Vasconcellos
Planejamento
• PROJETO DE ENSINO-APRENDIZAGEM
E PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Bibliografia.
Planejamento escolar
ISBN 85-85819-07-3
PLANEJAMENTO
PROJETO DE ENSINO-APRENDIZAGEM
E PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO
Vendas:
Atâvtfacl — Centro de Pesquisa, Formação e Assessoria Pedagógica
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© do autor, 1995
18a edição, 2008
Sumário
Prefácio à 5a Edição.................................................................................................... 9
Ia Parte
PLANEJAMENTO EM QUESTÃO
2a Parte
O PLANEJAMENTO COMO MÉTHODOS DA PRÁXIS
PEDAGÓGICA
3 a Parte
PROJETO DE ENSINO-APRENDIZAGEM
Introdução Geral 95
Níveis de Planejamento 95
I. Estrutura do Projeto de Ensino-Aprendizagem 97
Introdução 97
1- Sobre o Conceito de Projeto de Ensino-Aprendizagem 97
2- Projeto x Concepção de Educação, Currículo e Conhecimento 98
2.1. Educação Escolar ......... 98
2.2. Currículo e Conhecimento 99
3- Visão Geral 102
1- Análise da Realidade 104
1.1. Fundamentos 104
1.2. Repercussão para 0 Projeto de Ensino-Aprendizagem 106
2- Projeção de Finalidades 109
2.1. Fundamentos................................................................................................... 109
2.2. Repercussão para o Projeto de Ensino-Aprendizagem................................. 110
3-Elaboração das Formas deMediação............................................................. 112
3.1. Fundamentos................................................................................................... 112
— 3.2. Repercussão para o Projeto de Ensino-Aprendizagem.................................. 113
II. Desafios Pedagógicos doProjetode Ensino-Aprendizagem ..................116
1- Superação do Dogma “Cumprir o Programa”..........................................116
1.1. Questão do Tempo........................................................................................... 117
1.2. Questão do Conhecimento Mediato.................................................................121
1.3. Questão do Programa...................................................................................... 122
2- Projeto de Ensino do Professor <-> Projeto
de Aprendizagem do Aluno...............................................................................124
2.1. Provocar a Necessidade................................................................................... 128
2.2. Favorecer a construção da Finalidade...........................................................129
2.3. Propiciar a elaboração do Plano de Ação...................................................... 130
III. Roteiro de Elaboração do Projeto de Ensino-Aprendizagem 132
Dialética da Travessia............................................................................................ 133
Estrutura Básica...................................................................................................... 134
Posicionamento Epistemológico......................................................................... 135
1- Projeto de Curso................................................................................................. 1 36
1.1. Possíveis Elementos do Projeto de Curso....................................................... 137
1.2. Detalhamento Periódico................................................................................. 145
2- Plano de Aula...................................................................................................... 148
3- Trabalho de Projeto........................................................................................... 1 51
IV. Questões do Processo de Planejamento Didático.................................... 157
1- Observações sobre o Processo de Mudança do Planejamento..............157
1 .l.Dialética do Lógico-Histórico......................................................................... 157
1.2. A “Flexibilidade” em Questão....................................................................... 159
1.3. Papel da Equipe de Coordenação/Direção..................................................... 159
2- Espaço de Trabalho Coletivo...........................................................................161
3- Desmistificando o Planejamento..................................................................... 164
4a Parte
PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO
I
Re-significando a Prática
do Planejamento
1
Planejamento / Celso dos S. Vasconcelios
36
1-NECESSIDADE DO PLANEJAMENTO
26. No presente trabalho, sempre que nos referirmos à transfonnação estaremos as
sumindo o sentido de uma mudança em direção a um horizonte de emancipação humana,
pessoal e coletiva, institucional e social.
40 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos
Querer Necessidade
0
Desejo (motivo mais inconsciente)......................................
0 0 D
Saber • Saber
• Saber Fazer
• Saber Ser..............................
Poder
0 0
Ter • Recursos Materiais
• Recursos Políticos
Há uma assertiva popular de que “querer é poder”. Esta é uma visão volun-
tarista, na medida em que nega as exigências implicadas na realização deste
querer. Entendemos que querer é condição necessária para começar a criar um
novo poder, a fim de enfrentar os poderes estabelecidos, mas não é suficiente.
() professor precisa interromper o cruel processo de imbecilização, de des
truição a que vem sendo submetido. Precisa resgatar-se como autor, como su
jeito, como ser autônomo, para, enfim, resgatar sua dignidade. E o planejamento
pode ser um valiosíssimo caminho para isto, pois ajuda a superar o processo de
alienação, qual seja, fazer com que o professor, enquanto ser consciente, não
transforme “sua atividade vital, o seu ser, em simples meio da sua existência”
(Marx, 1989: 165). A superação da alienação não pode ficar restrita, obviamente,
ao planejamento consciente da atividade de sala de aula; vai implicar a interven
ção do professor na escola, na comunidade e na sociedade no seu aspecto mais
geral (vários níveis de luta).
Desta forma, se “o objetivo principal do projeto educativo cmancipatório
consiste em recuperar a capacidade de espanto e de indignação e orientá-la para
a formação de subjetividades inconformistas e rebeldes” (Santos, 1996a: 17), isto
deve se dar, antes de tudo — e até como condição de possibilidade —, no
próprio educador!
— Da Necessidade de Planejar
Por que o planejamento é necessário? Se o ponto de partida, se a motivação
primeira do planejar é o desejo de mudança da realidade, é preciso perceber que
42
Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos
a) Qualificação da Ação
O que importa é a ação! A ação é o elemento fundamental definidor dos
sujeitos e das instituições. O objetivo de todo processo de planejamento é chegar
ã ação. Como dizem muitos professores ‘O importante é a prática’; estamos de
acordo. Mas se fosse só isto, tudo estaria resolvido, pois o que não falta nas
instituições educacionais é prática... Alguém pode afirmar: “O que importa é que
estamos fazendo, mesmo não tendo o projeto...” Cuidado: fazendo todo mundo
está, toda escola, mas o que está se obtendo? Para onde estão indo? Um outro
pode dizer: “Se as coisas vão indo bem sem o planejamento mais consciente, isto
significa que podemos esquecê-lo”. Só gostaríamos de lembrar de um detalhe:
o julgamento de que ‘as coisas vão indo bem’ não pode ser feito apenas pelo
professor; há que se consultar todos os envolvidos, especialmente os alunos...
A questão é o tipo, a qualidade da prática. A análise de processos de mudan
ça traz uma clara constatação: não basta qualquer ação. Não pode ser qualquer
ação, pois não temos qualquer finalidade, e não partimos de qualquer realidade
(pessoas, recursos, instituição, comunidade, sociedade).
Tem sido comum ouvirmos dos professores afirmações do tipo: ‘Ah teoria
1 em sitio c nr4tica’ refletindo uma descrença e uma certa fobia
nós já temos; querei . < f > & deveria ser um dos espaços por
à teoria, paradoxa mc , ( ^.ionamos; temos, com efeito, teoria ou um
excelência para cu tiv. - . • je retalhos de fragmentos de discurso? Pois,
blablablá desenfreai o, t ■ ainente é ligada à prática’11. Como dizia Paulo
;-,eOn’(Í921 q“e b“ ‘ ”rif” é ilU'"inar
Xm ãX-k« w»"*' ° doport”“' go por '**”■
cia relacionado a pratica. embora abunde discurso... O profes-
A h,|«« '• j.teóri„- que nào dú eonu do
sor fica com uma ‘ ‘ nos muita plasticidade no discurso: um dia, éra-
Temos, isto sim, como . | ’ s outro dia tecnicistas, etc. Assimilamos a
,n()S tradicionais, ^ade, às vezes até de forma ingênua, des-
no^ retórica com u ma eno s,lfica mudança profunda de con-
’Unlbrad; °:dXéT^Xrática), Xs apenas mudança de discurso; é
cepçao (prov sao os modismos30 . Fazemos isto não ‘por maldade’,
31 32
a apropriaçao [< • > dc busca, frente às dificuldades da sala de aula,
Zinda umaforma de' sobreviver sem muito conflito com as diferentes admi-
ou ainaa „lipr(.ndo deixar sua marca’2. Corremos o risco, no entan-
'certas aberrações metodológicas. As palavras foram prostituí
das O discurso novo sai muito fácil; talvez ate como forma de se tentar enco-
b /o que é intuído de início: a prática nanica que se tem/tera (quem sabe
esperando um certo milagre de que, pelo fato de se estar dizendo, automatica-
mente comece a acontecei...;.f Daí vem o drama: tudo resolvido no discurso e
os problemas continuando no concreto... .
Por outro lado, a rigor, não há pratica (no sentido etico ou técnico) pura
mente material que não esteja vinculada a alguma elaboração teórica, a algum
nível renresentacional (cf. Gardner, 1995: 403); existe sempre a presença de um
mínimo de consciência, do elemento teórico: “a existência dos homens se dá
seumre no duplo registro da objetividade/subjetividade, de modo que estão sem
pre lidando com uma objetividade subjetivada e com uma subjetividade objetivada”
(Severino, 1998: 86).
30. Desde sua origem grega: teoria como visão de um espetáculo (os jogos ou fes
tivais públicos); no nosso caso, o espetáculo seria a própria realidade que está sendo
pesquisada. E certo que depois houve uma distorção metafísica, mas que a episteniologia
dialética procura superar.
31. E claro que por detrás deste problema há uma questão epistemológica: a com
plexidade do nosso objeto de trabalho, a história de constituição das ciências da educação
quase sempre apoiadas em outras ciências, etc. Ver, por exemplo, Gimeno Sacristán,
1983.
32. “O que ‘eles’ querem ouvir? E isto que vou dizer...” Algo semelhante ao que
ocorre em sala de aula com o aluno: aprende a dizer o que o professor quer ouvir para
poder sobreviver.
2J Parle/ I — Re-significando a Práticado Planejamento 45
se volatiliza e o sujeito volta a ser determinado por sua existência (não transfor
mada, anterior).
Neste sentido, deve ficar claro que o projeto em si não transforma a reali
dade; não adianta ter planos bonitos, se não tivermos bonitos compromissos
bonitas condições de trabalho sendo conquistadas, e bonitas práticas realizadas’
O que vai, de fato, orientar a prática é a teoria incorporada pelos sujeitos. Por
isto, não adianta um belo texto, mas que não corresponde ao movimento
conceituai do grupo.
33. Podemos aproximar estas funções aos usos da linguagem explicitados por I Iaber-
mas: cognitivo e comunicativo (1989: 40-42).
2d Parle/ 1 — Re-significando a Praticado Planejamento 47
— Pensamento-Linguagem
A relação entre o pensamento e a palavra é um processo, um movimento
contínuo cie vaivém do pensamento para a palavra, e vice-versa. A palavra não
é simplesmente a expressão do pensamento; é por meio das palavras que o
pensamento passa a existir. () pensamento procura solucionar um problema e
por isto estabelece uma relação entre as coisas. O estudo do fluxo do pensamen
to pede investigação sobre suas fases de elaboração, antes de ser externalizado.
inicialmente, deve-se distinguir dois planos da fala: o interior — semântico
e significativo — e o exterior — fonético — ; eles formam uma unidade, mas
têm suas leis próprias de movimento. A fala interior é para si próprio; a fala
exterior é para comunicação com os outros. Esta diferença funcional afeta a
estrutura de ambas.
O processo de pensamento não é idêntico ao da fala. Assim, por exemplo,
um pensamento é concebido como um todo; depois o sujeito expressa-o em
palavras separadas pela própria contingência da linguagem, sendo que a transi
ção do pensamento para a palavra passa pelo significado. Mas se quisermos ir
mais fundo ainda na análise, temos que procurarps motivos de um pensamento:
“uma compreensão plena e verdadeira do pensamento de outrem só é possível
quando entendemos sua base afetivo-volitiva” (Vygotsky, 1987: 129).
— Determinação da Síntese
Enquanto a síntese (no caso, o projeto) está ‘na cabeça’, pode ainda incorrer
em certo grau de generalidade, de abstração, ao passo que ao se realizar a
exposição material, o sujeito se obriga a uma formatação, a uma objetivação, a
uma sintetização conclusiva, específica. Pode acontecer da expressão material
(fala, escrita, etc.) ser simples reprodução da síntese mental (o que significa que
ela foi feita com bom grau de concretude); muitas vezes, no entanto, o que
ocorre é que no momento da exposição, o sujeito apercebe-se que as relações,
as articulações não estão tão claras assim. Desprezar a exposição material seria
supervalorizar a elaboração mental do indivíduo, além de negar a possibilidade
de reconstrução e de interação social (cf. Vasconcellos, 1999: 94-95).
Nos sistemas burocráticos de ensino, baseados na ‘pressa’, no formalismo ou
nas cobranças autoritárias, há o risco do professor não elaborar sua síntese, e sua
exposição (plano) ser mera reprodução mecânica de outros planos ou mesmo do
livro didático.
Estamos de acordo no que diz respeito ao fato de que o professor deve ter,
e tem, saberes sobre o objeto que ensina; mas como é que vai organizar isto na
ordem da exposição? Não basta dominar o assunto. Planejar ajuda a ‘fluir’ de
maneira lógica (o que vem antes, o que vem depois) e significativa (o que é
relevante, o que está de acordo com realidade e necessidade do grupo). São
conhecidos os casos de professores que, segundo o reconhecimento dos próprios
alunos, dominam muito bem o que ensinam, mas ‘não conseguem transmitir’.
De fato, não há uma relação linear entre uma coisa e outra: se o professor não
planejar, e muito bem, todo o seu domínio de conteúdo pode ficar truncado, não
Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos
48
34. Se o processo da atividade a ser desenvolvida for coletivo, demanda maior arti
culação, organização, registro.
35. Estamos assumindo essência não no sentido metafísico (algo já pronto e estático,
que restaria ‘descobrir’), mas dialético (conjunto de relações que caracterizam, determi
nam historicamente o objeto, portanto, uma construção).
2J Parte/ I — Re-significando a Praticado Planejamento 49
— Complexidade do Planejamento
Como apontamos na Ia parte, uma das queixas dos professores recai sobre
a complexidade do planejamento. A rigor, poderíamos dizer que o planejar em
si não seria tão complicado assim: bastaria responder 5 ou 6 perguntas (porquê,
para quê, o quê, como, com que, etc.). Acontece que complexa é a realidade
sobre a qual incide o planejar: “o difícil não é’ saber como planejar. É conhecer
o que se planeja” (Eerreira, 1985: 58).
Neste sentido, uma pergunta não deixa de vir à mente, quando ouvimos os
professores afirmarem que desejam um planejamento ‘simples’: acaso a NASA
(agência espacial norte-americana) pode fazer um planejamento ‘simples’ para o
lançamento de um foguete? Nos perguntamos, então, o que seria mais comple-
36. O dentista é capaz de mostrar na tela do computador como vai ficar a restauração
a ser feita e ainda oferecer diferentes opções...
.. // Cels
Planejamento rvkn dos oS.____________
o aos Vasconcellos
50
xo: o lançamento de um foguete ou a formação de um ser humano?... Nao
temos dúvidas em afirmar que a mais complexa das empresas e muito simp es,
do ponto de vista do projeto que persegue, do que a mais simples das escolas (Machado,
1997:38).
Por outro lado, podemos entender o que está por detrás, , da . solicitação
. .... dos
professores: que o planejamento não seja artificialmente complexo (muito minu
cioso detalhista), vale dizer, ser tal que tenha significado para os professores e
não apenas para a equipe técnica da escola. Como dizia Albert Einstein (1879-
1955): “Devemos simplificar o máximo possível; porém, não mais que o possí
vel!”, pois cairíamos no simplismo. Bachelard também alerta para a impossibi
lidade de uma eventual ilusão de ‘caminho rápido’ para se chegar a uma forma
simples de planejar: “não se poderá delinear o simples senão após um estudo
aprofundado do complexo” (1978: 166).
Outro elemento que complexifica demais é a dimensão coletiva do trabalho
educativo; se fosse uma atividade de cunho individual, poderia ate ser mais fácil
planejar, já que bastaria a percepção de necessidade, objetivo e plano de ação pOr
parte do professor. Mas mesmo assim, não podemos nos i u< ir, tendo em vista
a ecologia cognitiva'. “Quem pensa? (...) O pensamento se dá em uma rede na qual
neurônios, módulos cognitivos, humanos, instituições de ensino, ínguas, siste
mas de escrita, livros e computadores se interconectam, transformam e traduzem
representações” (Lévy, 1993: 135). Quando entramos na esfera do trabalho de
grupo, estas três dimensões da elaboração já devem passar pelo crivo de todos,
o que vai exigir a explicitação de cada um, o registro, a negociação, etc.
2-POSSIBILIDADE DO PLANEJAMENTO
_ Dialética Possível-Impossível37
Há, porem, uma, U™
«£» suneradora de enfrentar J(>a realidade, na qual .leva-se
re>1, co„lpra!ndc sc que
em conta a eomplexid . . ■ 1;ule tpura’, mas positivtdades e negatividades
não há negativida e o p ■ j ( mesma; num dado momento histórico,
daauilo que realmente faz. Possibilidade quer dizer diberdade A medula da ,her
dade entra na definição de homem.. Que existam as possibilidades objetivas de nao
se morrer de fome e que, mesmo assim, se morra de fome, é algo importante, ao que
-TT^opeço no possível, e não desisto de fazer a descoberta do que tem dentro
da casca do impossível”, Carlos Drummond de Andrade, Procurar o qtu.
2a Pane/ I — Re-significando a Praticado Planejamento 53
Isto “significa reconhecer que somos seres condicionados mas não determina
dos. Reconhecer que a História é tempo de possibilidade e não de determinismo,
que o futuro é problemático e não inexorável” (Freire, 1997b: 21). Num certo
sentido, podemos dizer que para projetar algo o sujeito deve estar numa dinã-
52
• Sob a marca do Impossível Determinismo: exaltação dos limites e
influência da realidade, desprezando a força da ação consciente e volun
tária, bem como a possibilidade de sua articulação (cf. Vasconcellos
Embora
1998c:tenham
22). enfoques diferentes, estas duas posturas acabam levando ao
imobilismo. A segunda, obviamente, por ser uma atitude mecanicista* e
demissionária (pessimista, desesperançosa, niilista, de caráter conformista e fita
lista);
mudar,a emergem por
primeira, as passar a idéia
dificuldades paraque mudar
as quais nãoé se
muito fácil:
estava se tent 1
quando levando*
preparado,
em pouco tempo, ao desânimo, a frustração, e por fim à acomodação. É inter ‘ *
sante observar também que no cotidiano escolar uma acaba realimentando S'
outra: um professor julga que o colega está sendo muito otimista e re í
carregar nas tintas do pessimismo, o que levará à reação do outro para coi
r, e assim por diante. Devemos reconhecer no entanto que nos dias 00^^°~
ra fatalista tem sido hegemônica: paira um clima muito forte de JCntes
sar chegando mesmo a uma atitude fiituricida (cf. Santos, 199ófo pT'
a postur
dos educadores mais avançados se apegam a um certo pós-i j ’
cantainento,assume a morte do futuro para gozar o presente, os mais co °der“’
onde muitos ;am nostalgicamente ao passado, e uma grande massa fica ]SerVa“
nisino por i.não vislumbrar perspectivas para o amanhã.
entada que ‘ C esori~
dores se apegí
— Dialética Possível-Impossível31
Há, porém,
em conta uma forma
a complexidade superadora da
contraditória detotalidade a realidade
enfrentar do na o • I 1 CVa'Se
real: compreende
não há negatividade ou positividade ‘pura’, mas positividades e ne « clUe
interagindo dinamicamente na realidade mesma; num dado momento h^ ' • S
é possível identificar qual a polaridade dominante, contudo sem deixar de St°nc2’
la inserida no movimento, no jogo de contradições presentes nos fench ^eiCe’)^'
que se busca é a ultrapassagem desta oposição dicotômica e estéril > Knos-
dade e vontade, entre o dado e o desejado, pelo reconhecimento de 1C/Cai~
que se
aspectos fazem parte do real e de que precisam se articular r nõ ^UC CStes
mutuamente. ^*ciuir
se morrer defome e que, mesmo assim, se morra defome, é algo importante, ao que37
da casca
37. “do tropeço no”, possível,
Eu impossível e não desistodede
Carlos Drummond Andrade, Pr™- „ do <n.e
fazer a descoberta di
2J Parte/ I — Re-signi ficando a Praticado Planejamento 53
Isto “significa reconhecer que somos seres condicionados mas não determina
dos. Reconhecer que a História é tempo de possibilidade e não de determinismo,
que o futuro é problemático e não inexorável” (Freire, 1997b: 21). Num certo
sentido, podemos dizer que para projetar algo o sujeito deve estar numa dinâ-
mica pessoal de projeto, qual seja, deve ter feito da sua existência um projeto e
não uma fatalidade.
a) Reguiaridade do Real
Há um pressuposto ontológico no processo de planejamento: só tem sentido
planejar por considerarmos que existem certas regularidades no real, o que sig
nifica que a realidade possui sua própria racionalidade (Demo, 1988: 53): “a
ordem lógica segundo a qual se processa o curso dos fenômenos é o princípio
da possibilidade da ação previsível” (Pinto, 1979: 145). É isto o que permite
prever, antever. Caso contrário, caos: nada a planejar, só deixar fluir; se o que
temos na vida é pura irregularidade (tudo dependendo de vontades individuais
39. A percepção por parte do sujeito das reais possibilidades dc mudar funciona
como uma espécie de possibilidade em-si e para-si, qual seja, não adianta o sujeito ter
desejo de mudança se “as condições não conspiram a seu favor”; todavia, também não
adianta existirem condições dadas no real, se o sujeito não as capta a fim de explorá-las.
2a Parte/ I — Re-significando a Praticado Planejamento 55
ou de forças extramundanas), nada a fazer, senão apelar aos oráculos para pedir
ajuda e proteção aos deuses (para os que acreditam que eles existem...).
A idéia de regularidade da natureza e da sociedade foi sendo construída
durante séculos, especialmente a partir do Renascimento, com o avanço da
Ciência, da Filosofia, da Técnica, etc. Nos dias atuais se, por um lado, a expe
riência comum nos leva muitas vezes a duvidar da regularidade (ex.: falhas sis
temáticas na previsão do tempo, planos econômicos que nunca dão certo, vio
lência urbana, etc.), por outro, induz fortemente a esta crença: vemos, por exem
plo, as leis da Mecânica funcionando a todo momento nos automóveis com os
quais cruzamos nas ruas; as leis da aerodinâmica presentes no vôo de cada pás
saro ou avião; as ondas eletromagnéticas chegam a todo momento nos rádios e
televisores, etc. No campo social também nos deparamos com evidências de
regularidade quando os institutos de pesquisa são capazes de ‘adivinhar’ (com
margem de erro de décimos) os votos de 90 milhões de eleitores ouvindo apenas
6 mil deles; são conhecidos os altos investimentos na pesquisa de marketing para
lançamentos ou aumento de vendas de produtos: uma minoria absoluta é ouvida
e disto são tiradas conclusões para milhões. Mas esta convicção se firmou a tal
ponto que levou a uma certa cegueira, a uma visão meio que mecânica do
mundo, como se tudo pudesse ser fruto de um cálculo preciso, beirando o
dogmatismo, negando o autêntico movimento do real, levando ao fechamento a
novas perspectivas. Mais recentemente, esta visão passa a ser fortemente ques
tionada, inclusive no interior da própria Ciência, que resgata a dimensão de
complexidade do real. A teoria do Caos na física moderna, por exemplo
...designa a imprevisibilidade de sistemas complexos, isto é, a existência de fenômenos
em relação aos quais não é possível fazer previsões ou cálculos precisos dadas alte
rações, mesmo que pequenas, nas condições iniciais. (Japiassú, 1996)
Todavia, levar a idéia de não-regularidade às últimas consequências, implica,
entre outras coisas, colocar em questão o próprio sentido da elaboração teórica,
ou mesmo do aprender: de que pode valer qualquer aprendizado se jamais po
derá ser exercido, vista a cabal novidade do mundo?
Hoje talvez estejamos mais próximos de uma situação de bom senso, onde
são reconhecidas certas regularidades do universo, inclusive social, mas não de
forma dogmática, definitiva (‘leis férreas’); explicações monocausais já não são
aceitas com tanta facilidade. Há a tendência de caminharmos para uma atitude
de mais humildade, de maior atenção às questões locais, às particularidades, a
subjetividade, etc. “Chegamos assim a uma estreita passagem ‘intermediária .
Conservamos a idéias de leis, mas introduzimos também a dos eventos. Esta
visão incorpora a inovação, seja na arte, na ciência ou na sociedade” (Prigogine,
1996: 268).
A educação escolar, além de participar das regularidades sociais em geral,
tem alguns elementos específicos que reforçam sua regularidade — se tornando
até obstáculo para a mudança —, tais como a legislação (dias letivos, carga
horária, grade curricular mínima), as rotinas (seriação ou ciclos, organização em
bimestres ou trimestres, horário de aulas), os espaços bem determinados (sala de
aula, pátio, quadra, biblioteca), etc.
56 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos
O Poder do Educador
Digamos que estamos de acordo com as análises anteriores sobre a regula
ridade do real e da sua possibilidade de mudança, em sentido geral, qual seja,
superamos a resistência inicial à idéia de planejar, bem como a postura
determinista. Vem, então, o questionamento: ‘Concretamente, temos poder para
mudar isto que estamos nos propondo?’, visto que a possibilidade objetiva de
planejar determinada ação está também atrelada à capacidade de intervenção no
real. Esta pergunta básica vai se desdobrar em outras duas, como veremos na
seqüência.
40. Como por exemplo: material didático, instalações, luminosidade da sala de aula,
temperatura, ventilação, silêncio externo, condições de saúde e alimentação dos alunos e
professores, etc.
41. Ex.: poder de decisão sobre alteração de salário ou de número de alunos em sala,
criação de espaço freqüente de trabalho coletivo e de pesquisa, etc.
JO
‘------ --------------------- Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos
— Aproximações Sucessivas
Naturalmente, este poder e estas condições não estão dados, prontos. Pre
cisam ser conquistados. Se acreditamos na possibilidade de mudança da realida
de, vamos estar abertos para encontrar os caminhos de intervenção para poder
realizar o planejamento de uma forma mais significativa. Sempre há algo possí
vel de ser feito, em função da autonomia relativa que se tem.
Isto significa que o professor (...) não perde sua capacidade de pensar, de criar, de
buscar alternativas práticas, através de sua experiência cotidiana. Além de executar
as ordens estabelecidas, ele conserva uma liberdade que lhe é inerente: ele pode criar,
inventar, construir. (Martins, 1989: 82)
Há um fato objetivo a ser considerado: na mesma conjuntura existem traba
lhos bastante diferenciados sendo realizados. Isto nos aponta para a compreen
são de que a mudança está limitada, mas tem um grau de possibilidade, de
liberdade. Se o professor tem 60 aulas semanais, com certeza não terá condições
de se dedicar a planejar cada uma, mas poderá investir, então, hoje em uma,
outra daqui a algum tempo, e assim, aos poucos, pode ir re-significando,
requalificando seu trabalho (enquanto luta para não precisar dar tantas aulas).
Este maior empenho inicial será altamente compensador no decorrer do ano.
Como sabemos, o que nos destrói não é só a carga de trabalho, mas também a
falta de clareza, a cisão interna, a falta de objetivo (típica do trabalho alienado),
não havendo critérios para direcionar a ação (“O motivo pelo qual muita gente
42. Assim, por exemplo, a proposta de planejamento participativo, á medida que vai
se concretizando, vai implicar em ônus econômico para escola ou mantenedora (reuniões,
conselhos, materiais, etc.), levando a explicitação (ou não) do autêntico compromisso com
esta perspectiva de trabalho.
2ü Parte/ I — Re-signi ficando a Praticado Planejamento 59
não chega à meta é porque nunca fixou meta alguma”), e sobretudo a falta de
retorno, de sentido para o que fazemos.
Coloca-se aqui um delicado problema: a questão do processo. Há nas ins
tituições, muitas vezes, uma dificuldade de se trabalhar com a superação dos
limites. Os limites são colocados como algo inviolável, intransponível. Devemos,
no entanto, lembrar que os limites são sempre históricos; muito do que foi
limite no passado, hoje já não é.
O esquema a seguir nos ajuda a refletir sobre este movimento entre o pos
sível-impossível e o necessário-contingente.
Possível
Impossível
— Esquema: Possível-Impossível x Necessário-Contingente—
Não podemos cair no jogo do tudo ou nada; é possível ter avanços parciais,
mas concretos e na direção almejada pelo grupo.43
A condição para que o fazer seja efetivo, é acreditar naquilo que se está
fazendo, entender aquilo como parte de um processo maior, como um passo ou
uma estratégia de resistência dentro de um amplo combate. Se não compreen
demos o sentido da ação dentro de uma perspectiva maior, podemos achar
pouco, fazer por um tempo e depois deixar de fazer, uma vez que no fundo não
estamos convencidos. A questão é essa: buscar elementos para que possamos nos
convencer de que é necessário e possível fazer alguma coisa.
Neste empenho de mudança, portanto, devemos ganhar clareza que trata-se
(e um processo, o que implica ir por passos, não querendo transformar tudo de
uma só vez (mesmo porque não é possível); podemos ir progressivamente; sala
< e aula, curso, escola, comunidade, etc. Devemos procurar ir arrebentando um
«i um os problemas, a começar pelos mais próximos; a escola deve se organizar
a partir de dentro, articulando-se com a luta mais geral por uma sociedade mais
justa e livre.
Dialeticamente, podemos dizer que planejamos porque podemos e podemos
porque planejamos, visto que o planejamento coloca-se como um caminho do
homem resgatar sua dimensão de sujeito, na medida em que, através dele, se
capacita para exercer sua liberdade, sua criatividade, para traçar o seu destino,
não de uma maneira idílica, ilusória, mas preparando-se para o confronto com
estas determinações e limites da realidade a ser mudada.
Nesta perspectiva, entendemos que o planejamento (Projeto Político-Peda
gógico, Projeto de Ensino) deve ser, antes de mais nada, um instrumento de
trabalho para o próprio sujeito/grupo (e não para o coordenador, a secretaria da
escola, a supervisão, mantenedora), correspondendo ao seu projeto de interven
ção na realidade, “situando-o como produtor e não mero executor dos projetos
de outrem” (Carvalho e Diogo, 1994: 10).
3-FINALIDADES DO PLANEJAMENTO
^Planejamento em geral
• Despertar e fortalecer a esperança na história como possibilidade;
• Ser um instrumento de transformação da realidade;
• Resgatar a intencionalidade da ação (marca essencialmente humana), pos
sibilitando a (re)significação do trabalho, o resgate do sentido da ação
educativa;
• Combater a alienação: explicitar e criticar as pressões sociais e os compro
missos ideológicos; tomar consciência de que projeto está se servindo;
• Dar coerência à ação da instituição, integrando e mobilizando o coletivo
em torno de consensos (provisórios); superar o caráter fragmentário das
práticas em educação, a mera justaposição;
• Ajudar a prever e superar dificuldades; fortalecer o grupo para enfrentar
conflitos e contradições;
• Racionalizar os esforços, o tempo e os recursos (eficiência e eficácia):
utilizados para atingir fins essenciais do processo educacional;
• Diminuir o sofrimento.
2J Parte/ I — Re-significando a Praticado Planejamento 61
UProjeto Político-Pedagógico
Podemos apontar as seguintes finalidades mais específicas do Projeto Polí
tico-Pedagógico:
• Ser elemento estruturante da identidade da instituição;
• Possibilitar a gestão democrática da escola: ser um canal de participação
efetiva;
• Mobilizar e aglutinar pessoas em torno de uma causa comum, gerando
solidariedade e parcerias;
• Dar um referencial de conjunto para a caminhada;
• Ajudar a conquistar e consolidar a autonomia da escola;
• Resgatar a auto-estima do grupo: fazê-lo acreditar nas suas possibilidades
de intervenção na realidade. Aumentar o grau de realização/concretização
(e, portanto, de satisfação) do trabalho; desfrutar o prazer de conhecer (a
realidade do campo de intervenção) c de concretizar (aquilo que foi pla
nejado);
• Possibilitar a delegação de responsabilidades;
• Ajudar a superar as imposições ou disputas de vontades individuais, na
medida em que há um referencial construído e assumido coletivamente;
• Colaborar na formação dos participantes.
O Projeto Educativo é uma tentativa de diminuir os ‘inimigos internos’ na
prática institucional, que tem tantos efeitos negativos, levando, muitas vezes, a
ausência de mudança por medo da incompreensão dos próprios colegas.
Pela nossa vivência na escola, sabemos que um grande desafio que se coloca
é o grupo estar junto em torno de uma causa que valha a pena (progressista,
libertadora, transformadora). O Projeto é um caminho para isto, dada sua di
mensão participativa, que favorece a unidade (não uniformidade), que vai se
constituindo no próprio processo de elaboração (construção da proposta
construção do coletivo), e em função de sua base científica (lógica da proposta,
princípios teórico-metodológicos que o fundamentam).
São conhecidos casos de escolas públicas que diminuíram a rotatividade dos
professores cm função da elaboração participativa do seu projeto político-peda
gógico; apesar de terem, por exemplo, o mesmo salário, os professores preferem
ficar em unidades até mais distantes de suas residências, sentindo a mudança que
o projeto trouxe nas relações na instituição.
^Projeto de Ensino-Aprendizagem
Quanto ao Projeto de Ensino-Aprendizagem, apresentamos as seguintes
finalidades que lhes são mais pertinentes:
• Possibilitar a reflexão e a (re)significação do trabalho;
• Resgatar o espaço de criatividade do educador;
• Favorecer a pesquisa sobre a própria prática;
• Organizar adequadamente o currículo, racionalizando as experiências de
aprendizagem, tendo em vista tornar a ação pedagógica mais eficaz e
eficiente;
• Estabelecer a comunicação com outros professores e alunos;
62 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos
44. Ex.: o professor pode se lembrar no meio de uma aula de um texto complementar
interessante ou de uma dinâmica boa, mas por não ter previsto com antecedência, não
pode utilizar naquele momento.
2a Parte/ I — Re-significando a Praticado Planejamento 63
Projeto Social
0
Planejamento Educacional
0
Projeto Pessoal
— Esquema: Interfaces do Planejamento Educacional—
Planejar, então, para que? Para fazer acontecer; para transformar sonhos em
realidade. Para transformar nosso trabalho, nossa relação com os alunos, a nós
mesmos, a escola, a comunidade, e, no limite, a própria sociedade.
A estrutura do processo vital da sociedade (...) só pode desprender-se do seu veu
nebuloso e místico, no dia em que for obra de homens livremente associados, submetida
a seu controle consciente e planejado. (Marx, 1980b: 88)
CONCLUSÃO
45. Algumas escolas têm tido a iniciativa de propor, como uma espécie de fCC
(trabalho de conclusão de curso) para os alunos do ensino médio, o seu Projeto de Vida.
Planejamento / Celso dos S. Vascon^^
64
Plano. (Do lat. planu) Adj. (...) Projeto ou empreendimento com fim deter
minado. Conjunto de métodos e medidas para a execução de um empreen
dimento (...). (Aurélio)
Projeto, (do lat. projectu, ‘lançado’ para diante). S. m. 1 .Idéia que se forma de
executar ou realizar algo, no futuro; plano, intento, desígnio. 2.Empreendi
mento a ser realizado dentro de determinado esquema. (Aurélio)
— Diferenças
Planejar tem uma série de aproximações com outras práticas que envolvem
alguns de seus elementos básicos (representação, antecipação, etc.). Todavia, é
importante perceber também suas diferenças e, com isto, ter maior clareza do
próprio conceito.
— Planejamento x Plano
Planejamento é o processo, contínuo e dinâmico, de reflexão, tomada de
decisão, colocação em prática e acompanhamento. Plano é o produto desta re
flexão e tomada de decisão, que como tal pode ser explicitado em forma de
registro, de documento ou não: “Poderá tão-somente ser assumido como uma
decisão e permanecer na memória viva como guia da ação. Aliás, só como memória
viva ele faz sentido” (Luckesi, 1984: 211).
O planejamento, enquanto processo, é permanente. O plano, enquanto pro
duto, é provisório.
O planejamento da educação escolar pode ser concebido como processo que envolve a
prática docente no cotidiano escolar, durante todo o ano letivo, onde o trabalho de
formação do aluno, através do currículo escolar, será priorizado. Assim, o planejamento
envolve a fase anterior ao início das aulas, o durante e o depois, significando o exercício
contínuo da ação-reflexão-ação, o que caracteriza o ser educador. (Fusari, 1988: 9)
O plano corresponde a um certo momento de amadurecimento e de clareza
no processo de planejamento: “quando condições, objetivos, meios podem ser e
são determinados ‘exatamente’, e quando a ordenação recíproca dos meios e dos
2J Parte/ III — Processo de Planejamento 81
— Subprocessos
Planejar é elaborar o plano de mediação, da intervenção na realidade, aliado
à exigência, decorrente de sua intencionalidade, de colocação deste plano em
prática. A elaboração do plano, obviamente, não é ainda a ação; é um processo
mental, de reflexão, de tomada de decisão; por sua vez, não uma reflexão qual
quer, mas uma reflexão ‘grávida’ de intervenção na realidade. Temos, então, a
dialética da ação humana consciente e intencional entre ação e reflexão. E pre
ciso ficar claro, no entanto, que não se trata de ‘etapas’ que se sucedem meca
nicamente: uma de reflexão, outra de ação. Trata-se de predominância de uma
ou de outra, mas não de justaposições estanques, dicotômicas. Isto é importante:
são momentos em que predomina a reflexão ou a ação, mas ambos constituem
uma unidade indissolúvel (práxis). Na reflexão está presente a ação, como ponto
de partida, como desafio. Na ação há um tipo de reflexão que é ‘tensional’, que
está ao mesmo tempo guiando a ação e confrontando, comparando com o ideal
estabelecido.
O planejamento enquanto processo envolve, pois, dois grandes subprocessos:
□Elaboração
□ Realização Interativa64
Tem que haver elaboração do plano de ação. Mas isto não basta: se não
houver a tentativa de colocação em prática, tendo como referência aquilo que foi
planejado, estará rompida a unidade do processo, se estabelecerá uma dicotomia
entre pensar e fazer, conceber e realizar, teoria e prática, o que caracteriza uma
atividade alienada. “A relação entre a consciência do projeto proposto e o pro
cesso no qual se busca sua concretização é a base da ação planificada dos seres
humanos” (Freire, 1981a: 43).
Por outro lado, ainda que a avaliação seja elemento inerente à Realização
Interativa, deve-se prever um momento de avaliação mais sistemática do conjun
to da atividade (anteação, ação, retroação, cf. Palmarini, 1992: 23). Podemos
representar o ciclo do planejamento da seguinte forma:
I l
Realização Interativa
l
— Avaliação de Conjunto
Elaboração Realização
Finalidade
Realidade
Realidade Cognoscitiva
Finalidade Teleológica
©Realidade
Planejar, como vimos, é tentar intervir no vir-a-ser, antever, amarrar ao nosso
desejo os acontecimentos no tempo futuro. Para isto, é preciso conhecer o campo
que se quer intervir, sua estrutura e funcionamento: “o projeto retém e revela a
realidade superada, recusada pelo movimento mesmo que a supera: assim, o conhe
cimento é um momento da praxis, mesmo da mais rudimentar” (Sartre, 1978: 152).
Quando nos referimos ao conhecimento da realidade, falamos de uma visão de um
sujeito/grupo, que é, portanto, sempre uma construção.
Acontece que a realidade não se dá a conhecer diretamente, não se ‘entrega’;
o esforço de decifração e interpretação visa a apreender o dinamismo do real já
configurado, tendo em vista nele entrar, seja no sentido de usufruir ou de trans
formar. Tanto o para quê, quanto o quê do plano estão referidos à situação, à
realidade. Ela é o ponto de partida e o de chegada (só que já transformada), bem
como o campo de caminhada.
Ao ser conhecida, a realidade pode revelar possibilidades inexploradas:
A situação, ao mesmo tempo em que nos indica o que nos falta (portanto, os obje
tivos, ou seja, aquilo que ainda não foi alcançado mas que deve ser alcançado), indica
o que temos (portanto, os meios que nos permitem realizar os objetivos propostos).
(Saviani, 1983a: 64)
A atividade reflexiva característica desta dimensão, como indicamos, é a
Cognosçitiva. Refere-se à reflexão sobre uma realidade presente, que se pretende
conhecer; não traz em si uma exigência de ação efetiva, diferentemente da
teleológica. Uma das funções da teoria é interpretar a realidade, decifrá-la, atra
vés da pesquisa. Tem como resultado a produção de conhecimentos (informa
ções que se articulam em saberes, conceitos, hipóteses, teorias, leis).
84 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos
©Finalidade
Esta dimensão corresponde à busca do telos (fim), à explicitação da intencio
nalidade, ao sentido a ser dado à ação, ao estado futuro de coisas, a uma orien
tação geral, à direção para transformar o que é naquilo que deve ser. qual o
horizonte, qual a utopia, o que se deseja mais profundamente.
A forma de raciocínio projectual é diferente das formas de raciocínio descritivo e
explicativo relacionadas com a observação de fatos. (...) Nã° é um método de obten
ção de informação, é um método de injeção" de informação na configuração do
projeto. (Thiollent, 1984: 49)
A afirmação do que se quer tem uma importante tarefa na superação dialética:
ao assumir finalidades, o homem nega a realidade presente e afirma uma outra
ainda não existente. “O presente é contraditório, está sempre sobrecarregado de
passado, mas ao mesmo tempo está sempre grávido das possibilidades concretas
de futuro” (Konder, 1992: 123). A determinação da ação passa a vir não simples
mente do passado ou do presente, mas como que também do futuro.
A atividade propriamente humana só se verifica quando atos dirigidos a um objeto
para transformá-lo se iniciam com um resultado ideal, ou finalidade, e terminam
com um resultado ou produto efetivo, real. Neste caso, os atos não só são determi
nados casualmente por um estado anterior que se verificou efetivamente — deter
minação do passado pelo presente —, como também por algo que ainda não tem unia
existência efetiva e que, não obstante, determina e regula os diferentes atos antes de
culminar num resultado real; ou seja, a determinação não vem do passado, mas sim
do futuro. (Vázquez, 1977: 187)
A finalidade deve ser aberta, um projeto dinâmico, que vai se configurando
pela interação com a própria realidade.
Aqui, a atividade reflexiva característica c a Teleológica, que refere-se a um
estado futuro, portanto ainda inexistente. É a construção de representações
mentais sobre o que se deseja. Trata-se da intencionalidade, do alçar voo, antever,
projetar ou explicitar finalidades. Tem como resultado os fins, os objetivos, as
metas (de acordo com os diferentes níveis de abrangência), o ‘produto’ ideal,
entes que “ainda-não-são”, a imagem do resultado almejado.
O caráter finalista que reveste certas idéias provém do engajamento do homem
no mundo (cf. Pinto, 1979: 144), da sua luta pela sobrevivência, da sua não mera
adaptação: “...a atividade teleológica traz implícita uma exigência de realização,
em virtude da qual se tende a fazer da finalidade uma causa de ação real”
(Vázquez, 1977: 191).
A atividade reflexiva serve também, pois, para a projeção, para esboçar o
novo, para abrir novas possibilidades, criar o ainda não existente: “...o possível
cognitivo é essencialmente invenção e criação” (Piaget, 1985: 8). A mudança da
realidade exige imaginação, criatividade a fim de se projetar uma possibilidade
de organização diferente da que temos. Podemos lembrar uma outra colocação
de Einstein: “Nada existe na ciência que não tenha estado antes na imaginação”.
...o possível, o virtual, o futuro não se representa senão através do imaginário.
Trabalhadas, elaboradas, essas representações se tornam utopias afirmativas ou ne-
2a Parte/ III — Processo de Planejamento 85
gativas. De tal modo que o imaginário possui uma função ’ igual ou superior à do
saber que se refere ao lreal\ (Lefebvre, 1983: 63)
Para planejar é importante imaginar, porém não uma imaginação
descomprometida, mas que tenha em conta as experiências anteriores e o
engajamento para que venha a acontecer.
Segundo Barbier, há com efeito uma relação genética entre as representações:
“para definir uma representação do possível torna-se provavelmente necessário
partir de uma representação do real existente” (Barbier, 1996: 52), qual seja, a
construção da representação de um estado ideal, de um novo horizonte se dá
tendo como base as representações jnentais anteriores, portanto, relativas ao
passado ou ao presente. Logo, o trabalho de conhecer bem a realidade é da
maior importância para ampliar o leque de possibilidades de criação de novas
representações antecipadoras. Assim, estabelecer finalidades não pode ser enten
dido como um devaneio, um passeio por cima das nuvens onde as finalidades,
prontas, amadurecidas, bem definidas, seriam colhidas e trazidas... E um proces
so que parte de uma escuta atenta da realidade, que arrisca interpretações, e que
finalmente ousa apostar em algumas projeções.
©Plano de Mediação
E a previsão das ações, do movimento, da seqüência de operações a serem
realizadas para a transformação da realidade. Dimensão mais operacional, de
criação de alternativas concretas de mudança, onde se elabora um plano de
intervenção. Enquanto a finalidade corresponde a uma antecipação de um estado
a ser alcançado, o plano diz respeito à antecipação do processo (sucessão de
iniciativas, passagem, de um estado a outro) a ser desencadeadofcf. Barbier, 1996:
57). Tudo se dá como se a imagem ideal projetada retroagisse sobre o sujeito
para estruturá-lo a fim de alcançá-la (cf. Not, 1981: 454).
A atividade reflexiva Projetivo-Mediadora é característica desta dimensão. São
idéias que têm a função de poder representar prefiguradamente uma ação a
fazer. Trata-se de buscar construir a imagem mental do caminho a ser seguido,
ser capaz de visualizar o movimento na situação futura: como ocupar o tempo,
o espaço e os recursos. Tem como resultado o projeto — stritu senso —, a
produção de propostas de atividades, enfim, o plano a ser assumido.
Para o êxito na realização do projetado, é fundamental, portanto, que a
consciência não se limite à representação do próprio fim, mas que este fim
direcione igualmente o modo de ação nele implicado.
...acaba por dar uma estrutura nova ao ato de trabalho, enquanto implica doravante
em si próprio o seu jrróprio plano, como consciência da forma do movimento a
imprimir ao objeto. E pois na verdade a imagem que o trabalhador projetou da sua
cabeça no material, não somente a imagem da própria forma do instrumento a
obter, mas a imagem- da fonna do movimento da sua execução, que se realiza na
matéria trabalhada. (Trân Duc Thao, 1974: 201)
O plano deve levar em consideração os meios disponíveis ou potenciais. Vai
implicar também em tomada de decisões quanto às formas de realização.
Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos
86
o papel e depois não acontecem! Não basta ter uma finalidade inicial; é preciso
que ela acompanhe a atividade de concretização, ainda que o resultado — em
função de fatores intervenientes — saia diferente do ideal inicial. A realização do
planejado não vai se dar de forma linear, mas por um processo de aproximações
sucessivas.
E essa subordinação não é um ato fortuito. Além do esforço dos órgãos que traba
lham, é mister a vontade adequada que se manifesta através da atenção durante
todo o curso do trabalho. E isto é tanto mais necessário quanto menos se sinta o
trabalhador atraído pelo conteúdo e pelo método de execução de sua tarefa, que lhe
oferece por isso menos possibilidade de fruir da aplicação das suas próprias forças
físicas e espirituais. (Marx, 1980b: 202)
Há, portanto, uma unidade interna entre concepção (necessidade-finalidade-
plano de ação) e ação que não pode ser rompida: “Impõe-se que a antecipação
intelectual, a idéia das conseqüências se misture com o desejo e o impulso para
adquirir força de movimento e dar, então, direção ao que seria atividade cega,
enquanto o desejo dá às idéias ímpeto c projeção” (Dewey, 1979: 68).
Deve ficar claro que estamos nos movimentando aqui em dois campos dis
tintos, embora profundamente articulados. A elaboração se dá no campo das
representações (processos mentais e intelectuais'), enquanto que a realização aconte
ce, digamos assim, na realidade objetiva, no campo não-mental.
— Conhecimento da realidade
— Projeção de Finalidades Ação v
F
— Plano de Mediação
a Representações
Conhecimento Realidade Objetiva
— Interferências
Falamos de intenção de adequação porque não há como ‘garantir’ absoluta
mente que o resultado da ação saia igual ao idealizado. É claro que na análise
da realidade, procurar-se-á captar seus determinantes, e na projeção de finalida
des se procurará estabelecer objetivos compatíveis com a realidade e as possibi
lidades, mas, seja pela não captação adequada do real ou pelas diferentes fina
lidades dos sujeitos da instituição, pode acontecer a inadequação. Os conflitos
podem emergir, inclusive, decorrentes de um processo global inintencional, qual
88 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos
— Dinamismo da Consciência
Não há uma lei previamente determinada que oriente todo o trabalho edu
cacional. Há fatores comuns que permitem certo grau de previsão, porém não
de forma absoluta, variando de acordo com as condições objetivas, peculiares.
“O que significa que a consciência não pode limitar-se a traçar um objetivo ou
modelo ideal imutável. O dinamismo e a imprevisibilidade do processo exigem
também um dinamismo da consciência” (Vázquez, 1977: 242).
A consciência tem de estar atenta durante todo o processo, tendo em vista
as mudanças necessárias. Diante de uma mudança na realidade, por exemplo, o
sujeito poderá manter o objetivo e rever a mediação, ou alterar o próprio obje
tivo, etc. Os fins não são, portanto, produtos acabados, mas estão neste processo
de interação com a realidade e as formas de mediação.
Por isto também, é importante tentar fazer: ao tentar, conhece-se melhor a
realidade, pode-se aquilatar melhor onde está a resistência.65 Não é viável, pois,
aquela postura de se esperar ter toda a certeza para só depois agir.
65. Ex.: pode-se pensar, inicialmente, que a dificuldade de se implantar uma idéia
estaria na direção da escola; quando se tenta, percebe-se que a resistência na verdade está
nos professores ou nos pais.
2a Parte/ III — Processo de Planejamento 89
— Duas vezes
Nesta explicitação do processo de planejamento, fica claro que o resultado
acontece duas vezes: uma vez quando é antecipado mentalmente, outra quando
é realizado. O conceito de planejamento está vinculado simultaneamente às idéias
de antecipação e de realização da ação, tendo em vista atingir determinado
objetivo.
Este modo de articulação e determinação dos diferentes atos do processo ativo distingue
radicahnente a atividade especificam ente humana de qualquer outra que se situe num
nível meramente natural. Esta atividade implica na intervenção da consciência, gra
ças à qual o resultado existe duas vezes — e em tempos diferentes—: como resultado
ideal e como produto real. (Vázquez, 1977: 187)
No texto já reproduzido, Marx afirma que o arquiteto figura na mente sua
construção antes de transformá-la em realidade.
Devemos ponderar, no entanto, o fato de que não é só o resultado que
aparece duas vezes; a mediação também: enquanto plano de ação e enquanto
ação concreta na realização interativa.
Atividade Reflexiva
Modalidade
Envolvida
0 d
Ação Práxico-Pragmática
(Prática Reflexiva) Diagnóstica
— Sobre a Utopia
As reflexões anteriores nos remetem à questão do papel e do lugar da utopia.
Como sabemos, este é um aspecto controverso, sobretudo depois das críticas
‘pós’ (pós-moderna, pós-estruturalista). De imediato adiantamos que não estamos
assumindo utopia naquele sentido dado por alguns autores modernos (como a
Cidade do Sol de Campanella, 1568-1639) de um programa rigidamente definido,
de uma descrição concreta e pormenorizada de passos a serem dados para se
chegar a algum lugar; também não desejamos aquela perspectiva denunciada por
Marx, qual seja, como “ópio do povo”: algo irrealizável, que não tem em conta
os fatos reais, forma de refúgio subjetivo pela fuga da realidade objetiva (recusa
do princípio de realidade). O conceito de utopia foi criado e utilizado por Thomas
Morus (1478-1535) na obra que o leva como título (1516), a partir de grego topos
(que significa lugar) e ou (negação). Entendemos que a utopia tem um papel
importante no processo de transformação quando é compreendida como ou-
topos, qual seja, aquilo que não tem lugar ainda, mas que pode vir a ter, e, em
especial, que desejamos que tenha. Neste sentido, tem uma função de denúncia
de uma determinada situação e de anúncio da possibilidade de uma outra, a ser
construída; portanto, é criadora e “subversiva”.
A utopia é a exploração de novas possibilidades e vontades humanas, por via da
oposição da imaginação ã necessidade do que existe, só porque existe, em nome de
2a Parte/ III — Processo de Planejamento 91
algo radicalmente melhor que a humanidade tem direito de desejar e por que merece
a pena lutar. (Santos, 1996b: 323)
Tem por base, pois, a esperança, a crença na possibilidade de mudança do
real, conforme reflexão anterior. Partilhamos aqui da perspectiva de Ernest Bloch
quando liga “a espera a um futuro melhor e a qualifica, ao mesmo tempo, de
docta spes, isto é: de esperança fundada também no conhecimento do mundo e na
análise científica de sua estrutura e contradições” (Münstcr, 1993: 13). Para
Bloch, “utopia é, em primeiro lugar, um topos da atividade humana orientada
para um futuro, um topos da consciência antecipadora e a força ativa dos sonhos
diurnos” (Münster, 1993: 25). Contrapondo-se à utopia abstrata, afirma a con
creta que é vinculada a tendências objetivas, já existentes na realidade (embora
ainda não manifestadas).
Resgatamos utopia no seu sentido mais profundo, oriundo de uma concep
ção ontológica que reconhece o ser humano como inacabado (ainda-não-ser.
dialética de um ser e de um não-ser cf. Bloch) e, nesta medida, toda existência é
um constante vir-a-ser em direção ao ser-mais, tornar-se cada vez mais humano
(tanto do ponto de vista individual quanto social).
Não podemos negligenciar as potencialidades criativas e transformadoras da
realidade, seu excedente utópico ainda-não explorado (cf. Bloch), sua característica
de objeto-projeto (Carvalho, 1988: 119). Deve fazer parte, portanto, das ciências
da educação a preocupação com o futuro, a componente utópica (Gimeno Sa-
cristàn, 1983: 33). Retomando a reflexão de Gimeno, Carvalho enfatiza: “a ciên
cia da educação não pode apenas ser uma ciência descritiva: será também uma
ciência normativa em que a componente utópica tem papel central” (1988: 93),
visto lidar com um objeto inconcluído, em construção.
Viver é perigoso (cf. Guimarães Rosa); não podemos ficar aguardando pas
sivamente o melhor momento, a melhor concepção que viriam a se configurar
sabe-se lá quando. A vida nos cobra no aqui e agora. Temos de fazer apostas,
temos de nos arriscar, nos chamuscar. Construir, assumir uma utopia, portanto,
é uma tarefa delicada, mas decisiva.
Na medida em que as previsões deterministas não são passíveis, é provável que as
visões de futuro, e até as utopias, desempenhem um papel importante nessa constru
ção. Há pessoas que temem as utopias; eu temo mais a falta de utopias. (Prigogine,
1996: 268)
Que se reconheça: mudar a realidade não é absolutamente fácil! E a meta a
ser alcançada, um ideal que dá sentido ao caminhar. Assim, se o professor não
sonha mais, se não deseja, se não tem a esperança crítica, o que está fazendo em
sala de aula? Aliás, o que está fazendo na vida?
92 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos
Sonho Impossível67
Introdução Geral
NÍVEIS DE PLANEJAMENTO
□Planejamento da Escola
Trata-se do que chamamos de Projeto Político-Pedagógico (ou Projeto
Educativo), sendo o plano integral da instituição. Compõe-se de Marco
Referencial, Diagnóstico e Programação. Envolve tanto a dimensão pedagógica,
quanto a comunitária e administrativa da escola. Mais à frente nos dedicaremos
ao seu estudo (4a Parte).
□Planejamento Curricular
E a proposta geral das experiências de aprendizagem que serão oferecidas
pela escola, incorporada nos diversos componentes curriculares. Dá a espinha
dorsal da escola, desde as séries iniciais até às terminais.72
□Projeto de Ensino-Aprendizagem
É o planejamento mais próximo da prática do professor e da sala de aula.
Diz respeito mais estritamente ao aspecto didático. Pode ser subdividido em
Projeto de Curso e Plano de Aula, como veremos detalhadamente mais adiante.
□Projeto de Trabalho
E o planejamento da ação educativa baseado no trabalho por projeto: são
projetos de aprendizagem73 desenvolvidos na escola por um determinado perío
do, geralmente de caráter interdisciplinar. Trata-se, muitas vezes, mais de uma
metodologia de trabalho que incorpora a concepção de projeto.
□Planejamento Setorial
E o plano dos níveis intermediários (cursos, departamentos, áreas) ou dos
serviços no interior da escola (direção, coordenação/supervisão, orientação, se
cretaria, etc.). Este plano, em termos institucionais, é equivalente ao projeto de
ensino-aprendizagem, devendo, portanto, estar referido também ao Projeto
Educativo da escola.
Nota Metodológica:
Desejamos registrar que o percurso a ser feito a partir de agora (3- e 4a
Partes) está pautado mais na ordem psicológica que na lógica: vamos começar
pelo Projeto de Ensino-Aprendizagem ao invés de pelo Projeto Político-Peda
gógico. A justificativa para isto é o fato da expectativa maior do professor estar
voltada para aquilo que lhe é mais próximo. Esperamos, no entanto, deixar claro
no decorrer da exposição que o Projeto de Ensino pouco valor tem se não
estiver articulado ao Projeto Político-Pedagógico da Escola. Se o leitor desejar,
poderá inverter e começar a leitura pela 4a Parte.
INTRODUÇÃO
74. Cremos também que esta mudança na nomenclatura possa ajudar o professor a
repensar esta atividade e re-signficá-la.
98 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos
ontológica’” (Veiga, 1997: 139); assim, por exemplo, a rigor não podemos dizer
que houve ensino se não houve aprendizagem; por seu turno, embora o sujeito
possa aprender algo sozinho, nunca está sozinho em absoluto: no mínimo está
partilhando uma linguagem que representa, em alguma medida, a presença do
outro. É certo que, como veremos mais à frente, é até possível fazer a distinção
e falar de projeto de ensino do professor e projeto de aprendizagem do aluno,
mas mesmo assim os dois se exigem reciprocamente, pedem um encontro.
2.1.Educação Escolar
Gostaríamos de destacar a relação de interdependência que existe entre o
tipo de educação que se busca fazer e o tipo de planejamento a ela correlato.
Muitas vezes, na prática escolar, encontramos verdadeiros ‘monstrinhos’ criados
pela tentativa de justapor concepções antagônicas entre a forma e o conteúdo do
trabalhar no dia-a-dia, e a forma e o conteúdo do planejar.
Pensar no Projeto de Ensino é enfrentar algumas questões básicas, que
definem o próprio campo de atuação do educador: o que entendemos por edu
cação escolar? Qual o papel da escola? Naturalmente, se estas reflexões já foram
feitas por conta da elaboração do Projeto Educativo, basta retomá-las; todavia,
no caso da escola não ter seu Projeto, é fundamental que o educador busque,
pelo menos para si e para seu grupo de trabalho, este posicionamento, a fim de
ter critérios de decisão sobre o tipo de planejamento que se vai assumir.
E claro que sempre há o perigo da esquizofrenia pedagógica: declaramos
uma intenção e na verdade a que dirige o trabalho é outra, sem que, muitas
vezes, sequer nos demos conta... Mas este é um outro problema, que não será
resolvido simplesmente se omitindo a concepção desejada. Muito pelo contrário,
uma vez explicitada, temos condições de confronto com a prática concreta da
instituição.
De nossa parte, esperamos ter deixado claro no decorrer do trabalho a
concepção de educação que assumimos. De qualquer forma e muito sintetica
mente, entendemos que a educação escolar é um sistemático e intencional pro
cesso de interação com a realidade, através do relacionamento humano baseado
no trabalho com o conhecimento e na organização da coletividade, cuja finali
dade é colaborar na formação do educando na sua totalidade — consciência,
caráter, cidadania —, tendo como mediação fundamental o conhecimento que
possibilite o compreender, o usufruir ou o transformar a realidade.
3a Parte/ I — Estrutura do Projeto de Ensino-Aprendizagem 99
2.2.Currículo e Conhecimento
A prática do planejamento dependerá também da concepção de currículo
que se tem, tendo em vista as implicações bem concretas cm termos de organi
zação do trabalho pedagógico.
(Se) por currículo se entendeu de fornia dominante o compêndio de conteúdos, planejá-
lo é fazer um esboço ordenado do que se deveria transmitir ou aprender seqüenciado
adequadamente... Se por currículo se entendesse um conjunto de objetivos para
serem alcançados junto aos alunos, o plano é a estrutura e ordenação precisa dos
mesmos para obtê-los por meio de certos procedimentos concretos. Finaimente, se por
currículo entendemos a complexa trama de experiências que o aluno obtém, incluídos
os efeitos do currículo oculto, o plano deve contemplar não apenas a atividade de
ensino dos professores, mas também todas as condições do ambiente de aprendizagem
graças ás quais se produzem esses efeitos: relações sociais na aula e na escola, uso de
textos escolares, efeitos derivados das práticas de avaliação, etc. (Gimeno Sacristán,
1995a: 230)
l odo processo de educação escolar, por ser intencional e sistemático, impli
ca a elaboração e realização (incluindo aí a avaliação) de um programa de expe
riências pedagógicas a serem vivenciadas em sala de aula e na escola. Estamos
entendendo por currículo este conjunto de atividades.
Por currículo se entende a síntese de elementos culturais (conhecimentos, valores,
costumes, crenças, hábitos) que conformam uma proposta político-educativa pensada
e impulsionada por diversos grupos e setores sociais cujos interesses são diversos e
contraditórios, ainda que alguns tendam a ser dominantes ou hegemônicos, e outros
tendam a opor-se e resistir a tal dominação ou hegemonia. (Al ba, 1991: 38)
O currículo não pode ser pensado apenas como um rol de conteúdos a serem
transmitidos para um sujeito passivo. Temos que levar em conta que as atitudes,
as habilidades mentais, por exemplo, também fazem parte dele. Neste sentido,
o currículo que nos interessa é aquele em que o educando tem oportunidade de
entrar no movimento do conceito.
...um currículo reflete não só a natureza do conhecimento em si mesmo, como também
a natureza do conhecedor e do processo de aquisição de conhecimento. E um caso em
que é obrigatoriamente mal delineada a fronteira entre sujeito, objeto e método. Um
corpo de conhecimentos, entesourado numa universidade e corporificado numa serie de
competentes volumes é o resultado de intensa atividade intelectual anterior. Instruir
alguém nessa matéria não é levá-lo a armazenar resultados na mente, e sim ensina-
lo a participar do processo que torna possível a obtenção do conhecimento: ensinamos
não para produzir 'minúsculas bibliotecas vivas ambulantes, mas para fazer o estudan
te pensar, matematicamente, por si mesmo, para considerar os assuntos como faria uni
historiador, tomar parte do processo de aquisição de conhecimento. Conhecer e um
processo, não um produto. (Bruner, 1969: 89)
Muitas vezes, as propostas curriculares são feitas pelo sistema de educação
estadual ou rede municipal, dando origem aos chamados “Guias Curriculares ,
que, em princípio, deveriam ser apenas uma orientação para as diversas escolas,
100 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos
mas que na prática acabam sendo entendidos — até porque freqüentemente são
cobrados desta forma — como ‘programa oficial’, que ‘tem que’ ser dado. Mesmo
no caso de existirem estas propostas gerais — como acontece com os PCN s
(Parâmetros Curriculares Nacionais-MEC) —, é importante que escola elabore
o seu currículo, dialogando com as orientações dadas, mas tendo em vista a
realidade concreta em que se encontra, fazendo suas opções e compromissos.
— Relação Conhecimento-Realidade
Faremos a seguir algumas considerações sobre o princípio organizativo do
currículo, ou, mais precisamente, sobre o tipo de relação entre o conhecimento
a ser trabalhado em sala de aula e a realidade. Grosso modo, podemos classificar
essa relação em duas grandes tendências, com duas subdivisões cada.
a)Tendências Não-Dialéticas
Nessas tendências, está rompido o vínculo dialético entre o conhecimento e
a realidade, no sentido de que a realidade seja a referência do conhecimento e
este, por sua vez, vise a transformação dessa realidade.
□ “Academicismo ”
E uma das formas mais comuns de se organizar o currículo da escola, o que
significa dizer que o que determina sua estruturação são os programas de ensino,
o rol de conteúdos programáticos preestabelecidos e que devem ser cumpridos.
Dessa maneira, os conteúdos passam a ser autonomizados com relação à reali
dade, tendo valor por si próprios. Nesta visão, boa escola é aquela que ‘dá’, da
forma mais completa possível, os conteúdos socialmente esperados. Há uma
certa concepção enviesada de iluminismo por trás dessa prática, como se o co
nhecimento por si iluminasse o indivíduo, independentemente da realidade que
o cerca; revela-se também um substrato metafísico-idealista, na medida em que
o que importa são as idéias e não sua articulação com a realidade.
^“Basismo”
E uma tendência que surgiu como reação á primeira, fazendo uma simples
negação (e não superação), qual seja, aqui o que importa absolutamente é a
realidade e qualquer elaboração teórica é vista como perda de tempo, já que ‘a
prática é a teoria dela mesma’. O currículo é organizado com base nas vivências,
na experiência imediata e não se vê necessidade do recurso ao saber sistemati
zado. Objetivamente tem pouca ocorrência na escola, estando mais ligada a
certas concepções distorcidas de movimentos populares de educação.
b) Tendências Dialéticas
Nessas tendências busca-se o vínculo dialético entre o conhecimento e a rea
lidade, havendo, no entanto, diferença entre elas em relação ao ponto de partida.
dições, é que se vai organizar o currículo, a relação de temas que precisam ser
discutidos, para se elevar o nível de consciência, possibilitando a compreensão
e a intervenção.
Deve ficar claro que existe sim o rigor, a valorização do saber sistematizado,
o planejamento, a proposta de conteúdos, etc. C) que difere é seu processo de
gênese.
Evidentemente, se a forma de estruturação do currículo parte da
problematização da realidade, o objeto de conhecimento tem uma afinidade
muito grande com o sujeito, pois surgiu da própria análise do seu contexto.
Encontramos uma expressão concreta dessa tendência na concepção freireana
de educação, que tem se traduzido em muitas escolas e redes de ensino como o
trabalho com a Interdisciplinaridade, Tema Gerador, Eixos ou Complexos
Temáticos, Totalidades de Conhecimento. Deve ficar claro aqui que “não se
trata de os alunos decidirem e o professor providenciar. O professor passa a ser
um elemento do grupo, que participa dos trabalhos e das decisões, apresentando
seus argumentos e experiências” (Ott, 1984: 36).
Nesta tendência também pode ser incluída a Pedagogia de Projeto,
vivenciada em contextos curriculares menos estruturados, onde os projetos vão
sendo constituídos a partir dos interesses dos alunos por alguma temática. Esta
pedagogia tem suas raízes em Dewey (1859-1952, experiência, vida, atividade) e
seu discípulo Kilpatrick (1871-1965, método de projetos), e também, mais re
motamente, em Ovide Decroly (1871-1932, com a idéia de globalização e, so
bretudo, de centros de interesse).
75. Enquanto expressão teórica, essa perspectiva de trabalho pode ser encontrada na
concepção crítico-social dos conteúdos (cl. Libãneo), ou numa certa interpretação da
histórico-crítica (cf. Saviani).
102 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos
3-VISÃO GERAL
76. Número de alunos por sala, salário, horário para reunião pedagógica, material
didático, etc.
3“ Parte/ I — Estrutura do Projeto de Ensino-Aprendizagem 103
0
Projeção de Finalidades
□ Objetivo (Para quê)
• Geral
• Específico
0
Formas de Mediação
□ Conteúdo (0 quê)
□ Metodologia (Como, onde, qto tempo)
□ Recursos (Com quê)
Projeto <-----------------------
0 e
Ação Pedagógica <----------------■--------
Realização
Interativa
Análise do Processo
□ Confronto: Realizado Elaborado
(Como está evoluindo)
+ Tomada de Decisão
D 0
Avaliação de Análise do Processo e do Produto------------- - ------- >
Conjunto
1-ANÁLISE DA REALIDADE
1.1 .Fundamentos
A primeira dimensão a ser contemplada na elaboração do Projeto de Ensino-
Aprendizagem é a Análise da Realidade. Trata-se do esforço investigativo (e
hermenêutico) no sentido de captar e entender a realidade, tal qual se encontra
no presente, sua articulação histórica, em vista de sua transformação. Tem, pois,
base também na memória, na medida em que a retenção das informações ajuda
a compreender o momento atual. Implica ir além da sua percepção imediata,
buscando o como é (descrição) e o porque é (explicação); almeja a tomada de
consciência do que está acontecendo, a apreensão radical (ir à raiz) da realidade.
Enquanto abordagem multirreferencial, envolve análise pedagógica, psicológica,
além de política, econômica, social, antropológica, psicanalítica, histórico-cultu
ral, etc. Aponta limites e possibilidades; ajuda a equacionar os problemas, iden
tificar as contradições e a localizar as necessidades.
Até há algum tempo atrás (cf. Ia Parte), as teorias da educação marcadas pelo
viés idealista não levavam em consideração essa exigência do conhecimento da
realidade. Ao que parece, desejava-se deixar a escola fora desse contexto, como
se fosse instância pura formadora do homem, fora dos conflitos, fora das deter
minações e, conseqüentemente, fora da história. Com o advento da Escola Nova,
houve um avanço em termos de preocupação com a realidade, mas que acabou
ficando limitado ao conhecimento da dimensão psicológica do aluno. Ora, esta
é uma posição insustentável hoje dado o avanço da ciência da educação que
incorpora contribuições da sociologia, antropologia, economia política, etc.; já
não é mais possível a volta ao passado romântico. E necessário o confronto com
a realidade, e é para este confronto que a educação deve estar atenta.
Muitas vezes, ouvimos aqui algo semelhante ao que foi dito em relação ao
método de trabalho: ‘Sabemos bem qual é o problema, até porque o sofremos
na pele’, ‘Vamos logo ver o que fazer’ ou ‘Queremos é a solução’. Será que de
fato se sabe? Por falta de instrumental teórico, o professor olha para o problema,
mas não o vê. O que se visa com a análise da realidade é propiciar a entrada no
movimento conceituai (mediação para entrar no movimento histórico) e não sua
mera reprodução. No trabalho científico costuma-se afirmar que definir bem o
problema é já ter grande parte da solução... Não basta, é claro, apenas dizer ‘o
que’ está acontecendo; é preciso buscar o ‘porquê’. A realidade não se entrega
de imediato: a aparência, como já tivemos ocasião de refletir, mais esconde do
que revela a essência. Por outro lado, nossas ‘lentes’ não são neutras: trazem
nossa história, valores, concepções. Além do mais, à diferença de um enfoque
positivista que defende uma concepção relativamente estática da realidade social,
no enfoque interpreta tivo dialético a realidade é algo dinâmico e mutável por
3a Parte/ I — Estrutura do. Projeto de Ensino-Aprendizagem 105
seu caráter inacabado e construtivo (Pérez Gómez, 1995a; Demo, 1987; Morin,
s/d; Saul, 1988; Santos, 1996), o que remete ao entendimento do seu conheci
mento como um processo de aproximações sucessivas, de busca de familiaridade
para poder melhor penetrar sua complexidade. .
Há que se compreender a realidade em que se está inserido sempre como
parte de um todo (movimento constante entre particular e universal). Assim, em
relação à escola, temos que compreender que os principais condicionantes
freqüentemente estão fora dela; daí a importância de se pensar a relação escola-
sociedade, para não ficarmos na ingenuidade pré-sociológica. Na visão dialética
ou transformadora, considera-se a característica de sociedade de classe, o con
flito de interesses, a influência da ideologia dominante, as questões de gênero,
etnias, multiculturas. Além do mais, a abordagem da realidade, sem perder de
vista as questões atuais, e por causa delas mesmo, deve ser histórica.
Os professores devem ganhar consciência de que não é possível educar, no
sentido concreto — não abstrato ou ideológico —, sem partir da realidade e sem
estar sempre a ela vinculada. Se subestimá-la, no dia-a-dia da sala de aula o
professor poderá ser -destronado barbaramente, porque não levou em conta os
determinantes que tinha de enfrentar.
Conhecendo bem a realidade, podemos saber o seu peso efetivo. De um
lado, isto ajuda a entender porque eventualmente ‘a coisa não acontece’ e, por
outro, ajuda a enfrentar, a fim de que, com efeito, venha a acontecer, pela
intervenção calculada.
Resultado da
AÇÃO
— Professor
O autoconhecimento por parte do professor parece uma coisa tão óbvia qi
muitas vezes nem é explicitado. No entanto, percebemos a necessidade de ret
mar este ponto, dado o caráter essencial do professor na coordenação do pr
cesso pedagógico. Falamos muito da importância de atentar para o aluno con
um ser concreto, o que é perfeitamente correto; acontece que o professor tai
bém é um ser concreto e como tal deve ser resgatado.
O autoconhecimento nos dias atuais tem uma relevância ainda maior e
função da necessidade de um posicionamento claro do professor em relaçãc
sua própria definição profissional: ‘Face a tantos desafios e dificuldades, que
continuar sendo professor? Considero que é aqui que quero ‘gastar minha vid;
Estou inteiro?’
Além disto, se não reflete sobre si e sobre sua prática, o professor corre
risco, por exemplo, de ensinar ao aluno o que mais sabe, gosta ou está acosí
inado a dar, e não o que o aluno precisa...
Devemos lembrar que a criança se educa, antes de mais nada, pelos mode
de comportamento que vê, que presencia; secundariamente vem os mode
sociais de comportamento apresentados como normas ou ideais. O profes:
deve procurar tomar consciência de qual é o seu projeto, e conhecer-se i
vários pontos de vista: humano — traços de firmeza de caráter, capacidade
77. Um plano ‘bem feito’, sofisticado, mas desvinculado da realidade, pode ser ‘
nito’, mas bem feito é que não é.
Parte/ I — Estrutura do Projeto de Ensino-Aprendizagem 107
— Alunos
O conhecimento da realidade do aluno é essencial para subsidiar o processo
de planejamento numa perspectiva dialética. Devemos ter em conta o aluno real,
de carne e osso que efetivamente está na sala de aula, que é um ser que tem suas
necessidades, interesses, nível de desenvolvimento (psicomotor, sócio-afetivo e
cognitivo), quadro de significações, experiências anteriores (história pessoal),
sendo bem distinto daquele aluno ideal, dos manuais pedagógicos (marcados pelos
valores de classe) ou do sonho de alguns professores. Temos que trabalhar em
função daquilo que realmente o aluno é, e não do que gostaríamos que fosse.
Trata-se, no entanto, de conhecer mesmo, ou seja, não através de rótulos e
preconceitos, ou chavões gerais (‘são alunos de classe média’, ‘os pais são separa
dos’). Para conhecer o outro, é necessário colocar o olhar sobre ele, mas um olhar
atento, curioso, e acima de tudo amigo, despido de preconceitos. Buscar a empatia:
ter a capacidade de perceber o ponto de visto do outro, se descentrar, abrir mão
do narcisismo de ser simplesmente admirado ou respeitado pelo grupo.
Precisamos saber quem é o aluno que procura nossa escola: o que pensa da
escola, quais suas expectativas pessoais e profissionais, qual sua origem social, sua
situação social atual, que valores cultiva, quais suas condições objetivas de exis
tência, sua linguagem, acesso a meios de comunicação, participação em ‘grupos
de cultura’, etc.
Também no dia-a-dia da sala de aula, é fundamental que esta análise da
realidade do aluno continue se dando. Como veremos logo na seqüência, coloca-
se, por exemplo, a exigência do professor conhecer as representações mentais
prévias que os alunos trazem relativamente aos assuntos estudados.
Conhecer os determinantes
Devemos observar que não se trata, no entanto, de conhecer a ‘vida íntima
de cada aluno, mas de apreender suas principais características — o que fazem,
o que esperam, o que pensam — e seus determinantes. Como nos referimos
antes, a concepção escolanovista, de um lado, resgatou a importância do sujeito
da aprendizagem, mas, de outro, acabou dando margem para sc chegar a uma
visão intimista, individualista do tipo ‘cada um é cada um’. Isto é verdade, mas
não é toda a verdade, pois ao mesmo tempo em que cada um é cada um, cada
um é também um pouco do outro, do grlipo ao qual pertence. Devemos con
siderar que o universo cultural, social, político, econômico dos alunos não é tão
diferenciado assim; é certo que existem diferenças, que existe a apropriação
108 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos
c) Conhecimento do Contexto
Devemos atentar para o fato de que a aprendizagem não ocorre no vazio no
abstrato, num mundo a parte, mas, pelo contrário, num determinado contexto
numa determinada realidade, quer se contemple a própria sala de aula, a escola’
bem como a comunidade próxima, ou ainda a sociedade como um todo.
Aparentemente, o que importa na sala é o professor e os alunos. Todavia,
há uma relaçao da educação escolar com o sistema sócio-político-econômico-
cultural O professor pode querer não ponderar sobre isto, afinal, ‘no aconchego
da sala de aula o que valeria seria ‘ele e os seus alunos...’. Quanto tempo ‘o
sistema ah interferiria diretamente? Talvez o tempo da ‘chamada’ (é cobrado o
registro burocrático); mas se pensa que é só essa a influência do sistema, está
muito enganado; tem a ilusão de liberdade, de autonomia plena, de independên
cia enquanto que, na verdade, tanto ele como seus alunos, os conteúdos, a forma
de trabalho, etc. estão condicionados socialmente (embora não mecanicamente)
Ignorar isto é estar se submetendo passivamente a esta realidade. É preferível
‘perder’ um pouco de tempo para pensar sobre o conjunto da realidade, do que
perder todo o tempo em sala de aula, já que o trabalho, por não abarcar a
concretude dos determinantes, acaba se revelando ineficaz.
3a Parte/ I — Estrutura do Projeto de Ensino-Aprendizagem 109
2-PROJEÇÃO DE FINALIDADES
2.1 .Fundamentos
Uma vez compreendida, há o risco da realidade transformar-se numa espécie
de paradigma a ser seguido, levando a educação para um caráter meramente
reprodutor: “poderíamos ficar tentados a propagar a harmonia que descobrimos
perscrutando o mundo que nos rodeia, a realidade já configurada ante nós como
padrão universal” (Gimeno Sacristàn, 1983: 33). Não podemos tirar as referên
cias para a prática pedagógica apenas dos conteúdos explicativos da realidade
educacional, pois isto significaria tornar a realidade atual o modelo a construir
e não a ser superado.
A Projeção de Finalidades é a dimensão relativa aos fins da educação, aos obje
tivos do ensino, aos valores, à visão de homem e de mundo. Expressa a intencio
nalidade, o desejo do grupo, “as finalidades que se projetam num futuro que se
procura construir no presente” (Carvalho, 1988: 120); ajuda a explicitar as finali
dades presentes na ação, mas nem sempre conscientes, bem como a alargar os
horizontes de compreensão daquilo que queremos. Busca-se a superação da situa
ção atual, naquilo que ela tem de negativo, de contraditório. Por outro lado,
expressa a ‘consciência possível’ do grupo naquele momento histórico. Influencia
todo processo educacional, dando a direção, como ‘ponto futuro’.
I 10 Planejamento / Celso dos S. Vasconcel lo?
— Qualquer Objetivo?
‘Ora, posso colocar o que quiser como objetivo...’, poderia dizer alguém.
formos coerentes com o método dialético, na verdade isto não pode ocorrer. Por
quê? Porque os objetivos são resultado de um profundo perscrutar da realidade
de perceber, localizar, identificar seus limites e suas possibilidades, tendo er^
vista desenvolver, explorar, fazer avançar estas últimas. Se pudéssemos escrever
‘qualquer objetivo’, não haveria sentido começar pela análise da realidade. Jus
tamente, analisando a realidade vamos captar suas necessidades e suas possibili.
dades, saber inclusive os recursos disponíveis ou passíveis de serem conseguidos.
3.1 .Fundamentos
E a dimensão relativa ao processo de elaboração do encaminhamento da inter
venção na realidade, ou seja, ao como viabilizar as finalidades, a partir das condições
existentes; consiste em orientar a reflexão para a ação, para a prática, sendo uin
instrumental que ajuda a superar a postura meramente intuitiva ou o risco da
fragmentação da ação em função dos elementos da ideologia dominante presentes
no senso comum. Vai dar as diretrizes que orientarão a prática pedagógica.
A mediação tem que ser coerente com o posicionamento educacional. Não
há mediação boa ‘em si’ (ex.: metodologia meramente expositiva — é uma so
lução ótima para determinada concepção de educação; no entanto é uma aber
ração para outra...).
3a Parte/ I — Estrutura do Projeto de Ensino-Aprendizagem 113
a) Relacionaniento Interpessoal
A educação escolar pressupõe o encontro, homens em relação; sem este
relacionamento podemos ter outra coisa (instrução, informação, etc.), já que esta
é uma das instâncias do processo de humanização, vale dizer, onde o homem se
torna homem, constrói sua identidade, a partir da convivência com outros ho
mens. Apontamos para a importância da relação interpessoal na formação do
novo dirigente.78 Sabemos que a falta de relações humanas entre professor e
aluno é um dos grandes entraves do trabalho educativo. Por ser humana, a
educação escolar envolve todas as dimensões do sujeito, seja em termos mais
individuais (intelectual, física, afetiva, ética, estética, lúdica, religiosa) ou mais
sociais (sócio-político-econômico-cultural).
O relacionamento interpessoal é algo que pouco dá para se planejar em
termos de ações concretas; é claro que podemos prever algumas atividades,
como a apresentação pessoal nos primeiros dias de aula, encontros de convivên
cia, idas ao pátio para aproximação não formal, etc., todavia trata-se muito mais
de uma postura a ser desenvolvida pelo professor. Coloca-se aqui, por exemplo,
o desafio ao professor de saber acolher e respeitar o aluno, na sua forma de ser
e de se expressar, sendo capaz de interagir de maneira a ajudá-lo a crescer na
consciência, caráter e cidadania. Muitas vezes, a nossa relação com os alunos
entra pelo circuito da reação ao invés das interação; estamos feridos, magoados,
fechados por algum motivo e não conseguimos reverter este estado antes ou
durante o contato com eles; vai ser um estrago, pois o educador está ali para
dinamizar o processo e se encontra sem condições para isto; por sua vez também
não reconhece este fato, nem solicita um tempo para auto-análise; vai então
tentar suprir o problema do distanciamento usando o poder que sua posição lhe
confere; já sabemos o lamentável resultado desta falta de interação...
Algumas práticas podem ajudar na construção do relacionamento interpessoal:
iniciar as crianças desde cedo no trabalho em grupo; colocar as carteiras em
dupla; realizar encontro de convivência logo no começo do ano, para favorecer
o entrosamento dos alunos entre si e, principalmente, com os professores, no
caso de 5a série em diante (já que a partir de então têm bem menos tempo de
contato com alunos).
b) Organização da Coletividade
A organização da coletividade diz respeito à estruturação do trabalho em sala
de aula (organização do tempo e do espaço, normas, autoridade, formas de
78. Isto vai implicar, por exemplo, na necessidade de diminuir o número de alunos
a cargo de cada professor, a fim de que esta relação possa se dar de modo mais satisfatório.
1 14 Planejamento / Celso cios S. Vasconcellos
CONCLUSÃO
79. Lembrando que as outras duas questões essenciais (por quê e para quê) já devem
ter sido enfrentadas nas dimensões anteriores (realidade e finalidade).
III
Roteiro de Elaboração do Projeto de
Ensino-Aprendizagem
NÃO AO PROJETO!
DIALÉTICA DA TRAVESSIA
ESTRUTURA BÁSICA
86. Um exemplo bem simples: num plano de aula, a dimensão realidade pode apare
cer nas Necessidades e também na Metodologia (se o professor parte da realidade dos
alunos para levantar suas concepções prévias).
3a Parle/ III — Roteiro de Elaboração do Projeto de Ensino-Aprendizagem 135
POSICIONAMENTO EPISTEMOLÓGICO
1-PROJETO DE CURSO
periodicamente (p. ex. bimestralmente) é interessante, desde que haja esse fio
condutor, pois, do contrário, corre-se o risco de fragmentar o trabalho, ao invés
de dar-lhe maior unidade.89
89. Naturalmente não estamos nos referindo aqui à pedagogia de projetos, onde,
como vimos, o método de trabalho permite a construção de cada etapa de acordo com
as necessidades do grupo, em função de não haver a vinculação prévia a um rol de
conteúdos, como é o caso, ainda, de muitas escolas.
90. Como se pode observar, existem elementos que são comuns aos famosos formu
lários tecnicistas. A rigor, qualquer ação humana pode ser analisada a partir de certas
categorias, de modalidades de existência (conteúdo, forma, quantidade, qualidade, fina
lidade, etc.). O essencial é distinguir aqui a postura, a concepção de fundo que se tem.
Ou seja, nossa crítica ao planejamento normativo não está no fato dele explicitar Obje
tivos’, mas sim nas fontes e nas formas que estes objetivos serão buscados e tratados.
91. Estaremos aqui apontando elementos do processo de planejamento didático
enfocados no que diz respeito à sua necessidade e articulação para efeito de orgamzaçao
do trabalho docente. () detalhamento maior do conteúdo destes aspectos (ex.: as diversas
possibilidades de metodologia de trabalho ou de avaliação) pode ser encontrado em
produções sobre Didática ou Currículo.
Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos
138
Dimensão Elementos
□ Identificação
Análise da Realidade
□ Caracterização da Realidade
O Sujeitos
O Objeto
O Contexto
□ Necessidades
C 0
Projeção de Finalidades □ Finalidades da Escola
□ Fundamentos da Disciplina
0 c
Formas de Mediação □ Quadro Geral de Conteúdos
□ Proposta Geral Metodológica
□ Proposta de Avaliação
□ Fontes de Pesquisa
□ Interação com Outras Disciplinas
□ Integração com Atividades Extraclasse
□ Normas Estabelecidas
□ Observações
^Identificação
Registro cio noine cia Escola, cia Disciplina/Area clc Estudo a ser ministrada,
do(s) Professor(es), da série/nível, do número de turmas, do(s) turno(s) (manhã,
tarde, noite), da duração (anual, semestral), carga horária prevista. A identifica
ção remete a toda a vinculação institucional.
^Caracterização da Realidade
• Sujeitos (professor, alunos)
Registro de elementos relevantes e características gerais percebidas. Em
relação ao professor, no início pode haver dificuldade para o registro; não
tem problema: o importante é insistir no processo de reflexão crítica.
• Objeto
Registro do número de aulas semanais, número clc dias letivos, aulas pre
vistas por bimestre e no total. Indicação de articulação da disciplina com
série anterior e posterior (quando houver).
• Contexto (Escola, Comunidade)
Registro de elementos relevantes e características gerais percebidas. Parte
dos registros aqui indicados podem ser feitos antes do início das aulas, em
3“ Parte/ III — Roteiro de Elaboração do Projeto de Ensino-Aprendizagem 139
^Necessidades
l endo em vista os levantamentos feitos, e contando com sua experiência
anterior, cabe a reflexão do professor a fim de procurar identificar e explicitar
as necessidades educacionais (porquê), cujo trabalho posterior visará superá-las. É
preciso esclarecer que existem necessidades que são bastante específicas de de
terminado contexto (jamais irá existir uma 7a série A como a daquele ano), mas
outras são mais gerais (não é a primeira vez que existe uma quinta série, aquela
escola, aquele bairro, etc.), podendo o professor se basear em sua prática acu
mulada; estas necessidades presumidas, no entanto, devem ser verificadas
empiricamente.
^Finalidades da Escola
Explicitação das finalidades gerais da escola (para quê — amplo). Buscar estas
finalidades no Projeto Político-Pedagógico, quando a escola tiver.
^Fundamentos da Disciplina
1 rata-se de explicitar os fundamentos da disciplina a ser oferecida, e que
revelam o sentido e força do ensino daqueles conteúdos.
Sobre os Fundamentos
() pano de fundo aqui é a pergunta que os alunos sempre têm em mente,
mas nem sempre expressam: ‘Para que estudar esta matéria?’ É a justificativa do
ensino da disciplina: como o professor defende a existência da matéria no cur
rículo? Qual é seu papel no desenvolvimento dos alunos, na formação da cida
dania? Qual sua origem? Como chegou ao que é hoje? (resgate da história da
disciplina). Que relação mantém com a vivência do aluno, com a sociedade, com
outras disciplinas? Que mudanças tem havido no ensino da disciplina nos últi
mos anos? Quais são as tendências atuais do seu ensino?
Uma estratégia que tem se relevado bem fecunda é o confronto da discipli-
na/área com as grandes finalidades da escola. Digamos que assumimos que o
papel fundamental da escola passa pelo trabalho com o conhecimento para com
preender, usufruir c transformar a realidade. Poderíamos, então, a fim de orien
tar a elaboração dos fundamentos, fazer perguntas do tipo: Como este ensino
pode ajudar o aluno a:
QComprcender o mundo que o cerca, atribuindo sentido às coisas e à própria
existência?
^Usufruir o patrimônio acumulado pela humanidade, inclusive em termos
de inserção social pelo trabalho?
140 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos
92. Se a escola tiver Plano Curricular elaborado coletivamente, esta justificativa pode
ser buscada lá.
93. Baseado em Vilar, 1996: 34, Barbier, 1996: 149, e Libâneo, 1991: 131.
3J Parte/ III Roteiro de Elaboração do Projeto de Ensino-Aprendizagem 141
0 0 D $
Domínio de habilidades (savoir-faire),
competências, aptidões, procedimentos,
Mecanismos
Procedimental “Saber Fazer" destrezas, capacidades, método de
operatórios
pesquisa, desenvolvimento de operações
mentais, hábitos94 de estudo
0 0 0 c
Disposições do
Envolvimento, interesses, atitude, postura,
“Ser/Saber sujeito; modos
Atitudinal valores, posicionamento, convicções,
Ser” de agir, sentir e preocupações, normas, regras, vontades95
se posicionar
A rigor isto não é novidade, seja porque não é possível, por exemplo, a
efetiva construção do conhecimento por parte do sujeito se não tiver uma ati
tude de abertura para tal (envolvimento, mobilização), seja porque, como já
apontava Vygotsky, numa aprendizagem significativa o ganho do sujeito é duplo:
conceitos c habilidades, estruturas mentais, já que no mesmo ato que adquire um
conceito, adquire a capacidade de utilizá-lo como instrumento para adquirir
outros. Todavia, nos últimos anos, com as reformas do ensino no mundo e no
Brasil, esta questão volta com muita ênfase, o que a nosso ver é muito positivo
— na medida em que abre caminho para uma melhor formação —, desde que
não seja encarada como mais um modismo neotecnicista.96
Num trabalho sistematizado, o educando deve ter oportunidade de apropn-
ar-se não só dos conceitos, mas também do método. O conhecimento não é algo
pronto e acabado, daí a importância de formarmos produtores culturais, o que
implica desenvolver procedimentos que levem também à crítica e à criatividade
(cf. Vasconcellos, 1999: 12). Temos visto, no entanto, defesas ardorosas de que
o importante hoje não é tanto dominar um conhecimento, mas aprender a
aprender, portanto uma grande ênfase à habilidade; ora, não temos dúvidas que
aprender a aprender é decisivo num mundo em mudança vertiginosa, todavia,
entendemos que o sujeito aprende a aprender aprendendo conteúdos concretos,
94. Os hábitos são modos de agir relativamente automatizados que tornam mais
eficaz a ação (cf. Libâneo, 1991: 131).
95. Aqui se insere também o termo habitus (cf. Bourdieu): disposição geradora de
práticas.
96. Já temos relatos de coordenadores pedagógicos ou diretores devolvendo o plano
do professor porque ‘não dividiu direito os conteúdos’.
142 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos
^Proposta de Avaliação
Apresentação do processo de avaliação a ser utilizado no decorrer do curso
(como identificar necessidades). Pode-se explicitar o quê, como, para quê avaliar. Definir
bem as regras do jogo da avaliação com os alunos, para evitar criar ansiedade e
desconfiança na relação pedagógica. No caso de se trabalhar com notas ou
conceitos, é importante deixar claro como vai se chegar a eles.
Sobre a Avaliação
A avaliação, como sabemos, é um dos grandes desafios na prática pedagógi
ca: de elemento de referência do andamento do processo para a cooperação com
o educando no seu desenvolvimento, tornou-se elemento de controle e domina
ção. O professor, com dificuldade de mobilizar os alunos, passa a usar a nota
como instrumento de pressão. Desta forma, mantém-se a alienação da necessi
dade, pois o aluno não se relaciona com o conhecimento enquanto tal, mas
como meio de atingir um fim exterior à aprendizagem (garantir sua nota...).
Elá uma relação fundamental, porém rompida, entre avaliação e
(re)planejamento. Deve ser resgatada, pois é isto que dá o sentido transformador
da avaliação (e não de mera verificação).
A avaliação que buscamos tem aquele caráter de acompanhamento do pro
cesso, que faz parte da Realização Interativa. Quanto aos objetivos podemos dizer
que a avaliação visa:
• Informar alunos, professores e comunidade em que direção o desenvolvi
mento do aluno c do processo de ensino-aprendizagem está se realizando;
• Captar as necessidades a fim de serem trabalhadas e superadas, garantindo
a aprendizagem e desenvolvimento por parte de todos os alunos.
• Favorecer que, em especial, aluno e professor possam refletir conjunta
mente sobre esta realidade e selecionar as formas apropriadas de dar con
tinuidade aos trabalhos.
Deve ter, portanto, por objetivo uma tomada de decisão. Freqüentemente a
avaliação fica incompleta, pois levantam-se os dados, faz-se a classificação e
pára-se por aí, registrando nos diários de classe e arquivos...
3a Parle/ III — Roteiro de Elaboraçao do Projeto de Ensino-Aprendizagem 143
UdFontes de Pesquisa
Relação de livros, textos, vídeos, CDs, sites da Internet, revistas, secções de
jornais ou programas de televisão correlatos aos assuntos a serem trabalhados,
que serão utilizados ou que podem ser consultados. No caso de livros, pode-se
detalhar o que é didático, o que é paradidático, o que é leitura sugerida e ainda
o que é fundamento para o trabalho do professor.
97. Sugerimos algumas questões para auto-avaliação do professor: ‘Será que tenho
convicção de que estou trabalhando algo importante para meus alunos, ou considero a
matéria que ensino chata ou de pouca importância para a vida deles? l enho me prepa
rado para as aulas ou vou apenas pelas experiências dos anos anteriores? l enho procu
rado conhecer a turma para saber suas reais necessidades? Tenho procurado formas
adequadas de trabalhar o conteúdo? Que tipo de relacionamento, em termos predomi
nantes, tenho tido com os alunos? l enho transferido a responsabilidade para os outros?’.
98. Para um aprofundamento da questão da avaliação ver: C.S. Vasconcellos, Ava
liação: Concepção Dialética-Libertadora do Processo de Avaliação Escolar, C.S. Vasconcellos,
Superação da Lógica Classificatória e Excludente da Avaliação', C.S. Vasconcellos, Avaliação da
Aprendizagem: Práticas de Mudança.
144 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos
quer professor pode dar aula de qualquer matéria, não porque entenda de tudo,
mas, ao contrário, porque não precisa entender de nada: basta seguir o livro
didático (fala comum de professores: ‘Se não fosse esse livro, eu estaria perdi
do’). Em certas escolas, entende-se que planejar é escolher o livro didático, e
depois seguí-lo... E lastimável, mas em muitas situações o professor não é sujeito
de seu planejamento, à medida que acaba se limitando ao livro, que por sua vez
se impõe muito mais em função do forte esquema de divulgação das editoras, do
que por sua qualidade pedagógica ou proposta de educação. A sensação de certos
professores é de que, em verdade, ‘foram escolhidos’ pelo livro, mais do que o
escolheram. Em determinados contextos, os livros são adotados sem critérios
claros, em função de serem ‘atrativos’, coloridos, ‘bonitinhos’, com ‘textos muito
fáceis’, sem contar as vezes em que se adere ao novo pelo novo, ao modismo.
1 lá uma cobrança equivocada por parte de pais — especialmente de escolas
particulares — no sentido de que o livro ‘seja esgotado’, que o professor ‘dê
tudo’; chega haver até pressão para que o professor sequer altere a seqüência dos
capítulos. Isto é um absurdo, pois nega ao professor a liberdade de cátedra, tão
fundamental para um ensino de qualidade.
A partir da crítica mais radical ao livro didático — no Brasil, no final dos
anos setenta —, alguns professores foram para o outro extremo, abominando o
uso de qualquer livro. Acontece que, amiúde, não se adotava livro, todavia a
escola também não tinha condições de favorecer a elaboração, pelo próprio
grupo de professores, de outro material de apoio. O resultado eram as famosas
folhas soltas dos alunos — que se perdiam em pouco tempo — ou as ‘apostilas
tipo colcha de retalhos’ de vários livros didáticos. E certo que estas apostilas
tinham o mérito de pelo menos serem uma organização dada pelo professor a
partir da pesquisa em vários materiais, mas há de se convir que não é a solução
ideal. Portanto, se a escola quer trabalhar sem livros didáticos industriais, deve
ter condições mínimas — tempo de pesquisa, pessoal para digitação, gráfica, etc.
— para confecção do próprio material.
Nas escolas onde se adotam apostilas padronizadas de grandes redes de
ensino, a tendência é a inserção ainda maior do professor na alienação do tra
balho pedagógico, já que há toda uma programação scqtiencial do uso das mesmas,
ficando ainda mais difícil para o professor o ‘jogo de cintura’.
I lá que se considerar ainda que, depois de quase duas décadas de crítica, já
existem hoje no mercado alguns livros com melhor qualidade.
No caso de se utilizar o livro texto, este deverá passar por uma crítica da
escola e dos alunos (análise de questões de gênero, etnia, classe social,
multiculturalismo, culturas locais, etc.), procurando desmistificar seu caráter de
verdade acabada. O professor que se limita à utilização do livro texto no seu
conjunto (seqüência, conteúdo, exercícios) deveria ser substituído por uma má
quina de ensinar, que seria mais eficiente... Ao contrário, deverá procurar fazer
o percurso de significação do conteúdo a ser trabalhado, e não simplesmente
reproduzir o que está no livro didático; procurará recuperar as relações, o his
tórico, o vínculo com a realidade, portanto as relações de constituição do objeto
e deste com a realidade do educando.
3*1 Parte/ III — Roteiro de Elaboração do Projeto de Ensino-Aprendizagem 145
ANormas Estabelecidas
Registro do contrato pedagógico, das normas de convivência em sala de aula
que foram estabelecidas com a classe. Lembrar que as normas devem ser elabo
radas visando as necessidades do trabalho pedagógico em todas as suas dimen
sões. E recomendável que não se tenha ‘pressa’ na sua construção, nem que
sejam feitas ‘só para entregar para a coordenação’.
□ Observações
Espaço para registros do professor sobre o desenvolvimento do processo na
sua globalidade. () trabalho de ensino-aprendizagem é muito complexo e dinâ
mico; recorrer ao registro escrito é uma forma de fazer memória e possibilitar
o aperfeiçoamento do projeto.
1.2.Detalhamento Periódico
Como foi apontado logo atrás, o projeto pode ser feito no seu conjunto,
enquanto linha geral, e depois a proposta de trabalho pode ser melhor definida
através do detalhamento periódico (mensal ou bimestral).
Dimensão Elementos
0 $
0 $
^Objetivos Específicos
Explicitação dos objetivos para aquele período de trabalho. Os objetivos
serão estabelecidos tendo como referência as necessidades localizadas e a pro
posta geral do curso. Pode caber aqui também a colocação dos objetivos nas três
dimensões correlatas aos três tipos de conteúdos (conhecimentos, habilidades,
atitudes), de acordo com as necessidades apontadas.
^Metodologia
Explicitação das estratégias previstas para trabalhar aquela unidade ou con
teúdo. Este registro é importante para não se perder idéias que o professor tem
ao elaborar o projeto. No detalhamento da aula é que as estratégias serão efe
tivamente definidas.
Sobre a Metodologia
\ Metodologia" refere-se à condução do processo didático, às experiências
de ensino-aprendizagem, a como será trabalhado cada item do programa. O
aspecto metodológico é muito importante, pois é a criação das condições ade
quadas para o trabalho educativo, superando a improvisação empírica.
De acordo com a teoria do conhecimento que fundamenta o trabalho do
professor, alguns elementos metodológicos podem constituir uma espécie de
roteiro de aula. Assim, por exemplo, consideremos que nossa referência seja a
concepção dialética de conhecimento; poderíamos destacar a Problematizaçao
como um elemento nuclear na metodologia de trabalho em sala de aula, ja que,
se forem adequadamente captadas, as perguntas poderão provocar e direcionar,
de forma significativa e participativa, o processo de construção do conhecimento
por parte do aluno, sendo também um elemento mobilizador para esta constru
ção. Neste sentido, ao preparar a aula, o professor já poderia destacar possíveis
perguntas ou problemas desencadeadores da reflexão dos alunos. Uma tarefa
importante que se colocaria para o professor, portanto, seria extrair do conteúdo
a ser trabalhado suas perguntas básicas, geradoras, qual seja, resgatar as situa
ções-problema que deram origem ao conceito: ‘Quais os problemas que estavam
colocados?’, ‘Quais as perguntas que estão por detrás destes conteúdos? . Isto
deve fazer parte do plano (cf. Vasconcellos, 1999: 87).
O questionamento que deve acompanhar o professor na elaboração da pro
posta metodológica é o seguinte: ‘O que é preciso fazer para que estes alunos
aprendam efetivamente este conteúdo? Com esta ação que estou tendo, que açao
estou propiciando ao aluno (tipo/grau de atividade e de significação)?,
^Recursos Didáticos
100 que utilizamos para orientar a aprendiza
Recursos são os meios materiais99
gem dos alunos, que vão construir o conhecimento a partir do contato, da
99. Mais uma vez a luta com as palavras: não estamos assumindo aqui metodologia
no sentido lato de ‘estudo dos métodos’, mas como indicação, explicitação dos métodos a
serem utilizados na prática pedagógica.
100. Embora, em certos casos, possam ser também logísticos ou humanos.
148 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos
interação com a realidade. Aponta-se aqui a relação dos meios materiais para
orientar a aprendizagem dos alunos (com quê\ que poderão ser utilizados para o
desenvolvimento do trabalho. Vale a mesma observação anterior quanto a defi
nição e detalhamento.
Sobre os Recursos
O aluno não aprende só na escola; todavia, ao contrário da aprendizagem
informal, na escola as atividades são programadas, planejadas, intencionais. O
professor, de forma proposital, dispõe certas condições da realidade para que o
aluno interaja e construa seu conhecimento. Ocorre que poucas são as oportu
nidades na escola do educando se confrontar com o objeto mesmo, de maneira
direta. Reiteradamente, o objeto de conhecimento é apresentado ao aluno atra
vés de alguma mediação. A mediação da realidade a ser conhecida pode ser
“objetai, ilustrada, verbal e simbólica” (Petrovski, 1979: 232); exemplo: o livro
didático, um filme, a exposição do professor, uma foto, um documento, uma
gravação, um texto, um modelo, um vídeo, etc. As mediações que ‘trazem’ o
objeto para o aluno podem ser de diferentes qualidades, no sentido do grau de
apreensão das relações que compõem/constituem o objeto.
Se o professor leva para a sala de aula uma mediação fraca, mistificada, que
não revela bem a estrutura do real, fica mais difícil para o aluno chegar ao
concreto. O professor tem, pois, uma tarefa muito importante: selecionar e
organizar a mediação da realidade com a qual o aluno vai ter contato.
2-PLANO DE AULA
Da mesma forma que os outros projetos, o Plano de Aula deve ser feito, >
antes de mais nada, como uma necessidade do professor e não por exigência
formal da coordenação ou direção.
Dimensão Elementos
□ Assunto
Análise da Realidade
□ Necessidade
ô $
0 e
□ Metodologia
□ Tempo
□ Recursos
Formas de Mediação
□ Avaliação
□ Tarefa
□ Observações
Uma única aula (ou conjunto de aulas) pode ter este conjunto de elementos
repetidos diversas vezes, de acordo com a estimativa de tempo disponível.
{^Assunto
Indicação da temática a ser trabalhada em sala de aula.
{^Necessidade
Explicitação das necessidades percebidas no grupo e que justificam a propos
ta de ensino. Numa primeira elaboração, o professor pode entender que o Objetivo
já ‘incorpora’ a necessidade; no entanto, o esforço para sua elucidação é salutar
em nome da clareza que se vai ganhando (aproximações sucessivas).
{^Objetivo
I rata-se aqui da explicitação do Objetivo Específico do ensino daquele as
sunto. I em a ver com o sentido do ensino deste determinado conteúdo, para
este grupo, neste momento (o que eu quero mesmo com este trabalho?).
{{^Conteúdo
Explicitação do conteúdo a ser trabalhado. Pode ser mais ou menos detalha
do, de acordo com o conhecimento do professor: quando o assunto é muito
conhecido e já trabalhou várias vezes sobre ele, basta uma referência para a
150 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos
^Metodologia
Explicitação dos procedimentos de ensino, técnicas, estratégias, a serem
utilizadas no desenvolvimento deste assunto; é o caminho concreto a ser trilhado.
Pode indicar tanto as atividades previstas para o professor, quanto as esperadas
dos alunos.
Deve-se considerar a especificidade do objeto de conhecimento em questão;
dependendo do objeto, pode-se demandar um tipo de ação, que seja mais apro
priada para o estabelecimento de relações entre o sujeito e ele. Os tipos de
atividades que podem ser desenvolvidas dependem, por exemplo, se a aula é de
Física, Português, Matemática ou História; mesmo na própria disciplina, em
função do tema específico, pode caber melhor uma ou outra atividade (uma ida
ao laboratório, uma pesquisa teórica, um debate, uma observação direta da re
alidade, a projeção de um filme, etc.).
\2Tempo
Previsão do tempo a ser empregado com este assunto (quando — no sentido
de duração-, em relação ao sentido de ordem, já se manifestou antes pela
seqüenciação dos conteúdos). E claro que trata-se sempre de uma estimativa,
mas é importante para a viabilização da proposta. /X previsão do tempo revela
também a prioridade dada a cada parte.
^Recursos
Cabe aqui a indicação dos recursos que serão utilizados. E importante não
desperdiçar oportunidades de inclusão de recursos. Sc professor não planeja e só
se lembra quando a aula está em andamento, não dará para aproveitar mais a
idéia, pois não preparou o material (ex.: texto, recurso audiovisual, material ou
condição para aplicação de uma técnica, etc.).
^Avaliação
Explicitação de como este trabalho estará sendo avaliado (que necessidades —
como vai indo): que estratégias o professor pode estar utilizando cm sala para
acompanhar o processo de desenvolvimento e de construção do conhecimento
do aluno. Aqui explicita-se mais uma ligação entre forma de trabalho e de
avaliação: se a metodologia em sala é passiva, naturalmente fica mais difícil
avaliar, já que aluno não está se expressando...
A partir da avaliação feita tem-se elementos para replanejar o trabalho. Se
houver a participação dos alunos neste processo, todos podem ser tornar designers,
analisando a situação, estabelecendo objetivos e propostas de ação (cf. Moreira,
1995: 17).
3J Parte/ III — Roteiro de Elaboração do Projeto de Ensino-Aprendizagem 151
^Tarefa
Indicação das atividades que serão propostas para serem feitas fora da sala
de aula. Deve estar relacionada aos objetivos trabalhados ou aos que serão tra
balhados logo na seqüência. Numa perspectiva interacionista, a tarefa tem como
funções básicas:
• O aprofundamento e síntese do que está sendo visto em classe;
• Ajudar o aluno a ter representações mentais prévias disponíveis correlatas
ao assunto a ser tratado nas aulas seguintes.
Desta forma, através da tarefa, o aluno planeja sua participação na aula.
□ Observações
Registro do professor sobre o andamento cotidiano do trabalho: o que fez,
como fez, o que estava prevista e deixou de fazer, comportamento de aluno ou
da classe que chamou atenção, etc. Pode anotar aqui sua reflexão e avaliação
sobre a caminhada, tornando o projeto um instrumento de pesquisa sobre sua
práticíu o que deu certo, o que não deu, as dúvidas e certezas que surgiram, suas
hipóteses. E preciso resgatar este hábito de escrever sobre a prática (Diário de
Bordo), tendo em vista a possibilidade de uma reflexão mais sistemática.
3-TRABALHO DE PROJETO
Dimensão Elementos
$ e
Projeção de Finalidades □ Explicitação dos Objetivos <---------------------------------
$ 0
Formas de Mediação
□ Metodologia
•Constituição dos Grupos de Trabalho
•Trabalho de Campo
•Planejamento do Trabalho pelo Grupo-----------------
•Pesquisa e Teorização
•Produção de Registros
•Apresentação
□ Avaliação
□ Recursos
□ Registro
□ Tema-Problema
O problema ou a temática a ser investigada pode ser sugerido pelos alunos
ou pelo professor. Nesta indicação podem estar influenciando um estudo que
está sendo feito e que traz alguma indagação, algum fato que está se colocando
na comunidade local ou na mídia, alguma situação vivida pelo aluno que é
socializada e desperta interesse, pesquisa feita na realidade, alguma necessidade
pedagógica advinda do período anterior (ex.: desenvolveu-se bastante a produ
ção de texto, mas pouco se trabalhou com operações matemáticas), etc. Não se
deve descartar, pois, a contribuição do professor, já que “é impossível compreen
der porque a sugestão de alguém com maior experiência e mais larga visão (o
mestre) não seja, pelo, tão válida quanto a sugestão provinda de fonte mais ou
menos acidental” (Dewey, 1979: 71). O importante é que a definição possa se
pautar por dois critérios básicos: grau de relevância do problema (em termos de
potencial de aprendizagem e desenvolvimento) e nível de significação para os
alunos (vinculação com necessidades e representações prévias). Uma vez identi
ficado o problema central, podem ser elencados outros correlatos.101
[A Objetivos
Seria, naturalmente, um lamentável equívoco considerar-se que o trabalho
com projeto não tem objetivos. O que acontece é que os objetivos do trabalho
não estão dados previamente (não há uma precedência temporal): vão se cons
tituindo e explicitando a partir da escolha do teina-problema, evoluindo na
programação que o grupo faz. O professor, como parceiro mais experiente, tem
condições de fazer articulações do tema escolhido com outros temas já estudados
ou a serem estudados, com outros dados da realidade, etc.
□ Conteúdos
Cabe observar que o conteúdo do trabalho não é definido de antemão, mas
vai ser construído pela pesquisa e teorização, ganhando forma na produção de
registros.
Quanto à preocupação de não se trabalhar ‘certos conteúdos’, o que a pratica
tem demonstrado é o seguinte: se bem conduzido, não só são tratados conteúdos
previstos para aquela faixa etária, como outros são introduzidos, por conta do
interesse dos alunos no enfrentamento do problema.
Deve-se evitar ‘forçar a barra’ em termos de integração curricular: relações
muito artificiais, só para dizer que aquele componente curricular foi incluído,
tratou do tema.
^Metodologia
A metodologia de trabalho aqui é a própria metodologia que caracteriza o
trabalho com projeto. Ela é apresentada aos alunos, que logo devem se apropn-
ar, aprendendo pelo fazer, qual seja, já programando e seguindo os passos esta
belecidos. Deve ficar claro, mais uma vez, que não há um ‘modelo universal’.
Possível roteiro:
• Constituição dos Grupos de Trabalho: embora o projeto possa ser indi
vidual, quando em grupo propicia o máximo aproveitamento pela oportu
nidade de interação mais próxima com o outro. Uma das formas de se
constituir o grupo pode ser por inscrição espontânea nos temas ou subtemas
do projeto.
• Planejamento do Trabalho pelo Grupo: esta é uma etapa fundamental e
que, de certa forma, dá a especificidade deste tipo de trabalho, qual seja,
o próprio grupo vai assumir o planejamento do trabalho a ser desenvol
vido. Isto vai implicar desde a definição do problema a ser estudado,
explicitação de finalidades, levantamento de hipóteses, previsão de tempo,
recursos, formas de coleta, registro e tratamento dos dados, distribuição
das tarefas no grupo, até a montagem de um roteiro de atividades.
• Trabalho de Campo: é o momento em que o grupo parte para a ação a
fim de ter contato com a realidade, com o problema. Normalmente os
projetos privilegiam também atividades outras que não só as intelectuais,
como forma de desenvolver novas habilidades nos alunos.
• Pesquisa e Teorização: este é, digamos assim, o núcleo do trabalho de
projeto; trata-se do investimento do grupo no levantamento de hipóteses
explicativas e de busca de fundamentação para confirmar ou refutá-las.
• Produção de Registros: o registro também tem um destaque nesta
metodologia de trabalho, visto que não se parte de um livro didático, onde
o conhecimento já tem uma base de organização. Caberá o registro do
trabalho no grupo com vistas à apresentação.
• Apresentação: a apresentação do ‘produto’ final tem importante papel na
sistematização preliminar do conhecimento, bem como elemento de
motivação para o grupo. As formas podem ser as mais variadas, de acordo
com a opção do grupo (relatório, dramatização, esquema, desenho, etc.).
Quanto mais a culminância do trabalho de grupo estiver ligada a uma
realização efetiva (ex.: construção de um jardim ou horta na escola; cam
panha de limpeza do córrego da vila; montagem da rádio-escola; constru
ção de material didático de apoio para séries anteriores, etc.), mais se
estará ajudando a romper a histórica prioridade no verbal e no discurso,
bem como a tão famigerada separação entre a escola e a prática social.
• Globalização: busca de uma síntese geral sobre o tema-problema traba
lhado. Este momento é da maior importância tendo em vista ajudar os
alunos a generalizarem o conhecimento adquirido através do projeto, que
sem isto poderia ficar muito restrito, particularizado, preso à singularida
de da experiência, dificultando a transferência para outros contextos, não
se abrindo à renovação e expansão. De qualquer forma, a sistematização
só vem depois que o educando teve a experiência do objeto.
^Avaliação
A avaliação aqui também vai se dar em patamares distintos e complementa
res, a saber: reflexão sobre o trabalho no interior do grupo (visando reorientá-
3a Parte/ III — Roteiro de Elaboração do Projeto de Ensino-Aprendizagem 155
lo), análise crítica das apresentações dos grupos (visando localizar avanços e
lacunas a serem retomadas na síntese) e avaliação geral do trabalho de projeto
(visando tomada de consciência por parte de todos e definição de elementos para
continuidade do trabalho). Existem, por exemplo, certos projetos que não ‘de
colam’; caberá uma análise e redirecionamento do trabalho.
^Recursos
A disponibilidade de recursos para a pesquisa ganha aqui uma enorme im
portância, visto que não há um conteúdo previamente definido. Para enfrentar
a complexidade do real, os alunos deverão exercer a investigação e para isto
necessitam de condições. Assim, a biblioteca (ou midiateca) passa a ser um lugar
privilegiado de atividades dos educandos e do professor. Deve-se ter em conta
também os recursos da comunidade e dos próprios alunos.
^Registro
Além do registro do trabalho de grupo, deve haver o de globalização do
tema, que pode ser feito individualmente ou através de uma 6805
a . coletiva
de texto.
O professor, da mesma forma que os alunos, precisa do registro para poder
acompanhar o desenvolvimento da turma, e ter elementos para ajudar na síntese
do trabalho, bem como para ter clareza das ênfases e dos vazios curriculares.
A análise dos registros pode ser um caminho interessante de retomada ou
recapitulação dos assuntos trabalhados.
CONCLUSÃO
Pelas reflexões precedentes, cremos ter ficado claro que não existe um ca
minho que seja em si o melhor, o mais correto ou coisa do tipo. A grande
questão é sempre a do Méthodos de trabalho, qual seja, a articulação entre in
tencionalidade, realidade e mediação. Desta forma, se.jtvermps clareza do que
queremos com nosso trabalho na escola, poderemos ter diferentes caminhos
para lá chegar, de acordo com a realidade que partimos.
Esta reflexão é importante para nos ‘vacinar’ diante do fascínio exacerbado
que as novas propostas podem trazer e da nossa tendência de colocar toda nossa
esperança nisto, desprezando, inclusive, a experiência do passado. Podemos ficar
sendo disputados por diferentes propostas metodológicas e nos perder neste
âmbito relevante, sem dúvida, mas restrito!
Assim, o trabalho de projeto é, com freqüência, apreciado — pelo menos
conceitualmente — pelo fato de apresentar algumas superações da distorção a
que chegou historicamente a pedagogia por temas (ou mesmo a pedagogia por
objetivos). Mas, da mesma maneira que pode sofrer distorções, virando uma
caricatura de projeto, há, como apontamos, a possibilidade de se fazer do traba
lho com temas um caminho de construção de conhecimento e de desenvolvi
mento dos alunos, desde que se supere também as distorções e condicionamen
tos históricos a que nós professores fomos submetidos.
156 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos
ISBN: 85-85819-07-3
9788585819071
9 "78858
dldleitad — Sditota da {faitio de 'petqacea, e /teeceeeica