método,
as formas etc. Sua importância fica evidente até pelas inúmeras referências
do autor neste livro.
Bachelard, filósofo, cientista e poeta que se dedicou ao estudo da
filosofia da ciência, revela a potência da poesia: aquela que causa
ressonância e repercussão. Capaz de despertar imagens apagadas, penetra
como em ondas em profundidades não acessíveis pelo racional e então,
repercute: uma vontade de chorar, ou de dizer, numa onda inversa para trazer
à tona o oculto. Esta é a massa de trabalho do biblioterapeuta: o que é
despertado através da leitura.
James Hillman foi um psicólogo que trabalhou a pioneira psicologia
arquetípica. Praticava a terapia como uma arte imaginativa, intimamente
ligada à poética. No livro Ficções que curam, ele menciona que a história
que o paciente conta é uma ficção que ele cria com fragmentos de realidade.
Ele afirma:

a terapia bem-sucedida é pois a colaboração entre ficções, uma


revisão da história por meio de uma trama mais inteligente, mais
imaginativa.

Pelo exposto no capítulo anterior, sobre a ressonância das ideias da


psicologia arquetípica com as práticas da biblioterapia, considero
fundamental a leitura do livro Re-vendo a psicologia de James Hillman.
Se você, independente de qualquer coisa, sente um chamado para atuar em
conjunto com outras pessoas, através dos livros, sugiro que não espere mais
nada: inicie a formação do seu acervo, convide interessados, vivencie o
processo, observe e aprenda com suas experiências e busque lapidação
contínua. O mundo da literatura é tão plural quanto o mundo dos homens.
Você não terá tempo de ler tudo, nem o essencial, sendo assim, confie: faça o
que for possível, neste momento. E o possível passa pelo que já transformou
você. O que foi transmutado pelo fogo da vivência se transforma em sua
ferramenta de trabalho. Veja o que diz Bachelard:

O crítico literário é um leitor severo. [...] poderíamos dizer que o


crítico literário, o professor de retórica, que sempre sabem, que
sempre julgam, desenvolvem de bom grado um complexo de
superioridade. Quanto a nós, acostumados à leitura feliz, só lemos,
só relemos aquilo que nos agrada, com um pequeno orgulho de
leitura mesclado de muito entusiasmo.
(BACHELARD, 2008, p. 10)

Outro aprendizado significativo devo ao Bartolomeu Campos de Queirós: a


diferença entre dor verde e dor madura:

Minhas tristezas estão maduras. Só tristezas verdes precisam de


água para crescer.
(QUEIRÓS, 2004, p. 16)

Dor verde é aquela que está aberta, sangra ao toque, ainda faz chorar. Dor
madura é aquela que já cicatrizou, que virou história, como se fosse aquele
rasgo no tecido que foi cerzido e está mais forte que antes. É possível passar
por ela de cabeça erguida. Se algum livro ou texto ainda mobiliza você,
utilize-o para cuidar de você e não dos outros.
Para trabalhar com rodas de leituras, sugiro também o livro O milionésimo
círculo de Jean Shinoda Bolen (2003), pois ressalta ritos que auxiliam a
dinâmica de trabalhos em círculos não só de mulheres.
Há formações que certamente potencializarão este caminho: psicologia,
biblioteconomia, literatura, arteterapia, trabalhos com grupos, filosofia,
dentre outros.
Temos que lidar com a incompletude e, com humildade, dar pequenos passos
e aprender com tudo. Jamais estaremos plenamente preparados. Incomodo-
me muito com as teses que apodrecem empoeiradas nas prateleiras.

Existem cada vez mais universidades e cada vez mais estudantes.


Para desenrolar seus pergaminhos é preciso que eles encontrem
temas de dissertação. Existe um número infinito de temas, pois se
pode falar sobre tudo e sobre nada. Pilhas de papel amarelado se
acumulam nos arquivos que são mais tristes do que os cemitérios
porque neles não vamos nem mesmo no dia de Finados.
Milan Kundera (1985, p. 108-109)

Há formações longas e caras que só reforçam que é necessário consumir


outras formações para se sentir autorizado a iniciar. Há pessoas que buscam
uma capacitação infinita e eternamente adiam seus propósitos. A sensação é
de ser capturado por uma grande engrenagem que enriquece através do
fomento à insegurança.

Eu preferia continuar pedindo, sem ter a coragem de já ter.


Clarice Lispector (1998, p. 148)

Este fenômeno faz lembrar os frutos hoje desenvolvidos para que


não possuam sementes. Para quê? Para obrigar o consumo, fomentar
dependência e matar a autonomia! Quantas horas, quanto dinheiro, quanta
vida desperdiçada, sem gerar desdobramentos construtivos.
O antídoto para este eterno sentimento de inacabamento é a ação.
Esta vale mais que mil palavras. E é ela que cura os medos. Está entranhada
na palavra transformação.
Como diz Thiago de Mello, no poema “O que o homem faz”:

O homem é só o que ele faz.


O que ele sente e pensa
só vale a vida se cresce
transfigurado em ação.
[...]
O homem vale só pelo que faz.
Comete precisões irremediáveis,
morde o sonho, magoa a margarida,
faz concessões que ferem sua infância,
faz indelicadezas infindáveis
e inventa flores que morrem fechadas.
(MELLO, 1996, p. 210-211)

Augusto Boal escreve “espectador, que palavra feia” e reforça:

O espectador, ser passivo, é menos que um homem e é necessário


reumanizá-lo, restituir-lhe sua capacidade de ação em toda sua
plenitude.
(BOAL, 2013, p. 162)

Cabe aqui contar uma história real, presente no livro A escola e os


desafios contemporâneos: Tião Rocha é antropólogo, educador popular e
folclorista. Em entrevista com Viviane Mosé, fala da iluminação a partir do
compartilhar de saberes possíveis. Cita um exemplo vivido em um lugar
onde o povo dizia que não havia o que ensinar, pois não sabia fazer nada.
Pela insistência, uma senhora disse que sabia fazer biscoito. Diante da
sugestão de moldá-los como letras, a alfabetização iniciou-se. Os nomes
foram produzidos e ingeridos. Teve gente que reclamou porque o outro
comeu mais pelo nome ser maior. Tião sugeriu então que fizessem o nome
completo. “Nós pode?” Quis saber o povo. “Pode!” Trata-se do que ele
chama de “empodimento comunitário”. (MOSÉ, 2013, p. 276)
Doses de ousadia são o tempero da vida.
E veja o que disse Fernando Pessoa:

Ler mal e por alto é libertarmo-nos da mão que nos conduz. A


superficialidade na erudição é o melhor modo de ler bem e ser
profundo.
Fernando Pessoa (2006, p. 233)

Outra fonte de inspiração e força é a primeira carta do livro Cartas a um


jovem poeta, de Rilke:

Pergunta se os seus versos são bons. [...] O senhor está olhando


para fora, e é justamente o que menos deveria fazer neste momento.
Ninguém pode o aconselhar ou ajudar – ninguém. Não há senão um
caminho. Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o
manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos
mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe
fosse vedado escrever? Isto acima de tudo: pergunte a si mesmo na
hora mais tranquila de sua noite: “Sou mesmo forçado a
escrever?” Escave dentro de si uma resposta profunda. Se for
afirmativa [...] então construa a sua vida de acordo com esta
necessidade.
(RILKE, 1994, p. 22-23)

Todo este discurso tem um único propósito: incentivá-lo a ouvir


aquela voz que continuamente assopra o que precisa ser feito e iniciar hoje,
agora, com quem estiver na sua frente.

[...] Porque um dia é preciso parar de sonhar; tirar os planos das


gavetas e, de algum modo, começar.
Amyr Klink (1992, p. 26)

Depois, vamos compartilhar nossas histórias, presencialmente em


encontros específicos para isto ou através de livros como este.

Ler é sonhar pela mão de outrem.


Fernando Pessoa (2006, p. 233)
Sugestões para nutrir o acervo
Perto de muita água, tudo é feliz.
Guimarães Rosa

Este caminho requer, paralelamente às doses homeopáticas dos


aprendizados na prática, um apetite contínuo de leituras. Compartilho, a
seguir, algumas formas que, na minha experiência, contribuíram na
ampliação e utilização do acervo biblioterapêutico. São apenas sugestões,
pois sei que há inúmeras formas de contato com a literatura:

1. Através das obras clássicas da literatura universal.


Por exemplo: Dília Gouveia criou e ministra um curso chamado “A
intemporalidade do drama humano”, que percorre obras clássicas da
literatura universal e desvela o essencialmente humano através de seus
personagens. Por sua orientação, lemos em 2012 e 2013:

•Édipo Rei, de Sófocles (2004);


•O Rei Lear, de Shakespeare (2011);
•O retrato, de Gogol (2012);
•O espelho, de Machado de Assis (2012);
•O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde (2012);
•O diabo, de Tolstoi (2012);
•A corista e outras histórias, de Tchékhov (2012);
•A queda, de Albert Camus (2012);
•Notas do Subsolo, de Dostoiévsky (2012);
•Fausto, de Goethe (2011);
•Madame Bovary, de Flaubert (1979);
•A metamorfose, de Kafka (2011);
•O coração das trevas, de Joseph Conrad (2011);
•A tempestade, de Shakespeare (2011);
•Casa de bonecas, de Ibsen (2003);
•A obra-prima ignorada, de Balzac (2012);
•Angústia, de Graciliano Ramos (2003);
• Hamlet, de Shakespeare (2013);
•Um amor de Swann, de Proust (2011);
•Dom Quixote, de Cervantes (1978);
•Os mortos, de James Joyce (2013);
• Vestir os nus, de Luigi Pirandello (2007).
O interessante é que o formato do curso possibilita conhecer obras
de perspectivas diversas como a literária, a filosófica, a histórica, a humana,
pela exposição aprofundada da alma e dos sentimentos extremados de seus
protagonistas, utilizando-se, em sua maioria, edições de bolso. São textos
imperecíveis, que dialogam com questões contemporâneas. Trata-se de um
caminho de aprendizado na arte de ler. No meu caso, ao atravessar, por
exemplo, O coração das trevas e Madame Bovary, inicialmente não
enxerguei seu significado, valor e potência. Após a aula e as discussões do
enredo, do contexto, motivações e descobertas de seus personagens, passei a
admirá-los e considerá-los essenciais.

É necessário ensinar a ver, é urgente ensinar a arte.


Carlos Moreira Rosa (2010, p. 148)

É comum os personagens terem motivações e características


similares aos pacientes no consultório. Isto nos motivou a criar um grupo de
interessados das áreas da psicologia e da literatura para discutir casos
clínicos e livros que poderiam contribuir nos processos.
Os pacientes são um estímulo à pesquisa. Certa vez pedi ajuda a
Dília para encontrar um livro que dialogasse com um paciente que, após uma
vida inteira de educação e carreira religiosa, descobriu que tudo fora uma
grande ilusão e que agora era tarde demais. Ele já não era capaz de acreditar
em coisa alguma, sequer na própria terapia e mostrava-se prostrado em
relação à vida. O livro sugerido foi Crepúsculo dos ídolos ou a filosofia do
martelo, de Nietzsche (2013), que desmorona inúmeros padrões de crenças,
com um discurso que parecia único em duas vozes diferentes: o autor e o
paciente. Compreendido em seu desamparo, começou a considerar que
poderia escrever sobre sua angústia e quem sabe ajudar alguém a atravessar
as dificuldades com palavras. A sensação foi de descoberta de um caminho
de contribuição ao outro atendido de outra forma, mais autêntica por brotar
de si mesmo e não de doutrinas externas. Compartilho aqui uma parte de suas
ricas e profundas produções, devidamente autorizada pelo autor:

Pecado é querer ser só espiritual


É querer viver dentro
É não querer sair e viver
Preciso me perdoar
Por não ter vivido [...]
Agora o processo não é retornar
É nascer de novo
Dar sentido ao meu viver.
José Olimpio Pinto

Por esta espécie de “supervisão biblioterapêutica”, agradeço a Dília


por sua fundamental colaboração.
Ela transita com tanta segurança e fluidez nos caminhos da literatura
e da filosofia que se tornou autora de livros que promovem encontros entre
os personagens para um diálogo imaginário. Já foram publicados três dos
cinquenta volumes previstos para uma futura coleção: Nas malhas do
devaneio: o dia em que Fernando Pessoa nos reinventou (GOUVEIA, 2013),
Movidos pelo desejo: Emma Bovary e Dr. Fausto: a danação da viagem
(GOUVEIA, 2013) e Do assombro e do provável – Clarice Lispector e
Hamlet: o labirinto da consciência (GOUVEIA, 2014). O quarto está em
processo de produção e trata do encontro entre Quixote e Nietzsche.
Este tipo de literatura penetra tão profundamente que é comum
assistir a verdadeiras transformações entre os participantes, como foi o caso
da psiquiatra Renata Candido. Fruto do processo do mergulho interior
mediado pela literatura e pela filosofia, aluna de Dília, tornou-se escritora
do livro Sob a pele (CANDIDO, 2013). Traduz, em minha visão, o susto do
parto de um ser ferido e faminto, até então habitante das entranhas. Um
embrião nascido da coragem de arrancar as máscaras e de encarar medos e o
desconhecido. Sob a pele é análogo à fase da massa confusa no processo
alquímico, etapa fundamental de encontro com o caos e reconhecimento da
impermanência, de onde arde e germina vida nova.

2. Clubes de leitura.
Faço parte do Clube de Leitura de Icaraí, em Niterói – RJ. Este
completou 15 anos de existência em 2013 e realiza encontros mensais para
discutir um livro eleito pelo próprio grupo. Os encontros acontecem na
segunda sexta-feira de cada mês, na livraria da UFF, no horário das 19 às
21h. O grupo publicou uma antologia com produções de seus participantes,
na qual também é detalhado seu histórico e funcionamento: Clube de Leitura
Icaraí: 15 anos entre livros, organizado por Evandro de Andrade e Cintia
Campos (2013). É possível participar de forma virtual através de e-mails,
facebook e twitter. Se houver interesse, acesse o blog
www.clubedeleituraicarai.blogspot.com.br para mais informações. O grande
benefício dos clubes de leitura é o fato de que propiciam o contato dos
participantes com plurais perspectivas do conteúdo lido, além de ter acesso
à riqueza dos caminhos literários de um grupo eclético.

3. Participação de festas literárias e bienais do livro para um


contato mais estreito com os livros, autores, editoras, debates. Os livros
e amantes de leitura pulsam nestes eventos.

4. Criação de grupo para compartilhamento de livros.


Para potencializar o acervo de livros infantojuvenis aplicáveis a
todas as idades, iniciei encontros de pessoas interessadas neste tipo de
literatura. Vide detalhes no capítulo específico a respeito.

5. Presença em eventos literários diversos: saraus, cafés-


concerto etc.
Todo evento literário torna-se um combustível para alimento de
acervo e observação das reações do público participante. É comum assistir a
expressões como espanto, indignação, relaxamento, sofrimento, riso,
surpresa, iluminação. Fico especialmente interessada quando algum poema
evoca o choro. É comum alguma pessoa do público dizer que o evento foi
feito especialmente para ela, tamanha a identificação com o repertório
selecionado.

6. Oficinas de poesia falada.


Conheci a Casa Poema Produção e Educação Cultural, idealizada e
conduzida com paixão e competência por Elisa Lucinda e seus parceiros.
Sou amante das palavras, mas quando algo é grandioso demais, elas são
pobres para traduzir o que sentimos. Este é o caso. O que se faz lá é
inefável. O que se presencia é um processo de transformação pessoal através
da potência poética. Soltura de palavras, traumas, beleza, num processo de
se apropriar da força de dizer a vida. Biblioterapia em essência. Seus
eventos, seus projetos dão uma contribuição fundamental e sistêmica.
Transitam entre os campos da saúde, da cultura, da educação, da psicologia
e tantas outras áreas. Fica aqui registrada minha plena admiração por este
trabalho e seus desdobramentos através de projetos inspiradores.

7. Oportunidades de visitar o acervo pessoal de amigos que você


admira.
Com certeza seu pensamento foi construído a partir de algumas
leituras essenciais. Navegar nestas prateleiras sendo guiado é uma
experiência renovadora e muito prazerosa para ambas as partes.

8. O acaso.
Bisbilhotar continuamente livrarias, sebos e bibliotecas, à espera de
que algum livro pule em cima de você…
Reconheço que há várias outras formas de nutrir o acervo
biblioterapêutico e já agradeço pela contribuição que você pode dar, ao
enviar sugestões.
Constato com muito prazer que foi possível transformar meu lazer
em trabalho. Quando atuava em empregos formais, tinha que dar muitas
cambalhotas para ler, participar de eventos literários. E isto era feito apenas
nas brechas de tempo, no deslocamento de casa para o trabalho e vice-versa.
Muitas vezes em ônibus cheios, com iluminação, balanço e ruídos
desfavoráveis, lendo enquanto caminhava (como fazem as pessoas hoje com
seus celulares) ou aproveitando qualquer espera (em filas, consultórios,
pontos de ônibus). Ficava exausta pelas demandas e quase nada sobrava
para o que era relevante. A poesia sempre me pediu mais espaço. Já tive
uma geladeira toda escrita com versos. Hoje, eles sobem pelas paredes da
cozinha.
Atualmente, o meu lazer é o meu trabalho. Todo passo no caminho
fortalece o propósito. Não há desperdício de tempo, de energia e de vida. Se
participo de uma festa literária, crio e medeio cafés-concerto literários, leio
poesias para os clientes, estas são atividades inerentes ao meu ofício. E
como o prazer é imenso, para descansar, leio! Para me distrair, vou a
eventos da área literária: leitura de poesia, contação de histórias... Tudo o
que faço alimenta minha prática. O que mais desejar?
Livros para todas as idades
O homem seria metafisicamente grande
se a criança fosse seu mestre.
Sören Kierkegaard

Hillman afirma:
A terapia é um modo de revivificar a imaginação e exercitá-la. O
negócio terapêutico, como um todo, é esse tipo de exercício
imaginativo. Ele retoma a tradição oral de contar histórias [...].
Naturalmente, temos de voltar à infância para fazer isso, pois é lá
que nossa sociedade, e cada um de nós, colocamos a imaginação. A
terapia tem de estar, assim, interessada na parte infantil em nós
para recriar e exercitar a imaginação.
(HILLMAN, 2010, p. 76)

Há livros que até podem ser lidos por crianças, mas pela densidade
e sensibilidade, atingem todas as idades. Este tipo de livro é de uso
frequente no consultório, pela síntese, pela força das imagens, pelo lúdico
que toca no ponto adoecido de forma certeira e com humor. O que mais
posso querer? Conhecê-los!
Com este objetivo, iniciamos encontros semanais para pessoas
interessadas no compartilhamento de acervo. O passe para participação
seria apresentar ao menos um livro com a característica de ser adequado a
qualquer idade. No período de 05 de fevereiro de 2013 (data de nosso
primeiro encontro) a novembro do mesmo ano, foram realizados 32
encontros, com 138 livros abordados. O grupo é eclético, composto por
bibliotecários, educadores, psicólogos, escritores etc. A partir dos
encontros, fomos tecendo desdobramentos: a criação de um blog para
partilhar os livros apresentados com comentários dos participantes;
entrevistas com escritores e ilustradores; projeto Ler Conviver de leitura de
livros infantojuvenis para idosos numa casa de convívio; compartilhamento
de acervo em apresentações em bibliotecas públicas; disponibilização de
textos inéditos para despertar interesse de editoras numa “Estufa criativa”. O
blog, criado em 02 de maio de 2013, registrou, em dezembro do mesmo ano,
mais de 2.500 acessos.
Durante a Flipoços, Feira Literária de Poços de Caldas, em 2013,
num dos garimpos em estandes de editoras, uma atenciosa vendedora me
descortinou uma possibilidade que eu não imaginava: de fazer parcerias com
editoras, pois, em decorrência da biblioterapia, atuo como forte
disseminadora de livros. Só trabalho com livros que amo e acabo
divulgando-os de forma apaixonada, como um processo de polinização. É
muito comum clientes de atendimentos clínicos, participantes dos círculos ou
palestras que realizo, idosos nas rodas de leitura, anotarem os nomes das
obras para adquiri-las. Isto vale tanto para quem gosta de ler quanto para
quem não aprecia. É o “arrebatamento do encontro”, expressão de Rubem
Alves. O que faço, em essência, é encontrar um livro ou autor que dialoga
com a pessoa. Creio que este seja o maior incentivo à leitura: encontrar
alguém com quem se possa conversar. A partir desta ideia, comecei a
recolher catálogos e estudar resenhas que potencialmente apresentassem
livros com conteúdo biblioterapêutico. Em 2013, em companhia de Neide
Graça e Mercedes Fernandes, companheiras neste projeto, participamos da
FNLIJ (Feira Nacional do Livro Infantojuvenil) e iniciamos o diálogo com
representantes das editoras. Foram feitas parcerias com: Biruta, Brinque- -
Book, FTD, Gaivota, Moderna, Paulinas e Salamandra, que doaram livros
identificados por nós e, em troca, divulgamos os exemplares através de
ações variadas:

1. No consultório clínico de biblioterapia, onde os livros são


utilizados no processo terapêutico (link: http://www.cristianaseixas. com/);
2. Nos círculos de biblioterapia, com programação prévia dos
livros utilizados;
3. Em contação de histórias em espaços diversos, como a realizada
na Biblioteca Pública de Niterói, com divulgação através do Ministério da
Cultura, em 19 de julho, 16 de agosto, 20 de setembro e 18 de outubro de
2013;
4. Em contação de histórias realizadas para idosos na Casa de
Convívio Anawin em Santa Rosa, em 2013 em Niterói – RJ;
5. Nos encontros para partilhar garimpos literários, com livros
divulgados no blog com comentários dos participantes;
6. Pela divulgação da parceria com a Editora através do blog, pela
doação de livros;
7. Em eventos literários (festas, feiras, salões, bienal), através
decontação de histórias ou oficinas e palestras sobre a biblioterapia, como
realizado na Flipoços nos dias 03 e 04 de maio de 2013 (incluso na
programação oficial) e FLIP 2012 e 2013 (em eventos paralelos);
8. Nas redes sociais através do Facebook, com chamadas para as
atualizações do blog, realizadas por integrantes do grupo;
9. Através da escrita de livros como este, no qual o propósito é
divulgar acervo e aplicações biblioterapêuticas;
10. Pela participação em eventos que possuem o propósito
decompartilhar livros e suas potencialidades, como acontecido no I Evento
sobre Amadurecimento Lúdico, promovido pelo Espaço Néctar, no dia 09 de
novembro de 2013 no Rio de Janeiro, onde fui convidada a falar sobre a
biblioterapia;
11. Em entrevistas realizadas onde são citados exemplos de livros
utilizados.

Listo, a seguir, uma seleção de livros abordados nos encontros de


2013, que são frequentemente utilizados no consultório. Foram organizados
por maior utilização terapêutica:

O menino Nito, texto de Sonia Rosa, ilustrações de Victor Tavares


(2008): conta a história de um menino que engole muitos choros até ficar
doente. Seu médico dá uma solução simples: “desachorar”. Um convite para
reconhecer e deixar fluir nossas emoções represadas;

Ana, Guto e o Gato Dançarino, texto e ilustrações de Stephen Michael


King (2004): Ana tinha uma habilidade de transformar coisas descartadas
em criativos objetos. Porém, como em sua cidade ninguém dava valor a isto,
ela passou a produzir botinas comuns para trabalho. Tudo muda com a
chegada de Guto e o gato, que negociam pagar suas botinas com aulas de
dança. Os movimentos e a música tornaram-na corajosa e livre. Despertou
sua arte e nunca mais fez nada que fosse simples ou comum. Inspirador para
reconhecer e despertar talentos adormecidos;
O coração e a garrafa, texto e ilustrações de Oliver Jeffers (2012): trata
da suspensão da vida quando se coloca o coração na garrafa para não sofrer.
A partir da constatação do peso insustentável gerado por destilar perdas
dolorosas, a protagonista busca e encontra uma forma de libertar seu coração
e seus sonhos, com a ajuda de uma criança. Assume então a responsabilidade
de se recriar para degustar a vida;

Mas por quê??! A história de Elvis, texto e ilustrações de Peter Schössow


(2008): livro que trata, com muita suavidade, do assunto mais doloroso e
difícil: a morte de um ser amado. Diante dela, os personagens demonstram o
poder do afeto que acolhe a dor e seu processamento através da palavra. Um
livro que traz a sensação de que um curativo interior foi recebido;

O alvo, texto de Ilan Brenman, ilustrações de Renato Moriconi (2011):


encantadora história de um professor muito querido que, ao ser procurado
para dar conselhos diante de problemas da vida, tem sempre uma história
aplicável ao caso e à pessoa. Um livro essencial na estante de quem acredita
na potência curativa das histórias. A ilustração é um espetáculo paralelo,
brincando criativamente com furos ao longo das páginas;

A Floresta, texto e ilustrações de Claire A. Nivola (2003): metáfora da


relação de desapego da zona de conforto e o enfrentamento dos medos
imaginários. Um ratinho sai de sua aconchegante poltrona e cidade,
distancia-se de tudo e entra numa floresta, onde imagina e teme perigos e o
desconhecido. Dentro dela, ao tropeçar e cair, surpreende-se ao ver,
reconhecer e usufruir riquezas e detalhes naturais e se divertir com as
descobertas;

A moça tecelã, texto de Marina Colasanti, bordados de Ângela, Antônia,


Zulma, Marilu, Martha e Sávia Dumont, sobre desenhos de Demóstenes
Vargas (2004): contínuo tecer e destecer de rumos através das escolhas. É
do que trata esta profunda história de Marina Colasanti, amplamente
utilizada por arteterapeutas, que ganha novo brilho pelos bordados
arrebatadores da família Dumont. Uma preciosidade para se trabalhar com
crianças, adultos e idosos, para encantamento ou cuidado terapêutico;
Gato que pulava em sapato, texto de Fernanda Lopes de Almeida,
ilustrações de Cecília (2008): um gato consegue transpor os cuidados
sufocantes de sua cuidadora e conquistar espaço, respeito e até admiração.
Uma lição que fortalece o movimento de romper as amarras e expectativas
sociais;

A flor do lado de lá, de Roger Mello (1999): “É humano chorar pelo que
não se tem, desejar a beleza distante. Só que, às vezes, há tanta beleza
pertinho e a gente não vê”. Toda a densidade e humor de Roger Mello nos
faz reconhecer no personagem as emoções e ciladas de se desejar o que está
inalcançável e a não reconhecer o que está disponível. Livro sem texto que
nos faz calar ao receber uma grande lição ao final. Através do lúdico, a ficha
cai como uma flecha na consciência. Adoraria poder registrar a cara de
perplexidade dos pacientes após conhecer esta história. Foi também o livro
predileto de uma jovem hospitalizada, que uma semana após faleceu de
câncer. Uma pessoa de sua família relatou ter sido um dos últimos momentos
lúdicos de sua vida;

O menino que tinha medo de errar, texto de Andrea Viviana Taubman,


ilustrações de Camila Carrossine (2012): exigências inatingíveis produzem
“ostras humanas”. Pedro, paralisado pelo medo de errar, é salvo por uma
fada que o leva ao reino da perfeição, onde não mora ninguém. A partir desta
constatação, uma transformação se inicia ao incorporar o erro como caminho
de soltura de si e aprendizado contínuo;

Rosa Formosa, texto de Andrea Viviana Taubman, ilustrações de Eliana


Delarissa (2013): livro altamente recomendável a quem precisa ser cuidado
e a quem cuida. Trata de assuntos densos com extrema beleza e
sensibilidade: a sensação de ser estrangeiro no seu meio, os recursos
criados para se proteger da dor, o alto preço de conviver com aquele que
quase mata querendo cuidar, a angústia de lidar com expectativas que vão
além da capacidade, além de outros. Há trechos que são versos medicinais:
quando cada lágrima se transforma em um broto de flor, o alisar das pétalas
nos dias de espinhos, o não querer que nada nem ninguém invadisse a sua
solidão. A ilustração é primorosa e a imagem das raízes voando é um
convite que ecoa pelo dissolver das próprias amarras. Um livro
verdadeiramente essencial para todas as idades.
Abrindo caminho, texto de Ana Maria Machado, ilustrações de Elisabeth
Teixeira (2003): delicioso livro que mostra, com doçura e encantamento,
que cada um tem suas pedras e obstáculos no caminho e que pode encontrar
saídas diante deles. Feito em homenagem ao Tom Jobim, por vezes nos
deparamos com trechos adaptados de sua música: “era pau, era pedra, era o
fim do caminho?” No final, a esperança de vida retorna ao coração;

O Pequeno grande livro da tristeza feliz, texto e ilustrações de Colin


Thompson (2009): um livro essencial sobre a possibilidade de ser feliz
mesmo com a falta, através do afeto e criatividade. Para rir e chorar. A
sensação é que um curativo interno foi feito;

A cicatriz, texto de Ilan Brenman, ilustrações de Ionit Ziberman (2010):


cicatrizes são rastros de feridas sofridas e atravessadas por um grande
mestre: o tempo. Deixam marcas e histórias. Este livro é um convite a olhar
e reler nossas próprias cicatrizes;

O teatro das sombras de Ofélia, texto de Michael Ende e Friederich


Hechelmann, ilustrações de. Friederich Hechelmann (1992): com
linguagem suave e belíssimas ilustrações, os autores convidam, através da
protagonista Ofélia, a reconhecer, acolher e integrar criativamente as
sombras. Uma história que consegue ser simultaneamente densa e leve, que
proporciona um novo olhar sobre as perdas e a morte;

Coisas importantes, texto e ilustrações de Peter Carnavas (2011): a mãe


resolve doar a um brechó os objetos que traziam a lembrança do pai
falecido. Surpreende-se ao constatar que aos poucos cada item retorna à
casa, trazidos em silêncio e segredo pelo filho. Uma linha tênue entre deixar
para esquecer ou reter para lembrar. Um convite para inúmeras reflexões e
processamentos diante da falta;

A lagartixa que virou jacaré, texto e ilustrações de Izomar Camargo


Guilherme (2003): este livro evidencia que é pesado suportar uma máscara,
manter as aparências de ser quem não se é. De forma leve e divertida, a
lagartixa faz esta travessia de identidade e acaba assumindo sua natureza;
Num mundo perfeito, texto de Leo Cunha, ilustrações de Salmo Dansa
(2012): as ilustrações de Salmo foram feitas para outro projeto, que não
vingou e Leo Cunha, encantado por elas, criou uma história e gerou este
livro. George tem múltiplos talentos, mas não os reconhece e vive triste, por
não ser mágico (seu maior sonho). É a partir de uma experiência no hospital
com crianças e da validação de sua tia que ele é capaz de reconhecer suas
habilidades;

Olhos de violino, texto de Márcia Cristina Silva, ilustrações de Mateus


Rios (2008): um passarinho é adotado por uma família de tatus e, apesar do
amor recebido, é tolhido em sua natureza. Durante um passeio, é
surpreendido pelo som de um violino que o impele a voar além de seus
medos, suas limitações, suas obrigações. Descobriu que “às vezes a gente
tem de ir muito longe para sentir as próprias asas, para ouvir a própria voz,
para não ser enfeite de céu”. O céu o tocou e ele nunca mais foi o mesmo;

Os três reis, texto de Rubem Alves, bordados de Antônia Z. Diniz


Dumont, Ângela, Marilu, Martha e Sávia Dumont, sobre desenhos de
Demóstenes (2004): três nobres vivendo em distantes reinos possuem
histórias similares. São tristes e incapazes de sentir alegria. Através de
opiniões alheias, investem largamente em conhecimento, religião e prazeres,
sem perceber resultado. Uma estrela radiante os impele a viajar e a
descobrir que o brilho vinha de uma criança. Suas vidas mudam a partir
deste encontro. O que estuda a ciência vira poeta, o que se aprofunda na
religião vira palhaço (“porque o riso é o início da oração”) e o que busca
prazer torna-se um fabricante de brinquedos. A ilustração é composta de
ricos e viajantes bordados da família Dumont;

Uma ideia toda azul, texto e ilustrações de Marina Colasanti (1979): a


história que dá o nome ao livro nos faz entrar em contato com sonhos e
desejos engavetados, que acabam perdidos num tempo que não retorna. Uma
sacudida para relativizar a agenda e dar força para priorizar o que é
essencial, enquanto há tempo;

Nós, texto e ilustrações de Eva Furnari (2003): Quem não tem um nó? Na
garganta, no estômago, na família, na vida? Nós temos muitos nós! A
protagonista do livro foge, pois não consegue mais esconder os nós que vão
se formando em seu corpo. Na sua viagem, acaba descobrindo que não é a
única e, acolhida, expressa sua dor. Descobre assim um caminho para
compreender e desfazer nós. Um livro cheio de humor, leveza e sabedoria;

Até passarinho passa, texto de Bartolomeu Campos de Queirós,


ilustrações de Elisabeth Teixeira (2003): olhar poético de criança que
transporta à grandiosidade das coisas simples, da descoberta do amor e da
dolorosa experiência da perda. Um livro adequado para quem precisa fazer
as travessias da saudade e do luto. O autor tece sua narrativa como quem
borda com linhas da dor e da beleza;

O Homem que amava caixas, de Stephen Michael King (1997): há muitas


formas de evidenciar o afeto mesmo sem palavras. Pai e filho, contrariando
críticas sociais, encontram uma linguagem possível para demonstrar o amor
de um pelo outro;

A verdadeira história dos três porquinhos!, de Jon Scieszka, ilustrações


de Lane Smith (2005): a história conhecida é apenas uma versão. O autor
traz uma bem-humorada forma divergente de ler uma situação. Um exercício
revelador que instiga a olhar para como cada um conta a mesma história;

Lolo Barnabé, texto e ilustrações de Eva Furnari (2010): a família de


Lolo se sente feliz, mas nem tanto: falta sempre algo que os move na direção
do ter. Caem assim num círculo de muito trabalho, falta de tempo e a eterna
sensação de vazio. Uma história de todos nós, que convida à reflexão e
mudança de atitude. Interessante é a postura do filho da família, que busca
continuamente o brincar, em meio à voracidade dos pais;

O Sumiço do Miquinho, texto e ilustrações de Dieter Schubert (1997):


imagens que convidam o leitor a contar uma história de abandono não
proposital, aventura, resgate, cuidado e reencontro. Ilustração primorosa e
detalhada, realçada pela ausência do texto;

Caixinha de guardar o tempo, texto de Alessandra Pontes Roscoe,


ilustrações de Alexandre Rampazo (2012): um primor de palavras e
ilustrações que parecem pinçadas, escolhidas, lapidadas e decantadas ao
ínfimo essencial. O tempo é evidenciado no corpo, nas memórias, na
imaginação. Este livro dá-nos a impressão de entrar num teatro, numa
pintura, num sonho. E, nesta viagem, passado, futuro e presente, personagem
e leitor se misturam e acordam o valor do agora;

Cabeça de vento, de Bia Bedran, ilustrações de Thais Linhares (2003):


palavras usadas para dar uma “bronca” adquirem novos ares através dos
sopros do questionamento de uma criança. Um convite a perceber e acolher a
diversidade e a reconhecer os inúmeros benefícios de ser um “cabeça de
vento”;

Dia de chuva, texto de Ana Maria Machado, ilustrações de Nelson Cruz


(2002): diante da chuva, os amigos convidados a brincar criam aventuras
através da imaginação. Almofadões viram elefantes, poltronas viram
cavernas, mesas se transformam em cabanas, e por aí vai. Livro que
evidencia que só é preso quem quer;

O colecionador de água, texto de Elaine Pasquali Cavion, ilustrações de


Lúcia Hiratsuka (2012): ao ler este livro pela primeira vez, chorei sem
entender o porquê. Relendo com vagar para estreitar seus significados,
reguei a ideia de que o elemento água corresponde ao fluir das emoções. A
narrativa é suave, poética e nos convida à entrega e ao devaneio líquido. O
objetivo da autora, explícito em sua apresentação, é conquistado: “compor
uma história que convidasse o leitor a inventar o próprio rio”. Como disse o
mestre Quintana: “denso e transparente, como uma lágrima”;

Tartufo, texto e ilustrações de Eva Furnari (2012): o rei da história é


conhecido e temido por uma “nuvem negra” que paira constantemente sobre
sua cabeça e que altera toda a rotina do reino para que isto seja controlado.
Tartufo, o bobo da corte que, sem direito a férias, se exaure para dar conta
das crises do rei e acaba em “crise de caracol”: uma necessidade de ficar
escondido, esquecido no tempo para se regenerar. Numa destas ausências,
sua irmã entra em cena e acaba dissolvendo a “nuvem negra” do rei através
de infusão de bobagem em sua vida;
Em casa, texto de Heinz Janisch e Helga Bansch, ilustrações de Helga
Bansch (2006): a galinha imagina suas reações ao morar em casas e
cenários diferentes e desconhecidos. Um livro que convida a reconhecer o
que nos faz sentir-nos em casa, não importa o lugar. Dialoga com trechos do
livro A poética do espaço, de Gaston Bachelard. São muitas as
possibilidades de utilização para início de uma conversa ou trabalho
expressivo;

Pé de sapato, texto e ilustrações de Hermes Bernardi Jr. (2011): escrito e


ilustrado por um artista plástico, este livro é uma tessitura entre o medo e o
convite a ir além. De um lado, habitantes de uma cidade enclausurados e
cristalizados. Do outro, um fabricante de sapatos que convida ao movimento,
ao devaneio, ao colorido, à descoberta. Alguns partiram, outros preferiram
ficar. As ilustrações são obras de arte quepor si contam inúmeras histórias;

Escola de chuva, texto e ilustrações de James Rumford (2012): a primeira


lição de uma escola na África é construir a escola com as próprias mãos.
Após um ano de aprendizados e descobertas, uma tempestade a desfaz. No
recomeço das aulas, professores e alunos estão felizes e dispostos, pois
reconhecem em si o saber necessário para a reconstrução;

Gente que mora dentro da gente, texto e ilustrações de Jonas Ribeiro


(2008): encantador livro que faz reconhecer o quanto somos formados e
transformados através de inúmeras relações e que fazemos parte deste fio
vital que se entrelaça, nos faz mestres e aprendizes continuamente;

O vestido florido nos olhos de Aparecido, texto de Jonas Ribeiro,


ilustrações de Marco Antônio Godoy (2012): história de um amor maduro,
que gera crítica amarga de uma vizinha. Surpreende a reação da protagonista
em responder a provocação com afeto, ao presenteá-la com um vestido
florido. A partir disto, surge um ser desarmado pela inesperada ternura. Um
livro que convida à reflexão e à adoção da generosidade do olhar e agir;

A bolsa amarela, texto de Lygia Bojunga, ilustrações de Marie Louise


Nery (1985): o interesse neste livro veio a partir de uma dedicatória escrita
por Jonas Ribeiro em um dos seus livros: “A Lygia Bojunga, que alfabetizou
meu coração”. Bolsa Amarela me encantou pela possibilidade de incorporar
a ingenuidade, a criatividade e os questionamentos de uma criança. Nele,
encontrei uma expressão que utilizo no meu trabalho: o “pensamento
costurado”, algo como alguma crença que cega a pessoa e reduz seu mundo.
Chamou minha atenção também o quanto a bolsa amarela da protagonista vai
enchendo e se tornando insustentável, à proporção que ela acumula e
esconde inquietações. Um livro essencial que, de forma divertida e
surpreendente, descortina caminhos construtivos;

O colecionador de segredos, de Marcia Cristina Silva, ilustrações de


André Neves (2004): Beto é filho de um colecionador de preocupações e
uma colecionadora de medos. Conversando com a mãe sobre sua coleção,
descobre que os medos foram sonhos não realizados que amarelaram com o
tempo, principalmente pelo medo de se expor. Com ajuda de um “remove-
dor”, a mãe começou a ter coragem e a iniciar movimentos. Suas atitudes
tiveram impacto em toda a família e trouxeram “flores no olhar”, espaço e
leveza para a casa. Beto, que armazenava descobertas em um cofre,
percebeu que tudo que era importante já estava guardado dentro dele mesmo.
Então finalmente decidiu o que colecionar: segredos;

A fada afilhada, texto de Márcio Vassallo, ilustrações de Marilda


Castanha (2003): conhece aquele tipo de pessoa que cuida do mundo todo,
não cuida de si e depois não dá conta pela sobrecarga? Este livro foi feito
para ela! A fada afilhada dá colo para todo mundo e acaba com um baita
“torcecolo”. A personagem acaba encontrando outra dentro dela mesma e
permite-se atividades prazerosas e leves para se regenerar;

Vó Nana, texto de Margareth Wild e Ron Brooks, ilustrações de Ron


Brooks (2000): ternura em forma de história, palavras e imagens. Trata da
relação entre uma avó e sua neta. Com suavidade, a leitura convida a
internalizar valores do cuidar e ser cuidado, do dar e receber, do
aprendizado para o olhar sensível e do germinar atemporal do afeto. Um
livro de fazer calar e chorar;

Longe como meu querer, conto “As janelas sobre o mundo”, texto e
ilustrações de Marina Colasanti (2002): o rei mandou construir um castelo
com 365 janelas para que cada dia pudesse descortinar um novo cenário.
Num determinado dia, apaixona-se por uma donzela na paisagem, mas
ansioso com todas as outras ainda a abrir, não se permite parar. As demais
imagens já não o extasiam, e, após um ano, retorna à janela da donzela, na
esperança de revê-la, mas o tempo a levou. Uma história que pode ser usada
para abordar o desapego como antídoto para a ansiedade de tudo querer e
nada ter;

Guilherme Augusto Araújo Fernandes, texto Mem Fox, ilustrações de


Julie Vivas (1995): um menino curioso repete a mesma pergunta “O que é
memória?” para idosos de um asilo. Seu intento é ajudar uma amiga anciã a
reencontrar sua memória perdida. A partir de plurais respostas, monta uma
cesta de objetos que acabam evocando lembranças. Livro suave, que
provoca um reverter do fluxo do tempo em busca das histórias essenciais,
como um sopro na existência;

O beijo da palavrinha, texto de Mia Couto, ilustrações de Malangatana


(2006): as ilustrações são uma verdadeira obra de arte. Dá vontade de
arrancar as páginas do livro para colocar em exposição na parede de casa.
Como se não bastasse, a escrita densa e sensível de Mia também tira o
fôlego. Uma menina precisa de mar para se curar. Muito fraca, não pode
navegar, mas o contato com a palavra já produz efeitos regeneradores.
Lindo! Senti um vento de maresia inundar o ambiente;

O gato e o escuro, texto de Mia Couto, ilustrações de Marilda Castanha


(2008): um convite a não temer o escuro, pois, nas palavras do autor “a
maior parte dos medos que sofremos, crianças e adultos, foi fabricada para
nos roubar curiosidade e para matar a vontade de querermos saber o que
existe para além do horizonte. [...] somos nós que enchemos o escuro com
nossos medos”;

Vô, eu sei domar abelhas, de Monika Feth, ilustrações de Isabel Pin


(2008): livro para se abordar perdas, pelo enfoque simples e claro da
criança e sua peculiar leitura de mundo. As ilustrações são de uma beleza
rara, falam por si. A imagem de uma sombra de galho de árvore como mão
no ombro do menino que chora é de cristalizar de emoção;

Vai, você consegue, texto e ilustrações de Ole Könneck (2012): um


pequeno grande livro. Quem já não recuou diante de uma situação que
convida a ir além do medo? Com texto e imagens simples e impactantes,
acompanhamos as emoções do protagonista (e as nossas) ao ir além dos
próprios limites;

História de Amor, texto e ilustrações de Regina Coeli Rennó (1993):


apenas imagens que transportam a uma narrativa de todos nós: o
enamoramento, os sonhos em conjunto, a união, as decepções, o abandono e
a dor do retorno. O leitor é então convidado a contar esta história,
enriquecendo de detalhes, permitindo a expressão e fluidez das lembranças;

O campeão, texto de Regina Lucia Pires Nemer, ilustrações de Hudson


Silva (2000): o galo Aristóteles é filho de um grande galo de briga. Por
longo tempo sofre as expectativas e pressões do pai para que também se
torne um. Só que o protagonista não gosta de violência, e aos poucos, mostra
suas ideias, vai conquistando espaço e realiza uma olimpíada, onde muitos
campeões são revelados. Uma história leve, que descortina o processo de se
libertar das projeções e sonhos alheios para ser coerente com a própria
natureza;

Armazém do Folclore, conto: “O duelo entre o sábio e o camponês”,


texto de Ricardo Azevedo (2002): um conto divertido, que evidencia que
cada um lê o mundo a partir de sua perspectiva, seu contexto, suas
possibilidades. Indicado para casos de visões incompatíveis, pois promove
uma expansão da consciência da complexidade humana;

Todo cuidado é pouco, texto e ilustrações de Roger Mello (1999):


ilustrações que nos transportam e potencializam o fio da arte narrativa de
Roger Mello. Todo cuidado é realmente pouco, pois a história nos mostra
que um fato desencadeia outro e gera outro, que puxa um terceiro, e assim
vai até o ponto de nem mais nos lembrarmos da origem deste tecer. Um
convite à reflexão e às escolhas que possam movimentar uma espiral
existencial construtiva.

Retratos, texto de Roseana Murray, fotos de Assis Alves Horta, José


Eduardo B. Moreira, Maria Beatriz, Dayse B. Carvalho, Arabie Bezri,
Eber Faioli, Maria Antonieta A. Cuba (1998): remete-nos aos antigos
álbuns de retratos (a edição com folhas finas entre as páginas), contando
histórias que nos convidam a lembrar e trançar memórias com a escrita da
autora. Uma viagem que transporta o passado para o presente;

Tantos medos e outras coragens, texto de Roseana Murray, ilustrações de


Guto Lins (2006): o medo inventa histórias. E quanta criatividade para
temer! O livro é instigante no assunto e nas ilustrações, permitindo ao leitor
navegar nos mais variados medos e identificar aqueles que já não se têm
mais, os que permanecem e os que precisam ser olhados;

O sumiço do O, texto e ilustrações de Sandra Ronca (2012): faz refletir


sobre como seguir a rotina quando algo, que julgamos essencial, já não está
mais lá. Um convite à adaptação ao que é possível, ao que se apresenta, a
usar a criatividade para ir além do que falta e descortinar possibilidades e
novos universos;

A velhota cambalhota, texto de Sylvia Orthof, ilustrações de Tato (1986):


lição de liberdade de ser e sublimar expectativas e exigências sociais. A
velhinha dá cambalhotas de aparecerem os babadinhos da calcinha. Uma
transgressora que se permite expressar sua natureza de menina sapeca.
Independente da idade, ser uma criança é indicador de bem viver;

Vovó tem Alzha... o quê?, texto de Veronique Van den Abeele, ilustrações
de Claude K. Dubois (2007): retratos do olhar de uma criança que, diante
da doença da querida avó, passa da condição de ser cuidada a cuidadora.
Tocante história de retribuição de afeto;

Sangue de Barata, de Christian David, ilustrações de Rodrigo Rosa


(2012): uma versão infantojuvenil para o livro A metamorfose, de Kafka,
que trata de um sentimento universal, atemporal: o isolamento e
entorpecimento diante de um mundo e uma realidade dos quais a alma não
aceita fazer parte;

Zoom, de Istvan Banyai (1995): livro só de imagens, que brinca com a


perspectiva, o distanciamento ou o mergulho em algum foco de atenção. Na
clínica, uso-o para provocar o paciente, através deste recurso lúdico, a usar
o zoom na questão que o aflige, convidando-o a ganhar um distanciamento ou
aproximar de outros aspectos não iluminados pelo pensamento.
Este garimpo é um processo contínuo e dinâmico, bem como as
possibilidades de utilização. Um trabalho encantador, independentemente da
idade do público. Considero-o como um exercício de decantação de
sensibilidade e síntese.

Curiosidade de criança, coragem de astronauta e espontânea


vontade é o que desejo a nós, que queremos nos lançar no trabalho
aqui proposto.
Rolf Gelewsky (1984, p. 9)
Cafés-concerto literários
O poeta não me confere o passado de sua imagem,
e, no entanto, ela se enraíza imediatamente em mim.
Gaston Bachelard

Eventos poéticos aguçam o olhar, pela possibilidade de acesso à


pluralidade de estilos, descobertas, ritmos e leituras de mundo. Em julho de
2012, iniciei uma parceria com Dília Gouveia nos cafés-concerto literários.
Estes são eventos que intercalam leitura dramatizada de poesias com música
ao vivo ou gravada que dialogam com a temática proposta.
O que gostaria de ressaltar é que os cafés-concerto alimentam o
acervo biblioterapêutico, pois a seleção das poesias, o ensaio que obriga a
inúmeras releituras e o rito de apresentá-las produzem um efeito de
incorporação poética. O que sinto é como se a poesia penetrasse e
começasse a acionar transformações na vida. Elisa Lucinda, num livro
escrito com Rubem Alves, A poesia do encontro (LUCINDA & ALVES,
2008, p. 72), relata um caso que exemplifica esta potencialidade. O de uma
professora que decorou uma poesia de Adélia Prado e que isto a fortaleceu e
a empoderou para acionar várias transformações. Por conta deste relato,
igualmente prescrevo-a quando a pessoa precisa desapegar-se de algum
medo que a paralisa:

O poder que eu quisera é dominar meu medo.


Por esse grande dom troco meu verso, meu dedo,
meus anéis e colar.
Só meu colo não ponho no machado,
porque a vida não é minha.
Com um braço só, uma só perna,
ou sem os dois de cada um, vivo e canto.
Mas com todos e medo, choro tanto
que temo dar escândalo a meus irmãos.
Tristeza é o nome do castigo de Deus
e virar santo é reter a alegria.
Isso eu quero.
Adélia Prado (1991, p. 213)

Listo, a seguir, os temas já oferecidos nos cafés-concerto, no


período de setembro de 2012 a dezembro de 2013, apresentados em sua
maioria na cidade de Niterói – RJ, incluindo algumas poesias selecionadas
que fizeram parte deles e passaram a ser utilizadas no consultório.

Em 2012:
13 de setembro: “Sê plural como o universo” – Um diálogo
imaginário entre Fernando Pessoa e seus heterônimos: Alberto Caeiro,
Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Apresentado na Cinédia, Rio de Janeiro.

Vivem em nós inúmeros;


Se penso ou sinto, ignoro
Quem é que pensa ou sente.
Sou somente o lugar
Onde se sente ou pensa.
Tenho mais almas que uma.
Há mais eus do que eu mesmo.
Existo todavia
Indiferente a todos.
Faço-os calar: eu falo.
Os impulsos cruzados
Do que sinto ou não sinto
Disputam em quem sou.
Ignoro-os. Nada ditam
A quem me sei: eu escrevo.
Ricardo Reis (1996, p. 118)

15 de setembro: “Tempo, esse grande escultor”.

[...] e por falar em sexo quem anda me comendo é o tempo.


Na verdade faz tempo mas eu escondia
porque ele me pegava à força e por trás.
Um dia resolvi encará-lo de frente e disse:
tempo, se você tem que me comer
que seja com o meu consentimento
e me olhando nos olhos.
Acho que ganhei o tempo
de lá pra cá ele tem sido bom comigo
dizem que ando até remoçando.
Viviane Mosé (2000, p. 19)

06 de outubro: “O que é o poeta afinal? Uma intacta opressão da alma” –


O invisível que emerge através do mergulho do artista, poeta e escritor.

Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece.
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?
Paulo Leminski (2013, p. 218)

10 de novembro: “As máscaras do subsolo” – A profundidade do olhar


poético que desnuda o humano escondido por baixo das máscaras sociais.

Tu que tão sentida e repetida e voluptuosamente


te entristeces e adoeces de ti,
é preciso rasgar essas vestes de dó,
as penas é preciso raspar com um caco,
uma por uma: são crostas...
E sobre a carne viva
nenhuma ternura sopre.
Que ninguém acorra.
Ninguém, biblicamente, com os seus bálsamos e odores...
Ah, tu com as tuas cousas e lousas, teus badulaques,
teus ais ornamentais, tuas rimas,
esses guizos de louco...
A tua alma (tua?) olha-te, simplesmente,
Alheia e fiel como um espelho.
Por supremo pudor, despe-te, despe-te,
quanto mais nu mais tu,
despoja-te mais e mais.
Até a invisibilidade.
Até que fiquem só espelho contra espelho
num puro amor isento de qualquer imagem.
–Mestre, dize-me... e isso tudo valerá acaso a perda de meu baú?
Mario Quintana (2005, p. 37)

01 de dezembro: “Sinto-me nascido para a eterna novidade do mundo” –


Um convite a incorporar a poética do renascer, neste fecundo tempo de
transformação.

Pequena morte, chamam na França a culminação do abraço, que


ao quebrar-nos faz por juntar-nos, e perdendo-nos faz por nos
encontrar e acabando conosco nos principia. Pequena morte,
dizem; mas grande, muito grande haverá de ser, se ao nos matar
nos nasce.
Eduardo Galeano (2000, p. 95)

Em 2013:
17 de janeiro: “O poder transformador da arte” – Um contato com
nossa loucura, utilizando trechos literários como um fio de Ariadne para a
travessia dos múltiplos universos interiores, mediados pela expressão da
arte.

O sujeito diante do branco,


branquíssimo, do nada, sozinho,
olhando o horizonte da tela...
Decide e dá o primeiro risco.
Faz a primeira mancha aleatória.
E aí, nesse leve ato, acontece...
Acontece um encantamento...
Ele se olha, se critica, se admira...
É uma revelação, um vislumbre,
Um alumbramento...
É um mergulho no insondável.
O que se passa a essa hora?
Em que praia passeia o misterioso pássaro?
Em que limite fatídico uma coisa que não existia,
se banha de luz, de sombra, toma forma...
se resolve e se mostra.
Só mesmo estando perto de deus e do diabo.
Você, agora, é um feiticeiro, um bruxo, um louco...
E nesse diálogo subjetobjetivo
não se sabe se o sujeito é apenas a ferramenta.
É nesse rio, de pura beleza Cristina,
que vamos nos banhar.
Então, entremos
E mergulhemos nessas águas
E lavemos nossas almas.
Ciro Fernandes (catálogo do artista plástico)

21 de fevereiro: “Poesia cantada” – Um garimpo da essência e


beleza poética presente nas letras de músicas intemporais.

Para quem quer se soltar invento o cais


Invento mais que a solidão me dá
Invento lua nova a clarear
Invento o amor e sei a dor de me lançar
Eu queria ser feliz
Invento o mar
Invento em mim o sonhador
Para quem quer me seguir eu quero mais
Tenho o caminho do que sempre quis
E um saveiro pronto pra partir
Invento o cais
E sei a vez de me lançar.
Milton Nascimento (Cais)
09 de março: “A beleza salvará o mundo” – Uma viagem em
fragmentos do livro homônimo de Tzvetan Todorov (2011), à epifania do que
nos transporta pelo tempo, que nos causa uma experiência rara, que nos
conduz a um lugar que não sabemos nomear, mas que sentimos ser essencial.
Um contato com as palavras de três “aventureiros do absoluto”: Oscar
Wilde, Rainer Rilke e Marina Tsvataeva.

E o resultado de tudo isso é que eu preciso perdoá-lo, tenho que


fazê-lo. Não escrevo esta carta para encher seu coração de rancor
mas para arrancar um pouco do rancor que enche meu coração. Em
meu próprio benefício, é necessário que eu o perdoe. Não se pode
manter para sempre uma víbora presa ao seio para que ela se
alimente do nosso sangue, nem é possível levantar todas as noites
para semear espinhos no jardim da nossa alma.
Oscar Wilde (2002, p. 86)

13 de abril: “A poética dos imortais” – Um pout-pourri de


fragmentos literários poéticos dos imortais da Academia Brasileira de
Letras, que foram homenageados pela Flipoços (Feira Nacional do Livro de
Poços de Caldas) em 2013.

O que não tenho e desejo


É que melhor me enriquece.
Tive uns dinheiros — perdi-os...
Tive amores — esqueci-os.
Mas no maior desespero
Rezei: ganhei essa prece.
Vi terras da minha terra.
Por outras terras andei.
Mas o que ficou marcado
No meu olhar fatigado,
Foram terras que inventei.
Gosto muito de crianças:
Não tive um filho de meu.
Um filho!... Não foi de jeito...
Mas trago dentro do peito
Meu filho que não nasceu.
Criou-me, desde eu menino,
Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!
Não faço versos de guerra.
Não faço porque não sei.
Mas num torpedo-suicida
Darei de bom grado a vida
Na luta em que não lutei!
Manuel Bandeira (1982, p. 158)

11 de maio: “Literatura e vertigem” – Um mergulho nas marcas e


nas dores que se transformam em iluminação, através da perfuração do
espírito causada pela literatura, sob o olhar da crítica sensível e poética de
José Castello.

em mim
eu vejo o outro
e outro
e outro
enfim dezenas
trens passando
vagões cheios de gente
centenas
o outro que há em mim
é você
você
e você
assim como
eu estou em você
eu estou nele
em nós
e só quando
estamos em nós
estamos em paz
mesmo que estejamos a sós
Paulo Leminski (2013, p. 32)

08 de junho: “Mosaico Graciliano” – Degustação de fragmentos da


obra de Graciliano Ramos, autor homenageado pela FLIP (Festa Literária
Internacional de Paraty) em 2013.

Quem sabe lá escolher com segurança os atalhos menos perigosos?


A gente vai, vem, faz curvas e ziguezagues e dá topadas de arrancar
as unhas. A água lava tudo, as feridas mais graves cicatrizam. [...]
Quem andou por este mundo roendo chifre não se engancha em
bobagens.
Graciliano Ramos (2003, p. 99 e 108)

13 de julho: “Liberdade e loucura” – Um navegar no liame entre o


mundo real e o imaginário, em vestígios de novos caminhos e universos
descortinados pela poesia.

Fico olhando o besourinho lustroso, de pintas vermelhas no verde-


esmeralda das asas. Atravessa minha mesa num andar enérgico,
decidido – de onde veio e para onde vai? Toco-o com a ponta do
dedo e imediatamente ele se imobiliza dentro da pequena carapaça,
se faz de morto. Sua tática de defesa me emociona, também me fiz
de morta tantas vezes. Tenho vontade de colher o besourinho na
palma da mão e levá-lo até os potes de samambaia, não seria mais
feliz lá? Fico vacilante, o que é bem para mim pode ser mal para
ele. A ambiguidade do bem. Afasto-me para que ele não se sinta
tolhido, quero-o livre. Observo de longe a bolinha verde-esmeralda
que ressuscita e retoma sua marcha. Retomo a minha.
Lygia Fagundes Telles (1980, p. 136-137)

10 de agosto: “As convicções são cárceres” – Iscas da poética,


sabedoria e profundidade nas palavras dos filósofos alemães: Kant, Hegel,
Marx, Nietzsche, Schopenhauer e Heidegger. A Alemanha foi o país
homenageado na Bienal do Livro no Rio de Janeiro, em 2013.
Independência é algo para bem poucos: é prerrogativa dos fortes. E
quem procura ser independente sem ter a obrigação disso, ainda
que com todo o direito, demonstra que provavelmente é não apenas
forte, mas temerário além de qualquer medida. Ele penetra num
labirinto, multiplica mil vezes os perigos que o viver já traz
consigo; dos quais um dos maiores é que ninguém pode ver como e
onde se extravia, se isola e é despedaçado por algum Minotauro da
consciência.
Friedrich Nietzsche (2005, p. 34)

14 de setembro: “Fúria e riso” – Um encontro com poesias


selecionadas que alternam explosões de fúria e leveza pelo bom humor. Uma
montanha-russa de emoções através da literatura.

O maior chato é o chato perguntativo. Prefiro o chato discursivo ou


narrativo, que se pode ouvir pensando noutra coisa.
Mario Quintana (2010, p. 83)

Enforcar-se é levar a sério demais o nó na garganta.


Mario Quintana (2010, p. 82)

Um discurso em homenagem nossa é uma verdadeira surra às


avessas: fica-se naquele estado horrível... e sem palavras com que
revidar.
Mario Quintana (2010, p. 17)

Nunca me releio... Tenho um medo enorme de me influenciar.


Mario Quintana (2010, p. 44)

É preciso ajudar.
Porém primeiro,
para poder fazer o necessário,
é preciso ajudar-me, agora mesmo,
a ser capaz de amor, de ser um homem.
Eu que também me sei ferido e só,
mas aconchego este animal sonoro
que reina poderoso em meu peito.
Thiago de Mello (2006, p. 151-152)

05 de outubro: “A paixão segundo Vinicius de Moraes” – Um


reencontro com as palavras de um poeta apaixonado por estar apaixonado,
em homenagem ao centenário de seu nascimento em 2013.

De repente do riso fez-se o pranto


Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo, distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
Vinicius de Moraes (2009, p. 177)

09 de novembro: “A poesia no cinema” – Um garimpo de poesias


em forma de imagens em movimento.

Fez-se um silêncio branco...E aquele


que não morou nunca em seus próprios abismos,
nem andou em promiscuidade com os seus fantasmas, não foi
marcado. Não está marcado. Nunca será exposto às fraquezas,
ao desalento, ao amor, ao poema.
Manoel de Barros (2010, p. 82)

14 de dezembro: “Divinos versos” – Degustação de poesias e


músicas que nutrem e elevam o ser como verdadeiras preces.

Este pássaro que nasceu não sei de onde,


que atravessa com o seu voo a imprecisão
da minha noite, que rasga com a lâmina
de suas asas a mortalha da insônia,
foi apanhado por um caçador de furtivos
silêncios. Agora, debate-se na gaiola
do esquecimento; recusa o poleiro para
que o cansaço o empurra; despeja
o bebedouro do tédio que lhe trazem
com a alpista das palavras. Já não canta;
e os seus olhos reflectem um horizonte
cego, como se tivesse perdido o rumo
das migrações. Mas não morre; e
ouço-o debater-se dentro de mim, quando
lhe aceno com o azul, e uma esperança
de céu o obriga a sonhar.
Nuno Júdice (2008, p. 21)

Durante a FLIP 2012 e 2013, apresentamos o projeto de “Embarque


na poesia”, pois o que oferecemos foi uma degustação poética a bordo de um
passeio breve de barco. No rio Perequê, saímos com música e, num
determinado momento, jogamos a âncora, desligamos o motor e iniciamos a
leitura das poesias. Não sei se a forte emoção dos participantes foi gerada
pela beleza da cidade, pelo mar ou o navegar que mexeu com os mistérios
ocultos e a ânsia de liberdade de cada um, pelas poesias misturadas ao
vento, pela energia pulsante da festa ou pelo conjunto de todos estes
elementos.
Em 2012, foram 10 saídas em 3 dias com as seguintes temáticas:

• “O que não cabe no infinito”, de Carlos Drummond de Andrade;


• “Sê plural como o universo”, de Fernando Pessoa;
• “Buscar o sal”, de Bartolomeu Campos de Queirós e
• “Mar, metade da minha alma é feita de maresia”, a liberdade poética
de navegar.

Em 2013, ficamos felizes pela receptividade daqueles que


embarcaram conosco no ano anterior. Como um reencontro de velhos
amigos, vibrando por reviver o fenômeno de navegar com poesia. Neste ano,
realizamos 15 saídas em 4 dias, com os seguintes temas:
• “Mosaico Graciliano”, uma viagem em palavras do mestre,que atiçam o
sentimento;
• “A paixão segundo Vinicius de Moraes”, a poética de um ser
apaixonado por estar apaixonado;
• “Navegar é preciso”, uma viagem interior através dos heterônimos de
Fernando Pessoa;
• “Sou puxado por ventos e palavras”, sopros na alma através de poetas
atemporais.

Na Flipoços 2013, apresentamos o “Trem poético”, um passeio no


trem turístico pelas ruas de Poços de Caldas, com degustação de poesias.
Estes eventos atraem amantes de poesia e escritores. Ao final, criamos um
espaço para que compartilhem algo de sua própria autoria e as surpresas e
alegrias são imensas.
Durante o ano, os cafés-concerto literários são apresentados
mensalmente, em espaços culturais e restaurantes, em Niterói. Porém, como
a vida é cigana, temos grande satisfação em atuar como sementes aladas,
para dar asas à poesia e fazer apresentações em outras localidades, como as
realizadas nas cidades do Rio de Janeiro (na Cinédia, Clube Militar e
Castelinho do Flamengo), Angra dos Reis e Conservatória (em pacotes de
viagem literários), Paraty, Olinda e Poços de Caldas (em festas literárias,
FLIP, FLIPORTO e FLIPOÇOS respectivamente). Eu e Dília Gouveia somos
ávidas por conhecer outros Brasis, compartilhar nossa arte e atiçar artistas,
moradores e visitantes dos locais.
Clubes de Leitura
[...] poderíamos dizer que os escritores
nos dão seu cofre para ler.
Gaston Bachelard

Para aumentar o acervo e ter acesso aos múltiplos olhares, busquei


clubes de leitura, como o da UFF (Universidade Federal Fluminense) em
Icaraí, Niterói – RJ.
É muito comum as reuniões terem momentos biblio-terapêuticos pela
emoção de trechos identificados, lembranças de histórias de vida, resgates
capazes de ressignificar o passado.
O Clube de Leitura Icaraí publicou uma antologia para contar sua
história e permitir que leitores se transformassem em escritores.
Compartilho um texto de minha autoria, incluso nesta publicação:

A palavra ancora

Dita, escrita e cantada, a palavra liberta.


Num livro, vira âncora e concentra em si os quatro elementos: da
terra por tornar-se imortal pelo registro, do ar pelo sopro de reflexão que
promove, da água pelo fluir possível das emoções que culminam na lágrima
e do fogo pela transformação do olhar, do pensamento e da própria vida.
Amo os livros, pois neles descobri a potência das palavras e assim
transformei meu ofício.
Hoje utilizo livros ou trechos literários para desconstruir crenças
cristalizantes, provocar a liberdade de imaginar ou para dialogar com
autores de outros lugares e épocas que possuem ideias em ressonância com o
humano e suas dores da alma. Sou biblioterapeuta. Participar do clube
contribui para aumentar minhas medicinas, como chamo os livros
cuidadosamente selecionados que são utilizados no consultório e nos
círculos de leitura com fins terapêuticos. Sinto como Gaston Bachelard: “há
palavras que apenas murmuradas abrandam em nós os tumultos”. Sou
caçadora destas palavras.
A busca pela pluralidade de perspectivas proporcionada pela
literatura, bem como pela diversidade de interpretações do mesmo material
lido, me faz frequentar as reuniões do grupo desde agosto de 2011 até o
momento. Um garimpo e aprendizado contínuos, através do olhar curioso do
que se passa por dentro ou por trás das histórias, das motivações e dramas
humanos recorrentes. A flexibilidade de pontos de vista cresce em
proporção ao acervo e aos encontros vividos. Um território minado de
afetos, surpresas, descobertas e aprendizados. Os mosaicos me atraem, pelo
encontro de cacos que formam algo maior e mais belo. Como presente,
compartilho um tear feito com frases pinçadas nas travessias das leituras no
Clube de Leitura de Icaraí:

Para ser degustado, o livro pede que o leitor pense em si e


presenteie-se, saindo deste mundo louco em que vivemos.
Carlos Rosa Moreira, em A montanha, o mar, a cidade.
(2010, p. 182)

[...] a maldição daquele trabalho de uma estupidez de fazer chorar,


cuja monotonia interminável consegue tornar ao mesmo tempo os
dias mais longos e a vida mais curta.
Albert Camus, em O primeiro homem. (2005, p. 229)

Um trabalho escravo, ainda que remunerado.


Miguel Sousa Tavares, em Equador. (2004, p. 204)

Mas minha consciência, rebelde, persistia, sussurrando-me: se este


lugar estranho não fizer um homem perder a razão, ou ele não é um
homem, ou já está louco, porque é a razão que engendra a loucura.
Juan José Saer, em As nuvens. (2008, p. 146)

Perder-se é um achar-se perigoso.


Clarice Lispector, em A paixão segundo G.H. (1998, p. 102)

Porque eu não só sou um sonhador, mas um sonhador


exclusivamente. O hábito único de sonhar deu-me uma
extraordinária nitidez de visão interior.
Fernando Pessoa, em Livro do desassossego. (2006, p. 503)

Aquilo que eu supunha fosse o caminho do inferno está juncado de


anjos. Aquilo que suja treva parecia, guarda seu fio de luz.
Caio Fernando Abreu, em Pequenas epifanias. (2006, p.106)

Como depois de um desastre de avião, deciframos juntos, por


correspondência, a caixa-preta de nossas vidas.
Amós Oz, em A caixa-preta. (2007, p.152)

Gosto muito de ser intruso assim. Junto a cada um. Com suas
razões próprias. Uma oportunidade de tentar entender melhor a
natureza humana.
Ana Maria Machado, em Infâmia. (2011, p. 28)

Já quase me mataram, querendo cuidar de mim.


Ilnéa de Miranda, em Menina toda prosa... e alguma poesia. (1999,
p. 22)

O futuro longínquo havia chegado.


Philip Roth, em O homem comum. (2007, p. 117)

Como água, também a ausência não permite o vácuo. Ela se instala


mesmo entre as pausas das palavras. Na morte, a ausência ganha
mais presença.
Bartolomeu Campos de Queirós, em Vermelho Amargo. (2011, p.
36)

lamento muito que o meu pai não esteja a viver a terceira idade,
por isso decidi inventar uma terceira idade para nós, malucos os
dois.
valter hugo mãe, em A máquina de fazer espanhóis. (2011, p. 253)

Se as portas se fecharem novamente diante de ti, dize a ti mesmo


que não é a vida que termina, mas apenas a primeira de tuas vidas,
e que uma outra está impaciente por começar.
Amin Maalouf, em O Rochedo de Tânios. (1998, p. 127)

Entretanto, lá fora, há um mundo que se acaba e outro que se


prepara para nascer, e eu não sei muito bem a qual pertenço.
José Eduardo Agualusa, em As mulheres do meu pai. (2007, p. 515)

A seguir, ofereço alguns comentários encaminhados ao clube de


leitura por e-mail, ou comentados nos encontros presenciais, a partir de
reflexões geradas pelos livros lidos pelo grupo. A intenção é mostrar
tessituras entre impactos das leituras e questões cotidianas: mais uma forma
de diálogo biblioterapêutico.

As mulheres de meu pai, de José Eduardo Agualusa (2007)

Na minha leitura, este livro nos convida a uma travessia do


desconhecido. Tantos emaranhados, histórias dentro de outras histórias,
inúmeros personagens, narradores parecem ter o propósito de desnortear o
leitor. Interessante perceber a reação de cada um: tentar controlar através de
tabelas e esquemas, abandonar a leitura, resistir e seguir em frente, apesar da
escuridão. Ao final, o ciclo fecha, o mosaico de cacos ganha uma forma.
O personagem que mais me chamou a atenção foi Faustino Manso.
Levei um susto ao saber de sua infertilidade ao final do livro, ainda mais de
ver que esta informação estava bem no início, mas não foi valorizada pela
falta de contexto. O quanto isto nos obstrui a visão!
Outro fato curioso é que toda esta fuga sem fim iniciou com a
constatação da traição da mulher, que o fez por amor ao seu desejo de ser
pai. O autor revela no final do livro “ao entregar-se a tais mulheres, a todas
elas, era a ela que ele procurava e a mais nenhuma”(p. 471). O quanto
assuntos dolorosos encarados de frente fazem muito menos estragos do que
fingir que não existem ou fugir deles. A linguagem é uma travessia. Enquanto
o que incomoda não é dito, processado, expurgado, digerido, ressignificado,
continua a nos perseguir, aumenta de tamanho, torna-se mais complexo, nos
consome.
Fui buscar alguma ressonância no livro O mal-estar da pós-
modernidade, de Zygmunt Bauman:
Nesse mundo, todos os habitantes são nômades, mas nômades que
perambulam a fim de se fixar. Além da curva, existe, deve existir,
tem de existir uma terra hospitaleira em que se fixar, mas depois de
cada curva surgem novas curvas, com novas frustrações e novas
esperanças ainda não destroçadas. O habitat dos nômades é o
deserto – esse lugar-não-lugar, onde há apenas vestígios
fragmentário de passos, rapidamente apagados e negados.
(BAUMAN, 1998, p. 92)

Esta busca contínua que não encontra um ponto final é o mal da


nossa civilização.
E foi a voracidade que me fez fazer uma ponte para o livro Vasos
Sagrados de Maria Inez do Espírito Santo.
A escritora inicia com o mito de “Ceiuci, a velha gulosa”. Como é
psicanalista, depois desfibrila a história fazendo as conexões com a psique.
Vejam alguns trechos:

Segundo os princípios da psicanalista inglesa Melanie Kleine, a


voracidade baseia-se em uma forma de introjeção executada com
raiva. O morder cria a fantasia de insatisfação, como se o objeto,
uma vez posto para dentro em pedaços, perdesse seu valor. Uma
fome cada vez maior de objetos bons a fim de aliviar o estado
interno de desconforto.
(SANTO, 2010, p. 36-37)

Uma revelação que vai se formando durante a leitura é que a


voracidade parece querer apaziguar a raiva de algo muito valioso que foi
roubado.
Há outros trechos interessantes de Vasos Sagrados que dialogam
com As mulheres do meu pai:

Diz-se que a cultura é o que permanece no homem, quando ele de


tudo se esqueceu. Pois é desse lugar do esquecimento que surgem
os mitos.
[...] que faz com que as representações possam estar sempre
encontrando novas ressignificações. Daí a sensação de um fio, que
se desdobra, se intercomunica, ora faz conexão, ora parece
emaranhado, que às vezes se teme partir, mas que sempre continua.
(SANTO, 2010, p. 17)

Curioso que este trecho tanto parece dar um sentido para o fluxo da
narrativa, como para a valorização do esquecimento que o autor cita em
trechos diversos:

Um cansaço veio descendo sobre mim, uma vontade de


esquecimento.
(AGUALUSA, 2007, p. 383)

Esvazio o pensamento enquanto a estrada corre. Viajar é esquecer.


(AGUALUSA, 2007, p. 415)

A partir de uma certa idade só somos felizes por um esforço do


esquecimento.
(AGUALUSA, 2007, p. 443)

Dentro de cinco ou seis anos terei dinheiro para comprar uma


vivenda em Cape Town, virada para o mar. Poderei sentar-me ao
jardim, a ler e a ver passar os barcos. Poderei, finalmente, começar
a esquecer – e a ser esquecido.
(AGUALUSA, 2007, p. 522)

Ou seja, o esquecimento é também uma travessia.


E foram três tipos de travessias aqui citadas: do emaranhamento,
da linguagem e do esquecimento.
Em Infâmia, de Ana Maria Machado (2011)

O livro é um compartilhar, uma denúncia, uma crítica feroz, um


reconhecimento do quanto estamos imersos em sistemas desumanos, que
incapacitam o restabelecimento da vida e dignidade perdidas, através desta
imersão em infâmias a que estamos expostos diariamente.
As duas primeiras infâmias trazidas na narrativa foram
desconstruídas com perguntas simples, que tornaram óbvia a farsa e
estancaram a fértil criatividade para o mal.
Uma das expressões que mais me impactaram foi “êxtase da
santidade”: aquele estado que parece autorizar cada um a julgar o outro de
forma hipócrita. Camus também cita isto no livro A queda:

A ideia mais natural para o homem, a que lhe surge ingenuamente,


como no fundo de sua natureza, é a ideia de sua inocência.
(CAMUS, 2012, p. 61).

Quanto à sujeira por baixo do tapete, a sensação é de uma terrível


impotência. O verso que traduz o sentimento é do Quintana:

E temos agora tantas, tantas coisas que denunciar neste mundo


louco...
– Mas a quem?!
(QUINTANA, 2006, p. 27)

Durante a leitura do livro, fiquei lembrando a estratégia do Amós


Oz: perceber a normalidade em meio à anormalidade, escrever sobre
pessoas comuns e seu cotidiano em situações- -limites, para que a poesia e a
arte prevaleçam, para não dar vitória à opressão. Como é difícil e
necessário adotar este olhar que busca a luz!
Gostei da ênfase dada à importância do contexto:

A descontextualização é uma forma de desonestidade intelectual.


(MACHADO, 2011, p. 65).

Fez-me lembrar um trecho de O lobo da estepe, de Hermann Hesse:

Um homem da Idade Média condenaria totalmente o nosso estilo de


vida atual como algo muito mais cruel, terrível e bárbaro. Cada
época, cada cultura, cada costume e tradição têm o seu próprio
estilo, têm sua delicadeza e sua severidade, suas belezas e
crueldades, aceitam certos sofrimentos como naturais, sofrem
pacientemente suas desgraças.
(HESSE, 1995, p. 26)
Há outras frases pinçadas, que me chamaram a atenção:
• “Esforço de esconder o que sofriam, para não ferir a quem
amavam.” (MACHADO, 2011, p. 35) – Esconder o sofrimento por não dizer
com palavras é um esforço quase vão, pois o corpo fala, grita, diz. Basta ler
seus sinais e sintomas. E isto é reforçado pela energia carregada no
ambiente;
• “Cartas de leitores dos jornais. Todas parecidas. Cheias de
indignação justa, mas também de leviandade injusta, na reação autêntica e
emocional do primeiro momento, de quem não é especialista, só ouviu ou
viu uma reportagem superficialmente, se revoltou a partir de uma
informação apressada, misturou emoção genuína com dados truncados ou
imprecisos e não se conteve: partiu logo para se manifestar sem pensar,
quase por reflexo pavloviano.” (MACHADO, 2011, p. 65-66). Este trecho
dialoga com uma frase do Ouaknin, no livro Biblioterapia:

a interpretação é a paciência do sentido para renunciar, segundo a


expressão de Flaubert, à raiva de querer concluir.
(OUAKNIN, 1996, p. 146)

A sensação que tenho é de que estamos superficiais, sem tempo para


aprofundar ou tentar entender nada e, mesmo assim, ávidos por emitir nossa
opinião ou embarcar na de quem fala forte;
•“[...] páginas literárias para entender melhor a extensão e
aprofundidade da devastação que essas coisas provocam na vida concreta
de algumas pessoas, a dor que causa aos inocentes atingidos pela calúnia.
E isso a literatura faz muito melhor do que o jornalismo ou a História.”
(MACHADO, 2011, p. 174)
É a literatura abrindo olhares, perspectivas, ajudando a julgar menos
e melhor;
•“E não tem nem como começar a se defender. Fica igual a
umgravetinho levado numa enxurrada, partido no choque com as pedras,
carregado pela correnteza ou afundando num rodamoinho sem ter o que
fazer. [...] O pobre homem ainda não conseguiu descobrir de que
exatamente está sendo acusado, nem em que contexto, para poder se
defender.” (MACHADO, 2011, p. 175) – fragmentos que retratam a luta
desigual entre opressor e oprimido. Remete aos versos de Mario Quintana:
Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.
(QUINTANA, 1999, p. 19)160

• “Mas garante que um dia sai a sentença absolvendo de todas as


acusações e se comprova que o acusado era totalmente inocente. Disso ele
não tem dúvida nenhuma. O problema é todo outro: é que isso que nunca
vai ser noticiado da mesma forma que a denúncia foi divulgada. [...] A
inocência não fica marcada na memória, só a acusação” (MACHADO,
2011, p. 229-230) – é fato e me intriga que o escândalo e a tragédia dão
muito mais ibope do que as novidades e práticas pelo bem. E somos nós que
alimentamos isto!

As nuvens, de Juan José Saer (2008)

[...] sou o doutor Real, especialista nas enfermidades que


depauperam não o corpo, mas a alma.
(SAER, 2008, p. 16)

Gostei da visão que o autor traz da humanização no tratamento, do


reconhecimento que o que precisa ser cuidado é a alma que sofre. Este
desvio de olhar a doença como algo que se restringe ao corpo em si é
bastante polêmica e atual, face ao retorno da discussão do “ato médico”.
Este visa restringir o campo de atuação de diversos profissionais de saúde,
determinando procedimentos a serem realizados exclusivamente por
médicos. Vejo que as instituições que atuam com equipes multidisciplinares
são as que conquistam melhores resultados. Trata-se de uma espécie de
Clube de Leitura do ser e seus sintomas – cada um “lendo” a partir de suas
perspectivas...

Dedicar-se a conseguir que um louco se comporte como todo


mundo é como querer mudar o curso de um rio.
(SAER, 2008, p. 20)
Assistindo a uma palestra de um psiquiatra e psicólogo que utiliza a filosofia
clínica como prática profissional, ouvi o seguinte: “Se você parar para
pensar, um louco é aquele que não se adapta ao contexto. Mas, pensando
no contexto atual, quem se adapta a isto É O QUÊ?”

Foi lido numa porta de hospício: “Nem todo mundo que é, está. Nem todo
mundo que está, é.” Relativizar loucura e sanidade é outra grande
discussão. Há que se citar O Alienista, do mestre Machado de Assis (1998).
Ser autêntico é uma ameaça, uma transgressão.

[...] o doutor achava que os atributos exigidos pelo trabalho delas


– inteligência, doçura, força física e paciência – não dependiam de
instrução.
(SAER, 2008, p. 26)

Concordo com ele! Em nove anos de acompanhamento de minha mãe


em hospitais, senti que a energia de quem cuida é fundamental para o
processo de cura do paciente. Há PHDs inábeis nas relações que matam
esperanças e possibilidades de cuidar dos outros corpos, quando o físico já
não apresenta muitas forças e chances. O humano ainda é muito
desconsiderado nos ambientes de saúde, tanto em relação ao paciente,
quanto à equipe que os atende, familiares e cuidadores. Há estatísticas
assustadoras de índices de suicídio de profissionais que atuam em CTI’s. E
que práticas estas instituições adotam para melhorar este cenário?

[...] nem bem empreendemos a viagem para a Casa de Saúde, já


que, quase no exato instante em que abandonamos a cidade, nosso
paciente saiu do estado de estupor.
(SAER, 2008, p. 74)

Nise da Silveira dizia que o melhor tratamento para a loucura é a


liberdade.

[...] diferentemente dos outros, eram difíceis de manobrar devido


ao fato de que, como tantas vezes acontece com certos tipos de
louco, em vez de trancarem-se em si mesmos, acreditavam
fervorosamente na legitimidade de seus delírios e, querendo a todo
custo impô-los ao mundo, militavam em defesa de sua loucura.
(SAER, 2008, p. 148)162

No livro Crença & cérebro, o psicólogo Michael Shermer constata que:

Construímos nossas crenças por várias e diferentes razões


subjetivas, pessoais, emocionais e psicológicas, em contextos
criados pela família, amigos, cultura e sociedade. Uma vez
consolidadas essas crenças, nós as defendemos, justificamos com
razões intelectuais, argumentos convincentes e explicações
racionais. Primeiro surgem as crenças e depois as explicações.
(SHERMER, 2012, p. 21)

É interessante quando ele cita Copérnico, que queria demonstrar


uma nova visão de mundo através do telescópio, e a resistência de, por
exemplo, Cesare Cremonini, da Universidade de Pádua, que estava tão
comprometido com a cosmologia aristotélica que se recusou até mesmo a
olhar pelo tubo. Galileu carregava uma grande frustração: “Quando quis
mostrar os satélites de Júpiter aos professores de Florença, eles não viram
nada, nem o telescópio.” Já diz o dito popular: “O pior cego é aquele que
não quer ver.”
Fazemos isto o tempo todo. Neste ponto, estamos todos unidos em
defesa de nossas ilusões.

[...] a experiência me mostrou inúmeras vezes como é difícil saber


qual é a percepção exata que os loucos têm da realidade, o que
explica, como penso ter dito um pouco acima, que para muita gente
loucura e simulação sejam quase sinônimos.
(SAER, 2008, p. 163)

Na literatura, a loucura é um tema apaixonante... O Elogio da


Loucura, de Erasmo de Rotterdam (2011), revelou-a como instrumento de
liberdade de crítica ao dogma católico. Em O rei Lear, de Shakespeare, o rei
enlouquece por ter a alma violentada pela culpa. Ele é acompanhado por um
“bobo” que, como o louco, tem a liberdade de dizer. No decorrer desta
história, o bobo é mostrado como o sábio.
Em Hamlet, Shakespeare escreve:

É uma loucura esperta, com a qual escapa.


(SHAKESPEARE, 2013, p. 65)

Flor da neve e o leque secreto, de Lisa See (2005)

Os pés de mamãe tinham sido mal amarrados pela mãe dela. Em


vez de lírios dourados, mamãe tinha feito tocos. Em vez de flutuar
ao andar, ela se equilibrava numa bengala. Se largasse a bengala,
seus quatro membros vergavam na tentativa de manter o equilíbrio.
Mamãe era trôpega demais para alguém abraçá-la ou beijá-la.
(SEE, 2005, p. 26)

Metáfora adequada para mostrar como se produz resíduo humano: o


meio do caminho entre o que se é (sem força e coragem de assumi-lo) e o
que o meio social, cultural, familiar requer (num nível de exigência
inatingível). Receita de refugo para a existência. Em ressonância com um
trecho de outro livro lido pelo clube:

Se alguma coisa faz sentido em toda esta confusão, é que me devo


manter fiel àquilo que sou e que penso, sem me transformar noutra
pessoa que tu, e eu próprio, não reconheceríamos mais tarde.
Miguel Sousa Tavares, em Equador. (2004, p. 147)

Equador, de Miguel Sousa Tavares (2004)

Um trecho me chamou a atenção:

Esforço-me por pensar que, se el-rei me escolheu é porque sabia o


que fazia – mesmo que eu próprio não alcance a razão dessa
escolha – (e, agora que a aceitei e aqui estou, posso dizê-lo
sinceramente).
(TAVARES, 2004, pág. 147)
É interessante quando alguém vê em nós um potencial ainda não
desenvolvido que sequer reconhecemos. Trata-se de uma grande
oportunidade. Há um autor, o Levinás, que defende que o sentido da
existência está em fazer algo pelo outro, pois é assim que descobrimos quem
somos. Qual o sentido da vida que o personagem Luís Bernardo levava em
Lisboa? Aliás, perguntar sentido é perigoso, como constatou a personagem
Maria Augusta:

– Que costuma você fazer aqui, em noite destas?


– Penso na vida. No que foi, no que poderia ter sido e no que há de
ser ainda. Que mais acha que poderia fazer?
– E faz algum sentido?
– O quê? A vida, a minha vida?
– Sim.
– Não me pergunte isso. Essas perguntas não se fazem aqui. De que
serviria?
(TAVARES, 2004, p. 217)

O Luís Bernardo teorizava sobre as questões do trabalho escravo e


seria uma oportunidade de sair do campo do pensamento e aprender com a
prática (que desconstrói muitas certezas). Ele foi capaz de sentir todas as
forças naquele cenário – seja da natureza (calor, chuva, cheiro de clorofila),
das pressões dos interesses políticos, do modo de vida dos trabalhadores e
suas crenças.
Ele teve a rara coragem de mergulhar no desconhecido.
Vibrei e lutei com ele. Sofri com sua fragilidade perante o amor.
Faltou conversar com alguém. Ele já tinha enviado um pedido de ajuda para
o amigo João, que não o atendeu.
Porém, o que mais me impactou no livro não foi o romance em si,
mas a questão da escravidão assalariada.
O tema central do livro é a liberdade. Percebo inúmeros tipos de
escravidão nos rondando, independentemente da época ou localidade. Umas
mais evidentes e absurdas, outras sofisticadas, como dizer sim quando se
deseja dizer não, em nome da inclusão social.
É necessário primeiro libertar a mente. Sinto que a biblioterapia e
os clubes de leitura têm ajudado nisto: compartilhar formas diferentes de
olhar e ter permissão de interpretar diferente, sonhar, imaginar e agir, apesar
do que foi construído desde a infância.
É um exercício contínuo lembrar-se de não focar somente no que não
deve ser, mas ser capaz de escrever uma nova história, ser autor,
protagonista da maior das mudanças: de si mesmo.
Diálogo com Dília Gouveia
Cristiana: São inúmeros os registros da potência da Literatura na
transformação do humano pelos próprios escritores. Você acredita nesse
poder?

Dília: Sim, acredito. Tenho vivido atravessando desertos e repousando em


cada oásis, levando na bagagem os livros que me traduzem, que me
decifram.
Tem sido assim que a Literatura me criou a condição de possibilidade para
que pudesse enxergar o mundo, a vida e a mim mesma de um modo mais
profundo e, sobretudo, mais autêntico. Não concebo a minha existência sem
esse diálogo com os pensamentos dos autores que mais escavaram e
desceram a esses nossos subterrâneos, sem os quais a nossa vida cotidiana
seria um pequeno quintal estreito e cinzento, superficial e medíocre.

Cristiana: A Literatura como uma ampla estrada que se abre diante dos
nossos olhos para nos levar pelos caminhos do desconhecido e o
vivenciarmos.

Dília: Precisamente. Caminhos que abrem para novos conhecimentos, para


revisitações do que somos de mais íntimo. Estradas por vezes tumultuadas,
rugosas, nem sempre iluminadas, mas cheias de possibilidades.

Cristiana: A Literatura como uma forma de conhecimento. Diferente da


Filosofia e da Ciência, mas ainda assim uma ponte que nos lança em direção
ao conhecimento.

Dília: W. R. Bion, um psicanalista britânico, afirmou certa vez que todo o


esforço do conhecimento é só um breve raio de luz em meio às trevas. Mas
esse breve raio de luz pode fazer toda a diferença.

Cristiana: Você considera que exista uma grande Literatura que nos convoca
a criar a nós mesmos?
Dília: A nós mesmos, sem dúvida. Segundo o crítico literário Harold Bloom,
a grande Literatura é sempre reescrever ou revisar e baseia-se numa leitura
que abre espaço para o ver, ou que atua de tal modo que reabre as velhas
obras a nossos novos sofrimentos. Os originais não são originais, o inventor
sabe como tomar emprestado.
Nietzsche também defendeu a ideia de que toda a conquista, todo o passo
adiante na senda do conhecimento é fruto de um ato de valor, de dureza
contra si mesmo, da própria depuração. Acredito que é preciso chegar a si
próprio, à sua própria voz, não como uma performance ou um ato decorativo,
mas como um desbravamento essencial.
Ler grandes livros e escutar as vozes desses autores não nos vai tornar
melhores cidadãos. A arte é inteiramente inútil nesse sentido, como lembrou
Oscar Wilde. Mas se não o fizer, pode, contudo, tornar-nos mais
conhecedores de nós mesmos.

Cristiana: Esse é o poder da Literatura, o de causar uma espécie de


reinvenção ou criação do humano?

Dília: Um dos seus poderes. Existem outros. A começar pelo despertar em


nós a consciência da necessidade de buscarmos o confronto com o em que
consiste a intemporalidade do drama humano. Suas vicissitudes e vícios,
suas paixões e inquietações, suas angústias e desejos. A diversidade das
emoções e sentimentos paradoxais, contraditórios, adversos e
inconfessáveis; seus pensamentos e sonhos, atordoados pela impotência ou
iluminados pelos poderes da compreensão e da realização.
Nesse percurso que somos levados a fazer pela vontade de nos
reconhecermos, a Literatura nos instiga a não cedermos à tentação de nos
demitirmos dessa viagem e nos recolhermos ao estado de descartáveis
recolhedores do lixo das superfícies polidas, postiças, artificiais e
enganadoras.

Cristiana: Como você pensa a relação, o diálogo íntimo que se estabelece


entre a Literatura e os seus leitores?

Dília: Quando nos deixamos tocar pelo poder de um texto literário, logo nos
perguntamos o que ele representa para nós. Que implicação provoca. Como
nos sentimos perante o que nos afetou de uma determinada maneira. Como
fomos transformados pela força desse contato. Há certamente personagens,
pensamentos, ações, reflexões, que têm um efeito modificador em nós
mesmos, na nossa condição de ser. Metamorfoses múltiplas ocorrem em nós
após sermos provocados pelo inesgotável e, por vezes, assustador, poder da
palavra escrita.

Cristiana: E a arte literária como função catártica, libertadora, purificadora,


de que falava Aristóteles?

Dília: Tem-se discutido muito se a Literatura e a arte em geral devem


cumprir uma função ou se a arte pela arte é a sua razão de ser e de existir.
Vejo, com alguma suspeita, certa impossibilidade de separar uma coisa da
outra. Ou melhor, o fato de estarmos perante a excelência de uma concepção
artística por ela mesma não impede que ela exerça sobre nós uma outra
função para a qual não se preparara para ser ou exercer. Pelo contrário,
quanto mais ela se torna da ordem do sublime em suas manifestações, mais
nós a recebemos e incorporamos e mais determinante ela se torna em nossos
espíritos e em nossas consciências. O belo é sempre por si mesmo uma
influência da qual não podemos escapar.

Cristiana: Nesse sentido, parece-lhe que a boa Literatura é a Literatura que


nos modifica de algum modo?

Dília: Não temos como escapar ao fato de que nossas leituras nos convocam
para novos modos de pensarmos. Assim como não podemos deixar de nos
interrogar como alguns escritores vêm ao nosso encontro de um modo tão
avassalador e outros não.170

Cristiana: O que significa que cada leitor é ele mesmo um reinventor de


autores, pelo modo como se deixa arrebatar?

Dília: É isso que eu penso. Nós, enquanto leitores, temos esse mistério, esse
segredo: somos enfeitiçados e, ao mesmo tempo, feiticeiros.

Cristiana: Explique melhor essa ideia de feitiços e feiticeiros.


Dília: Quando enfeitiçados, sob o efeito do encantamento, nos desdobramos
em prazer pela leitura e em fruição pelo tumulto que ela nos causa. Mas, em
seguida, somos nós mesmos que nos tornamos numa espécie de magos
capazes de prolongar esse feitiço. De arrastá-lo por um tempo
indeterminado. O tempo que precisamos para que ele elabore infiltrações em
nossas existências, em nossos caminhos.

Cristiana: A Literatura como uma pedagogia. Ensinando-nos as trilhas para


reencontros com o que há de mais valioso na alma humana.

Dília: Tudo se mistura, se joga em laços de probabilidades, de assombros.


Essa mistura, esse enlaçamento, são aprendizagens que experimentamos
quando a Literatura irrompe sobre nós provocando esse turbilhão de
sintomas, de sinais, que nos mobilizam para uma proximidade maior a
nossos anseios de nos curarmos das limitações e insuficiências da condição
de sermos e existirmos.
A literatura fala por si
São inúmeros os registros da potência da literatura pelos próprios
escritores. Compartilho aqui alguns garimpos:

Ler – se lemos para valer – fere. Arranca nacos do espírito, agita a


sensibilidade e desloca os pensamentos. Essas marcas nunca
cicatrizam por completo. A melhor forma de tratá-las é transformá-
las em novos textos, que geram novas leituras, em um
desdobramento infinito de escritores e leitores que dialogam e se
misturam. Se aqui os entrego ao leitor é também, para com eles
dividir a dor – ainda que mesclada de alegria – que a literatura
produz em mim.
José Castello (2012, p. 5-6)

Um bom poema é aquele que nos dá a impressão de que está lendo


a gente... E não a gente a ele!
Mario Quintana (2010, p. 51)

As palavras podem abrir feridas, mas também cicatrizam as


chagas. A palavra não sangra, a palavra cura. A palavra liberta a
dor. E quando escrita, a dor nos pacifica. A palavra é flor fechada
quando dentro de nós. Escrever é deixar a flor se abrir.
Bartolomeu Campos de Queirós (2007, p. 49-50)

Agarrei-me à literatura aos onze anos. Neste amor já houve longos


espaços de paixão maluca e houve esmorecimentos explicáveis, que
eu, com estes meus arrebatamentos só apronto confusão. E levo
tanta aflição por dentro. Mas é o amor de sempre. E vou
caprichando que, afinal, a literatura é a minha única terapêutica.
João Antônio (1963, p. 11)
Tens uma máscara, amor, violenta e lívida, te olhar é adentrar-se
na vertigem do nada, iremos juntos num todo lacunoso se o teu
silêncio se fizer o meu, por isso falo falo, para te exorcizar, por isso
trabalho com palavras, também para me exorcizar a mim.
Hilda Hilst (2012, p. 62)

Jacques sempre tinha devorado todos os livros que lhe caíam nas
mãos e engolia-os com a mesma avidez com que vivia, brincava ou
sonhava.
[...] satisfazia neles duas sedes essenciais, a sede de alegria e a
sede de coragem.
[...] importava era aquilo que sentiam primeiro ao entrar na
biblioteca, onde não viam as paredes de livros pretos, mas um
espaço e horizontes múltiplos que, assim que transpunham a porta,
os tiravam da vida restrita do bairro.
Albert Camus (2005, p. 209/212-213)

Há contudo alguns casos, alguns casos patológicos por assim dizer,


de depressão espiritual, em que a leitura se pode tornar uma
espécie de disciplina curativa e ser encarregada, através de
incitamentos repetidos, de reintroduzir perpetuamente um espírito
preguiçoso na vida do espírito. Os livros desempenham então junto
dele um papel análogo ao dos psicoterapeutas junto de certos
neurastênicos.
Marcel Proust (1997, p. 38)

Porque para mim, poesia é isso: um prazer no gosto da palavra que


nos fere, irremediável, com doçura e exatidão que asfixia. Uma
flecha no peito. O poeta – não existem grandes e pequenos nesta
coisa de ser – é um desgarrado que abre caminhos para nos
perdermos. No ofício das artes, se houvesse hierarquia, eu o
colocaria no topo do monte – com raiva e inveja – por ele dizer o
sabido que não sabíamos que sabíamos, com palavras muitas vezes
gastas pelo uso, mas que revelam a nós mesmos.
Ruy Guerra no Prefácio do livro Cine Poesia, de Daniel Rolim
(2012, p. 7).
Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a
palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não-palavra –
a entrelinha – morde a isca, alguma coisa se escreveu.
Clarice Lispector (1988, p. 20)
A sombra da prática: cuidados
Eu atravesso as coisas –
e no meio da travessia não vejo!
Guimarães Rosa

A biblioterapia não reivindica o estatuto de ciência, não dispensa


cuidados médicos, nem substitui medicamentos. Trata-se de uma terapia
complementar.
Sua atenção é com a pessoa e não com a doença.
Seu objetivo não é a cura e sim o cuidado.
Não cabem, em sessões de biblioterapia, textos moralizantes ou
religiosos, pois não há a finalidade de fornecer juízos de valor, muito menos
de doutrinar.
Recomenda-se que a linguagem seja metafórica, dos sentimentos, da
imaginação e das emoções.
Um cuidado especial deve ser tomado na seleção de livros ou
trechos para a biblioterapia clínica (onde se busca reconhecer, acolher e
cuidar da dor), pois, como todo instrumento, pode contribuir para uma
melhora ou piora do estado da pessoa. Recomenda-se que textos densos
sejam abordados com acompanhamento mais regular e próximo.
É fundamental desenvolver a habilidade de ler dicas não verbais:

Ler as pausas, uma alteração na voz, como que engasgada, uma


respiração mais suspirante, um esforço para não chorar ou um
sorriso aparentemente fora de contexto. Assim é uma sessão
terapêutica: uma oportunidade para que algo aconteça.
Luiz Cancello (1991, p. 26).

Textos e livros de fruição não possuem contraindicações e não apresentam


efeitos colaterais.
Semear de desejos
Invento para me conhecer.
Manoel de Barros

Vai que se materializa o meu sonho dourado.


Vai que me espera com boas notícias o inesperado.
Adriana Calcanhotto

Há desejos borbulhando, em busca de ressonância para serem


concretizados. Quem sabe você que me lê será o elemento fomentador de tais
realizações?
Compartilho aqui alguns sonhos e coloco-me à disposição para
discutir possíveis ações:

1. Implantar a prática da biblioterapia em hospitais e casas de


saúde. Aplicáveis a pacientes, cuidadores e equipe multidisciplinar, através
de atendimentos individualizados nos leitos, em CTIs ou de grupos de
acolhida, utilizando as histórias ou textos como motivadores da expressão.
Numa primeira abordagem, poderia ser oferecido um “Cardápio de
poesias” – imagens ou nomes de poetas que são escolhidos voluntariamente
por pacientes que geram a declamação ou leitura de poesias, que pode ser ao
pé do ouvido ou coletivamente (no quarto do paciente, numa enfermaria ou
em salas de espera). Um semear sutil de arte no ambiente hospitalar.
Numa segunda abordagem, um acompanhamento biblioterapêutico,
de fruição ou clínico, onde o profissional poderia enriquecer os encontros
com leitura de algo que traga prazer ao paciente ou que possa acolher sua
dor e emoções neste delicado momento.
Numa terceira abordagem, criar encontros de participação
voluntária direcionado para cuidadores e familiares, em dias e horários
regulares (como 40 minutos antes do horário de visitação do CTI, por
exemplo), com presença de biblioterapeuta, que selecionará um texto ou
poesia para fomentar partilhas e mediará os encontros. Além disto, oferecer
estes encontros para participação voluntária dos profissionais da saúde, uma
vez por semana, em horários indicados pela instituição.

2. Promover I Encontro Nacional de Biblioterapeutas (I ENAB),


com apresentação de casos e partilha dos impactos dos livros nos processos
de saúde psíquica, onde se pudesse discutir a cocriação de uma formação
básica e de desenvolvimento destes profissionais;

3. Criar eventos junto a educadores e bibliotecários, para otimizar


acesso e compartilhamento de livros com amplo potencial biblioterapêutico
e suas possíveis aplicações para o desenvolvimento da inteligência
emocional;

4. Incluir a biblioterapia como disciplina eletiva em graduações de


psicologia;

5. Criar curso de extensão e/ou oficinas de biblioterapia, para


profissionais interessados de formações diversas;

6. Expandir grupos de estudo compostos por psicólogos com forte


ligação com a literatura para provocar trocas de experiências e
potencialização de acervo biblioterapêutico;

7. Fomentar encontros de pessoas interessadas em partilhar leituras


que provocaram transformações de vida para resgate de relações face a face
e estreitamento de laços humanizadores comunitários, independentemente de
origem, idade, profissão, nível de escolaridade ou qualquer outra variável;

8. Organizar o livro Vivências em Biblioterapia II, escrito por


muitas mãos, recheado de relatos impactantes de transformação de pessoas
através de livros;

9. Escrever uma coleção de livros infantojuvenis biblioterapêuticos


com temas recorrentes no consultório;

10. Publicar livros de “prescrições biblioterapêuticas” e suas


indicações medicamentosas como um “manual de primeiros socorros” para
dores emocionais.

E tudo isto que é tanto é pouco para o que eu quero.


Álvaro de Campos (PESSOA, 1986, p. 929)

Você pode querer conversar sobre estas ou outras possibilidades.


Estou do outro lado do e-mail cristianaseixass@gmail.com. No site
www.cristianaseixas.com são divulgados os eventos programados. Será
inefável construir coletivamente a expansão da prática neste universo da
biblioterapia. Conto com você!

É sonhar, mas cavalgando o sonho e inventando o chão, para o


sonho florescer.
Thiago de Mello (1983, p. 53)
Voz do olhar de quem viveu a
biblioterapia
Porque eu sou do tamanho do que vejo
e não do tamanho da minha altura.
Alberto Caeiro

“Aterrissei nos encontros de Biblioterapia, dos quais nunca tinha


ouvido falar antes, levada por uma amiga, que só disse ser uma surpresa da
qual iria gostar muito. Pois sabia do meu gosto por histórias, poesias,
palavras e beleza. Num momento difícil da minha vida. Vinda de uma
separação e crise, em que buscava novas direções.
Logo pude perceber que ‘Um Encontro’ estava surgindo em minha
vida. Com a beleza, sensibilidade e descobertas. Logo senti uma enorme
simpatia pela doce e suave mulher alongada, que conduzia aquele encontro.
Não sei precisamente qual foi o primeiro tema abordado, mas lembro-me da
doce sensação que senti: pertencente àquele mundo de pensamentos. Mas,
lembro-me do primeiro livro que me transmitiu muita força, vida e poesia: A
ciranda das mulheres sábias. Acho que a partir daí fui fazendo um resgate do
meu emocional, tão desvalorizado, uma tolice e de pouca serventia para a
vida real. Muitas vezes ouvia: – ‘Acorda, Inês!’, como se vivesse dormindo
ou sonhando.
Este lugar onde compartilhamos vivências, pensamentos,
sentimentos e sonhos é um mundo muito real para mim.
Um lugar que passou a ser dedicado só a mim. Onde paro, relaxo,
sinto. Estou presente e ao mesmo tempo transito entre o passado, futuro e
presente. Nas histórias e dentro de mim. Partilho vivências, ideias,
experiências, com diferentes pessoas, mas com gosto similar pela leitura,
escrita e pensamentos.
Acredito que a expressão de sentimentos partilhados nos possibilita
uma maior percepção da nossa própria vida. Quando percebemos, não
estamos mais sozinhos, não somos um ser estranho. Estamos em muitas
histórias. O ser humano é uno e ao mesmo tempo todos. Os sentimentos,
atemporais.
As histórias contidas nos livros e da vida de cada um levaram-me a
sentir pertencente a um grupo ‘igual’, e me envolveram de pensamentos
cheios de sentimentos. Tendo a oportunidade de enxergar outros mundos,
outras formas de pensar e sentir. Outros ainda de identificação, com o
compartilhamento de sentimentos...
A partir do momento em que entendia aquele personagem, aquela
história, começava a entender-me como igual. Abrindo assim novas formas
de pensar e novos caminhos. E caminhos abertos sempre arejam nossa alma
de mofos e teias. Trazem novos ventos.
A liberação de emoção produz alívio, nos tira de prisões em que nós
mesmos nos colocamos e vão nos curando, purificando. Vemo-nos como
seres únicos e iguais, gerando também prazer, alegria, reelaborando nossa
autoestima.
Nós somos a nossa história. Cada vida única, repleta de dramas,
angústias, buscas, conquistas, encontros, desencontros e diferentes sentidos,
mas sempre cheios de similaridades.
O que dizer mais?
Cris, você foi minha Sherazade. Possibilitando um encontro comigo
mesma e com minhas histórias.
O que antes era angústia, agora, aos poucos, torna-se um romance
comigo mesma e com minhas palavras, que me salvam.
Obrigada, Cris, por toda sensibilidade oferecida à vida de todos
nós.
Sinto aflorar em mim uma nova Inês, mais liberta de tantos medos e
incompletudes.
A liberação de minhas escritas, que são linhas da minha vida, de
minha história, são também certa forma de libertação e vida.
Sentiu a responsabilidade, mulher?
Toda minha gratidão e amor.”
Inês Drummond (17/12/13)

Querida Cris, estou aqui para te contar que a biblioterapia funcionou


!!!!!! Fiquei sozinha este tempo, e tudo foi trabalhando dentro de mim, e de
repente entendi que o meu livro era mesmo aquele livrinho infantil: O
Coração e a Garrafa. Embora não tenha nada a ver com a questão
emergencial de resolver a aposentadoria, concluí que este livro é o meu
livro. Preciso sentar na cadeira vazia, aprendendo a gostar de mim mesma,
mesmo que meu pai, meu marido, e, seja lá quem for, tenha ido embora...
minha autoestima ficou abalada desde que meu pai partiu, e agora, nesta
altura da vida, tenho que construí-la... pensar mais em mim mesma. Quero
deixar registrada minha gratidão e admiração.”
Sem identificação a pedido da paciente.

Pelo pouco que sei de biblioterapia, nota dez com louvor.


Uma grande verdade na biblioterapia é vivenciar o agora do
passado, lembrando o do autor, revivendo o da gente, projetando o futuro de
ambos na experiência do dia a dia, pois na realidade a verdade do presente,
realmente faz o passado e o futuro serem não apenas uma ilusão, mas o
concreto do que se vive agora.
Enrolei? Filosofei? Não. Disse a verdade, pois mais do que nunca,
agora acredito, sim, no bem eterno, que engloba, que vai além do bem e do
mal.
Assim, concluo dizendo que a biblioterapia nos leva a esta
experiência concreta que vivemos.
Livros assim devem realmente nascer, celebrar a vida, graças aos
escritores e experiência dos que leem.”
José Olimpio (18/12/13)

Cris,
Apreciei sobremaneira sua entrevista.
Fiquei particularmente encantado com o brilho nos seus olhos
quando cita como grandes autores permanecem contemporâneos no seu trato
de importantes dramas humanos. A mestria com que você se apropria desse
substrato e os põe numa orientação psicoterápica chama a atenção. Sinto arte
no seu trabalho!
Esses instantes em que me reservo para captar e refratar a luz
emanada das suas mensagens têm se constituído num exercício espiritual
intenso e extremamente edificante. Cada palavra que você me dedica
alimenta minha alma de nutrientes raros que a têm fortalecido. Suas
referências bibliográficas estão sendo absorvidas com intensa avidez.
Saúdo minha descoberta! Sua energia me faz muitíssimo bem e
atenua a dor crônica de uma solidão intelectual que me acompanha. O mundo
precisa da sua voz, dos seus encantos, do cumprimento da sua missão – é
cármico, minha cara.
A verossimilhança detectada por você entre o pensamento de
Bachelard e sua leitura de um fragmento importante do meu momento revela
uma pertinência resplandecente. Não desconfiava que eu pudesse ser tão
previsível – isso me assusta! Sob sua lupa, a acuidade do seu olhar é
revelador e desconcertante. Ao lê-la me veio à memória um antigo fragmento
da fé Bahá-í, que acredita que ‘o ápice do recolhimento é a expansão.’ Puxa,
não tenho a menor ideia dos próximos passos ou do cheiro que o vento me
reserva depois da próxima esquina. A única certeza é que trago em mim um
entusiasmo renovado pela possibilidade de novas experiências e saberes que
o novo me reserva. Não tinha a menor noção da riqueza da Biblioterapia –
tão somente o conhecimento que soldados americanos, no pós-guerra, foram
submetidos a seus conceitos e práticas como método de terapia de
reabilitação pelos traumas das batalhas.
Gostaria que soubesse que estou aprendendo muito através dos seus
vídeos e encantando-me cada vez mais. Suas letras me fizeram companhia.
Anoiteceram minhas certezas para descortinar, nesta manhã, um lindo sol de
perspectivas reluzentes...
Confesso que você me desconcerta. De repente começo a me
enxergar por uma janela que já não é mais aquela visitada pelos meus
observadores.
Peço licença a Maiakóvski para lhe dizer que você poliu minh’alma
com a lixa do verso. Eu que sempre me norteei por um senso de utilidade,
percebo que meu cavalo tem demonstrado, há muito tempo, sinais de uma
agonia insana. Eis que aí vem você, uma criatura encantada que até agora me
pergunto com que magia vasculha os porões de minhas certezas (olha, quanta
poeira que só agora percebo) para avocar o poeta que adormecia na caverna
da estupidez do jóquei de quem jamais suspeitei da sua competência.
Que experiência maravilhosa essa de me expressar e ter a certeza de
que do outro lado existe uma inteligência ressonante cujas devoluções se
mostram trajadas de tanto carinho e sensibilidade, embora não deixando de
estarem eivadas de uma maturidade cortante. Pois lhe retribuo com o mais
doce e merecido néctar, afinal, suas intervenções restabelecem uma íntima
alegria. Se para Camus ‘só vivemos verdadeiramente algumas horas de
nossa vida’, unge-me a verdadeira vida nesses momentos em que me banho
nas águas límpidas de seu pensamento. Por mais que às vezes conjecture
sobre o que representa para você esta experiência – e estou certo que muitos
feedbacks positivos fazem parte de seu relicário – fico pensando no estímulo
que a leva a tentar entender e apreender o que pode existir por detrás das
letras de um espírito distante. Mas num instante seguinte visita-me a intuição
de que esse exercício refina e calibra a arte que já a torna tão hábil.
Perdoe-me a euforia de espírito, mas é que estou muito contente e
você é vetor deste estado de ser.
Obrigado por você fazer já diferença no meu enredo. No meu script
sua fala assume destaque, brilho, e tem melhorado minha ‘atuação’.
Algumas pessoas têm me perguntado se aconteceu alguma coisa
diferente comigo ultimamente. Perceberam mudanças de que não me dei
conta. Os mais próximos perceberam certa dose de ousadia nas minhas
atitudes e falas. Isso tem retroalimentado meu comportamento.
Mas o fato é que a atmosfera de Paraty e, especialmente nossos
contatos, fizeram-me sentir mais integrado a um universo em que percebo
não estar tão só quanto imaginava. Precisava experimentar uma dose de
semelhança de pontos de vista ou percepções que pudessem se assemelhar às
minhas. O prazer pela leitura, o gesto de se encantar diante de uma folha
beijada pelo vento, de uma aparição apoteótica do sol no horizonte como se
fosse espetáculo de estreia. Dizem que os opostos se atraem, mas
necessitamos dos semelhantes para sermos felizes. Seus pensamentos me
iluminam e as cenas daquele barco são inesquecíveis.
Gostaria muito de ter participado do evento sobre Bachelard. Tenho
certeza de que você guarda marcas interessantes desse encontro. Por falar
em marcas, um dia gostaria de lhe falar sobre o personagem Arlequim da
obra do filósofo francês Michael Sèrres. Acho que somos dois,
multifacetados pelas marcas que acumulamos ao longo das experiências
vividas. A cada aprendizado, Arlequim recebia na sua pele uma marca
colorida que o tornava diferente na medida em que evoluía. O curioso é que
as pessoas percebiam as mudanças.
Você me imprimiu adoráveis marcas, que ostento com orgulho.
Portanto, considero-me, de certo modo, arte viva pela sua intervenção.”
Marco Antônio Bregonci (14/10/13)

Sou Fabiana Rodrigues e tenho 33 anos.


Sou mãe, esposa, formada em Administração de Empresas, estudante
sempre, lidero uma equipe de vendas no meu trabalho e apaixonada por
gente!
Conheci a Cris em um curso de treinamento em coach, e a partir daí
comecei a conhecer e entender este mundo da Biblioterapia.
A leitura para mim sempre foi uma paixão, e as histórias contadas
através de fábulas, livros e filmes sempre fizeram parte da minha vida,
desde a infância. A minha família sempre falou que parece que vivo no
mundo do ‘Conto de Fadas’, por conta desta minha queda por histórias,
principalmente as infantis.
Eu não sabia que existia uma formação, ou um caminho de se usar
histórias no ambiente de trabalho, até eu conhecer a Cristiana.
Através do seu conhecimento, eu continuo aprendendo, aos poucos,
que podemos usar a literatura de diferentes formas para a transformação das
pessoas, e o livro é um caminho lúdico e mágico que engrandece e
amadurece imensamente o interior, florescendo a alma.
A biblioterapia é uma forma de conhecimento interior, identificação
e exploração do que cada pessoa tem de melhor internamente.
Sou uma pessoa mais feliz hoje, e agradeço profundamente a
Cristiana por me apontar este novo caminho.
Fabiana Rodrigues (18/12/13)

O primeiro contato que tive com a biblioterapia, foi através de uma


apresentação feita pela Cris no espaço da Glia. Nesta, ela enfatizou o poder
que tem o texto, quando há uma identificação com nossos conflitos, levando
à visualização de um horizonte onde antes não havia saída.
Como participante do grupo liderado por ela, tenho a oportunidade
de conhecer diversos autores, seus pensamentos, suas emoções, abrindo com
isso uma janela para enxergarmos nosso próprio eu e dimensioná-lo de
forma mais realista possibilitando ações.
A troca com os outros componentes do grupo nos traz não só a
riqueza da vivência de cada um, muitas vezes levando-nos a refletir sobre
nosso próprio comportamento, como nos ensina a respeitar a opinião do
outro.
Sem dúvida a leitura é um eixo importante na formação de nossa
personalidade e seu desdobramento; essa, quando realizada em grupo e com
orientação, se torna mais rica e engrandecedora.
Adelina Magalhães (13/01/14)
Hoje saí com a seguinte pergunta da minha sessão de biblioterapia:
O que me regenera?
Como sempre, fui embora do consultório com a pergunta ressoando
em minha mente.
No caminho de casa, veio a primeira resposta: um delicioso pedaço
de torta gelada com uma xícara de café com leite, num lugar fresco e
agradável, certamente é algo que me regenera. E lá fui eu vivenciar esse
momento. Enquanto saboreava tais quitutes, me deu uma enorme vontade de
colocar no papel os meus pensamentos relacionados à pergunta sugerida na
terapia. Essa é uma das várias experiências que vivencio uma vez por
semana neste novo, pelo menos pra mim, método terapêutico: a
biblioterapia. Através dele, há a possibilidade de dialogar não só com a
terapeuta, mas também com uma infinidade de autores, escritores, poetas,
professores e filósofos que, independentemente do título que carregam ou do
tempo que viveram ou ainda vivem, curiosamente, conversam comigo no
presente. Ler em voz alta trechos de livros que dizem respeito a questões que
abordo em cada sessão é surpreendente. Muitas vezes encontro respostas
para solucionar eventuais problemas ou dúvidas, assim como me deparo com
novos questionamentos, caminhos se abrem, a sensação de conforto e
pertencimento se estabelece e, acima de tudo, me encho de coragem para
mergulhar cada vez mais fundo na busca do meu autoconhecimento.
Para os amantes da leitura a biblioterapia é um deleite. Para os que
não possuem o hábito de ler é, com certeza, um convite para ingressar nesta
fabulosa aventura.
Cristina Crespo (23/01/13)
Em estado de graça
A Mauro Lerer pelo apoio incondicional;
Aos filhos Gabriel e Lucas por perpetuarem a semente, inclusive do prazer
de ler;
Aos pais, Daltro e Christina, por presentear-me com o maior de todos os
livros: a vida;
A Dília Gouveia, pela parceria intensa na danação dos atravessamentos
literários;
Aos pacientes e participantes dos círculos de biblioterapia, cocriadores
desta história;
A todos os escritores evocados, que generosamente nos deixaram suas
palavras medicinais;
A Gracinda Rosa e Luiz Antonio Barros pela dedicada revisão deste livro;
A Maria Inez do Espírito Santo por seu trabalho profundo e vocacionado;
A Renato Augusto pelo sol que nos ilumina, pelo brilho de sua alma e
palavras;
A Lena Jesus Ponte pelo olhar treinado em capturar a grandiosidade do
invisível;
A Elenir Teixeira pela valiosa farmácia literária alimentada por sua sublime
sensibilidade;
Aos amigos do Clube de Leitura Icaraí pela riqueza das trocas de plurais
leituras de mundo;
A Neide Graça e Mercedes Fernandes pelo navegar na literatura para todas
as idades;
A Denise Vianna e Anna Alice Mendes por semear e fecundar a potência da
arte na saúde;
A Adriana Ocelot pela vocação que flui e pela contribuição para a conexão
com a ancestralidade;
Às crianças internadas no hospital Getulinho em Niterói, pelo brilho nos
olhos acionados pelas histórias e a Regina Porto e equipe por fazerem
acontecer o projeto “Viva e Deixe Viver”;
Aos idosos da Casa Convívio pelo afeto e partilha dos aprendizados que
somente a vida longa descortina;
Às mulheres guerreiras da Adama (Associação dos amigos da mama em
Niterói) pela contagiante energia de luta pela vida;
A você que me lê;
A este fogo no coração, que faísca ideias e convida as mãos a dançar;
A esta fome e pressa de contribuir para transformar e libertar, que nem sei
de onde vem;
À evidência de que não estou só, pelos arrepios sentidos toda vez que sinto
que fui um canal;
Ao que de maravilhoso ainda vai acontecer a partir deste exato momento...
Minha intensa e sincera GRATIDÃO!

Estou enfim me dando e o que me acontece quando eu estou me


dando é que recebo, recebo.
Clarice Lispector ( 1998, p. 148)

Preciso deixar registrado meu contentamento por ter concluído este


livro. Fiquei sinceramente preocupada com o que a Hilda Hilst escreveu:

Preste atenção, ou melhor, não preste atenção mas... olhe, a tarefa


de escrever é masculina porque exige demasiado esforço, exige
disciplina, tenacidade. Escrever um livro é como pegar na enxada,
e se você não tem uma excelente reserva de energia, você não
consegue mais do que algumas páginas, isto é, mais do que dois ou
três golpes de enxada. Por isso, nessa hora de escrever é preciso
matar certas doçuras, é preciso matar também o desejo de
contemplar, de alegrar-se com as próprias palavras, de alegrar o
olhar. É preciso dosar virilidade e compaixão.
(HILST, 2012, p. 74)

Missão cumprida! Durante a feitura, vibrei, chorei, tive dúvidas,


preocupações, cansaço na costura de retalhos literários, na localização das
referências que me jogaram sem âncoras em outros mares, na adequação da
forma, além do medo das críticas. Como os livros são meus aliados, neles
encontrei forças necessárias para prosseguir.
Agradeço ao Ziraldo pela frase que convida à autenticidade:

Tem gente que vai te amar pelo que você é. Tem gente que vai te
odiar pelo mesmo motivo.

Senti como Amyr Klink:

[...] eu havia escapado do maior perigo de uma viagem, da forma


mais terrível de naufrágio: não partir.
(KLINK, 1992, p. 42)

Abri meu coração, meu consultório, vivências, aprendizados,


pensamentos, acervo e sonhos.
O que fazer com eles é escolha sua. Desconheço o solo que acolhe
estas sementes.
Torço pelo germinar e florescer...

[...] o que me faz correr é sempre o mesmo, uma vontade de saber


mais e o de deixar contado às pessoas, nos livros, sabe. deixar
nos livros aquilo que se descobre, porque um livro, com o que
contém, pode ser uma fortuna eterna.
valter hugo mãe (2011, p. 91)

Afinal, é tudo muito breve:

A vida de um homem é só o tempo de se contar um.


Shakespeare (2013, p. 130)

Publicar é despir. Não só de roupa, mas da própria pele.


Ousei escrever por sentir que precisava fazê-lo, em retribuição possível
pelo sagrado recebido através dos livros e das relações.
Não é o livro que nasce, sou eu.
E são as suas mãos que amparam este novo ser.
Você que me lê, me ajude a nascer.
Clarice Lispector (1998, p. 33)

Agora posso lançar-me às novas leituras, às descobertas, à continuidade da


luta e prazer nos trabalhos, à natureza, às artes, à família e a mim.

Não o prazer, não a glória, não o poder: a liberdade, unicamente a


liberdade.
Fernando Pessoa (2006, p. 66)
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