Explorar E-books
Categorias
Explorar Audiolivros
Categorias
Explorar Revistas
Categorias
Explorar Documentos
Categorias
BRASIL*
* Esse artigo é uma versão condensada de outros dois textos publicados anteriormente (ver
Angelo, 2002 e 2003).
A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA E A DIVERSIDADE CULTURAL NO BRASIL
levá-los, pela catequizaçao, aos "reino dos céus". Quantos povos desapareceram baseados
nesse entendimento eurocêntrico? Fomos julgados, ao longo da história, como selvagens e
primitivos, tratados a ferro e a fogo. Acostumaram-se a nos tratar como se fôssemos todos
iguais, como se não existisse a diferença entre os diversos povos. Diante disso, surgiram
variados tipos de preconceito, que justificaram o tratamento violento sofrido nesses
séculos.
Daí surgiu o processo de escolarização, dentro de uma política indigenista
integracionista, que estabeleceu, com os povos indígenas, relações com o Estado lusitano,
numa prática de controle político e civilizatório, aliado ao proselitismo religioso dos
missionários jesuítas.
A educação escolar foi utilizada como uma ferramenta de catequizaçao, como aliada
na discriminação e na visão ideológica do "índio", que influenciou a formação do povo
brasileiro. São construções ideológicas de desvalorização da imagem do outro, feitas pelo
"branco europeu", que foram inseridas nos currículos escolares, e se perpetuaram por
muitos séculos, contribuindo para o massacre cultural dos povos indígenas.
Outra ideia era acreditar que o "índio" não tinha passado histórico, conhecimento e
até alma. Eram desconsideradas as narrativas históricas dos povos indígenas, relacionando-
os a um tempo primitivo. A imposição do processo escolar entre os povos indígenas
destruiu conhecimentos milenares, guardados na memória coletiva de cada povo e
importantes para a humanidade. Por isso, muitos povos indígenas foram extintos e outros
sobreviveram, mas perderam parte de elementos culturais como a língua e o território,
porque foram obrigados a negar sua identidade para serem tratados como brasileiros.
Desde esse tempo, fomos negados também na construção da história deste país,
tratados como gente de acordo com a conveniência dos europeus. Quando havia resistência
por parte dos povos indígenas, a declaração de guerra justa contra estes era inevitável,
tornando-se uma luta desigual. A educação escolar e o manual didático reforçou e difundiu
essa tese no ensino público. Por muito tempo a educação escolar indígena permaneceu na
Esse é nosso grande desafio, diante das exigências da sociedade ocidental, sendo
também desafio da escola pública dos não-indígenas para garantir um ensino de qualidade
para todos e, ao mesmo tempo, respeitar a diversidade regional, social e cultural. Trata-se
de construir uma nova escola pública com a participação de seus beneficiários, com novas
posturas na política educacional. Sabemos que a história dos nossos antepassados,
guardados na memória coletiva de cada povo, será o alerta da experiência vívida pelo
contato. Cada. povo construirá sua própria escola indígena, baseada nessas experiências.
Considerando as práticas pedagógicas e os conhecimentos adquiridos ao longo desse
processo, estarão construindo a vida comunitária, em que a educação escolar se insere
juntamente com a educação indígena, atendendo às necessidades de cada povo. Os sistemas
educativos indígenas são processos tradicionais de transmissão e aprendizagem de
conhecimentos, nos quais os mestres são a família e o contexto sociocuítural da
comunidade. A participação da comunidade na elaboração do planejamento curricular e
polítíco-pedagógico requer a presença da escola nesse processo, para congregar os projetos
societários, pois se trata de valorização da cultura, fortalecimento da identidade e
desenvolvimento socioeconômico. Portanto, a verdadeira escola indígena será aquela
pensada, elaborada e gerenciada pelo povo indígena, de acordo com seus anseios,
expectativas e modos de organização política e social, voltada para seu futuro. Sendo um
projeto coletivo, essa escola indígena específica e diferenciada será construída para efetivo
exercício da cidadania e da autonomia. Para isso, as instituições públicas responsáveis
devem centrar esforços para providenciar estratégias de participação, sob pena de cometer a
negação dos direitos constitucionais.
Com a inserção das escolas indígenas no sistema de ensino do país, como modalidade
de ensino e a criação da categoria escola indígena, difere a escola indígena de outras
escolas existentes no sistema, e obriga as instituições mantenedoras a se organizarem, a
aprender a lidar com o novo contexto social da diversidade cultural, a prover novos
instrumentos democráticos que garantam o atendimento dos direitos de cidadania.
Reconheceu-se que, mesmo sendo originário e nativo desta terra, na prática, a
cidadania não está consolidada, será preciso nova mobilização, sensibilizando e cobrando
destes setores institucionais o cumprimento constitucional.
Estamos em uma nova era, considerando o contexto mundial da perversidade da
globalização, da concentração de renda, a desigualdade e injustiça social, que são o pano de
fundo da sociedade ocidental, necessitamos de oportunidades para mostrarmos a nossa
capacidade e responsabilidade de podermos traçar os nossos destinos.
O surgimento de novas organizações indígenas e de povos que foram obrigados a se
silenciarem para não desaparecerem, e hoje emergem com toda a riqueza cultural, ainda
preservada em seus saberes e conhecimentos, nos possibilita buscar novas estratégias de
desenvolvimento sem perdermos a identidade como povo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANGELO, Francisca Novantino P. de. "A educação e a diversidade cultural". In: Cadernos
de Educação Escolar Indígena — 3o. Grau Indígena. N. 01, Vol.01. Barra do Bugres:
Unemat, págs.34-40, 2002.
ANGELO, Francisca Novantino P. de. "Políticas educacionais com os povos indígenas". In:
RAMOS, Marise Nogueira et alli (orgs.). Diversidade na educação: reflexões e
experiências. Brasília: MEC, págs. 105-109, 2003.
GRUPIONI, Luís Donisete Benzi. "Educação em contexto de diversidade étnica: os povos
indígenas no Brasil". In: RAMOS, Marise Nogueira et alli (orgs.). Diversidade na
educação: reflexões e experiências. Brasília: MEC, págs.111-121,2003.
GRUPIONI, Luís Donisete Benzi. "Um território ainda a conquistar". In: Educação
escolar indígena em Terra Brasilis, tempo de novo descobrimento. Rio de Janeiro:
IBASE, págs. 33-55, 2004.