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Celso dos S.

Vasconcellos

Planejamento
• PROJETO DE ENSINO-APRENDIZAGEM
E PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Vasconcellos, Celso dos Santos, 1956-


Planejamento: Projeto de Ensino-Aprendizagem
e Projeto Politico-Pedagógico — elementos meto­
dológicos para elaboração e realização, 18^ ed.
/ Celso dos Santos Vaconcellos. — São Paulo :
Libertad Editora, 2008. — (Cadernos Pedagógicos
do Libertad ; v. 1)

Bibliografia.
Planejamento escolar

ISBN 85-85819-07-3

95-2602 CDD 371.3

índices para catálogo sistemático:

Ensino: Planejamento 371.214


Planejamento: Ensino 371.214
Planejamento escolar: Educação 371.207
Celso dos S. Vasconcellos

PLANEJAMENTO
PROJETO DE ENSINO-APRENDIZAGEM
E PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO

dLi&enfad — (faitno de 'peeqaiéa.


yarmação e rfeeeeeonia 'Pedayáqcca
Coleção Cadernos Pedagógicos do

1. Planejamento: Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-


Pedagógico - elementos metodológicos para elaboração e realização
2. Construção do Conhecimento em Sala de Aula
3. Avaliação: Concepção Dialética-Libertadora do Processo de Avaliação
Escolar
4. (In)Disciplina. Construção da Disciplina Consciente e Interativa em
Sala de Aula e na Escola
5. Avaliação: Superação da Lógica Classificatória e Excludente - do “é
proibido reprovar” ao é preciso garantir a aprendizagem
6. Avaliação da Aprendizagem: Práticas de Mudança — por uma práxis
transformadora

Coleção Subsídios Pedagógicos do

1. Para onde vai o Professor? Resgate do Professor como Sujeito de


Transformação
3. Coordenação do Trabalho Pedagógico: do Projeto Político-Pedagógico
ao Cotidiano da Sala de Aula

Universidade Federal de Uberlândia


BIBLIOTECA
SISBI/UFU
262467

Autoria: Celso dos Santos Vasconcellos

Vendas:
Atâvtfacl — Centro de Pesquisa, Formação e Assessoria Pedagógica
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04125-040 — São Paulo — SP
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site: www.celsovasconcellos.com.br
Endereços Eletrônicos: csvliber@uol.com.br
celsovasconcellos@uol.com.br

© do autor, 1995
18a edição, 2008
Sumário

Prefácio à 5a Edição.................................................................................................... 9

Ia Parte
PLANEJAMENTO EM QUESTÃO

Introdução: O Papel da Reflexão........................................................................... 1 1


I. A Falta de Sentido do Planejamento........................................................... 14
1- Localização da Problemática.......................................................................... 15
2- 0 que dizem os Professores.......................................................................... 16
2.1. Não é Possível Planejar ................................ ;............................................. 17
2.2. Do jeito que o Planejamento vem sendo jeito não funciona............................ 18
2.3. Não é Necessário Planejar............................................................................ 20
II. Análise do Problema........................................................................................... 22
1- Duas Grandes Correntes do Pensamento.................................................. 22
2- Processo de Alienação do Professor............................................................ 23
2.1. Sobre a Alienação.......................................................................................... 24
2.2. A Alienação do Educador.............................................................................. 25
3- (Des)Caminhos do Planejamento................................................................. 27
3.1. Breve Retrospectiva Histórica....................................................................... 27
3.2. Núcleo do Problema do Planejamento.......................................................... 31

2a Parte
O PLANEJAMENTO COMO MÉTHODOS DA PRÁXIS
PEDAGÓGICA

I. Re-significando a Praticado Planejamento................................................. 35


1-Necessidade do Planejamento........................................................................ 36
1.1. Pressuposto Fundamental do Planejar:
Necessidade de Mudar................................................................................. 36
1.2.0 Planejamento como Necessidade do Educador.......................................... 41
2- Possibilidade do Planejamento
2.1. Possibilidade de Mudança em Geral 51
2.2.0 Planejamento enquanto Possibilidade 54
3- Finalidades do Planejamento
II. Fundamentos Histórico-Antropológicos e Epistemológicos 65
1- Perspectiva Histórico-Antropológica 65
/. 1.Gênese da Atividade de Planejar 65
1.2. Dimensões da Ação Intencional
2- Planejamento enquanto Método Dialético de Transformação 72

2.1 .Concepção de Método...................................................................................... 73


2.2. Planejamento enquanto Méthodos de Trabalho 74
III. Processo de Planejamento 78
1- Aprofundando o Conceito de Planejamento 78
— Diferenças 79
— Planejamento x Plano ................................................................. 80
— Subprocessos 81
2- Fundamentos da Elaboração do Planejamento 82
(DRealidade 83
©Finalidade 84
©Plano de Mediação 85
Dialética entre as Dimensões 86
3- Fundamentos da Realização Interativa 86
— Interferências 87
Dinamismo da Consciência 88
— Duas vezes 89
Atividades Reflexivas Presentes 89
— Sobre a Utopia 90
4- Necessidade da Participação no Planejamento 92

3 a Parte
PROJETO DE ENSINO-APRENDIZAGEM

Introdução Geral 95
Níveis de Planejamento 95
I. Estrutura do Projeto de Ensino-Aprendizagem 97
Introdução 97
1- Sobre o Conceito de Projeto de Ensino-Aprendizagem 97
2- Projeto x Concepção de Educação, Currículo e Conhecimento 98
2.1. Educação Escolar ......... 98
2.2. Currículo e Conhecimento 99
3- Visão Geral 102
1- Análise da Realidade 104
1.1. Fundamentos 104
1.2. Repercussão para 0 Projeto de Ensino-Aprendizagem 106
2- Projeção de Finalidades 109
2.1. Fundamentos................................................................................................... 109
2.2. Repercussão para o Projeto de Ensino-Aprendizagem................................. 110
3-Elaboração das Formas deMediação............................................................. 112
3.1. Fundamentos................................................................................................... 112
— 3.2. Repercussão para o Projeto de Ensino-Aprendizagem.................................. 113
II. Desafios Pedagógicos doProjetode Ensino-Aprendizagem ..................116
1- Superação do Dogma “Cumprir o Programa”..........................................116
1.1. Questão do Tempo........................................................................................... 117
1.2. Questão do Conhecimento Mediato.................................................................121
1.3. Questão do Programa...................................................................................... 122
2- Projeto de Ensino do Professor <-> Projeto
de Aprendizagem do Aluno...............................................................................124
2.1. Provocar a Necessidade................................................................................... 128
2.2. Favorecer a construção da Finalidade...........................................................129
2.3. Propiciar a elaboração do Plano de Ação...................................................... 130
III. Roteiro de Elaboração do Projeto de Ensino-Aprendizagem 132
Dialética da Travessia............................................................................................ 133
Estrutura Básica...................................................................................................... 134
Posicionamento Epistemológico......................................................................... 135
1- Projeto de Curso................................................................................................. 1 36
1.1. Possíveis Elementos do Projeto de Curso....................................................... 137
1.2. Detalhamento Periódico................................................................................. 145
2- Plano de Aula...................................................................................................... 148
3- Trabalho de Projeto........................................................................................... 1 51
IV. Questões do Processo de Planejamento Didático.................................... 157
1- Observações sobre o Processo de Mudança do Planejamento..............157
1 .l.Dialética do Lógico-Histórico......................................................................... 157
1.2. A “Flexibilidade” em Questão....................................................................... 159
1.3. Papel da Equipe de Coordenação/Direção..................................................... 159
2- Espaço de Trabalho Coletivo...........................................................................161
3- Desmistificando o Planejamento..................................................................... 164

4a Parte
PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO

Conceito e Metodologia de Elaboração............................................................. 169


1- Conceituação de Projeto Político-Pedagógico..........................................169
2- Relevância do Projeto Político-Pedagógico............................................... 171
3- Visão Geral do Processo................................................................................. 174
4- Metodologia de Trabalho para a Elaboração do Projeto....................... 176
I. Marco Referencial................................................................................................... 182
1- 0 que é o Marco Referencial........................................................................ 182
2- Partes do Marco Referencial...........................................................................182
2.1. Marco Situacional.......................................................................................... 182
2.2. Marco Filosófico.............................................................................................. 183
2.3. Marco Operativo............................................................................................ 183
3-Como fazer o Marco Referencial...................................................................185
II. Diagnóstico.................................................................................................................. 188
1- 0 que é o Diagnóstico..................................................................................... 188
2- Compreender a Realidade não é Fácil, não!............................................. 190
3- Como fazer o Diagnóstico............................................................................... 191
III. Programação............................................................................................................... 194
1- 0 que é a Programação................................................................................... 194
2- Observações Metodológicas.............................................................................194
3- Como fazer a Programação.............................................................................196
4- Avaliação e Reelaboração do Projeto............................................................200
Referências Bibliográficas.......................................................................................... 201
22 Parte
O PLANEJAMENTO COMO
MÉTHODOS DA PRÁXIS
PEDAGÓGICA

I
Re-significando a Prática
do Planejamento

Qual o sentido do planejar? Por que um sujeito/grupo vai se envolver com


este tipo de atividade? Constatamos aquela ambigüidade nos educadores: ao
mesmo tempo em que aceitam a importância do planejamento, têm também
sérias desconfianças; concordam com a idéia geral de planejamento (quem não
concorda?), mas estão marcados pela experiência de elaboração de planos buro­
cráticos, formais, controladores. Se o professor não vê objetivo em planejar,
com certeza não irá se envolver significativamente nesta atividade; pode até fazer
para ‘inglês ver’...
Para estabelecer um referencial de comunicação, esbocemos inicialmente
um conceito: planejar é antecipar mentalmente uma ação a ser realizada e
agir de acordo com o previsto; é buscar fazer algo incrível, essencialmente
humano: o real ser comandado pelo ideal.
De que pressuposto — normalmente implícito — parte-se quando se planeja?
• Planejar ajuda a concretizar aquilo que se almeja (relação Teoria-Prática); 1
• Aquele algo que planejamos é possível acontecer; podemos, em certa me­
dida, interferir na realidade.
Re-signi ficar o planejamento para o sujeito implica resgatar sua necessidade e
possibilidade, cm dois níveis: um mais geral e outro específico da atividade de
planejar.

1
Planejamento / Celso dos S. Vasconcelios
36

NECESSIDADE Mudança Querer mudar a realidade; estar vivo, em movimento.


Ponto de partida para todo processo de planejamento

Planejar Sentir que precisa de mediação simbólica para alcançar


o que deseja

POSSIBILIDADE Mudança Acreditar na possibilidade de mudança (em geral e


daquela determinada realidade); esperança; abertura

Planejar Ver condições de poder antecipar e realizar a ação

— Quadro: Tarefas implicadas na re-significação do Planejamento—23

Planejar, então, remete a: ©querer mudar algo; ©acreditar na possibilidade


de mudança da realidade; ©perceber a necessidade da mediação teórico-
metodológica; ©vislumbrar a possibilidade de realizar aquela determinada ação.23
24
Para que a atividade de projetar seja carregada de sentido, é preciso, pois, que,
a partir da disposição para realizar alguma mudança, o educador veja o plane­
jamento como necessário (aquilo que se impõe, que deve ser, que não se pode
dispensar) e possível (aquilo que não é, mas poderia ser, que é realizável).

1-NECESSIDADE DO PLANEJAMENTO

1.1.Pressuposto Fundamental do Planejar:


Necessidade de Mudar
O fator decisivo para a significação do planejamento é a percepção por parte
do sujeito da necessidade de mudança. E claro que se tudo vai bem, se nada há
para se modificar na escola, para quê introduzir este tal de ‘plano’? E incrível, mas
muitos professores parecem tão satisfeitos — ou alienados... — com suas práticas
que não sentem necessidade nem de aperfeiçoamento. Talvez, se questionados
sobre a escola, até tenham o que dizer; ou não, de medo que dizendo alguma
coisa possa sobrar alguma tarefa para eles... Todo o trabalho da ideologia domi­
nante vai no sentido de anestesiar a percepção das contradições e a conseqüente
necessidade mudança. O ponto de partida é uma pergunta básica: há algo em
nossa prática que precisa ser modificado, transformado, aperfeiçoado? Se não há,
não se precisa de projeto. A ausência de falta, a inapetência (física e/ou intelec­
tual), a ausência de desejo é sinal de estagnação, e, portanto, de morte.

23. Os quadros ou esquemas utilizados têm por objetivo ajudar na compreensão;


todavia, correm sempre o risco de serem simplificadores ou mesmo maniqueístas. Por­
tanto, recomendamos o abandono deles depois de uma primeira leitura, ou um movimen­
to de desmontagem e remontagem em novas bases.
24. De certa forma, podemos relacionar estes aspectos com os conceitos de potência
(caráter ativo: capacidade de intervir, de modificar condicionamentos) e de potencialidade
(caráter passivo: capacidade de ser modificado).
2“ Parte/ I — Rc-signi ficando a Praticado Planejamento 37

O que constatamos com freqüência é que há uma descrença anterior e mais


profunda, qual seja, não com o planejamento enquanto tal, mas com a própria
educação... (e, cm alguns casos, no limite, com a própria existência: morte do
entusiasmo, do espanto, da indignação — cf. Santos, 1996a). Não é possível re-
significar o planejamento cm si, isolado da re-significação de estar no mundo e de
toda a prática educacional! O grande nó do planejamento educacional pode estar
na morte do autêntico trabalho pedagógico devido a:
• Fatores exteriores: a falta de condições c de liberdade, a cobrança formal
e autoritária do cumprimento do programa, etc.;
• Fatores interiores: o professor que se entregou, que abriu mão de lutar,
de resistir contra as pressões equivocadas.25
Não há processo, técnica ou instrumento de planejamento que faça milagre.
O que existem são caminhos, mais ou menos adequados. De qualquer forma, o
fundamento primeiro de qualquer processo de planejamento está num nível
mínimo (considerando que a realidade é sempre contraditória e processual),
pessoal e coletivo, de compromisso (desejo, ética, responsabilidade) e competên­
cia (capacidade de resolver problemas).
A questão do planejamento é desafiadora, pois projetar é para o humano, c
não poucas vezes estamos reduzidos em nossa humanidade, estamos desanima­
dos, descrentes, cansados. Também no meio educacional — entre professores,
membros de equipes de coordenação, direção, mantenedores, pais, funcionários,
alunos —, estão presentes forças de vida e de morte. Chegamos a nos sentir
com ausência de desejo: quem quer a escola? quem acredita na escola como
caminho de construção de uma sociedade mais justa? Escola para quê? Simples­
mente como meio de subsistência?
O que dá vida a uma escola? Seria o planejamento? Não podemos ter esta
ilusão. São as pessoas, os sujeitos que historicamente assumem a construção de
uma prática transformadora. Antes de mais nada, precisamos de uma ‘matéria-
prima’ fundamental: as pessoas, que buscam, sonham, pensam, interrogam, de­
sejam. Numa concepção libertadora, sujeitos, projeto e organização devem se
articular a partir do fundamental, que são as pessoas, construtoras e destinatárias
da libertação.
Não vivemos sem desejo. Precisamos nos aproximar, precisamos somar as
forças — ainda que diminutas — dos que desejam, dos que estão vivos e querem
lutar pela vida... Por outro lado, como dizia D. Helder: “o número de pessoas
que querem o bem é muito maior do que a gente imagina”.
Existem várias formas de suicídio [Eros (princípio de ação, desejo, disposição
vital) x Thánatos (impulso de morte, destruição) cf. Freud, 1856-1939]: uma delas
é nos metermos no trabalho feito loucos e não pararmos para pensar. Outra c
ficarmos sempre reclamando: dá uma sensação de que estamos fazendo alguma
coisa. Aliás, para o sistema é muito bom, é uma forma de se manter pois a queixa
funciona “como lubrificante da máquina inibitória do pensamento”, já que “este
lamento impotente confirma e reproduz um lugar de dependência” (Fernández,

25. Na linguagem popular, estes dois fatores corresponderiam, respectivamente, a


‘morte matada’ e ‘morte morrida’.
3< 38
Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos

1994: 107), e ainda dá a aparência de ser democrático; ta e ação. Estas


i é~ absolutamente
ineficaz quando não se tiram consequências concretas de oi gamz. energia para
evasivas, no entanto, podem configurar um ciclo vicioso, pois o ao não
a ação é a visualização de algo a ser realizado, um objetivo, UUU ^vainente. Roin-
estabelecê-la, vamos tendo menos disposição ainda, e assim succ. icrecptarj estar
per este círculo necrófilo implica investir num primeiro momento, com a
marcado pelo desejo de mudar, pela busca de melhoria, pc o comp
transformação. A questão essencial, portanto, a ser colocac a e.

O planejamento só tem sentido se o sujeito


coloca-se numa perspectiva de mudança

tod • ° HC ° loinein’/uncionasse apenas na base do racional, provavelmente


°s os seus problemas já estivessem resolvidos. Acontece que além de racionais
nos a etivos, éticos, estéticos, lúdicos, físicos, espirituais, sociais, econômicos,
cu uraiS po íticos. lemos um conjunto muito maior de necessidades do que
simp esmcnte as intelectuais. Não queremos dizer, evidentemente, que essas
u timas nao sejam importantes; apesar dos limites da razão, é por ela que temos
possi )i k ac e ce ação e interação, até porque ela está, mais ou menos acentua-
amente, presente nas demais necessidades. Mas reduzir o homem a ela, é per-
cer c vista o lornem concreto. As idéias sozinhas, não resolvem. Por isto, não
pocemos nos iludir achando que a força de um plano está nas ‘idéias sofistica-
as . i o processo de caminhada da comunidade, há muito mais coisa em jogo.
Para o professor não-comprometido, não há proposta de plano que seja boa;
considerar que o simples fato do professor preencher um formulário be?n elabo­
rado será garantia de um bom trabalho, é uma ilusão!
Este pressuposto — a percepção da necessidade de mudança — é da maior
importância, pois quem está ‘morto’, quem não está querendo nada com nada,
quem não quer mudar, obviamente não sente necessidade de planejar. Num tal
contexto, este indivíduo precisa é de ajuda para se resgatar enquanto ser humano.
Numa prática reiterativa ou imitativa, o projeto, a finalidade ou plano preexiste
de modo acabado à sua realização (cf. Vázquez, 1977: 257), cabendo ao sujeito
apenas sua colocação em prática. Neste caso, a consciência não só torna-se
supérflua, como acaba sendo considerada um obstáculo pelos dirigentes, que
desejam apenas a reprodução desprovida de entendimento.
Com efeito, se o que vai ocorrer em sala é mera reprodução, se o que se
faz em aula é cabalmente determinado de fora (coordenação, direção, delegacia
de ensino, vestibular, pais, alunos, colegas, livro didático), de que adianta plane­
jar? A existência de conteúdos preestabelecidos, que ‘têm que ser dados’, nega
a idéia do autêntico planejamento. Se, ao contrário, a aula, o curso corresponde
a um desejo de intervenção, a um projeto de investigação, o professor terá
interesse em acompanhar, em prever os passos, querendo que dê certo, e se não
der, vai querer saber o porquê, pois está envolvido.
Coloca-se aqui uma possível situação de prostituição do magistério: plane­
jamos porque outros nos pedem/obrigam, mas não acreditamos naquilo... «Nos
2d Parte/ I — Re-significando a Praticado Planejamento 39

vendemos barato; preferimos cumprir rituais formais a enfrentar conflitos... O


professor deveria se recusar a formalizar planos, enquanto não estivesse conven­
cido. Onde está a formação para a autonomia? (a começar por ele mesmo!).

— O Educador como Sujeito de Transformação


Para resgatar o lugar do planejamento na prática escolar, há um elemento
fulcral que c o professor se colocar como sujeito do processo educativo. Quem
age por condicionamento, não carece de planejamento, pois alguém já planejou
por ele; seres alienados ‘não precisam’ planejar! Muito sinteticamente, podemos
dizer que o indivíduo está na condição de sujeito de transformação’6 quanto a
uma prática, quando em relação a ela há um querer (estar resolvido a fazer
alguma coisa) e um poder (capacidade de realizar algo).
E>Querer
$ Fazer
[x>Poder
O querer é a dimensão relativa às necessidades, ao desejo (eros: vivo desejo,
amor), à paixão (pathos: sofrer, suportar, deixar-se levar por), as emoçoes, a
afetividade, aos valores assimilados. Já os gregos antigos (1 Iesíodo c Parmênides)
sugeriam que o amor é a força que move as coisas e as conduz e as mantem
juntas; o amor é falta, insuficiência, necessidade e ao mesmo tempo desejo de
adquirir e de conquistar o que não se possui. A ação humana, simbólica ou
material, se caracteriza por ser motivada; para agir, o sujeito precisa desta ener­
gia, deste ‘querer’.
O querer, no entanto, não basta. Devemos considerar que o sujeito faz parte
de uma realidade maior e que, portanto, sua ação vai depender também dos
condicionantes da mesma, qual seja, para que uma ação chegue a se realizar, e
preciso que seja historicamente possível; em suma, é preciso poder. Esta palavra
tem uma significação muito complexa; aqui estaremos assumindo-a como a ca­
pacidade ou possibilidade de agir, de produzir efeitos, de realizar.
O poder tem uma Zwjre objetiva que são as condições para a ação (os meios,
os recursos, sejam materiais ou estruturais), e uma base subjetiva que é o saber
(seja na forma de conhecimento, habilidades e/ou atitudes). I lá também aqui
uma relação entre estas dimensões, uma vez que a base objetiva, por um turno,
constrange a subjetiva, e, por outro, pode ser alterada justamente pela ação
consciente do homem, portanto, orientada pela base subjetiva.
O quadro a seguir procura sistematizar as várias dimensões envolvidas neste
processo.

26. No presente trabalho, sempre que nos referirmos à transfonnação estaremos as­
sumindo o sentido de uma mudança em direção a um horizonte de emancipação humana,
pessoal e coletiva, institucional e social.
40 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos

Campo Área(s) Dimensões

Vontade (motivo mais consciente)........................................

Querer Necessidade
0
Desejo (motivo mais inconsciente)......................................

0 0 D
Saber • Saber
• Saber Fazer
• Saber Ser..............................
Poder
0 0
Ter • Recursos Materiais
• Recursos Políticos

Quadro. Dimensões do Querer e do Poder implicadas na Atividade Humana-

Não podemos partir do pressuposto dc que este sujeito de transformação


esteja pronto; deve ser formado, ou melhor, precisa se construir. Para isto, é
fundamental fortalecer seu querer e seu poder.
E interessante observar previamente que há uma dialética entre o possível e
o necessário: o fato do sujeito saber o que lhe c necessário, o provoca a procurar
as possibilidades de realizar; o fato do sujeito saber o que é possível, abre espaço
para que necessidades sejam nele geradas (uma vez que a necessidade c sempre
necessidade de algo); é o movimento interno entre o querer e o poder no sujeito:
se não vislumbra possibilidade de mudança, pode nem se interessar por ela.
O empenho no ato de planejar depende, antes de mais nada, do quanto se
julga aquilo importante, relevante (corresponde a interesses do sujeito/grupo):
quando há interesse nos resultados, certamente o sujeito/grupo vai se envolver
no planejamento, a fim de garantir, o máximo possível que o resultado almejado
venha a se concretizar. Quando estudamos processos de planejamento, não deixa
de emergir uma questão: por que na indústria, nas empresas o planejamento é
tão enfatizado e valorizado? Poderíamos dizer, a princípio, porque funciona! E
por que funciona? De um lado, é razoável levantar a hipótese dc que o numero
e a complexidade das variáveis são bem mais limitados.27 Mas de outro lado, uma
outra hipótese, menos simpática, pode ser acionada: o planejamento funciona na
empresa porque há um forte interesse nos resultados (no mínimo, do proprie­
tário), enquanto que na escola...28

27. Na escola, ao invés de se reconhecer esta dificuldade e ir fundo na investigação,


parte-se logo para a improvisação.
28. Poderíamos até analisar o descompasso dc planejamento no interior da escola
particular, entre o pedagógico e o administrativo: o proprietário quer que sua escola dê
resultados (e para isto usa o planejamento administrativo), mas frequentemente o critério
utilizado não é o da produção efetiva dc conhecimento, e sim o do lucro...
2ü Parle/ I — Re-significando a Praticado Planejamento 41

Há uma assertiva popular de que “querer é poder”. Esta é uma visão volun-
tarista, na medida em que nega as exigências implicadas na realização deste
querer. Entendemos que querer é condição necessária para começar a criar um
novo poder, a fim de enfrentar os poderes estabelecidos, mas não é suficiente.
() professor precisa interromper o cruel processo de imbecilização, de des­
truição a que vem sendo submetido. Precisa resgatar-se como autor, como su­
jeito, como ser autônomo, para, enfim, resgatar sua dignidade. E o planejamento
pode ser um valiosíssimo caminho para isto, pois ajuda a superar o processo de
alienação, qual seja, fazer com que o professor, enquanto ser consciente, não
transforme “sua atividade vital, o seu ser, em simples meio da sua existência”
(Marx, 1989: 165). A superação da alienação não pode ficar restrita, obviamente,
ao planejamento consciente da atividade de sala de aula; vai implicar a interven­
ção do professor na escola, na comunidade e na sociedade no seu aspecto mais
geral (vários níveis de luta).
Desta forma, se “o objetivo principal do projeto educativo cmancipatório
consiste em recuperar a capacidade de espanto e de indignação e orientá-la para
a formação de subjetividades inconformistas e rebeldes” (Santos, 1996a: 17), isto
deve se dar, antes de tudo — e até como condição de possibilidade —, no
próprio educador!

1.2.0 Planejamento como Necessidade do Educador


Os autores mais progressistas, ao abordarem a problemática, lembram que,
antes de ser uma mera questão técnica, o planejamento é uma questão política,
na medida em que envolve posicionamentos, opções, jogos de poder, compro­
misso com a reprodução ou com a transformação, etc. Isto é um avanço, mas
ainda não dá conta da sua significação. Para ter sentido, o enfoque do planeja­
mento, com efeito, necessita deste deslocamento. Todavia não basta trabalhar
numa nova abordagem; é preciso trabalhar também a descrença que o professor
traz, portanto, a percepção, o conhecimento, as representações prévias que já
tem quanto ao planejamento. Há, então, esta questão mais elementar hoje co­
locada, que é a valorização do planejamento, o estar mobilizado para fazê-lo,
entendê-lo realmente como uma necessidade. Trata-se de um problema filosó-
fico-axiológico, de posicionamento valorativo, de ver sentido, acreditar. O pla­
nejamento é político, é hora de tomada de decisões, de resgate dos princípios
que embasam a prática pedagógica. Mas para chegar a isto, é preciso atribuir-
lhe valor, acreditar nele, sentir que planejar faz sentido, que é preciso. O primei­
ro passo, portanto, é chegar ao ponto do:

Planejamento ser necessidade do professor!

— Da Necessidade de Planejar
Por que o planejamento é necessário? Se o ponto de partida, se a motivação
primeira do planejar é o desejo de mudança da realidade, é preciso perceber que
42
Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos

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Uinn rbirn/n 1 <H ° ao da humanização que estamos buscando,
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direção S- I * ‘* ell,í’cnídea, temos que ter um projeto Item definido nesta
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trnílir/Am n„ d0 ' • rrdução do mun,d°que está dado


. . c tc 11 suas estruturas, seus condicionantes, que se
símbolos I ■' Pr<KlC,1S soclais> fonnas de organização do espaço-tempo-recursos,
reZ d ;S’.Tn;,S’ r°tÍnaS’ Cte- Portanto> P° si, - cZs tendem a serem
intencionil' I i' CnkrenaSein montada (que, provavelmente, corresponde a uma
ZMer d:K C PaSSadO)- E COm° se Sanhas-m ‘vida própria precisamos
c ; 7 T l'-le CStó ‘^nagem’ é alimentada, é sustentada muito
o indivíd 7 C PC -<r'° a^cnaciil — dos homens ali presentes. À medida que
de ZZ na°. COnhece?s fa^es condicionantes mais essenciais, agindo
men< "Z T '' Press3° dc determinações que lhe são desconhecidas29
uérmitL JC °>C í1St°rÍa’lnaÍS determ’nado está. “As ciências da planificação
mos das U- ?° )retud°’ qUC ° llolnem se apercebesse da natureza e dos mecanis-
estas etc"Illna<5<)cs fiue condicionam sua vida, controlando e manipulando
estas em avor dos seus projetos” (Carvalho, 1992: 137).
dir-õpc ( ° P|td° prOÍCtO’ ° educador pode agir sobre si mesmo e sobre as con-
cliçoes reais de sua existência.
neZtkdOdtemOS SCr '.ngênuos: Para estabelecer uma outra ordem nas coisas, há
uuer oi CC ( C, uma a^° numa determinada direção, pois não é uma ação qual­
quer que nos levará ao que desejamos.

. tondi^ões histórico-sociais de uma determinada sociedade estão


, 0Uljíl^ ,i1ílU ílda^ pela degradação, pela opressão e pela alienação, como é o caso
ue a(f )1ílS~ CIUl" ° P,ojcto educacional se faz ainda mais necessário, devendo
í ll" cm,° tmi piojeto fundamentalmente contra-ideológico, ou seja,
desmascarando, denunciando e criticando o projeto político opressor e anunciando as
exigências de um projeto político libertador. (Severino, 1998: 82)
O sistema dominante disponibiliza leituras de realidade, fins e meios; só que
estes nao sao neutros, evidentemente. Se não damos uma direção à nossa ação,
e nao temos um projeto claro, com certeza (pela característica teleológica do
homem), sem projeto é que não agimos; alguém está nos dirigindo,
perspectiva de superação implica, então, a mediação teórica que deve dar
conta da qualificaçao da ação de intervenção e da complexidade do campo da
açao. 1 recisamos, pois, planejar em função da:
□Qualificação da Ação (intencionalidade);
□ Complexidade do Real.

29. Cf. Karl Mannhein, Ideologia e Utopia.


2a Parle/ 1 — Rc-significando a Praticado Planejamento 43

a) Qualificação da Ação
O que importa é a ação! A ação é o elemento fundamental definidor dos
sujeitos e das instituições. O objetivo de todo processo de planejamento é chegar
ã ação. Como dizem muitos professores ‘O importante é a prática’; estamos de
acordo. Mas se fosse só isto, tudo estaria resolvido, pois o que não falta nas
instituições educacionais é prática... Alguém pode afirmar: “O que importa é que
estamos fazendo, mesmo não tendo o projeto...” Cuidado: fazendo todo mundo
está, toda escola, mas o que está se obtendo? Para onde estão indo? Um outro
pode dizer: “Se as coisas vão indo bem sem o planejamento mais consciente, isto
significa que podemos esquecê-lo”. Só gostaríamos de lembrar de um detalhe:
o julgamento de que ‘as coisas vão indo bem’ não pode ser feito apenas pelo
professor; há que se consultar todos os envolvidos, especialmente os alunos...
A questão é o tipo, a qualidade da prática. A análise de processos de mudan­
ça traz uma clara constatação: não basta qualquer ação. Não pode ser qualquer
ação, pois não temos qualquer finalidade, e não partimos de qualquer realidade
(pessoas, recursos, instituição, comunidade, sociedade).

•A realidade não é qualquer e não queremos uma mudança qualquer


O
•A ação a ser desenvplvida não pode ser qualquer
O
•A ação humana consciente está sempre pautada numa certa elaboração teórica
Mediação Simbólica Nova Intencionalidade

— Esquema: Ação e Mediação Simbólica-

Um dos grandes desafios da instituição ou do sujeito é justamente chegar a


uma ação que seja eficaz, inovadora (tendo como referencia um projeto de
emancipação humana). Reiteramos: ações, práticas temos o tempo todo; o que
nos interessa enquanto instituição é chegar a uma ação qualificada: ação
transformadora. A questão é ter a prática adequada, fazer ‘a coisa certa’: mo­
mento, conteúdo, forma e postura adequados (quando, o quê, como, para quê).
Como chegar, então, a uma ação transformadora? Sorte? Mera intuição? Repe­
tição do que vem sendo feito? Se entregar ao destino? Ensaio e erro? Ajuda dos
deuses? E claro que podemos chegar, propor uma ação e esta ser a ‘certa’, em
função de nossa experiência, intuição, etc. Ocorre que historicamente não é isto
que em geral se dá. O que estamos procurando é um caminho mais seguro, que
possa utilizar o arcabouço científico para nos fazer sofrer menos (cf. Brecht,
1898-1956). Isto' não exclui, obviamente, a intuição, mas ao contrário, lhe dá
suporte, sustentação. O planejamento se coloca como uma ferramenta para isto.
A ação a ser desencadeada deve estar atravessada, pois, por uma intencionalidade,
sendo fruto de uma proposta. Coloca-se aqui a necessidade da mediação simbó­
lica, da teoria, de um método de trabalho, que ajude a superar a apreensão
vulgar, imediata da realidade e permita nela interferir.
Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos
44

Relação Teoria-Prática: em busca da Praxis

Tem sido comum ouvirmos dos professores afirmações do tipo: ‘Ah teoria
1 em sitio c nr4tica’ refletindo uma descrença e uma certa fobia
nós já temos; querei . < f > & deveria ser um dos espaços por
à teoria, paradoxa mc , ( ^.ionamos; temos, com efeito, teoria ou um
excelência para cu tiv. - . • je retalhos de fragmentos de discurso? Pois,
blablablá desenfreai o, t ■ ainente é ligada à prática’11. Como dizia Paulo
;-,eOn’(Í921 q“e b“ ‘ ”rif” é ilU'"inar
Xm ãX-k« w»"*' ° doport”“' go por '**”■
cia relacionado a pratica. embora abunde discurso... O profes-
A h,|«« '• j.teóri„- que nào dú eonu do
sor fica com uma ‘ ‘ nos muita plasticidade no discurso: um dia, éra-
Temos, isto sim, como . | ’ s outro dia tecnicistas, etc. Assimilamos a
,n()S tradicionais, ^ade, às vezes até de forma ingênua, des-
no^ retórica com u ma eno s,lfica mudança profunda de con-
’Unlbrad; °:dXéT^Xrática), Xs apenas mudança de discurso; é
cepçao (prov sao os modismos30 . Fazemos isto não ‘por maldade’,
31 32
a apropriaçao [< • > dc busca, frente às dificuldades da sala de aula,
Zinda umaforma de' sobreviver sem muito conflito com as diferentes admi-
ou ainaa „lipr(.ndo deixar sua marca’2. Corremos o risco, no entan-
'certas aberrações metodológicas. As palavras foram prostituí­
das O discurso novo sai muito fácil; talvez ate como forma de se tentar enco-
b /o que é intuído de início: a prática nanica que se tem/tera (quem sabe
esperando um certo milagre de que, pelo fato de se estar dizendo, automatica-
mente comece a acontecei...;.f Daí vem o drama: tudo resolvido no discurso e
os problemas continuando no concreto... .
Por outro lado, a rigor, não há pratica (no sentido etico ou técnico) pura­
mente material que não esteja vinculada a alguma elaboração teórica, a algum
nível renresentacional (cf. Gardner, 1995: 403); existe sempre a presença de um
mínimo de consciência, do elemento teórico: “a existência dos homens se dá
seumre no duplo registro da objetividade/subjetividade, de modo que estão sem­
pre lidando com uma objetividade subjetivada e com uma subjetividade objetivada”
(Severino, 1998: 86).

30. Desde sua origem grega: teoria como visão de um espetáculo (os jogos ou fes­
tivais públicos); no nosso caso, o espetáculo seria a própria realidade que está sendo
pesquisada. E certo que depois houve uma distorção metafísica, mas que a episteniologia
dialética procura superar.
31. E claro que por detrás deste problema há uma questão epistemológica: a com­
plexidade do nosso objeto de trabalho, a história de constituição das ciências da educação
quase sempre apoiadas em outras ciências, etc. Ver, por exemplo, Gimeno Sacristán,
1983.
32. “O que ‘eles’ querem ouvir? E isto que vou dizer...” Algo semelhante ao que
ocorre em sala de aula com o aluno: aprende a dizer o que o professor quer ouvir para
poder sobreviver.
2J Parle/ I — Re-significando a Práticado Planejamento 45

z/ praxis, com efeito, é uma passagem do objetivo ao objetivo pela interiorização; o


projeto, como superação subjetiva da objetividade em direção ã objetividade, tenso
entre as condições objetivas do meio e as estruturas objetivas do campo dos possíveis,
representa em si mesmo a unidade em movimento da subjetividade e da objetivi­
dade, estas determinações cardeais da atividade. 0 subjetivo aparece, então, como
um 'momento necessário do processo objetivo. (Sartre, 1978: 154)
O que acontece é que a unidade teoria-prática pode ocorrer de forma mais
ou menos precária. Assim, ao contrário do senso comum, podemos dizer que na
prática, a teoria e aquela que de fato assimilamos, ainda que não seja aquela que
desejaríamos. Se no processo de planejamento estamos visando um certo tipo de
ação, precisamos então buscar a teoria que a fundamente e, sobretudo, que possa
servir de guia para a prática.
A relação teoria-prática é uma, e apenas uma, das relações que interferem na
prática. Na verdade, a prática tem relações com o contexto maior, com as estru­
turas da instituição, com as necessidades biológicas, vontades c desejos dos su­
jeitos, além, da relação com a teoria. Assim, a teoria (projeto) deve ser a melhor
possível, não caindo, porém, na ingenuidade de imaginar que basta planejar para
acontecer: tendo em vista as diferentes visões e opções, bem como o já referido
processo de alienação, há toda uma luta ideológica, política, econômica, social
a ser enfrentada, seja consigo mesmo, com os colegas de trabalho, com os
educandos, com as famílias e com as instituições em geral.
A teoria em si (...) não transforma o mundo. Pode contribuir para sua transfor­
mação, mas para isso tem que sair de si mesma, e, em primeiro lugar, tem que ser
assimilada pelos que vão ocasionar com seus atos reais, efetivos, tal transformação.
Entre a teoria e a atividade prática transformadora se insere um trabalho de
educação das consciências, de organização dos meios materiais e planos concretos de
ação. (Vázquez, 1977: 206)
Devemos considerar que o que modifica efetivamente a realidade é a ação
e não as idéias. No entanto, a ação sem idéia é cega e ineficaz. O que visamos
é a práxis: “...a praxis é, na verdade, atividade teórico-prática; ou seja, tem um
lado ideal, teórico, e um lado material, propriamente prático, com a particula­
ridade de que só artificialmente, por um processo de abstração, podemos sepa­
rar, isolar um do outro” (Vázquez, 1977: 241).
A consciência pode ser uma contradeterminação em relação à determinação
da prática social alienada, pois se isto não fosse possível, não haveria, como tem
havido, mudanças históricas. A teoria pode ser um elemento importante na
alteração da realidade econômica, social, política e cultural. Mas “esse fator
subjetivo só pode ser decisivo sob a condição de integrar-se no movimento dos
fatores objetivos” (Vázquez, 1977: 39).
Será que na educação estamos precisando de uma nova relação de idéias
sobre a realidade ou de uma nova relação com as idéias e com a realidade? (cf.
Vasconcellos, 1998a: 53). Nos parece fundamental pararmos de ficar correndo
atrás de modismos e levar a sério algumas idéias que acreditamos, tentar trans­
formar a prática, buscar concretizar. Até porque, sabemos que se não houver
uma mudança da prática do sujeito, aquela consciência inicial não se ‘consolida’,
Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos
46

se volatiliza e o sujeito volta a ser determinado por sua existência (não transfor­
mada, anterior).
Neste sentido, deve ficar claro que o projeto em si não transforma a reali­
dade; não adianta ter planos bonitos, se não tivermos bonitos compromissos
bonitas condições de trabalho sendo conquistadas, e bonitas práticas realizadas’
O que vai, de fato, orientar a prática é a teoria incorporada pelos sujeitos. Por
isto, não adianta um belo texto, mas que não corresponde ao movimento
conceituai do grupo.

o Planejamento como caminho <lc Teorização para o Professor


„,tido autêntico, é para o professor um cammho de elabo-
() planejar, no senti Ja sua teoria! E evidente que, num ritual
ração teórica, de produção > acontecer é tentar aplicar, ser um simples
alienado, quando muito,, * e)aboradas por terceiros; mas quando feito a par-
‘consumidor’ de ideias planejamento torna-se uma ferramenta de
tir de uma necessidade pessoal, P
trabalho intelectual. algumas reflexões sobre a relação entre pensamen-
Poderíanios resgatar .,1 . -amento neste contexto. Entendemos que, assim
to e linguagem, SlWan )an°ejamento desempenha duas funções básicas: instrumen-
como a linguagem, o p < pensamentos. Faremos na seqüência referência
ivrtpríicfio (comunicação? r
t0 e tntera n adiante> a outra.
à primeira função, c

— O Planejamento conto Instrumento de Pensamento


A teoria dialética do conhecimento nos revela que o sujeito, à medid-
vai conhecendo algo, tem necessidade de ir expressando — de’c
(sendo a linguagem verbal uma forma privilegiada) — aquilo que está sc •
priando. Podemos recorrer à função analítica a que se refere Luria (1987) 'fd°'
não é só repetir/expressar o pensamento, mas como que se ínte, ;,,.,.. ! 4 41
seja, a palavra cumpre a função de organizar o pensamento para poder s >
devidamente assimilado. O professor deve compreender mie a - / SC,r
escrita) nao e apenas um meio de comunicação, e também um instrumento 1 >
pensamento; esta é a função mais sofisticada da linguagem (enquanto oeim
lização do pensamento, categorização, instrumento de mediação na rel mão'd ~
sujeito com o mundo). Por isto se percebe que embora, a partir de certo ponto
do desenvolvimento, pensamento c linguagem formem uma unidade não sã >
idênticos. Algo semelhante se observa no processo de desenvolvimento d i cri°
ança, quando antes de fazer algo, diz em voz alta. Entraria aqui uma das funções
da linguagem: a de planejamento.33 *

33. Podemos aproximar estas funções aos usos da linguagem explicitados por I Iaber-
mas: cognitivo e comunicativo (1989: 40-42).
2d Parle/ 1 — Re-significando a Praticado Planejamento 47

— Pensamento-Linguagem
A relação entre o pensamento e a palavra é um processo, um movimento
contínuo cie vaivém do pensamento para a palavra, e vice-versa. A palavra não
é simplesmente a expressão do pensamento; é por meio das palavras que o
pensamento passa a existir. () pensamento procura solucionar um problema e
por isto estabelece uma relação entre as coisas. O estudo do fluxo do pensamen­
to pede investigação sobre suas fases de elaboração, antes de ser externalizado.
inicialmente, deve-se distinguir dois planos da fala: o interior — semântico
e significativo — e o exterior — fonético — ; eles formam uma unidade, mas
têm suas leis próprias de movimento. A fala interior é para si próprio; a fala
exterior é para comunicação com os outros. Esta diferença funcional afeta a
estrutura de ambas.
O processo de pensamento não é idêntico ao da fala. Assim, por exemplo,
um pensamento é concebido como um todo; depois o sujeito expressa-o em
palavras separadas pela própria contingência da linguagem, sendo que a transi­
ção do pensamento para a palavra passa pelo significado. Mas se quisermos ir
mais fundo ainda na análise, temos que procurarps motivos de um pensamento:
“uma compreensão plena e verdadeira do pensamento de outrem só é possível
quando entendemos sua base afetivo-volitiva” (Vygotsky, 1987: 129).

— Determinação da Síntese
Enquanto a síntese (no caso, o projeto) está ‘na cabeça’, pode ainda incorrer
em certo grau de generalidade, de abstração, ao passo que ao se realizar a
exposição material, o sujeito se obriga a uma formatação, a uma objetivação, a
uma sintetização conclusiva, específica. Pode acontecer da expressão material
(fala, escrita, etc.) ser simples reprodução da síntese mental (o que significa que
ela foi feita com bom grau de concretude); muitas vezes, no entanto, o que
ocorre é que no momento da exposição, o sujeito apercebe-se que as relações,
as articulações não estão tão claras assim. Desprezar a exposição material seria
supervalorizar a elaboração mental do indivíduo, além de negar a possibilidade
de reconstrução e de interação social (cf. Vasconcellos, 1999: 94-95).
Nos sistemas burocráticos de ensino, baseados na ‘pressa’, no formalismo ou
nas cobranças autoritárias, há o risco do professor não elaborar sua síntese, e sua
exposição (plano) ser mera reprodução mecânica de outros planos ou mesmo do
livro didático.
Estamos de acordo no que diz respeito ao fato de que o professor deve ter,
e tem, saberes sobre o objeto que ensina; mas como é que vai organizar isto na
ordem da exposição? Não basta dominar o assunto. Planejar ajuda a ‘fluir’ de
maneira lógica (o que vem antes, o que vem depois) e significativa (o que é
relevante, o que está de acordo com realidade e necessidade do grupo). São
conhecidos os casos de professores que, segundo o reconhecimento dos próprios
alunos, dominam muito bem o que ensinam, mas ‘não conseguem transmitir’.
De fato, não há uma relação linear entre uma coisa e outra: se o professor não
planejar, e muito bem, todo o seu domínio de conteúdo pode ficar truncado, não
Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos
48

conseguir estabelecer a ‘ligadura’ com os alunos, frustrando a intencionalidade


do ensino que é a aprendizagem. Nesta medida, o planejamento pode ser, pois,
uma forma de organizar o pensamento do professor tendo em vista a prática
pedagógica. Planejando e avaliando, poderá ir se aproximando de uma forma
mais apropriada de trabalho. > • ,
No próximo capítulo voltaremos a esta questão da intencionalidade e do seu
papel no planejamento.

b) Complexidade da Prática Educativa


A necessidade do planejamento está relacionada também à complexidade da
ação a ser desenvolvida, que decorre, basicamente, do:
• Objeto — complexidade da atividade em si;
• Processo — nível de abrangência/1

— Complexidade da Realidade em Geral


Se a realidade nos fosse dada imediatamente, não precisaríamos da reflexão
teórica, os fenômenos se revelariam de maneira direta à nossa sensibilidade,
ficando fácil intervir para obter o que quiséssemos. O que de fato acontece é
que, se desejamos compreender um fenômeno, temos que ir além de sua aparên­
cia/ou seja, ir além da maneira como se nos revela num primeiro momento,
captar suas leis de desenvolvimento, sua essência34
35 (a aparência faz parte da es­
sência, mas absolutamente não a esgota). Todo dia o Sol se levanta e o Sol se
põe; é ‘óbvio’, portanto, que o Sol gira em torno da 1 erra... A aparência
freqüenteinente mais oculta do que revela a essencia.
A ciência parece um paradoxo e está em contradição com as observações da vida
cotidiana. Parece também paradoxal que a Terra gire ao redor do Sol e que a água
seja formada por dois gases altamente inflamáveis. As verdades científicas serão
sempre paradoxais, se julgadas pela experiência de todos os dias, a qual somente
capta a aparência enganadora das coisas. (...) Poda ciência seria supérflua se a
essência das coisas e sua forma fenomênica coincidissem diretamente. (Marx, 1978:
79; 0 Capital, III, 2)
Na verdade, vivemos, cotidianamente, na pseudoconcreticidadc de que fala
Kosik:
O complexo dos fenômenos que povoam o ambiente cotidiano e a atmosfera comum,
da vida humana, que, com. a sua regularidade, imediatismo e evidência, penetram
na consciência dos indivíduos agentes, assumindo um aspecto independente e natural,
constitui o mundo da pseudoconcreticidadc. (1985: 11)

34. Se o processo da atividade a ser desenvolvida for coletivo, demanda maior arti­
culação, organização, registro.
35. Estamos assumindo essência não no sentido metafísico (algo já pronto e estático,
que restaria ‘descobrir’), mas dialético (conjunto de relações que caracterizam, determi­
nam historicamente o objeto, portanto, uma construção).
2J Parte/ I — Re-significando a Praticado Planejamento 49

No enfrentamento do real, percebemos que a natureza tem sua estrutura,


suas leis, e que a humanidade (pessoal e social) está marcada por conflitos de
interesses, de forma que oferecem resistência ao desejo do homem na sua ação
sobre o mundo. Como já apontamos, não temos o controle de todas as variáveis,
não podemos simplesmente ‘imprimir forma’ do jeito que desejamos. Diante da
‘resistência’ da realidade, temos necessidade de conhecer seus múltiplos nexos,
para possibilitar a inserção crítica no processo. E como aponta Marx (1818-
1883) na Introdução d Crítica da Economia Política, o concreto é síntese de múl­
tiplas determinações e não aquilo que se nos apresenta logo de imediato
(empírico).
O mundo presente, com toda sua trama de relações, nos desafia, c a teoria
deve ser elemento decifrador e orientador da prática histórica. Eis uma grande
tarefa para o planejamento.

Complexidade da Realidade Educacional


O campo sobie o qual incide o planejamento educacional c de fato extrema­
mente comp exo, sendo difícil apreender seus determinantes. Talvez aí esteja
uma ( as c i ícu dades do professor, diferente do planejamento em outras áreas
engen ana, oc ontologia ’, p. ex.), onde é mais fácil controlar as ‘variáveis’ e se
chegar ao resultado esperado.
N° cas° da educação escolar, temos a dupla fonte de complexidade: objeto
processo, iccisamos tomar consciência de que nosso trabalho é dos mais
intrincados do ser humano: trata-se da formação da consciência, do caráter e da
cie ac ama, ao mesmo tempo, de 20, 30, 40 pessoas; por isto exige também um
p anejamento a altura. Estamos partindo, pois, do pressuposto de que a tarefa de
ec ucar e poi demais importante e complexa para ser decidida e feita isolada­
mente, na improvisação, ao acaso, na base do ‘jeitinho’.
m outro fator pode ser considerado: a escassez de recursos: quanto menos
iccuisos c isponíveis se tem, maior a necessidade de planejar para poder aproveitá-

— Complexidade do Planejamento
Como apontamos na Ia parte, uma das queixas dos professores recai sobre
a complexidade do planejamento. A rigor, poderíamos dizer que o planejar em
si não seria tão complicado assim: bastaria responder 5 ou 6 perguntas (porquê,
para quê, o quê, como, com que, etc.). Acontece que complexa é a realidade
sobre a qual incide o planejar: “o difícil não é’ saber como planejar. É conhecer
o que se planeja” (Eerreira, 1985: 58).
Neste sentido, uma pergunta não deixa de vir à mente, quando ouvimos os
professores afirmarem que desejam um planejamento ‘simples’: acaso a NASA
(agência espacial norte-americana) pode fazer um planejamento ‘simples’ para o
lançamento de um foguete? Nos perguntamos, então, o que seria mais comple-

36. O dentista é capaz de mostrar na tela do computador como vai ficar a restauração
a ser feita e ainda oferecer diferentes opções...
.. // Cels
Planejamento rvkn dos oS.____________
o aos Vasconcellos
50
xo: o lançamento de um foguete ou a formação de um ser humano?... Nao
temos dúvidas em afirmar que a mais complexa das empresas e muito simp es,
do ponto de vista do projeto que persegue, do que a mais simples das escolas (Machado,

1997:38).
Por outro lado, podemos entender o que está por detrás, , da . solicitação
. .... dos
professores: que o planejamento não seja artificialmente complexo (muito minu­
cioso detalhista), vale dizer, ser tal que tenha significado para os professores e
não apenas para a equipe técnica da escola. Como dizia Albert Einstein (1879-
1955): “Devemos simplificar o máximo possível; porém, não mais que o possí­
vel!”, pois cairíamos no simplismo. Bachelard também alerta para a impossibi­
lidade de uma eventual ilusão de ‘caminho rápido’ para se chegar a uma forma
simples de planejar: “não se poderá delinear o simples senão após um estudo
aprofundado do complexo” (1978: 166).
Outro elemento que complexifica demais é a dimensão coletiva do trabalho
educativo; se fosse uma atividade de cunho individual, poderia ate ser mais fácil
planejar, já que bastaria a percepção de necessidade, objetivo e plano de ação pOr
parte do professor. Mas mesmo assim, não podemos nos i u< ir, tendo em vista
a ecologia cognitiva'. “Quem pensa? (...) O pensamento se dá em uma rede na qual
neurônios, módulos cognitivos, humanos, instituições de ensino, ínguas, siste­
mas de escrita, livros e computadores se interconectam, transformam e traduzem
representações” (Lévy, 1993: 135). Quando entramos na esfera do trabalho de
grupo, estas três dimensões da elaboração já devem passar pelo crivo de todos,
o que vai exigir a explicitação de cada um, o registro, a negociação, etc.

— O Planejamento como Instrumento de Comunicação


Trazemos agora a complementação da reflexão anterior sobre a aproximação
entre planejamento e linguagem. A elaboração do planejamento por parte do
icntal, o que, naturalmente, dificulta a
professor é basicamente um fenômeno mu.. ,
interação com os demais sujeitos participantes. Embora, no dia-a-dia, o profes-
sor entre sozinho na sala de aula, está, na verdade, sendo portador de um projeto
que é coletivo e que, por sua vez, responde a uma delegação da sociedade no
sentido da formação das novas gerações; há, portanto, um caráter público na sua
atividade. Daí a demanda de explicitação (oral, escrita, gráfica) como suporte da
comunicação.
O Projeto Político-Pedagógico (ou Projeto Educativo), além de permitir a interação
de pensamentos entre seus agentes construtores, favorece a interlocução com a
comunidade, com os órgãos responsáveis pelo sistema educacional e com a so­
ciedade no seu conjunto (a quem possa interessar). Já o Projeto de Ensino-Apren­
dizagent, enquanto explicitação da proposta de trabalho, possibilita estabelecer a
comunicação com os outros professores, visando a integração curricular, bem
como a evitar as desnecessárias repetições ou os vazios curriculares (um acha que
o outro vai dar determinado conceito); permite ainda uma melhor comunicação
com os alunos (conhecendo-os, explicitando objetivos, etc.), propiciando sua
participação mais efetiva em aula e na própria construção da proposta.
2J Parte/ I — Re-significando a Praticado Planejamento 51

2-POSSIBILIDADE DO PLANEJAMENTO

Nenhuina pessoa de bom senso se envolve numa atividade sem previamente


ava íai sua viabilidade. Portanto, antes de fazermos maiores ponderações sobre
PpY11,0 ( °, P^lnejainento» precisamos passar pela (análise de sua própria possi-
i ícace. ate que ponto c possível planejar, qual seja, até que ponto é possível
antecipar c realizar uma determinada ação desejada? Como apontamos, este
questionamento é precedido por um outro que tange a possibilidade de mudança
da realidade cm geral.

2.1.Possibilidade de Mudança em Geral


A realidade que nos cerca, em função de suas gritantes e desumanas contra-
<- içoes, aponta para uma urgente necessidade de mudança. Paralelamente, existe
um (esejo, em muitos educadores, de sair dessa situação e ir para uma melhor,
em então a questão: é possível? “E evidente, com efeito, que a atualização de
uma ação ou de uma idéia pressupõe que antes de tudo elas tenham sido torna-
as possíveis ... . (I iaget, 1985: 7). A resposta a esta pergunta não pode ser dada
P onna ReaJsta, onde, por uma espécie de imperativo categórico, a pessoa
a uina. im, e claro que é possível’. Para superar este viés, há que se recorrer
a analise histórica e ao contexto concreto em questão.
Vivemos um tempo pai adoxal. Um. tempo de mutações vertiginosas produzidas pela
globahzaçao, a sociedade de consumo e a sociedade de informação. Mas também um
tempo e estagnarão, parado na impossibilidade de pensar a transformação social,
i ai ícal Nunca foi tão grande a discrepância entre a possibilidade técnica de uma
soaeiade melhor, mais justa e solidária e a sua impossibilidade política. (Santos,
1996a: 15) r

— Atitude diante da Realidade


As idéias que nos habitam não nos são indiferentes: a luta inconsciente ou
ainda-não-consciente entre as forças de vida e de morte delas se apropriam;
precisamos, pois, estar atentos às nossas representações, à nossa visão de mundo.
Existe uma forma de abordar a realidade que a divide entre o bem e o mal,
o positivo e o negativo, a teoria e a prática, o tudo e o nada, o social e o
individual, etc., de forma dicotômica, maniqueísta, dualista, como se essas coisas
ocorressem em ‘estado puro’, isoladas umas das outras, cm pólos antagônicos
irreconciliáveis, irredutíveis. “Maneira de pensar onde a pessoa vê a realidade em
pólos opostos c distintos, negando completamente a complementaridade entre
eles” (Grupo I ao, 1996: 72). Faz um julgamento apressado, estereotipando,
rotulando, imobilizando o real como forma de obter segurança em vista da sua
complexidade, não dando conta das contradições e da sua superação. Essa con­
cepção linear, mecanicista, reducionista, corre o risco de levar a duas posições
equivocadas:
,• Sob a marca do Possível Voluntarismo: exacerbação da vontade do
' sujeito, desconsiderando os limites e a influência da realidade;
52 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos

• Sob a marca do Impossível ** Determinismo: exaltação dos limites e


influência da realidade, desprezando a força da ação consciente e volun­
tária, bem como a possibilidade de sua articulaçao (cf. Vasconcellos,
1998c: 22). ,
Embora tenham enfoques diferentes, estas duas posturas acabam levando ao
imobilismo. A segunda, obviamente, por ser uma atitude mecanicista e
demissionária (pessimista, desesperançosa, niilista, de carater conformista e fata­
lista); a primeira, por passar a idéia que mudar é muito facil: quando se tenta
mudar, emergem as dificuldades para as quais não se estava preparado, levando,
em pouco tempo, ao desânimo, à frustração, e por fim à acomodação. E interes­
sante observar também que no cotidiano escolar uma acaba realimentando a
outra: um professor julga que o colega está sendo jnuito otimista e resolve
carregar nas tintas do pessimismo, o que levará a reaçao do outro para compen­
sar, e assim por diante. Devemos reconhecer no entanto que nos dias correntes
a postura finalista tem sido hegemônica: paira um clima muito forte de desen-
cantamento, chegando mesmo a uma atitude futuricida (cf. Santos, 1996b: 322)
onde muitos dos educadores mais avançados se apegam a um certo pós-moder-
nisino que assume a morte do futuro para gozar o presente, os mais conserva­
dores se apegam nostalgicamente ao passado, e uma grande massa fica desori­
entada por não vislumbrar perspectivas para o amanhã.

_ Dialética Possível-Impossível37
Há, porem, uma, U™
«£» suneradora de enfrentar J(>a realidade, na qual .leva-se
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de e vontade entre o dado e o desejado, pelo reconhecimento de que estes
aspectos fazem parte do real e de que precisam se articular e nao se excluir
mUtTrata-se de uma postura crítica (porque procura desvendar o funcionamento

transformadora (porque procura interferir no seu processo), que in-


os ed™
Xreal) >noinentos: a análise concreta presr e a anrrr
Neste enfoque dialético, em cada caso concreto, ha necessidade de analise,
para se saber as reais possibilidades de mudança.
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isto ela, realidade:naque
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daauilo que realmente faz. Possibilidade quer dizer diberdade A medula da ,her­
dade entra na definição de homem.. Que existam as possibilidades objetivas de nao
se morrer de fome e que, mesmo assim, se morra de fome, é algo importante, ao que
-TT^opeço no possível, e não desisto de fazer a descoberta do que tem dentro
da casca do impossível”, Carlos Drummond de Andrade, Procurar o qtu.
2a Pane/ I — Re-significando a Praticado Planejamento 53

parece. Mas a existência das condições objetivas — ou possibilidade, ou liberdade —


ainda não e suficiente: e necessário ‘conhecê-las' e saber utilizá-las. Querer utilizá-
las. O homem, neste sentido, é vontade concreta: isto é, aplicação efetiva do querer
abstrato ou do impulso vital aos meios concretos que realizam sua vontade. (Gramsci,
1984: 47)
E preciso combater a reificação presente muitas vezes em nosso meio: é o
homem que faz a história, todavia, com o tempo, parece que a história é feita
por alguma potência oculta, cujo controle fugiria totalmente de nossas mãos. O
desafio que se coloca é a compreensão dos condicionantes.
Os homensfazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem
sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamen­
te, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas
oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. (Marx, 1986: 17)
E necessário enfrentar simultaneamente o idealismo voluntarista c o mate­
rialismo mecanicista, que distorcem a dialética do real, reduzindo-a a um dos
pólos, ou seja, fazem-no pura história do espírito ou reduzem a consciência a mero
reflexo do ra/Z (Gramsci, 1984: 4). É ainda Gramsci (1891-1937) quem nos aponta
que Na filosofia, o centro unitário é a praxis, isto é, a relação entre a vontade
humana (supra-estrutura) e a infra-estrutura econômica” (1984: 112). O proble­
ma todo consiste, pois, em
...em evitar o realismo trivial (adaptar-se ao imediato) e o irrealismo trivial (sub­
trair-se ás constrições da realidade). 0 importante é ser realista no sentido complexo
do teimo (compreender a incerteza do real, saber que há o possível, mesmo que
ainda esteja invisível no real), o que frequentemente pode parecer irrealista. (Morin,
1998: 69)
Onde está escrito que a realidade é simplesmente isto que está dado, e que
nos cabe apenas e tão somente a resignação de nos adaptarmos a ela? Ora, a
realidade é o que está dado mais o nosso sonho de mudança, já que somos parte
desta realidade e nossos sonhos são partes de nós: “o fator subjetivo da atividade
produtora é, no seio do Ser, um fator objetivo ao mesmo título que o objeto...
€) sujeito no Mundo é também parte do inundo”58. Portanto, na perspectiva
dialética, entende-se que a realidade não é um sistema fechado e pronto; exis­
tem, sem dúvida, os constrangimentos, todavia há também todo um leque de
possibilidades ainda-não realizadas e que podem/devem ser exploradas.

Realidade: o que está Dado + Possibilidades ainda-não exploradas

Isto “significa reconhecer que somos seres condicionados mas não determina­
dos. Reconhecer que a História é tempo de possibilidade e não de determinismo,
que o futuro é problemático e não inexorável” (Freire, 1997b: 21). Num certo
sentido, podemos dizer que para projetar algo o sujeito deve estar numa dinã-

38. E. Bloch, O Princípio Esperança, apud Freitag 1993: 52.


Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos

52
• Sob a marca do Impossível Determinismo: exaltação dos limites e
influência da realidade, desprezando a força da ação consciente e volun­
tária, bem como a possibilidade de sua articulação (cf. Vasconcellos

Embora
1998c:tenham
22). enfoques diferentes, estas duas posturas acabam levando ao
imobilismo. A segunda, obviamente, por ser uma atitude mecanicista* e
demissionária (pessimista, desesperançosa, niilista, de caráter conformista e fita
lista);
mudar,a emergem por
primeira, as passar a idéia
dificuldades paraque mudar
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muito fácil:
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— Dialética Possível-Impossível31
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Trata-se de uma postura crítica (porque procura desvendar o funcioi


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Neste enfoque dialético, em cada caso concreto, há necessidade de°’ 'V
para se saber as reais possibilidades de mudança. ' ar>alise,

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Eu impossível e não desistodede
Carlos Drummond Andrade, Pr™- „ do <n.e
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2J Parte/ I — Re-signi ficando a Praticado Planejamento 53

parece. Mas a existência das condições objetivas — ou possibilidade, ou liberdade —


ainda não é suficiente: é necessário Conhecê-las' e saber utilizá-las. Querer utilizá-
las. O homem, neste sentido, é vontade concreta: isto é, aplicação efetiva do querer
abstrato ou do impulso vital aos meios concretos que realizam sua vontade. (Gramsci,
1984: 47)
E preciso combater a reificação presente muitas vezes em nosso meio: é o
homem que faz a história, todavia, com o tempo, parece que a história é feita
por alguma potência oculta, cujo controle fugiria totalmente de nossas mãos. O
desafio que se coloca é a compreensão dos condicionantes.
Os homensfazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem
sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamen­
te, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas
oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. (Marx, 1986: 17)
E necessário enfrentar simultaneamente o idealismo voluntarista e o mate­
rialismo mecanicista, que distorcem a dialética do real, reduzindo-a a um dos
pólos, ou seja, fazem-no pura história do espírito ou reduzem a consciência a mero
reflexo do real (Gramsci, 1984: 4). É ainda Gramsci (1891-1937) quem nos aponta
que “Na filosofia, o centro unitário é a praxis, isto é, a relação entre a vontade
humana (supra-estrutura) e a infra-estrutura econômica” (1984: 112). O proble­
ma todo consiste, pois, em
...em evitar o realismo trivial (adaptar-se ao imediato) e o irrealismo trivial (sub­
trair-se às constrições da realidade). 0 importante é ser realista no sentido complexo
do teimo (compreender a incerteza do real, saber que há o possível, mesmo que
ainda esteja invisível no real), o que frequentemente pode parecer irrealista. (Morin,
1998: 69)
Onde está escrito que a realidade é simplesmente isto que está dado, e que
nos cabe apenas e tão somente a resignação de nos adaptarmos a ela? Ora, a
realidade é o que está dado mais o nosso sonho de mudança, já que somos parte
desta realidade e nossos sonhos são partes de nós: “o fator subjetivo da atividade
produtora é, no seio do Ser, um fator objetivo ao mesmo título que o objeto...
O sujeito no Mundo é também parte do mundo”58. Portanto, na perspectiva
dialética, entende-se que a realidade não é um sistema fechado e pronto; exis­
tem, sem dúvida, os constrangimentos, todavia há também todo um leque de
possibilidades ainda-não realizadas e que podem/devem ser exploradas.

Realidade: o que está Dado + Possibilidades ainda-não exploradas

Isto “significa reconhecer que somos seres condicionados mas não determina­
dos. Reconhecer que a História é tempo de possibilidade e não de determinismo,
que o futuro é problemático e não inexorável” (Freire, 1997b: 21). Num certo
sentido, podemos dizer que para projetar algo o sujeito deve estar numa dinâ-

38. E. Bloch, O Princípio Esperança, apud Freitag 1993: 52.


54 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos

mica pessoal de projeto, qual seja, deve ter feito da sua existência um projeto e
não uma fatalidade.

— Possibilidade de Transformação da Escola


E possível a transformação da escola? Entendemos que, fundamentalmente,
o que possibilita sua mudança é o fato da contradição estar também ali presente
e não apenas fora dela, pois a escola não consegue ser um lugar isolado da
sociedade — apesar deste parecer ser o sonho de certos educadores. Para além
do otimismo ou pessimismo, temos que tomar a escola como local de contradições
dialéticas.
Essas contradições, ao serem assumidas por vários segmentos da escola,
passam a atuar ainda mais fortemente, ocupando mais espaço e provocando mais
reação, o que vai exigir a definição mais clara de posições por parte de todos os
membros da comunidade educativa. Por outro lado, à proporção que as contra­
dições são postas a descoberto, são tematizadas, favorece-se a tomada de cons­
ciência, a superação do senso comum. Boutinet, referindo-se a Ernest Bloch
(1885-1977), aponta o movimento de “tensão que a tomada de consciência vai
transformar em aspiração, ela própria orientada em pesquisa de um fim” (Boutinet,
1996: 58). Nesta mesma medida, o planejamento resgata seu sentido.

2.2.0 Planejamento enquanto Possibilidade


Entendemos que a percepção39 por parte do educador da possibilidade espe­
cífica de planejar está estreitamente vinculada à compreensão de dois fatores, a
saber:
□Regularidade do Real;
□ Possibijidade de Mudança da realidade em que estamos inseridos.
E interessante notar que, em certa medida, estes dois fatores são contradi­
tórios, pois a regularidade traz a idéia de repetição, de conservação, ao passo que
a mudança remete a abertura, plasticidade, alteração, novidade (unidade dos
contrários).

a) Reguiaridade do Real
Há um pressuposto ontológico no processo de planejamento: só tem sentido
planejar por considerarmos que existem certas regularidades no real, o que sig­
nifica que a realidade possui sua própria racionalidade (Demo, 1988: 53): “a
ordem lógica segundo a qual se processa o curso dos fenômenos é o princípio
da possibilidade da ação previsível” (Pinto, 1979: 145). É isto o que permite
prever, antever. Caso contrário, caos: nada a planejar, só deixar fluir; se o que
temos na vida é pura irregularidade (tudo dependendo de vontades individuais

39. A percepção por parte do sujeito das reais possibilidades dc mudar funciona
como uma espécie de possibilidade em-si e para-si, qual seja, não adianta o sujeito ter
desejo de mudança se “as condições não conspiram a seu favor”; todavia, também não
adianta existirem condições dadas no real, se o sujeito não as capta a fim de explorá-las.
2a Parte/ I — Re-significando a Praticado Planejamento 55

ou de forças extramundanas), nada a fazer, senão apelar aos oráculos para pedir
ajuda e proteção aos deuses (para os que acreditam que eles existem...).
A idéia de regularidade da natureza e da sociedade foi sendo construída
durante séculos, especialmente a partir do Renascimento, com o avanço da
Ciência, da Filosofia, da Técnica, etc. Nos dias atuais se, por um lado, a expe­
riência comum nos leva muitas vezes a duvidar da regularidade (ex.: falhas sis­
temáticas na previsão do tempo, planos econômicos que nunca dão certo, vio­
lência urbana, etc.), por outro, induz fortemente a esta crença: vemos, por exem­
plo, as leis da Mecânica funcionando a todo momento nos automóveis com os
quais cruzamos nas ruas; as leis da aerodinâmica presentes no vôo de cada pás­
saro ou avião; as ondas eletromagnéticas chegam a todo momento nos rádios e
televisores, etc. No campo social também nos deparamos com evidências de
regularidade quando os institutos de pesquisa são capazes de ‘adivinhar’ (com
margem de erro de décimos) os votos de 90 milhões de eleitores ouvindo apenas
6 mil deles; são conhecidos os altos investimentos na pesquisa de marketing para
lançamentos ou aumento de vendas de produtos: uma minoria absoluta é ouvida
e disto são tiradas conclusões para milhões. Mas esta convicção se firmou a tal
ponto que levou a uma certa cegueira, a uma visão meio que mecânica do
mundo, como se tudo pudesse ser fruto de um cálculo preciso, beirando o
dogmatismo, negando o autêntico movimento do real, levando ao fechamento a
novas perspectivas. Mais recentemente, esta visão passa a ser fortemente ques­
tionada, inclusive no interior da própria Ciência, que resgata a dimensão de
complexidade do real. A teoria do Caos na física moderna, por exemplo
...designa a imprevisibilidade de sistemas complexos, isto é, a existência de fenômenos
em relação aos quais não é possível fazer previsões ou cálculos precisos dadas alte­
rações, mesmo que pequenas, nas condições iniciais. (Japiassú, 1996)
Todavia, levar a idéia de não-regularidade às últimas consequências, implica,
entre outras coisas, colocar em questão o próprio sentido da elaboração teórica,
ou mesmo do aprender: de que pode valer qualquer aprendizado se jamais po­
derá ser exercido, vista a cabal novidade do mundo?
Hoje talvez estejamos mais próximos de uma situação de bom senso, onde
são reconhecidas certas regularidades do universo, inclusive social, mas não de
forma dogmática, definitiva (‘leis férreas’); explicações monocausais já não são
aceitas com tanta facilidade. Há a tendência de caminharmos para uma atitude
de mais humildade, de maior atenção às questões locais, às particularidades, a
subjetividade, etc. “Chegamos assim a uma estreita passagem ‘intermediária .
Conservamos a idéias de leis, mas introduzimos também a dos eventos. Esta
visão incorpora a inovação, seja na arte, na ciência ou na sociedade” (Prigogine,
1996: 268).
A educação escolar, além de participar das regularidades sociais em geral,
tem alguns elementos específicos que reforçam sua regularidade — se tornando
até obstáculo para a mudança —, tais como a legislação (dias letivos, carga
horária, grade curricular mínima), as rotinas (seriação ou ciclos, organização em
bimestres ou trimestres, horário de aulas), os espaços bem determinados (sala de
aula, pátio, quadra, biblioteca), etc.
56 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos

A partir da aceitação deste pressuposto ontológico, o grande desafio passa a


ser o domínio destas regularidades (determinações ou condicionantes), para poder
prever e interagir. Estamos, portanto, alertando para as possibilidades, mas tam­
bém para os limites do planejamento.

b) Possibilidade Concreta de Mudança


Se planejar significa antever uma intervenção na realidade visando sua
mudança, a pertinência do planejamento está intrinsecamente ligada ao reconhe­
cimento da possibilidade da transformação vir a ocorrer, visto que “o campo dos
possíveis é o objetivo em direção ao qual o agente supera sua situação objetiva”
(Sartre, 1978: 152). É possível mudar? Antes de mais nada, esta é a questão
com a qual o professor deve se defrontar. Caso contrário, por estar marcado por
pseudo-impossibilidades, não acreditando que algo possa ser alterado, não valo­
rizará as eventuais propostas feitas, desqualificando-as: ‘Palavras, palavras, pala­
vras... , Na prática, a teoria é outra’, ‘Quando tinha sua idade também pensava
como você’, ‘Não adianta’, ‘É assim mesmo...’, ‘Sempre foi assim’, ‘É o sistema’,
E a estrutura...’ Uma concepção completamente determinista de realidade,
naturalmente faz caducar qualquer idéia de planejamento. O desafio fundamen­
tal, portanto, está em resgatar a “confiança nas possibilidades de êxito do sujeito,
num sentido de invenção e criação, portanto de libertação” (Campos, 1993: 20).

O Poder do Educador
Digamos que estamos de acordo com as análises anteriores sobre a regula­
ridade do real e da sua possibilidade de mudança, em sentido geral, qual seja,
superamos a resistência inicial à idéia de planejar, bem como a postura
determinista. Vem, então, o questionamento: ‘Concretamente, temos poder para
mudar isto que estamos nos propondo?’, visto que a possibilidade objetiva de
planejar determinada ação está também atrelada à capacidade de intervenção no
real. Esta pergunta básica vai se desdobrar em outras duas, como veremos na
seqüência.

— Temos poder para transformar nossa realidade concreta?


Se nenhum poder temos sobre o campo onde estamos vislumbrando a ação,
de nada adianta falar de planejamento. E preciso que o sujeito sinta que tem
capacidade de dominar uma situação e nela promover mudanças (cf. Barbier,
1996: 20), pois planejar envolve um exercício de poder.
Alguns professores parecem não gostar do planejamento, quando este é bem
feito, já que mostra o limite, o universo restrito das possibilidades. O professor
parece reagir ao ter que ‘acordar’ do sonho descomprometido (mito da onipo­
tência).
E claro que não temos respostas precisas a priori sobre nosso poder de
intervenção; mas é necessário fazer apostas, sendo que o próprio processo de
planejamento, dependendo de como for conduzido, como veremos mais à frente,
pode se coi^tituir numa construção de poder seja pelo saber produzido, seja
2J Parte/ I — Re-significando a Praticado Planejamento 57

pelas relações, negociações que vão se estabelecendo no decorrer do mesmo.


Como afirma Saviani (1944- ), é preferível um poder limitado, porém real, a um
poder ilimitado (seja pessoal ou das estruturas), mas ilusório.

— Temos condições de realmente Planejar? Planejamento e


Condições Objetivas de Trabalho
Considerando a realidade do professor (várias escolas, cobrança para dar
conta dos conteúdos, falta de espaço de trabalho coletivo, etc.), até que ponto
seria possível planejar no verdadeiro sentido (não apenas preencher planos for­
malmente)?
Para que uma nova prática possa ocorrer, é preciso que simultaneamente se
articulem tanto condições subjetivas — clareza de proposta, necessidade, motiva­
ção, etc. (conforme considerações preliminares) —, quanto condições objetivas —
certas disposições concretas da realidade a ser trabalhada.
Se desejamos que o planejamento deixe de ser ‘um ritual hipócrita’, é fun­
damental discutirmos as necessárias condições que a escola precisa conquistar e
oferecer para se realizar um trabalho digno e coerente. Assim, por exemplo, são
frentes de luta dos educadores comprometidos com uma educação transforma­
dora: o empenho para que se tenha melhor remuneração para os professores (de
forma a que possam dar menos aulas, não sobrecarregar a jornada de trabalho),
concentrar o professor na escola, diminuir rotatividade dos educadores, conso­
lidar a autonomia da unidade escolar, buscar classes com número adequado de
alunos, garantir elasticidade na programação, tempo para leitura, pesquisa, rea­
lizar trabalho coletivo (não ficar na base do ‘cada um cada um’). Além dessas
questões mais de fundo, uma série de outras pequenas iniciativas pode ser toma­
da pelos educadores e pela escola, no sentido de colaborar com a melhoria do
cotidiano40.
A ação do sujeito se dá no campo das condições; elas são o universo da ação,
o ponto de partida e de chegada; porém, as condições objetivas não se transfor­
mam por si: o que as pode transformar é justamente a ação do(s) indivíduo(s);
elas são o que são naquele momento histórico (logo, estão sendo). Portanto, não
podem servir como álibi para o não-fazer: é justamente a tarefa a ser enfrentada!
A queixa dos professores é que existem espaços de decisão nesta esfera das
condições objetivas que não estão, de imediato, ligados a eles41 . Esperam que
quem de direito faça por onde, desempenhem adequadamente seu papel e favo­
reçam as devidas condições de trabalho. Ocorre que nem sempre isto se dá. E,
então, o que fazer? Se alguém ou algum segmento não assume suas responsa-

40. Como por exemplo: material didático, instalações, luminosidade da sala de aula,
temperatura, ventilação, silêncio externo, condições de saúde e alimentação dos alunos e
professores, etc.
41. Ex.: poder de decisão sobre alteração de salário ou de número de alunos em sala,
criação de espaço freqüente de trabalho coletivo e de pesquisa, etc.
JO
‘------ --------------------- Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos

de |CSte ser mais um elemento a fazer parte da pauta de luta (plano


Ge açao) dos professores.42
para que^taTa° ^ane^*amento não P°de suprir a exigência das condições
a 3 ■<1Ça? ocorra; P°de, no entanto, prever, indicar, apontar esta neces-
sid-idn'■ A,„, esta també,,, a fcrça e o iila,iteHdo pla„ejamentoH

y comPreendo a história como possibilidade, eu reconheço:


tranfon tem (luc desempenhar um papel importante no processo de

~ Que a educação torna-se relevante ã medida que este papel da subjetividade é


compreendido como tarefa histórica e política necessária.
ue a et ucação per de o significado se não for compreendida — como o são todas
a. pi atuas como estando sujeita a limitações. Se a educação pudesse fazer tudo
ui) avei ia motivo para falar de suas limitações. Se a educação não pudesse fazer
a*nda não haveria motivo para conversar sobre suas limitações. (Freire,

— Aproximações Sucessivas
Naturalmente, este poder e estas condições não estão dados, prontos. Pre­
cisam ser conquistados. Se acreditamos na possibilidade de mudança da realida­
de, vamos estar abertos para encontrar os caminhos de intervenção para poder
realizar o planejamento de uma forma mais significativa. Sempre há algo possí­
vel de ser feito, em função da autonomia relativa que se tem.
Isto significa que o professor (...) não perde sua capacidade de pensar, de criar, de
buscar alternativas práticas, através de sua experiência cotidiana. Além de executar
as ordens estabelecidas, ele conserva uma liberdade que lhe é inerente: ele pode criar,
inventar, construir. (Martins, 1989: 82)
Há um fato objetivo a ser considerado: na mesma conjuntura existem traba­
lhos bastante diferenciados sendo realizados. Isto nos aponta para a compreen­
são de que a mudança está limitada, mas tem um grau de possibilidade, de
liberdade. Se o professor tem 60 aulas semanais, com certeza não terá condições
de se dedicar a planejar cada uma, mas poderá investir, então, hoje em uma,
outra daqui a algum tempo, e assim, aos poucos, pode ir re-significando,
requalificando seu trabalho (enquanto luta para não precisar dar tantas aulas).
Este maior empenho inicial será altamente compensador no decorrer do ano.
Como sabemos, o que nos destrói não é só a carga de trabalho, mas também a
falta de clareza, a cisão interna, a falta de objetivo (típica do trabalho alienado),
não havendo critérios para direcionar a ação (“O motivo pelo qual muita gente

42. Assim, por exemplo, a proposta de planejamento participativo, á medida que vai
se concretizando, vai implicar em ônus econômico para escola ou mantenedora (reuniões,
conselhos, materiais, etc.), levando a explicitação (ou não) do autêntico compromisso com
esta perspectiva de trabalho.
2ü Parte/ I — Re-signi ficando a Praticado Planejamento 59

não chega à meta é porque nunca fixou meta alguma”), e sobretudo a falta de
retorno, de sentido para o que fazemos.
Coloca-se aqui um delicado problema: a questão do processo. Há nas ins­
tituições, muitas vezes, uma dificuldade de se trabalhar com a superação dos
limites. Os limites são colocados como algo inviolável, intransponível. Devemos,
no entanto, lembrar que os limites são sempre históricos; muito do que foi
limite no passado, hoje já não é.
O esquema a seguir nos ajuda a refletir sobre este movimento entre o pos­
sível-impossível e o necessário-contingente.

Possível

Impossível
— Esquema: Possível-Impossível x Necessário-Contingente—

Não podemos cair no jogo do tudo ou nada; é possível ter avanços parciais,
mas concretos e na direção almejada pelo grupo.43
A condição para que o fazer seja efetivo, é acreditar naquilo que se está
fazendo, entender aquilo como parte de um processo maior, como um passo ou
uma estratégia de resistência dentro de um amplo combate. Se não compreen­
demos o sentido da ação dentro de uma perspectiva maior, podemos achar
pouco, fazer por um tempo e depois deixar de fazer, uma vez que no fundo não

43. Só para exemplificar: a questão do número de alunos em sala de aula; de um lado,


vemos os professores solicitando a redução, de outro, os administradores dizendo que é
impossível. Resolver o problema de uma vez é muito difícil para a mantenedora; porém,
é preciso considerar também que os professores precisam de melhores condições de
trabalho para concretizarem uma proposta nova de educação. Pode-se chegar a uma
superação processual: estabelece-se diminuir, por exemplo, um aluno por classe durante
três ou cinco anos; parece pouco, mas pode ser uma forma de se enfrentar o problema
e sair do impasse do empurra-empurra, do tudo ou nada.
60
Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos

estamos convencidos. A questão é essa: buscar elementos para que possamos nos
convencer de que é necessário e possível fazer alguma coisa.
Neste empenho de mudança, portanto, devemos ganhar clareza que trata-se
(e um processo, o que implica ir por passos, não querendo transformar tudo de
uma só vez (mesmo porque não é possível); podemos ir progressivamente; sala
< e aula, curso, escola, comunidade, etc. Devemos procurar ir arrebentando um
«i um os problemas, a começar pelos mais próximos; a escola deve se organizar
a partir de dentro, articulando-se com a luta mais geral por uma sociedade mais
justa e livre.
Dialeticamente, podemos dizer que planejamos porque podemos e podemos
porque planejamos, visto que o planejamento coloca-se como um caminho do
homem resgatar sua dimensão de sujeito, na medida em que, através dele, se
capacita para exercer sua liberdade, sua criatividade, para traçar o seu destino,
não de uma maneira idílica, ilusória, mas preparando-se para o confronto com
estas determinações e limites da realidade a ser mudada.
Nesta perspectiva, entendemos que o planejamento (Projeto Político-Peda­
gógico, Projeto de Ensino) deve ser, antes de mais nada, um instrumento de
trabalho para o próprio sujeito/grupo (e não para o coordenador, a secretaria da
escola, a supervisão, mantenedora), correspondendo ao seu projeto de interven­
ção na realidade, “situando-o como produtor e não mero executor dos projetos
de outrem” (Carvalho e Diogo, 1994: 10).

3-FINALIDADES DO PLANEJAMENTO

A partir das reflexões precedentes, podemos explicitar algumas finalidades


do planejamento.

^Planejamento em geral
• Despertar e fortalecer a esperança na história como possibilidade;
• Ser um instrumento de transformação da realidade;
• Resgatar a intencionalidade da ação (marca essencialmente humana), pos­
sibilitando a (re)significação do trabalho, o resgate do sentido da ação
educativa;
• Combater a alienação: explicitar e criticar as pressões sociais e os compro­
missos ideológicos; tomar consciência de que projeto está se servindo;
• Dar coerência à ação da instituição, integrando e mobilizando o coletivo
em torno de consensos (provisórios); superar o caráter fragmentário das
práticas em educação, a mera justaposição;
• Ajudar a prever e superar dificuldades; fortalecer o grupo para enfrentar
conflitos e contradições;
• Racionalizar os esforços, o tempo e os recursos (eficiência e eficácia):
utilizados para atingir fins essenciais do processo educacional;
• Diminuir o sofrimento.
2J Parte/ I — Re-significando a Praticado Planejamento 61

UProjeto Político-Pedagógico
Podemos apontar as seguintes finalidades mais específicas do Projeto Polí­
tico-Pedagógico:
• Ser elemento estruturante da identidade da instituição;
• Possibilitar a gestão democrática da escola: ser um canal de participação
efetiva;
• Mobilizar e aglutinar pessoas em torno de uma causa comum, gerando
solidariedade e parcerias;
• Dar um referencial de conjunto para a caminhada;
• Ajudar a conquistar e consolidar a autonomia da escola;
• Resgatar a auto-estima do grupo: fazê-lo acreditar nas suas possibilidades
de intervenção na realidade. Aumentar o grau de realização/concretização
(e, portanto, de satisfação) do trabalho; desfrutar o prazer de conhecer (a
realidade do campo de intervenção) c de concretizar (aquilo que foi pla­
nejado);
• Possibilitar a delegação de responsabilidades;
• Ajudar a superar as imposições ou disputas de vontades individuais, na
medida em que há um referencial construído e assumido coletivamente;
• Colaborar na formação dos participantes.
O Projeto Educativo é uma tentativa de diminuir os ‘inimigos internos’ na
prática institucional, que tem tantos efeitos negativos, levando, muitas vezes, a
ausência de mudança por medo da incompreensão dos próprios colegas.
Pela nossa vivência na escola, sabemos que um grande desafio que se coloca
é o grupo estar junto em torno de uma causa que valha a pena (progressista,
libertadora, transformadora). O Projeto é um caminho para isto, dada sua di­
mensão participativa, que favorece a unidade (não uniformidade), que vai se
constituindo no próprio processo de elaboração (construção da proposta
construção do coletivo), e em função de sua base científica (lógica da proposta,
princípios teórico-metodológicos que o fundamentam).
São conhecidos casos de escolas públicas que diminuíram a rotatividade dos
professores cm função da elaboração participativa do seu projeto político-peda­
gógico; apesar de terem, por exemplo, o mesmo salário, os professores preferem
ficar em unidades até mais distantes de suas residências, sentindo a mudança que
o projeto trouxe nas relações na instituição.

^Projeto de Ensino-Aprendizagem
Quanto ao Projeto de Ensino-Aprendizagem, apresentamos as seguintes
finalidades que lhes são mais pertinentes:
• Possibilitar a reflexão e a (re)significação do trabalho;
• Resgatar o espaço de criatividade do educador;
• Favorecer a pesquisa sobre a própria prática;
• Organizar adequadamente o currículo, racionalizando as experiências de
aprendizagem, tendo em vista tornar a ação pedagógica mais eficaz e
eficiente;
• Estabelecer a comunicação com outros professores e alunos;
62 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos

• Ajudar a resgatar o movimento conceituai e a organizar o fluxo da expres­


são sobre o objeto de conhecimento;
• Não desperdiçar atividades e oportunidades de aprendizagem14;
• Ser elemento de auto formação do professor, na medida em que possibilita
o pensar mais sistematicamente sobre a realidade, sobre a proposta, sobre
a prática, ajudando, pois, a diminuir a distância teoria-prática, evitando a
rotina viciada e a improvisação;
• Resgatar o saber docente, a cultura pedagógica do grupo;
• Superar a expropriação a que o professor foi submetido em relação a
concepção e ao domínio do seu quefazer, resgatando sua condição de
sujeito de transformação.
E uma questão de respeito a si e ao grupo: ao não nos dedicarmos ao planejar,
desvalorizamos nossa própria atividade (e antes disso, nossa própria pessoa: impli­
ca que podemos perder tempo, recursos...). É também questão ética, de respon­
sabilidade (no mínimo, pedagógica e política) por uma tarefa que assumimos e
que nos é delegada socialmente.
O planejamento é uma síntese do trabalho do professor/grupo; se ainda não
chegou a amadurecer, não terá condições de planejar; neste caso, o envolvimento
com o processo de planejamento pode ajudar a construir esta síntese. Piaget
(1896-1980) alertava para a necessidade de se buscar “as analogias e diferenças
entre ‘conseguir’, que é resultado do ‘savoir faire\ e ‘compreender’, que é pró­
prio da conceituação, quer esta suceda à ação ou, ao contrário, a preceda e
oriente” (Piaget, 1978: 10); fazemos muitas coisas que não sabemos ao certo seus
fundamentos ou suas repercussões; o planejamento pode ser uma forma do pro­
fessor ir se apropriando mais plenamente do seu fazer.
Vivemos hoje um mundo de fragmentação, de correria, o que significa dizer
que o sujeito-educando tem uma série de outras coisas para fazer, uma série de
outros estímulos e solicitações. Se queremos efetivamente atingi-lo, temos que
aproveitar da melhor forma o espaço-tempo na sala de aula e na escola.

^Articulação entre Projetos


Um aspecto bastante relevante deve ser explicitado:
...a instituição escolar deve-se instaurar corno espaço-tempo, como instância social
que sirva de base mediadora e articuladora de outros dois tipos de projetos que têm
a ver com o ser humano: de um lado, o projeto político da sociedade, e, de outro, os
projetos pessoais dos sujeitos envolvidos na educação. (Severino, 1998: 81)
Qual seja, não há proposta educativa que se sustente sem um projeto de
sociedade e sem os projetos de vida das pessoas que dela participam. Nestes
últimos, cabe destacar que normalmente pensamos no professor, o que é abso­
lutamente correto; só que o aluno também deve ser aí incluído, visto que o que44

44. Ex.: o professor pode se lembrar no meio de uma aula de um texto complementar
interessante ou de uma dinâmica boa, mas por não ter previsto com antecedência, não
pode utilizar naquele momento.
2a Parte/ I — Re-significando a Praticado Planejamento 63

desejamos é que, no decorrer do seu processo de formação, possa estar constru­


indo sua identidade, portanto, o seu projeto pessoal.45

Projeto Social
0
Planejamento Educacional
0
Projeto Pessoal
— Esquema: Interfaces do Planejamento Educacional—

Planejar, então, para que? Para fazer acontecer; para transformar sonhos em
realidade. Para transformar nosso trabalho, nossa relação com os alunos, a nós
mesmos, a escola, a comunidade, e, no limite, a própria sociedade.
A estrutura do processo vital da sociedade (...) só pode desprender-se do seu veu
nebuloso e místico, no dia em que for obra de homens livremente associados, submetida
a seu controle consciente e planejado. (Marx, 1980b: 88)

CONCLUSÃO

Depois de todas estas reflexões sobre os problemas, a possibilidade e a ne­


cessidade, que postura assumir frente ao planejamento? Entendemos que é pre­
ciso superar tanto a adesão deslumbrada (que considera-o como uma espécie de
panacéia), quanto a pura e simples rejeição (que considera-o como einpti2847 >
em direção à compreensão do planejamento como prática humana contraditória,
tendo lucidez de seus limites (constrangimentos naturais, sociais ou inconscien­
tes, concepções equivocadas, etc.), mas também de suas potencialidades (toma­
da de consciência, elemento articulador da ação, etc.).
Adesão Ingênua <=> Rejeição
x
Planejamento como Prática Contraditória
— Esquema: Posturas frente ao Planejamento—

Precisamos estar atentos para não entrar ingenuamente na sua elaboração e


causar mais uma frustração para a comunidade educativa e, em particular, para
os professores.
() projeto não é ‘varinha de condão’, não tem ‘superpoderes’. No entanto, se
o enfrentamento da situação é penoso com um planejamento, certamente sera
bem pior sem ele, visto que ficaríamos bem mais susceptíveis à desorganização
interior e às pressões exteriores. Assim, o processo de planejamento pode ser de
grande valia, na medida em que busca re-significar, orientar e dinamizar o trabalho.

45. Algumas escolas têm tido a iniciativa de propor, como uma espécie de fCC
(trabalho de conclusão de curso) para os alunos do ensino médio, o seu Projeto de Vida.
Planejamento / Celso dos S. Vascon^^
64

Planejar pede envolvimento sincero na elaboração, e por isto mesmo as


diferentes posições vão se manifestar, gerando conflitos; as ‘neuroses’, os com­
ponentes de não-vida (desânimo, desesperança) também vão aparecer. E um
trabalho exigente. Vai implicar investimento de tempo e, sobretudo, energias,
crenças, valores, verdade, reflexão.
Precisamos ter em conta que o planejamento é apenas um instrumento
teorico-metodológico. Poderoso, mas instrumento. Portanto, depende de sujei­
tos que o assumam (tanto na elaboração quanto na realização). Não é, pois, uma
coisa maravilhosa-, é relativamente complexo, exigente e ainda falível. No entan­
to, não é também um capricho; é uma necessidade! A menos que desejemos
caminhar sem destino certo, improvisando, agindo sob pressão, administrando
por crise, sem procurar intervir no vir-a-ser do real, abrindo mão da nossa
condição de sujeitos.
Hoje mais do que nunca ‘o tempo é construção’, para dizê-lo com as palavras de
Paul Valéry. Não podemos ter a esperança de predizer o futuro, mas podemos
influir nele. (Prigogine, 1996: 268)
O planejamento é sempre uma aproximação, unia tentativa, uma hipótese;
nao pode se transformar em algo dogmático que mate, ao negar, o movimento
do real (que e sempre muito maior do que qualquer possível explicação ou
previsão) ou a própria intuição (por paradoxal que possa parecer). Deve estar
sempre atento e aberto à realidade (exterior e interior: fluxo relações, contra­
dições, desejo, etc.). A perspectiva é de um planejamento mais humilde, menos
pretensioso de abarcar a totalidade da prática, nos seus mínimos detalhes, tendo
em vista que tudo que efechado/determinado demais acaba expulsando o huma­
no (cf. Arroyo, 1999). Na nossa contingência de seres históricos e limitados,
precisamos de pontos de apoio e referência para nos movimentarmos; mas isto
nao pode impedir de caminhar ou de trilhar novos caminhos!
III
Processo de Planejamento

1-APROFUNDANDO O CONCEITO DE PLANEJAMENTO

Discutir conceitos (de planejamento, de projeto, por exemplo) pode parecer


‘perda de tempo’, sendo que o mais importante seria discutir o como fazer.
Ocorre que, com freqüência, as idéias mais interessantes sobre a prática acabam
advindo justamente da clareza conceituai. Quanto mais se aprofunda o conceito,
maior o grau de liberdade, de autonomia do sujeito-professor. Pela negativa:
quanto menor a fundamentação, maior a necessidade de receita, de modelo.
Chegar a um conceito de planejamento, assim como outros tantos, não é
tarefa fácil. Vamos partir da concepção dicionarizada:
Planejamento. S. m. l.Ato ou efeito de planejar. 2.Trabalho de preparação
para qualquer empreendimento, segundo roteiro e métodos determinados;
planificação: o planejamento de um livro, de uma comemoração. (Aurélio)

Planejar. V. t. d. 1.Fazer o plano de; projetar, traçar: Um bom arquiteto


planejará o edifício. 2.Fazer o planejamento de; elaborar um plano ou rotei­
ro de; programar, planificar: planejar um roubo. 3.Fazer tenção ou resolução
de; tencionar, projetar (...). (Aurélio)

Plano. (Do lat. planu) Adj. (...) Projeto ou empreendimento com fim deter­
minado. Conjunto de métodos e medidas para a execução de um empreen­
dimento (...). (Aurélio)

Projeto, (do lat. projectu, ‘lançado’ para diante). S. m. 1 .Idéia que se forma de
executar ou realizar algo, no futuro; plano, intento, desígnio. 2.Empreendi­
mento a ser realizado dentro de determinado esquema. (Aurélio)

Projeto. Em geral, a antecipação das possibilidades: isto é, qualquer previsão,


predição, predisposição, plano, ordenação, predeterminação. (Nicola Abbagano)
Por aqui percebemos a manifestação de um conceito de planejamento que
poderíamos chamar, no mínimo62, de restrito, visto que não está supondo a
vinculação entre a elaboração e a realização pelo sujeito. Na verdade, esta
concepção retrata aquela divisão a que nos referimos anteriormente, e que alçou
um estatuto científico com o taylorismo.

62. Para não dizer ideológico ou alienado.


2J Parte/ III — Processo de Planejamento 79

Tendo em vista o caráter emancipatório que buscamos, o que nos interessa


neste trabalho é o conceito integral de planejamento, como aquele já explicitado:
planejar é antecipar mentalmente uma ação63 a ser realizada e agir de acordo
com o previsto. Planejar não é, pois, apenas algo que se faz antes de agir, mas
é também agir em função daquilo que se pensou. Podemos fazer uma analogia
com a coluna vertebral: é aquilo que dá postura ao sujeito, qual seja, não é algo
característico só do antecedente da ação: está presente também na ação (e no
depois). Esta antecipação e realização pode ser obra de um indivíduo, de um
grupo ou mesmo de uma coletividade social bem mais ampla (ex.: o planejamen­
to participativo num sindicato, numa rede de ensino). Trata-se, ao fim e ao cabo,
de antever, projetar uma ação, mas não qualquer: é uma ação a ser realizada
(realizar = tornar real); é uma ação, portanto, que visa um //?// (age-se de tal
forma para...), e por sua vez, tanto o fim quanto a ação estão referidos a uma
realidade a ser transformada. Pode ser entendido como “atividade consciente do
homem que concebe uma coisa futura como possível c dependente dele, que
para isto tende pelo desejo e vontade, e se esforça pela sua realização” (Lalande,
s/d). Deve ficar muito claro, portanto, que planejar é também se comprometer
com a concretização daquilo que foi elaborado enquanto plano. Este compro­
misso corresponde à energética da ação (cf. Piaget), que possibilitará (no sentido
de impulsionar e dar suporte) a passagem da esfera reflexiva ao mundo objetivo.
O planejamento, enquanto construção-transformação dc representações,
é uma mediação teórico-metodológica para a ação, que, em função de tal medi­
ação, passa a ser consciente e intencional. Tem por finalidade procurar fazer
algo vir à tona, fazer acontecer, concretizar, e para isto é necessário ‘amarrar’,
‘condicionar’, estabelecer as condições — objetivas e subjetivas — prevendo o
desenvolvimento da ação no tempo (o que vem primeiro, o que vem em segui­
da), no espaço (onde vai ser feita), as condições materiais (que recursos, mate­
riais, equipamentos serão necessários) e políticas (relações de poder, negocia­
ções, estruturas), bem como a disposição interior (desejo, mobilização), para que
aconteça. E fazer história: uma tentativa de fazer elo consciente entre passado,
presente e futuro. Independente de o sujeito planejar ou não, há um ‘fluxo’ do
tempo, dos acontecimentos. Planejar é tentar interferir neste fluxo, no devir.
Vários atos desarticulados ou justapostos casualmente não permitem que se fale de
atividade (de planejamento); é preciso que os atos singulares se articulem ou
estruturem, como elementos de um todo, ou de um processo total, que culmina na
modificação de uma realidade. (Vázquez, 1977: 186)

— Diferenças
Planejar tem uma série de aproximações com outras práticas que envolvem
alguns de seus elementos básicos (representação, antecipação, etc.). Todavia, é
importante perceber também suas diferenças e, com isto, ter maior clareza do
próprio conceito.

63. Ou um conjunto de ações.


80 Planejamento / Celso dos S. Vasconcelos

• Planejar difere da simples imaginação, na medida em que nesta não há cj


compromisso com a colocação em prática.
• Difere do sonho, do desejo difuso, da mera intenção, visto que prev$
passos, seqüência determinada de ação, utilização de recursos, etc.
• O planejamento remete à prática, tem uma relação intrínseca com ela; isto
o difere de uma teoria educacional qualquer, por exemplo, que pode ficar
em meras elucubrações; além disto, o planejamento se dá em cima de uma
ação específica, numa situação bem concreta, enquanto que uma teoria
tem um caráter genérico (explica, se aplica a vários objetos ou contextos),
• Difere do relatório (memória), pois apesar deste ter a prática como refe­
rência, trata-se de uma prática já realizada, ao passo que o planejamento
incide sobre uma ação a ser realizada (imagem reprodutora x imageni
antecipadorá)', pelo mesmo motivo, distingue-se da avaliação, no sentido
estrito (embora estejam muito vinculados).
• Difere também da predição, pois esta apenas aponta o que está para acon­
tecer com as condições dadas, enquanto que o planejamento é uma forma
de intervir e interagir com as condições dadas para que determinadas
coisas venham a acontecer.
• Distingue-se ainda do script de uma peça, pois, embora este se refira a uma
prática a ser realizada, não há, digamos assim, grau de liberdade: uma vez
montada a peça, praticamente nada se altera, vai ser a repetição do mes­
mo, enquanto que o planejamento, sobretudo o educacional, não chega a
este nível de detalhamento e de amarração segundo a segundo.
Tem, portanto, uma carga de interesse em função deste caráter pragmático,
visto que “é a única entre todas as figuras antecipatórias a poder ser considerada
como operatória” (Carvalho e Diogo, 1994: 8).

— Planejamento x Plano
Planejamento é o processo, contínuo e dinâmico, de reflexão, tomada de
decisão, colocação em prática e acompanhamento. Plano é o produto desta re­
flexão e tomada de decisão, que como tal pode ser explicitado em forma de
registro, de documento ou não: “Poderá tão-somente ser assumido como uma
decisão e permanecer na memória viva como guia da ação. Aliás, só como memória
viva ele faz sentido” (Luckesi, 1984: 211).
O planejamento, enquanto processo, é permanente. O plano, enquanto pro­
duto, é provisório.
O planejamento da educação escolar pode ser concebido como processo que envolve a
prática docente no cotidiano escolar, durante todo o ano letivo, onde o trabalho de
formação do aluno, através do currículo escolar, será priorizado. Assim, o planejamento
envolve a fase anterior ao início das aulas, o durante e o depois, significando o exercício
contínuo da ação-reflexão-ação, o que caracteriza o ser educador. (Fusari, 1988: 9)
O plano corresponde a um certo momento de amadurecimento e de clareza
no processo de planejamento: “quando condições, objetivos, meios podem ser e
são determinados ‘exatamente’, e quando a ordenação recíproca dos meios e dos
2J Parte/ III — Processo de Planejamento 81

fins apóia-se sobre um saber suficiente cio domínio em questão” (Castoriadis,


1995: 97). Esta é sua força e seu limite, pois se desta forma pode direcionar a
ação, de outra, está condenado a ficar ultrapassado pelo fluxo do real: os planos
passam, o planejamento permanece (cf. Castoriadis, 1995: 97).

— Subprocessos
Planejar é elaborar o plano de mediação, da intervenção na realidade, aliado
à exigência, decorrente de sua intencionalidade, de colocação deste plano em
prática. A elaboração do plano, obviamente, não é ainda a ação; é um processo
mental, de reflexão, de tomada de decisão; por sua vez, não uma reflexão qual­
quer, mas uma reflexão ‘grávida’ de intervenção na realidade. Temos, então, a
dialética da ação humana consciente e intencional entre ação e reflexão. E pre­
ciso ficar claro, no entanto, que não se trata de ‘etapas’ que se sucedem meca­
nicamente: uma de reflexão, outra de ação. Trata-se de predominância de uma
ou de outra, mas não de justaposições estanques, dicotômicas. Isto é importante:
são momentos em que predomina a reflexão ou a ação, mas ambos constituem
uma unidade indissolúvel (práxis). Na reflexão está presente a ação, como ponto
de partida, como desafio. Na ação há um tipo de reflexão que é ‘tensional’, que
está ao mesmo tempo guiando a ação e confrontando, comparando com o ideal
estabelecido.
O planejamento enquanto processo envolve, pois, dois grandes subprocessos:
□Elaboração
□ Realização Interativa64
Tem que haver elaboração do plano de ação. Mas isto não basta: se não
houver a tentativa de colocação em prática, tendo como referência aquilo que foi
planejado, estará rompida a unidade do processo, se estabelecerá uma dicotomia
entre pensar e fazer, conceber e realizar, teoria e prática, o que caracteriza uma
atividade alienada. “A relação entre a consciência do projeto proposto e o pro­
cesso no qual se busca sua concretização é a base da ação planificada dos seres
humanos” (Freire, 1981a: 43).
Por outro lado, ainda que a avaliação seja elemento inerente à Realização
Interativa, deve-se prever um momento de avaliação mais sistemática do conjun­
to da atividade (anteação, ação, retroação, cf. Palmarini, 1992: 23). Podemos
representar o ciclo do planejamento da seguinte forma:

> (Re) Elaboração

I l
Realização Interativa
l
— Avaliação de Conjunto

— Esquema: Ciclo do Planejamento—

64. No planejamento administrativo, este subprocesso fase costuma corresponder às


fases denominadas “execução” e “controle”.
82 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos

Os esquemas clássicos do ciclo do planejamento apresentam os seguintes


‘passos’: Planejar, Executar e Avaliar. Temos restrições a esta abordagem por
entendermos que a execução não pode estar separada do que foi planejado e a
avaliação não é algo que ocorre apenas no fim; ao contrário, acompanha todo
processo de colocação em prática. Por isto, afirmamos que o ciclo do planeja­
mento, na verdade, é elaborar e realizar interativamente, o que implica a avaliação
— tanto no processo como num momento de conjunto —, ou seja, não pode
haver — para não ser planejamento alienado — separação na execução com
aquilo que foi planejado. Esta não desvinculação da ação com a intencionalidade
caracteriza a práxis.

2-FUNDAMENTOS DA ELABORAÇÃO DO PLANEJAMENTO

A Elaboração do planejamento “é um processo mental; precede a ação e


reporta-se a um real ‘não mental’, mas é relativo a uma situação desejada, um
real construído mentalmente” (Carvalho e Diogo, 1994: 13). Dá-se tendo como
referência as três dimensões da ação humana consciente e intencional: Realidade,
Finalidade e Plano de Ação Mediadora (essência da elaboração do planejamento).

Elaboração Realização
Finalidade

$ Plano de Mediação £> Mediação

Realidade

— Esquema: Dimensões do Planejamento—

A mediação (partejada pelo plano) é ‘filha’ da tensão entre a realidade e a


finalidade, qual seja, se não há distância entre o que se vive e o que se quer, não
há motivo para a ação (por via de conseqüência, nem para a elaboração do
plano). “O hiato entre a visão e a realidade é fonte de energia. (...) Nós chama­
mos este hiato de tensão criativa” (Senge, 1998: 178).
A cada uma destas dimensões do planejamento, corresponde respectivamen­
te, um tipo de atividade reflexiva:

Dimensão do Planejamento Atividade Reflexiva Correlata

Realidade Cognoscitiva

Finalidade Teleológica

Plano de Mediação Projetivo-Mediadora

— Quadro: Dimensões e Atividades Reflexivas


Correlatas na Elaboração do Planejamento—
2U Parte/ III — Processo de Planejamento 83

Em sua obra Filosofia da Praxis, Vázquez insiste na práxis como articulação


entre reflexão e ação, teoria e prática. Aponta duas grandes atividades que esta­
riam envolvidas na reflexão: a atividade Cognosçitiva e a Teleológica. Considerando
a análise prévia que fizemos sobre as três dimensões constituintes da atividade
humana consciente e intencional, sentimos necessidade de desdobrar essa divi­
são, visando a maior clareza e precisão na compreensão do processo de reflexão.
A atividade teleológica, em que Vázquez subentende tanto a finalidade da ação,
quanto o plano de ação, pode ser desdobrada na atividade Teleológica, no sentido
da maior especificidade, por se referir à intencionalidade da ação, e na atividade
que chamaremos de Projetivo-Mediadora, em função de seu caráter de projeto de
ação que fará a mediação entre a realidade e a finalidade (transformar a realidade
na direção da finalidade). Observemos que, na verdade, a atividade reflexiva no
seu conjunto pode ser entendida como mediadora da ação humana consciente;
aqui, no entanto, estamos falando de um aspecto particular desta mediação: a
projeção.
Vamos retomar as três dimensões básicas do processo de elaboração do
planejamento.

©Realidade
Planejar, como vimos, é tentar intervir no vir-a-ser, antever, amarrar ao nosso
desejo os acontecimentos no tempo futuro. Para isto, é preciso conhecer o campo
que se quer intervir, sua estrutura e funcionamento: “o projeto retém e revela a
realidade superada, recusada pelo movimento mesmo que a supera: assim, o conhe­
cimento é um momento da praxis, mesmo da mais rudimentar” (Sartre, 1978: 152).
Quando nos referimos ao conhecimento da realidade, falamos de uma visão de um
sujeito/grupo, que é, portanto, sempre uma construção.
Acontece que a realidade não se dá a conhecer diretamente, não se ‘entrega’;
o esforço de decifração e interpretação visa a apreender o dinamismo do real já
configurado, tendo em vista nele entrar, seja no sentido de usufruir ou de trans­
formar. Tanto o para quê, quanto o quê do plano estão referidos à situação, à
realidade. Ela é o ponto de partida e o de chegada (só que já transformada), bem
como o campo de caminhada.
Ao ser conhecida, a realidade pode revelar possibilidades inexploradas:
A situação, ao mesmo tempo em que nos indica o que nos falta (portanto, os obje­
tivos, ou seja, aquilo que ainda não foi alcançado mas que deve ser alcançado), indica
o que temos (portanto, os meios que nos permitem realizar os objetivos propostos).
(Saviani, 1983a: 64)
A atividade reflexiva característica desta dimensão, como indicamos, é a
Cognosçitiva. Refere-se à reflexão sobre uma realidade presente, que se pretende
conhecer; não traz em si uma exigência de ação efetiva, diferentemente da
teleológica. Uma das funções da teoria é interpretar a realidade, decifrá-la, atra­
vés da pesquisa. Tem como resultado a produção de conhecimentos (informa­
ções que se articulam em saberes, conceitos, hipóteses, teorias, leis).
84 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos

©Finalidade
Esta dimensão corresponde à busca do telos (fim), à explicitação da intencio­
nalidade, ao sentido a ser dado à ação, ao estado futuro de coisas, a uma orien­
tação geral, à direção para transformar o que é naquilo que deve ser. qual o
horizonte, qual a utopia, o que se deseja mais profundamente.
A forma de raciocínio projectual é diferente das formas de raciocínio descritivo e
explicativo relacionadas com a observação de fatos. (...) Nã° é um método de obten­
ção de informação, é um método de injeção" de informação na configuração do
projeto. (Thiollent, 1984: 49)
A afirmação do que se quer tem uma importante tarefa na superação dialética:
ao assumir finalidades, o homem nega a realidade presente e afirma uma outra
ainda não existente. “O presente é contraditório, está sempre sobrecarregado de
passado, mas ao mesmo tempo está sempre grávido das possibilidades concretas
de futuro” (Konder, 1992: 123). A determinação da ação passa a vir não simples­
mente do passado ou do presente, mas como que também do futuro.
A atividade propriamente humana só se verifica quando atos dirigidos a um objeto
para transformá-lo se iniciam com um resultado ideal, ou finalidade, e terminam
com um resultado ou produto efetivo, real. Neste caso, os atos não só são determi­
nados casualmente por um estado anterior que se verificou efetivamente — deter­
minação do passado pelo presente —, como também por algo que ainda não tem unia
existência efetiva e que, não obstante, determina e regula os diferentes atos antes de
culminar num resultado real; ou seja, a determinação não vem do passado, mas sim
do futuro. (Vázquez, 1977: 187)
A finalidade deve ser aberta, um projeto dinâmico, que vai se configurando
pela interação com a própria realidade.
Aqui, a atividade reflexiva característica c a Teleológica, que refere-se a um
estado futuro, portanto ainda inexistente. É a construção de representações
mentais sobre o que se deseja. Trata-se da intencionalidade, do alçar voo, antever,
projetar ou explicitar finalidades. Tem como resultado os fins, os objetivos, as
metas (de acordo com os diferentes níveis de abrangência), o ‘produto’ ideal,
entes que “ainda-não-são”, a imagem do resultado almejado.
O caráter finalista que reveste certas idéias provém do engajamento do homem
no mundo (cf. Pinto, 1979: 144), da sua luta pela sobrevivência, da sua não mera
adaptação: “...a atividade teleológica traz implícita uma exigência de realização,
em virtude da qual se tende a fazer da finalidade uma causa de ação real”
(Vázquez, 1977: 191).
A atividade reflexiva serve também, pois, para a projeção, para esboçar o
novo, para abrir novas possibilidades, criar o ainda não existente: “...o possível
cognitivo é essencialmente invenção e criação” (Piaget, 1985: 8). A mudança da
realidade exige imaginação, criatividade a fim de se projetar uma possibilidade
de organização diferente da que temos. Podemos lembrar uma outra colocação
de Einstein: “Nada existe na ciência que não tenha estado antes na imaginação”.
...o possível, o virtual, o futuro não se representa senão através do imaginário.
Trabalhadas, elaboradas, essas representações se tornam utopias afirmativas ou ne-
2a Parte/ III — Processo de Planejamento 85

gativas. De tal modo que o imaginário possui uma função ’ igual ou superior à do
saber que se refere ao lreal\ (Lefebvre, 1983: 63)
Para planejar é importante imaginar, porém não uma imaginação
descomprometida, mas que tenha em conta as experiências anteriores e o
engajamento para que venha a acontecer.
Segundo Barbier, há com efeito uma relação genética entre as representações:
“para definir uma representação do possível torna-se provavelmente necessário
partir de uma representação do real existente” (Barbier, 1996: 52), qual seja, a
construção da representação de um estado ideal, de um novo horizonte se dá
tendo como base as representações jnentais anteriores, portanto, relativas ao
passado ou ao presente. Logo, o trabalho de conhecer bem a realidade é da
maior importância para ampliar o leque de possibilidades de criação de novas
representações antecipadoras. Assim, estabelecer finalidades não pode ser enten­
dido como um devaneio, um passeio por cima das nuvens onde as finalidades,
prontas, amadurecidas, bem definidas, seriam colhidas e trazidas... E um proces­
so que parte de uma escuta atenta da realidade, que arrisca interpretações, e que
finalmente ousa apostar em algumas projeções.

©Plano de Mediação
E a previsão das ações, do movimento, da seqüência de operações a serem
realizadas para a transformação da realidade. Dimensão mais operacional, de
criação de alternativas concretas de mudança, onde se elabora um plano de
intervenção. Enquanto a finalidade corresponde a uma antecipação de um estado
a ser alcançado, o plano diz respeito à antecipação do processo (sucessão de
iniciativas, passagem, de um estado a outro) a ser desencadeadofcf. Barbier, 1996:
57). Tudo se dá como se a imagem ideal projetada retroagisse sobre o sujeito
para estruturá-lo a fim de alcançá-la (cf. Not, 1981: 454).
A atividade reflexiva Projetivo-Mediadora é característica desta dimensão. São
idéias que têm a função de poder representar prefiguradamente uma ação a
fazer. Trata-se de buscar construir a imagem mental do caminho a ser seguido,
ser capaz de visualizar o movimento na situação futura: como ocupar o tempo,
o espaço e os recursos. Tem como resultado o projeto — stritu senso —, a
produção de propostas de atividades, enfim, o plano a ser assumido.
Para o êxito na realização do projetado, é fundamental, portanto, que a
consciência não se limite à representação do próprio fim, mas que este fim
direcione igualmente o modo de ação nele implicado.
...acaba por dar uma estrutura nova ao ato de trabalho, enquanto implica doravante
em si próprio o seu jrróprio plano, como consciência da forma do movimento a
imprimir ao objeto. E pois na verdade a imagem que o trabalhador projetou da sua
cabeça no material, não somente a imagem da própria forma do instrumento a
obter, mas a imagem- da fonna do movimento da sua execução, que se realiza na
matéria trabalhada. (Trân Duc Thao, 1974: 201)
O plano deve levar em consideração os meios disponíveis ou potenciais. Vai
implicar também em tomada de decisões quanto às formas de realização.
Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos
86

Devemos estar atentos para um possível equ.voeo metodolog.co: a eonfttsao


entre a opemdonaliaação da solução do problema (med.açoes) e a final,dade.
Dhnte de uma situaçãmproblen.a, urna vez. que esta e captada nonnalmente o
que apare» nó sujeiío é „ desejo de sua superaçao - «bjenvo/final.dade - e
S. ser eonítmdulo com a solução; ocorre que a opcraconal.zaçao precsa
ser elaborada (plano de mediação), ser constru.da a parttr da snal.se sobre as
determinações da realidade e da reflexão sobre os fins almejados.

— Dialética entre as Dimensões


A relação entre estas três dimensões é dialética, o que significa dizer que
uma supõe, nega e supera as demais. Há, por exemplo, uma unidade indissolúvel
entre Realidadei e Finalidade: primeiro, a existência da finalidade remete ao co­
nhecimento da realidade para que o fim possa se realizar, mas também tem sua
gênese numa necessidade advinda desta realidade; segundo, a finalidade e de
certa forma a negação (ideal) da realidade (que se quer transformar). O arqui­
teto como veremos a seguir, imagina a casa, mas esta imaginaçao está baseada
em suas experiências anteriores, portanto, na própria realidade. Se pensarmos no
Plano de Mediação, veremos que também leva em conta a realidade, tanto no
sentido de experiências anteriores, quanto dos recursos disponíveis na mesma; e
assim por diante.
A démarche de elaboração de projeto pode efetivamente ser definida como um
processo de transformação de uma representação orientada do real, com efeito
cognitivo e relevando de uma démarche de identificação e de conhecimento, numa
representação orientando o real, com efeito operatório antecedendo diretamente
a ação. (Barbier, 1996: 24)

3-FUNDAMENTOS DA REALIZAÇÃO INTERATIVA

O autentico processo de planejamento, além da elaboração, traz implícita


uma exigência de realização. O tipicamente humano é, a partir da realidade,
projetar a finalidade, esboçar o plano de ação e agir de acordo com ele, influ­
enciado, determinado, tendo-o como referência.
Com efeito, enquanto antecipação ideal de um resultado real que se pretende alcan­
çar, o objetivo é também expressão de uma necessidade humana que só se satisfaz
atingindo-se o resultado que aquele prefigura ou antecipa. Por isto, não se trata
apenas de antecipação ideal do que está por vir, mas sim de algo que além disso,
queremos que venha. (Vázquez, 1977: 191)
O plano passa a constituir-se em guia, referência, orientação, direção da
ação, interferindo, pois, no seu desenrolar. Esta prática comum de se fazer plano
e depois se esquecer dele, não se comprometer com sua realização, é marca da
atividade humana alienada, onde alguns pensam e decidem, outros executam.
Aliás, como analisamos, este é o ponto que no cotidiano escolar mais desacredita
o plano e, por conseqüência, a própria idéia de planejamento: as coisas vão para
2a Parte/ III — Processo de Planejamento 87

o papel e depois não acontecem! Não basta ter uma finalidade inicial; é preciso
que ela acompanhe a atividade de concretização, ainda que o resultado — em
função de fatores intervenientes — saia diferente do ideal inicial. A realização do
planejado não vai se dar de forma linear, mas por um processo de aproximações
sucessivas.
E essa subordinação não é um ato fortuito. Além do esforço dos órgãos que traba­
lham, é mister a vontade adequada que se manifesta através da atenção durante
todo o curso do trabalho. E isto é tanto mais necessário quanto menos se sinta o
trabalhador atraído pelo conteúdo e pelo método de execução de sua tarefa, que lhe
oferece por isso menos possibilidade de fruir da aplicação das suas próprias forças
físicas e espirituais. (Marx, 1980b: 202)
Há, portanto, uma unidade interna entre concepção (necessidade-finalidade-
plano de ação) e ação que não pode ser rompida: “Impõe-se que a antecipação
intelectual, a idéia das conseqüências se misture com o desejo e o impulso para
adquirir força de movimento e dar, então, direção ao que seria atividade cega,
enquanto o desejo dá às idéias ímpeto c projeção” (Dewey, 1979: 68).
Deve ficar claro que estamos nos movimentando aqui em dois campos dis­
tintos, embora profundamente articulados. A elaboração se dá no campo das
representações (processos mentais e intelectuais'), enquanto que a realização aconte­
ce, digamos assim, na realidade objetiva, no campo não-mental.

— Conhecimento da realidade
— Projeção de Finalidades Ação v
F
— Plano de Mediação

a Representações
Conhecimento Realidade Objetiva

— Esquema: Relação entre Campos de Elaboração e de Realização do Planejamento—

O planejamento com efeito é um processo de transformação; comporta dis­


tinguir, no entanto, transformação das representações e transformação do real em
si. Planejar no seu conjunto implica, pois, a passagem das idéias (transformadas)
para a transformação da realidade.

— Interferências
Falamos de intenção de adequação porque não há como ‘garantir’ absoluta­
mente que o resultado da ação saia igual ao idealizado. É claro que na análise
da realidade, procurar-se-á captar seus determinantes, e na projeção de finalida­
des se procurará estabelecer objetivos compatíveis com a realidade e as possibi­
lidades, mas, seja pela não captação adequada do real ou pelas diferentes fina­
lidades dos sujeitos da instituição, pode acontecer a inadequação. Os conflitos
podem emergir, inclusive, decorrentes de um processo global inintencional, qual
88 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos

seja, de “relações que os homens contraem independente de sua vontade e de sua


consciência” (Vázquez, 1977: 188). A perspectiva de um bom processo de pla­
nejamento é superar (ou pelo menos diminuir a influência) inclusive esta
inintencionalidade.
Muitos fatores só se manifestam na consecução do projeto, à medida que
avança a prática, levando a modificar o processo (plano) e o produto (fim) de início
projetado.
A finalidade preside as ‘modalidades de atuação \ mas na medida em que entram
em jogo elementos não propriamente ideais — e não podem deixar de entrar, se a
finalidade for se realizar —jã se está numa esfera imprevisível na qual seu próprio
domínio também está constantemente em jogo. Mas a finalidade não pode deixai' de
dominar — ou seja, a consciência não pode bater em retirada no processo prático —•, e
por isso tem que estar alerta às exigências imprevistas do processo objetivo de rea­
lização. (Vázquez, 1977: 242)
Em função das interferências, o que pode acontecer é o planejamento não
completar seu ciclo Elaboração fco Realização Interativa (ex.: prevê-se um curso
na escola e depois ele não acontece). E claro que aqui caberá uma análise para
localizar o foco do problema: plano mal elaborado, falta de compromisso da
execução, interferência não previsível, etc.
Não podemos, portanto, identificar o planejar com o necessariamente acon­
tecer — embora deva haver esta intenção inicial—. Todavia, quando da
concretização, esta deverá se pautar pelo planejado, não podendo ser uma ação
qualquer. Neste sentido é que podemos falar do planejamento como Méthodos
para a Práxis.

— Dinamismo da Consciência
Não há uma lei previamente determinada que oriente todo o trabalho edu­
cacional. Há fatores comuns que permitem certo grau de previsão, porém não
de forma absoluta, variando de acordo com as condições objetivas, peculiares.
“O que significa que a consciência não pode limitar-se a traçar um objetivo ou
modelo ideal imutável. O dinamismo e a imprevisibilidade do processo exigem
também um dinamismo da consciência” (Vázquez, 1977: 242).
A consciência tem de estar atenta durante todo o processo, tendo em vista
as mudanças necessárias. Diante de uma mudança na realidade, por exemplo, o
sujeito poderá manter o objetivo e rever a mediação, ou alterar o próprio obje­
tivo, etc. Os fins não são, portanto, produtos acabados, mas estão neste processo
de interação com a realidade e as formas de mediação.
Por isto também, é importante tentar fazer: ao tentar, conhece-se melhor a
realidade, pode-se aquilatar melhor onde está a resistência.65 Não é viável, pois,
aquela postura de se esperar ter toda a certeza para só depois agir.

65. Ex.: pode-se pensar, inicialmente, que a dificuldade de se implantar uma idéia
estaria na direção da escola; quando se tenta, percebe-se que a resistência na verdade está
nos professores ou nos pais.
2a Parte/ III — Processo de Planejamento 89

A competência do educador vai crescendo na mesma proporção em que vai


aprendendo a transformar sua prática pedagógica. A mera repetição — ainda que
de práticas interessantes — não faz um bom professor. Nesta perspectiva, o
planejamento pode ser um suporte para ajudar o seu crescimento.

— Duas vezes
Nesta explicitação do processo de planejamento, fica claro que o resultado
acontece duas vezes: uma vez quando é antecipado mentalmente, outra quando
é realizado. O conceito de planejamento está vinculado simultaneamente às idéias
de antecipação e de realização da ação, tendo em vista atingir determinado
objetivo.
Este modo de articulação e determinação dos diferentes atos do processo ativo distingue
radicahnente a atividade especificam ente humana de qualquer outra que se situe num
nível meramente natural. Esta atividade implica na intervenção da consciência, gra­
ças à qual o resultado existe duas vezes — e em tempos diferentes—: como resultado
ideal e como produto real. (Vázquez, 1977: 187)
No texto já reproduzido, Marx afirma que o arquiteto figura na mente sua
construção antes de transformá-la em realidade.
Devemos ponderar, no entanto, o fato de que não é só o resultado que
aparece duas vezes; a mediação também: enquanto plano de ação e enquanto
ação concreta na realização interativa.

— Atividades Reflexivas Presentes


Pensando no ciclo integral do planejamento, além das atividades reflexivas
Cognoscitiva, Teleológica, Projetivo-Mediadora, presentes na Elaboração, devemos
acrescentar ainda, relativamente à Realização Interativa, duas outras, mais espe­
cíficas deste momento, a saber:
QPráxico-Pragmática66: atividade reflexiva de caráter mais operatório, que
está presente, em alguma medida, na prática concreta do sujeito; trata-se mais
de um estado mental que o acompanha, dando inclusive sua identidade por ligar
passado, presente e futuro;
□ Diagnóstica', atividade reflexiva de cunho axiológico, valorativo, aquela que
faz a revisão, a crítica, a análise dos resultados que estão sendo obtidos e/ou o
julgamento da ação, no sentido de perceber até que ponto está se aproximando
do plano de ação elaborado (e/ou da própria finalidade), e o que deve ser feito
(comparação + juízo + decisão); a comparação se dará entre as representações
assumidas como aquilo que deveria ser e as representações relativas ao que
aconteceu ou está acontecendo. Através da análise ou dos juízos, ela indica as
necessidades que orientam a intervenção na prática (princípio de auto-regulação).
Devemos reconhecer que esta atividade reflexiva também está presente na
elaboração(ex.: AR: foram considerados todos os elementos relevantes da reali-

66. Agradeço ao'prof. Antonio Joaquim Severino pela sugestão da denominação


deste tipo de atividade mental.
90 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos

dade?, já chegamos ao núcleo do problema?; PF: os objetivos estão claros?, é isto


mesmo que queremos?; FM: quais os recursos disponíveis?, quais as melhores
alternativas de ação?). Aqui, no entanto, se manifesta de forma mais clara e
específica enquanto regulação da ação
A atividade reflexiva Práxico-Pragmática, de acordo com o empenho do
sujeito, pode ocupar um espectro que vai desde um maior nível de intencionalidade
(práxica) até um nível mais elementar (pragmática).
Planejar implica, pois, refletir antes de agir, durante a ação e depois dela (cf.
Brighenti, 1988: 10). Assim, é possível representar a práxis pedagógica da se­
guinte forma:

Atividade Reflexiva
Modalidade
Envolvida

(Reflexão sobre a Prática) Cognoscitiva


Teleológica
Reflexão
Práxis Projetivo-Mediadora

0 d
Ação Práxico-Pragmática
(Prática Reflexiva) Diagnóstica

— Quadro: Práxis enquanto dialética Reflexão-Ação—

— Sobre a Utopia
As reflexões anteriores nos remetem à questão do papel e do lugar da utopia.
Como sabemos, este é um aspecto controverso, sobretudo depois das críticas
‘pós’ (pós-moderna, pós-estruturalista). De imediato adiantamos que não estamos
assumindo utopia naquele sentido dado por alguns autores modernos (como a
Cidade do Sol de Campanella, 1568-1639) de um programa rigidamente definido,
de uma descrição concreta e pormenorizada de passos a serem dados para se
chegar a algum lugar; também não desejamos aquela perspectiva denunciada por
Marx, qual seja, como “ópio do povo”: algo irrealizável, que não tem em conta
os fatos reais, forma de refúgio subjetivo pela fuga da realidade objetiva (recusa
do princípio de realidade). O conceito de utopia foi criado e utilizado por Thomas
Morus (1478-1535) na obra que o leva como título (1516), a partir de grego topos
(que significa lugar) e ou (negação). Entendemos que a utopia tem um papel
importante no processo de transformação quando é compreendida como ou-
topos, qual seja, aquilo que não tem lugar ainda, mas que pode vir a ter, e, em
especial, que desejamos que tenha. Neste sentido, tem uma função de denúncia
de uma determinada situação e de anúncio da possibilidade de uma outra, a ser
construída; portanto, é criadora e “subversiva”.
A utopia é a exploração de novas possibilidades e vontades humanas, por via da
oposição da imaginação ã necessidade do que existe, só porque existe, em nome de
2a Parte/ III — Processo de Planejamento 91

algo radicalmente melhor que a humanidade tem direito de desejar e por que merece
a pena lutar. (Santos, 1996b: 323)
Tem por base, pois, a esperança, a crença na possibilidade de mudança do
real, conforme reflexão anterior. Partilhamos aqui da perspectiva de Ernest Bloch
quando liga “a espera a um futuro melhor e a qualifica, ao mesmo tempo, de
docta spes, isto é: de esperança fundada também no conhecimento do mundo e na
análise científica de sua estrutura e contradições” (Münstcr, 1993: 13). Para
Bloch, “utopia é, em primeiro lugar, um topos da atividade humana orientada
para um futuro, um topos da consciência antecipadora e a força ativa dos sonhos
diurnos” (Münster, 1993: 25). Contrapondo-se à utopia abstrata, afirma a con­
creta que é vinculada a tendências objetivas, já existentes na realidade (embora
ainda não manifestadas).
Resgatamos utopia no seu sentido mais profundo, oriundo de uma concep­
ção ontológica que reconhece o ser humano como inacabado (ainda-não-ser.
dialética de um ser e de um não-ser cf. Bloch) e, nesta medida, toda existência é
um constante vir-a-ser em direção ao ser-mais, tornar-se cada vez mais humano
(tanto do ponto de vista individual quanto social).
Não podemos negligenciar as potencialidades criativas e transformadoras da
realidade, seu excedente utópico ainda-não explorado (cf. Bloch), sua característica
de objeto-projeto (Carvalho, 1988: 119). Deve fazer parte, portanto, das ciências
da educação a preocupação com o futuro, a componente utópica (Gimeno Sa-
cristàn, 1983: 33). Retomando a reflexão de Gimeno, Carvalho enfatiza: “a ciên­
cia da educação não pode apenas ser uma ciência descritiva: será também uma
ciência normativa em que a componente utópica tem papel central” (1988: 93),
visto lidar com um objeto inconcluído, em construção.
Viver é perigoso (cf. Guimarães Rosa); não podemos ficar aguardando pas­
sivamente o melhor momento, a melhor concepção que viriam a se configurar
sabe-se lá quando. A vida nos cobra no aqui e agora. Temos de fazer apostas,
temos de nos arriscar, nos chamuscar. Construir, assumir uma utopia, portanto,
é uma tarefa delicada, mas decisiva.
Na medida em que as previsões deterministas não são passíveis, é provável que as
visões de futuro, e até as utopias, desempenhem um papel importante nessa constru­
ção. Há pessoas que temem as utopias; eu temo mais a falta de utopias. (Prigogine,
1996: 268)
Que se reconheça: mudar a realidade não é absolutamente fácil! E a meta a
ser alcançada, um ideal que dá sentido ao caminhar. Assim, se o professor não
sonha mais, se não deseja, se não tem a esperança crítica, o que está fazendo em
sala de aula? Aliás, o que está fazendo na vida?
92 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos

Sonho Impossível67

Sonhar, mais um sonho impossível,


Lutar, quando é fácil ceder,
Vencer o inimigo invencível,
Negar, quando a regra é vender.
Sofrer a tortura implacável,
Romper a incabível prisão,
Voar, num limite improvável
Tocar o inacessível chão.
E minha lei, é minha questão,
Virar este mundo, cravar este chão.
Não importa saber se é terrível demais,
Quantas guerras terei de vencer
por um pouco de paz.
E amanhã,
Se esse chão que eu beijei for meu leito e perdão,
Vou saber que valeu delirar e morrer de paixão.
E assim, seja lá como for, vai ter fim a infinita aflição.
E o mundo vai ver uma flor brotar
do impossível chão.

4-NECESSIDADE DA PARTICIPAÇÃO NO PLANEJAMENTO

O conceito de planejamento que estamos plasmando e assumindo traz con­


sigo uma outra exigência: a Participação. Concebemos o planejar como uma
oportunidade de repensar todo o fazer da escola, como um caminho de formação
dos educadores e educandos, bem como de humanização, de desalienação e de
libertação. Colocamos como pano de fundo de todo o processo de planejamento,
o desafio da transformação, ou seja, de conseguirmos efetivamente criar algo
novo, ousar, avançar, dar um salto qualitativo. C) fato de buscarmos o planeja­
mento participativo tem a ver com opções de ordem ontológica, ética e política,
mas também pragmática.
A participação é um valor, é uma necessidade humana (o homem se torna
homem pela sua inserção ativa no mundo da cultura, das relações, etc.); é uma
questão de respeito pelo outro, de reconhecimento de sua condição de cidadão,
de sujeito do sentir, pensar, fazer, poder. “Ao cooperar com outros de acordo
com um plano, desfaz-se o trabalhador dos limites de sua individualidade e
desenvolve a capacidade de sua espécie” (Marx, 1980b: 378).
Os problemas fundamentais do homem estão justamente nas suas relações
com o mundo e, especialmente, com os outros homens na sociedade: os coefi­

67. J. Darion e M. Leigh, The impossible dream-, tradução de Chico Buarque de


Hollanda e Ruy Guerra.
2a Parte/ III — Processo de Planejamento 93

cientes de poder. Estamos no cerne da questão política da atividade humana e


da organização da sociedade. Numa sociedade dividida em classes sociais anta­
gônicas onde “os ricos estão cada vez mais ricos, às custas” dos pobres cada vez mais
pobres”6*, não há espaço para neutralidade. Cabe-nos então a questão: que tipo
de planejamento estamos favorecendo? que tipo de sociedade está subjacente à
nossa prática de planejar? Não importa, pois, só o que se planeja, mas também
o como, visto que estamos na busca do bem comum, de uma nova qualidade de
vida para todos. A autêntica participação é, muito concretamente, uma estratégia
de superar a dominação e a exclusão.
Por outro lado, a participação no processo de planejamento tem a ver com
uma questão muito prática: o desejo de que as coisas planejadas realmente
aconteçam. Uma das grandes metas (e queixas) na instituição que planeja é que
todos ‘vistam a camisa’, incorporem os objetivos traçados, criando uma nova
cultura. 1 odavia, em levantamentos feitos junto a educadores de diferentes re­
alidades, os maiores problemas da escola apontados são, de um modo geral, da
ordem das relações, da política interna e não tanto de proposta pedagógica:
pessoas que não querem, não aceitam, não abrem mão, não deixam, controlam,
não mudam. Por isto, quanto maior o nível de participação, maiores as chances
de vermos o planejado realizado. A proposta metodológica do planejamento
participativo favorece este envolvimento, visto que nasce na própria participação
ativa de cada membro.
Além disto, como sabemos, o problema maior não está tanto em se fazer
uma mudança, mas em sustentá-la. Daí a essencialidade da participação! Que o
planejar seja do grupo e não para o grupo.
A participação pode ser enfocada em três níveis (inter-relacionados): a ins­
titucional, que remete ao tipo de proposta feita para a elaboração do planeja­
mento; a individual, que tem a ver com o grau do envolvimento da pessoa,
possibilitando o resgate da condição de sujeito por parte do educador; a coletiva,
relativa à organização dos sujeitos, que pode favorecer a que um conjunto de
forças se articule em torno de uma mesma direção, o que aumenta as chances
de que as coisas venham a se concretizar; há uma diferença muito grande, em
termos de possibilidade de realização, entre ‘colocar no papel’ a idéia de um
indivíduo, e uma idéia assumida pelo grupo. A participação, portanto, é também
um elemento estratégico, é uma forma de diminuir — pela negociação, pela
busca de consenso ou de hegemonia — as resistências dos próprios agentes
internos à instituição.
E necessário fazer um planejamento participativo, uma vez que dessa forma:
• O sujeito da reflexão é também o sujeito da decisão, da ação e do usufruto;
• Há motivação, pelo fato de estar atendendo às necessidades dos sujeitos;
• A probabilidade de concretização é maior, dado que quem ajudou a cons­
truir está mais predisposto a realizar;
• Propicia-se uma nova postura (crença, convicção, valores): se o sujeito não
participa de todo o processo, pode até fazer as coisas novas que são pro­
postas, mas não ‘por inteiro’ ou com ‘espírito velho’;*

68. João Paulo II, Discurso inaugural de Puebla, 1979.


94 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos

• Possibilita-se o crescimento dialético da autonomia e da solidariedade;


• O que se privilegia é o processo e não só o plano escrito.
A participação deve se dar em todas as instâncias: sensibilização, discussão,
decisão, colocação em prática, avaliação e frutos do trabalho.
Pela participação efetiva há oportunidade das pessoas se posicionarem, se
dizerem, saírem de suas trincheiras, arriscarem-se, apostarem em algo; abre-se
espaço para a razão comunicativa (cf. Habermas, 1929- )69, para o autêntico
diálogo (cf. P. Freire), portanto, para a vida.
E comum vermos grandes esforços serem empregados para colocar em prá­
tica um projeto que é da equipe diretiva; diante da inviabilização, muitos per­
guntam-se: ‘Onde foi que erramos? O projeto era bom, estávamos cheios de boa
vontade, por que não deu certo?’ Aqui podemos estabelecer um critério de
julgamento para o planejamento: por melhor que seja a intenção (do Estado, da
mantenedora, da direção, dos professores, da equipe de coordenação, dos alunos
ou dos pais), se não houver condições institucionais mínimas de desencadear um
processo de planejamento com a participação da comunidade educativa (mesmo
que em diferentes níveis)70, é porque não há ainda condições de desencadear um
processo de realização de uma Educação Dialética-Libertadora, cabendo uma
ação de intervenção, a partir da clareza desta realidade.
Acabamos de refletir sobre o planejamento numa visão mais geral. Iremos,
na seqüência, analisar seu desdobramento, em termos mais operacionais, no
campo da prática de sala de aula e da escola.

69. “Chamo comunicativas às interações nas quais as pessoas envolvidas se põem de


acordo para coordenar seus planos de ação, o acordo alcançado em cada caso medindo-
se pelo reconhecimento intersubjetivo das pretensões de validez” (Habermas, 1989: 79).
70. Ex.: uma primeira elaboração apenas com professores e funcionários.
3a Parte
PROJETO DE ENSINO-
-APRENDIZAGEM

Introdução Geral

NÍVEIS DE PLANEJAMENTO

Na educação escolar, podemos realizar planejamentos em diferentes níveis


de abrangência:

□Planejamento do Sistema de Educação


E o de maior abrangência, correspondendo ao planejamento que é feito em
nível nacional, estadual ou municipal. Incorpora e reflete as grandes políticas
educacionais. Enfrenta os problemas de atendimento à demanda, alocação e
gerenciamento de recursos, etc.71

□Planejamento da Escola
Trata-se do que chamamos de Projeto Político-Pedagógico (ou Projeto
Educativo), sendo o plano integral da instituição. Compõe-se de Marco
Referencial, Diagnóstico e Programação. Envolve tanto a dimensão pedagógica,
quanto a comunitária e administrativa da escola. Mais à frente nos dedicaremos
ao seu estudo (4a Parte).

□Planejamento Curricular
E a proposta geral das experiências de aprendizagem que serão oferecidas
pela escola, incorporada nos diversos componentes curriculares. Dá a espinha
dorsal da escola, desde as séries iniciais até às terminais.72

71. Este tipo de planejamento ganhou grande impulso através de iniciativas da


UNESCO.
72. A Proposta Curricular pode ter como referência os seguintes elementos: funda­
mentos da Disciplina/Area de Estudo, desafios pedagógicos, encaminhamento
metodológico, proposta de conteúdos, processo de avaliação.
96 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos

□Projeto de Ensino-Aprendizagem
É o planejamento mais próximo da prática do professor e da sala de aula.
Diz respeito mais estritamente ao aspecto didático. Pode ser subdividido em
Projeto de Curso e Plano de Aula, como veremos detalhadamente mais adiante.

□Projeto de Trabalho
E o planejamento da ação educativa baseado no trabalho por projeto: são
projetos de aprendizagem73 desenvolvidos na escola por um determinado perío­
do, geralmente de caráter interdisciplinar. Trata-se, muitas vezes, mais de uma
metodologia de trabalho que incorpora a concepção de projeto.

□Planejamento Setorial
E o plano dos níveis intermediários (cursos, departamentos, áreas) ou dos
serviços no interior da escola (direção, coordenação/supervisão, orientação, se­
cretaria, etc.). Este plano, em termos institucionais, é equivalente ao projeto de
ensino-aprendizagem, devendo, portanto, estar referido também ao Projeto
Educativo da escola.

Nota Metodológica:
Desejamos registrar que o percurso a ser feito a partir de agora (3- e 4a
Partes) está pautado mais na ordem psicológica que na lógica: vamos começar
pelo Projeto de Ensino-Aprendizagem ao invés de pelo Projeto Político-Peda­
gógico. A justificativa para isto é o fato da expectativa maior do professor estar
voltada para aquilo que lhe é mais próximo. Esperamos, no entanto, deixar claro
no decorrer da exposição que o Projeto de Ensino pouco valor tem se não
estiver articulado ao Projeto Político-Pedagógico da Escola. Se o leitor desejar,
poderá inverter e começar a leitura pela 4a Parte.

73. Também chamada muitas vezes de Pedagogia de Projetos.


I
Estrutura do Projeto de Ensino -
-Aprendizagem

INTRODUÇÃO

1-Sobre o Conceito de Projeto de Ensino-Aprendizagem

Estamos assumindo aqui Projeto no mesmo sentido a que nos referimos


antes quando conceituamos Planejamento:
E uma praxis determinada, considerada em suas ligações com o real, na definição
concretizada de seus objetivos, na especificação de suas mediações. É a intenção de
uma transformação do real, guiada por uma representação do sentido desta trans­
formação, levando em consideração as condições reais e animando uma atividade.
(Castoriadis, 1995: 97)
A Enquanto o Projeto Político-Pedagógico diz respeito ao plano global da insti­
tuição, o Projeto de Ensino-Aprendizagem corresponde ao plano didático.
JTradicionalmente, fala-se de Plano de Ensino-Aprendizagem e não de Pro­
jeto. Os conceitos de projeto e plano podem ser aproximados. Aqui estamos
preferindo projeto a plano em função do significado mais vivo, dinâmico e
potencialmente mobilizador do primeiro: enquanto plano nos remete mais à
idéia de produto, projeto traz subjacente a idéia de processo-produto, ou seja,
projeto, da forma como estamos concebendo, inclui o conceito de plano e o
transcende, na medida em que remete também a todo processo de reflexão, de
construção das representações e colocação em prática, e não apenas ao seu re­
gistro.74 E por isto que tem o mesmo significado do próprio conceito de plane­
jamento anteriormente assumido.
Uma questão poderia ser levantada: por que Projeto de Ensino-Aprendiza­
gem e não apenas de Ensino? Antes de mais nada, porque ensino e aprendiza­
gem são conceitos essencialmente relacionais e dialéticos: “O ensino (magisté­
rio) não existe por si mesmo, mas na relação com a aprendizagem (estudo). (...)
o que existe entre o ensino e a aprendizagem é uma relação de ‘dependência

74. Cremos também que esta mudança na nomenclatura possa ajudar o professor a
repensar esta atividade e re-signficá-la.
98 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos

ontológica’” (Veiga, 1997: 139); assim, por exemplo, a rigor não podemos dizer
que houve ensino se não houve aprendizagem; por seu turno, embora o sujeito
possa aprender algo sozinho, nunca está sozinho em absoluto: no mínimo está
partilhando uma linguagem que representa, em alguma medida, a presença do
outro. É certo que, como veremos mais à frente, é até possível fazer a distinção
e falar de projeto de ensino do professor e projeto de aprendizagem do aluno,
mas mesmo assim os dois se exigem reciprocamente, pedem um encontro.

2-PROJETO X CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO, CURRÍCULO E


CONHECIMENTO

O planejamento se coloca no campo da ação, do fazer; todavia, não parte do


nada: existem definições prévias (teoria, valores, etc.) que precisam ser explicitadas.
O Projeto de Ensino-Aprendizagem está atrelado a uma concepção de educação,
que, por sua vez, está relacionada às concepções de conhecimento e de currículo.
Estas concepções devem constar do Projeto Político-Pedagógico da instituição.

2.1.Educação Escolar
Gostaríamos de destacar a relação de interdependência que existe entre o
tipo de educação que se busca fazer e o tipo de planejamento a ela correlato.
Muitas vezes, na prática escolar, encontramos verdadeiros ‘monstrinhos’ criados
pela tentativa de justapor concepções antagônicas entre a forma e o conteúdo do
trabalhar no dia-a-dia, e a forma e o conteúdo do planejar.
Pensar no Projeto de Ensino é enfrentar algumas questões básicas, que
definem o próprio campo de atuação do educador: o que entendemos por edu­
cação escolar? Qual o papel da escola? Naturalmente, se estas reflexões já foram
feitas por conta da elaboração do Projeto Educativo, basta retomá-las; todavia,
no caso da escola não ter seu Projeto, é fundamental que o educador busque,
pelo menos para si e para seu grupo de trabalho, este posicionamento, a fim de
ter critérios de decisão sobre o tipo de planejamento que se vai assumir.
E claro que sempre há o perigo da esquizofrenia pedagógica: declaramos
uma intenção e na verdade a que dirige o trabalho é outra, sem que, muitas
vezes, sequer nos demos conta... Mas este é um outro problema, que não será
resolvido simplesmente se omitindo a concepção desejada. Muito pelo contrário,
uma vez explicitada, temos condições de confronto com a prática concreta da
instituição.
De nossa parte, esperamos ter deixado claro no decorrer do trabalho a
concepção de educação que assumimos. De qualquer forma e muito sintetica­
mente, entendemos que a educação escolar é um sistemático e intencional pro­
cesso de interação com a realidade, através do relacionamento humano baseado
no trabalho com o conhecimento e na organização da coletividade, cuja finali­
dade é colaborar na formação do educando na sua totalidade — consciência,
caráter, cidadania —, tendo como mediação fundamental o conhecimento que
possibilite o compreender, o usufruir ou o transformar a realidade.
3a Parte/ I — Estrutura do Projeto de Ensino-Aprendizagem 99

2.2.Currículo e Conhecimento
A prática do planejamento dependerá também da concepção de currículo
que se tem, tendo em vista as implicações bem concretas cm termos de organi­
zação do trabalho pedagógico.
(Se) por currículo se entendeu de fornia dominante o compêndio de conteúdos, planejá-
lo é fazer um esboço ordenado do que se deveria transmitir ou aprender seqüenciado
adequadamente... Se por currículo se entendesse um conjunto de objetivos para
serem alcançados junto aos alunos, o plano é a estrutura e ordenação precisa dos
mesmos para obtê-los por meio de certos procedimentos concretos. Finaimente, se por
currículo entendemos a complexa trama de experiências que o aluno obtém, incluídos
os efeitos do currículo oculto, o plano deve contemplar não apenas a atividade de
ensino dos professores, mas também todas as condições do ambiente de aprendizagem
graças ás quais se produzem esses efeitos: relações sociais na aula e na escola, uso de
textos escolares, efeitos derivados das práticas de avaliação, etc. (Gimeno Sacristán,
1995a: 230)
l odo processo de educação escolar, por ser intencional e sistemático, impli­
ca a elaboração e realização (incluindo aí a avaliação) de um programa de expe­
riências pedagógicas a serem vivenciadas em sala de aula e na escola. Estamos
entendendo por currículo este conjunto de atividades.
Por currículo se entende a síntese de elementos culturais (conhecimentos, valores,
costumes, crenças, hábitos) que conformam uma proposta político-educativa pensada
e impulsionada por diversos grupos e setores sociais cujos interesses são diversos e
contraditórios, ainda que alguns tendam a ser dominantes ou hegemônicos, e outros
tendam a opor-se e resistir a tal dominação ou hegemonia. (Al ba, 1991: 38)
O currículo não pode ser pensado apenas como um rol de conteúdos a serem
transmitidos para um sujeito passivo. Temos que levar em conta que as atitudes,
as habilidades mentais, por exemplo, também fazem parte dele. Neste sentido,
o currículo que nos interessa é aquele em que o educando tem oportunidade de
entrar no movimento do conceito.
...um currículo reflete não só a natureza do conhecimento em si mesmo, como também
a natureza do conhecedor e do processo de aquisição de conhecimento. E um caso em
que é obrigatoriamente mal delineada a fronteira entre sujeito, objeto e método. Um
corpo de conhecimentos, entesourado numa universidade e corporificado numa serie de
competentes volumes é o resultado de intensa atividade intelectual anterior. Instruir
alguém nessa matéria não é levá-lo a armazenar resultados na mente, e sim ensina-
lo a participar do processo que torna possível a obtenção do conhecimento: ensinamos
não para produzir 'minúsculas bibliotecas vivas ambulantes, mas para fazer o estudan­
te pensar, matematicamente, por si mesmo, para considerar os assuntos como faria uni
historiador, tomar parte do processo de aquisição de conhecimento. Conhecer e um
processo, não um produto. (Bruner, 1969: 89)
Muitas vezes, as propostas curriculares são feitas pelo sistema de educação
estadual ou rede municipal, dando origem aos chamados “Guias Curriculares ,
que, em princípio, deveriam ser apenas uma orientação para as diversas escolas,
100 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos

mas que na prática acabam sendo entendidos — até porque freqüentemente são
cobrados desta forma — como ‘programa oficial’, que ‘tem que’ ser dado. Mesmo
no caso de existirem estas propostas gerais — como acontece com os PCN s
(Parâmetros Curriculares Nacionais-MEC) —, é importante que escola elabore
o seu currículo, dialogando com as orientações dadas, mas tendo em vista a
realidade concreta em que se encontra, fazendo suas opções e compromissos.

— Relação Conhecimento-Realidade
Faremos a seguir algumas considerações sobre o princípio organizativo do
currículo, ou, mais precisamente, sobre o tipo de relação entre o conhecimento
a ser trabalhado em sala de aula e a realidade. Grosso modo, podemos classificar
essa relação em duas grandes tendências, com duas subdivisões cada.

a)Tendências Não-Dialéticas
Nessas tendências, está rompido o vínculo dialético entre o conhecimento e
a realidade, no sentido de que a realidade seja a referência do conhecimento e
este, por sua vez, vise a transformação dessa realidade.

□ “Academicismo ”
E uma das formas mais comuns de se organizar o currículo da escola, o que
significa dizer que o que determina sua estruturação são os programas de ensino,
o rol de conteúdos programáticos preestabelecidos e que devem ser cumpridos.
Dessa maneira, os conteúdos passam a ser autonomizados com relação à reali­
dade, tendo valor por si próprios. Nesta visão, boa escola é aquela que ‘dá’, da
forma mais completa possível, os conteúdos socialmente esperados. Há uma
certa concepção enviesada de iluminismo por trás dessa prática, como se o co­
nhecimento por si iluminasse o indivíduo, independentemente da realidade que
o cerca; revela-se também um substrato metafísico-idealista, na medida em que
o que importa são as idéias e não sua articulação com a realidade.

^“Basismo”
E uma tendência que surgiu como reação á primeira, fazendo uma simples
negação (e não superação), qual seja, aqui o que importa absolutamente é a
realidade e qualquer elaboração teórica é vista como perda de tempo, já que ‘a
prática é a teoria dela mesma’. O currículo é organizado com base nas vivências,
na experiência imediata e não se vê necessidade do recurso ao saber sistemati­
zado. Objetivamente tem pouca ocorrência na escola, estando mais ligada a
certas concepções distorcidas de movimentos populares de educação.

b) Tendências Dialéticas
Nessas tendências busca-se o vínculo dialético entre o conhecimento e a rea­
lidade, havendo, no entanto, diferença entre elas em relação ao ponto de partida.

□ “D# realidade ao conhecimento”


E a tendência que, nesta vinculação, privilegia a realidade como ponto de
partida, ou seja, a partir de sua análise, da percepção de seus problemas e contra­
3a Parte/ I — Estrutura do Projeto de Ensino-Aprendizagem 101

dições, é que se vai organizar o currículo, a relação de temas que precisam ser
discutidos, para se elevar o nível de consciência, possibilitando a compreensão
e a intervenção.
Deve ficar claro que existe sim o rigor, a valorização do saber sistematizado,
o planejamento, a proposta de conteúdos, etc. C) que difere é seu processo de
gênese.
Evidentemente, se a forma de estruturação do currículo parte da
problematização da realidade, o objeto de conhecimento tem uma afinidade
muito grande com o sujeito, pois surgiu da própria análise do seu contexto.
Encontramos uma expressão concreta dessa tendência na concepção freireana
de educação, que tem se traduzido em muitas escolas e redes de ensino como o
trabalho com a Interdisciplinaridade, Tema Gerador, Eixos ou Complexos
Temáticos, Totalidades de Conhecimento. Deve ficar claro aqui que “não se
trata de os alunos decidirem e o professor providenciar. O professor passa a ser
um elemento do grupo, que participa dos trabalhos e das decisões, apresentando
seus argumentos e experiências” (Ott, 1984: 36).
Nesta tendência também pode ser incluída a Pedagogia de Projeto,
vivenciada em contextos curriculares menos estruturados, onde os projetos vão
sendo constituídos a partir dos interesses dos alunos por alguma temática. Esta
pedagogia tem suas raízes em Dewey (1859-1952, experiência, vida, atividade) e
seu discípulo Kilpatrick (1871-1965, método de projetos), e também, mais re­
motamente, em Ovide Decroly (1871-1932, com a idéia de globalização e, so­
bretudo, de centros de interesse).

□ “Do conhecimento à realidade”


E a tendência que, nesta vinculação, privilegia o conhecimento como ponto
de partida, qual seja, vai se organizar o currículo tendo como referência os co­
nhecimentos acumulados pela humanidade, no seu processo de enfrentamento
da realidade. Evidentemente, não se trata aqui de qualquer conhecimento, mas
daqueles considerados fundamentais para se dar conta da compreensão do real
e da capacitação dos sujeitos para sua alteração. Partindo, então, desses conhe­
cimentos, se faz um percurso em direção ao contexto do aluno c da comunidade,
no sentido de buscar as mediações significativas entre o conhecimento a ser
desenvolvido e a realidade de trabalho.
Há que se compreender, entretanto, que para se chegar a este rol de con­
teúdos, fez-se antes o caminho da realidade ao conhecimento, estruturando-se a
partir daí uma organização curricular de maior alcance, entendendo-se assim
não ser essencial refazer este caminho para cada nova turma (pelo menos por um
certo período)75.
Encontramos freqüentemente essa tendência entre os educadores que rom­
peram com concepções tradicionais e estão buscando realizar um trabalho mais
significativo e transformador (muitas vezes, dentro de uma estrutura ainda bu­
rocrática, desarticulada e alienada da escola).

75. Enquanto expressão teórica, essa perspectiva de trabalho pode ser encontrada na
concepção crítico-social dos conteúdos (cl. Libãneo), ou numa certa interpretação da
histórico-crítica (cf. Saviani).
102 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos

A concepção dialética do planejamento, obviamente, só encontra condições


de ser concretizada em contextos nos quais a relação conhecimento-realidade
não está sendo rompida na prática educacional.

3-VISÃO GERAL

Num sentido mais geral, como já vimos, a atividade tipicamente humana,


consciente, está constantemente marcada por um ato de planejamento. Planejar,
de alguma forma, com maior ou menor rigor, o professor sempre planeja (por
escrito, mental ou oralmente). O que estamos buscando agora é uma fornia mais
adequada à realidade educacional. A questão que se coloca é superar tanto o
planejamento espontâneo, ingênuo, não sistematizado, quanto o formal mas
alienado, em direção ao consciente, crítico, intencional.

— Relação com a Totalidade


Na educação os homens entram em relação, procurando a compreensão e
transformação da práxis que têm como ponto de partida. O planejamento mais
especificamente pedagógico diz respeito ao trabalho em sala de aula, que se
caracteriza pela interação entre os sujeitos, baseada no relacionamento interpessoal,
na organização da coletividade e na construção do conhecimento. Particularmente, o
trabalho de construção do conhecimento é um dos aspectos mais enfatizados nos
processos de planejamento, mas há necessidade de considerá-lo na totalidade da
escola, ou seja, nas suas relações na própria dimensão pedagógica (relacionamento
interpessoal e organização da coletividade), nas suas relações com a dimensão
administrativa e com a dimensão comunitária da instituição, bem como de levar
em conta ainda a própria relação da escola com a sociedade.
- Comunitária
Estruturas - Administrativa
- Pedagógica

Trabalho em Sala de Aula

— Esquema: Trabalho em Sala de Aula na Totalidade da Escola—

Encontramos, freqüentemente, um descompasso entre as propostas pedagó­


gicas e a postura administrativa relativa às condições materiais exigidas para sua
realização,76 por exemplo. O planejamento, para ser devidamente equacionado,
deve ser abordado na totalidade do real, resgatando suas múltiplas relações.

76. Número de alunos por sala, salário, horário para reunião pedagógica, material
didático, etc.
3“ Parte/ I — Estrutura do Projeto de Ensino-Aprendizagem 103

— Visão Geral do Projeto de Ensino-Aprendizagem


Um projeto será tanto melhor quanto mais estiver articulado à realidade dos
educandos, à essência significativa da área de saber, aos outros educadores (tra­
balho interdisciplinar) e á realidade social mais geral.
A elaboração do projeto é também um processo de construção de conhe­
cimento para os sujeitos que participam desta tarefa. E, portanto, semelhante a
uma aprendizagem: se foi bem feito, interioriza-se c passa a fazer parte da pessoa.
O planejamento didático pode ser compreendido como processo nos seus dois
subprocessos Elaboração e Realização Interativa, aliado à Avaliação de Conjunto:

Elaboração Análise da Realidade


□ Conhecimento da Realidade
• Sujeitos (Quem, para quem)
• Objeto (0 quê/Disciplina)
• Contexto (Onde, quando)
□ Necessidades (Porquê)

0
Projeção de Finalidades
□ Objetivo (Para quê)
• Geral
• Específico

0
Formas de Mediação
□ Conteúdo (0 quê)
□ Metodologia (Como, onde, qto tempo)
□ Recursos (Com quê)

Projeto <-----------------------

0 e
Ação Pedagógica <----------------■--------
Realização
Interativa
Análise do Processo
□ Confronto: Realizado Elaborado
(Como está evoluindo)
+ Tomada de Decisão

D 0
Avaliação de Análise do Processo e do Produto------------- - ------- >
Conjunto

— Esquema: Estrutura e Processo do Projeto de Ensino-Aprendizagem—


104 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos

A seguir, trabalharemos as três dimensões relativas à elaboração do Projeto


de Ensino-Aprendizagem.

1-ANÁLISE DA REALIDADE

1.1 .Fundamentos
A primeira dimensão a ser contemplada na elaboração do Projeto de Ensino-
Aprendizagem é a Análise da Realidade. Trata-se do esforço investigativo (e
hermenêutico) no sentido de captar e entender a realidade, tal qual se encontra
no presente, sua articulação histórica, em vista de sua transformação. Tem, pois,
base também na memória, na medida em que a retenção das informações ajuda
a compreender o momento atual. Implica ir além da sua percepção imediata,
buscando o como é (descrição) e o porque é (explicação); almeja a tomada de
consciência do que está acontecendo, a apreensão radical (ir à raiz) da realidade.
Enquanto abordagem multirreferencial, envolve análise pedagógica, psicológica,
além de política, econômica, social, antropológica, psicanalítica, histórico-cultu­
ral, etc. Aponta limites e possibilidades; ajuda a equacionar os problemas, iden­
tificar as contradições e a localizar as necessidades.
Até há algum tempo atrás (cf. Ia Parte), as teorias da educação marcadas pelo
viés idealista não levavam em consideração essa exigência do conhecimento da
realidade. Ao que parece, desejava-se deixar a escola fora desse contexto, como
se fosse instância pura formadora do homem, fora dos conflitos, fora das deter­
minações e, conseqüentemente, fora da história. Com o advento da Escola Nova,
houve um avanço em termos de preocupação com a realidade, mas que acabou
ficando limitado ao conhecimento da dimensão psicológica do aluno. Ora, esta
é uma posição insustentável hoje dado o avanço da ciência da educação que
incorpora contribuições da sociologia, antropologia, economia política, etc.; já
não é mais possível a volta ao passado romântico. E necessário o confronto com
a realidade, e é para este confronto que a educação deve estar atenta.
Muitas vezes, ouvimos aqui algo semelhante ao que foi dito em relação ao
método de trabalho: ‘Sabemos bem qual é o problema, até porque o sofremos
na pele’, ‘Vamos logo ver o que fazer’ ou ‘Queremos é a solução’. Será que de
fato se sabe? Por falta de instrumental teórico, o professor olha para o problema,
mas não o vê. O que se visa com a análise da realidade é propiciar a entrada no
movimento conceituai (mediação para entrar no movimento histórico) e não sua
mera reprodução. No trabalho científico costuma-se afirmar que definir bem o
problema é já ter grande parte da solução... Não basta, é claro, apenas dizer ‘o
que’ está acontecendo; é preciso buscar o ‘porquê’. A realidade não se entrega
de imediato: a aparência, como já tivemos ocasião de refletir, mais esconde do
que revela a essência. Por outro lado, nossas ‘lentes’ não são neutras: trazem
nossa história, valores, concepções. Além do mais, à diferença de um enfoque
positivista que defende uma concepção relativamente estática da realidade social,
no enfoque interpreta tivo dialético a realidade é algo dinâmico e mutável por
3a Parte/ I — Estrutura do. Projeto de Ensino-Aprendizagem 105

seu caráter inacabado e construtivo (Pérez Gómez, 1995a; Demo, 1987; Morin,
s/d; Saul, 1988; Santos, 1996), o que remete ao entendimento do seu conheci­
mento como um processo de aproximações sucessivas, de busca de familiaridade
para poder melhor penetrar sua complexidade. .
Há que se compreender a realidade em que se está inserido sempre como
parte de um todo (movimento constante entre particular e universal). Assim, em
relação à escola, temos que compreender que os principais condicionantes
freqüentemente estão fora dela; daí a importância de se pensar a relação escola-
sociedade, para não ficarmos na ingenuidade pré-sociológica. Na visão dialética
ou transformadora, considera-se a característica de sociedade de classe, o con­
flito de interesses, a influência da ideologia dominante, as questões de gênero,
etnias, multiculturas. Além do mais, a abordagem da realidade, sem perder de
vista as questões atuais, e por causa delas mesmo, deve ser histórica.
Os professores devem ganhar consciência de que não é possível educar, no
sentido concreto — não abstrato ou ideológico —, sem partir da realidade e sem
estar sempre a ela vinculada. Se subestimá-la, no dia-a-dia da sala de aula o
professor poderá ser -destronado barbaramente, porque não levou em conta os
determinantes que tinha de enfrentar.
Conhecendo bem a realidade, podemos saber o seu peso efetivo. De um
lado, isto ajuda a entender porque eventualmente ‘a coisa não acontece’ e, por
outro, ajuda a enfrentar, a fim de que, com efeito, venha a acontecer, pela
intervenção calculada.

■^Ontem ^Hoje ^Amanhã ^Desojada/Projetada/Utópica

Resultado da
AÇÃO

Condicionamentos Históricos <—> Influência do Projeto

— Esquema: Movimento da Realidade-

No processo de análise, precisamos estar atentos para localizar as necessi­


dades (conscientes ou latentes), que podem se manifestar (ou ser provocadas a
partir dos) nos problemas ou nas contradições presentes (que poderão, se assu­
midas, ser o motor da transformação). Por problema, estamos entendendo aqui
a “necessidade que se impõe objetivamente e é assumida subjetivamente” (Saviani,
1993a: 23). As contradições apontam para o novo, para novas possibilidades, que
estão ainda embrionárias ou subjugadas a forças maiores, mas que poderão se
libertar com a intervenção da atividade humana consciente.
() novo está inscrito como uma possibilidade nos elementos preexistentes, mas seu
aparecimento não corresponde a uma determinação inexorável. (...) Não se cria algo
novo senão a partir do que já existe, mas nunca basta o preexistente para produzi-
lo. (Vázqtiez, 1977: 247)’
106 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos

Devemos, pois, compreender a realidade para negá-la dialeticamente, parí


transformá-la: “...no conhecimento e explicação do que existe abriga(-se) para-
lclamente o conhecimento de sua negação...” (Marx, 1980b: 17). A análise críticí
da realidade aponta para a raiz de um projeto transformador: ao mesmo tempe
em que identifica o campo, revela suas contradições, as forças em jogo, sei
movimento, enfim, seu devir enquanto possibilidade.

1.2.Repercussão para o Projeto de Ensino-Aprendizagem


O planejamento deve partir da realidade concreta tanto dos sujeitos, quant<
do objeto de conhecimento e do contexto em que se dá a ação pedagógica.77 (
primeiro passo, portanto, do educador, enquanto articulador do processo d
ensino-aprendizagem, deverá ser no sentido de conhecer a realidade com a quí
vai trabalhar (alunos, escola, comunidade), além, é claro, do imprescindívc
autoconhecimento, do conhecimento do objeto de estudo, e da realidade ma
ampla que todo educador deve ter.
Uma referência importante, em especial quando se inicia o planejament
mais sistemático, é a avaliação do trabalho do ano em exercício (ou do an
anterior, dependendo do momento em que se dá esta atividade).

a) Conhecimento dos Sujeitos

— Professor
O autoconhecimento por parte do professor parece uma coisa tão óbvia qi
muitas vezes nem é explicitado. No entanto, percebemos a necessidade de ret
mar este ponto, dado o caráter essencial do professor na coordenação do pr
cesso pedagógico. Falamos muito da importância de atentar para o aluno con
um ser concreto, o que é perfeitamente correto; acontece que o professor tai
bém é um ser concreto e como tal deve ser resgatado.
O autoconhecimento nos dias atuais tem uma relevância ainda maior e
função da necessidade de um posicionamento claro do professor em relaçãc
sua própria definição profissional: ‘Face a tantos desafios e dificuldades, que
continuar sendo professor? Considero que é aqui que quero ‘gastar minha vid;
Estou inteiro?’
Além disto, se não reflete sobre si e sobre sua prática, o professor corre
risco, por exemplo, de ensinar ao aluno o que mais sabe, gosta ou está acosí
inado a dar, e não o que o aluno precisa...
Devemos lembrar que a criança se educa, antes de mais nada, pelos mode
de comportamento que vê, que presencia; secundariamente vem os mode
sociais de comportamento apresentados como normas ou ideais. O profes:
deve procurar tomar consciência de qual é o seu projeto, e conhecer-se i
vários pontos de vista: humano — traços de firmeza de caráter, capacidade

77. Um plano ‘bem feito’, sofisticado, mas desvinculado da realidade, pode ser ‘
nito’, mas bem feito é que não é.
Parte/ I — Estrutura do Projeto de Ensino-Aprendizagem 107

perceber e respeitar o outro como pessoa, como diferente, tolerância; ético —


princípios, parâmetros, coerência, senso de justiça, compromisso com o bem
comum; intelectual — capacidade de refletir, não ser dogmático, nem fechado,
capacidade de rever os pontos de vista, inteligência no trato com a realidade,
apreender seu movimento, ir além do senso comum; profissional — competên­
cia, domínio da matéria e da metodologia de trabalho, segurança nos conceitos
e técnicas, interesse, ânimo no que faz, preparo das aulas, atualização (cf.
Vasconcellos, 1998b: 45).

— Alunos
O conhecimento da realidade do aluno é essencial para subsidiar o processo
de planejamento numa perspectiva dialética. Devemos ter em conta o aluno real,
de carne e osso que efetivamente está na sala de aula, que é um ser que tem suas
necessidades, interesses, nível de desenvolvimento (psicomotor, sócio-afetivo e
cognitivo), quadro de significações, experiências anteriores (história pessoal),
sendo bem distinto daquele aluno ideal, dos manuais pedagógicos (marcados pelos
valores de classe) ou do sonho de alguns professores. Temos que trabalhar em
função daquilo que realmente o aluno é, e não do que gostaríamos que fosse.
Trata-se, no entanto, de conhecer mesmo, ou seja, não através de rótulos e
preconceitos, ou chavões gerais (‘são alunos de classe média’, ‘os pais são separa­
dos’). Para conhecer o outro, é necessário colocar o olhar sobre ele, mas um olhar
atento, curioso, e acima de tudo amigo, despido de preconceitos. Buscar a empatia:
ter a capacidade de perceber o ponto de visto do outro, se descentrar, abrir mão
do narcisismo de ser simplesmente admirado ou respeitado pelo grupo.
Precisamos saber quem é o aluno que procura nossa escola: o que pensa da
escola, quais suas expectativas pessoais e profissionais, qual sua origem social, sua
situação social atual, que valores cultiva, quais suas condições objetivas de exis­
tência, sua linguagem, acesso a meios de comunicação, participação em ‘grupos
de cultura’, etc.
Também no dia-a-dia da sala de aula, é fundamental que esta análise da
realidade do aluno continue se dando. Como veremos logo na seqüência, coloca-
se, por exemplo, a exigência do professor conhecer as representações mentais
prévias que os alunos trazem relativamente aos assuntos estudados.

Conhecer os determinantes
Devemos observar que não se trata, no entanto, de conhecer a ‘vida íntima
de cada aluno, mas de apreender suas principais características — o que fazem,
o que esperam, o que pensam — e seus determinantes. Como nos referimos
antes, a concepção escolanovista, de um lado, resgatou a importância do sujeito
da aprendizagem, mas, de outro, acabou dando margem para sc chegar a uma
visão intimista, individualista do tipo ‘cada um é cada um’. Isto é verdade, mas
não é toda a verdade, pois ao mesmo tempo em que cada um é cada um, cada
um é também um pouco do outro, do grlipo ao qual pertence. Devemos con­
siderar que o universo cultural, social, político, econômico dos alunos não é tão
diferenciado assim; é certo que existem diferenças, que existe a apropriação
108 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos

pessoal, etc., todavia participam também de um referencial social muito comum


Daí vai a capacidade do professor perceber o aluno concreto (resultado de
múltiplas relações), pois desta forma encontra urn espectro muito amplo de
elementos comuns, visto que os educandos têm situações de vida muito seme­
lhantes, marcadas pela condição social, pelos meios de comunicação, pelo gêne­
ro, pelos objetos colocados no consumo, etc. Estes condicionantes, em sendo
dominados, ajudam o educador a conhecer melhor um ou outro aluno particu-
lannente, no caso de haver esta necessidade (cf. Vasconcellos, 1999: 57).

h)Conhecimento ilo Objeto de Conhecimento


Alem dos sujeitos, e preciso conhecer o objeto que estará em pauta, tendo
em vista sua apropnaçao. Este conhecimento se desdobra em dois níveis: o
objeto de conhecimento emsi, e as representações que os educandos têm dele.
( piimeiro uive trata to necessário domínio pelo professor do conteúdo:
sua genese e desenvolvimento, articulação interdisciplinar, o que é efetivamente
relevante.
O segundo nível diz respeito, já no processo pedagógico, à relação sujeito-
objeto qual seja, ao conhecimento prévio do aluno relativo ao objeto em estudo
Considerando que o conhecimento novo se constrói a partir do prévio, é preciso
estar sempre levando isto em conta na prática pedagógica, para propiciar a
z oóor\Ç?nCkí Um .tonhecnnent0 mals sistematizado e crítico. Segundo Ausubel
(1980: 311), de todos fatores que influenciam na aprendizagem, o mais decisivo
seria justamente aquilo que o aluno já sabe sobre o objeto de estudo. Tal exi-
gencia implica, entre outras coisas, uma nova postura por parte do professor em
relaçao a sua programaçao, qual seja, deve partir de onde a turma está de
onde os alunos pararam no ano anterior, e não de onde acha que deveriam estar!

c) Conhecimento do Contexto
Devemos atentar para o fato de que a aprendizagem não ocorre no vazio no
abstrato, num mundo a parte, mas, pelo contrário, num determinado contexto
numa determinada realidade, quer se contemple a própria sala de aula, a escola’
bem como a comunidade próxima, ou ainda a sociedade como um todo.
Aparentemente, o que importa na sala é o professor e os alunos. Todavia,
há uma relaçao da educação escolar com o sistema sócio-político-econômico-
cultural O professor pode querer não ponderar sobre isto, afinal, ‘no aconchego
da sala de aula o que valeria seria ‘ele e os seus alunos...’. Quanto tempo ‘o
sistema ah interferiria diretamente? Talvez o tempo da ‘chamada’ (é cobrado o
registro burocrático); mas se pensa que é só essa a influência do sistema, está
muito enganado; tem a ilusão de liberdade, de autonomia plena, de independên­
cia enquanto que, na verdade, tanto ele como seus alunos, os conteúdos, a forma
de trabalho, etc. estão condicionados socialmente (embora não mecanicamente)
Ignorar isto é estar se submetendo passivamente a esta realidade. É preferível
‘perder’ um pouco de tempo para pensar sobre o conjunto da realidade, do que
perder todo o tempo em sala de aula, já que o trabalho, por não abarcar a
concretude dos determinantes, acaba se revelando ineficaz.
3a Parte/ I — Estrutura do Projeto de Ensino-Aprendizagem 109

Em termos de contexto, o professor precisa ter clareza das pressões a que


está sujeito, pois não ter clareza não é, como pensam alguns ingenuamente, ficar
livres delas; muito pelo contrário, quanto menos consciência se tem, maior é a
probabilidade de por elas ser dominado, ainda que ‘sem intenção’!
E importante o professor conhecer o próprio grupo de trabalho, os colegas,
a equipe diretiva, os funcionários da escola; abrir-se para a comunidade, ter
contato com os pais, saber seus anseios, suas expectativas, suas necessidades,
superando a superficialidade, a aparência e buscando os condicionantes objetivos
e culturais que afetam a vida dos mesmos. Da mesma forma, é inconcebível hoje
um educador que não esteja minimamente ‘plugado’, acompanhando os proble­
mas nacionais e mundiais.
Objetivamente, o professor poderia se perguntar: qual é o projeto educativo
da escola? Que posturas assumem os colegas? Que expectativas têm os pais em
relação ao trabalho da escola? Qual a postura da equipe diretiva frente a uma
linha progressista de educação e frente às eventuais pressões equivocadas dos
pais? Qual a expectativa da comunidade escolar em relação ao vestibular? E ao
cumprimento do programa? Qual o espaço para se fazer propostas alternativas?
E possível um trabalho inter/transdisciplinar? E possível trabalhar com projetos?
Dá para trabalhar sem livro didático? Que condições (materiais e políticas) há
para trabalhar com os alunos fora da sala de aula? Enfim, uma série de questões
que precisa se fazer a fim de conhecer a realidade onde atua, para depois poder
estabelecer objetivos e planos de ação consistentes, efetivamente transformado­
res (e não apenas belas declarações de boas intenções...).

2-PROJEÇÃO DE FINALIDADES

2.1 .Fundamentos
Uma vez compreendida, há o risco da realidade transformar-se numa espécie
de paradigma a ser seguido, levando a educação para um caráter meramente
reprodutor: “poderíamos ficar tentados a propagar a harmonia que descobrimos
perscrutando o mundo que nos rodeia, a realidade já configurada ante nós como
padrão universal” (Gimeno Sacristàn, 1983: 33). Não podemos tirar as referên­
cias para a prática pedagógica apenas dos conteúdos explicativos da realidade
educacional, pois isto significaria tornar a realidade atual o modelo a construir
e não a ser superado.
A Projeção de Finalidades é a dimensão relativa aos fins da educação, aos obje­
tivos do ensino, aos valores, à visão de homem e de mundo. Expressa a intencio­
nalidade, o desejo do grupo, “as finalidades que se projetam num futuro que se
procura construir no presente” (Carvalho, 1988: 120); ajuda a explicitar as finali­
dades presentes na ação, mas nem sempre conscientes, bem como a alargar os
horizontes de compreensão daquilo que queremos. Busca-se a superação da situa­
ção atual, naquilo que ela tem de negativo, de contraditório. Por outro lado,
expressa a ‘consciência possível’ do grupo naquele momento histórico. Influencia
todo processo educacional, dando a direção, como ‘ponto futuro’.
I 10 Planejamento / Celso dos S. Vasconcel lo?

As finalidades são gestadas num complexo processo que envolve necessida­


des, afetos, desejos, significações, etc. O fato é que a finalidade funciona como
um imã a atrair a pessoa; ora, se o sujeito não tem objetivo claro, não tem esta
força cie ‘polarização’.
Não há educação neutra; ou está a favor da manutenção do status quo (C2<z>n_
servadora), ou a favor da mudança social com vistas à justiça e à solidariedade
(Transformadora). Não pode haver omissão; a omissão c também uma tomada
de posição, só que a favor do que está aí. A educação, portanto, além cie desen­
volver raciocínios e conteúdos, que são necessários, tem a ver com a postura
diante do mundo.
No sistema tradicional de educação, os objetivos da escola são dados pelo
governo, pela mantenedora, pelo diretor, etc. Na perspectiva libertadora,
finalidades da escola não devem ser apenas ponto de partida, mas também ponto
de chegada de uma caminhada com a comunidade educativa. Assim, os fins da
educação são o produto de um determinado momento, mas um produto que
expressa todo um processo, e que tem validade não só como produto (que
poderia se dar por satisfeito e ser arquivado), mas sobretudo como elemento
dinâmico que sustenta e desafia a caminhada da escola.
Freqüentemente, quando falamos em finalidades para o trabalho, muitos
julgam que vamos entrar nos ‘devaneios filosóficos’, nas mais lindas — e inefi__
cazes — declarações de boas intenções. Consideramos, então, necessária um^
distinção: o homem age conscientemente por ideais, por objetivos, e agir visan­
do ideais não é idealismo, é característica do homem. O idealismo, como vimos,
é uma distorção desta realidade, na medida em que valoriza um aspecto —
ideal, a teoria — em detrimento de outro — o real, a prática.
O estabelecimento de finalidades tem a ver com processo de desalienação,
pois abre a possibilidade de recuperarmos, ainda que em parte, a dignidade e n
sentido do trabalho, sendo sujeitos e não meros cumpridores de determinações
ou repetidores de rotinas vindas de fora.

2.2.Repercussão para o Projeto de Ensino-Aprendizagem


A determinação de finalidades é um momento muito importante no plane­
jamento, pois sem elas não se sabe bem que rumo tomar. À medida que o
educador tem mais claros os objetivos, pode ir buscando conteúdos e metodologias
melhores e mais adequados; a lucidez de objetivos abre caminhos, possibilidades
criativas. Os objetivos, principalmente os ‘de fundo’, gerais, dão a direção, reve­
lam valores e motivações. Uma finalidade bem formulada organiza o pensamen­
to e ajuda o desencadeamento do processo para atingi-la. Não estamos nos
referindo aqui à formulação mecânica de objetivos — ao estilo tecnicista; trata-
se da dimensão teleológica da educação, da sua intencionalidade: “Para ensinar
o latim a João, todos sabem hoje que é indispensável conhecer o latim e o João.
Mas mais ainda: é preciso saber porque é que se deseja que João aprenda latim,
como é que a aprendizagem do latim irá ajudar a situar-se no mundo de hoje —
numa palavra, quais são os fins visados pela educação” (Snyders, 1974: 220).
3a Parte/ I — Estrutura do Projeto dc Ensino-Aprendizagem 1 1 1

No cotidiano, a falta dc transparência da finalidade do próprio trabalho


constitui-se um seríssimo problema a ser enfrentado pelos professores. A rigor,
mais do que buscar que os objetivos estejam claros, devemos nos empenhar para
fiue os objetivos sejam assumidos por cada um e todos; muitas vezes pode até
haver clareza (razão), mas faltar compromisso (emoção).
Até que ponto sabemos realmente o que queremos, ou estamos repetindo
aquilo que se incorporou no novo senso comum pedagógico? Levantamos esta
suspeita baseados no fato de que as práticas concretas não têm coincidido com
o discurso. Como apontamos anteriormente, o que se observa é uma alienação
do educador em relação àquilo que faz, de tal forma que, muitas vezes, não
domina nem mesmo o sentido do que ensina, justificando-o a partir de fatores
extrínsecos — ‘faz parte do programa’, ‘é exigência da direção’, ‘é matéria de
vestibular’, etc. (cf. Vasconcellos, 1999: 60). Isto ocorre não por culpa, mas
como decorrência da própria formação do professor, onde este sentido também
Jhe foi negado. E uma situação insustentável que precisa ser superada pela pes­
quisa, pela troca, pelo trabalho coletivo, pela coragem dc mudar.
Não podemos partir do pressuposto de que há um objetivo comum pelo sim­
ples fato de todos estarem na escola. A maioria dos alunos está lá sem saber bem
° porquê. Também não podemos nos iludir achando que os objetivos estão claros
só porque constam no regimento ou nos planos. Precisamos de objetivos reais,
vivos, concretos e não aqueles formais, estereotipados. A função social da escola
entrou em crise. Há que se resgatar seu papel, ter clareza de suas finalidades.
Cabe, pois, a projeção de finalidades sobre as dimensões básicas do trabalho
educativo (articuladas entre si):
□ Educação/Escola (Projeto Político-Pedagógico)
□Matéria/Disciplina (Proposta Curricular e Projeto de Ensino-Aprendiza­
gem)
□ Conteúdo/Atividade (Projeto de Ensino-Aprendizagem e Plano de Aula).

— Observações sobre os Objetivos


Existem vários níveis de objetivos que vão desde os da Escola como um
todo, até de um determinado conteúdo, passando pelos da unidade de trabalho,
do curso, área ou disciplina.
Não é possível educar a não ser partindo de certos valores, de uma visão de
homem, sociedade c conhecimento. Assim, os objetivos das disciplinas e das
aulas devem ter estreita ligação com o Projeto Político-Pedagógico da Escola.
A formulação dos objetivos ajuda na elaboração da estratégia de ação, além
de servir de critério para se saber em que medida foram alcançados (avaliação).
Em educação o estabelecimento de objetivos é essencial para permitir uma postura
ativa do sujeito.

— Objetivos Declarados x Práticas Realizadas


Muitos professores acham que, por não terem se colocado objetivos
reprodutivistas, suas práticas estão automaticamente isentas deste caráter. 1
I ]2 Planejamento / Celso dos S. Vasconcell^

ingenuidade. Não percebem que a prática é mais do que consciência, vontade


Estamos envolvidos numa engrenagem social que num primeiro momento tei^
um dinamismo independente da nossa vontade, sendo determinante; isto signj.
fica dizer que a possibilidade de uma contradeterminação só se abre a partir do
momento em que tomamos certo grau de consciência, e passamos a lutar contta
esta determinação mais geral. O problema, portanto, não é tanto o que pensa,
mos ou desejamos, mas o que de fato fazemos.
O professor deverá enfrentar, pela reflexão pessoal e grupai, a freqüente
dicotomia entre os objetivos expressos na planificação e os objetivos que real,
mente tem no concreto da sala de aula (simplesmente ‘manter a disciplina’
‘cumprir o programa’, ‘garantir seu emprego’, etc.).

— Qualquer Objetivo?
‘Ora, posso colocar o que quiser como objetivo...’, poderia dizer alguém.
formos coerentes com o método dialético, na verdade isto não pode ocorrer. Por
quê? Porque os objetivos são resultado de um profundo perscrutar da realidade
de perceber, localizar, identificar seus limites e suas possibilidades, tendo er^
vista desenvolver, explorar, fazer avançar estas últimas. Se pudéssemos escrever
‘qualquer objetivo’, não haveria sentido começar pela análise da realidade. Jus­
tamente, analisando a realidade vamos captar suas necessidades e suas possibili.
dades, saber inclusive os recursos disponíveis ou passíveis de serem conseguidos.

Estabelecer objetivos é ter a habilidade de dialogar,


de perscrutar o mundo, descobrir-lhe o sentido, e devolver à
comunidade de forma orgânica, como um convite, um desafio.

3-ELABORAÇÃO DAS FORMAS DE MEDIAÇÃO

3.1 .Fundamentos
E a dimensão relativa ao processo de elaboração do encaminhamento da inter­
venção na realidade, ou seja, ao como viabilizar as finalidades, a partir das condições
existentes; consiste em orientar a reflexão para a ação, para a prática, sendo uin
instrumental que ajuda a superar a postura meramente intuitiva ou o risco da
fragmentação da ação em função dos elementos da ideologia dominante presentes
no senso comum. Vai dar as diretrizes que orientarão a prática pedagógica.
A mediação tem que ser coerente com o posicionamento educacional. Não
há mediação boa ‘em si’ (ex.: metodologia meramente expositiva — é uma so­
lução ótima para determinada concepção de educação; no entanto é uma aber­
ração para outra...).
3a Parte/ I — Estrutura do Projeto de Ensino-Aprendizagem 113

3.2.Repercussão para o Projeto de Ensino-Aprendizagem


O Projeto de Ensino deverá dar conta do trabalho pedagógico em toda sua
abrangência, qual seja, tanto do trabalho com o conhecimento, como da organização
da coletividade e do relacionamento interpessoal.

a) Relacionaniento Interpessoal
A educação escolar pressupõe o encontro, homens em relação; sem este
relacionamento podemos ter outra coisa (instrução, informação, etc.), já que esta
é uma das instâncias do processo de humanização, vale dizer, onde o homem se
torna homem, constrói sua identidade, a partir da convivência com outros ho­
mens. Apontamos para a importância da relação interpessoal na formação do
novo dirigente.78 Sabemos que a falta de relações humanas entre professor e
aluno é um dos grandes entraves do trabalho educativo. Por ser humana, a
educação escolar envolve todas as dimensões do sujeito, seja em termos mais
individuais (intelectual, física, afetiva, ética, estética, lúdica, religiosa) ou mais
sociais (sócio-político-econômico-cultural).
O relacionamento interpessoal é algo que pouco dá para se planejar em
termos de ações concretas; é claro que podemos prever algumas atividades,
como a apresentação pessoal nos primeiros dias de aula, encontros de convivên­
cia, idas ao pátio para aproximação não formal, etc., todavia trata-se muito mais
de uma postura a ser desenvolvida pelo professor. Coloca-se aqui, por exemplo,
o desafio ao professor de saber acolher e respeitar o aluno, na sua forma de ser
e de se expressar, sendo capaz de interagir de maneira a ajudá-lo a crescer na
consciência, caráter e cidadania. Muitas vezes, a nossa relação com os alunos
entra pelo circuito da reação ao invés das interação; estamos feridos, magoados,
fechados por algum motivo e não conseguimos reverter este estado antes ou
durante o contato com eles; vai ser um estrago, pois o educador está ali para
dinamizar o processo e se encontra sem condições para isto; por sua vez também
não reconhece este fato, nem solicita um tempo para auto-análise; vai então
tentar suprir o problema do distanciamento usando o poder que sua posição lhe
confere; já sabemos o lamentável resultado desta falta de interação...
Algumas práticas podem ajudar na construção do relacionamento interpessoal:
iniciar as crianças desde cedo no trabalho em grupo; colocar as carteiras em
dupla; realizar encontro de convivência logo no começo do ano, para favorecer
o entrosamento dos alunos entre si e, principalmente, com os professores, no
caso de 5a série em diante (já que a partir de então têm bem menos tempo de
contato com alunos).

b) Organização da Coletividade
A organização da coletividade diz respeito à estruturação do trabalho em sala
de aula (organização do tempo e do espaço, normas, autoridade, formas de

78. Isto vai implicar, por exemplo, na necessidade de diminuir o número de alunos
a cargo de cada professor, a fim de que esta relação possa se dar de modo mais satisfatório.
1 14 Planejamento / Celso cios S. Vasconcellos

participação, disciplina, cooperação, etc.). Trata-se de conseguir estruturar a


coletividade (num primeiro momento a de sala de aula) para o trabalho de
formação e com o conhecimento, sendo um elemento fundamental na tarefa
educativa, pois senão, vejamos bem: que adianta a um professor ter uma bela
finalidade para a metamorfose do real, ter uma proposta metodológica muito
boa, mas não conseguir organizar a classe a fim de desenvolver as atividades?
1 lã que se atentar também aqui para o papel do coletivo da classe enquanto
elemento facilitador do processo de conhecimento: à proporção que o educador
não monopoliza a palavra, mas, ao contrário, possibilita sua circulação entre os
alunos, abre-se uma rede de construção de significados, de tal forma que não se
depende exclusivamente do referencial do mestre, mas há possibilidade de toda
classe colaborar na elaboração do conhecimento dos companheiros.
// escola tradicional centrava toda sua atenção nos indivíduos, chegando inclusive a
crer que seu papel era dissociar as crianças entre si e não admitir, no interior da
classe, outra relação que a que unia o professor a cada aluno em particular. (Palacios,
1984: 142)
Na sala de aula temos um conjunto de sujeitos buscando estabelecer relações
entre o objeto de conhecimento-realidade e a estrutura representativo-concei-
tual. Sabemos que, muitas vezes, um colega consegue explicar melhor a um
outro do que o professor, em função da proximidade de experiências e de lin­
guagem. A coletividade de sala de aula multiplica o efeito educativo do processo,
visto que este não fica restrito ao professor.
A educação verdadeira se dá pelo grupo; a formação do caráter estará em
jogo na amizade, nas relações que se estabelecem na coletividade. No processo
de constituição das pessoas (valores, percepção, memória, afetos, etc.), a convi­
vência, o grupo de trabalho desempenha função muito importante.
Um bom planejamento com certeza terá repercussão na disciplina (organi­
zação da coletividade), já que diminui a insegurança do professor, resgata a sua
convicção naquilo que está propondo, tendo em vista que as necessidades dos
alunos estão sendo levadas em conta e há clareza dos passos a serem dados.

c)Trabalho com o Conhecimento


O homem é o único animal cultural; por suas características próprias, desen­
volve modos de resolver problemas, visões do mundo, artes, que vão sendo
assimiladas pelas novas gerações, seja para facilitar a sobrevivência, para encon­
trar o sentido das coisas ou mesmo por necessidades menos imediatas, como é
o caso do desenvolvimento artístico. Cabe, portanto, a apropriação da herança
cultural. O acesso à cultura pode se dar de várias formas, sendo a escola uma
forma peculiar, visto o envolvimento com o saber sistematizado. O trabalho com
o conhecimento tem sua base no processo de apropriação e construção do co­
nhecimento por parte do(s) sujeito(s). Esta é uma das especificidades da contri­
buição da escola na formação da cidadania.
Quais seriam, então, os elementos fundamentais que organizam a ação di­
dática do professor, sobre os quais deveria se debruçar na elaboração das formas
de mediação? Basicamente:
3a Parte/ I — Estrutura do Projeto de Ensino-Aprendizagem 115

• O que ensinar (conteúdos);


• Como ensinar (forma, quando, com que, onde);
• Como acompanhar (como vai o processo, como saber se estamos chegan­
do onde desejamos);
• Como integrar o seu trabalho com o dos demais e da escola;
• Como organizar a coletividade de sala de aula (regras, normas);
• Como registrar (memória).79

CONCLUSÃO

E indispensável garantir aquela dialética entre as dimensões a que nos refe­


rimos na 2a Parte, qual seja, uma autêntica articulação entre Análise da Realidade,
Projeção de Finalidades e Elaboração de Formas de Mediação. Estas três dimensões
da reflexão não devem ser encaradas como ‘etapas’, momentos estanques. Pelo
contrário, estão intimamente relacionadas, havendo uma triangulação, um mo­
vimento constante de ir e vir entre elas.
Assim, por exemplo, a tomada de posição do educador é exigida já na Análise
da Realidade-, dependendo da posição que tem em relação à educação, fará uma
determinada leitura dos problemas; analogamente, o mesmo ocorre em relação
à solução proposta. De outra forma, às vezes existe uma proposta, em termos de
escola, do o que fazer (ex.: Diálogo Problematizador), mas será preciso o profes­
sor resgatar o porquê e o para quê, pois pode estar se confrontando com resposta
para pergunta que não está se fazendo.
Nos encontros com os professores, chegamos a ouvir algumas vezes: ‘Falar de
construção do conhecimento de novo? Já sabemos como deve ser (ativa, significa­
tiva, crítica, etc.)’. Ora, falta articular esta Projeção de Finalidade com a Análise da
Realidade e com propostas de práticas concretas coerentes {Formas de Mediação).
Uma nova concepção de conhecimento é apenas uma parte da teoria do educador.
Seria importante alertar para a desejável paciência metodológica, qual seja,
o não se cair na tentação de passar muito rapidamente nas primeiras dimensões
ou ir direto para as Formas de Mediação, pois daí se perde a oportunidade de
refletir sobre os determinantes, sobre o que está por detrás do problema peda­
gógico, correndo o risco de ficar na mera busca de sugestões de técnicas. Em­
bora considerando que as técnicas não são neutras (refletem visões de mundo
incorporadas), as concepções subjacentes ao não serem explicitadas, dificultam a
tomada de consciência por parte do professor, favorecendo o trabalho mecânico,
só que agora eventualmente com uma linha ‘progressista’; continua alienado,
pois não foi à raiz. Se ficar só na técnica, na receita, logo em seguida vai carecer
voltar ao ‘guru’ para pedir outra que dê conta de uma nova situação.
Por falta de análise mais profunda, temos visto soluções encontradas pelas
escolas serem ainda mais problemáticas. Portanto, mesmo sabendo que estamos
retardando a passagem à ação (Perrenoud, 1993: 173) consideramos fundamental
passar por este processo de reflexão mais amplo e radical.

79. Lembrando que as outras duas questões essenciais (por quê e para quê) já devem
ter sido enfrentadas nas dimensões anteriores (realidade e finalidade).
III
Roteiro de Elaboração do Projeto de
Ensino-Aprendizagem

NÃO AO PROJETO!

O professor não deve se dedicar intensa e sinceramente à elaboração do


projeto:
— Se o projeto de curso for basear-se total e exclusivamente no livro didático.
Neste caso, a melhor alternativa é copiar o plano que o “livro do professor” traz...
— Se o projeto de ensino não mudar de um ano para o outro. Neste caso, a
melhor alternativa é copiar o do ano anterior...
— Se for fazer em sala o que sempre fez, reproduzir o que está dado. Neste
caso, deve seguir direitinho as instruções a fim de não chamar atenção
sobre si e não correr o risco de ter o trabalho posto em questão...
— Se o projeto for feito apenas para cumprir uma função burocrática, para a
coordenação, direção, secretaria escolar ou supervisão de ensino. Neste
caso, ele pode ser feito de qualquer jeito, pois não vai ser lido mesmo,
sendo só um papel a mais...
— Se perceber que sua proposta de curso tem pouco a ver com a proposta de
outros companheiros da área — que se fecham ao diálogo — e que a
escola se omite diante destas diferenças, não definindo, nem assumindo um
Projeto Político-Pedagógico. Neste caso, terá que avaliar suas forças para
ver se consegue continuar na luta e se ela vale a pena...
— Se o projeto for imposto pela escola, cabendo ao professor apenas copiá-
lo e, quando muito, fazer algumas modificações periféricas. Neste caso, o
melhor é elogiar o projeto da escola, seguir outro na sala de aula, enquanto
vai procurando outro emprego...
— Se a função do professor for reduzida à repetição de conteúdos preestabe­
lecidos, a “tomar conta” dos alunos, não havendo mesmo necessidade de
planejar. Neste caso, o professor pode simular um plano com mil detalhes,
para satisfazer a fantasia da equipe diretiva de achar que pode saber a
cada instante onde está cada professor, enquanto vai preparando suas
malas...
— Se tem uma bola de cristal que diz exatamente o que deve fazer em cada
situação. Neste caso, só é preciso montar um esquema para nunca esque­
cer de levá-la para a sala de aula...
— Se o professor julgar que já sabe tudo, que já chegou à fórmula perfeita de
seu curso. Neste caso, o melhor é nem escrever o projeto, para que tal
preciosidade não corra o risco de ser roubada...
Universidade Federal de Uberlândia
BIBLIOTECA
3a Parte/ III — Roteiro de Elaboração do Projeto de Ensino-Aprendizagem 133

DIALÉTICA DA TRAVESSIA

As considerações que faremos a seguir sobre o planejamento didático situ­


am-se, ou querem situar-se, na tensão da travessia do Ensino Tradicional à Edu­
cação Dialética-Libertadora, ou seja, na caminhada daqueles educadores que estão
se empenhando para construir uma nova prática educativa, superando os equí­
vocos e limites do ensino tradicional que tanta influencia teve, e tem, nas nossas
escolas e, conseqüentemente, na nossa própria formação. Trata-se, com efeito,
de uma travessia, de um caminho que não está pronto, que tem que ser construído
na concretude do cotidiano escolar.
Isto é muito difícil, seja em função das determinações estruturais ou dos
conseqüentes limites institucionais (seriação, conteúdos preestabelecidos, ava­
liação classificatória e excludente, controle burocrático, tempo, formação, salá­
rio). Estamos nos dirigindo, portanto, não àqueles educadores que desistiram da
luta, nem àqueles que ‘já chegaram lá’ — ou pensam que chegaram —, mas
àqueles que estão, no seu dia-a-dia, concretizando as reais, mesmo que limitadas,
possibilidades históricas, preparando, na interação com seus companheiros, um
campo fértil, base para um salto qualitativo.
O objetivo principal do planejamento é possibilitar um trabalho mais signi­
ficativo e transformador, conseqüentemente, mais realizador, na sala de aula,
na escola e na sociedade. O plano, enquanto registro é o produto deste processo
de^reflexão e decisão. Não deve ser feito por uma exigência burocrática; ao
contrário, deve corresponder a um projeto-compromisso do professor, tendo,
pois, suas marcas. iA finalidade do projeto é criar e organizar o trabalho. Para
tanto, deve ser objetivo, verdadeiro, crítico e comprometido.
O grande desafio que se coloca em termos do Projeto de Ensino-Aprendi­
zagem é, portanto:

>Mudar a mentalidade de que fazer planejamento é preencher


formulários (mais ou menos sofisticados). Antes de mais nada,
fazer planejamento é refletir sobre os desafios da realidade da
escola e da sala de aula, perceber as necessidades, re-significar
o trabalho, buscar formas de enfrentamento e comprometer-se com
a transformação da prática. Se isto vai para um registro escrito
depois, é um detalhe!

O Projeto de Ensino-Aprendizagem pode ser subdividido basicamente, quanto


ao nível de abrangência, em Projeto de Curso e Plano de Aula. Faremos a seguir
algumas considerações sobre o aspecto mais operacional, o ‘como’ fazer, como
organizar isto no cotidiano da escola. Gostaríamos, no entanto, de deixar claro
mais uma vez que não se trata, obviamente, de modelo, ‘receita’, mas de possi­
bilidades, gestadas e desenvolvidas em nossa prática e na de outros tantos cole­
gas, que têm o objetivo de provocar a reflexão dos educadores na busca de suas
próprias alternativas, tendo em vista sua realidade e a caminhada de cada grupo.
134 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos

ESTRUTURA BÁSICA

A rigor, como melhor roteiro, poderíamos indicar apenas as três dimensões


essenciais do processo de elaboração do projeto didático: Análise da Realidade,
Projeção de Finalidades e Elaboração de Formas de Mediação. O detalhamento, o
como o professor vai realizar cada uma delas, não é fundamental, podendo, in­
clusive, não aparecer nesta ordem ou ainda uma mesma dimensão estar presente
em diferentes momentos.86 O que conta é a consideração das três dimensões, nas
suas necessárias relações dialéticas.

— Esquema: Estrutura Básica do Projeto de Ensino—

A representação circular é interessante pois relativiza a possível interpreta­


ção seqüencial rígida que se pode ter quando da representação linear. Acompa­
nhando o processo de elaboração do projeto por parte do educador, fica claro
que não se trata mesmo de uma seqüência linear, e sim de aproximações suces­
sivas: o professor tem uma idéia, lembra alguma coisa, registra; mais tarde, vem
outra idéia, anota, e assim sucessivamente. Devagar, vai montando um mosaico.
Depois de uma certa caminhada, pode fazer uma elaboração mais refinada, eli­
minando, acrescentando etc., mas sobretudo amarrando uma proposta coerente,
daí sim devidamente seqüenciada (início, meio, fim), recursos, etc.
Analogamente, na prática do planejar, nem sempre se parte da análise da
realidade (para localizar as necessidades, etc.). E comum o professor entrar numa
escola e já existirem uma série de nlediações incorporadas. Como dissemos, o
essencial é o movimento entre estas dimensões. No caso, então, caberia ao
professor novato questionar o sentido daquelas práticas já consagradas, identifi­
car a que necessidades e finalidades estariam ligadas, e verificar se estas ainda se
sustentam na realidade presente ou pedem reformulações.

86. Um exemplo bem simples: num plano de aula, a dimensão realidade pode apare­
cer nas Necessidades e também na Metodologia (se o professor parte da realidade dos
alunos para levantar suas concepções prévias).
3a Parle/ III — Roteiro de Elaboração do Projeto de Ensino-Aprendizagem 135

POSICIONAMENTO EPISTEMOLÓGICO

Talvez algum leitor fique frustrado por encontrar a indicação de possibilidades


de trabalho e não a prescrição do roteiro (no sentido de padrão, verdadeiro,
único). Ora, este nosso posicionamento não é ao acaso; deve-se a duas crenças:
• A própria característica do campo a ser planejado: sua enorme complexi­
dade;
• A capacidade de reflexão e de tomada de decisão do leitor.
Com isto, visamos superar aquela obsessão planificadora, a que nos referimos
na 1“ Parte. Existem coisas que não desejamos que seja por demais planejadas
mesmo. Para ficar mais claro, tomemos um exemplo fora da educação escolar:
um encontro com um amigo ou com a namorada: pede um certo planejamento
(onde, quando, etc.); mas se, antecipadamente, estiver tudo predeterminado,
preestabelecido, ‘perde a graça’, deixa de ser um encontro original, autentica­
mente humano.87 Mutatis mutandis, vale o mesmo para o trabalho cm sala: é
preciso prever (reconhecer, supor, suportar) a imprevisibilidade, o inédito (advindo,
em grande parte, da espontaneidade e audácia do aluno), pois é isto que faz da
aula um acontecimento (cf. Penin, 1994); se o script está totalmente prefigurado,
deixa de ser uma obra, tornando-se um simulacro (cf. Lefebvre, 1983). Ou seja,
um certo estado de incompletude, uma certa ausência de definição pari-passu,
não é defeito, mas constituinte do projeto na perspectiva dialética (cf. Bachelard,
1978: 171). Por outro lado, devemos considerar que “nenhum fazer humano é
não consciente; mas nenhum poderia continuar nem por um segundo, se esta­
belecêssemos a exigência de um saber exaustivo prévio, de uma total elucidação
de seu objeto e de seu modo de operar” (Castoriadis, 1995: 91).
Estes limites do planejamento não representam, pois, acidentes, e sim parte
da essência: não significa que não abarcamos todos os pontos, mas que ainda
vamos'abarcar. Não! Significa que não abarcamos e sabemos que não podemos
abarcar, ou seja, reconhecemos o limite de sua contribuição: não abrimos mão
desta contribuição (para não cair no laisser-faire), mas também não a pretende­
mos totalitária, dogmática, determinista. Portanto, cabe sim planejar, mas sem
a compulsão de querer amarrar tintim por tintim.
Mais do que ser uma ‘solução’, a perspectiva de Projeto de Ensino que
assumimos coloca-se como um convite-desafio, como uma proposta de roteiro
de trabalho para uma longa jornada...
Desta forma, uma linha de ação interativa, libertadora, não pode deixar de
levar em conta a realidade em sua constituição e dinamismo; por isso é neces­
sário que a postura do professor diante do projeto também seja sensível e
aberta.88
Deixamos um belo texto como provocação e reforço de nossa posição:

87. Conforme reflexão anterior (Conclusão do Capítulo I, 2J Parte).


88. Ver adiante reflexão sobre a flexibilidade.
136 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos

Dei Rigor en la Ciência


... En aquel Império, el Arte de la Cartografia logró tal Perfección que el Mapa de
una sola Província ocupaba toda una Ciudad y el Mapa dei Império, de toda una
Província. Con el tiempo, esos Mapas Desmesurados no satisficieron y los Colégios
de Cartógrafos levantaron un Mapa dei Império, que tenía el tamano dei Império y
coincidia puntualmente con él. Menos Adictas al Estúdio de la Cartografia, las
Generaciones Siguientes entendieron que ese dilatado Mapa era inútil y no sin Impiedad
lo entregaron a las Inclemências dei Sol y de los Inviernos. En los Desiertos dei Oeste
perduran despedazadas Ruínas dei Mapa, habitadas por Animales y por Mendigos; en
todo el País no hay otra relíquia de las Disciplinas Geográficas.
Suárez Miranda, Viajes de varones prudentes,
livro cuarto, cap. XIV, Lérida, 1658 (apud Gvirtz, 1998: 184)

1-PROJETO DE CURSO

O Projeto de Curso é a sistematização da proposta geral de trabalho do


professor naquela determinada disciplina ou área de estudo, numa dada realida­
de. Pode ser anual ou semestral, dependendo da modalidade em que a disciplina
é oferecida.
O trabalho educacional transformador é muito exigente. Há necessidade de
que o curso e as aulas sejam bem planejadas. A elaboração de um bom projeto
requer um trabalho maior do educador, num primeiro momento (fazer mais
pesquisa, integrar, replanejar, etc.). No entanto, a medio e longo prazo, torna-
se compensador, pois facilita todo o trabalho no decorrer do ano, levando a um
menor desgaste, tanto pela organização, como pela melhor qualidade do traba­
lho. A escola deverá dar apoio a esta atividade.
Apenas observando um projeto pronto, não temos condições de julgá-lo.
Devemos remontar ao seu processo de produção: pode ter origem num amplo
e radical processo de reflexão sobre a ação ou pode simplesmente ter sido co­
piado de um livro ou de um colega.
O planejamento é um processo contínuo, porém momentos mais intensos,
como os de final e início de ano, são importantes, visto que alterações mais
substanciais podem ser elaboradas. De uma forma ou de outra o professor estará
tomando decisões, fazendo escolhas, já que é absolutamente impossível dar con­
ta, por exemplo, de todo o conteúdo disponível ou utilizar todas as metodologias
existentes; ocorre que as decisões que toma logo no começo do ano vão ter uma
séria repercussão durante todo o trabalho; daí a importância desse processo ser
bem consciente c refletido.

— Questão do Todo e da Parte


Embora não seja possível definir, a priori, todos os mínimos detalhes de um
Projeto de Curso, entendemos que o fato de se esboçar o Projeto de Curso
como um todo, numa concepção geral, pode ajudar bastante, por dar uma
referência de conjunto. Define-se uma espinha dorsal que será detalhada,
complementada ou modificada no decorrer do processo. A prática de replanejar
3J Parte/ III — Roteiro de Elaboração do Projeto de Ensino-Aprendizagem 137

periodicamente (p. ex. bimestralmente) é interessante, desde que haja esse fio
condutor, pois, do contrário, corre-se o risco de fragmentar o trabalho, ao invés
de dar-lhe maior unidade.89

— Questão da Acessibilidade ao Projeto


Se o projeto, como estamos desejando, deve ter uma articulação viva com a
prática pedagógica, é fundamental que o professor tenha acesso fácil à ele. Sa­
bemos de escolas onde o projeto é entregue e sequer o professor fica com uma
cópia... Algumas escolas, por outro lado, já conseguiram incorporar o Projeto de
Ensino ao Diário de Classe, estando sempre à mão do professor para consulta,
análise e registro.
O uso do computador pode ser de grande valia na elaboração do projeto, ã
medida que facilita a sistematização, a comunicação, as mudanças necessárias,
evitando o trabalho burocrático e repetitivo.

1.1.Possíveis Elementos do Projeto de Curso


Desejamos reiterar que não existe um ‘caminho único’ para a elaboração do
projeto, da mesma forma que existem diferentes níveis de complexidade e
abrangência; o que vamos apresentar é apenas um jeito de fazer. O importante
é que o professor — pessoal e coletivamente — busque o seu caminho.
O quadro a seguir dá uma visão geral das várias dimensões e elementos
possíveis de um Projeto de Curso.90
A explicitação91 de alguns destes aspectos, que às vezes até podem ser con­
siderados menores e — insistimos — não devem ser tomados como ‘padrão’,
tem a ver com o sentido do projeto que é concretizar, fazer acontecer, o que
implicará “precisar os registros de tempo, os métodos e técnicas pedagógicos
utilizados, os constrangimentos com os quais se deverá deparar e os meios a
empregar para ultrapassá-los” (Boutinet, 1996: 207).

89. Naturalmente não estamos nos referindo aqui à pedagogia de projetos, onde,
como vimos, o método de trabalho permite a construção de cada etapa de acordo com
as necessidades do grupo, em função de não haver a vinculação prévia a um rol de
conteúdos, como é o caso, ainda, de muitas escolas.
90. Como se pode observar, existem elementos que são comuns aos famosos formu­
lários tecnicistas. A rigor, qualquer ação humana pode ser analisada a partir de certas
categorias, de modalidades de existência (conteúdo, forma, quantidade, qualidade, fina­
lidade, etc.). O essencial é distinguir aqui a postura, a concepção de fundo que se tem.
Ou seja, nossa crítica ao planejamento normativo não está no fato dele explicitar Obje­
tivos’, mas sim nas fontes e nas formas que estes objetivos serão buscados e tratados.
91. Estaremos aqui apontando elementos do processo de planejamento didático
enfocados no que diz respeito à sua necessidade e articulação para efeito de orgamzaçao
do trabalho docente. () detalhamento maior do conteúdo destes aspectos (ex.: as diversas
possibilidades de metodologia de trabalho ou de avaliação) pode ser encontrado em
produções sobre Didática ou Currículo.
Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos
138

Dimensão Elementos

□ Identificação
Análise da Realidade
□ Caracterização da Realidade
O Sujeitos
O Objeto
O Contexto
□ Necessidades

C 0
Projeção de Finalidades □ Finalidades da Escola
□ Fundamentos da Disciplina

0 c
Formas de Mediação □ Quadro Geral de Conteúdos
□ Proposta Geral Metodológica
□ Proposta de Avaliação
□ Fontes de Pesquisa
□ Interação com Outras Disciplinas
□ Integração com Atividades Extraclasse
□ Normas Estabelecidas
□ Observações

— Quadro: Dimensões e Elementos do Projeto de Ensino—

^Identificação
Registro cio noine cia Escola, cia Disciplina/Area clc Estudo a ser ministrada,
do(s) Professor(es), da série/nível, do número de turmas, do(s) turno(s) (manhã,
tarde, noite), da duração (anual, semestral), carga horária prevista. A identifica­
ção remete a toda a vinculação institucional.

^Caracterização da Realidade
• Sujeitos (professor, alunos)
Registro de elementos relevantes e características gerais percebidas. Em
relação ao professor, no início pode haver dificuldade para o registro; não
tem problema: o importante é insistir no processo de reflexão crítica.
• Objeto
Registro do número de aulas semanais, número clc dias letivos, aulas pre­
vistas por bimestre e no total. Indicação de articulação da disciplina com
série anterior e posterior (quando houver).
• Contexto (Escola, Comunidade)
Registro de elementos relevantes e características gerais percebidas. Parte
dos registros aqui indicados podem ser feitos antes do início das aulas, em
3“ Parte/ III — Roteiro de Elaboração do Projeto de Ensino-Aprendizagem 139

função da experiência do educador; outra parte, apenas depois do conhe­


cimento das turmas.

^Necessidades
l endo em vista os levantamentos feitos, e contando com sua experiência
anterior, cabe a reflexão do professor a fim de procurar identificar e explicitar
as necessidades educacionais (porquê), cujo trabalho posterior visará superá-las. É
preciso esclarecer que existem necessidades que são bastante específicas de de­
terminado contexto (jamais irá existir uma 7a série A como a daquele ano), mas
outras são mais gerais (não é a primeira vez que existe uma quinta série, aquela
escola, aquele bairro, etc.), podendo o professor se basear em sua prática acu­
mulada; estas necessidades presumidas, no entanto, devem ser verificadas
empiricamente.

^Finalidades da Escola
Explicitação das finalidades gerais da escola (para quê — amplo). Buscar estas
finalidades no Projeto Político-Pedagógico, quando a escola tiver.

^Fundamentos da Disciplina
1 rata-se de explicitar os fundamentos da disciplina a ser oferecida, e que
revelam o sentido e força do ensino daqueles conteúdos.

Sobre os Fundamentos
() pano de fundo aqui é a pergunta que os alunos sempre têm em mente,
mas nem sempre expressam: ‘Para que estudar esta matéria?’ É a justificativa do
ensino da disciplina: como o professor defende a existência da matéria no cur­
rículo? Qual é seu papel no desenvolvimento dos alunos, na formação da cida­
dania? Qual sua origem? Como chegou ao que é hoje? (resgate da história da
disciplina). Que relação mantém com a vivência do aluno, com a sociedade, com
outras disciplinas? Que mudanças tem havido no ensino da disciplina nos últi­
mos anos? Quais são as tendências atuais do seu ensino?
Uma estratégia que tem se relevado bem fecunda é o confronto da discipli-
na/área com as grandes finalidades da escola. Digamos que assumimos que o
papel fundamental da escola passa pelo trabalho com o conhecimento para com­
preender, usufruir c transformar a realidade. Poderíamos, então, a fim de orien­
tar a elaboração dos fundamentos, fazer perguntas do tipo: Como este ensino
pode ajudar o aluno a:
QComprcender o mundo que o cerca, atribuindo sentido às coisas e à própria
existência?
^Usufruir o patrimônio acumulado pela humanidade, inclusive em termos
de inserção social pelo trabalho?
140 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos

(D E, sobretudo, transformar a si, o contexto que o cerca e, no limite, a


realidade mais ampla?
Implica, pois, a explicitação dos objetivos gerais da disciplina/área para aquela
série/nível (para que). Ocorre que, quando se solicita simplesmente que o pro­
fessor expresse os objetivos, há uma tendência de reproduzir os já colocados nos
anos anteriores ou mesmo de copiar aqueles que vem no livro didático. Ao
serem solicitados os fundamentos, como é algo que não está pronto, vai ter que
elaborar. Isto vai exigir muita pesquisa e reflexão do professor, e também o
trabalho coletivo, dada a necessidade de partilhar com seus pares suas carências,
buscas e descobertas.
Esta é uma tarefa da maior importância, pois está cm questão, antes de mais
nada, a re-significação do trabalho pedagógico para o próprio professor, ganhan­
do clareza da relevância e alcance do ensino da sua disciplina, coisa que, como
já indicamos, muitas vezes lhe foi negada na sua formação.92

^Quadro Geral de Conteúdos


Proposta geral de conteúdos do curso (o quê), o programa que se pretende
desenvolver. Entendemos os Conteúdos como sendo o conjunto de conheci­
mentos, hábitos e atitudes, organizados pedagógica e didaticamente; são o meio
para a concretização das finalidades que o educador tem ao preparar o seu curso,
a partir da realidade. Estão implicadas aqui as tarefas de seleção, organização e
seqüenciação dos conteúdos.
Os conteúdos geralmente são agrupados em unidades temáticas e vêm com
uma primeira previsão de divisão por bimestres.

Sobre os Tipos de Conteúdos


Quando da elaboração do projeto, o professor deve ter a lucidez de que os
conteúdos a serem trabalhados em sala de aula não devem ficar limitados aos
conceitos, informações, etc. Para que tenhamos uma formação integral da pes­
soa, necessário se faz articular este trabalho com o conhecimento — que é
fulcral e até definidor da especificidade da contribuição da escola neste processo
educativo — com outras dimensões, a saber, o desenvolvimento de habilidades
e a criação de atitudes favoráveis. Esquematicamente,93 podemos assim apresen­
tar os três tipos de conteúdos:

92. Se a escola tiver Plano Curricular elaborado coletivamente, esta justificativa pode
ser buscada lá.
93. Baseado em Vilar, 1996: 34, Barbier, 1996: 149, e Libâneo, 1991: 131.
3J Parte/ III Roteiro de Elaboração do Projeto de Ensino-Aprendizagem 141

Tipo Dimensão Significado Abrangência

Representações Conhecimento de fatos, fenômenos,


Conceituai “Saber” ou conteúdos conceitos, princípios, leis, saberes, idéias,
de consciência imagens, esquemas, informações

0 0 D $
Domínio de habilidades (savoir-faire),
competências, aptidões, procedimentos,
Mecanismos
Procedimental “Saber Fazer" destrezas, capacidades, método de
operatórios
pesquisa, desenvolvimento de operações
mentais, hábitos94 de estudo

0 0 0 c
Disposições do
Envolvimento, interesses, atitude, postura,
“Ser/Saber sujeito; modos
Atitudinal valores, posicionamento, convicções,
Ser” de agir, sentir e preocupações, normas, regras, vontades95
se posicionar

— Quadro: Tipos de Conteúdos—

A rigor isto não é novidade, seja porque não é possível, por exemplo, a
efetiva construção do conhecimento por parte do sujeito se não tiver uma ati­
tude de abertura para tal (envolvimento, mobilização), seja porque, como já
apontava Vygotsky, numa aprendizagem significativa o ganho do sujeito é duplo:
conceitos c habilidades, estruturas mentais, já que no mesmo ato que adquire um
conceito, adquire a capacidade de utilizá-lo como instrumento para adquirir
outros. Todavia, nos últimos anos, com as reformas do ensino no mundo e no
Brasil, esta questão volta com muita ênfase, o que a nosso ver é muito positivo
— na medida em que abre caminho para uma melhor formação —, desde que
não seja encarada como mais um modismo neotecnicista.96
Num trabalho sistematizado, o educando deve ter oportunidade de apropn-
ar-se não só dos conceitos, mas também do método. O conhecimento não é algo
pronto e acabado, daí a importância de formarmos produtores culturais, o que
implica desenvolver procedimentos que levem também à crítica e à criatividade
(cf. Vasconcellos, 1999: 12). Temos visto, no entanto, defesas ardorosas de que
o importante hoje não é tanto dominar um conhecimento, mas aprender a
aprender, portanto uma grande ênfase à habilidade; ora, não temos dúvidas que
aprender a aprender é decisivo num mundo em mudança vertiginosa, todavia,
entendemos que o sujeito aprende a aprender aprendendo conteúdos concretos,

94. Os hábitos são modos de agir relativamente automatizados que tornam mais
eficaz a ação (cf. Libâneo, 1991: 131).
95. Aqui se insere também o termo habitus (cf. Bourdieu): disposição geradora de
práticas.
96. Já temos relatos de coordenadores pedagógicos ou diretores devolvendo o plano
do professor porque ‘não dividiu direito os conteúdos’.
142 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos

qual seja, não podemos menosprezar os conhecimentos sistematizados, visto


serem o caminho para o desenvolvimento de habilidades (c mesmo atitudes).

HProposta Geral Metodológica


Explicitação do caminho geral (como) que o professor pretende seguir no
desenvolvimento da disciplina/área.
Aqui o professor pode fazer uma apresentação dos princípios metodológicos
que sustentam sua prática, ou ainda indicar a metodologia que normalmente
utiliza em sala de aula; não significa que seja a única, mas corresponde um pouco
ao ‘jeitão’ do professor dar suas aulas.
Pode também incluir uma Orientação de Estudo para os alunos em relação à
sua disciplina, tendo em vista o melhor aproveitamento.

^Proposta de Avaliação
Apresentação do processo de avaliação a ser utilizado no decorrer do curso
(como identificar necessidades). Pode-se explicitar o quê, como, para quê avaliar. Definir
bem as regras do jogo da avaliação com os alunos, para evitar criar ansiedade e
desconfiança na relação pedagógica. No caso de se trabalhar com notas ou
conceitos, é importante deixar claro como vai se chegar a eles.

Sobre a Avaliação
A avaliação, como sabemos, é um dos grandes desafios na prática pedagógi­
ca: de elemento de referência do andamento do processo para a cooperação com
o educando no seu desenvolvimento, tornou-se elemento de controle e domina­
ção. O professor, com dificuldade de mobilizar os alunos, passa a usar a nota
como instrumento de pressão. Desta forma, mantém-se a alienação da necessi­
dade, pois o aluno não se relaciona com o conhecimento enquanto tal, mas
como meio de atingir um fim exterior à aprendizagem (garantir sua nota...).
Elá uma relação fundamental, porém rompida, entre avaliação e
(re)planejamento. Deve ser resgatada, pois é isto que dá o sentido transformador
da avaliação (e não de mera verificação).
A avaliação que buscamos tem aquele caráter de acompanhamento do pro­
cesso, que faz parte da Realização Interativa. Quanto aos objetivos podemos dizer
que a avaliação visa:
• Informar alunos, professores e comunidade em que direção o desenvolvi­
mento do aluno c do processo de ensino-aprendizagem está se realizando;
• Captar as necessidades a fim de serem trabalhadas e superadas, garantindo
a aprendizagem e desenvolvimento por parte de todos os alunos.
• Favorecer que, em especial, aluno e professor possam refletir conjunta­
mente sobre esta realidade e selecionar as formas apropriadas de dar con­
tinuidade aos trabalhos.
Deve ter, portanto, por objetivo uma tomada de decisão. Freqüentemente a
avaliação fica incompleta, pois levantam-se os dados, faz-se a classificação e
pára-se por aí, registrando nos diários de classe e arquivos...
3a Parle/ III — Roteiro de Elaboraçao do Projeto de Ensino-Aprendizagem 143

A avaliação precisa abranger os três aspectos básicos da tarefa educativa:


trabalho com o conhecimento,) relacionamento interpessoal e organização da coletividade.
Muitas vezes, apenas o primeiro aspecto é avaliado de forma mais sistemática e
ainda assim apenas o aluno... Devemos ter bem claro, pois, que a avaliação é do
processo de ensino-aprendizagem, o que significa dizer que podem ser previstas
práticas de avaliação dos alunos (produção conceituai, habilidades e atitudes), do
trabalho do professor, da dinâmica da sala de aula e também da instituição
(condições de trabalho, relacionamento com a comunidade, etc.). E fundamental
a reflexão crítica do professor sobre seu trabalho; quem não se avalia e não se
deixa avaliar, não tem legitimidade para avaliar!97
O professor pode recorrer ainda a várias estratégias para avaliação do ensino:
assembléias de classe periódicas (onde a pauta é analisar o conjunto do trabalho
em sala); ‘Recado para o Mestre’ (bilhete recolhido no final da aula onde os
alunos, sem se identificarem, podem expressar sua opinião sobre as aulas e a
turma). Um outro espaço importante de avaliação é a reunião pedagógica sema­
nal, onde o professor pode inclusive partilhar com os colegas suas práticas e
dificuldades. 1 odas estas práticas estão pressupondo, no entanto, a atenção do
professor para os resultados das avaliações da aprendizagem dos alunos, enten­
dendo estes resultados também como reflexo do seu trabalho.
Em grandes linhas, a Avaliação do Processo de Ensino-Aprendizagem está
para o Projeto Didático assim como o Diagnóstico está para o Projeto Político-
Pedagógico.98

UdFontes de Pesquisa
Relação de livros, textos, vídeos, CDs, sites da Internet, revistas, secções de
jornais ou programas de televisão correlatos aos assuntos a serem trabalhados,
que serão utilizados ou que podem ser consultados. No caso de livros, pode-se
detalhar o que é didático, o que é paradidático, o que é leitura sugerida e ainda
o que é fundamento para o trabalho do professor.

Sobre o Livro Didático


O livro didático deve ser assumido como um recurso (e não curso) que o
professor utiliza como complemento de seu trabalho. Como vimos na Ia Parte,
não é isto que vem acontecendo. Os livros ou materiais didáticos acabam exer­
cendo grande influência na planificação. Chegou-se a um ponto em que qual­

97. Sugerimos algumas questões para auto-avaliação do professor: ‘Será que tenho
convicção de que estou trabalhando algo importante para meus alunos, ou considero a
matéria que ensino chata ou de pouca importância para a vida deles? l enho me prepa­
rado para as aulas ou vou apenas pelas experiências dos anos anteriores? l enho procu­
rado conhecer a turma para saber suas reais necessidades? Tenho procurado formas
adequadas de trabalhar o conteúdo? Que tipo de relacionamento, em termos predomi­
nantes, tenho tido com os alunos? l enho transferido a responsabilidade para os outros?’.
98. Para um aprofundamento da questão da avaliação ver: C.S. Vasconcellos, Ava­
liação: Concepção Dialética-Libertadora do Processo de Avaliação Escolar, C.S. Vasconcellos,
Superação da Lógica Classificatória e Excludente da Avaliação', C.S. Vasconcellos, Avaliação da
Aprendizagem: Práticas de Mudança.
144 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos

quer professor pode dar aula de qualquer matéria, não porque entenda de tudo,
mas, ao contrário, porque não precisa entender de nada: basta seguir o livro
didático (fala comum de professores: ‘Se não fosse esse livro, eu estaria perdi­
do’). Em certas escolas, entende-se que planejar é escolher o livro didático, e
depois seguí-lo... E lastimável, mas em muitas situações o professor não é sujeito
de seu planejamento, à medida que acaba se limitando ao livro, que por sua vez
se impõe muito mais em função do forte esquema de divulgação das editoras, do
que por sua qualidade pedagógica ou proposta de educação. A sensação de certos
professores é de que, em verdade, ‘foram escolhidos’ pelo livro, mais do que o
escolheram. Em determinados contextos, os livros são adotados sem critérios
claros, em função de serem ‘atrativos’, coloridos, ‘bonitinhos’, com ‘textos muito
fáceis’, sem contar as vezes em que se adere ao novo pelo novo, ao modismo.
1 lá uma cobrança equivocada por parte de pais — especialmente de escolas
particulares — no sentido de que o livro ‘seja esgotado’, que o professor ‘dê
tudo’; chega haver até pressão para que o professor sequer altere a seqüência dos
capítulos. Isto é um absurdo, pois nega ao professor a liberdade de cátedra, tão
fundamental para um ensino de qualidade.
A partir da crítica mais radical ao livro didático — no Brasil, no final dos
anos setenta —, alguns professores foram para o outro extremo, abominando o
uso de qualquer livro. Acontece que, amiúde, não se adotava livro, todavia a
escola também não tinha condições de favorecer a elaboração, pelo próprio
grupo de professores, de outro material de apoio. O resultado eram as famosas
folhas soltas dos alunos — que se perdiam em pouco tempo — ou as ‘apostilas
tipo colcha de retalhos’ de vários livros didáticos. E certo que estas apostilas
tinham o mérito de pelo menos serem uma organização dada pelo professor a
partir da pesquisa em vários materiais, mas há de se convir que não é a solução
ideal. Portanto, se a escola quer trabalhar sem livros didáticos industriais, deve
ter condições mínimas — tempo de pesquisa, pessoal para digitação, gráfica, etc.
— para confecção do próprio material.
Nas escolas onde se adotam apostilas padronizadas de grandes redes de
ensino, a tendência é a inserção ainda maior do professor na alienação do tra­
balho pedagógico, já que há toda uma programação scqtiencial do uso das mesmas,
ficando ainda mais difícil para o professor o ‘jogo de cintura’.
I lá que se considerar ainda que, depois de quase duas décadas de crítica, já
existem hoje no mercado alguns livros com melhor qualidade.
No caso de se utilizar o livro texto, este deverá passar por uma crítica da
escola e dos alunos (análise de questões de gênero, etnia, classe social,
multiculturalismo, culturas locais, etc.), procurando desmistificar seu caráter de
verdade acabada. O professor que se limita à utilização do livro texto no seu
conjunto (seqüência, conteúdo, exercícios) deveria ser substituído por uma má­
quina de ensinar, que seria mais eficiente... Ao contrário, deverá procurar fazer
o percurso de significação do conteúdo a ser trabalhado, e não simplesmente
reproduzir o que está no livro didático; procurará recuperar as relações, o his­
tórico, o vínculo com a realidade, portanto as relações de constituição do objeto
e deste com a realidade do educando.
3*1 Parte/ III — Roteiro de Elaboração do Projeto de Ensino-Aprendizagem 145

^Integração com outras Disciplinas


Explicitação do trabalho interdisciplinar previsto. Aqui também podem ser
colocadas as propostas de trabalho com os temas transversais. Pode-se registrar
desde simples ‘ganchos’ para possíveis integrações, até pequenos projetos já
definidos.

^Integração com Atividades Extraclasse


Indicação da forma de integração da disciplina/área com atividades extraclasse
previstas pela escola (ex.: Mostra Cultural, Feira de Ciências, Olimpíada, Come­
morações, etc.).

ANormas Estabelecidas
Registro do contrato pedagógico, das normas de convivência em sala de aula
que foram estabelecidas com a classe. Lembrar que as normas devem ser elabo­
radas visando as necessidades do trabalho pedagógico em todas as suas dimen­
sões. E recomendável que não se tenha ‘pressa’ na sua construção, nem que
sejam feitas ‘só para entregar para a coordenação’.

□ Observações
Espaço para registros do professor sobre o desenvolvimento do processo na
sua globalidade. () trabalho de ensino-aprendizagem é muito complexo e dinâ­
mico; recorrer ao registro escrito é uma forma de fazer memória e possibilitar
o aperfeiçoamento do projeto.

1.2.Detalhamento Periódico
Como foi apontado logo atrás, o projeto pode ser feito no seu conjunto,
enquanto linha geral, e depois a proposta de trabalho pode ser melhor definida
através do detalhamento periódico (mensal ou bimestral).

Dimensão Elementos

Análise da Realidade □ Análise da Realidade do Período

0 $

Projeção de Finalidades □ Objetivos Específicos

0 $

□ Proposta de Conteúdos para o Período


Formas de Mediação □ Metodologia
□ Recursos

— Quadro: Dimensões e Elementos do Detalhamento Periódico do Projeto de Ensino—


146 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos

□Análise da Realidade do Período


Balanço dos de elementos relevantes da realidade observados no período,
tendo em vista a continuidade do processo. Aqui o professor pode ir registran­
do suas reflexões a partir da avaliação do processo, identificando também as
necessidades do grupo.

^Objetivos Específicos
Explicitação dos objetivos para aquele período de trabalho. Os objetivos
serão estabelecidos tendo como referência as necessidades localizadas e a pro­
posta geral do curso. Pode caber aqui também a colocação dos objetivos nas três
dimensões correlatas aos três tipos de conteúdos (conhecimentos, habilidades,
atitudes), de acordo com as necessidades apontadas.

Sobre os Objetivos Específicos


A apresentação dos objetivos específicos é o momento de tornar mais cons­
cientes e aperfeiçoar as finalidades que estavam presentes, mas não tão claras,
desde o princípio da elaboração do projeto. Aqui se revela a diferença entre o
professor formalista e o educador crítico: o primeiro, ‘pega’ o conteúdo do
projeto anterior ou do livro didático, e ‘inventa’ os objetivos correlatos; o segun­
do, seleciona o conteúdo de acordo com necessidades, preocupações, objetivos,
ainda que não conscientes de início.
Como analisamos, expressar o objetivo tem como função, sobretudo, possi­
bilitar a re-significação da prática. Portanto, comportamentos mecânicos, este­
reotipados devem ser superados. E comum, por exemplo, no ensino da Matemá­
tica o professor colocar para um conteúdo qualquer o objetivo de ‘desenvolver
o raciocínio’. Cabe indagar: o que exatamente está querendo dizer com isto? Até
que ponto esta não é uma ‘saída pela tangente’? Se é para desenvolver raciocínio
genericamente, poderíamos usar jogos, videogame que é muito mais gostoso; por

Matemática desenvolve o raciocínio, mas por quê? Que tipo exatamente de


raciocínio desenvolve a aprendizagem de Fração? Isto é que precisamos saber,
para poder passar este sentido para o aluno.
Evidentemente, deve-se procurar a maior precisão possível na explicitação de
onde se quer chegar; no entanto, as finalidades vão ficando mais claras com o
desenvolvimento da caminhada, no confronto com a realidade, sendo necessária,
então, sua reformulação. Dessa forma, compreendemos que a elaboração das fina­
lidades é um processo dinâmico, exigindo muita atenção ao desenrolar histórico.
Assim, podem existir objetivos implícitos que só se tornarão conscientes
frente a dificuldades encontradas no percurso. Podemos citar o exemplo de uma
professora de 3a série: ao perceber que seus alunos não estavam aprendendo a
contento, sentiu necessidade de mudar os objetivos e alterar o ritmo de trabalho.
Ficou incomodada com o fato de diferenciar a proposta em relação a sua colega;
só então se deu conta que tinha um objetivo, implícito até então, de caminhar
junto com a outra 3a série.
3J Parte/ III — Roteiro cie Elaboração do Projeto de Ensino-Aprendizagem 147

LlProposta de Conteúdos para o Período


E a proposição de conteúdos a serem trabalhados no período, tendo em vista
a caminhada do grupo até então. Pode-se prever o número de aulas para cada
unidade temática.

^Metodologia
Explicitação das estratégias previstas para trabalhar aquela unidade ou con­
teúdo. Este registro é importante para não se perder idéias que o professor tem
ao elaborar o projeto. No detalhamento da aula é que as estratégias serão efe­
tivamente definidas.

Sobre a Metodologia
\ Metodologia" refere-se à condução do processo didático, às experiências
de ensino-aprendizagem, a como será trabalhado cada item do programa. O
aspecto metodológico é muito importante, pois é a criação das condições ade­
quadas para o trabalho educativo, superando a improvisação empírica.
De acordo com a teoria do conhecimento que fundamenta o trabalho do
professor, alguns elementos metodológicos podem constituir uma espécie de
roteiro de aula. Assim, por exemplo, consideremos que nossa referência seja a
concepção dialética de conhecimento; poderíamos destacar a Problematizaçao
como um elemento nuclear na metodologia de trabalho em sala de aula, ja que,
se forem adequadamente captadas, as perguntas poderão provocar e direcionar,
de forma significativa e participativa, o processo de construção do conhecimento
por parte do aluno, sendo também um elemento mobilizador para esta constru­
ção. Neste sentido, ao preparar a aula, o professor já poderia destacar possíveis
perguntas ou problemas desencadeadores da reflexão dos alunos. Uma tarefa
importante que se colocaria para o professor, portanto, seria extrair do conteúdo
a ser trabalhado suas perguntas básicas, geradoras, qual seja, resgatar as situa­
ções-problema que deram origem ao conceito: ‘Quais os problemas que estavam
colocados?’, ‘Quais as perguntas que estão por detrás destes conteúdos? . Isto
deve fazer parte do plano (cf. Vasconcellos, 1999: 87).
O questionamento que deve acompanhar o professor na elaboração da pro­
posta metodológica é o seguinte: ‘O que é preciso fazer para que estes alunos
aprendam efetivamente este conteúdo? Com esta ação que estou tendo, que açao
estou propiciando ao aluno (tipo/grau de atividade e de significação)?,

^Recursos Didáticos
100 que utilizamos para orientar a aprendiza­
Recursos são os meios materiais99
gem dos alunos, que vão construir o conhecimento a partir do contato, da

99. Mais uma vez a luta com as palavras: não estamos assumindo aqui metodologia
no sentido lato de ‘estudo dos métodos’, mas como indicação, explicitação dos métodos a
serem utilizados na prática pedagógica.
100. Embora, em certos casos, possam ser também logísticos ou humanos.
148 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos

interação com a realidade. Aponta-se aqui a relação dos meios materiais para
orientar a aprendizagem dos alunos (com quê\ que poderão ser utilizados para o
desenvolvimento do trabalho. Vale a mesma observação anterior quanto a defi­
nição e detalhamento.

Sobre os Recursos
O aluno não aprende só na escola; todavia, ao contrário da aprendizagem
informal, na escola as atividades são programadas, planejadas, intencionais. O
professor, de forma proposital, dispõe certas condições da realidade para que o
aluno interaja e construa seu conhecimento. Ocorre que poucas são as oportu­
nidades na escola do educando se confrontar com o objeto mesmo, de maneira
direta. Reiteradamente, o objeto de conhecimento é apresentado ao aluno atra­
vés de alguma mediação. A mediação da realidade a ser conhecida pode ser
“objetai, ilustrada, verbal e simbólica” (Petrovski, 1979: 232); exemplo: o livro
didático, um filme, a exposição do professor, uma foto, um documento, uma
gravação, um texto, um modelo, um vídeo, etc. As mediações que ‘trazem’ o
objeto para o aluno podem ser de diferentes qualidades, no sentido do grau de
apreensão das relações que compõem/constituem o objeto.
Se o professor leva para a sala de aula uma mediação fraca, mistificada, que
não revela bem a estrutura do real, fica mais difícil para o aluno chegar ao
concreto. O professor tem, pois, uma tarefa muito importante: selecionar e
organizar a mediação da realidade com a qual o aluno vai ter contato.

2-PLANO DE AULA

E a proposta de trabalho do professor para uma determinada aula ou con­


junto de aulas (por isto chamado também de Plano de Unidade). Corresponde
ao nível de maior detalhamento e objetividade do processo de planejamento
didático. E a orientação para o que fazer cotidiano. Muitos professores conside­
ram que ‘este é o planejamento que importa mesmo’, o que não deixa de revelar
uma dose de bom senso. Apenas lembramos que o plano poderá ter muito mais
consistência e organicidade se estiver articulado ao Projeto de Curso e ao Pro­
jeto Político-Pedagógico da Escola. Por outro lado, a elaboração do Projeto de
Curso não elimina o preparo de cada aula, pelo contrário, o pressupõe como
complemento de realização.
Em princípio, a aula pode ser encaminhada de inúmeras maneiras. Planejar
significa antever uma forma possível e desejável. Se não há planejamento, corre-
se o risco de se desperdiçarem oportunidades muito interessantes. Não dá para
dar aula improvisando, cm off o. se não ficar boa, ‘regravar’ (como nos programas
de televisão). Não planejar pode implicar perder possibilidades de melhores
caminhos, perder pontos de entrada significativos.
Devemos destacar a necessidade de uma visão geral em relação ao que vai
ser trabalhado na aula: se uma parte não está bem planejada, corre-se o risco de
se ocupar muito tempo com outra, até como estratégia inconsciente do profes­
sor, mas prejudicando naturalmente os alunos.
3J Parte/ III Roteiro de Elaboração do Projeto de Ensino-Aprendizagem 149

Da mesma forma que os outros projetos, o Plano de Aula deve ser feito, >
antes de mais nada, como uma necessidade do professor e não por exigência
formal da coordenação ou direção.

Dimensão Elementos

□ Assunto
Análise da Realidade
□ Necessidade

ô $

Projeção de Finalidades □ Objetivo

0 e
□ Metodologia
□ Tempo
□ Recursos
Formas de Mediação
□ Avaliação
□ Tarefa
□ Observações

— Quadro: Dimensões e Elementos do Plano de Aula-

Uma única aula (ou conjunto de aulas) pode ter este conjunto de elementos
repetidos diversas vezes, de acordo com a estimativa de tempo disponível.

{^Assunto
Indicação da temática a ser trabalhada em sala de aula.

{^Necessidade
Explicitação das necessidades percebidas no grupo e que justificam a propos­
ta de ensino. Numa primeira elaboração, o professor pode entender que o Objetivo
já ‘incorpora’ a necessidade; no entanto, o esforço para sua elucidação é salutar
em nome da clareza que se vai ganhando (aproximações sucessivas).

{^Objetivo
I rata-se aqui da explicitação do Objetivo Específico do ensino daquele as­
sunto. I em a ver com o sentido do ensino deste determinado conteúdo, para
este grupo, neste momento (o que eu quero mesmo com este trabalho?).

{{^Conteúdo
Explicitação do conteúdo a ser trabalhado. Pode ser mais ou menos detalha­
do, de acordo com o conhecimento do professor: quando o assunto é muito
conhecido e já trabalhou várias vezes sobre ele, basta uma referência para a
150 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos

memória. Quando o assunto está em pesquisa, em processo de elaboração, quan­


do a síntese não está suficientemente construída, é importante que o conteúdo
seja mais detalhado (até como uma forma de ajudar a configurar esta síntese).

^Metodologia
Explicitação dos procedimentos de ensino, técnicas, estratégias, a serem
utilizadas no desenvolvimento deste assunto; é o caminho concreto a ser trilhado.
Pode indicar tanto as atividades previstas para o professor, quanto as esperadas
dos alunos.
Deve-se considerar a especificidade do objeto de conhecimento em questão;
dependendo do objeto, pode-se demandar um tipo de ação, que seja mais apro­
priada para o estabelecimento de relações entre o sujeito e ele. Os tipos de
atividades que podem ser desenvolvidas dependem, por exemplo, se a aula é de
Física, Português, Matemática ou História; mesmo na própria disciplina, em
função do tema específico, pode caber melhor uma ou outra atividade (uma ida
ao laboratório, uma pesquisa teórica, um debate, uma observação direta da re­
alidade, a projeção de um filme, etc.).

\2Tempo
Previsão do tempo a ser empregado com este assunto (quando — no sentido
de duração-, em relação ao sentido de ordem, já se manifestou antes pela
seqüenciação dos conteúdos). E claro que trata-se sempre de uma estimativa,
mas é importante para a viabilização da proposta. /X previsão do tempo revela
também a prioridade dada a cada parte.

^Recursos
Cabe aqui a indicação dos recursos que serão utilizados. E importante não
desperdiçar oportunidades de inclusão de recursos. Sc professor não planeja e só
se lembra quando a aula está em andamento, não dará para aproveitar mais a
idéia, pois não preparou o material (ex.: texto, recurso audiovisual, material ou
condição para aplicação de uma técnica, etc.).

^Avaliação
Explicitação de como este trabalho estará sendo avaliado (que necessidades —
como vai indo): que estratégias o professor pode estar utilizando cm sala para
acompanhar o processo de desenvolvimento e de construção do conhecimento
do aluno. Aqui explicita-se mais uma ligação entre forma de trabalho e de
avaliação: se a metodologia em sala é passiva, naturalmente fica mais difícil
avaliar, já que aluno não está se expressando...
A partir da avaliação feita tem-se elementos para replanejar o trabalho. Se
houver a participação dos alunos neste processo, todos podem ser tornar designers,
analisando a situação, estabelecendo objetivos e propostas de ação (cf. Moreira,
1995: 17).
3J Parte/ III — Roteiro de Elaboração do Projeto de Ensino-Aprendizagem 151

^Tarefa
Indicação das atividades que serão propostas para serem feitas fora da sala
de aula. Deve estar relacionada aos objetivos trabalhados ou aos que serão tra­
balhados logo na seqüência. Numa perspectiva interacionista, a tarefa tem como
funções básicas:
• O aprofundamento e síntese do que está sendo visto em classe;
• Ajudar o aluno a ter representações mentais prévias disponíveis correlatas
ao assunto a ser tratado nas aulas seguintes.
Desta forma, através da tarefa, o aluno planeja sua participação na aula.

□ Observações
Registro do professor sobre o andamento cotidiano do trabalho: o que fez,
como fez, o que estava prevista e deixou de fazer, comportamento de aluno ou
da classe que chamou atenção, etc. Pode anotar aqui sua reflexão e avaliação
sobre a caminhada, tornando o projeto um instrumento de pesquisa sobre sua
práticíu o que deu certo, o que não deu, as dúvidas e certezas que surgiram, suas
hipóteses. E preciso resgatar este hábito de escrever sobre a prática (Diário de
Bordo), tendo em vista a possibilidade de uma reflexão mais sistemática.

3-TRABALHO DE PROJETO

Existem várias formas de se compreender e realizar o trabalho de projeto.


Na sua forma mais radical, é construído pelos alunos, com a supervisão do
professor: “Usa as matérias, mas não consiste em matérias, ou disciplinas feitas
e acabadas” (Kilpatrick, 1974: 85). O plano de trabalho, portanto, é feito pelos
próprios alunos, a partir do roteiro geral apresentado pelo professor: “O plano
será resultado de um esforço de cooperação e não algo imposto” (Dewey, 1979:
71). Este é o núcleo da pedagogia de projeto: a elaboração e realização por parte
do aluno do seu projeto. O grande ganho aqui em termos de aprendizagem está
justamente no fato do projeto nascer da participação ativa dos alunos, o que
implicará em alto grau de mobilização, aumentando em muito a probabilidade
de uma aprendizagem significativa: “o prazer da pesquisa e da responsabilidade
de escolha é necessário, se se quiser obter melhor resultado no ensino” (Kilpatrick,
1974: 86). Além disto, há um ganho em termos de a construção da autonomia
(decorrente do processo de tomada de decisão) e da^olidariedade (em função do
trabalho ser grupai). Este também é um caminho propício para a prática
intcrdisciplinar, uma vez que é o problema localizado na realidade (na sua com­
plexidade) que passa a ser o guia do trabalho, e não uma estrutura de conheci­
mento disciplinar previamente definida.
E claro que este tipo de trabalho traz consigo uma série de exigências, que
inclui desde o grau de liberdade curricular (ex.: não ter marcação rígida de
tempo), a disposição de materiais para pesquisa, até a formação do professor, ou
mesmo o descondicionamento do aluno (quando de séries mais adiantadas), por
estar acostumado a receber tudo pronto e se sentir desorientado diante na nova
proposta. I raz também alguns riscos: gerar insegurança no professor (por não
ter tudo predefinido e por poderem emergir conteúdos que não domina), não se
152 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos

conseguir fazer a ligação entre as necessidades c interesses dos alunos e a expe­


riência acumulada pela humanidade, privar o aluno de uma sistematização do
conhecimento. Se não se revê, por exemplo, a forma de organizar os espaços e
os tempos na escola, pode ocorrer do aluno simplesmente sugerir um assunto e
este ser absorvido pela estrutura tradicional, tornando-se uma farsa, já que a
relação entre o professor e os alunos continuará se dando “através da grade
(curricular)” (cf. Arroyo, 1999).
Por uma questão de coerência e autenticidade, é preciso que se defina bem a
metodologia a ser utilizada para não se produzir equívocos didáticos: deve ficar
claro o tipo de projeto a ser desenvolvido, qual seja, se nascerá de fato dos alunos,
se o professor já vai levar estruturado, ou se será fruto de uma negociação.
Existem alguns ‘projetos’ (algumas vezes chamados de ‘permanentes’) que já
estão implantados na escola, fazendo, portanto, parte de sua programação (ex.:
projeto sobre o Rio Tietê, nas 6as séries). Não questionamos o valor de tal prática,
mas apontamos a necessidade de clareza quanto à sua especificidade: a rigor, ngo
é um projeto, visto que já está definido, não nasceu naquele momento, com aqueles
alunos (embora possa ter nascido de colegas de anos anteriores); tornou-se um
conteúdo ou uma atividade já incorporada ao currículo escolar. Esta prática pode ser
utilizada até mesmo como estratégia de reformulação curricular: a escola passa por
um período de maior plasticidade, de busca de novas temáticas e formas de orga­
nização dos conteúdos; mais tarde, uma vez vivenciadas e analisadas, estas novas
formas passam a fazer parte do currículo. Mais algum tempo e investe-se novamen­
te na inovação, que é seguida por nova estruturação e assim por diante.

Possíveis Elementos do Trabalho de Projeto

Dimensão Elementos

Análise da Realidade □ Análise de Necessidade ou Interesse


□ Definição do Problema ou da Temática

$ e
Projeção de Finalidades □ Explicitação dos Objetivos <---------------------------------

$ 0

Formas de Mediação
□ Metodologia
•Constituição dos Grupos de Trabalho
•Trabalho de Campo
•Planejamento do Trabalho pelo Grupo-----------------
•Pesquisa e Teorização
•Produção de Registros
•Apresentação

□ Avaliação
□ Recursos
□ Registro

— Quadro: Dimensões e Elementos do Trabalho por Projeto—


3a Parte/ III — Roteiro de Elaboração do Projeto de Ensino-Aprendizagem 153

□ Tema-Problema
O problema ou a temática a ser investigada pode ser sugerido pelos alunos
ou pelo professor. Nesta indicação podem estar influenciando um estudo que
está sendo feito e que traz alguma indagação, algum fato que está se colocando
na comunidade local ou na mídia, alguma situação vivida pelo aluno que é
socializada e desperta interesse, pesquisa feita na realidade, alguma necessidade
pedagógica advinda do período anterior (ex.: desenvolveu-se bastante a produ­
ção de texto, mas pouco se trabalhou com operações matemáticas), etc. Não se
deve descartar, pois, a contribuição do professor, já que “é impossível compreen­
der porque a sugestão de alguém com maior experiência e mais larga visão (o
mestre) não seja, pelo, tão válida quanto a sugestão provinda de fonte mais ou
menos acidental” (Dewey, 1979: 71). O importante é que a definição possa se
pautar por dois critérios básicos: grau de relevância do problema (em termos de
potencial de aprendizagem e desenvolvimento) e nível de significação para os
alunos (vinculação com necessidades e representações prévias). Uma vez identi­
ficado o problema central, podem ser elencados outros correlatos.101

[A Objetivos
Seria, naturalmente, um lamentável equívoco considerar-se que o trabalho
com projeto não tem objetivos. O que acontece é que os objetivos do trabalho
não estão dados previamente (não há uma precedência temporal): vão se cons­
tituindo e explicitando a partir da escolha do teina-problema, evoluindo na
programação que o grupo faz. O professor, como parceiro mais experiente, tem
condições de fazer articulações do tema escolhido com outros temas já estudados
ou a serem estudados, com outros dados da realidade, etc.

□ Conteúdos
Cabe observar que o conteúdo do trabalho não é definido de antemão, mas
vai ser construído pela pesquisa e teorização, ganhando forma na produção de
registros.
Quanto à preocupação de não se trabalhar ‘certos conteúdos’, o que a pratica
tem demonstrado é o seguinte: se bem conduzido, não só são tratados conteúdos
previstos para aquela faixa etária, como outros são introduzidos, por conta do
interesse dos alunos no enfrentamento do problema.
Deve-se evitar ‘forçar a barra’ em termos de integração curricular: relações
muito artificiais, só para dizer que aquele componente curricular foi incluído,
tratou do tema.

^Metodologia
A metodologia de trabalho aqui é a própria metodologia que caracteriza o
trabalho com projeto. Ela é apresentada aos alunos, que logo devem se apropn-

101. Às vezes, o caminho é ao contrário: a partir da reflexão sobre o tema vão


surgindo questões, até se ganhar clareza de qual é, com efeito, o problema desencadeador.
154 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos

ar, aprendendo pelo fazer, qual seja, já programando e seguindo os passos esta­
belecidos. Deve ficar claro, mais uma vez, que não há um ‘modelo universal’.
Possível roteiro:
• Constituição dos Grupos de Trabalho: embora o projeto possa ser indi­
vidual, quando em grupo propicia o máximo aproveitamento pela oportu­
nidade de interação mais próxima com o outro. Uma das formas de se
constituir o grupo pode ser por inscrição espontânea nos temas ou subtemas
do projeto.
• Planejamento do Trabalho pelo Grupo: esta é uma etapa fundamental e
que, de certa forma, dá a especificidade deste tipo de trabalho, qual seja,
o próprio grupo vai assumir o planejamento do trabalho a ser desenvol­
vido. Isto vai implicar desde a definição do problema a ser estudado,
explicitação de finalidades, levantamento de hipóteses, previsão de tempo,
recursos, formas de coleta, registro e tratamento dos dados, distribuição
das tarefas no grupo, até a montagem de um roteiro de atividades.
• Trabalho de Campo: é o momento em que o grupo parte para a ação a
fim de ter contato com a realidade, com o problema. Normalmente os
projetos privilegiam também atividades outras que não só as intelectuais,
como forma de desenvolver novas habilidades nos alunos.
• Pesquisa e Teorização: este é, digamos assim, o núcleo do trabalho de
projeto; trata-se do investimento do grupo no levantamento de hipóteses
explicativas e de busca de fundamentação para confirmar ou refutá-las.
• Produção de Registros: o registro também tem um destaque nesta
metodologia de trabalho, visto que não se parte de um livro didático, onde
o conhecimento já tem uma base de organização. Caberá o registro do
trabalho no grupo com vistas à apresentação.
• Apresentação: a apresentação do ‘produto’ final tem importante papel na
sistematização preliminar do conhecimento, bem como elemento de
motivação para o grupo. As formas podem ser as mais variadas, de acordo
com a opção do grupo (relatório, dramatização, esquema, desenho, etc.).
Quanto mais a culminância do trabalho de grupo estiver ligada a uma
realização efetiva (ex.: construção de um jardim ou horta na escola; cam­
panha de limpeza do córrego da vila; montagem da rádio-escola; constru­
ção de material didático de apoio para séries anteriores, etc.), mais se
estará ajudando a romper a histórica prioridade no verbal e no discurso,
bem como a tão famigerada separação entre a escola e a prática social.
• Globalização: busca de uma síntese geral sobre o tema-problema traba­
lhado. Este momento é da maior importância tendo em vista ajudar os
alunos a generalizarem o conhecimento adquirido através do projeto, que
sem isto poderia ficar muito restrito, particularizado, preso à singularida­
de da experiência, dificultando a transferência para outros contextos, não
se abrindo à renovação e expansão. De qualquer forma, a sistematização
só vem depois que o educando teve a experiência do objeto.

^Avaliação
A avaliação aqui também vai se dar em patamares distintos e complementa­
res, a saber: reflexão sobre o trabalho no interior do grupo (visando reorientá-
3a Parte/ III — Roteiro de Elaboração do Projeto de Ensino-Aprendizagem 155

lo), análise crítica das apresentações dos grupos (visando localizar avanços e
lacunas a serem retomadas na síntese) e avaliação geral do trabalho de projeto
(visando tomada de consciência por parte de todos e definição de elementos para
continuidade do trabalho). Existem, por exemplo, certos projetos que não ‘de­
colam’; caberá uma análise e redirecionamento do trabalho.

^Recursos
A disponibilidade de recursos para a pesquisa ganha aqui uma enorme im­
portância, visto que não há um conteúdo previamente definido. Para enfrentar
a complexidade do real, os alunos deverão exercer a investigação e para isto
necessitam de condições. Assim, a biblioteca (ou midiateca) passa a ser um lugar
privilegiado de atividades dos educandos e do professor. Deve-se ter em conta
também os recursos da comunidade e dos próprios alunos.

^Registro
Além do registro do trabalho de grupo, deve haver o de globalização do
tema, que pode ser feito individualmente ou através de uma 6805
a . coletiva
de texto.
O professor, da mesma forma que os alunos, precisa do registro para poder
acompanhar o desenvolvimento da turma, e ter elementos para ajudar na síntese
do trabalho, bem como para ter clareza das ênfases e dos vazios curriculares.
A análise dos registros pode ser um caminho interessante de retomada ou
recapitulação dos assuntos trabalhados.

CONCLUSÃO

Pelas reflexões precedentes, cremos ter ficado claro que não existe um ca­
minho que seja em si o melhor, o mais correto ou coisa do tipo. A grande
questão é sempre a do Méthodos de trabalho, qual seja, a articulação entre in­
tencionalidade, realidade e mediação. Desta forma, se.jtvermps clareza do que
queremos com nosso trabalho na escola, poderemos ter diferentes caminhos
para lá chegar, de acordo com a realidade que partimos.
Esta reflexão é importante para nos ‘vacinar’ diante do fascínio exacerbado
que as novas propostas podem trazer e da nossa tendência de colocar toda nossa
esperança nisto, desprezando, inclusive, a experiência do passado. Podemos ficar
sendo disputados por diferentes propostas metodológicas e nos perder neste
âmbito relevante, sem dúvida, mas restrito!
Assim, o trabalho de projeto é, com freqüência, apreciado — pelo menos
conceitualmente — pelo fato de apresentar algumas superações da distorção a
que chegou historicamente a pedagogia por temas (ou mesmo a pedagogia por
objetivos). Mas, da mesma maneira que pode sofrer distorções, virando uma
caricatura de projeto, há, como apontamos, a possibilidade de se fazer do traba­
lho com temas um caminho de construção de conhecimento e de desenvolvi­
mento dos alunos, desde que se supere também as distorções e condicionamen­
tos históricos a que nós professores fomos submetidos.
156 Planejamento / Celso dos S. Vasconcellos

O altíssimo grau de complexidade da prática pedagógica em sala de aula tem


algumas implicações:
• Não é possível (nem desejável) prever tudo nos mínimos detalhes;
• A necessária competência do professor (saber, saber fazer, saber ser) para
lidar com estas situações singulares;
• A necessidade de o professor estar ‘inteiro’ na relação pedagógica (práxis).
Ao fim e ao cabo, o que está em questão é a formação da consciência, do
caráter e da cidadania das novas gerações na perspectiva da emancipação huma­
na; tendo esta clareza, cabe-nos estar abertos e procurar — pessoal e coletiva­
mente — os melhores caminhos, historicamente situados.
Por uma série de distorções históricas, o planejamento, seja como Pro­
jeto de Ensino-Aprendizagem ou Projeto Político-Pedagógico, acabou
ficando marcado, na representação dos educadores, tanto pelo ‘Impossível’
(não é possível planejar de forma autêntica), quanto pelo ‘Contingente
(não é necessário, da maneira como vem acontecendo não resolve). Nosso
desafio é resgatá-lo como ‘Necessário’ e ‘Possível’. Entendemos que é
preciso superar a adesão deslumbrada (que considera o planejamento
como uma espécie de panacéia), ou a pura e simples rejeição (que consi­
dera-o como empulhação), compreendendo-o como prática humana con­
traditória, tendo lucidez de seuslimites (constrangimentosnaturais, sociais
ou inconscientes, concepções equivocadas), mas também de suas
potencialidades (tomada de consciência, elemento articulador da ação).
Se o enfrentamento da realidade é penoso com um planejamento, certa- ;
mente seria bem pior sem ele, visto que ficaríamos bem mais susceptíveis
á desorganização interior e às pressões exteriores.
Na sua essência, a educação é projeto, e, mais do que isto, encontro de
projetos; encontro muitas vezes difícil, conflitante, angustiante mesmo,
todavia altamente provocativo, desafiador, e, porque não dizer, prazeroso,
realizador.
Mais do que sistematizar e disponibilizar ferramentas, esperamos estar i
colaborando para romper bloqueios e apontar caminhos, a fim de fazer do
Planejamento um Méthodosde Trabalho do educador (pessoal e coletiva­
mente), que o ajude na tarefa tão urgente e essencial de transformar a
prática, na direção de um ensino mais significativo, crítico, criativo e f
duradouro, como mediação para a construção da cidadania, na perspectiva
da autonomia e da solidariedade. Que o planejamento efetivamente deixe
de ser visto como função burocrática, formalista e autoritária, e seja
assumido como forma de resgate do trabalho, de superação da alienação,
de reapropriação da existência.

ISBN: 85-85819-07-3
9788585819071

9 "78858
dldleitad — Sditota da {faitio de 'petqacea, e /teeceeeica

Tel.: (11) 5062-8515 • 5062-4515


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