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Capítulo oito

Soberania de Deus e responsabilidade humana


“Assim, cada um de nós prestará contas de si mesmo a Deus"
(Rom. 14:12).

No nosso ultimo capítulo consideramos, até certo ponto, a difícil questão muito debatida da vontade
humana. Nós mostramos que a vontade do homem natural nem é soberana nem livre, mas ao invés disso, é
uma serva e uma escrava. Nós argumentamos que uma concepção certa da vontade do pecador – sua
servidão – é essencial para uma estimativa justa de sua depravação e ruína. A corrupção profunda e
degradante da natureza humana é algo que o homem odeia reconhecer, e algo que ele irá negar
calorosamente e insistentemente até que ele seja “ensinado por Deus.” Muito, muito, da pouco ouvida
doutrina, a qual agora nós ouvimos nas bocas de todos, é a direta e lógica repudiação do homem pela
expressão de Deus sobre a depravação do homem.
Os homens estão clamando para que seja dito que eles são “melhores com os bens que tem e não têm
necessidade de nada,” e não sabem que são “miseráveis, dignos de compaixão, pobres, cegos e nus” (Ap.
3:17). Eles apregoam a “Ascensão do Homem” e negam a sua Queda. Eles trocam a escuridão por luz e luz
por escuridão. Eles se orgulham da “agência moral livre” do homem quando, de fato, ele está enlaçado no
pecado e escravizado por Satanás – “que os aprisionou para fazerem a sua vontade” (2Tim. 2:26). Mas se o
homem natural não é um agente moral livre, isso diz que ele não é responsável?
Agência moral livre é uma expressão da invenção humana e, como dissemos antes, para falar da
liberdade do homem natural é declaradamente repudiar sua ruína espiritual. Em nenhum lugar as Escrituras
falam da liberdade ou da habilidade moral do pecador, ao contrário, elas insistem na inabilidade moral e
espiritual.
Isto é, assumidamente, a parte mais difícil do nosso assunto. Aqueles que já devotaram muito estudo
neste tema têm, uniformemente, reconhecido que a harmonia da Soberania de Deus com a Reponsabilidade
do Homem é o nó crucial da teologia.
A dificuldade principal encontrada é definir a relação entre a Soberania de Deus e a Responsabilidade
do Homem. Muitos sumariaram a questão da dificuldade simplesmente pela negação da existência de tal
coisa. Uma certa classe de teólogos, em sua ansiedade por manter a responsabilidade humana, acabaram
pesando-a além das suas proporções até que a Soberania de Deus fosse perdida de vista, e em não pouco
casos, acabando por assumidamente negá-la. Outros reconhecem que as Escrituras apresentam a ambas,
mas afirmam que na nossa presente condição finita, e com nosso conhecimento limitado, é impossível
conciliar as duas verdades, mas que é uma obrigação de todo crente receber ambas. O presente escritor crê
que tem sido muito prontamente assumido que as Escrituras não revelam diversos pontos que mostram a
conciliação entre a Soberania de Deus e a Responsabilidade do Homem. Mesmo que talvez a Palavra de
Deus não clarifique todo o mistério (e isso é dito com reservas), ela joga muita luz sobre o problema, e
parece a nós mais honroso a Deus e a Sua Palavra, procurar com muita oração as Escrituras para a solução
completa da dificuldade, e mesmo que outros tenham ido longe na busca em vão, isso deve nos levar mais e
mais aos nosso joelhos. Deus tem Se agradado em revelar muitas coisas “fora” de Sua Palavra durante o
último século (o autor é do século 20 – nota do tradutor) que estavam escondidas dos estudantes
antecedentes. Quem se arrisca em dizer então que não existe muito para ser aprendido ainda sobre o nosso
inquerimento.
Como nós dissemos acima, nossa principal dificuldade é determinar o ponto de encontro entre a
Soberania de Deus e a Responsabilidade do Homem. Para muitos pareceu que para Deus afirmar sua
Soberania, para Ele exercer o Seu poder e uma influência direta sobre o homem, para que Ele fizesse
qualquer coisa além de avisar e convidar, seria como interferir na liberdade humana, destruir sua
responsabilidade, e reduzi-lo a uma máquina. Porém, é triste encontrar alguém como o Dr. Piersen – cujos
escritos são geralmente tão escriturísticos e úteis, dizendo, “É um pensamento tremendo que mesmo Deus
não pode controlar meus limites morais, ou constranger minha escolha moral. Ele não pode me prevenir de
denegrir e negá-lO, e não exercitaria Seu poder em tais direções se pudesse e se pudesse não o faria”.
(Clínica Espiritual). É ainda mais triste descobrir que muitos outros irmãos respeitados e amados estão
dando expressão a este mesmo tipo de sentimento. Triste porque varia diretamente das Sagradas Escrituras.
É o nosso desejo encarar honestamente as dificuldades envolvidas, e examiná-las cuidadosamente na
luz que Deus tem Se agradado em nos confiar. As principais dificuldades podem ser expressas assim:
-primeiro, como é possível para Deus trazer o Seu poder sobre o homem para preveni-lo de fazer algo
que ele deseja fazer e impelir que ele faça aquilo que ele não quer fazer, e ainda preservar a sua
responsabilidade?
-segundo, como o pecador pode ser mantido como responsável por fazer aquilo que ele não é capaz de
fazer?
-terceiro, como é possível que Deus decrete que o homem cometa certos pecados, mantendo-o
responsável pela pratica deles e julgá-lo culpado por terem cometido-os?
-quarto, como o pecador pode ser mantido responsável por receber a Cristo e ser condenado por
rejeitá-lO, quando Deus o preordenou para a perdição?
Agora, nós devemos lidar com esses problemas na ordem feita acima. Que o próprio Espírito Santo
seja nosso Professor para que em Sua luz vejamos luz.

1. Como é possível para Deus trazer o Seu poder sobre o homem para preveni-lo de fazer algo que ele
deseja fazer e impelir que ele faça aquilo que ele não quer fazer, e ainda preservar a sua responsabilidade?

Pareceria que se Deus exercesse Seu poder e uma influência direta sobre o homem, a sua liberdade
seria interferida. Pareceria que se Deus fizesse algo além de avisar e convidar o homem, sua
responsabilidade seria infringida. É-nos dito que Deus não deve coagir o homem, ainda menos compeli-lO,
se não Ele estaria reduzindo-o a uma máquina. Isso soa mais plausível; isso parece boa filosofia e bem
embasado, soando razoável; tem sido universalmente aceito como um axioma em ética; ainda assim é
refutado pelas Escrituras!
Olhemos em Gênesis 20:6: “E Deus lhe disse em um sonho, Eu sei que você agiu com integridade de
coração; Eu mesmo impedi que você pecasse contra mim e por isso não lhe permiti tocá-la”. É argumentado,
quase universalmente, que Deus não deve interferir na liberdade humana, que ele não pode coagir ou
compeli-lO, se não o reduziria a uma máquina. Mas a Escritura acima prova, acertadamente, que não é
impossível para Deus exercer o Seu poder sobre o homem sem destruir sua responsabilidade. Aqui está um
caso onde Deus exerceu o Seu poder, restringiu a liberdade humana, e o preveniu de fazer algo que de outra
forma ele faria.
Olhando para essa Escritura, notemos como é lançada luz sobre o caso do primeiro homem. Seriam filósofos
que viram ser sábio acima do que foi dito, argumentar que Deus não poderia ter prevenido a queda de Adão
sem reduzi-lo a um mero autômato. Eles nos dizem constantemente que Deus não deve coagir ou compelir
Suas criaturas se não Ele iria destruir as suas responsabilidades. Mas, a resposta a toda essa filosofia é que
as Escrituras gravam um número de exemplos onde nós vemos expressamente que Deus preveniu certas
criaturas de pecar, seja contra Ele ou contra Seu povo, sendo assim, toda a razoabilidade humana é
profundamente sem valor. Se Deus pudesse manter Abimeleque sem pecar contra Ele, então por que Ele foi
incapaz de fazer o mesmo com Adão? Alguém perguntaria. Então por que não o fez? Devemos voltar a
pergunta, perguntando. Por que então não “segurou” Satanás de sua queda? Ou, por que Deus não
“segurou” o Kaiser de começar a Guerra? A resposta comum é que Deus não poderia interferir na liberdade
humana sem reduzi-lo a uma máquina. Mas, o caso de Abimeleque prova conclusivamente que tal resposta
é insustentável e errônea – devemos ainda adicionar ímpia e blasfêmia, pois quem somos nós para limitar o
Todo Poderoso! Como ousa uma mera criatura tomar para si o poder de dizer o que o Onipotente pode e não
pode fazer? Deveríamos ser pressionados além e ir para o porquê de Deus ter negado exercer o Seu poder
e prevenir a queda de Adão. Porque a queda de Adão serviu melhor ao Seu sábio e abençoado propósito –
dentre outras coisas, foi provado ser uma oportunidade de mostrar que onde abundou o pecado,
superabundou a graça. Mas, nós devemos perguntar além. Por que Deus colocou no Jardim a árvore do
conhecimento do bem e do mal quando ele anteviu que o homem desobedeceria sua proibição e comeria
dela; como lembrete, foi Deus e não Satanás que fez aquela árvore. Alguém responderia, então Deus é o
Autor do pecado? Nós deveríamos perguntar de volta, o que é entendido por Autor? Obviamente foi a
vontade de Deus que o pecado deveria entrar no mundo se não ele não entraria, pois nada acontece a não
ser que Deus tenha decretado. Ainda mais, existia mais do que uma permissão, pois Deus só permite aquilo
que Ele tem como propósito. Mas, agora deixemos a origem do pecado, insistindo uma vez mais, de
qualquer forma, que Deus poderia ter “segurado” Adão de ter pecado sem destruir a sua responsabilidade.
O caso de Abimeleque não se encontra só. Outra amostra do mesmo princípio é visto na história de
Balaão, já notado no último capítulo, mas sobre isto ainda há algo a ser dito neste lugar. Balaque, o moabita,
enviou este profeta ímpio para amaldiçoar Israel. Uma recompensa linda foi oferecida para esses serviços, e
uma lida cuidadosa de Números 22-24 mostrará que Balaão estava disposto, sim, ansioso, para aceitar a
oferta de Balaque e então pecar contra Deus e Seu povo. Mas o poder divino o “segurou”. Note sua própria
admissão: “E Balaão disse para Balaque, aqui estou eu, mas seria eu capaz de dizer alguma coisa? Direi
somente o que Deus puser em minha boca.” (Números 22:38). De novo, depois que Balaque esteve com
Balaão, nós lemos: “Ele respondeu e disse, será que não devo dizer o que o Senhor põe em minha boca?...
Recebi uma ordem para abençoar, ele abençoou e eu não posso mudar” (23:12,20). Certamente esses
versículos nos mostra o poder de Deus, e a fraqueza de Balaão, o homem será frustrado e Deus agirá. Mas,
a liberdade e responsabilidade de Balaão foram destruídas? Certamente que não, como nós ainda
procuraremos mostrar.
Mais uma ilustração: “E o temor do Senhor caiu sobre todos os reinos das terras ao redor de Judá, e
então eles não fizeram guerra contra Jeosafá” (2Cron. 17:10). A implicação aqui é clara. Se o temor do
Senhor não houvesse caído sobre esses reinos, eles iriam guerrear contra Judá. O poder restritivo de Deus
sozinho os preveniu. Se a própria vontade deles tivesse agido, guerra seria uma conseqüência. Então, nós
vemos que as Escrituras ensinam que Deus “segura” nações assim como a indivíduos, e quando Lhe
agradar, Ele interferirá e prevenirá a guerra. Mais adiante, compare com Gênesis 35:5
A pergunta necessária agora para nossa consideração é, como é possível para Deus “segurar” o
homem de pecar e ainda não interferir na sua liberdade e responsabilidade – a pergunta que muitos dizem
ser impossível responder na nossa presente condição finita. Esta questão nos leva a perguntar, do que a
liberdade moral, liberdade moral real, consiste? Nós respondemos, é o ser liberto do enlaço do pecado.
Quanto mais a alma é emancipada do engano do pecado, mais ele entra num estado de liberdade – “Se o
filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” (João 8:36). Nas passagens passadas, Deus, “segurou”
Abimeleque, Balaão e as nações ímpias de pecarem, e por isso nós afirmamos que Ele não interferiu na
liberdade deles. Quanto mais próximo uma alma se aproxima de uma não pecaminosidade, mais próximo ela
está da santidade de Deus. As Escrituras nos dizem que Deus não pode mentir, e que Ele não pode ser
tentado, mas será que Ele é menos livre por que Ele não pode fazer nada que é mau? Claro que não. Então,
é evidente que quanto mais o homem se levanta na direção de Deus, e quanto mais ele é “segurado” de
pecar, maior é a sua verdadeira liberdade!
Um exemplo pertinente que estabelece o ponto de encontro entre a Soberania de Deus e a
Responsabilidade do Homem, como se relaciona com a liberdade moral, é encontrado em conexão com a
entrega a nós das Sagradas Escrituras. Na comunicação de Sua Palavra, Deus Se agradou em usar
instrumentos humanos, e em seu uso, Ele não os reduziu a meras máquinas. “Sabendo disto primeiro, que
nenhuma profecia da Escritura é de interpretação pessoal (Grego: originada de si própria). Pois a profecia
não veio em qualquer tempo pela vontade do homem, mas homens santos de Deus, falaram como que
movidos pelo Espírito Santo.”(2Pedro 1:20,21). Aqui nós temos a Responsabilidade do Homem e a
Soberania de Deus colocadas em justaposição.
Estes homens foram movidos (Grego: “indo junto”) pelo Espírito Santo, ainda assim não foi a sua
responsabilidade moral incomodada nem sua liberdade impedida. Deus iluminou suas mentes, amoleceu
seus corações, revelou a eles Sua verdade, e então os controlou para que erros de suas partes fossem, por
Ele, feitos impossíveis, enquanto Ele comunicava Sua mente e vontade a eles. Mas, o que poderia, e teria,
causado erro, se Deus não tivesse controlado, como Ele fez, os instrumentos que Ele empregou? A resposta
é pecado; o pecado que estava neles. Mas, como nós temos visto, o “segurar” do pecado, a prevenção do
exercício da mente carnal nesses homens “santos” não foi uma destruição de suas liberdades, ao contrário,
foi a indução a eles para a verdadeira liberdade.
Uma palavra final sobre a verdadeira liberdade deve ser adicionada aqui. Existem três coisas principais
referentes que o homem geralmente erra: miséria e felicidade, estupidez e sabedoria, enlaço e liberdade. O
mundo não conta nenhum miserável a não ser o aflito, e nenhum feliz a não ser o próspero, pois eles julgam
pelo presente estado da carne. Novamente; o mundo é agradado com uma demonstração falsa de sabedoria
(o que é estupidez para Deus), negligenciando aquilo que faz a sabedoria para salvação. Assim, para a
liberdade, o homem estaria como quisesse e viveria como o agradasse. Ele supõe que a única verdadeira
liberdade é estar sob o comando e sob o controle de ninguém a não ser ele mesmo, e agir em acordo com o
desejo do coração dele. Mas isso é um engano e enlaço do pior tipo. Verdadeira liberdade não é para que
vivamos como nos agrada, mas viver como devemos! Por isso, o Único que pisou neste mundo desde a
queda de Adão que experimentou liberdade perfeita foi o Homem Jesus Cristo, o Santo Servo de Deus, cujo
propósito sempre foi fazer a vontade do Pai.

Nos voltamos agora para considerar a questão.

2. Como pode o pecador ser mantido responsável por fazer o que ele é incapaz de fazer? E como pode
ser condenado justamente por não fazer o que ele não pode fazer?

Como uma criatura, o homem natural é responsável por amar, obedecer e servir a Deus; como um
pecador ele é responsável por se arrepender e crer no Evangelho. Mas nas circunstâncias somos
confrontados com o fato que o homem natural é incapaz de amar e servir a Deus, e que o pecador, de si
mesmo, não pode se arrepender e crer. Primeiro, vamos provar o que acabamos de falar. Nós começamos
vendo e considerando João 6:44, “Nenhum homem pode vir a Mim, a não ser que o Pai que me enviou não o
atrair.” O coração do homem natural (todos os homens) é tão desesperadamente ímpio, que se for deixado
para si mesmo ele nunca virá a Cristo. Esta afirmação não seria questionada se toda a força das palavras
“vir a Cristo” fosse apropriadamente aprendida. Nós devemos, portanto nos afastar um pouco para definir e
considerar o que está implicado e envolvido nas palavras “nenhum homem pode vir a Mim.” – João 5:40,
“contudo vocês não querem vir a Mim para terem vida.”
Pois, para que o pecador venha a Cristo para que tenha vida, ele tem que entender a horrível e
perigosa situação; para ele é ver a espada da justiça divina colocada sobre a sua cabeça; é para ele acordar
para o fato que há só um passo entre ele e a morte, e que depois da morte é o julgamento; e como
conseqüência desta descoberta, é para ele estar em real desejo de escapar, e em tal escape ele deve fugir
da ira vindoura, clamar a Deus por misericórdia e agonizar para entrar no caminho estreito.
Para vir a Cristo para vida, é para o pecador sentir e reconhecer que ele é profundamente destituído de
qualquer direito pelo favor de Deus; é ver a si mesmo como sem força; é admitir que ele merece nada além
de morte eterna, além de ter Deus contra ele; é pra ele se colocar no pó diante de Deus e humildemente
pedir pela misericórdia Divina.
Para vir a Cristo para a vida é para o pecador abandonar sua própria retidão e estar pronto para ser
feito reto de Deus em Cristo; é despojar sua própria sabedoria e ser guiado pela Sua; é repudiar seu próprio
desejo e ser governado pelo Seu; é receber sem reservas o Senhor Jesus como Senhor e Salvador, como
seu tudo em tudo.
Isto é, em parte e brevemente, o que está implícito e envolvido em vir a Cristo. Mas o pecador está
disposto a tomar tal atitude diante de Deus? Não; pois em primeiro lugar ele não entendeu o perigo de sua
situação, e como conseqüência não está querendo um escape; ao contrário, o homem está em grande parte
desconhecido e aparte da operação do Espírito Santo, em qualquer momento em que é incomodado pelos
avisos da consciência ou das dispensações da providência eles fogem para qualquer outro refúgio fora de
Cristo. Em segundo lugar, ele não irá reconhecer que toda sua retidão é como trapo de imundície, como os
fariseus, irá agradecer por não ser como um publicano. E em terceiro lugar, ele não está pronto para receber
Cristo como Senhor e Salvador, pois estão indispostos a se afastarem de seus ídolos; eles preferem largar o
bem estar eterno de suas almas do que desistir disso. Portanto, nós dizemos que, deixado a si mesmo, o
homem natural é tão depravado no coração que ele não pode vir a Cristo.
As palavras do nosso Salvador mencionadas acima, de forma algum permanecem isoladas. Um bom
número de Escrituras apresenta a inabilidade moral e espiritual do homem natural. Em Josué 24:19 nós
lemos: “E Josué disse ao povo: Vós não podeis servir ao Senhor, pois Ele é um Deus santo.” Aos fariseus
Jesus disse, “Por que não entendeis meu ensino? Porque vós não podeis ouvir minha Palavra”(João 8:43). E
de novo: “A mente carnal é inimiga contra Deus, pois não está de acordo com a Lei de Deus, e nem poderia
ser. Por isso os que estão na carne não podem agradar a Deus” (Rom. 8:7,8).
Mas, agora a pergunta retorna, como pode Deus manter o pecador responsável por falhar em fazer o
que é incapaz de fazer? Isto necessita uma cuidadosa definição de termos. O que é entendido por incapaz e
não poder?
Agora que seja claramente entendido que quando nós falamos da inabilidade, nós não damos a
entender que se o homem desejasse vir a Cristo eles não teriam a força necessária para carregar este
desejo. Não, o fato é que a inabilidade do pecador ou ausência do poder é em si a falta de disponibilidade de
vir a Cristo, e esta falta de disponibilidade é o fruto de um coração depravado. É de suma importância que
nós distingamos entre inabilidade natural e moral e espiritual. Por exemplo, nós lemos, “Ora, Aias já não
conseguia enxergar, tinha ficado cego por causa da idade” (1Reis 14:4); e de novo, “os homens se
esforçaram ao máximo para remar de volta à terra, mas não conseguiram, pois o mar tinha ficado ainda mais
violento” (Jonas 1:13). Em ambas estas passagens as palavras “não conseguiram” se referem à inabilidade
natural. Mas quando nós lemos, “E quando seus irmão viram que seu pai amava ele (José) mais do que os
outros, eles o odiaram, e não conseguiram falar amigavelmente a ele” (Gen. 37:4), é claramente inabilidade
moral que é visto. Eles não tinham falta de inabilidade natural para falar amigavelmente a ele, pois eles não
eram retardados. Então, por que eles não conseguiram falar amigavelmente a ele? A resposta é dada no
mesmo verso: é porque eles o odiaram. Novamente, em 2Pedro 2:14 nós lemos sobre uma certa classe de
homens ímpios “com olhos cheios de adultério, e que não conseguiam parar de pecar.” Aqui de novo é
inabilidade moral que é vista. Por que é que esses homens não conseguiam parar de pecar? A resposta é,
porque os seus olhos estavam cheios de adultério. Então em Romanos 8:8, aqueles que estão na carne não
podem agradar a Deus. Aqui está a inabilidade espiritual. Por que o homem natural não pode agradar a
Deus? Porque ele é alienado da vida de Deus (Efésios 4:18). Nenhum homem pode escolher aquilo cujo seu
coração tem aversão – “Ó geração de víboras, como podem vocês, sendo maus, falar alguma coisa boa?”
(Mateus 12:34). “Nenhum homem pode vir a mim se o Pai que me enviou não o atrair” (João 6:44). Aqui de
novo é a inabilidade moral e espiritual que se apresenta adiante de nós. Por que o pecador não consegue vir
a Cristo a não ser que Ele o atraia? A resposta, é que seu coração ímpio ama o pecado e odeia Cristo.
Nós confiamos que deixamos claro que as Escrituras distinguem nitidamente entre inabilidade natural,
moral e espiritual. Com certeza todos podem ver a diferença entre o cego Bartimeu, que estava
ardentemente desejoso de receber sua visão, e os fariseus, cujos olhos estavam fechados “se assim não
fosse poderia ver com os olhos, ouvir com os ouvidos e entender com seu coração e assim se converteriam”
(Mateus 13:15). Mas, deveria ser dito, “O homem natural poderia vir a Cristo se ele quisesse,” nós
respondemos, ah, mas nesse SE está o “x” da questão. A inabilidade do pecador consiste do querer de
poder moral para desejar e para assim agir.
O que nós abordamos acima é de primeira importância. Sobre a distinção entre a habilidade natural do
pecador e sua inabilidade moral e espiritual, está a sua responsabilidade. A depravação do coração humano
não destrói a prestação de contas do homem a Deus; muito longe deste ser o caso, a total inabilidade moral
do pecador só serve para aumentar a sua culpa. Isso é facilmente provado pela referência das Escrituras
citadas acima. Nós lemos que os irmão de José não podiam falar amigavelmente a ele, e por que? Era
porque eles o odiaram. Mas foi essa inabilidade moral deles alguma desculpa? Claro que não, nesta
inabilidade moral consiste a grandeza de seu pecado. Então é dito sobre isto: “Eles não puderam parar de
pecar (2Pedro 2:14), e por que? Porque seus olhos estavam cheios de adultério e isto só deixa o caso deles
pior. É um fato real que eles não podiam cessar de pecar, ainda assim, isso não foi desculpa para eles – só
tornou o pecado deles maior.
Algum pecador aqui deveria ter uma objeção: “Eu não pude impedir que nascesse neste mundo com
um coração depravado e por isso eu não sou responsável pela minha inabilidade moral e espiritual que
surgiram disso,” a reposta a isso deve ser, responsabilidade e culpabilidade está na indulgência das
propensões depravadas, a livre indulgência, porque Deus não força ninguém a pecar. Homens podem ter
pena de mim, mas com certeza não me desculpariam se eu dar “corda” a um temperamento explosivo, mas
dar a desculpa que obtive esse temperamento como herança dos meus pais. Seus próprios sensos comuns
são o suficiente para guiar o julgamento deles em tal caso. Eles argumentariam que eu era responsável por
conter o meu próprio temperamento. E por que ir contra este mesmo princípio no caso acima? “Saindo de
suas próprias bocas lhes julgarei, seus servos ímpios” certamente se aplica aqui. O que o leitor falaria para
um homem que o roubou e que depois argumentou em defesa, “Eu não pude evitar ser um ladrão, é a minha
natureza”? Claramente a resposta seria, “Então a penitenciária é o lugar apropriado para tal homem.”
O que então deve ser dito para aquele que argumenta que não pode evitar seguir os desejos de seu
coração pecaminoso? Claramente, que o Lago de Fogo é onde esta pessoa deve ir. Alguma vez um
assassino fez uma petição dizendo que odiava tanto a vítima que ele não podia chegar perto dela sem matá-
la? Será que isso não iria somente agravar o seu crime? E então aquele que ama tanto o pecado que está
em inimizade com Deus.
O fato da responsabilidade do homem é quase que universalmente reconhecido. Está herdado na
natureza moral dele. Não é somente ensinado nas Escrituras, mas é testemunhado pela consciência natural.
A base ou chão da responsabilidade humana é a habilidade humana. O que está implicado neste termo geral
“habilidade” deve ser definido. Talvez um exemplo concreto será mais facilmente entendido pelo leitor
comum do que um argumento abstrato.
Digamos que um homem me deve cem reais e ele tem dinheiro suficiente para satisfazer seus desejos,
mas não para me pagar, mas ainda assim dizia que era incapaz de me pagar. O que eu deveria dizer? Eu
diria que a única habilidade que lhe faltava era um coração honesto. Mas, não seria uma construção errada
de minhas palavras se um amigo do meu devedor desonesto dizesse que eu declarei que um coração
honesto era o que constituía a habilidade para pagar a dívida? Não, eu diria, a habilidade do devedor está no
poder de suas mãos de me escrever um cheque, e isso ele tinha, mas o que estava faltando era um princípio
honesto. É o seu poder escrever-me um cheque, o que o torna responsável por fazer, e o fato de faltar um
coração honesto não destrói sua prestação de contas.
Agora, de forma similar, o pecador enquanto totalmente lhe faltando habilidade moral e espiritual,
possui, ainda assim, habilidade natural, e é isso que lhe rende responsabilidade diante Deus. O homem tem
as mesmas faculdades naturais para amar Deus quanto tem para odiá-lO, os mesmos corações para crer ou
descrer, e a sua falha em amar e crer que constitui a culpa. Um retardado ou um infante não é pessoalmente
responsável para Deus, pela falta da habilidade natural. Mas, o homem normal que possui racionalidade, que
é dotado de consciência, que é capaz de distinguir entre certo e errado, que é capaz de pesar assuntos
eternos é um ser responsável, e é porque ele possui essas exatas faculdades que ele ainda terá que “prestar
contas de si para Deus” (Rom. 14:12).
Nós dizemos de novo que a distinção feita acima entre habilidades e inabilidades naturais, morais e
espirituais do pecador são de importância primária. Por natureza ele possui habilidade natural, mas lhe falta
habilidade moral e espiritual. O fato dele não possuir essas duas habilidades não destrói a sua
responsabilidade, porque a sua responsabilidade está no fato dele possuir a habilidade natural. Deixe-me
ilustrar de novo. Aqui estão dois homens culpados por roubo, o primeiro é um retardado e o segundo é são,
mas é filho de pais criminosos. Nenhum juiz justo iria culpar o primeiro, mas qualquer juiz com mente reta
acusaria o segundo. Mesmo que o segundo desses ladrões possua uma natureza moral viciada herdada de
seus pais criminosos, isso não o desculpa pelo fato de ser um ser racional. Aqui está a base para a
responsabilidade humana – a possessão de racionalidade mais o dom da consciência. É porque o pecador é
possuidor dessas faculdades naturais que ele é uma criatura responsável; porque ele não usa seus poderes
naturais para a glória de Deus, constitui a sua culpa.
Como isso pode se manter consistente com a Sua misericórdia, que Deus deve requerir o débito de
obediência dele que não é capaz de pagar? Em adição com o que foi dito acima, deve ser apontado que
Deus não perdeu Seu direito, mesmo que o homem tenha perdido seu poder. A impotência da criatura não
cancela sua obrigação. Um servo bêbado continua a ser um servo, e é contrário a qualquer razoabilidade
argumentar que o senhor perde o seu direito pela falha de seu servo. Ainda mais, é de suma importância que
nós devemos ter em mente que Deus fez uma aliança conosco em Adão, que era nossa cabeça geral e
representante, e nele, Deus nos deu um poder que perdemos através da queda de nossos primeiros pais;
mas mesmo que o poder tenha acabado, ainda assim, Deus pode justamente exigir Sua “taxa” de obediência
e de serviço.

Agora nós veremos a ponderação,

3. Como é possível para Deus decretar que o homem deve cometer certos pecados, mantê-los
responsáveis pela ação dos pecados e julgá-los culpados por terem cometido?

Vamos considerar agora o extremo caso de Judas. Nós dizemos que é claro nas Escrituras que Deus
decretou por toda a eternidade que Judas deveria trair o Senhor Jesus. Se qualquer um desafiasse essa
afirmação, nós o levamos para a profecia de Zacarias pela qual Deus declarou que Seu Filho deveria ser
vendido por “trinta peças de prata” (Zac. 11:12). Como nós dissemos em páginas anteriores, em profecias,
Deus faz conhecido aquilo que será, e ao fazer conhecido o que será, Ele está nós revelando a nós que o
que Ele tem ordenado deve acontecer. Que Judas era aquele pelo qual a profecia de Zacarias foi cumprida
não precisa de argumentação. Mas agora, a pergunta que nós temos que enfrentar é, era Judas um agente
responsável em cumprir o decreto de Deus? Nós respondemos que ele era. A responsabilidade se vincula
primariamente ao motivo ou intenção daquele que cometeu o ato. Isto é reconhecido por todos. A lei humana
distingue uma explosão por acidente (sem planejamento maléfico) e uma explosão com “malícia
premeditada.” Aplique então este mesmo princípio ao caso de Judas. Qual era a motivação do seu coração
quando ele negociou com os sacerdotes? Manifestamente ele não tinha nenhum desejo de cumprir nenhum
decreto de Deus, mesmo que sem saber ele o estivesse fazendo. Do contrário, sua intenção era somente
má, apesar de Deus ter decretado e dirigido seu ato, ainda assim sua própria intenção má o rendeu justa
culpa, como ele mesmo reconheceu depois – “Eu traí sangue inocente.” Foi o mesmo com a crucificação de
Cristo. A Escritura plenamente declara que Ele foi “entregue pelo conselho determinado e antevisto por
Deus” (Atos 2:23) e mesmo que “os reis do mundo se levantaram e os legisladores se reuniram contra o
Senhor, e contra o Seu Cristo” ainda, sem hesitação, nada foi senão “para fazer aquilo que Sua mão e Seu
conselho determinou antes de antemão” (Atos 4:26,28); tais versos ensinam muito mais do que uma mera
permissão de Deus. Ainda assim, foi por “mãos ímpias”, não meramente mãos humanas, pelas quais nosso
Senhor foi “crucificado e morto” (Atos 2:23). Ímpias, porque a intenção daqueles que O crucificaram era má.
Mas pode ser questionado que se Deus decretou que Judas deveria trair a Cristo e que os judeus e
gentios deveriam crucificá-lO, eles não poderiam fazer de outra forma, e por isso, eles não eram
responsáveis pelas suas intenções. A resposta é, Deus decretou que eles deveriam agir como agiram, mas
na perpetuação dessas tarefas, eles forma justamente culpados pelos seus próprio propósitos em fazer o
que era somente mau. Deixe ser enfaticamente dito que Deus não produz as disposições pecaminosas de
nenhuma de Suas criaturas, mesmo que Ele os restrinja e direcione para o cumprimento de Seus propósitos.
Ainda, Ele não é o Autor nem o Aprovador do pecado. Essa distinção foi expressa por Augustinho: “Que os
homens pequem, procede deles mesmos; que ao pecar eles agem nessa ou naquela direção, é pelo poder
de Deus que dividiu a escuridão de acordo com Seu prazer.” Por isso está escrito: “O coração do homem
planeja o seu caminho, mas o Senhor direciona os seus passos” (Prov. 16:9). O que nós deveríamos insistir
aqui é que os decretos de Deus não são necessariamente a causa dos pecados dos homens, mas as pré-
determinadas e prescritas direções e limitações dos atos pecaminosos dos homens. Em conexão com a
traição de Cristo, Deus não decretou que Ele deveria ser vendido por uma de Suas criaturas e aí pegando
um bom homem, colocando nele um desejo mau em seu coração e então forçá-lo a cumprir a terrível tarefa
para executar seu decreto. Não, nem é isso que diz as Escrituras. Ao invés disso, Deus decretou o ato e
selecionou aquele que iria cumprir a tarefa, mas Ele não o fez mau para que ele a cumprisse; do contrário, o
traidor era um diabo no momento em que Jesus o escolheu como um dos doze (João 6:70), e no exercício e
manifestação de sua própria maldade, Deus simplesmente direcionou suas ações, ações que seriam
perfeitamente concordantes com o seu coração vil, e agiu com as intenções mais ímpias. Por isso foi assim a
Crucificação.

4. Como pode o pecador ser mantido responsável por receber a Cristo, e ser condenado por rejeitá-lO,
quando Deus o preordenou para a condenação?

Realmente esta questão tem sido coberta com o que foi dito sobre as outras questões, mas para o bem
daqueles que são exercitados sobre este ponto, nós fazemos uma separada, apesar de breve, examinação.
Ao considerar a dificuldade acima, os seguintes pontos devem ser considerados:
Em primeiro lugar, nenhum pecador, enquanto está no mundo, sabe certamente, ou não pode saber, se
ele é vaso da ira feito para destruição. Isto pertence aos conselhos escondidos de Deus, ao qual ele não tem
acesso. A vontade secreta de Deus não de seu interesse; a vontade revelada de Deus (na Palavra) é o
padrão da responsabilidade humana. A vontade revelada de Deus é conhecida. Cada pecador está incluído
naqueles a quem Deus agora comanda ao arrependimento (Atos 17:30). Cada pecador que ouve o
evangelho é comandado a crer (1João 3:23). E todo que realmente se arrepende e crê é salvo. Portanto,
todo pecador é responsável a se arrepender e crer.
Em segundo lugar, é a tarefa de cada pecador observar as Escrituras que são capazes de fazê-lo sábio
para a salvação (2Tim. 3:15). É a tarefa do pecador porque o Filho de Deus o comandou a observar as
Escrituras (João 5:39). Se ele as observa com um coração que está procurando a Deus, então ele se coloca
no caminho onde Deus está acostumado a se encontrar com os pecadores. Sobre este assunto, o puritano
Manton escreveu muito bem.
“Eu não posso falar para todos que aram, que eles terão boa colheita; mas isto eu posso falar pra eles,
é comum que Deus abençoe o diligente e o prevenido. Eu não posso dizer para todos os que desejam
posteridade, case e você terá muitos filhos; eu não posso dizer infalivelmente para aquele que vai a guerra
pelo bem de seu país, que ele terá a vitória e o sucesso; mas eu posso dizer como Joabe ( 1Cro. 19:13) Seja
forte e lutemos com bravura pelo nosso povo e pelas cidades do nosso Deus. E que o Senhor faça o que for
da Tua vontade. Eu não posso falar infalivelmente que você terá graça; mas eu posso dizer para todos,
Deixe ele usar os meios e deixar o sucesso do seu trabalho e sua própria salvação à vontade e prazer de
Deus. Eu não posso falar infalivelmente, pois não há qualquer obrigação para Deus. E ainda este trabalho é
feito o fruto da vontade de Deus e mera dispensação arbitrária – Por Sua decisão Ele nos gerou pela Palavra
da Verdade (Tiago 1:18). Façamos aquilo que Deus comandou e deixe Deus fazer aquilo que Ele quer. E eu
não preciso dizer, pois o mundo inteiro em todos os seus feitos é e deveria ser guiado por este princípio.
Façamos o nosso dever e dar o sucesso a Deus, cuja prática comum é se encontrar com a criatura que O
procurou.; sim, Ele está conosco já, este importuno sério no uso dos meios provindo da séria impressão de
Sua graça. E por isso, já que Ele está conosco de antemão, e não tem mostrado nenhuma relutância para o
nosso bem, nós não temos nenhuma razão de desconfiar de Sua bondade e misericórdia, mas ao contrário,
para termos esperança do melhor.”
Deus tem Se agradado em dar ao homem as Santas Escrituras que testificam do Salvador e fazem
conhecido o caminho da salvação. Todo pecador tem as mesmas faculdades naturais para ler a Bíblia como
o tem para ler o jornal; e se ele for analfabeto ou cego o que o torna incapaz de ler, ele tem a mesma boca
com a qual perguntar a um amigo para ler a Bíblia para ele, como ele tem para perguntar sobre outras
coisas. Se, então, Deus deu ao homem a Sua Palavra, e se esta Palavra fez conhecido o caminho da
salvação, e se o homem é comandado a observar as Escrituras, a qual o torna sábio para a salvação, e ele
se recusa a fazer assim, então está claro que eles são censuráveis justamente, que o seu sangue é
derramado sobre sua própria cabeça, e que Deus pode lançá-lo ao Lago de Fogo justamente.
Em terceiro lugar, deve ser questionado. Admitindo tudo o que você disse acima, ainda não é um fato
que cada um dos não eleitos é incapaz de se arrepender e crer? A resposta é: Sim, para cada pecador é um
fato que, dele mesmo, ele não pode vir a Cristo. E do lado de Deus o “não poder” é absoluto. Mas, nós
estamos lidando com a responsabilidade do pecador (o pecador pré-ordenado para condenação, mesmo que
ele não o saiba), e do lado humano, a inabilidade do pecador é moral, como previamente apontado. Ainda
mais, deve ser posto na mente que em adição a inabilidade moral do pecador, existe uma inabilidade
voluntária também. O pecador deve ser tido não somente como impotente de fazer o bem, mas como se
deliciando no mal. Do lado humano, então, “não poder” é um “não querer”, é uma impotência voluntária. A
impotência humana se baseia na sua obstinação. Por isso, ninguém é deixado sem culpa, e por isso, Deus
está “limpo” quando julga (Salm. 51:4), e justo em condenar todo que ama a escuridão e não a luz.
Que Deus requer o que está além do nosso próprio poder de fazer é claro em muitas Escrituras. Deus
deu a lei para Israel no Sinai e ordenou a observância completa dela, e solenemente apontou as
conseqüências de sua desobediência (Deut. 28). Mas, qualquer leitor será tão estúpido para afirmar que
Israel era capaz de obedecer plenamente a Lei? Se sim, nós o levaríamos a ler Romanos 8:3 onde lemos
claramente, “pois aquilo que a Lei foi incapaz de fazer por estar enfraquecida pela carne, Deus o fez
enviando o Seu próprio filho à semelhança de homem pecador, como oferta pelo pecado. E assim condenou
o pecado na carne.”
Venha agora até o Novo Testamento. Pegue passagens como Mateus 5:48, “Seja perfeito, pois o teu
Pai que está no céu é Perfeito.” 1 Coríntios 15:34, “Vigiai pela justiça e não pequeis.” 1João 2:1, “Filhinhos,
estas coisas vos escrevo para que não pequeis.” Será que algum leitor falará de si mesmo que é capaz de
cumprir essas ordens de Deus? Se sim, é inútil argumentar com ele.
Mas agora a pergunta surge, por que Deus demandou do homem aquilo que ele é incapaz de fazer? A
primeira resposta é porque Deus se recusa a baixar seu padrão ao nível das enfermidades pecaminosas.
Sendo perfeito, Deus deve apresentar um padrão perfeito diante de nós. Ainda devemos perguntar, se o
homem é incapaz de se elevar ao padrão de Deus, onde está a sua responsabilidade? Difícil como parece
ser o problema é, entretanto, capaz de uma solução simples e satisfatória.
O homem é responsável a (primeiro) reconhecer diante de Deus sua incapacidade, e (segundo) clamar
a Ele por graça capacitadora. Certamente isto vai ser admitido por todo leitor cristão. É minha tarefa
obrigatória ter diante de Deus minha ignorância, fraqueza, pecaminosidade, impotência para se conformar
com Seus requerimentos santos e justos. Também é minha tarefa obrigatória, tanto quanto meu abençoado
privilégio, seriamente pedir a Deus que me dê a sabedoria, força, graça que me capacitarão a fazer o que é
agradável em Sua vista; pedir a Ele para trabalhar em mim “tanto o querer como o efetuar, segundo a sua
boa vontade” (Filipenses 2:13).
De igual forma, o pecador, todo o pecador, é responsável para chamar pelo Senhor. De si mesmo ele
não pode nem se arrepender nem crer. Ele nem pode vir a Cristo nem se voltar contra seus pecados. Deus
diz que o faça; e sua primeira tarefa é “crer que Deus é verdadeiro.” Sua segunda tarefa é clamar a Deus
pelo Seu poder capacitador; pedir a Deus em misericórdia para cobrir a sua inimizade e o mover a Cristo;
para derramar sobre ele os dons do arrependimento e fé. Se ele o fizer, sinceramente de coração, então
muito provavelmente Deus irá responder ao seu apelo, pois está escrito, “Porque todo aquele que invocar o
nome do Senhor será salvo” (Rom.10:13).
Suponha que eu tenha escorregado no asfalto com gelo tarde da noite, e tivesse quebrado meu quadril.
Eu estou incapaz de levantar; se eu permanecer no chão congelarei até morrer. O que eu devo fazer então?
Se eu estou determinado a perecer, eu vou ficar em silêncio; mas eu vou ser culpado pelo que acontecer. Se
eu estou ansioso para ser resgatado, eu devo levantar a minha voz e clamar por socorro. Então o pecador,
ainda que incapaz de por si mesmo levantar e tomar o primeiro passo para Cristo, é responsável por clamar
a Deus, e se ele o fizer (de coração) existe um Libertador para dar a mão. Deus “não está longe de todos
nós” (Atos 17:27); sim, Ele é “socorro bem presente na tribulação” (Salmos 46:1). Mas, se o pecador se
recusa a clamar ao Senhor, se ele está determinado a perecer, então seu sangue estará sobre sua cabeça, e
sua “condenação é justa” (Rom.3:8).
Agora uma breve palavra sobre a extensão da responsabilidade humana.
É óbvio que a medida da responsabilidade humana varia em diferentes casos, e é maior ou menor com
indivíduos particulares. O padrão da medida foi dado nas palavras do Salvador, “Pois a quem muito foi dado,
muito será cobrado” (Lucas 12:48). Certamente, Deus não exigiu tanto daqueles que viveram nos tempos do
Velho Testamento como quanto Ele exige daqueles que nasceram durante a dispensação cristã. Certamente
Deus não exigirá tanto daqueles que viveram nas “na era das trevas”, quando as Escrituras eram acessíveis
somente a alguns, quanto ele irá exigir desta geração onde praticamente todas as famílias na terra possuem
uma cópia de Sua Palavra. Da mesma maneira, Deus não demanda dos ímpios o que Ele demanda da
cristandade. O ímpio não irá perecer porque não creu em Cristo, mas porque eles falharam em viver pela luz
que eles tinham – o testemunho de Deus na natureza e na consci6encia.
Para sumariar. O fato da responsabilidade humana está em sua habilidade natural, é testemunhado
pela consciência, e é insistido pelas Escrituras. A base da responsabilidade humana é que ele é uma criatura
racional capaz de pesar assuntos eternos e que ele possui uma revelação escrita de Deus na qual seu
relacionamento com Ele e sua obrigação para com seu Criador é claramente definida. A medida da
responsabilidade varia em diferentes indivíduos, sendo determinada pela graduação de luz que cada um
obteve de Deus. O problema da responsabilidade humana recebe pelo menos uma parte da solução nas
Santas Escrituras, e é nossa obrigação solene, assim como privilégio, procurá-la em oração e
cuidadosamente, por mais luz, olhando para o Espírito Santo para nos guiar “em toda a verdade.” Está
escrito, “Ao manso ele guiará no julgamento, e ao manso ele ensinará o seu caminho” (Salmos 25:9).
Em conclusão, fica para apontar que é responsabilidade de todo homem usar os meios que Deus deu
em suas mãos. Uma atitude de fatalismo inerte, porque eu sei que Deus irrevogavelmente decretou seja o
que for que virá acontecer, é fazer uso pecaminoso e doloroso do que Deus revelou para conforto do meu
coração. O mesmo Deus que decretou que um certo final deverá ser cumprido também decretou que este fim
deverá ser atentado através, e como resultado, dos meios apontados por Ele. Deus não desdenha o uso dos
meios, nem eu devo. Por exemplo, Deus decretou que enquanto a terra permaneça, o tempo de semear e de
colher (estações) não cessarão (Gen. 8:22); mas, isto não significa que é inútil ao homem arar o solo e
plantar a semente. Não, Deus move o homem a fazer essas coisas, abençoa o seu trabalho, e assim cumpre
Sua própria ordem. De igual forma, Deus, desde o começo, escolheu um povo para a salvação; mas isto não
significa que não há necessidade de evangelistas para pregar o Evangelho, ou de pecadores para crerem; é
por meio disso que Seu eterno Conselho é efetuado.
Argumentar que porque Deus inevocadamente determinou o destino eterno de cada homem, nos alivia
de toda responsabilidade em relação a nossa alma, ou qualquer uso diligente dos meios para salvação, seria
como se recusar a fazer suas tarefas temporais porque Deus já determinou meu tempo terreno. Ele tem dito
isto claro em Atos 17:26; Jó 7:1: 14:15 etc. Se então a pré-ordenança de Deus deve consistir com as
respectivas atividades dos homens sobre as questões presentes, por que não sobre o futuro? O que Deus
uniu nós não podemos separar. Se podemos ou não ver a ligação que une um a outro, nossa tarefa é clara:
“As coisas secretas pertencem ao Senhor, nosso Deus: mas aquelas coisas que estão reveladas pertencem
a nós, aos nossos filhos para sempre, para que possamos cumprir todas as palavras desta lei” (Deut. 29:29)
Em Atos 27:22 Deus fez conhecido que Ele tinha ordenado a preservação temporal de todos os que
acompanhavam Paulo no navio; ainda assim o apóstolo não hesitou e disse, “Se estes homens não ficarem
no navio, vocês não poderão se salvar” (Atos 27:31). Deus apontou os meios para a execução daquilo que
Ele tinha decretado. De 2Reis 20 nós aprendemos que Deus estava absolutamente decidido de acrescentar
quinze anos a vida de Ezequias, ainda assim ele tinha que pegar um emplastro de figos e colocar sobre a
sua úlcera! Paulo sabia que ele estava eternamente seguro nas mãos de Cristo (João 10:28), ainda assim
ele “esmurrava o seu corpo” (1Cor. 9:27). Somente nos agarrando neste princípio vital, que somos
responsáveis por usar os meios que Deus apontou, que então seremos capacitados para preservar a
balança da Verdade e sermos salvos de um fatalismo paralisante.

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