Você está na página 1de 15

A declaração de inconstitucionalidade e

seus efeitos para os atos administrativos

Getulio Vaz

Sumário
Introdução. 1. A Supremacia da Constitui-
ção. 1.1. O controle de constitucionalidade. 1.2.
Princípios materiais que influenciam. 1.3. Da
nulidade dos atos inconstitucionais. 1.4. Sepa-
ração de Poderes e presunção da constituciona-
lidade dos atos normativos. 1.5. Unidade da
ordem jurídica e interpretação conforme a
Constituição. 2. O ato jurídico na Constituição.
2.1. Atos jurídicos de efeito concreto. 3. Efeitos
da decisão. 3.1. Modulação dos efeitos. 4. Res-
trição dos efeitos. 4.1. Da isonomia. 4.2. Do di-
reito adquirido. 4.3. Da expectativa de direito e
do direito expectativo. Conclusão.

Introdução

A declaração de inconstitucionalidade
de lei in abstrato não tem como conseqüên-
cia imediata a nulidade de todos os atos
administrativos. Em muitos casos, situações
jurídicas não podem mais ser desconstituí-
das, e outras, considerando o tratamento
Getulio Vaz é Técnico Judiciário do Supre- isonômico, devem ser constituídas sob pena
mo Tribunal Federal, Bacharel em Direito, exer- de nova inconstitucionalidade decorrente
cendo cargos ligados à área de licitações e con- da negação na aplicação de outros princí-
tratos, sendo membro da Comissão Permanen- pios de igual hierarquia.
te de Licitação e Pregoeiro. Os atos jurídicos editados entre a publi-
Artigo produzido com base no Trabalho de cação de uma lei e a manifestação final do
Conclusão do Curso de Especialização em Aná- Supremo Tribunal Federal, pela sua incons-
lise de Constitucionalidade, promovido pela
titucionalidade, não desconstituem, de pla-
Universidade do Legislativo Brasileiro – UNI-
LEGIS em parceria com a Universidade de Bra- no, os atos emanados do Poder Público que
sília – UnB, como requisito para a obtenção do foram editados com presunção de legalida-
título de Especialista. Orientador: Prof. Gilmar de. Sendo declarada a inconstitucionalida-
Mendes. de com efeitos ex tunc, há de levar em conta o
Brasília a. 44 n. 173 jan./mar. 2007 101
tratamento igual que deve ser aplicado aos em face dos princípios constitucionais da
demais administrados que têm expectativa coisa julgada, do ato jurídico perfeito e da
de que seu direito tenha o mesmo tratamen- presunção de legalidade do ato administra-
to. De outro lado, se a declaração de incons- tivo. Também, enquanto a norma não foi jul-
titucionalidade for dada com efeitos ex nunc gada, o princípio da isonomia deve ser
há de se ter parâmetros para negar o mesmo analisado.
direito àqueles que estavam na mesma situ-
ação jurídica, mas, por alguma razão, não 1. A supremacia da Constituição
tiveram a lei aplicada no momento anterior.
Portanto, enquanto não for retirada do mun- No conjunto do ordenamento jurídico, a
do jurídico, a lei tem plena executoriedade, Constituição encontra-se no topo e, a partir
gerando para a sociedade estabilidade e dela, todas as demais normas jurídicas exis-
segurança. tentes têm seu fundamento de validade, de-
O ato legislativo que entrou no mundo correndo uma hierarquização vertical que
jurídico munido da presunção de validade, dá unidade ao sistema normativo. É a Cons-
enquanto não for declarada inconstitucio- tituição que distribui as linhas mestras para
nal a lei que lhe deu origem, obriga todos à a convivência social e organiza a estrutura
obediência dos seus comandos. Nesse sen- normativa do Estado, sendo, por tudo isso,
tido, Ronaldo Poletti, (in Controle da Cons- o elo entre essas normas, por onde vai esco-
titucionalidade das leis, Rio de Janeiro, Fo- ar as diretrizes para elaboração e validação
rense, 1985, pág. 119) e, no mesmo entendi- dessas mesmas normas, revelando-se, aqui,
mento, Miguel Reale (in Revogação e anula- o princípio da compatibilidade vertical das
mento do ato administrativo, Rio de Janeiro, normas estabelecido pelo princípio da su-
Forense, 1980, págs. 28/29), onde informam premacia da Constituição.
que a jurisprudência e a doutrina admitem O princípio da supremacia da Consti-
a possibilidade de haver-se como legítimo tuição foi consagrado no ordenamento jurí-
um ato nulo ou anulável em determinadas e dico brasileiro de forma implícita, ao qual
especiais circunstâncias, bem como a cons- todos devem observar sob pena de praticar
tituição, em tais casos, de direitos adquiri- ato inválido e inconstitucionalidade por
dos, e, por outro lado, considera exaurida a incompatibilidade, seja pelo seu conteúdo,
possibilidade de revisão pela Administra- seja pelo processo de elaboração, seja pelo
ção após prazo razoável. comportamento, seja pela omissão incons-
No RE 79.343-BA (RTJ 82/791), demons- titucional. A superioridade da Constituição
trando sensibilidade às situações concreti- Federal brasileira pode ser confirmada por
zadas enquanto em vigor a lei declarada dispositivos como: arts. 23, I, 25, 29, 32, 60,
inconstitucional pelo STF, o Min. Leitão de 102, 103, 121, §§ 3o e 4o, 125 e outros. Nesse
Abreu defendeu tese não vitoriosa, no senti- sentido, Medida Cautelar na ADI 2.215-PE,
do de que o ato seria anulável, entendendo Rel. Min. Celso de Mello (DJ 26/4/01), fi-
“... que não se deve ter por nulo, ab initio, ato cando assentado que este princípio
legislativo que entrou no mundo jurídico “... tem o condão de desqualificar, no
munido da presunção de validade, impon- plano jurídico, o ato em situação de
do-se, em razão disso, enquanto não decla- conflito hierárquico com o texto da
rado inconstitucional, à obediência pelos Constituição – estimula reflexões teó-
destinatários dos seus comandos.” ricas em torno da natureza do ato in-
Assim, merece análise a discussão dos constitucional, daí decorrendo a pos-
efeitos das decisões da instância máxima sibilidade de reconhecimento, ou da
que têm sido atenuados pela impossibilida- inexistência, ou da nulidade, ou da
de de desconstituir situações consolidadas, anulabilidade com eficácia ex nunc ou

102 Revista de Informação Legislativa


eficácia ex tunc, ou, ainda, da ineficá- constituinte, mantendo a regularidade dos
cia do comportamento estatal incom- atos individuais e dos entes públicos.
patível com a Constituição. O processo de controle abstrato de cons-
(...) titucionalidade tem o poder de retirar do
Impõe-se reconhecer, no entanto, mundo jurídico a norma contestada, e a le-
que se registra, no magistério jurispru- gitimidade para promover a ação é reserva-
dencial desta Corte, e no que concer- da a um número restrito de entidades ou
ne a determinadas situações (como autoridades. Igualmente pode-se declarar a
aquelas fundadas na autoridade da inconstitucionalidade de ato administrati-
coisa julgada ou apoiadas necessida- vo e sua nulidade, cujos efeitos da decisão
de de fazer preservar a segurança ju- são variados, mas deve respeitar princípios
rídica, em atenção ao princípio da boa- que norteiem essa modulação.
fé), uma tendência claramente percep-
tível no sentido de abrandar a rigidez 1.2. Princípios materiais que influenciam
dogmática da tese que proclama a A análise de constitucionalidade de uma
nulidade radical dos atos estatais in- norma ou ato concreto exige do intérprete
compatíveis com o texto da Constitui- alguns cuidados preliminares que exercem
ção da República (RTJ 55/744 – RTJ forte influência na decisão a ser tomada, de-
71/570 – RTJ 82/791, 795)”. vendo-se ater aos limites do próprio texto
Ante a supremacia das normas consti- constitucional, buscando nele os fundamen-
tucionais, decorre a necessidade de contro- tos que justificam uma escolha ou linha her-
le dos atos emanados do Estado, seja do le- menêutica em detrimento de outra. A res-
gislador constituinte derivado ou ordinário, peito, a lição de Bandeira de Mello (1996, p.
seja das autoridades administrativas na 545/546):
aplicação ou interpretação da norma cons- “... é mandamento nuclear de um sis-
titucional, o que a tornará mais efetiva e re- tema, verdadeiro alicerce dele, dispo-
alizará seus fins, evitando-se desvios que a sição fundamental que se irradia so-
desfigurem ou permitam sua própria nega- bre diferentes normas, compondo-
ção. Corolário lógico é que o ato administra- lhes o espírito e servindo de critério
tivo deve guardar compatibilidade com a Lei para sua exata compreensão e inteli-
Maior, pois se presume que esse foi elabora- gência, exatamente por definir a lógi-
do para concretizá-la, não podendo ser ins- ca e a racionalidade do sistema nor-
trumento que motive destruição ou ineficá- mativo, no que lhe confere a tônica e
cia da Constituição Federal. lhe dá sentido harmônico.”
Assim, para se analisar as conseqüênci-
1.1. O controle de constitucionalidade as e efeitos da declaração de inconstitucio-
O controle de constitucionalidade é uma nalidade do ato administrativo em concre-
necessidade para manutenção da ordem to, há de se ter em mente que o princípio é o
jurídica, pois os atos, sejam legislativos ou alicerce sobre o qual será racionalmente
administrativos, devem guardar coerência compreendido e valorado, quando um possí-
e concordância com a Norma Maior. Assim, vel choque estiver ocorrendo, sempre tendo
a própria Constituição deve prever como como objetivo dar efetividade às normas cons-
será o controle das normas criadas pelos titucionais e sua interpretação coerente.
demais agentes no contínuo processo de
elaboração ou de execução de seus princípi- 1.3. Da nulidade dos atos inconstitucionais
os, programas, direitos etc., o qual se converte Os atos normativos presumem-se cons-
em meio pelo qual se tornam efetivas as polí- titucionais, se, no processo de sua elabora-
ticas delineadas e objetivadas pelo legislador ção, forem observados todos os requisitos

Brasília a. 44 n. 173 jan./mar. 2007 103


previstos no ordenamento jurídico para a dos do Poder Público, desampara as
sua adequação. A tradição jurídica brasilei- situações constituídas sob sua égide
ra, adotando tese da nulidade absoluta, de- e inibe – ante a sua inaptidão para
senvolvida nos Estados Unidos e aqui de- produzir efeitos jurídicos válidos – a
fendida por Ruy Barbosa, faz associação do possibilidade de invocação de qual-
conceito de inconstitucionalidade com o de quer direito.
nulidade do ato contrário à lei fundamental.* – A declaração de inconstituciona-
Assim, o entendimento de que são abso- lidade em tese encerra um juízo de
lutamente nulos os atos normativos incons- exclusão, que, fundado numa compe-
titucionais domina a doutrina nacional, tência de rejeição deferida ao Supre-
sendo dogma reconhecido pelo STF, confor- mo Tribunal Federal, consiste em re-
me citado por Gilmar Mendes no estudo mover do ordenamento positivo a
sobre a decisão proferida no RE no 122.202- manifestação estatal inválida e des-
/MG (DJ 08/4/94). Essa mesma linha de conforme ao modelo plasmado na
raciocínio tem sido orientadora das deci- Carta Política, com todas as conse-
sões, quando se trata de fiscalização abstra- qüências daí decorrentes, inclusive a
ta de constitucionalidade, pois o ato in- plena restauração de eficácia da lei e
constitucional é repudiado pela necessidade das normas afetadas pelo ato decla-
de preservar a unidade jurídica nacional, con- rado inconstitucional. Esse poder ex-
sagrando o princípio da supremacia da Cons- cepcional – que extrai a sua autorida-
tituição. Decidindo Questão de Ordem na de da própria Carta Política – conver-
ADIn no 652/MA (DJ 04/2/93), Relator Min. te o Supremo Tribunal Federal em ver-
Celso de Mello, o STF assim se manifestou: dadeiro legislador negativo. ...”
“EMENTA(...). Da análise da decisão do STF, conclui-
– O repúdio ao ato inconstitucio- se que o controle abstrato de constituciona-
nal decorre, em essência, do princípio lidade tem, dentre outras, as seguintes ca-
que, fundado na necessidade de pre- racterísticas: a decisão final que reconhece
servar a unidade da ordem jurídica a inconstitucionalidade tem efeitos ex tunc,
nacional, consagra a supremacia da determina a revigoração das normas que o
Constituição. Esse postulado funda- referido ato afastava do mundo jurídico e,
mental de nosso ordenamento norma- por não admitir a convalidação do ato in-
tivo impõe que preceitos revestidos de constitucional, a ação não está sujeita a pra-
menor grau de positividade jurídica zo extintivo. (Súmula 306/STF)
guardem, necessariamente, relação de O princípio da nulidade com força cons-
conformidade vertical com as regras titucional não pode ser considerado abso-
inscritas na Carta Política, sob pena luto, pois há de se levar em conta a ponde-
de ineficácia e de conseqüente inapli- ração de outros princípios também com sede
cabilidade. na mesma norma fundamental como o da
– Atos inconstitucionais são, por segurança jurídica, isonomia, ato jurídico
isso mesmo, nulos e destituídos, em perfeito etc., cabendo à decisão que de-
conseqüência, de qualquer carga de clarar inconstitucional uma norma ou ato
eficácia jurídica. definir se os efeitos serão retrospectivos
– A declaração de inconstituciona- ou prospectivos.
lidade de uma lei alcança, inclusive,
os atos pretéritos com base nela prati- 1.4. Separação de Poderes e presunção da
cados, eis que o reconhecimento des- constitucionalidade dos atos normativos
se supremo vício jurídico, que inqui- Os atos normativos trazem em si a pre-
na de total nulidade os atos emana- sunção de que foram produzidos em estrita

104 Revista de Informação Legislativa


observância das normas legais e, acima de não pode prejudicar o direito adquirido, o
tudo, constitucionais, pois, se assim não fos- ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Esse
se, a insegurança jurídica seria generalizada princípio constitucional impõe ao legisla-
pela necessidade de comprovação de regula- dor ordinário observar a imutabilidade do
ridade para a sua plena eficácia e vigência. ato jurídico que nasceu de acordo com as
Há de se ter sempre em mente que o equi- normas vigentes ao seu tempo, estando a
líbrio e a harmonia entre os Poderes impõem salvo de alterações que o desnaturem, não
ao Judiciário somente declarar a inconstitu- lhe dê vigência ou o extinga por completo.
cionalidade como exceção, quando ficar A lei e o decreto são normas jurídicas gerais
demonstrado que houve violação ao texto de criação do direito, enquanto o ato admi-
constitucional sem que essa decisão seja nistrativo é norma jurídica individual. Cada
apenas uma opção por determinada linha grau da ordem jurídica é, ao mesmo tempo,
de interpretação, pois é mais lógico aceitar uma produção de direito com relação ao ní-
que o legislador, ao elaborar a norma, ou o vel inferior e uma reprodução do direito
administrador, na execução desta mesma com relação ao nível superior. Portanto, o
norma, sempre estará obedecendo à Consti- controle de regularidade ou constitucio-
tuição, donde se conclui que o princípio da nalidade aplica-se a cada etapa, sendo
presunção de constitucionalidade tem como uma garantia de constitucionalidade das
objetivo conservar os atos normativos, se- leis.
jam legislativos ou administrativos em con- A Lei 9.882, de 3 de dezembro de 1999,
creto, dando maior grau de certeza e segu- que dispõe sobre o processo e julgamento
rança jurídica. da argüição de preceito fundamental, no seu
art. 1o, assim dispõe:
1.5. Unidade da ordem jurídica e “Art. 1o A argüição prevista no §1o
interpretação conforme à constituição do art. 102 da Constituição Federal
A ordem jurídica deve ser preservada, será proposta perante o Supremo
partindo-se da premissa do regular funcio- Tribunal Federal, e terá por objeto
namento do Legislativo e de que atua em evitar ou reparar lesão a preceito
conformidade, respeitando as regras e prin- fundamental resultante de ato do
cípios constitucionais. O princípio da inter- Poder Público.”
pretação conforme tem como meta a conser- Pela redação da parte final da referida
vação da norma jurídica tal como construí- norma, é possível concluir, dada a sua gran-
da pelo legislador, bem como o ato adminis- de abrangência, que pode ser utilizada para
trativo concreto editado para os fins de cum- controle concentrado de constitucionalida-
primento da mesma norma, guiando à in- de de ato normativo, administrativo e juris-
terpretação que esclareça sobre sua adequa- dicional, considerando que a expressão “ato
ção à Constituição. Orienta a exegese no sen- do Poder Público” foi empregada pelo le-
tido de que se deve buscar a interpretação gislador em sentido amplo, incluindo-se os
compatível com a Constituição, isto é, aque- atos praticados por particulares que este-
la que melhor se acomode ao texto funda- jam exercendo atividade pública como con-
mental, excluindo as demais construções cessionário e permissionário de serviço pú-
possíveis que podem ser dispensadas sem blico e, também, os atos administrativos
prejuízo de qualquer ordem. normativos, pelas suas características de
impessoalidade, e os atos administrativos
2. O ato jurídico na Constituição de efeito concreto, em razão da poten-
cialidade de lesão a direitos que pode advir
A Constituição Federal de 1988, no seu de sua emissão em discordância com a
art. 5o, XXXVI, é taxativa ao afirmar que a lei Constituição.

Brasília a. 44 n. 173 jan./mar. 2007 105


2.1. Atos jurídicos de efeito concreto contra a aferição da legitimidade das
leis formais no controle abstrato de
A jurisprudência do STF sempre foi fir- normas, até porque abstrato – isto é,
me no entendimento de que as normas se- não vinculado ao caso concreto – há
cundárias, que têm como fundamento de de ser o processo e não o ato legislati-
validade outras que não a Lei Maior, não vo submetido ao controle de constitu-
estão sujeitas a essa fiscalização, pois have- cionalidade.
ria sempre uma questão de prévia legalida- Por derradeiro, cumpre observar
de que demandaria o exame da compatibili- que o entendimento do Supremo Tri-
dade entre a norma impugnada e aquela que bunal acima referido acaba, em mui-
lhe dá fundamento. Analisando o controle tos casos, por emprestar significado
de constitucionalidade e sua relação com o substancial a elementos muitas vezes
ato de efeito concreto, Gilmar Mendes (2004, acidentais, a suposta generalidade,
p. 181/182) faz crítica nos seguintes termos: impessoalidade e abstração ou a pre-
“A extensão dessa jurisprudência, tensa concretude e singularidade do
desenvolvida para afastar do contro- ato do Poder Público. (...)”
le abstrato de normas os atos admi- Ora, se determinado ato administrativo
nistrativos de efeito concreto, às cha- é contrário à lei fundamental, não pode o
madas leis formais suscita, sem dúvi- STF deixar de declará-lo inconstitucional
da, alguma insegurança, porque co- sob o argumento de que não houve ofensa
loca a salvo do controle de constituci- direta, pois, mesmo reflexa, estará coexis-
onalidade um sem-número de leis.(...) tindo norma de categoria inferior afastando
Outra há de ser, todavia, a inter- norma de categoria superior. Porém, a de-
pretação se se cuida de atos editados claração deverá considerar sempre a pre-
sob a forma de lei. Nesse caso, houve sunção de constitucionalidade na modu-
por bem o constituinte não distinguir lação dos efeitos, bem como os princípios
entre leis dotadas de generalidade e da legalidade e isonomia em face do ad-
aqueloutras, conformadas sem o atri- ministrado.
buto da generalidade e abstração. (...)
Ora, se a Constituição submete a 3. Efeitos da decisão
lei ao processo de controle abstrato,
até por ser este o meio próprio de ino- O controle de constitucionalidade tem
vação na ordem jurídica e o instru- dupla função: em primeiro lugar, defender
mento adequado de concretização da a Constituição e a compatibilidade das nor-
ordem constitucional, não parece ad- mas de grau inferior, ou seja, da legalidade;
missível que o intérprete debilite essa em segundo lugar, defender ou proteger di-
garantia da Constituição, isentando reitos subjetivos que possam estar sendo
um numero elevado de atos aprova- ameaçados pela entrada em vigor de norma
dos sob a forma de lei do controle abs- incompatível com o texto constitucional,
trato de normas e, muito provavelmen- podendo a violação ser direta ou indireta.
te, de qualquer forma de controle. É Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho (cf.
que muitos desses atos, por não en- RDA 230/2002), a jurisprudência do STF
volverem situações subjetivas, dificil- não diverge da doutrina, sendo constante
mente poderão ser submetidos a um nas suas decisões a tese de que o ato incons-
controle de legitimidade no âmbito da titucional é nulo, e, uma vez declarada tal
jurisdição ordinária. situação, conseqüência lógica é o desfazi-
Ressalte-se que não se vislumbram mento retroativo de seus efeitos em todo o
razões de índole lógica ou jurídica tempo de sua vigência. No entanto, no di-

106 Revista de Informação Legislativa


reito brasileiro, por inexistir o instituto do do ato nulo continuem persistindo, deven-
stare decisis, próprio do sistema norte-ameri- do ser essa modulação de efeitos objeto ex-
cano, que torna inaplicável uma lei declara- plicitado da decisão do STF.
da inconstitucional, a declaração de incons-
titucionalidade somente atinge as partes li- 3.1. Modulação dos efeitos
tigantes, resultando na possível continui- Com a edição da Lei 9.868/99, o proces-
dade de aplicação de uma norma inconsti- so e julgamento da ação direta de inconsti-
tucional. tucionalidade e da ação declaratória de
Assim, o primeiro efeito da declaração constitucionalidade passou por modifica-
de inconstitucionalidades é o desfazimento ções nas quais se inseriram normas (art. 27)
do ato nulo por contrário ao ordenamento que se destacaram, em face do defendido tra-
jurídico e afronta ao texto da Lei Maior. Po- dicionalmente pela doutrina, considerando
rém, essa posição da jurisprudência nacio- razões de segurança jurídica ou de interes-
nal registra caso singular que merece ser se social excepcional, com quorum qualifi-
considerado e bem refletido, conforme nos cado, podendo restringir os efeitos da deci-
ensina Gilmar Ferreira Mendes (2004, p. são ou resolver que esta somente tenha efi-
292/293), que assim se expressa: cácia a partir de seu trânsito em julgado ou
“Entretanto, não parece haver dú- de outro momento que fixar. Os efeitos são
vida de que a limitação de efeito é um do ato administrativo e do ato legislativo
apanágio do controle judicial de cons- declarado inconstitucional, não do ato do
titucionalidade, podendo ser aplica- legislador constituinte, pois a inconstituci-
do tanto no controle direto quanto no onalidade não pode ser sanada. Se a deci-
incidental. são será retroativa (ex tunc) ou irretroativa
Observe-se ainda que, na jurispru- (ex nunc), é um problema de segurança jurí-
dência do STF, pode-se identificar dica e política judiciária, gerando efeitos:
uma tímida tentativa, levada a efeito quanto ao tempo (retroativa/irretroativa);
em 1977, no sentido de, com base na nas partes (difuso – inter partes/concentra-
doutrina de Kelsen e em concepções do – erga omnes) e, finalmente, no processo
desenvolvidas no direito americano, (declaratória ou constitutiva).
abandonar a teoria da nulidade em
favor da chamada teoria da anulabi- 4. Restrição dos efeitos
lidade para o caso concreto. (...)
Segundo essa concepção, a lei in- As Leis 9.868/99 e 9.882/99 autorizam
constitucional não poderia ser consi- o STF a modular a decisão, restringindo seus
derada nula, porque, tendo sido edi- efeitos. Com essa inovação, a doutrina da
tada regularmente, gozaria de presun- nulidade absoluta é relativizada para não
ção de constitucionalidade, e sua apli- se cometer injustiça, em face dos atos emiti-
cação continuada produziria conse- dos com presunção de legalidade e consti-
qüências que não poderiam ser olvi- tucionalidade e, igualmente, não compro-
dadas. A lei inconstitucional não se- meter a segurança jurídica que deve existir.
ria, portanto, nula ipso jure, mas ape- Sendo a restrição material, o ato declarado
nas anulável. A declaração de incons- inconstitucional continuará, no todo ou em
titucionalidade teria, assim, caráter parte, com vigência e eficácia, produzindo
constitutivo. (...)” seus naturais efeitos, o que significa uma
O ato declarado inconstitucional deve ser convalidação. Também pode ser reconheci-
retirado do mundo jurídico por ser incom- do valor ao ato inconstitucional, resultan-
patível com a Constituição, mas é possível, do estar a salvo os efeitos já produzidos, não
analisando-se o caso concreto, que efeitos se desconstituindo ex tunc, conservando sua

Brasília a. 44 n. 173 jan./mar. 2007 107


aptidão para produzir efeitos para o futuro discorrendo sobre os direitos adquiridos e
e mantendo sua eficácia, importando, no- irretroatividade, dá a seguinte lição:
vamente, numa convalidação. A segunda “Na conceituação de direito temos
restrição, sendo temporal, significa a possi- que levar em consideração dois ele-
bilidade de ser fixado momento distinto, a mentos: a existência de um fato em
partir do qual o ato declarado inconstituci- virtude do qual se adquire o direito e
onal deixa de produzir efeitos no mundo a existência de uma lei em razão da
jurídico, que pode ser com o trânsito em jul- qual o fato seja capaz de produzir o
gado da decisão ou outro que venha a ser direito. Já o fato aquisitivo, integrante
fixado no passado ou no futuro. de sua definição de direito adquirido,
Porém, na decisão, há de se considerar decorre da própria natureza do ho-
entre os afetados, a isonomia, a presunção mem; assim, o respeito aos direitos
de legalidade dos atos administrativos pra- adquiridos não é senão o respeito ao
ticados, o direito adquirido e o direito ex- indivíduo que se conduziu para obter
pectado, todos merecedores de apreciação seus direitos, em conformidade com
pelo Tribunal. as leis.
Em conseqüência, para que um
4.1. Da isonomia fato possa produzir a aquisição de um
A Constituição Federal de 1988 consa- direito, necessita de quatro requisitos:
grou, no ser art. 5o, caput, o principio da iso- 1. que esteja completo; 2. que tenha
nomia, ao afirmar a igualdade de todos pe- surgido em tempo idôneo; 3. que a
rante a lei, sem qualquer distinção e, no in- pessoa que o realiza seja capaz; 4. que
ciso I, a igualdade de homens e mulheres tenham sido observadas as formali-
em direito e obrigações. Ao declarar a in- dades prescritas na lei.”
constitucionalidade de um ato modulando Quando uma norma ou ato for declara-
os efeitos, o princípio da isonomia deve ser do inconstitucional, as situações juridica-
considerado sob pena de outra injustiça ser mente consumadas estarão protegidas pelo
concretizada. Essa restrição deve levar em direito por ser ato jurídico perfeito; mas,
conta a igualdade jurídica dos possíveis afe- naquelas hipóteses em que os efeitos mate-
tados pela decisão. riais não se produzirem ainda antes do
evento da lei nova ou da retirada do orde-
4.2. Do direito adquirido namento jurídico da norma impugnada, te-
Ao declarar a inconstitucionalidade de mos o direito adquirido.
um ato, deve o STF fazer a modulação de Para se resolver o problema da restrição
sua decisão, considerando, em primeiro lu- dos efeitos da declaração de inconstitucio-
gar, que a própria Constituição determina nalidade, é necessário considerar o conflito
como limite o direito adquirido, o ato jurídi- das leis no tempo, ou seja, não pode existir
co perfeito e a coisa julgada, conforme art. conflito entre situações jurídicas anterior-
5o, XXXIV, da CF/88. Interessa saber se os mente constituídas e totalmente consuma-
efeitos da declaração de inconstitucionali- das sob a vigência da norma impugnada.
dade podem retroagir ou, restringindo es- Regina Ferrari (op. cit.), conclui sobre esse
ses efeitos, ter como limite os direitos adqui- tema, da seguinte forma:
ridos. Vários autores de destaque analisam “Dessa forma, admitir que esta de-
o tema relativamente à entrada em vigor de claração viesse estender seus efeitos
nova lei, que, aplicada à declaração de in- ao passado de modo absoluto, anu-
constitucionalidade e seus efeitos, podem lando tudo o que se verificou sob o
ser válidas as conclusões pela semelhança império da norma agora reconhecida
que guarda. Regina Ferrari (1999, p. 92/93), como inconstitucional, seria propor-

108 Revista de Informação Legislativa


cionar a insegurança jurídica, a ins- vam ser restringidos, pois o direito ainda
tabilidade do direito, pois não estarí- não nasceu por não preencher os requisitos
amos nunca em condições de apreci- legais. Nesse sentido, ADIn no 2.306/DF,
ar se um ato lícito quando realizado Relatora Ministra Ellen Gracie, INQ no 1.684
ou um contrato válido quando cele- (Informativo no 251), AMS/TRF 2o Região
brado conservaria tal característica no no 10.297 e AMS/TRF 2a Região no 21353,
futuro.” que fazem distinção entre o direito adquiri-
Essas lições são suficientes para se con- do e a expectativa de direito, fixando o en-
cluir que o direito que preencheu todos os tendimento de que esta depende de condi-
requisitos da lei, enquanto válida, não pode ção que pode não ocorrer.
mais ser desconstituído, em face da norma Por outro lado, a decisão que declara in-
declarada inconstitucional. Problema sur- constitucional uma norma pode encontrar
ge quando se vislumbram aquelas situações situações fáticas que não se enquadram nas
em que também se preenchiam as condições características da expectativa de direito por
para se materializar o direito, mas, por qual- já ter preenchido todos os requisitos legais,
quer motivo, seu titular não o teve deferido, mas que depende de situação que somente é
seja por não ter agido, seja porque a Admi- aclarada em momento posterior, o que se
nistração, tomando conhecimento do inicio poderia denominar ainda de direito expec-
de processo para declaração de inconstitu- tativo. Para melhor desenvolver o tema em
cionalidade da lei, aguardava a decisão so- comento, é oportuno citar estudos e decisões
bre sua invalidação, cabendo, portanto, a judiciais que, de alguma forma, tocam nes-
análise da expectativa de direito e direito se assunto, já registrando que o conceito
expectado ou esperado. entre expectativa de direito, direito expecta-
tivo, formativo ou acumulado, nos textos
4.3. Da expectativa de direito e pesquisados, é confundido. Como base le-
do direito expectativo gal para o que será desenvolvido, inicia-se
Declarada inconstitucional uma norma, pela Lei Complementar no 109/2001, que
dúvidas podem surgir com relação aos efei- dispõe sobre o Regime de Previdência Com-
tos, em face de situações existentes que po- plementar, que tem a seguinte dicção:
derão estar consumadas ou não. Não se há “Art. 17. As alterações processa-
de confundir a expectativa de direito com das nos regulamentos dos planos apli-
direito adquirido, pois este é uma realidade cam-se a todos os participantes das
para seu titular que poderá fruí-lo quando o entidades fechadas, a partir de sua
desejar, enquanto a expectativa é uma es- aprovação pelo órgão regulador e fis-
perança. O direito adquirido é garantido por calizador, observado o direito acumu-
normas jurídicas, exercitáveis, segundo a lado de cada participante.
vontade de alguém. Parágrafo único. Ao participante
A expectativa de direito pode ser carac- que tenha cumprido os requisitos
terizada como uma seqüência de elementos para obtenção dos benefícios previs-
constitutivos, cuja aquisição vai ocorrendo tos no plano é assegurada a aplica-
gradativamente, formando-se, até constituir- ção das disposições regulamentares
se, quando o último elemento o integrar, no vigentes na data em que se tornou
direito. Portanto, será expectativa, enquan- elegível a um benefício de aposen-
to todos os requisitos necessários não esti- tadoria.”
verem preenchidos. Aplicado ao controle de Pelo texto da lei complementar, direito
constitucionalidade do ato administrativo, acumulado é aquele que se vai formando ao
temos que o advento da declaração de in- longo do tempo, um direito no sentido de
constitucionalidade não terá efeitos que de- esperado. Não se confunde com o direito

Brasília a. 44 n. 173 jan./mar. 2007 109


adquirido tratado no parágrafo único do “ O Supremo Tribunal Federal já
mesmo artigo, que é igual a ato jurídico per- reconheceu, em diversos arestos, que
feito. Decidindo matéria relativa à vantagem não há direito adquirido a determina-
instituída por liberalidade patronal previs- do regime. Convém distinguir, toda-
ta em regulamento interno, o Tribunal Regi- via, entre o regime, em si mesmo, e os
onal do Trabalho da 4a Região (Proc. 00182- direitos em formação (ou acumulados)
2004-014-04-00-1 RO) entendeu que “...Em- aderentes ao patrimônio jurídico do
pregado despedido antes de implementar servidor, que surtem efeitos de direi-
as condições temporais prevista na aludida tos adquiridos, notadamente quando
regulamentação, de interpretação restrita, ‘assimiláveis aos [direitos] negociais,
não conta com o benefício invocado. Hipó- ‘quase-negociais’, como os que outor-
tese de expectativa de direito que não se con- gam ‘vantagens’ (esperados) ao ser-
funde com direito expectativo e que não en- vidor público na suas relações com o
cerra despedida obstativa.” Interessante, Estado. Aqui se pode supor o aspecto
também, a decisão do Recurso Especial no da autonomia da vontade como deter-
707.092 que decidiu questão relacionada minante da adesão a um quadro legalmente
ao direito de propriedade sobre imóvel e fixado”. (...) Nesse sentido, exatamen-
sua aquisição por título anterior ao casa- te, é que Dalmo de Abreu Dallari en-
mento, onde a Relatora assim se expressa tende estar adquirido, no momento em
no seu voto: que o servidor é empossado num car-
“O TJDF decidiu a questão à luz go efetivo, o seu direito de se aposen-
do art. 272 do CC/16 (correspondên- tar com proventos correspondentes à
cia: art. 1.661 do CC/02), no sentido totalidade da remuneração. (...) Assim
de que ‘o imóvel disputado resta in- entendido, não pode a Administração
comunicável porquanto sua aquisição Pública, por ato unilateral, alterar ou
tem por título causa anterior ao casa- extinguir esse direito, como tampou-
mento’. co pode a lei prejudicá-lo (ou sequer o
(...) Se já havia direito, ainda expec- poder constituinte derivado, ut artigo
tativo ou formativo, o art. 272 incide. 5o, XXXVI, da CRFB). (...)
Todas as conseqüências de ações Os primeiros estudos doutrinais
que nasceram antes do casamento, em torno do caput já avaliam que, res-
são pertinentes aos bens incomunicá- salvados os direitos adquiridos e acu-
veis. O que decide é o momento em mulados (que garantem, a seus titula-
que nasceu a ação. Mas, se a ação nas- res, regimes de transição), a possibili-
ceu depois, e a causa foi anterior, dade de alteração dos planos de be-
incomunicáveis são as conseqüên- nefícios, sejam eles de contribuição ou
cias. O já ter nascido a ação é condi- de benefício definidos, é da própria
ção suficiente, se bem que não seja essência do instituto. É inegável, por-
necessária. (...)” tanto, que o direito nacional caminha
No exemplo acima, direito expectativo a passos largos para o reconhecimen-
ou formativo é igual à expectativa de direi- to de efeitos jurídicos iniludíveis aos
to. Entendimento diverso é o demonstrado direitos em formação ou acumulados,
em parecer da Associação dos Magistrados notadamente em matéria de previdên-
do Trabalho da Décima Quinta Região cia pública. (...) Mais que isso, os efei-
(ANAMATRA-XV), ao analisar os termos do tos da adesão protraem-se no tempo,
Projeto de Emenda Constitucional – PEC 40/ para além do próprio jubilamento –
2003, de onde se transcrevem as seguintes tanto que, à diferença do trabalhador
partes: filiado ao RGPS, o servidor público

110 Revista de Informação Legislativa


pode sofrer a cassação de sua aposen- Antes disso, interessa saber se, na
tadoria por conta de faltas disciplina- prática, aqueles direitos estão sob
res praticadas na ativa. À vista disso, guarida do artigo 5 o , XXXVI, da
é razoável reconhecer algum sinalag- CRFB e se são, portanto, imunes ao
ma no espectro positivo da relação: do poder constituinte derivado. E, para
ponto de vista dos direitos, alguns há que tanto, não há critério seguro no di-
deitam raízes, desde logo, no patrimônio reito positivo.”
jurídico do servidor, conquanto não pos- No parecer da ANAMATRA, direito for-
sam ser fruídos de imediato, por confor- mativo é igual a direito adquirido, pois este
marem-se com o tempo. É o caso do di- vai-se acumulando, sendo concretizado por
reito ao cálculo da aposentadoria pela fases bem estanques, criando uma expecta-
última remuneração da ativa ou, ain- tiva que se incorpora ao patrimônio de
da, do direito à integralidade de pro- alguém.
ventos, em relação aos servidores que O direito societário enriquece mais a dis-
ingressarem no serviço público antes cussão sobre as diferenças apontadas aci-
da eventual conversão da PEC 40/03: ma, fazendo distinção entre direito expecta-
na exata concepção de Gabba, são (a) tivo e direito expectado. Do Processo CVM
conseqüência de um fato idôneo para no RJ2001/2212, que trata de consulta sobre
gerá-lo em razão da lei vigorante ao Plano de Reestruturação Societária envol-
tempo em que tal fato teve lugar (= a vendo sociedade controlada, transcreve-se
posse no cargo), e (b) impossíveis de a seguinte parte:
atuar ou de valer antes da entrada em “(...)I. não haveria o que acrescen-
vigor de nova norma relativa ao mes- tar ao dito pelo parecerista contrata-
mo assunto (= PEC 40/03); faltam-lhe do pela (omissis), pois, até o momento
apenas o terceiro pressuposto, a sa- da incorporação, o que se atribui ao
ber, (c) o comando da lei contemporâ- acionista é um direito expectativo;
nea ao fato, no sentido de que o direi- II. como explica Luis Gastão de
to imanente integre-se imediatamente Barros Leães: ‘O direito do acionista ao
ao patrimônio de quem o adquire. De dividendo é direito expectativo (spes de-
fato, o texto constitucional em vigor bitum ire): em havendo lucro, fixado
não o diz, porque estabelece diversos pelo balanço de exercício, e determi-
outros requisitos para o exercício do nando a assembléia-geral o quantum e
direito (artigo 40, §1o, III, da CRFB); a maneira de sua distribuição (caso
nada obstante, estão presentes as duas os estatutos já o não tenham feito), dei-
outras características da definição de xa de haver direito expectativo para nas-
Gabba, em franca demonstração de cer o direito expectado ao dividendo”.
que se está muito próximo do seu con- Conforme parecer da CVM, o direito ex-
ceito de direito adquirido. O tempo de pectado é concreto, realizável, podendo o
contribuição, a idade mínima, o ‘pe- acionista se opor à sociedade quando esta
dágio’ e os outros pressupostos obje- não cumprir o previsto na legislação e no
tivos da aposentadoria são, na verda- estatuto.
de, elementos de um fato constitutivo Por último, registra-se artigo do advoga-
mais complexo, cuja realização ‘tem do Marcelo Ávila, publicado na Revista
sua raiz num direito adquirido ante- Ciência Jurídica, que trata da garantia dos
rior’, porquanto não está ‘no poder do direitos fundamentais, em face de emen-
interessado [a Administração] impe- das constitucionais. Em tópico dedicado
dir o fato que falta, em se tratando de ao direito adquirido, traz as seguintes in-
condição verdadeira e própria’. (...) formações:

Brasília a. 44 n. 173 jan./mar. 2007 111


“Veja-se a respeito a orientação pronto para ser usado, tendo preenchido
adotada pelo ilustre Min. ALDIR todas as condições de fato, não podendo
PASSARINHO ao proferir seu voto no mais ser alterado por qualquer ação. No
RE 105.812-PB, 2a Turma, RTJ 119/ entanto, a decisão deve considerar o direito
1232: expectativo, entendendo-se este como aque-
“É que a norma constitucional be- le que, para ser requerido, deve aguardar
neficiou os que até a data prevista que certas condições, de fato ou de direito,
haviam complementado o requisito sejam atendidas, e, por outro lado, não pode
temporal. O direito já o possuía ela. ser alterado pela vontade de uma das par-
Apenas o seu exercício que ficou de- tes, sendo um direito que se aclara em mo-
pendendo de vaga do cargo titular. E mento diferente, mas que não se confunde
é o que, como salienta o parecer da d. com direito adquirido e, muito menos, com
Procuradoria Geral da República, re- expectativa de direito.
sulta do §2o do art. 6o da lei de intro- Como exemplos de direito expectativo, o
dução ao Código Civil (...)” Agravo de Instrumento no 363.085-4/0-SP,
De outra senda, esse não-exercício onde as partes litigaram a respeito de regis-
do direito não é suficiente, e nem po- tro de patente de medicamentos, a ementa
deria sê-lo, para macular o direito ad- tem a seguinte redação:
quirido, relegando-o ao plano da mera “...– Registro da agravante na ANVI-
expectativa de direito, eis que surge, in SA realizado em primeiro lugar – Recor-
casu, a figura do Direito Expectativo, ex- rente que se encontra, nas circunstâncias,
pressão muito bem utilizada por no- com direito expectativo à patente. (...)
vos e jovens processualistas para ca- Agravo provido.”
racterizar o direito adquirido quando vem No Agravo de Instrumento no 234.257-
aclarar-se posteriormente ao momento da 4/9-SP, onde os agravantes ajuizaram ação
sua aquisição. Dentre esses jovens e de rescisão contratual, para habilitar crédi-
brilhantes estudiosos da matéria tos em face do espólio, decidiu o Tribunal
destaca-se o eminente Juiz Federal que:
WILNEY MAGNO DE AZEVEDO “...Os recorrentes têm, sem sombra
SILVA, que assim define a noção: de dúvida, um direito expectativo con-
“É o caso de direito adquirido, sujei- tra o espólio. Todavia, não há coisa jul-
to apenas, à ocorrência de condição inexo- gada e inexistindo título representan-
rável e insuscetível de alteração, por von- do dívidas vencidas e exigíveis, não
tade alheia, no caso o falecimento de se pode concluir, como querem os
sua mãe. É o assim chamado Direito Ex- agravantes, que já possam, desde já
pectativo, noção diversa de Expectativa habilitar créditos.”
de Direito.” Decidindo o REsp 135.569-PR, Relatora
Nesse artigo, Marcelo Ávila entende que Min. Eliana Calmon, onde se discutiu Reso-
direito adquirido é aquele que já preencheu lução do Banco Central e sua aplicação ime-
todos os requisitos para a sua formação, mas diata, o STJ entendeu que:
aguarda um momento posterior quando se “... Contudo essa situação criada
vem aclarar. Essa condição não pode ser unicamente pelo Fisco não pode ser
alterada por vontade alheia, incluindo-se a alterada para onerar o contribuinte
vontade estatal. que, mesmo não tendo direito adquirido a
Portanto, não se pode restringir os efei- determinado regime fiscal, tem o direi-
tos da declaração de inconstitucionalidade, to expectativo a só pagar o imposto nos
quando se tratar de direito adquirido, ao moldes da legislação vigente á época do
entendimento de que este é o direito que está contrato perfeito e acabado. Destarte,

112 Revista de Informação Legislativa


a Resolução n. 1.033/85 não tem sede constitucional, não podem deixar de
aplicação imediata ao contrato rea- ser considerados, pois a restrição dos efei-
lizado sob á égide da Resolução tos sem incluir aqueles que, por motivos
613/80.” alheios à sua vontade, não viram o cum-
Concluindo, para restringir os efeitos de primento da norma enquanto válida, em
ato declarado inconstitucional, o direito for- razão desta situação, nova inconstitucio-
mativo não pode ser confundido com direi- nalidade será criada por tratamento desi-
to expectativo, pois este já preencheu os re- gual.
quisitos legais para a sua fruição, devendo Oportuno citar decisão do STF no RE
aguardar a passagem do tempo para se acla- n o 442.683-8/RS, julgado em 13/12/2005
rar e se concretizar, mas o tempo não é ca- pela Segunda Turma, cuja ementa ficou
paz de modificá-lo. Na hipótese de incons- assim redigida:
titucionalidade declarada pelo STF, o ato “(...)I. – A Constituição de 1988 ins-
administrativo que nasce desta norma tituiu o concurso público como forma
pode e deve gerar efeitos, pois o direito de acesso aos cargos públicos. CF, art.
estará consolidado por ser compatível 37, II. Pedido de desconstituição de ato
com a ordem jurídica do momento de sua administrativo que deferiu, mediante
formação. concurso interno, a progressão de ser-
vidores públicos. Acontece que, à épo-
Conclusão ca dos fatos – 1987 a 1992 –, o
entendimento a respeito do tema não
A supremacia da ordem constitucional era pacífico, certo que, apenas em
reflete o caráter eminentemente rígido das 17.02.1993, é que o Supremo Tribunal
normas constantes do estatuto fundamen- Federal suspendeu, com efeito ex nunc,
tal. Nesse contexto, a autoridade normativa a eficácia do art. 8o, III; art. 10, pará-
da Constituição é decisiva na limitação da grafo único; art. 13, § 4o; arts. 17 e art.
atividade estatal, sendo seu fundamento de 33, IV, da Lei 8.112, de 1990, disposi-
validade e existência, o que resulta na eficá- tivos esses que foram declarados in-
cia dos atos administrativos e legislativos, constitucionais em 27.8.1998: ADI
donde nenhum destes pode contrariar seus 837/DF, Relator Ministro Moreira
princípios ou regras sob pena de serem in- Alves, ‘DJ’ de 25.6.1999.”
validados. Conforme demonstrado, o princípio da
Com a edição da Lei 9.868/99, foi intro- isonomia justifica também que, em outros
duzida grande inovação no ordenamento casos, possam ser avaliados e reconhecidos
jurídico, autorizando o STF a restringir os o direito, sob pena de, em não o fazendo,
efeitos da decisão, considerando razões de nova inconstitucionalidade ser cometida,
segurança jurídica ou de excepcional inte- qual seja, a não aplicação de norma válida
resse social. Assim, não podem ser afetados enquanto vigente a outros destinatários do
o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e direito que, por razões alheias à sua vonta-
a coisa julgada. Igualmente, deve o Tribu- de, não foram beneficiados, ferindo o prin-
nal considerar aquele direito que já preen- cípio constitucional da isonomia.
cheu todos os requisitos para a sua concre-
tização mas aguarda a passagem do tempo
ou de alguma outra condição inalterável por Nota
outrem para que possa ser fruído pelo seu *
Bernardes, Juliano Taveira. Controle Abstrato de
destinatário, o que chamamos de ‘direito Constitucionalidade – elementos materiais e princípios
expectativo’, e, nesta hipótese, a isonomia e processuais. São Paulo: Saraiva, 2004, pág. 346 (co-
o princípio da legalidade, que também têm mentário citando outro autor não identificado).

Brasília a. 44 n. 173 jan./mar. 2007 113


Referências dezembro de 1991. Diário da Justiça, Brasília, DF,
27 mar.1992.
ÁVILA, Marcelo Roque Anderson Maciel. A garan- BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIn no 652/
tia dos direitos fundamentais frente às emendas constitu- MA (Questão de Ordem), Relator: Ministro Celso
cionais. Ciência Jurídica ad litteras et verba, v.14, n.93, de Mello. Brasília, 02 de abril de 1992. Diário da
maio/junho, 2000. Justiça, Brasília, DF, 02 abr. 1993. Disponível em
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de www.stf.gov.br/jurisprudencia.
direito administrativo. 8a ed., São Paulo: Malheiros, BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIn no 1417/
1996. DF Relator: Ovtávio Gallotti, Brasília, 02 de agosto
BERNARDES, Juliano Taveira. Controle Abstrato de de 1989. Diário da Justiça, 23.mar.2001. Brasília,
Constitucionalidade – elementos materiais e princípios DF. Disponível em www.stf.gov.br/jurisprudencia.
processuais. Saraiva, 2004, São Paulo. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 1.460.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucio- Relator Ministro Sydney Sanches. Brasília, 17 de
nal, Malheiros, 5a ed., 1994. março de 1999. Diário da Justiça, 25.jun.1999. Dis-
ponível em www.stf.gov.br/jurisprudencia.
BRASIL. Associação dos Magistrados do Tra-
balho da Décima Quinta Região. Guilherme BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIn no 2.215-
Guimarães Feliciano. Pareceres. Disponível em PE (Medida Cautelar). Relator: Ministro Celso de
www.anamatra.org.br – consulta em 14/09/ Mello. Brasília,17 de abril de 2001. Diário da Justi-
2006. ça, Brasília, DF, 26 abr. 2001. Disponível em
www.stf.gov.br/jurisprudencia.
BRASIL Companhia de Valores Mobiliários – CVM.
Decisão de Colegiado. Disponível em www.cvm. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Petição n o
gov.br – consulta em 14/09/2006. 2.859/SP. Relator: Ministro Gilmar Mendes.
Brasília, 13 de março de 2003. Diário da Justiça,
BRASIL. Constituição da República Federativa do 04.abril.2003. Disponível em www.stf.gov.br/ju-
Brasil, 23a ed., Brasília: Câmara dos Deputados, risprudencia.
Coordenação de Publicações, 2004.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Ex-
BRASIL. Lei no 221, de 20 de novembro de 1894. traordinário no 442.683/RS. Relator: Ministro Carlos
Completa a organisação da Justiça Federal da Re- Velloso. Brasília, 13.dez.2005. Diário da Justiça,
publica. Disponível em www.planalto.gov.br/legis- Brasília, DF, 27 mar. 2006.
lação.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula no 360.
BRASIL. Lei no 9.868, de 10 de novembro de 1999.
Brasília. Diário da Justiça, Brasília, DF, 02 abr. 1993.
Dispõe sobre o processo e julgamento da ação dire-
Disponível em www.stf.gov.br/sumula.
ta de inconstitucionalidade e da ação declaratória
de constitucionalidade perante o Supremo Tri- BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
bunal Federal. Diário Oficial da União de 11 de Agravo de Instrumento n o 234.257.4/9. Relator
novembro de 1999. Poder Executivo. Brasília, Marcondes Machado. Decisão de 26 de fevereiro de
DF, 1999. Disponível em www.planalto.gov.br/ 2002. São Paulo. Disponível em www.tj.sp.gov.br/
ccivil_03/Leis/L9868 – consultada em 11/10/ jurisprudência.
2005.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
BRASIL. Lei no 9.882, de 3 de dezembro de 1999. Agravo de Instrumento no 223.391.4/4. Relator Ruy
Dispõe sobre o processo e julgamento a argüição Camilo. Decisão de 26 de fevereiro de 2002. São
de descumprimento de preceito fundamental, nos Paulo. Disponível em: <http www.tj.sp.gov.br /
termos do §1o do art. 102 da Constituição Federal. jurisprudência>.
Diário Oficial da União, de 06 de dezembro de 1999.
Poder Executivo. Brasília, DF, 1999. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Agravo de Instrumento n o 318.185.4/1. Relator
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Es- Márcio Marcondes Machado. Decisão de 21 de ou-
pecial no 707.092/DF. Relatora: Nancy Andrighi. tubro de 2003. São Paulo. Disponível em www.tj.sp.
Decisão de 28 de junho de 2005. Diário de Justiça, gov.br/jurisprudência.
01.ago.2005. Disponível em: www.stj.gov.br/juris-
prudência. BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho – 4a Re-
gião. Processo 00182-2004-014-04-00-1 RO – 4a Tur-
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIn no 647/ ma. Relator: Juiz Nilton Varela Dutra. Disponível
DF. Relator: Ministro Moreira Alves. Brasília, 18 de em www.trt4.gov.br/jurisprudencia.

114 Revista de Informação Legislativa


CANOTILHO, J.Gomes, Direito Constitucional e KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. Martins
Teoria da Constituição, 3a Ed., Coimbra: Livraria Fontes, São Paulo. 2003.
Almeidina, 1999.
LACERDA, Belizário Antônio de. Inconstitucionali-
CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de consti- dade ou ilegalidade do ato administrativo normativo.
tucionalidade das leis no direito comparado. Tradução Revista dos Tribunais, v. 88, no 762, abr. 1999.
de Aroldo Plínio Gonçalves. Porto Alegre, Fabris,
MARTINS, Ives Gandra da Silva e Mendes, Gilmar
1984.
Ferreira. Controle concentrado de constitucionalidade:
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de Comentários à Lei no 9.868, de 10/11/1999. 2a ed., São
constitucionalidade no Direito Brasileiro. São Paulo: Paulo: Saraiva, 2005.
Revista dos Tribunais, 1995.
MARTINS, José Renato. O Controle de Constituciona-
CRETELLA JR, José. Elementos de direito constitu- lidade das Leis no Direito Brasileiro. São Paulo: Edito-
cional, 4a ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. ra Juarez de Oliveira, 2004.
FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional:
Declaração de Inconstitucionalidade. 4a edição revista, o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha.
atualizada e ampliada – São Paulo: Editora Revis- 4a ed., São Paulo: Saraiva, 2004.
ta dos Tribunais, 1999.
MORAES, Alexandre de. Jurisdição constitucional
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O valor do e tribunais constitucionais; garantia suprema da cons-
ato inconstitucional em face do direito positivo brasileiro. tituição. 2 a ed., São Paulo: Atlas, 2003.
Revista de Direito Administrativo no 230, out./dez.,
POLETTI, Ronaldo. Controle da Constitucionalidade
2002.
das leis, Rio de Janeiro, Forense, 1985.
FERREIRA, Olavo Alves. Controle de Constituciona-
REALE, Miguel. Revogação e anulamento do ato admi-
lidade e seus efeitos. São Paulo: Editora Método, 2003.
nistrativo, Rio de Janeiro, Forense, 1980.
FRANÇA. Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão. Transcrição extraída no endereço http://
www.dhnet.org.br/direitos/anthist/dec1789.htm.

Brasília a. 44 n. 173 jan./mar. 2007 115

Você também pode gostar