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Sebenta de
Direito Comercial
Prof. Dr. José Reis
Aulas Teóricas
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Faculdade de Direito da Universidade do Porto
Nota Introdutória
Esta sebenta respeita às aulas teóricas de Direito Comercial do ano letivo de 2020/2021,
lecionadas pelo docente José Reis. A sebenta foi realizada com os apontamentos da coordenadora
Marta Correia e do vogal Tiago dos Reis e Sousa do Departamento de Pedagogia da Comissão de
Curso do 4º ano.
A sua elaboração foi realizada com o objetivo de auxiliar os estudantes para o exame de Direito
Comercial. Relevamos ainda que, a leitura desta sebenta não substitui a leitura da bibliografia
obrigatória ou recomendada, sendo apenas um instrumento de auxílio ao estudo.
Caso sejam detetados alguns erros, agradecemos que estes sejam comunicados através do email
da CC4: ccurso4fdup@gmail.com de modo a que o documento seja aperfeiçoado.
Bom estudo!
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Índice
Página 4 – Noção de sociedade comercial
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Isto significa que para entender o que está em causa no Direito das sociedades, devemos
começar por ter presentes algumas ideias:
1. Dentro dos limites impostos por regras legais imperativas, a vontade dos sócios é soberana
na conformação do contrato de sociedade. Portanto, tudo o que a lei não proíba (seja de forma expressa
ou depois de o seu silêncio ser devidamente interpretado e integrado) podem os sócios prever no
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contrato. E se previrem, é a essa a disciplina a que ficam sujeitos a partir daí. Ou seja, sempre que não
estejamos perante normas legais imperativas, a vontade dos sócios é soberana na conformação do
contrato de sociedade e da sua organização, estrutura e vontade durante o seu período de vida. Estamos
ao abrigo de uma grande autonomia da vontade.
Contudo, existem muitas normas imperativas que visam proteger terceiros (tal justifica-se
pelo facto de as sociedades contratarem frequentemente com terceiros sendo credora ou devedora na
relação. Como normalmente é o património da sociedade que responde primeiramente pelos encargos
decorrentes do incumprimento das obrigações, pelo que existe uma maior tendência por parte dos
sócios da sociedade em incumprir) ou que visam proteger os sócios.
As sociedades comerciais têm de obedecer aos tipos taxativos, segundo o A. 1º/2 CSC:
o Princípio da Taxatividade não permite que sejam criados novos tipos de sociedades
comerciais ou que sejam alteradas as suas características fundamentais. Visa-se que
quem contrate com a sociedade saiba com quem está a contratar (p.e.—o número de
sócios, o capital social mínimo, etc.);
As entradas em espécie (isto é, que não sejam em dinheiro) têm de ser verificadas por
um revisor oficial de contas independente (A. 28º CSC);
Os credores sociais podem chamar à responsabilidade os sócios, quando estes forem
responsáveis pela sociedade e não cumprirem (A. 30º CSC);
As regras da liquidação (A. 146º e ss. CSC);
A obrigatoriedade de constituição de reservas sobre os lucros anuais (A. 218º e 295º
CSC relativamente às sociedades por quotas e às sociedades anónimas respetivamente;
quer isto dizer que uma parte do lucro que tiver sido realizado pela sociedade tem de
ser colocado em reserva para prevenir o futuro da sociedade);
As regras da vinculação de atos feitos gerentes e/ou gerentes que atuam em nome da
sociedade. Normalmente, estes, vinculam-se sempre a sociedade mesmo quando façam
contra a vontade dos sócios ou sem poderes para o efeito (A. 260º e 295º CSC
relativamente às sociedades por quotas e às sociedades anónimas respetivamente).
A obrigatoriedade das sociedades anónimas (e as sociedades por quotas numa medida
mais limitada) a terem um capital social mínimo, segundo o A. 276º/5 CSC.
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NOTA: Se estas regras não forem respeitadas poderá resultar na invalidade do contrato de
sociedade; ou na invalidade das deliberações; ou na invalidade da forma de representação externa da
sociedade.
Proibição do pacto leonino (A. 22º/3 CSC; os sócios não podem ser arredados do lucro
da sociedade. Isto é, é proibido estipular que um sócio não vai partilhar dos lucros
realizados pela sociedade;
Porém, no contrato de sociedade pode ser acordada uma forma de distribuição dos
lucros diferente do que resultaria do valor da participação social de cada sócio.
Imaginemos que um dos sócios de uma sociedade levou imensos contactos importantes
para o negócio, o know-how, etc. (que são ativos que não são contabilizados na
sociedade). Esses elementos podem ser considerados no contrato de sociedade, de
forma a que esse sócio tenha direito a uma percentagem maior dos lucros. Por exemplo,
ele poderia ter direito a 40% dos lucros e os restantes 60% eram distribuídos pelos
outros sócios;
Segundo o A. 217º e 294 CSC (relativamente às sociedades por quotas e às sociedades
anónimas respetivamente) há uma quase obrigatoriedade a que pelo menos 50% do
lucro do exercício que a sociedade realizar seja efetivamente distribuído pelos sócios,
para evitar que os sócios maioritários retenham os lucros na sociedade em prejuízo dos
sócios minoritários. Esta regra pode ser desrespeitada se isso estiver expresso no
contrato de sociedade ou se for aprovado por 75% dos votos correspondentes ao capital
social;
Há um direito de preferência no aumento de capital por novas entradas em dinheiro nas
sociedades anónimas (A. 458º CSC). Por exemplo, uma sociedade criada com um
capital social de 50.000 € quer aumentá-lo para 100.000€. Ora, significa que as ações
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O administrador da sociedade comercial não tem necessariamente de ser sócio dessa sociedade:
a lei diz que os gerentes e administradores podem ser escolhidos entre estranhos à sociedade. Isto leva
a que exista, ou possa existir, uma separação entre aquilo que é a visão da administração para a melhor
defesa dos interesses da sociedade e a visão dos sócios sobre a defesa desses mesmos interesses.
A relação de forças entre estes órgãos é diferente nas SA (sociedades anónimas) e nas SQ
(sociedades por quotas) - que são os dois principais tipos societários. As sociedades em nome coletivo
e as sociedades em comandita, hoje em dia, são pouco significativas. Vejamos as diferenças:
A - Nas sociedades por quotas, a vontade dos sócios é sempre soberana e sobrepõe-se sempre
à vontade dos gerentes (259º CSC). Ademais, os sócios têm competência exclusiva para deliberar sobre
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um leque alargado de matérias (previstas no artigo 246º), em relação aos quais os gerentes ou não
podem de todo deliberar (nº1) ou só podem deliberar se expressamente autorizados pelo contrato / ato
constitutivo da sociedade (nº 2).
As alíneas c) e d) do nº2 são as mais importantes e as que mais nos interessam. A alínea c)
refere-se à alienação ou oneração de bens imóveis e à alienação, oneração ou locação de
estabelecimento comercial. Isto quer dizer que a competência para vender ou onerar imóveis e vender,
onerar ou locar estabelecimento comercial pertence, normalmente, aos sócios (mas pode pertencer à
administração). O mesmo quanto à subscrição ou aquisição de participações noutras sociedades e à
sua alienação ou oneração (alínea d).
Imagine-se que os sócios deliberam, em assembleia geral, que a gerência não pode efetuar um
determinado negócio (um contrato de fornecimento, por exemplo). Contudo, 2 de 3 gerentes resolvem
desrespeitar a deliberação dos sócios e representam a sociedade no contrato com o fornecedor, de 5
anos, que obriga a sociedade a pagar €1.000 mensais. Ora, o que vai acontecer é que os atos praticados
pelos gerentes vinculam a sociedade para com esses terceiros, não obstante o contrato de sociedade e
as deliberações dos sócios (em contrário): art. 260.º do CSC.
Esta solução resulta da transposição da 1ª diretiva sobre sociedades, e da ponderação sobre qual
dos interesses merece mais proteção: (i) o dos sócios que deliberaram num determinado sentido que
foi desrespeitado pelos gerentes, ou (ii) o dos terceiros, que acreditaram que a conduta dos gerentes
representava corretamente a vontade da sociedade? Entende-se que prevalece o interesse de terceiros,
de forma a haver uma proteção da confiança.
Quem coloca os gerentes no seu lugar, incorrendo numa responsabilidade por culpa in eligendo,
são os sócios, os quais devem arcar com os prejuízos criados para a sociedades, causados pelos
gerentes. Podem é propor uma ação de indemnização contra os administradores (art. 72.º do CSC).
Contudo, isto não significa que podemos estender a responsabilidade dos gerentes e
administradores até ao ponto em que todos os maus negócios lhe sejam assacáveis. Fazem-se bons e
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maus negócios por acaso ou sorte. Por isso esta ressalva (business judgement rule): quando um
negócio dá prejuízo, mas foi encarado pelos membros da administração, em termos informados, e livre
de qualquer interesse pessoal, como bom, os prejuízos desse mau negócio não podem ser imputados
aos administradores (art.72.º/2 do CSC).
É a estas questões que se costuma chamar de corporate governance (relação de tensão entre a
administração e o órgão deliberativo).
O n.º2 do art. 260.º do CSC vem dizer que “a sociedade pode, no entanto, opor a terceiros as
limitações de poderes resultantes do seu objeto social, se provar que o terceiro sabia ou não podia
ignorar, tendo em conta as circunstâncias que o ato praticado não respeitava essa cláusula e se,
entretanto, a sociedade não o assumiu por deliberação expressa ou tácita dos sócios”. Ou seja, a
sociedade pode alegar a não vinculação resultante do desrespeito por parte dos gerentes, do objeto
social (não da deliberação dos sócios).
(Vamos aprofundar esta matéria mais à frente: é muito importante e é sempre objeto de avaliação em
exame).
É ainda de referir que, nas sociedades anónimas, o capital encontra-se muito mais disperso
do que nas sociedades por quotas (embora não necessariamente!), significando isto que por regra as
sociedades anónimas têm muitos mais sócios do que aqueles aos quais seria razoável atribuir poderes
de decisão em relação à gestão corrente. Assim, nas sociedades anónimas os sócios têm optado pode
delegar esses poderes numa pessoa ou num conjunto de pessoas que seja exclusivamente competente
para deliberar sobre matérias de gestão. Compete aos sócios fiscalizar a atividade dos
administradores:
1. Através da sua nomeação/destituição, que é por regra livre; através da aprovação das contas
anuais e deliberação da distribuição dos lucros. Isto significa, desde logo, que a autonomia
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Por outro lado, os acionistas não respondem perante terceiros (têm apenas uma
responsabilidade limitada ao valor do capital subscrito).
Mas, numa sociedade por quotas, apesar de, por regra, os sócios não terem responsabilidade
perante terceiros, podem responder se aceitarem essa responsabilidade no contrato de sociedade (e
respondem sempre internamente e solidariamente pela não realização da entrada dos outros sócios).
Tendo sempre presentes as ideias anteriores, passemos então à análise do art. 980.º CC, onde
se encontra plasmado o conceito de sociedade (civil ou comercial) vigente no Direito português:
Durante muito tempo foi esta a regra quase absoluta; desde 1996, e por imposição comunitária,
existem no nosso ordenamento sociedades unipessoais por quotas, que constituem um subtipo da SQ
às quais se aplicam em geral as disposições previstas para aquelas “salvo as que pressupõem a
pluralidade de sócios”: arts. 270.º-A a 270.º-G. Cada vez mais, este modelo é a primeira escolha de
quem quer constituir uma empresa: em 2018 foram constituídas 21582 SuQs, contra 20657 SQs e 486
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SAs; os números relativos aos outros tipos societários são tão insignificantes que nem se encontram
facilmente disponíveis. ATENÇÃO: a figura da SuQ não se confunde com a do EIRL, embora
economicamente preencham quase exatamente a mesma função: limitar a responsabilidade do
empresário individual perante terceiros.
Este elemento coletivo remete-nos para o A. 7º/2 CSC, onde se refere que o número mínimo de
partes num contrato de sociedade é de 2 pessoas, exceto quando:
i) a lei exija um número superior (que é o caso das sociedades anónimas que necessita
de 5 sócios; e o caso das sociedades em comandita por ações onde o número é de 6
sócios); ou
ii) a sociedade possa ser constituída por uma só pessoa (que é o caso das sociedades
unipessoais por quotas, reguladas nos A. 270º-A a 270º-G CSC; ou o caso das
coligações societárias e das relações de domínio de grupo). Aqui é relevante ressalvar
que pode haver a redução do número de sócios a um, depois da constituição da
sociedade (por morte, incapacidade, etc.), pelo que se esta situação se prolongar por
mais de 1 ano, segundo o A. 142º/1/a CSC a sociedade deverá ser dissolvida (contudo,
numa sociedade por quotas resolver-se-á facilmente, pois o único sócio pode
transformar a sociedade por quotas numa sociedade unipessoal por quotas, ao abrigo
do A. 270º-A/2+3 CSC).
Existem, na nossa lei, outros casos menos frequentes de unipessoalidade societária (para além
das SuQ):
i) Art. 488.º: “subsidiária integral”: uma SA que é detida integralmente por outra
sociedade (que pode ser uma SA, SQ ou SCA: 481.º/1); neste caso, ambas passam a
constituir entre si um grupo de sociedades;
ii) Redução do n.º de sócios a 1 em momento posterior ao da constituição da
sociedade, por quaisquer razões (morte, incapacidade, etc.). Aqui a lei assume
claramente que se trata de uma “patologia”, prevendo este facto como causa de
dissolução da sociedade caso a situação se prolongue por mais de um ano: 142.º/1-a).
Tratando-se de uma SQ, basta declarar a sua transformação em SuQ, nos termos do
270.º-A/2 e 3, para sanar esta irregularidade.
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Importa aqui o A. 20º/a CSC. Ora, estamos ao abrigo da obrigação de entrada de cada sócio com
dinheiro e/ou bens corpóreos ou incorpóreos (diferentes de dinheiro, como direitos de propriedade
industrial ou intelectual) e/ou serviços e/ou com direitos reais (diferentes do direito de propriedade)
ou de crédito (como licenças de utilização de patentes, direito de uso de um imóvel, créditos sobre
terceiros, etc.) e/ou com o seu trabalho/indústria/conhecimentos (quanto a este último, apenas é
permitido aos sócios de responsabilidade limitada, isto é, referimo-nos aos sócios das sociedades em
nome coletivo ou a sócios comanditados).
Este conjunto de tipo de formas de cumprir a obrigação de entrada do sócio, mas os direitos reais
ou de créditos que têm de ser avaliados por um revisor oficial de contas independente que irá constituir
o valor da sua entrada, que não se confunde com o valor da sua participação social, sendo o limite
máximo da participação social (ou seja, não pode haver um sócio que entre com um bem avaliado em
10.000 € e ter valor nominal superior a este valor, segundo o A. 25º/1 CSC).
A sociedade passa a ser plena proprietária dos bens, titular dos direitos que lhe foram
transmitidos e sujeita a obrigações que podem ter sido contraídas em seu nome quando adquirir
personalidade jurídicaque é quando se dá o registo definitivo do contrato de sociedade (A. 5º
CSC). Posteriormente iremos ver que no período que medeia a constituição e o seu registo acarreta,
por vezes, problemas relativamente à responsabilidade de atos feitos neste período por não haver ainda
personalidade jurídica. Nestes casos, a doutrina diverge. Há quem defenda que a responsabilidade é da
sociedade que ainda não existe, mas há quem defenda que a responsabilidade é dos sócios (este ponto
será desenvolvido posteriormente). Não obstante, todo o património que os sócios transferem para
a sociedade passa a ser da sociedade, que poderá voltar a ser da titularidade dos sócios se a sociedade
vier a ser dissolvida (sem ser no caso da insolvência).
Ainda assim, todos os lucros gerados pela sociedade vai realizar o “lucro objetivo” (lucro da
própria sociedade) que depois terá de ser convertido em “lucro subjetivo” (isto é, distribuído aos
sócios, chamado de dividendos) que, por sua vez, se não forem distribuídos pelos sócios ficam a
pertencer à sociedade, aumentando o seu património. Porém, a sociedade não está obrigada a distribuir
todos os lucros, pelo que esses lucros engrossam o património da sociedade. E, via de regra, somente
o património da sociedade é que responde pelas suas dívidas (será exceção no caso das sociedades por
quotas quando os sócios, nos termos do A. 197º/1 CSC, assumam responsabilidade pessoal perante os
credores socias até um determinado montante).
O património social é composto pelos bens que dispõe e pelo capital que tem em conta. Este
património altera todos os dias em função dos negócios que a sociedade faça (mas o capital social é o
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valor tendencialmente fixo inscrito no contrato de sociedade que corresponde à soma do valor nominal
das participações sociais dos sócios fundadas em dinheiro ou em espécie; este valor só se altera se o
contrato de sociedade se alterar).
MUITO IMPORTANTE: regra geral, apenas o património da sociedade vai responder pelas
suas dívidas. Há algumas exceções (que depois veremos), mas são poucas e não põem em causa este
princípio essencial das sociedades de capitais, que é o da separação patrimonial entre sociedades e
sócios. Na prática, sobretudo nas sociedades mais pequenas os sócios se vejam obrigados a garantir
pessoalmente (mas paralelamente) certas obrigações: o sócio passa a ser garante, mas isto não tem a
ver com a sua condição sócio. Tem a ver com o facto de ele subscrever um outro negócio (negócio
garantia).
c) Objeto social (“…exercício em comum de certa atividade económica, que não seja de mera
fruição…”)
Importa o A. 11º CSC. Este requisito significa que as sociedades têm de ter um objeto definido no
contrato de sociedade. Ora, a sociedade tem como fim de obter lucro e de o distribuir (que é um
fim comum a todas as sociedades), mas para o obter tem de produzir bens/prestar serviços, isto é,
tem de ter um objeto. A determinação do objeto para o Direito Comercial é relevante porque:
i) determina o carácter comercial ou não da sociedade (A. 1º /2 CSC) uma das notas
específicas da comercialidade das sociedades é que essa sociedade se proponha a praticar
atos de comércio;
ii) delimita a competência da gerência nas sociedades por quotas (A. 259º CSC)os gerentes
não têm poderes para agir fora do objeto social, contudo, os atos praticados pelos gerentes
fora deste objeto são válidos e vincula a sociedade (a não ser que o terceiro tenha
conhecimento entre a falta de ligação entre o ato e o objeto);
iii) delimita possíveis obrigações de não concorrência por parte de gerentes e administradores
(A. 254º e 398º/3 CSC)isto é, quem gere o dia a dia da sociedade está obrigado a não
concorrer com a própria sociedade, a menos que os sócios o autorizem. Quem está obrigado
a não concorrer são sempre os gerentes e administradores (não os sócios). Isto porque os
sócios, só pelo facto de o serem, não tem um conhecimento suficientemente profundo e
comprometedor da atividade societária para representar uma concorrência diferenciada.
Contudo, os sócios, ainda que não sujeitos a esta obrigação, não podem utilizar as
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informações que obtiveram na sua condição, para fazer negócios que prejudiquem a
sociedade por exemplo.
Não obstante, o objeto não limita a capacidade da sociedade (só o fim é que o poderá fazer),
justificando o facto de que o desrespeito pelo objeto não incorre na invalidade dos atos praticados; e
não prejudica, em regra, a vinculação da sociedade a contratos celebrados pelos gerentes e
administradores. Ver A. 6º/4, 11º/4+5, 260º e 409º CSC.
Este “exercício em comum” tem de ser entendido com bom senso e alguma amplitude,
nomeadamente no caso das SAs: afirmar que um sócio que detém 0,001% do capital está a “exercer
uma atividade económica” em comum com os demais é quase uma metáfora. Pode acontecer que uma
sociedade se constitua para a realização de um único ato, se este for de tal forma complexo que
pressuponha uma organização (económica e jurídica) de meios que justifique a criação de uma
estrutura de tipo societário – por exemplo, a construção de uma barragem.
Releva o A. 6º CSC. Aqui temos a noção de lucro objetivo (lucros resultantes da atividade, que
se reverte para a própria sociedade engrossando o património social) e de lucro subjetivo/dividendo
(distribuição efetiva dos lucros pelos sócios, que por regra ocorre anualmente numa assembleia
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destinada à aprovação das contas e resultados). Assim, o lucro é o fim social significando que é pela
aptidão de gerar lucro que vamos aferir a validade dos atos praticados pela sociedade comercial.
Será pelo lucro que se afere a capacidade jurídica da sociedade, de acordo com o P. da Especialidade
do Fim (A. 160º CC para as pessoas coletivas; e o A. 6º CSC em especial para as sociedades
comerciais). É de referir que o CSC não indica que o lucro é fim (só o CC), mas sim a sua repartição.
Entende-se assim que o A. 6º/3 CSC que é contra o fim da sociedade a prestação de garantias reais
ou pessoais a dívidas de outras entidades (salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade
garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo), portanto, atos que beneficiem
terceiros que tenham prejuízo patrimonial à sociedade, não tendo a sociedade capacidade para esses
atos.
i) Proibição do pacto leonino (A. 22º/3 CSC). Contudo, os sócios podem ter uma
participação nos lucros em percentagem diferente da sua participação no capital (A.
22º/1 CSC);
ii) Restrições muito apertadas quanto à distribuição escassa de lucros (A. 217º e
297º CSC) porque se por exemplo uma sociedade gera 1 milhão de euros de lucro,
desse valor vai ser retirado uma parte para cobrir prejuízos (se existirem); outra
parte para a reserva legal (normalmente comportam 5%); e se o contrato prever uma
parte estará destinada à reserva estatutária. Assim, tudo o que sobrar é lucro
distribuível:
- Para distribuir mais de metade do lucro distribuível é necessário mais de 50% dos
votos dos sócios para ser distribuído.
- Para distribuir menos de metade no lucro distribuível é necessária uma maioria de
75% dos votos correspondentes ao capital social (isto é, podem não bastar 75% dos
votos concretamente emitidos); ou se tal hipótese vier prevista expressamente no
contrato.
A ideia a reter é que o direito ao lucro é muito protegido, mas surgem algumas questões:
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Coutinho de Abreu refere que o contrato deve ser aproveitado e requalificado (e não ser
declarado nulo) para um contrato constitutivo de um outro tipo de pessoa coletiva, como uma
associação ou fundação.
O Dr. José Reis apresenta dúvidas quanto a esta posição, pois a ser verdade seria preciso que
este fim passasse despercebido aquando do registo do contrato, pois este tem fim não lucrativo.
É o caso da TAP. Mesmo que sejam deficitárias, parece ser correto referimo-nos a elas como
sociedades comerciais, mesmo que o fim lucrativo esteja comprimido pelo interesse público ou quando
são constituídas por lei (derrogando o CSC). Coutinho de Abreu aponta só um caso mais duvidoso que
é o das sociedades de capitais exclusivamente públicos (constituídas nos termos do CSC).
Há 3 possibilidades:
- São constituídas por diploma legal e não há dúvida de que são sociedades comerciais.
- São constituídas por contrato e são sociedades de economia mista em que coexistem sócios
privados e o fim lucrativo está sempre salvaguardado.
iii. Uma sociedade que dá sistematicamente prejuízo deve ser extinta, por não
cumprir o seu fim?
Não, a não ser na sequência de um processo de insolvência: dar lucro ou prejuízo faz parte do
risco inerente à atividade empresarial. A ideia é que a criação de uma sociedade comercial procura
obter lucro, agora se o gera ou não é outra questão que será vista posteriormente.
O que uma sociedade não pode fazer, porque não tem capacidade jurídica para tal, é praticar
atos insuscetíveis de gerar lucro – v.g., fazer doações ou prestar garantias a terceiros fora dos casos
expressamente autorizados pela lei.
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iv. Uma sociedade que gera lucros, mas não os distribui, deve ser extinta por não
respeitar o direito ao lucro subjetivo?
O lucro subjetivo está ínsito na noção de sociedade comercial e no fim da sociedade comercial.
O lucro é a realidade social para ser distribuído. Ora, se os sócios sistematicamente recusam a partilha
do lucro, não comportará a extinção da sociedade, porque para resolver a não partilha dos lucros
existem mecanismos judicias.
Será esse o caso se ocorrerem abusos de maioria que procurem prejudicar sócios minoritários
mediante a sistemática (e injustificada) retenção do lucro no património social; nestes casos parece ser
de defender que os sócios devem poder reagir e exigir essa distribuição.
Assim, a questão que surge é: Quem responde pelas perdas da sociedade? A resposta é
diferente consoante as soluções encontradas para a limitação da responsabilidade dos sócios. Ora, nas
sociedades por quotas e nas sociedades anónimas só muito excecionalmente é que apenas um sócio
pode responder perante terceiros, pelo que quando falamos em estar sujeito a perdas não falamos
(a não ser nestes casos excecionais) de um sócio ter de pagar a um credor da sociedade aquilo que
a sociedade não conseguiu (é um dever que por regra lhe é imputável enquanto sócios). Assim, temos
de fazer uma distinção:
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e) Affectio societatis
Há quem indique este 5º requisito da “vontade de constituir uma sociedade comercial”. Contudo,
este é um requisito do qual partimos do princípio, através de uma presunção ilidível, que as partes
quiserem constituir. Não vale a pena complicar o que a lei já complica o suficiente, até porque se trata
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de um elemento subjetivo que teria sempre um valor muito residual em face dos demais. É, assim, um
requisito que vamos sempre pressupor preenchido.
Para além de ter de preencher os elementos do 980.º CC, uma sociedade comercial tem depois
de preencher duas notas especialmente definidoras do seu caráter comercial, referidas no 1.º/2
CSC:
O CSC remete para o conceito geral de ato de comércio objetivo, tal como definido pelo A. 2º
e 230º do Código Comercial (doravante CCO), e demais normas que a seu tempo foram estudadas.
A verificação deste requisito é feita apenas no momento da definição do objeto no ato constitutivo
da sociedade, não sendo necessário que a sociedade efetivamente pratique aqueles atos, ou sequer, em
rigor, que pratique quaisquer atos.
Atenção que aquilo que a lei diz não é que a sociedade tem de praticar atos de comércio, apenas
ter por objeto a prática de atos de comércio (por exemplo se a sociedade estiver inativa não deixa de
ser comercial).
E como é que nós sabemos se ela tem ou não por objeto ou não a prática de atos de comércio?
Através do contrato de sociedade, onde o objeto tem de estar, por força da lei, expresso – art. 9.º/1/d)
do CSC. É por esta definição do objeto feita no contrato, é desta forma que sabemos se os sócios se
propõem ou não a praticar atos de comércio e, assim, sabemos se uma sociedade é ou não comercial.
Mas se a sociedade se propõe a praticar atos de comércio, mas na prática praticar uns atos
quaisquer, ela não deixa de ser comercial por causa disso.
Contudo, se a sociedade iniciar uma atividade que não corresponde ao objeto do contrato de
sociedade ou não praticar atos nenhuns durante 2 anos consecutivos, poderá dar lugar à dissolução
administrativa. A dissolução tem de ser requerida a uma entidade administrativa ou pode ser deliberada
pelos próprios sócios (A. 142º/1/c+ d CSC).
b. Requisito formal
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Isto é, tem de adotar um dos tipos legais de sociedade: Sociedade em Nome Coletivo;
Sociedade por Quotas (pluripessoal ou unipessoal); Sociedade Anónima; Sociedade em Comandita
(Simples ou por Ações). Ou a sociedade constituída se subsume a um destes tipos taxativos de
sociedade comercial previstos no Código e é uma sociedade comercial. Ou não se subsume e é um tipo
societário criado pelos sócios e não é uma sociedade comercial, mas civil – sociedade de tipo
inominado, à qual se aplica o regime das sociedades civis e à qual não se aplicam as regras do CSC.
É de referir que:
1. Uma sociedade pode adotar um destes quatro tipos e ter por objeto a prática de atos não
comerciais (A. 1º/4 CSC). Estamos ao abrigo de sociedades civis sob forma comercial. Nos
termos do 1.º/4 CSC, tais sociedades ficam igualmente sujeitas ao regime do Código, sendo a
única diferença o facto de não serem comerciantes, e, portanto, os seus atos não serem
subjetivamente comerciais e não ficarem sujeitos ao regime próprio dos atos de comércio.
2. Estes 4 tipos referidos obedecem ao P. da Taxatividade e da Tipicidade, ou seja: não se
podem criar novos tipos; não podem alterar o conteúdo de um contrato de uma sociedade
anónima ou o contrato de uma sociedade por quotas (só dentro dos limites das normas
imperativas). Não obstante, cada tipo de sociedade têm uma margem ampla de liberdade
concedida aos sócios, que lhes permite:
- Escolher o n.º de sócios e o montante do capital social (respeitando os mínimos que a lei fixa);
- Optar por aceitar, rejeitar ou alterar as normas legais supletivas, mediante cláusula inserida
no ato constitutivo ou, em certos casos, mediante deliberação;
- Incluir no contrato qualquer outra cláusula que expresse a sua vontade e não ofenda normas
imperativas (seja da lei comercial ou de outros diplomas, como é o caso de uma cláusula de
onde resulte a constituição de um cartel com outras sociedades será nula por força do A. 9º da
Lei da Concorrência);
3. O P. da Tipicidade apenas diz respeito ao conteúdo do contrato (e não à obrigatoriedade de
o contrato se formar; nem de quando se constitui; nem com quem se constitui). Ou seja, este
princípio diz apenas respeito ao COMO – o conteúdo do contrato –, deixando totalmente ao
critério dos sócios o SE, o QUANDO e o COM QUEM; estas dimensões permanecem (quase)
sempre, e (quase) plenamente, na liberdade de cada pessoa jurídica. Um exemplo de um caso
em que isso não acontece: a Autoridade da Concorrência pode proibir uma fusão que conduziria
à criação de uma sociedade nova, se entender que ela pode “criar entraves significativos” no
mercado;
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4. Esta renúncia à autonomia privada é uma contrapartida que os sócios estão obrigados a
aceitar, que comporta um grande benefício. Este benefício explica-se pelo facto de haver
uma limitação da responsabilidade dos sócios. Sendo a sociedade um veículo jurídico que
permite ao empresário arriscar mais do que se o seu património pessoal estivesse em jogo, ele
tem de permitir a todos os que contratam com a sociedade conhecerem de antemão os termos
da responsabilidade da sociedade, os termos em que a sociedade se vincula perante terceiros,
as regras sobre a validade das suas deliberações, a nomenclatura dos seus órgãos, etc.
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neste princípio de tipicidade. Esta não é uma ideia que consigamos encontrar na maioria da
doutrina
Esta distinção depende da tónica colocada na regulação de cada um dos tipos legais, que
pode ser mais personalista ou capitalística.
Ou pode colocar a tónica na captação de financiamento para projeto económico, pelo que a
tónica é colocada na salvaguarda de confiança financeira que os terceiros depositam naquela relação.
Portanto, os modelos, neste caso, não podem ser tão permissivos na vontade dos sócios, têm de ser
mais rígidos. Por isso, têm mais normas imperativas que não podem ser derrogadas, porque se destinam
a salvaguardar interesses de terceiros. Portanto, quando haja captação de financiamento para
determinado projeto empresarial e a salvaguarda das relações financeiras / patrimoniais daí
decorrentes, têm de existir maiores cautelas com a posição de terceiros e modelos mais rígidos. Na
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SA, por ex., há captação de investimento de pequenos investidores (que querem investir as suas
poupanças), a tónica tem de ser na proteção dos pequenos investidores e não dos sócios: é o interesse
de terceiros que está em jogo, pelo que há regras rígidas (de prestação de contas, responsabilidade,
etc.). O regime da SA é, no seu todo, muito mais rígido do que o das SQ.
Olhando para o quadro dos tipos societários admitidos no nosso ordenamento, podemos dizer
que:
a) Grau de responsabilidade pessoal dos sócios (175.º Vs. 197.º/1 Vs. 271.º)
Numa sociedade em nome coletivo (SNC) (segundo o artigo 175º), os sócios respondem
pessoalmente com o seu património perante credores sociais. Se a sociedade não tem meios
para pagar as suas dividas com terceiros (ex: o património desapareceu, os negócios correram
mal, etc), os sócios têm de pagar com o seu património próprio pelas dívidas da sociedade. O
risco corrido pelos sócios é muito grande (por isso, estas sociedades quase não existem).
Nas SQ, os sócios não respondem socialmente pelas dívidas da sociedade, a menos que o
contrato de sociedade assim o permita. Não sendo a regra, é permito pela lei que os sócios
estipulem no contrato de sociedade a sua responsabilidade perante credores sociais.
Nas SA, os sócios não podem responder perante terceiros. Só o património da sociedade é que
responde perante credores sociais.
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As regras de transmissão são mais exigentes em SNC, porque as participações sociais nestas
implicam uma responsabilidade grande.
Se, numa SNC com quatro sócios, há um deles que não tem património pessoal para responder
perante terceiros, os outros três têm de suportar sozinhos esse encargo perante terceiros. Assim,
não deve ser permitido a um dos sócios transmitir a sua participação social a um terceiro
(terceiro esse que pode não ser de confiança, ou que pode até ser insolvente, por ex.). As regras
de transmissão, nestes casos, são muito exigentes e exigem o consentimento unânime de todos
os sócios (artigo 184º).
Nas SA, por regra, essa transmissão é livre, porque essa participação não representa um
encargo. Qualquer sócio numa SA pode vender as suas ações. Aliás, os mercados de capitais
surgiram com base nisto, na liberdade de transmissão de participações sociais.
c) Voto por cabeça (personalístico) ou por valor da participação (capitalístico): 190.º Vs.
250.º/ 1 Vs. 384.º/1 + 341.º
Numa SNC, por norma é por cabeça, cada sócio tem um voto independentemente daquilo que
trouxe para a sociedade e da importância relativa que tem na economia da sociedade.
Numa SA, o voto, por regra, depende do valor da participação. Embora isto não seja absoluto.
Um sócio pode não ter direito de voto na AG por várias razões. Por exemplo, pequenos
investidores / acionistas não têm de direito de voto, porque compram ações que não lhes
conferem esse direito (por vezes, nem sequer têm direito de estarem presentes nas AG).
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e) Maior peso, tendencialmente, do órgão deliberativo: 189.º/1 Vs. 246.º Vs. 373.º/3 + 406.º
Há um maior peso do órgão deliberativo nas sociedades de pessoas, por norma. Quem constitui
o órgão deliberativo são os sócios, com direito a voto, que vão adotar deliberações, que muitas
vezes, estão reservadas para os momentos mais importantes da vida da sociedade. Mas nem
todas as questões da sociedade têm de ser deliberadas pelos sócios. Também os gerentes
deliberar em alguns casos.
(As deliberações têm de ser aprovadas por mais do que 1 pessoa: pressupõem um processo para
conjugar vontades. Por isso, em regra, ficam reservadas para órgãos coletivos. Por outro lado,
as decisões são tomadas por 1 pessoa.)
A AG tem mais peso nas sociedades de pessoas, porque os sócios são os donos da sociedade e
tendem a querer exercer um controlo superior quando a sua responsabilidade potencial perante
terceiros for maior.
Nas SNC, isto é particularmente importante (porque os sócios podem responder pessoalmente),
pelo que a AG tem um maior peso.
Numa SA, em que há mais sócios (há mais dificuldade em reunir a totalidade dos sócios), não
era prático reunir todos os sócios na AG. Para alem disso, sendo a responsabilidade os sócios
limitada ao valor com que entraram na sociedade, eles não têm mais nada a perder para além
do que já deram à sociedade.
f) Gerência ou administração constituída, em regra, pelos sócios: 191.º Vs. 252.º Vs. 390.º/3
Nas sociedades de pessoas, os sócios querem estar presentes na AG e querem ser eles próprios
a dirigir as sociedades.
Nas SNC, se nada for dito em contrário no contrato de sociedade, a gerência é constituída pelos
sócios. Todos os sócios são também gerentes, presentas na condução dos negócios da
sociedade.
Nas SA, por regra, os administradores são recrutados no exterior. Por vezes, acabam por se
tornar sócios. Muitas vezes, os gerentes têm como prémio um pacote de ações e tornam-se
sócios (até porque isso os envolve mais na sociedade, é uma forma de os motivar).
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Isto não acontece nas SQ nem SA, onde apenas os gerentes e a administradores estão impedidos
de concorrer com a sociedade. Não existe uma obrigação de não concorrência relativamente
aos sócios. A tendência do gerente seria prejudicar os interesses da sociedade em benefício
próprio, por isso impõem-se esta obrigação.
h) Possibilidade de exclusão dos sócios em virtude do seu comportamento: 186.º Vs. 241.º +
242.º
Nas sociedades de pessoas, é mais frequente a possibilidade de exclusão dos sócios, em virtude
de um comportamento contrário aos interesses da sociedade. Isto está previsto para as SNC e
para as SQ.
Esta hipótese não está prevista para as SA. Embora seja mais ou menos consensual que estas
regras relativas às SQ devem ser analogicamente aplicadas a SA.
Isto está relacionado com a importância dos sócios na condução da vida sociedade: é maior
numa sociedade em que há poucos sócios.
i) Direito de informação mais ou menos amplo: 181.º Vs. 214.º Vs. 288.º + 291.º
O direito de informação é mais amplo numa sociedade de pessoas.
Um sócio tem mais acesso à informação da sociedade numa SNC do que numa SA, até porque
a sua participação social é maior.
j) Firma-nome, que permite identificar nominalmente os sócios: 177.º Vs. 200.º + 275.º
Por regra, nas sociedades de pessoas, a firma deve identificar os próprios sócios. Porque, sendo
esses sócios responsáveis perante terceiros, importa aos terceiros a identificação daqueles a
quem podem pedir responsabilidade.
Numa SA, as ações mudam de donos frequentemente, pelo que não fazia sentido esta imposição
de firma nome.
Como veremos ao logo do semestre, as SQ estão de alguma forma ‘encravadas’ entre os dois
tipos, contendo.
Como as SQ são o tipo mais comum de sociedade em Portugal, vamos estudar os seus traços.
Por um lado, pretendem a salvaguarda da vontade dos sócios (o que justifica os traços personalísticos).
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Por outro lado, pretendem a salvaguarda de interesses de terceiros (o que justifica os traços mais
capitalísticos). Isto é importante, porque uma das coisas mais sensíveis, para quem lida na prática com
estas matérias, é redigir contratos de sociedade e interpretá-los.
iii) Inexistência, na prática, de capital social mínimo (201.º) - apesar de cada sócio ser titular
de uma participação social e essa participação ter como valor mínimo 1€, isto na prática e em
termos económicos é insignificante. Isto coloca a tónica nas características pessoais: o que é
determinante é que os sócios tenham boas ideias de negócio.
iv) Direito de preferência na venda em execução (239º/5) – quando uma ação é vendida em
execução, os outros sócios têm direito a preferência na compra dessa ação. A lei diz
expressamente que os sócios preferem a terceiros na compra de uma quota numa venda em
execução, de forma a impedir a entrada de terceiros (que não conhecem os negócios daquela
sociedade). É uma forma de salvaguardar o substrato social da sociedade.
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vii) E de uma forma mais geral, um grande número de normas supletivas, que permite aos
sócios conformar em grande medida o conteúdo do contrato à sua vontade – existem
muitas normas supletivas, mas que podem ser derrogadas pelos sócios no contrato de sociedade
ou até em deliberações da AG. Por regra, as normas supletivas só podem ser alteradas pelo
contrato. Mas, excecionalmente, o legislador autoriza que essas normas sejam alteradas em
AG.
b) Voto capitalístico, mas ainda assim passível de ser conformado pelo contrato (ainda que
em medida limitada): 250.º – os votos são contabilizados pelo capital (1 cêntimo equivale a
1 voto). Embora possa haver um direito especial de voto que beneficia alguns sócios até 20 %
do capital social.
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c) Deliberações, mesmo as mais estruturais, sempre aprovadas por maioria (ainda que
qualificada); só se exigirá que a votação seja por unanimidade se e quando o contrato o
disser (265.º/1) – as deliberações são sempre aprovadas por maioria.
Embora alguns casos exijam uma maioria qualificada (de 75% dos votos e, por vezes, dos votos
do capital social, e não dos votos expressos).
Se a lei exigir 75% dos votos do capital social (como acontece para a alteração do contrato de
sociedade), basta que um sócio com 26% não compareça à AG para que a deliberação não seja
aprovada. É necessário que haja um número mínimo de votos. É o quórum constitutivo da AG.
d) Gerentes podem ser estranhos à sociedade, e os sócios não são gerentes por inerência
(252.º/1) - a regra é a de que alguns gerentes são sócios (por norma, falamos aqui dos sócios
mais importantes na sociedade). É um traço mais capitalístico, pois a salvaguarda da posição
dos sócios não lhe confere necessariamente um direito a gerir a sociedade.
Embora os gerentes possam ser terceiros recrutados.
e) Proibição de entradas em indústria (202.º/1) – estão proibidas as entradas que não consistem
em dinheiro ou bens. As entradas em indústria consistem em entradas com trabalho do próprio
socio, ou com outros bens não economicamente avaliáveis diretamente (como ideias, contactos,
e outras mais valias), mas não se reconduzem a direitos, dinheiro e bens, que possam ser
penhoráveis por credores.
Apesar de não ter acolhimento na letra da lei, esta distinção tem desde logo um caráter didático,
permitindo arrumar conceitos e ideias que são úteis não apenas na compreensão dos conceitos. Ou
seja, numa perspetiva mais prática, compreender o que os sócios querem, ou quiseram. Assim, a
distinção é útil para:
interpretar o contrato de sociedade, quando os sócios tenham optado (como muitas vezes
fazem) por lhe conferir um teor que de algum modo se desvie do modelo puro fixado pelo tipo
legal.
interpretar a lei, que ao reforçar para cada tipo um ou outro aspeto deve ser entendida de uma
forma coerente com essa tónica predominante. Dizendo de outra forma: devem entender-se as
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disposições de cada título do CSC à luz das notas caracterizadoras do tipo societário
concretamente regulado, e enquadradas nesse tipo concreto.
É também feita uma distinção legal no Código dos Valores Mobiliários entre sociedades abertas
e sociedades fechadas.
O CVM apenas se refere a sociedades abertas. É uma classificação que apenas faz sentido nas SA.
Uma sociedade em nome coletivo ou por quotas é uma sociedade fechada, no sentido de não ser uma
sociedade aberta a estranhos, é uma sociedade onde os sócios têm sempre controlo sobre quem entra,
quem sai e como as coisas se processam. E todas as que não couberem nesse conceito de sociedade
aberta, são fechadas.
As SA são sociedades abertas, embora haja umas mais abertas que outras.
São sociedades abertas aquelas que cumpram os critérios do artigo 13º CVM, que são critérios de
disseminação de capital:
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As sociedades abertas têm traços específicos no seu regime: deveres especiais (de comunicação
ao mercado dos valores mobiliários) e aplicam regras diferenciadas nas deliberações. Estes deveres de
comunicação, como consta do artigo 16º/1, são limitados às sociedades abertas.
Portanto, é uma distinção legal, que se prende com critérios específicos e técnicos, e tem
consequências muito práticas previstas só para essas sociedades no CVM.
Temos de começar por separar a responsabilidade interna e externa dos sócios, ou seja, a
sua responsabilidade perante, por um lado, a própria sociedade e, por outro, perante os credores sociais.
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Relações internas
Nas sociedades em nome coletivo, o sócio responde individualmente pela sua entrada, responde
por si e não pelo cumprimento das obrigações de entrada dos outros sócios.
Todavia, importa referir uma situação. Na entrada de um sócio para a sociedade comercial com
bens que não sejam dinheiro ou bens diferentes de dinheiro, esses bens têm que ser avaliados pelo
oficial de contas que lhes atribui um determinado valor. É esse valor que vai ser contabilizado para
efeitos, nomeadamente, do valor da participação do sócio e da sua participação de capital social: o
valor nominal da participação nunca pode ser superior ao valor da entrada.
Imaginemos que um sócio entra com um automóvel e afirma que este bem móvel tem um valor
de 5 000€. Se se vier a verificar quer o automóvel vale 3000€, o sócio responde pessoalmente pela
diferença entre o valor real e o valor que ele atribuiu ao bem. Os outros sócios vão ter que responder
solidariamente por esse valor e vão ter que indemnizar a sociedade, para recompor o valor em falta.
Artigo 179º: A verificação das entradas em espécie, determinada no artigo 28.º, pode ser
substituída por expressa assunção pelos sócios, no contrato de sociedade, de responsabilidade
solidária, mas não subsidiária, pelo valor atribuído aos bens.
Artigo 197º nº 1: Na sociedade por quotas o capital está dividido em quotas e os sócios são
solidariamente responsáveis por todas as entradas convencionadas no contrato social, conforme o
disposto no artigo 207.º.
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Portanto, a obrigação do sócio, no limite, pode abranger a quase totalidade do capital social.
Na prática é difícil de verificar.
Se o sócio for autorizado pelo contrato de sociedade a diferir parte da sua entrada, ou, não
sendo autorizado, mas ele diferir essa obrigação até ao fim do ano (prorrogativa nos termos do artigo
203º), e não cumprir, os outros sócios são solidariamente responsáveis por essa entrada. Eles podem
responder subsidariamente em relação ao sócio obrigado e solidariamente com os outros sócios pela
totalidade do valor das entradas.
Só as entradas em dinheiro podem ser diferidas, tal como consta do artigo 26º/3. A lei não
permite que as entradas em espécie sejam diferidas. Se me comprometo a entregar um prédio, tenho
de o entregar necessariamente no momento de assinatura do contrato de sociedade.
Os artigos 209º e 210º dizem respeito a outras obrigações com implicações financeiras. Estas
obrigações são apenas eventuais: apenas existem quando os sócios as estipulem expressamente no
contrato de sociedade. As prestações acessórias e suplementares podem ser exercitáveis, em estado de
necessidade, pela sociedade contra os sócios que fiquem obrigados a prestá-las.
As prestações suplementares só podem ter dinheiro por objeto. É aplicável o disposto dos
artigos 204º e 205º. O seu incumprimento é equiparado por lei ao incumprimento da obrigação de
entrada do socio. No limite, se o incumprimento se mantiver, pode levar à exclusão do sócio da
sociedade e a perda do que tiver prestado.
Sociedades Anónimas (271º, mas ver também o 287º e 210º, este último por
analogia)
Nas SA, as obrigações são mais limitadas, porque já não existe a tal responsabilidade solidária
pela totalidade do valor das entradas. Nos termos do artigo 271º: Na sociedade anónima o capital é
dividido em acções e cada sócio limita a sua responsabilidade ao valor das acções que subscreveu.
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Se alguém compra 10 000€ de ações de uma sociedade, tudo o que arrisca são esses 10 000€.
Apenas se compromete a entregar esse valor à sociedade. A obrigação de entrada é o limite máximo
de responsabilidade interna.
Portanto, os sócios comanditários apenas são responsáveis pelo valor das suas ações.
Relações externas
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Qualquer credor da sociedade, quando a sociedade não tem meios para pagar, pode (verificada
a excussão prévia dos bens da sociedade) demandar o cumprimento da obrigação a qualquer um dos
sócios, que são solidariamente responsáveis entre si. Os credores sociais têm primeiro que esgotar todo
o património da sociedade e só depois disso podem atacar o património pessoal de algum dos sócios.
O sócio que paga a dívida tem direito de regresso sobre os outros em função da quota de cada
um.
Artigo 197º nº 3: Só o património social responde para com os credores pelas dívidas da
sociedade, salvo o disposto no artigo seguinte.
Contudo, o artigo 198º prevê que os sócios têm a faculdade de, no contrato de sociedade,
assumirem responsabilidade limitada a um determinado valor pelas dividas da sociedade perante
terceiros. Esta cláusula é raramente utilizada.
Artigo 198º nº 1: É lícito estipular no contrato que um ou mais sócios, além de responderem
para com a sociedade nos termos definidos no n.º 1 do artigo anterior, respondem também perante os
credores sociais até determinado montante; essa responsabilidade tanto pode ser solidária com a da
sociedade, como subsidiária em relação a esta e a efectivar apenas na fase da liquidação.
Mas temos de diferenciar uma situação. Quem empresta dinheiro a uma sociedade, exige uma
garantia por parte dos sócios ou gerentes (pedindo que ele seja avalista, que saque uma letra, seja
fiador, etc). Esse sócio não responde enquanto sócio, e sim enquanto garante daquela obrigação. estas
situações são muito comuns.
Os sócios apenas respondem até ao montante da sua participação social, e apenas respondem
internamente.
O sócio limita a sua responsabilidade às ações que subscreveu. Se compro 10 000€ de ações à
EDP, apenas tenho de pagar esse valor. Salvo quando hajam prestações suplementares.
Pode acontecer que o sócio seja garante de uma obrigação, mas nesse caso responde enquanto
garante.
A - Artigo 83º: responsabilidade solidária do sócio com a que haja sido imputada ao
gerente/administrador (nos termos, em especial, dos arts. 72.º e 79.º)
Mas e se o administrador foi eleito apenas por um sócio? Podemos identificar claramente qual
foi o socio que elegeu aquele administrador. Esse sócio tem um direito especial a nomear um gerente.
(Os direitos especiais são aqueles que o contrato reserva a alguns ou todos os sócios presentes e que
têm um regime adicional.)
O artigo 83º/1 + 3 prevê que o sócio, seja por ter direito especial a nomear o gerente ou por
ter maioria de capital, poderá ser solidariamente responsável com o gerente que causou prejuízo a
sociedade, pelo valor desse prejuízo ou pelo valor da indemnização que o gerente vier a ser obrigado
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Ainda dentro deste artigo, o nº 4 prevê que o sócio é responsável se, tendo a possibilidade de
destituir um administrador ou gerente, tiver utilizado a sua influência indevidamente (não falamos de
coação) para levar um esse administrador a praticar um ato prejudicial à sociedade. Se um socio tivesse
poder de destituir um administrador ou gerente e não o fez, tendo usado uma influência determinante
para que o gerente tenha praticado atos em prejuízo da sociedade, esse sócio é solidariamente
responsável com o gerente perante a sociedade pelo prejuízo que lhe causou.
Portanto, tem de se verificar uma das seguintes situações para se aplicar o artigo 83º:
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2 – Mistura de patrimónios (fora do caso do 84º) – dois sócios numa SQ usem o património
societário para fins pessoais, por exemplo, e prejudiquem a sociedade.
São construções doutrinais e jurisprudenciais, que interpretam a lei de forma ampla, para
abarcar situações que de outra forma eram injustas para os credores (por causa da limitação da
responsabilidade pessoal dos sócios). Os sócios não podem enriquecer às custas dos credores. Assim,
quando os sócios têm estes comportamentos em prejuízo do património social e dos interesses dos
credores, tem-se sido entendido que, excecionalmente, o interesse dos credores se sobreponha ao dos
sócios.
Apesar de previstas expressamente para os grupos constituídos por contrato de subordinação, estas
regras aplicam-se também aos constituídos por uma relação de domínio total: 491.º
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A noção de capital social (nominal) difere de património social. O próprio legislador confunde
estes dois conceitos: por exemplo no artigo 35º, quer-se referir a perda de metade do património. O
próprio legislador não foi minimamente preciso. Mas os conceitos são distintos.
O capital social nominal é a cifra abstrata: não nos referimos a dinheiro da conta, bens, falamos
sim de um número abstrato e nada que seja identificável. É o capital constante do contrato de
sociedade. É uma cifra tendencialmente estável, na medida em que consta do contrato e este só pode
ser alterado com alguns formalismos. A alteração do capital requer regras especiais (maiorias
especiais, por exemplo). Por isso, são poucas as vezes em que uma sociedade vê o seu capital social
alterado.
O valor nominal das participações corresponde ao capital social. Ou seja, o capital social
corresponde à soma do valor nominal de todas as participações sociais que tenham por
contrapartida uma entrada em dinheiro ou espécie (não pode ser uma entrada em indústria, ideias
e contactos. Tem de ser algo economicamente avaliável).
As entradas dos sócios limitam o valor nominal da participação de cada socio. Quando uma
sociedade é constituída com capital de 20 000€, os sócios têm de entrar, pelo menos, com 20 000€.
Eles até podem ter diferido o pagamento para momento posterior. Mas a sociedade tem de ter o
dinheiro em conta ou um crédito sobre o socio. No momento de constituição da sociedade, sabemos
exatamente qual é o valor do património.
Os únicos sócios que podem realizar entradas em indústria são os sócios da SNC e os sócios
comanditados das SCom (porque são os únicos sócios que respondem socialmente perante credores
sociais).
Portanto, se nas SNC, os sócios não estão obrigados a fazer entrada em dinheiro. Por isso, pode
acontecer que a sociedade não tenha capital social, quando o sócio só faz entradas em indústria.
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Nas Scom, os comanditários estão sempre obrigados a entrar com bens, dinheiro e direitos. Por
isso, estas têm sempre capital social.
O capital pode ser inferior à soma do valor das entradas. Mesmo no momento da constituição,
não tem de haver correspondência económica entre património e capital social. O capital nunca pode
ser superior ao património. No início da sociedade, o património ou é igual ou é superior ao capital
social. Mas pode, mais tarde, em virtude maus negócios, o património tornar-se inferior ao capital.
conjunto das ações (no caso de uma sociedade anónima e de uma sociedade em
comandita por ações),
o conjunto das quotas (no caso de uma sociedade por quotas),
o conjunto das partes sociais dos sócios comanditários (numa sociedade em comandita
simples) ou
conjunto das partes sociais dos sócios que não tenham entrada em indústria (no caso
de uma sociedade em nome coletivo).
Para que serve o capital social? O património social pode ser inferior ao capital. Nem é sequer
uma garantia efetiva de que os credores se possam servir. Portanto, o capital serve para muito pouco.
A - Nas SNC, não existe um capital social mínimo: os sócios podem fazer apenas entradas
em espécie. Podem não ter capital social ou podem ser constituídas com o capital social que os sócios
entenderem, se eles entrarem para a sociedade com bens suscetíveis de avaliação económica.
B - Nas SQ, desde 2011, o capital social é livre (201º). Não se exige capital social mínimo.
As quotas têm de corresponder à entrada com bens, dinheiro ou direitos.
Mas atenção: se formos rigorosos, dizemos que não funciona assim, porque as SQ têm de ter
pelos menos um socio, cada socio com uma quota e cada quota com valor mínimo de 1€ (209º/3).
Portanto, pode dizer-se que o capital social mínimo nas SQ corresponde a 1€ a multiplicar pelo número
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de sócios. Contudo, economicamente, isto é irrelevante. Ou seja: apesar de em bom rigor continuar a
existir um CS mínimo nas SQ, ele é absolutamente irrelevante do ponto de vista económico-financeiro.
C - SA e SCom por Ações: 50.000€ (276.º/5, 478.º), dividido em ações cujo valor nominal
(ou, caso não o tenham, o seu valor de emissão) não pode ser inferior a 1 cêntimo (276.º/3);
Segundo o artigo 276º/5, o montante mínimo do capital social é de 50 000 euros. Para se
constituir uma sociedade anónima, para além de se exigir um maior número de sócios, o capital reunido
de início, o capital com o qual os sócios têm de começar a trabalhar é logo de €50.000.
Todas as ações devem representar a mesma fração no capital social (têm de ter todas o mesmo
valor), e, no caso de terem valor nominal, devem ter o mesmo valor nominal.
Nas sociedades em comandita por ações, como se aplicam subsidiariamente as regras das
sociedades anónimas, o capital social mínimo é também ele de 50.000€. A regra do art. 276.º/5 do
CSC aplica-se por remissão do art. 478.º do CSC.
Nas Scom simples, não existe capital social mínimo, porque o artigo 474º manda aplicar o
regime das SNC.
3. Estrutura organizatória
Há nas sociedades comerciais três grandes tipos de órgãos, cuja denominação, extensão de
poderes e, inclusivamente, obrigatoriedade de existência podem variar consoante:
a) Tipo societário em causa – nem todos os tipos têm de ter órgão de fiscalização.
b) Dimensão da sociedade – do montante do capital social, do volume de negócios, etc.
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1) Órgão deliberativo – por norma, chama-se Assembleia Geral ou Coletividade de Sócios (nas
SNC).
É composto pelos sócios, embora não seja absolutamente correto.
Nas SA, há situações em que os sócios podem ser impedidos de participar na AG. Falamos de
grandes sociedades com capital muito disseminado, a circular nas bolsas e em que é vulgar
existirem ações preferenciais sem direito a voto (cuja titularidade não lhes confere direito a
votar). São formas de captar pequenos investimento, convencendo os pequenos investidores a
comprar ações, mas sem lhes dar direito de voto (sem lhes dar poder de interferir na vontade
societária e na estratégia dos sócios dominantes).
Portanto, nem todos os sócios têm assento nas AG’s.
Este órgão, em regra, tem competência exclusiva para deliberar sobre questões estruturais, que
se prendem com as grandes linhas de estratégia da sociedade e com o controlo do órgão de
administração. Por exemplo:
Alteração do contrato (85º/1) – só pode ser deliberada pelos sócios, em princípio. Nos
termos do artigo 85º, “A alteração do contrato de sociedade, quer por modificação ou
supressão de alguma das suas cláusulas quer por introdução de nova cláusula, só pode
ser deliberada pelos sócios, salvo quando a lei permita atribuir cumulativamente essa
competência a algum outro órgão”.
Mudança da sede para o estrangeiro (3º/5) – é uma decisão que interfere com alguns
direitos dos sócios (como direito de informação, de consulta de documentos, de
participação nas AG). Por isso, impõem-se requisitos exigentes. Daí que seja uma
decisão que implica não apenas uma deliberação dos sócios, mas uma decisão tem que
ser tomada por uma maioria elevadíssima, de acordo com o art. 3.º/5: por ¾ dos votos
correspondentes 55 ao capital social, tem que haver uma vontade muito firme e
inequívoca da maior parte dos sócios, de ¾ dos sócios que compõem a sociedade.
Mas já não é assim se a mudança se der dentro do território nacional (12º/2).
Fusão, cisão ou transformação da sociedade – 103º + 120º + 133º.
A fusão consiste na junção de uma sociedade com outra sociedade (por extinção de
uma, extinção de ambas, incorporação, etc.).
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Há uma razão para isto: por regra os sócios não aceitarão facilmente confiar a gestão e o destino
da sociedade apenas a alguns, ou mesmo deixá-la ao cuidado de estranhos, se isso puder ter implicações
diretas no seu próprio património pessoal.
Quanto mais capitalística for a sociedade, menos responsáveis serão os sócios perante terceiros.
Se os sócios respondem perante terceiros, eles querem ter controlo sobre a organização da sociedade.
Por isso, numa SA é o Conselho de Administração quem gere a sociedade, uma vez que a
responsabilidade do sócio nunca excede o capital subscrito.
Já numa SNC, em que todos os sócios respondem pessoalmente pelas dívidas sociais, todos eles
integram, em regra, a gerência – ou seja, existe uma tendencial identidade de membros entre o órgão
deliberativo e de administração.
Olhemos, então, para a forma como os órgãos coexistem em cada um dos tipos legais societários.
O artigo 189º remete quanto ao seu funcionamento para o regime das SQ (e, indiretamente, para o
das SA).
O voto é personalístico e não capitalístico (190º) – ou seja, cada sócio tem um voto. Há um voto
por cabeça.
Mas:
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– Podem ser nomeados gerentes estranhos à sociedade, mas apenas por deliberação unânime dos
sócios: 191.º/2.
C – Órgão de fiscalização
A lei não prevê a sua existência de um órgão de fiscalização, mas pode sempre ser previsto pelo
contrato de sociedade.
As deliberações são o produto da AG. Ora, o A. 246º/1 CSC estabelece a competência da AG,
referindo que só os sócios, mediante deliberação aprovada pela AG (respeitando os formalismos
que posteriormente vão ser estudados), podem deliberar sobre (para além atos indicados em contratos
ou lei que lhes conferem competência expressa) o elenco de atos, maioritariamente da esfera
interna da sociedade, indicados neste artigo (é uma competência exclusiva dos sócios). Esses atos
são:
A. 246º/1/a CSC, referentes a prestações suplementares, que são prestações que os
sócios podem ficar, pelo contrato ou por deliberação posterior, obrigados a entregar à sociedade e
que acrescem à sua obrigação de entrada;
A. 246º/1/b CSC, relativo a tudo o que está dentro da esfera interna da sociedade/da
quota de casa sócios, pelo que aqui pode haver alguns reflexos perante terceiros porque a
sociedade pode deliberar adquirir quotas a terceiros, o que é raro;
A. 246º/1/c CSC, que tem que ver com a exclusão de sócios;
A. 246º/1/e CSC, no que toca à aprovação de relatórios de gestão e das contas de
exercício, isto é, tudo o que tenha que ver com os aspetos financeiros da sociedade;
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A. 246º/1/g CSC, referente à propositura de ações pela sociedade contra gerentes,
sócios ou membros do órgão de fiscalização, e bem assim a desistência e transação nessas
ações, isto é, tudo aquilo que seja representar a sociedade em ações contra estas pessoas (e não
pelos gerentes que são, normalmente, quem representa a sociedade neste tipo de ações);
-NOTA — Se o contrato de sociedade conferir esta competência a outras pessoas que não os sócios
ou que esta competência não é dos sócios, essa cláusula é nula e o contrato continua a ser válido.
O A. 246º CSC é referente à competência exclusiva dos sócios.
Mas, o referido até agora já não acontece com as matérias do A. 246º/2 CSC (que tem alíneas
com relevância particular porque levantam problemas particularmente relevantes) que têm uma
capacidade maior de interferir com os interesses e a esfera jurídica de terceiros. Ora, se o
contrato social não dispuser diversamente os sócios podem, no momento em que criam a
sociedade ou numa alteração superveniente do contato, resolver e formalizar atribuição de
alguma destas competências, em princípio, a gerentes/administradores/administração.
A. 246º/2/c CSC, compete também aos sócios, salvo se o contrato dispuser inversamente,
a alienação ou oneração de bens imóveis, a alienação, a oneração e a locação de
estabelecimentoportanto, estes atos no que toca a imóveis e estabelecimentos comerciais, têm
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de ser deliberados, a não ser que o contrato refira expressamente que a competência é a gerentes
ou administradores poderes para o efeito (p.e.— se o contrato não refere nada e os sócios não
deliberam nada sobre esta matéria, pelo que a gerência ou a administração resolver alienar uma
empresa ou prédio que pertencia à sociedadeacontece que a sociedade, contra a vontade dos
sócios, vende um imóvel ou empresa de forma eficaz, isto é, o terceiro não pode ser afetado pelo
facto de os gerentes/administradores não terem respeitado a vontade dos sócios; não obstante, se
existirem prejuízos, os gerentes/administradores podem ser responsabilizados e terem de
indemnizar a sociedade pelo danos causados e até mesmo destituídos);
A. 246º2/d CSC; aqui, refere-se a mesma lógica que no A. 246º/2/c CSC, mas quanto à
subscrição ou aquisição de participações noutras sociedades e a sua alienação ou oneração,
isto é, tudo o que tenha que ver com comprar, vender ou onerar partes sociais (sejam quotas de
outras sociedades comerciais ou ações de sociedades anónimas). Ora, para comprar ou vender
ações só os sócios são competentes, pelo que uma compra ou venda de ações feita pelos gerentes
sem autorização dos sócios ou do contrato, temos o mesmo problema sendo que a sociedade, em
princípio, ficou vinculada.
Ainda assim, colocam-se outras questões quanto ao objeto da sociedade (será uma questão vista
depois; esta é uma regra exclusiva das sociedades por quotas, pois nas sociedades anónimas a Adm.
tem competência para todos os atos de gestão), sendo que se destaca o A. 11º/4+5 CSC, que se aplica
a todas as sociedades, onde no caso de “aquisição pela sociedade de participações em sociedades de
responsabilidade limitada abrangidas por esta lei cujo objeto seja igual àquele que a sociedade está
exercendo, nos termos do número anterior, não depende de autorização no contrato de sociedade nem
de deliberação dos sócios, salvo disposição diversa do contrato”, isto é, uma sociedade deliberando,
segundo o órgão que for estatutário e legalmente competente para o fazer, pode sem autorização do
contrato adquirir participações em sociedades de responsabilidade limitada com um objeto semelhante
(o professor refere que a palavra “igual” tem se der interpretado em termos muito amplos, tendo de
abranger objetos complementares). Ainda assim, o A. 11º/5 CSC refere que “O contrato pode ainda
autorizar, livre ou condicionalmente, a aquisição pela sociedade de participações como sócio de
responsabilidade ilimitada ou de participações em sociedades com objeto diferente do acima referido,
em sociedades reguladas por leis especiais e em agrupamentos complementares de empresas.”, ou
seja, imaginando que uma sociedade explora uma rede de automóveis, e essa mesma sociedade decide
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comprar 50% do capital social de uma sociedade que explora papelariaentão, há objetos diferentes
aqui (não são iguais, nem complementares).
-NOTA — O A. 246º/2/c+ d CSC têm que ver com a vinculação externa da sociedade porque
quem vincula externamente a sociedade é a gerência ou a administração. Ora, a gerência está vinculada
a seguir as deliberações dos sócios. Porém, uma coisa é estar-se obrigado, outra é cumprirem as
obrigações. Então, os gerentes estando obrigados, mesmo assim, podem não respeitar a
lei/contrato/deliberação, mas acabam por vincular a sociedade perante um terceiro contra a vontade
expressa vertida numa deliberação em AG. Se isto acontecer, coloca-se a questão se tais atos vinculam
ou não a sociedade e, em princípio, sim.
-NOTA — Uma ideia que sobressai nesta temática é que os gerentes têm sempre de respeitar as
deliberações dos sócios. A diferença é que: se os gerentes deliberam uma matéria que não consta
no A. 246º CSC e sobre a qual os sócios nunca deliberaram, estão a desenvolver as suas
competências, não violando qualquer dever; mas se os gerentes deliberam uma matéria que não
consta do A. 246º CSC e que os sócios já deliberaram, aí já violam o dever genérico de respeito
pelas deliberações (A. 259º CSC).
O art. 246.º e ss: remete para o regime das sociedades anónimas (regime supletivo) em tudo o que
não estiver especialmente regulado (248.º/1).
I - Nas sociedades por quotas pode haver deliberações por voto escrito e não tem de haver uma
reunião e discussão presencial.
II - Os direitos dos sócios minoritários são reforçados nas sociedades por quotas (isto será
abordados posteriormente), sendo que o A. 248º/2 CSC refere que os detentores/sócios de uma
determinada percentagem do capital podem convocar uma AG ou a incluírem assuntos na ordem
do dia (o que não acontece nas sociedades anónima, ao abrigo do A. 375º/2 CSC, onde que numa
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sociedade anónima tiver 5% dos capital social, sem prejuízo do contrato reduzir este número, pode
sempre convocar um AGmas numa sociedade anónima, não há imposição de numa percentagem).
Acrescenta-se, no A. 248º/5 CSC (+ A. 250º CSC) que nas sociedades por quotas nenhum sócio
pode ser privado de participar nas AG’s, mesmo que esteja impedido de exercer o direito de voto
(contudo, nas AG’s das sociedades anónimas não é assim porque: existem ações preferenciais sem
voto; existem sócios que têm uma fração de capital insuficiente para lhe conferir um direito de voto e
como tal, podem estar privados de estarem na AG; os sócios em mora não podem exercer o direito de
voto e podem ser privados de participar na AG).
V - Os impedimentos de votos (A. 251º CSC), em relação as sociedades anónimas (A. 266º CSC)
são ligeiramente diferentes. Ora, os casos estão vertidos no artigo referido o que lhe retira o poder de
votar naqueles casos, mas nada o impede de participar na AG.
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Não é obrigatório existir um órgão de fiscalização numa sociedade por quotas (poderá ter se
previsto no contrato, pelo que se irá aplicar as regras das sociedades anónimas, segundo o A. 262º/1
CSC)
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Não havendo CF a sociedade fica obrigada a designar um ROC, mas apenas se forem
ultrapassados, em 2 anos consecutivos, 2 dos 3 limites enunciados no A. 262º/2 CSC, e enquanto esses
mesmos limites não deixarem de se verificar em outros 2 anos consecutivos (A. 262º/3 CSC)
Esses tais limites são: a) Total do balanço: 1. 500. 000 €; b) Total das vendas líquidas e outros
proveitos: 3. 000. 000 €; c) Número de trabalhadores empregados em média durante o exercício: ser
superior a 50.
3 - Sociedades Anónimas
NOTAS - Veremos que há neste tipo societário uma complicação adicional em termos de estrutura,
porque a escolha por parte dos sócios de vários modelos diferentes de administração e fiscalização.
A - Órgão deliberativo/AG
Este órgão tem muitos menos poderes que o mesmo órgão nas sociedades por quotas.
Muito importante termos sempre presente que as regras relativas ao funcionamento da AG das SA
são aplicáveis por defeito (ou seja, sempre que não exista norma especial) a todos os outros tipos de
sociedade
A AG apenas não pode deliberar sobre matérias de gestão [a não ser que isso lhe seja
requerido pelo próprio órgão de administração, que tem competência exclusiva nestas matérias
(A. 373º/3; 406º CSC)].
Ora, segundo o A. 406º CSC, compete ao Conselho de Administração deliberar sobre qualquer
assunto de administração da sociedade; e o A. 373º/3 CSC refere que sobre matérias de gestão da
sociedade, os acionistas só podem deliberar a pedido do órgão de administração. Então, estas matérias
são relativas a:
c) Pedido de convocação de assembleias gerais (sem prejuízo dos sócios que reúnam pelo menos
5% do capital social também poderem fazê-lo, segundo o A. 375º/2 CSC e o órgão de fiscalização
também);
d) Relatórios e contas anuais (é ao órgão de Adm. que compete aprovar estes relatórios para serem
levados à AG e aprovados pelos sócios);
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e) Aquisição, alienação e oneração de bens imóveis (nas sociedades por quotas, como já visto, é
uma competência dos sócios, a não ser que o contrato refira em contrário; aqui a competência reside
ao órgão de Adm.);
l) Mudança de sede e aumentos de capital, nos termos previstos no contrato de sociedade (mas, se
for a mudança de sede para o estrangeiro tem de ser a Assembleia a deliberar por maioria de 75% dos
votos equivalentes ao capital social);
n) Qualquer outro assunto sobre o qual algum administrador requeira deliberação do conselho”.
É de referir que estas regras que estão ligadas ao funcionamento do direito de voto e das
AG’s nas sociedades anónimas, e são regras aplicadas por defeito a todas as sociedades, ou seja,
serão aplicadas em tudo o que não estiver especialmente regulado para cada um dos outros tipos sociais
[assim, sempre que numa sociedade por quotas a lei (no A. 246º e ss. CSC) não permita regras
especiais, e em tudo aquilo que não esteja especialmente regulado, as AG’s das sociedades por quotas
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vêm buscar a regulamentação ao regime das sociedades anónimas. E as sociedades em nome coletivo
também por arrastamento porque têm como regime supletivo o regime das sociedades por quotas].
Ao contrário do que acontece nas sociedades em nome coletivo ou sociedades por quotas, os sócios
podem ser:
Como já referido, no que toca às ações preferenciais sem direito de voto (são ações que as
grandes sociedades quotas em bolsa emitem, por vezes, para se capitalizarem/irem buscas os
investimentos dos pequenos acionistas e que, estes, não se importam de não votar. As ações
preferenciais sem voto são direcionadas, são pensadas para os pequenos investidores que não se
querem dar ao trabalho de ir à assembleia geral, de estudar os assuntos discutidos em assembleia geral,
de participar ou votar em assembleia geral; querem é exclusivamente receber no final do exercício o
seu dividendo – pelo que este tipo de sócios não se importa de não votar e, por isso, se prevê a
possibilidade de no contrato de sociedade se criar esta categoria de ações. Ainda assim, é uma ação
preferencial por conferir um direito preferencial ao lucro: A. 341º e ss. CSC);
Pode o contrato estabelecer que diversas ações deem direito a 1 único voto, desde que não se
exija mais do que 1000€ por voto, segundo o A. 384º/2/a CSC (“Fazer corresponder um só voto a
um certo número de ações, contanto que sejam abrangidas todas as ações emitidas pela sociedade e
fique cabendo um voto, pelo menos, a cada (euro) 1000 de capital”). P.e.—uma sociedade anónima
tem 1 milhão de ações e cada uma dela tem um valor nominal de 10 €, mas no contrato de sociedade
diz que 1 voto corresponde a 100 € de capital. Assim, se 1 sócio tiver 5 ações, corresponde a 50 € de
capital, não havendo direito ao votoora, o A. 384º/2/a CSC vem estabelecer que é até 1. 000 € o
contrato pode estabelecer a partir de que valor é que existe direito a voto, para eliminar a participação
de pequenos acionistas na AG;
Os sócios em mora na realização da entrada não pode votar, segundo o A. 384º/4 CSC (isto
acontece apenas nas sociedades anónimas e nem o contrato pode dispor em contrário desta norma
imperativa). Esta mora apenas pode existir quando alguém se compromete a entrar com X capital na
sociedade, mas o contrato permite diferir o pagamento. Se ele não cumprir o pagamento passado o
tempo estipulado, terá de ser interpelado/notificado para cumprir e só se não cumprir nesse
momento é que entra em mora. Numa sociedade anónima, os sócios podem diferir até 70% da sua
entrada. Vamos imaginar que o sócio paga x inicialmente, mas que difere o pagamento de 70% do total
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do que se comprometeu a entregar para a sociedade para daqui a 2 anos. Ora, se esse prazo inicialmente
estipulado passar e não o fizer, depois de ter sido interpelado pela sociedade para pagar, esse sócio
entra em mora. Ele só entra em mora após esses dois anos – note-se que o período de diferimento não
é o período de mora. Enquanto este incumprimento durar, o sócio não pode exercer o direito de voto.
II - Privados do direito de participar na AG (isto nunca acontece nas sociedades por quotas):
Para além destas situações em que o sócio não pode votar, este impedimento pode abranger não
apenas o direito de voto em sentido técnico ou propriamente dito, abrange também o direito de
participar na assembleia geral, o direito de estar presente, de fazer perguntas à mesa da assembleia ou
aos sócios que propuseram uma determinada deliberação, de requerem informações sobre essa
deliberação, de pedir para incluir assuntos na ordem do dia, etc.
As ações preferenciais sem voto podem não conferir o direito de participar na assembleia. Os
acionistas que tenha ações preferenciais sem direito de voto não votam, nem participam (e o
contrato tem que referir isto mesmo; A. 343º/1 CSC);
O contrato tem que referir que um acionista que não pode votar, não pode participar numa
AG (A. 379º/2 CSC; isto porque podem existir acionistas que não tenham ações suficientes que
formem um direito a votar, mas que possam estar a participar numa AG).
Ao contrário do que acontece nas sociedades por quotas (em que há um modelo claro composto
pela gerência e, em certos casos, órgão de fiscalização), aqui, em termos teóricos é bastante mais
complicado (mas na prática não). O A. 278º CSC, refere quanto à estrutura da administração e
fiscalização que podem existir 3 modalidades: Conselho de administração e conselho fiscal (é o
modelo mais utilizado); Conselho de administração, compreendendo uma comissão de auditoria, e
revisor oficial de contas; Conselho de administração executivo, conselho geral e de supervisão e
revisor oficial de contas. Estes modelos são desenvolvidos no A. 390º e 446º CSC.
Contudo, a doutrina refere-se a estes modelos com nomes diferentes. Falamos assim da estrutura
tradicional/latina/monista (A. 390º e ss. CSC), que é uma estrutura mais corrente e linear.
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singulares) ou Administrador Único (em sociedades com capital não superior a 200. 000 €, aplicam-
se ao administrador único as disposições relativas ao conselho de administração que não pressuponham
a pluralidade de administradores; A. 390º/2 CSC);
Podemos ter um Conselho de Fiscalização + ROC externo (ou uma sociedade de revisão oficial
de contas externa) para as sociedades que preencham 2 dos critérios do A. 413º/2/a CSC durante 2
anos consecutivos este modelo é obrigatório;
MAS se estes critérios não tiverem preenchidos, pode haver apenas lugar ao Conselho Fiscal ou
Fiscal Único (que sendo um órgão coletivo, tem de incluir um ROC ou uma sociedade de revisão
oficial e contas, segundo o A. 413º/1/a+ 414º/2 CSC).
- Ainda assim, existe uma fiscalização mais contabilística e de legalidade exercida por um ROC
ou por uma sociedade de revisão oficial de contas, nos termos gerais do A. 446º CSC.
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Como é que se compreende que eles sejam também administradores, mas sem exercer poderes
executivos? São administradores não executivos? José Reis que temos de interpretar a letra, isto
é, eles não podem fazer nada que interfira com a gestão das sociedades (não podem nem votar as
deliberações do Conselho de Administração em matéria de gestão; não podem representar a sociedade
externamente. Assim, eles no fundo não têm uma dupla função, mas apenas tem um conhecimento
mais próximo da gestão da sociedade (e não participar ativamente nesses atos de gestão e de decisão).
A sua inclusão no CA visa assim facultar aos membros do órgão de fiscalização um acesso mais
facilitado aos processos de gestão e de tomada de decisões, e não tomar parte nesses processos.
4 — Sociedades em Comandita
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NOTA — Ter sempre em atenção o direito subsidiário para cada um dos subtipos:
A - Órgão deliberativo/AG
A AG funciona nos termos gerais, mas com uma especificidade quanto ao n.º de votos a atribuir a
cada categoria de sócios.
Ora, o peso relativo dos votos tem que respeitar uma proporção, isto é, o peso dos votos
comanditados não pode ser menos de metade dos votos dos comanditários (p.e.—uma sociedade
em comandita por ações tem um capital social de 1. 000. 000 € e o único sócio comanditado que existe
tenha uma ação no valor de 10 €, é certo que mesmo assim o seu voto vá valer pelo menos metade dos
votos dos comanditários, segundo o A. 472º/2 CSC) pelo que, na prática significa que não podem
em conjunto representar menos de 33, 3% do total.
B - Órgão de administração/Gerência
A gerência cabe aos sócios comanditados, a não ser que o contrato diga outra coisa, segundo o
A. 470º CSC, pelo que é aqui que reside uma grande particularidade relativa ao A. 470º/1 CSC
conjugado com o poder de voto dos comanditados, conferido pelo A. 472º CSC. O sócio comanditado
é um sócio com responsabilidade externa, tendo prerrogativas especiais por colocar o património
pessoal em risco, sendo uma deles o facto de ele ser gerente.
Ora, é relevante para o efeito falar das ofertas públicas de aquisição (doravante, OPA/OPA
hostis) que é, para as empresas com quotas em bolsa, uma oferta que alguém faz publicamente dizendo
que compra por X valor todas as ações a todos os investidores de uma determinada sociedade (o
objetivo é assumir o controlo da sociedade), contra a vontade dos acionistas de referência (daí a palavra
hostis). Para o efeito, uma das formas de proteção que a lei confere contra as OPA’s hostis é
criarem em vez de uma sociedade anónima, uma sociedade em comandita por ações (pois, a
sociedade em comandita vai funcionar nos mesmo termos que uma sociedade anónimaMAS, nestes
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casos, a Adm. se o contrato não dispor em contrário, fica entregue a um sócio comanditado. Isto é, a
participação deste sócio comanditado não vai ser afetado pela OPA).
Assim, como a parte do sócio comanditado não é representada por ações (A. 465º/3 CSC), não é
afetada pela mudança de domínio da sociedade.
E não faz sentido tomar conta do capital se o acesso ao órgão de gestão está blindado pela lei ou
pelo contrato, como acontecerá se apenas os comanditados puderem ser administradores.
C - Órgão de fiscalização/Fiscalização
Aqui também se aplica o direito subsidiário supramencionado, mas para o caso das sociedades
em comandita por ações o cenário é diferente porque já vimos que existem 3 modelos de estrutura nas
sociedades anónimas.
Logo, o problema é que para as sociedades em comandita não existe Conselho de Administração,
mas existe a Gerência (A. 470º CSC) e, como tal, para as sociedades em comandita temos uma estrutura
composta por um Conselho Fiscal ou Fiscal Único.
Portanto, e em suma:
– No caso das SCom por Ações terá de optar-se por um CF ou Fiscal único, uma vez que não é
possível adotar nenhum dos 3 modelos previstos para as SA dada a obrigatoriedade legal de existir
uma gerência.
A transmissão de partes sociais é um traço característico dos diferentes tipos societários, sobretudo
nas SQ e SA.
Em qualquer tipo legal e sociedade, os sócios têm, em maior ou menor medida, a possibilidade de
transmitir para terceiros a sua posição na sociedade.
Se essa possibilidade for vedada, pela natureza das coisas, por uma cláusula no contrato ou pela
vontade dos sócios, tem de se dar a possibilidade de realizar monetariamente o valor da sua
participação. A participação social é um conjunto de direitos do património do sócio: direito ao lucro,
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de voto, ser gerente, etc. Mas também contém obrigações: de entrada, obrigações financeiras relativas
a prestações suplementares ou acessórias, etc. Tudo isso compõe o valor da participação social.
Quando falamos de transmissão de partes sociais, não falamos apenas de transmissões inter vivos,
mas também mortis causa.
– Impor aos sócios a entrada dos sucessores do sócio falecido, que pode não ter meios
para responder perante terceiros e deixar esse encargo para os outros;
– Impor aos sucessores a sua entrada para a sociedade, porque isso implicaria uma
responsabilidade que eles podem bem não querer.
Eram ambas soluções violentas para os interesses das partes. Assim, nos termos do artigo 184º, os
sócios podem fazer uma de 3 coisas:
i. Liquidar a parte do sócio falecido, entregando aos sucessores o respetivo valor (n.º 1, 1ª
parte). Isto podo ser mais simples numa SNC, porque esta pode nem ter capital social (se os
sócios entraram apenas com indústria). Na sistemática da nossa lei esta é a primeira e a mais
natural solução, porque os sócios não vão querer mais ninguém na sociedade e aquele sucessor
não quer entrar para a sociedade.
ii. Dissolver a sociedade (n.º 1, 2ª parte) - se a ausência daquele sócio prejudica de forma
irremediável a continuação do projeto empresarial societário.
iii. Continuar a exploração da sociedade com os sucessores, se estes aceitarem (n.º 2). Não lhes
pode ser imposto, eles têm de consentir. O sucessor do sócio falecido sucede na posição de
sócio na sociedade e a sociedade continua com um novo sócio, isto evidentemente se os sócios
assim o entenderem e se os sucessores do sócio falecido derem o respetivo consentimento.
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O art. 225.º/1 do CSC diz que: “O contrato de sociedade pode estabelecer que, falecendo um sócio,
a respectiva quota não se transmitirá aos sucessores do falecido, bem como pode condicionar a
transmissão a certos requisitos, mas sempre com observância do disposto nos números seguintes”.
A lei não nos diz o que acontece se o contrato nada disser. Por isso, aplicam-se as regras gerais do
Direito das Sucessões do CC, se o contrato nada disser.
No silêncio do contrato a quota transmite-se aos sucessores, que sucedem ao sócio falecido na
sua posição perante a sociedade, exercendo os seus direitos nas mesmas condições que aquele – é a
solução que resulta do silêncio dos CSC, e da aplicação das regras sucessórias gerais.
Atenção ao 24.º/3: direitos especiais (só esses!) de natureza não patrimonial (v.g., um direito
especial à gerência, ou de voto) não se transmitem. Para estes direitos especiais (e apenas estes), o
art. 24º tem uma regra especial: Nas sociedades por quotas, e salvo estipulação em contrário, os
direitos especiais de natureza patrimonial são transmissíveis com a quota respectiva, sendo
intransmissíveis os restantes direitos. Qualquer direito especial não patrimonial (direito à gerência,
de voto, de nomeação de gerente, etc.) não se transmite para sucessores do sócio falecido.
O contrato pode prever a não transmissão da quota, ou o seu condicionamento a requisitos que
os sucessores não aceitem. Se o contrato dificultar a transmissão mortis causa da quota, a sociedade é
obrigada a:
ii. adquiri-la – são poucas as situações em que a sociedade pode adquirir uma quota sua,
ou seja, uma sociedade ser sócia de si própria. Isto levanta problemas a nível do
património social, uma vez que a sociedade vai pagar as quotas com o seu património.
iii. fazê-la adquirir por terceiro – a sociedade vai arranjar um comprador, sendo um
intermediário entre os herdeiros e o terceiro, que esteja disposto a adquirir a quota.
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E em qualquer destes casos, a sociedade terá de pagar aos sucessores a contrapartida monetária
da extinção ou da transmissão da quota, podendo estes exercer os direitos respetivos na pendência
desse processo. Enquanto a quota não é amortizada ou adquirida, os herdeiros podem exercer os seus
direitos (ex: artigo 227º, nomeadamente o direito de voto).
C – Sociedades Anónimas
Não existem regras especiais de transmissão, seguindo-se as regras gerais do direito sucessório
previstas no Código Civil.
D – Sociedade em Comandita
O código prevê algumas regras, mas que remetem para os 3 regimes já vistos.
Transmissão intervivos
Em que medida é que liberdade de um socio transmitir a sua quota pode ser condicionada pela
sociedade? E quais as razões desse condicionamento?
Aqui as coisas são mais complexas, pois tratando-se, por via de regra, de transmissão
decorrente da vontade do sócio (que pretende pôr fim à sua participação num contrato que ele
próprio celebrou de livre vontade) torna-se necessário compor o conflito que pode surgir entre
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i. o interesse desse sócio, que pretende transmitir a sua participação e que pode, legitimamente,
ter todo o interesse em realizar o valor representado por aquela, ou pura e simplesmente em
desvincular-se da sociedade;
ii. o interesse dos sócios que permanecem na sociedade e da própria sociedade, que pode
aconselhar ou mesmo exigir:
- que aquele sócio se mantenha, por a sua presença ser essencial ao projeto empresarial
societário. Pode exigir que o socio se mantenha pelo menos durante o tempo necessário
para o projeto empresarial se consolidar; ou
- que seja vedada a entrada a estranhos na sociedade. Essa pessoa nova pode não ser
de confiança, não ter património, não ser empreendedor.
Por isso mesmo, as regras relativas à transmissão serão tendencialmente tanto mais exigentes
quanto mais personalístico for o tipo societário. Nas SQ, a transmissão é mais exigente. Nas SA, a
transmissão é quase livre.
Uma vez que todos sócios respondem pessoalmente pelas dívidas sociais e, em princípio,
integram a gerência, há muitas cautelas quanto à transmissão da sua participação. Já que a saída de
um sócio, ou a entrada de um estranho, pode perturbar muito a vida da sociedade: é assim necessário
o consentimento expresso de todos os outros sócios: 182.º/1. Não se exige o consentimento da
sociedade, não é a sociedade a pronunciar-se (por deliberações da AG). Não é isso que está em causa.
O que se exige é o consentimento de todos os sócios.
Assim, um sócio apenas se pode desvincular quando se possa exonerar, nos termos do 185.º.
Um sócio só se pode desvincular sem a vontade dos sócios em casos especiais: quando a lei ou o
contrato lhe permitam exonerar-se.
A exoneração para as SNC vem prevista no artigo 185º. Sem prejuízo do contrato prever outras
causas de exoneração, há 2 tipos de causas:
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- justa causa – há justa causa quando: a) A sociedade não delibere destituir um gerente,
havendo justa causa para tanto; b) A sociedade não delibere excluir um sócio, ocorrendo justa
causa de exclusão; c) O referido sócio for destituído da gerência da sociedade.
As quotas pertencem aos sócios, que por norma, as podem transmitir. Mas para que a
transmissão seja eficaz perante a sociedade, exigem-se requisitos:
ii. e de ser comunicada à sociedade (228º/3) – ainda que a transmissão seja livre, a sociedade
tem de tomar conhecimento, até para promover o registo e poder opor perante terceiros a
qualidade de socio dos seus membros. Por iniciativa do socio transmitente ou adquirente, tem
de saber quem é o novo socio. O 228º/3 abre uma 3ª hipótese: não precisa de haver
comunicação se a transmissão foi reconhecida expressa ou tacitamente pela sociedade. Se na
primeira convocação para a AG, o adquirente foi convocado, a sociedade aceitou tacitamente
a transmissão.
Tem de conjugar-se o 228º/3 com o 242º-A, que faz ainda depender da solicitação do registo a
eficácia perante a sociedade da generalidade dos “factos relativos a quotas”: Pedro Maia sugere que,
para este efeito, a comunicação da transmissão se tenha por equiparada àquela solicitação. Os sócios
podem, no limite, responder perante terceiros. Se essa obrigação se transmitir para o adquirente da
quota, os credores sociais têm de saber a quem pode exigir responsabilidade pessoal.
Ao contrário das SNC, aqui é à sociedade, e não aos sócios, que se exige o consentimento. E como
já sabemos, a sociedade exprime a sua vontade através de deliberações da A.G. A sociedade é que
delibera na AG o consentimento para a transmissão. Não são os sócios individualmente. Basta que
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50% mais 1 dos votos da AG sejam favoráveis (250º/3). A contrario, 50% menos 1 voto podem opor-
se à transmissão. Contudo, o contrato pode exigir uma maioria superior: Por ex.: a totalidade dos
sócios, ou a unanimidade.
Nos termos do 231.º, se a sociedade recusar o consentimento terá de fazer ao sócio uma proposta
de amortização ou de aquisição da sua quota, sob pena de a cessão se tornar livre.
É sempre necessário dar ao sócio a oportunidade de realizar o valor pecuniário que a sua
participação representa, uma vez que se trata de um bem do seu património, de que é legítimo
proprietário, e que quaisquer restrições a esse direito de propriedade (que tem tutela constitucional)
só podem ser toleradas na medida do estritamente necessário (e para salvaguardar outros interesses
tutelados pela Constituição). Não pode ser uma limitação desproporcional ao direito de propriedade.
i. proibir a cessão, sem prejuízo do direito à exoneração passados 10 anos sobre o ingresso na
sociedade (n.º 1);
ii. dispensar o consentimento da sociedade (n.º 2) - – isto acontece, por exemplo, em sociedades
em que os sócios não entram com bens, mas apenas com dinheiro; e em que não seja necessária
uma relação de confiança nem de operabilidade técnica entre os sócios (os sócios são
substituíveis).
Há aqui uma regra importante: art. 229.º/4 do CSC: “A eficácia da deliberação de alteração
do contrato de sociedade que proíba ou dificulte a cessão de quotas depende do consentimento
de todos os sócios por ela afetados”.
iii. exigir aquele consentimento para todos os casos, incluindo aqueles para os quais seria
normalmente livre (casos de transmissão entre cônjuges, ascendentes e sócios) (n.º 3);
iv. prever, nos termos gerais, uma maioria qualificada para aprovar as deliberações de prestação
de consentimento.
Atenção ao n.º 5: a única coisa que a sociedade pode exigir, para que a cessão seja eficaz, é o seu
próprio consentimento, ainda que este dependa de requisitos específicos que não caiam nas
proibições referidas nas suas alíneas. A sociedade não pode, por exemplo, subordinar a prestação do
consentimento:
– a um direito de veto atribuído a um ou mais sócios ou a terceiro; atenção: isto não deve
ser interpretado como incluindo as situações em que o contrato exige que a deliberação
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seja aprovada por unanimidade, e em que, por isso, qualquer um poderá impedir a sua
aprovação;
C – Sociedades Anónimas
Desde 2017 deixou de haver ações ao portador, sendo hoje todas as ações nominativas: 299.º.
Isto quer dizer que a possibilidade de o contrato de sociedade estabelecer limites à transmissão
se aplica hoje à totalidade das participações de uma SA, e não apenas a um dos dois tipos de ações
que ela podia emitir.
Essas limitações têm obrigatoriamente de constar do contrato, nos termos do 272.º, b) (sob pena
de invalidade), e dos próprios títulos ou contas de registo das ações (sob pena de inoponibilidade a
terceiros de boa fé), e vêm reguladas nos arts. 328.º e 329.º Se um terceiro adquirir uma ação de cujo
título não constasse esta limitação, a sociedade não pode opor a esse terceiro a ineficácia da aquisição,
mesmo que contrarie o contrato de sociedade.
Atenção: trata-se apenas de limitações, nunca de exclusões (ainda que meramente temporárias)
do direito a transmitir a ação; daí que seja, no mínimo, de duvidosa legalidade uma cláusula que
estabeleça que as ações apenas podem ser transmitidas passado um determinado período de tempo
da constituição da sociedade ou da respetiva aquisição.
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i. al. a) necessidade de consentimento da sociedade, que será prestado nos termos do 329.º, ou
seja: a sociedade tem de consentir na transmissão.
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329.º do CSC: a sociedade fica obrigada a adquirir por aquele preço e naquelas
condições, a menos que suspeite de simulação e que demonstre que a proposta é uma
proposta simulada, caso em que a sociedade pode adquirir as participações pelo seu
valor real.
– estas três últimas estipulações têm de constar do contrato, sob pena de invalidade da
cláusula que exige o consentimento (n.º 3)
ii. estipulação de um direito de preferência (que, se previsto, terá eficácia real) a favor dos
outros acionistas (328.º/2-b). Ou seja para que se limite a possibilidade de entrada de novos
sócios, uma forma simples de o fazer sem prejudicar a possibilidade de qualquer um deles
vender as suas ações, é estabelecer um direito de preferência que tem eficácia real (segundo
Coutinho de Abreu). Se não for respeitado, a sociedade pode opor esse direito ao adquirente.
iii. “Requisitos subjetivos ou objetivos que estejam de acordo com o interesse social”: é uma
formulação demasiado vaga, que requer algumas concretizações:
– têm de estar determinados no contrato, não podendo, por exemplo, deixar-se essa
determinação para deliberação da AG; mas podem ser introduzidos no contrato
mediante alteração deste, desde que se respeitem os requisitos do 328.º/3. A sociedade
não pode invocar requisitos subjetivos e objetivos que não constem já claramente no
contrato antes de a transmissão ser proposta;
– podem ser objetivos, muito embora seja muito difícil concretizar o que isto possa
significar: a maior parte da doutrina identifica este requisito com a existência de
“motivos graves” por parte da sociedade, o que acaba por se confundir muito com o
requisito seguinte;
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– concordância com o interesse social: sendo uma exceção à regra geral da livre
transmissibilidade, os requisitos não podem ser um capricho dos sócios, tendo de
reconduzir-se à satisfação do interesse social tal como perspetivado pelos sócios quando
a cláusula foi redigida. Os requisitos objetivos e subjetivos têm de respeitar o interesse
social.
Sociedades em comandita
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limita a estabelecer uma troca de prestações entre as partes (quando houver mais do que uma), antes
cria uma nova entidade orientada para a prossecução em comum da finalidade partilhada por todos: a
obtenção de lucro (lucro objetivo) e a sua distribuição pelos sócios (lucro subjetivo).
Como vimos, é um tipo contratual em que as partes não gozam de plena autonomia. O princípio
da tipicidade limita os tipos de sociedade que podem ser constituídos, e dentro destes, as clausulas que
podem ser apostas ao contrato. E algumas das facetas em que essa limitação da autonomia privada se
revela prendem-se precisamente com:
Não obstante, existe hoje (no CSC e em diplomas avulsos, e contrariamente ao que sucedia até
há alguns anos) um leque relativamente alargado de processos de criação de SC. Pode até dizer-se que,
apesar das referidas limitações, os sócios beneficiam de um sistema relativamente livre de constituição.
Vamos centrar-nos no modelo tradicional, mas existem hoje um role alargado de possibilidades de
constituição de sociedades comerciais.
Vamos olhar brevemente para esse leque, centrando-nos depois mais detalhadamente no modo
tradicional de constituição.
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Esta possibilidade vem prevista desde o 1986, mas raramente é usada. Apesar de ter sido uma
inovação do nosso direito, não se pode dizer que tenha tido grande sucesso, sendo geralmente visto
como uma complicação desnecessária do modelo tradicional.
Acrescenta àquele modelo um registo provisório e uma formalização do projeto registado, com
custos acrescidos e efeitos práticos quase inexistentes; por isso mesmo, tem sido amplamente ignorado.
É um modelo exclusivo das SA e SCom por Ações, no qual algumas pessoas, designadas como
promotores, pretendem garantir imediatamente um grande encaixe financeiro. Ainda não existe uma
sociedade, há apenas uma intenção de criação de uma. Os promotores vao estar a lidar com dinheiro
que não lhes pertence. Estas sociedades precisam de um investimento financeiro grande, pelo que é
preciso garanti-lo antes da sua constituição. É previsto para sociedades de capitais com pretensão de
expansão.
– colocação de ações, lançamento da oferta pública societária, e subscrição das ações pelos
destinatário (através de intermediários financeiros, como Bancos);
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– celebração do contrato, por dois promotores e pelos subscritores cuja entrada consista em
bens em espécie;
– publicação.
Na opinião de Coutinho de Abreu, isto acontece porque será mais simples e mais barato
constituir-se a sociedade pelo processo tradicional, e posteriormente:
– integrar, desde o inicio, na sociedade entidades financeiras, que subscreverão elas próprias
uma parte substancial do capital, comprometendo-se a assegurar a sua posterior subscrição junto dos
seus clientes. São as sociedades financeiras / socias da sociedade constituída que vão angariar
financiamento da sociedade criada.
Aqui não podemos rigorosamente falar de contrato, mas de ato constitutivo de negócio
unilateral (porque há apenas 1 pessoa).
Aplicam-se todas as regras aplicáveis às SQ, salvo aquelas que pressuponham a pluralidade de
pessoas.
Uma dessas regras é a existência de 2 ou mais sócios. Essa regra não se aplica às sociedades
unipessoais.
5 - Sociedades constituídas por fusão (97.º ss), cisão (118.º ss) ou transformação (130.º ss.)
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Em rigor, apenas são uma forma de criação de sociedade quando não representem a mera
continuidade de uma outra sociedade já existente, ainda que sob forma diferente.
Fusão – uma sociedade absorve uma outra ou duas sociedades extinguem-se para dar origem
a uma nova;
Cisão – divisão de uma sociedade em duas e que pode levar à extinção ou não da sociedade
originária, mas vai, pelo menos, originar o aparecimento de uma sociedade que surge de novo;
Transformação – uma sociedade de um tipo transforma-se numa sociedade de outro tipo. Por
ex., uma SQ quer expandir-se e passa a ser uma SA. Se houver apenas uma alteração do contrato, não
estamos evidentemente perante a constituição de uma nova sociedade. Só faz sentido falar da
transformação a este propósito quando a sociedade originária se extinga e dê lugar à criação de uma
sociedade nova não em termos globais, mas em termos puramente societários.
Nem sempre estes procedimentos criam uma nova sociedade, mas acontecer que sim.
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10 - “Sociedade Europeia”
Forma societária existente em todo o espaço da UE, e criada pelo Regulamento 2157/01 do
Conselho, de 8 de outubro.
A SE é sempre uma SA (tem o capital dividido em ações), e pode assim ser constituída por
alguma das seguintes formas:
1 - Pessoas singulares: neste ponto, merece alguma atenção a situação dos cônjuges e dos
incapazes:
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participação social for, por força do regime matrimonial de bens, comum aos dois cônjuges,
será considerado como sócio, nas relações com a sociedade, aquele que tenha celebrado o
contrato de sociedade ou, no caso de aquisição posterior ao contrato, aquele por quem a
participação tenha vindo ao casal.
Outra questão importante é a proteção da família. Nos termos do 8.º/1, apenas não é
permitido que ambos os cônjuges sejam sócios com responsabilidade ilimitada. Ou seja, não é
possível:
A lei não proíbe que cada um dos cônjuges seja socio com responsabilidade ilimitada
em sociedades diferentes.
b) Incapazes:
Se, tendo 16 anos ou mais, quiser entrar para uma sociedade com o produto do seu
trabalho, pode fazê-lo (127.º/1-a Cciv); se for representado por tutor, é sempre necessária a
autorização do MP para entrar em qualquer sociedade, sendo sempre devidamente representado
pelo tutor (1938.º/1 CCiv).
2) Pessoas coletivas: de uma maneira geral, qualquer pessoa coletiva pode ser sócia de uma
sociedade comercial. Mesmo que sejam pessoas coletivos de fim altruístico, podendo essa qualidade
de socio servir o fim associativo. As seguintes pessoas coletivas podem ser sócias de sociedades
comercias:
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ii. ACEs / AEIEs - São normalmente entidades que são auxiliares na prossecução de
objetos sociais. Podem ser sócios de sociedades comerciais;
iii.Fundações e associações - Embora estas não possam ser comerciantes (pois o objeto
é por força da lei um objeto não comercial) podem ser sócias de sociedades comerciais;
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os direitos sociais (lucro e voto) no excesso daqueles 10%, caso venha a adquirir mais
participações. Isto é um desincentivo a que se ultrapasse uma determinada percentagem
(a menos que hajam fins especulativos, etc.);
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A questão é: será que estas entidades podem ser sócias de outras sociedades?
– sociedades civis, e
Para Coutinho de Abreu, o facto de o Cciv e o CSC preverem, para ambas, regras relativas à
sua representação externa (996.º ss Cciv, 38.º ss CSC) é indício de que o legislador não se opõe a essa
solução (que é apoiada pelo direito comparado e comunitário). Tendo elas a possibilidade de outorgar
em contratos, não há uma razão que imponham que não possam ser sócias de outra sociedade.
Conteúdo do Contrato
Podem ser inseridas num contrato diversos tipos de cláusulas:
i. Gerais
ii. Específicas
– não-dispositivas;
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– dispositivas.
Cláusulas obrigatórias
I. Gerais: art. 9.º CSC – são comuns aos 4 tipos de sociedades comerciais
Atenção: a alteração da titularidade das participações sociais (que opera uma alteração
subjetiva do pacto) não está sujeita às formalidades de alteração do contrato, mas apenas às referidas
quanto à transmissão de participações. A alteração tem de ser registada, para que os credores sociais
tenham conhecimento dos atuais sócios da sociedade. A identificação dos sócios nas SA, por ex., seria
impraticável.
b. Tipo;
De forma a saber qual é o tipo de uma determinada sociedade, e também qual o seu nomen
iuris.
c. Firma;
d. Objeto
Para além do que disposto no artigo 980º CCivil (atividade produtiva e não de mera fruição), e
do que ainda veremos a propósito da capacidade das sociedades, é muito importante ter presente o
regime do art. 11, n.ºs 4 e 5, relativamente à aquisição de participações noutras sociedades, e conjugar
esse regime com o regime específico das SQ.
Assim:
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exercendo, nos termos do número anterior, não depende de autorização no contrato de sociedade
nem de deliberação dos sócios, salvo disposição diversa do contrato. 5 - O contrato pode ainda
autorizar, livre ou condicionalmente, a aquisição pela sociedade de participações como sócio de
responsabilidade ilimitada ou de participações em sociedades com objecto diferente do acima
referido, em sociedades reguladas por leis especiais e em agrupamentos complementares de empresas.
- Se o objeto da sociedade cujas participações se vão adquirir for diferente (ou não complementar) do
da sociedade adquirente, é sempre necessária autorização no contrato (e isto vale para todos os tipos
sociais). Isto não quer dizer que se os gerentes comprarem uma parte noutra sociedade que não
corresponda ao objeto social, essa aquisição seja inválida ou ineficaz. Podemos ter uma aquisição
ultravires (= para além dos seus poderes), sujeita ao regime do art. 268.º/1, que mesmo assim, e em
princípio, vincula a sociedade. Os gerentes violam um dever legal e contratual, pelo que podem ser
responsabilizados e até destituídos com justa causa.
Mais uma vez: se a gerência agir em violação destas regras a sociedade fica ainda assim
vinculada, ficando os gerentes sujeitos a destituição e a responder pelos prejuízos que lhe causarem.
A aquisição continua a ser válida e eficaz.
Quanto aos outros tipos de sociedade, se for uma aquisição numa sociedade com o mesmo
objeto, os gerentes podem agir sem consentimento do contrato ou de deliberação da AG.
e. Sede
O conceito de sede não é unitário. Importa distinguir os efeitos para que relevam os dois
conceitos de sede referidos no CSC:
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g. Temos de perceber o que é que significa cada uma das referências desta alínea:
ii. “natureza da entrada de cada sócio”: discriminar o tipo de entrada de cada sócio:
dinheiro, bens, direitos, ou (quando possível) indústria; Atenção ao n.º 2 deste artigo 9º! Se não
vier descrita a natureza de entrada de cada socio, a entrada é ineficaz. São ineficazes as
estipulações do contrato de sociedade relativas a entradas em espécie que não satisfaçam os
requisitos exigidos nas alíneas g) e h) do n.º 1.
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– nas SQ não há limite para o montante a diferir, MAS nos termos do 199.º/b),
conjugado com o 219.º/3, cada sócio não pode deixar de realizar 1€ aquando da
constituição da sociedade. O artigo 199º/al. b) concretiza o disposto no artigo 9º/ al. g),
dizendo que os sócios têm de indicar o montante realizado, sendo que não podem
realizar valor que seja inferior a 1€. Isto é causa de nulidade do contrato se não for
cumprido.
h. Descrição e especificação do valor dos bens diferentes de dinheiro: cfr. o art. 28.º/6, a
propósito das entradas em espécie. O revisor oficial de contas faz um relatório sobre a avaliação dos
bens diferentes de dinheiro. E o relatório tem de ser publicitado.
Relevam sobretudo para as SA e SCom, porque em relação às SNC e SQ já resulta tudo do art.
9.º.
a) SA: 272.º
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– número de ações e o seu valor nominal, se tiverem – agora há ações sem valor
nominal;
– natureza nominativa das ações – todas ações têm de ser nominativas, pelo que
hoje em dia já não faz sentido;
ii. Tem de se indicar, sempre que for caso disso (tratando-se assim, em rigor, de
menções específicas facultativas):
− por um lado, porque é a que está mais de acordo com a letra da lei (que não parece
dar aos sócios grande alternativa);
b) Sociedades em comandita
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a) Cláusulas consagrando vantagens especiais para algum ou alguns sócios: art. 16.º -
relaciona-se com o processo constitutivo da sociedade. Se um socio teve despesas com a constituição
da sociedade, e se vai ser remunerado ou ter outra vantagem com este processo constitutivo, essa
vantagem tem de constar do contrato. A não previsão torna essas vantagens e direitos ineficazes perante
a sociedade. Os terceiros que contratam com a sociedade têm de saber quais são os encargos que a
sociedade tem;
– Participação nos lucros e perdas: 22.º/1 - O que diz o art. 22.º/1: “Na falta de preceito
especial ou convenção em contrário, os sócios participam nos lucros e nas perdas da sociedade
segundo a proporção dos valores das respectivas participações no capital”. Regime supletivo:
a participação das perdas e dos lucros é igual à participação de capital. Habilitação: podem os
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sócios, no contrato de sociedade, estabelecer um regime diferente, dizer por exemplo: a uma
quota de 20% do capital social corresponde uma participação de 30% dos lucros.
– Realização integral das entradas: 26.º/3 - O que diz o art. 26.º/3: “Nos casos e nos
termos em que a lei o permita, os sócios podem estipular contratualmente o diferimento das
entradas em dinheiro”. Se os sócios nada disserem, as entradas têm de estar realizadas no
momento do contrato, não podem ser diferidas. Todavia, estão os sócios habilitados a
estabelecer no contrato que parte das entradas (quando a lei o autorizar) sejam diferidas para
momento posterior – no caso das sociedades por quotas: até 5 anos e para quase a totalidade da
quota, a não ser €1; no caso das sociedades anónimas: até 70% do valor da entrada no prazo
máximo de 5 anos.
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ii. Não dispositivas, quando se limitam a permitir aos sócios que acrescentem um novo
“problema” (que de outra forma não existirá) ao quadro jurídico da sociedade que constituíram.
Ou seja, se a cláusula não existir não acontece nada, porque se trata de regimes especiais que
apenas existem quando constam expressamente do contrato.
– Direito de exoneração, além dos casos legais: 240.º/1 - Existem causas legais
para a exoneração, algumas previstas no art. 240.º, outras previstas em normas dispersas
do código. Se o contrato de sociedade proibir a transmissão das quotas a terceiros, o
sócio tem o direito de se exonerar nos termos do art. 229.º corridos 10 anos sobre o seu
ingresso na sociedade – art. 229.º/1, mas isto a propósito da transmissão de quotas. Para
além disto, pode o contrato criar causas adicionais de exoneração, pode o contrato criar
circunstâncias em que o sócio tenha o direito de se exonerar – art. 240.º/1: um sócio
pode exonerar-se da sociedade nos casos previstos na lei e no contrato e ainda quando,
contra o voto expresso daquele ocorram algumas das circunstâncias que vêm descritas
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Por um lado, importam as relações internas, isto é, as relações entre os sócios, e entre estes e
a sociedade (ex.: responsabilidade pela obrigação de entrada). Por outro lado, e mais importante,
importam as relações externas, entre a sociedade e terceiros, ou entre a sociedade e os futuros sócios
(que ainda não são sócios até ao registo definitivo do contrato).
a) Antes do contrato ser celebrado – o contrato de sociedade tem uma forma prevista no
artigo 7º CSC, e enquanto esta não estiver verificada, não há um contrato válido. Temos
apenas uma declaração de intenções, uma vontade expressa. Mas não temos mais do que
isso.
b) Depois da celebração do contrato, mas antes do registo definitivo – é um passo
importante na seriedade da vontade dos sócios. Ainda que não haja registo, a intenção é
mais séria.
Este regime das sociedades em formação tinha uma importância elevada, até ao momento em
que passou a ser possível constituir as sociedades comerciais na hora (ex.: online e nas conservatórias).
A sociedade fica, na hora, constituída e registada. Hoje, a maioria esmagadora das sociedades são
constituídas assim. Portanto, em grande parte, não há um hiato de tempo em que temos de estabelecer
um regime próprio.
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Nesta fase da pré-vida da sociedade não há grandes expetativas a proteger, uma vez que a
vontade dos sócios ainda não se encontra minimamente traduzida numa declaração comum. Ainda não
temos uma sociedade, mas já temos um contrato.
i. Hipótese de não haver uma intenção séria de constituir sociedade, mas em que
duas ou mais pessoas se apresentam como sendo sócios – art. 36.º/1: Se duas ou
mais pessoas criarem a ideia falsa de que existe entre si uma sociedade são todos eles,
pessoal, ilimitada e solidariamente responsáveis por todas obrigações que qualquer
um contraia nesses termos – isto acontece quando duas pessoas querem apenas enganar
terceiros, e dão uma falsa aparência de seriedade de um negócio. Não existe sequer uma
sociedade. Há uma simulação. O contrato é tratado como inexistente. Essas pessoas
são responsáveis em termos pessoais, solidaria e ilimitadamente pelas obrigações que
tenham assumido. Se a, b e c se apresentam como sócios não o sendo ou nem o podendo
ser, podem imediatamente ser responsabilizados pelas obrigações que qualquer um
deles contraia nesses termos, porque se apresentam como sócios criando a ilusão de que
são sócios, porque criam a ilusão de que existe um património comum que irá responder
pelas obrigações que qualquer um deles contraia – mas na verdade esse património
torna-se mesmo comum porque são todos solidariamente responsáveis: o património de
a responde pelas obrigações contraídas por b ou por c por exemplo;
ii. Se existir de facto a intenção séria de criar uma sociedade, mas ainda não tiver
sido celebrado o respetivo contrato (porque, v.g., os futuros sócios estão a aguardar
o certificado de admissibilidade da firma para se dirigirem à Conservatória e fazer tudo
‘na hora’), o regime não é já o da inexistência do contrato, mas o da sua sujeição às
regras das sociedades civis – no limite, o contrato já foi redigido, mas as assinaturas
ainda não foram presencialmente reconhecidas. Portanto, não se verifica a forma do
artigo 7º. A intenção já existe e já é percetível, já foi assumida pelos sócios, uns em
relação aos outros. Assim sendo, temos de salvaguardar a posição interna dos sócios
uns em relação aos outros. Mas também temos de salvaguardar as posições dos
terceiros. Portanto, neste caso, aplicam-se as regras das sociedades civis a qualquer que
seja o tipo societário em causa (não se aplicando as regras especiais previstas no CSC
para esse tipo).
Isto tem impacto, entre outros, nos pontos seguintes:
a – Nas relações internas:
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Durante este período de formação, a sociedade vai interagir com terceiros, assumindo
direitos e obrigações. Tendo isto em conta:
Aplica-se o regime previsto no contrato que já foi formalizado e o regime do CSC em tudo o
que não pressuponha o registo definitivo.
Mas há duas exceções no nº2 em que é sempre necessário o consentimento unânime dos sócios:
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i- Transmissão inter vivos da participação – isto porque pode ser prejudicial para a
sociedade, antes de ganhar personalidade jurídica, ser alterada no seu substrato social. Neste período,
vale sempre a regra da unanimidade: um sócio só pode transmitir a participação com consentimento
de todos. Até para evitar que, neste momento tão precoce na vida da sociedade, entre um terceiro, que
pode não ter património, não ter ideias, etc.
ii- Alterações ao contrato de sociedade – o contrato ainda não está registo, pelo que para
alterarem as regras do mesmo é preciso a autorização de todos os sócios.
- Coutinho de Abreu levanta algumas questões relativamente a este ponto. O artigo 86º
protege os sócios em eventualidades do contrato. Pelo que a posição dos sócios perante a
sociedade está sempre salvaguardada pelo artigo 86º, que não permite que, contra a vontade de
um deles, os outros possam deliberar no sentido de aumentar as obrigações dos sócios. O que
significa que, mesmo que o contrato pudesse ser alterado sem unanimidade dos sócios,
funcionava o disposto no artigo 86º. Assim, esta imposição de unanimidade parece um pouco
excessiva, segundo o prof. José Reis.
Os maiores problemas surgem aqui: quem responde perante os credores sociais quando a
sociedade – ou melhor, alguém em nome da sociedade, porque esta ainda não existe como pessoa
jurídica – contrai uma dívida durante este período? (Atenção: vamos ver apenas o regime aplicável às
SQ, SA e ScomA).
Neste caso, há várias opiniões. O que está em causa é: já estamos perante um contrato de
sociedade, porventura já se nomearam os gerentes e administradores, já estipularam as entradas dos
sócios (e uma parte dessas entradas já foi realizada, pelo que a sociedade já tem património).
Importante: a sociedade já tem património, seja em entradas já realizadas, seja em créditos que tenha
sobre os sócios que diferiram o cumprimento das suas entradas. Ou seja, os créditos sobre os sócios
são património da sociedade! Isto significa que a sociedade já tem algum património, que já existem
regras internas de funcionamento, etc. mas ainda não temos pessoa jurídica, ainda não há registo
definitivo, ou seja, a sociedade ainda não tem personalidade jurídica autónoma da dos sócios, ainda
não pode ser sujeita (em geral) de direitos e obrigações.
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i. “todos os que no negócio agirem em representação dela, bem como os sócios que tais
negócios autorizarem”, respondem pessoal, ilimitada e solidariamente por aquelas
obrigações – aqueles que agirem em representação da sociedade podem não ser sócios,
pode ser um gerente não-sócio nomeado. Esse não-sócio age em representação da
sociedade. Se o fizer, pode ser pessoal ilimitada e solidariamente responsável pelos
negócios que celebrarem.
Por outro lado, todos os sócios podem ser responsáveis, ainda que não tenham
intervindo na assunção desta obrigação, na medida em que autorizaram a representação
da sociedade por as pessoas que realizaram o negócio. Portanto, os sócios são
responsáveis por tais negócios, mesmo que não tenham participado nas negociações, na
medida em que autorizaram a representação.
ii. “os restantes sócios” respondem “até às importâncias das entradas a que se
obrigaram, acrescidas das importâncias que tenham recebido a título de lucros ou de
distribuição de reservas.”– os sócios que não tiverem autorizado a representação ou
que não tiverem agido em representação, respondem até à importância das entradas que
tenham realizado ou até à importância que tenham recebido por lucros ou distribuição
de reservas.
Mas atenção: ao referir a responsabilidade do 2.º tipo de sócios, o art. 40.º acaba por de alguma
forma mencionar indiretamente a potencial responsabilidade do património social, porquanto:
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Faculdade de Direito da Universidade do Porto
i - “as entradas a que eles se obrigaram” constituem património social, ainda que apenas
sob a forma de um crédito (isto é, caso ainda não tenham sido realizadas) - As entradas dos sócios
fazem parte do património social. Inclusive as entradas diferidas, às quais eles se obrigaram mas que
ainda não realizaram (voltamos a ressalvar que isto só acontece com as entradas em dinheiro). Ou seja,
a sociedade já dispõe daquele património, composto por entradas já realizadas e por créditos sobre os
sócios. Os créditos são património social.
Como conjugamos o artigo 40º com esta aparente incongruência perante o património da
sociedade?
É a posição que foi defendida por Ferrer Correia e ainda é por Nogueira Seréns,
alicerçada no princípio da exata formação do capital social, segundo o qual não deve
permitir-se que uma sociedade seja registada com um património inferior ao valor do capital
social. Quando uma sociedade é constituída, o seu património tem de ser pelo menos igual ao
capital social para que seja registada. A nossa lei não acolhe expressamente este princípio.
Assim, e para não se correr o risco de que esse património se esgote ainda antes do
registo, terão de ser apenas os sócios (ou não-sócios, caso a sociedade tenha sido representada
por estes) a suportar os encargos resultantes das obrigações da sociedade aquele registo não
estiver feito.
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- al. a): Exercer os direitos da sociedade relativos as entradas não realizadas, a partir
do momento em que elas se tornem exigíveis – imaginemos que o sócio se compromete
a entregar a entrar com 10 000€ no prazo 1 ano. Se a sociedade não notifica o sócio
para cumprimento, qualquer credor pode substituir-se à sociedade e notificar o sócio
para pagar.
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- al. b): Promover judicialmente as entradas antes de estas se terem tornado exigíveis,
nos termos do contrato, desde que isso seja necessário para a conservação ou
satisfação dos seus direitos – se o credor constata que a sociedade não tem património,
mas que os sócios diferiram entradas durante 5 anos, ele pode promover judicialmente
as entradas, de forma a acautelar os seus interesses.
Segundo Maria Ângela Coelho, sendo esta a regra geral das obrigações comerciais,
estabelecida no art. 100.º do Ccom, não se encontra razão para a desaplicar a estes casos.
O artigo 100º diz que qualquer obrigação comercial, em princípio, é solidaria. Sendo esta a
regra geral, não há razão para desaplicar esta regra a estes casos. Pelo que a responsabilidade das
pessoas previstas no artigo 40º tem de ser solidária com a da sociedade, porque foi contraída em nome
da sociedade, e, assim, deve repercutir-se na sua esfera.
Crítica:
É a posição de Paulo de Tarso Domingues, que entende ser de antecipar a aplicação, já neste
período, da solução consagrada na lei para a assunção, por parte da sociedade já registada, de
obrigações contraídas em seu nome, pelos seus representantes, em momento anterior ao registo.
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Portanto, conjuga a responsabilidade prevista no artigo 40º para os sócios e representantes, com
a responsabilidade da sociedade, chamando à colação o artigo 19º. De acordo com esta posição, sempre
que se mostre que a sociedade virá a assumir a obrigação em causa imediatamente após o registo
definitivo, pelo facto de essa obrigação vir expressamente prevista em alguma das alíneas do art. 19.º/1,
não parece haver razão para que não a deva assumir imediatamente, antecipando assim de certa forma,
a aplicação de um regime que passará a ser imperativo a partir do momento em que o registo se conclua.
O que se pretende com esta posição é pegar na letra da lei para o momento posterior ao registo
e fazer com que essa solução pelo menos parcialmente aplicada as relações anteriores ao registo. De
que forma? Vamos estudar as diferentes situações do artigo 19º (que são atos ou contratos que têm de
estar previstos ou mencionados no contrato de sociedade). O objetivo é conjugar a limitação da
responsabilidade dos sócios (fazer com que eles não sejam chamados inadvertidamente a responder
por outras obrigações contraídas no período de formação, para alem das entradas), com a
responsabilidade do património social (para proteção dos credores sociais). Assim:
- para todos os casos elencados no art. 19.º, a responsabilidade é solidária entre a sociedade e
as pessoas do art. 40.º;
Para que esta posição faça sentido, é muito importante ter em conta o 19.º/3: “A assunção pela
sociedade dos negócios indicados nos n. 1 e 2 retrotrai os seus efeitos à data da respectiva celebração
e libera as pessoas indicadas no artigo 40.º da responsabilidade aí prevista, a não ser que por lei
estas continuem responsáveis.” Ou seja, se um sócio ou um representante, por força do artigo 40º, se
tivesse obrigado a contrair uma obrigação em nome da sociedade e já tiver cumprido essa obrigação,
o registo faz com que essa obrigação de pagamento se transfira para a sociedade e esta tem de lhe
restituir o que ele pagou. A menos que o sócio ou representante continue responsável por força da lei.
Ou seja: se um sócio mencionado no art. 40.º já tiver pago a um credor social e a dívida for
abrangida pelo 19.º, ele poderá exigir à sociedade a restituição do que prestou, “a não ser que por lei
continue responsável”. Esta última parte pode ser interpretada de 2 formas:
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- segundo um entendimento mais linear, e que parece mais razoável, a norma dirige-se apenas
aos sócios comanditados (que respondem pessoalmente perante credores sociais) e aos quotistas que
tenham assumido responsabilidade perante credores, nos termos do 198.º;
– de acordo com a “teoria da diferença”, o sócio só será ressarcido se isso não fizer com que o
património social se torne inferior ao capital social. Uma vez que o património social não pode ser
inferior ao capital social: se em incumprimento da sociedade esse património se tornar inferior, os
sócios assumem a responsabilidade adicional. Por ex.: Uma sociedade tem um capital social de
10 000€. A sociedade tinha de comprar 2 computadores, o que ia fazer com que o património descesse
abaixo de 10 000 €. Isso não podia acontecer. Pelo que tinham de ser tos sócios a assumir essa
obrigação. O professor José Reis acha que interpretar assim o 19º/3 é ir mais longe do que o legislador
pretendeu. Não parece haver, na nossa lei, base suficiente para se entender que foi este o sentido
querido pelo legislador.
Portanto, o artigo 19º/1 fornece um elenco das obrigações necessariamente assumidas pela
sociedade após o registo (são então da responsabilidade dos sócios e da sociedade):
- alínea a): “Vantagens” devidas a sócios e mencionadas no contrato: cfr o art. 16.º - o
artigo 16º/1 prevê: “Devem exarar-se no contrato de sociedade, com indicação dos respectivos
beneficiários, as vantagens concedidas a sócios em conexão com a constituição da sociedade, bem
como o montante global por esta devido a sócios ou terceiros, a título de indemnização ou de
retribuição de serviços prestados durante essa fase, exceptuados os emolumentos e as taxas de
serviços oficiais e os honorários de profissionais em regime de actividade liberal.” Estas vantagens e
benefícios que os sócios têm relacionados com a constituição da sociedade têm de estar expressamente
previstas no contrato, e assim for, são imediatamente assumidas pela sociedade no registo. Se não
estiverem no contrato, não poderão ser assumidas pela sociedade.
- alínea b): Despesas decorrentes da exploração normal de uma empresa, mas apenas se
essa empresa tiver entrado na propriedade da sociedade em cumprimento de uma obrigação de
entrada ou de cláusula contratual – pensemos numa sociedade constituída expressamente para
explorar uma empresa, ex. uma lavandaria. Essa lavandaria já pode começar a laborar, mas ainda não
se pode constituir porque houve problemas com a firma. Para a lavandaria funcionar, é preciso comprar
equipamentos, pagar a trabalhadores, etc. Só nestas circunstâncias é que as despesas contraídas na
exploração normal de uma empresa são assumidas depois do registo definitivo. Se os sócios tiverem
deliberado adquirir uma empresa em nome da sociedade sem que isso estivesse previsto no contrato,
serão as pessoas do artigo 40º que terão de suportar integralmente as despesas decorrentes desse
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estabelecimento. Mais uma vez, o contrato social diz aos credores com o que contar. Em suma: se
entretanto a sociedade adquirir uma empresa sem que isso esteja previsto e autorizado no contrato,
serão as pessoas mencionadas no art. 40.º, e não a sociedade, a suportar (integralmente) as despesas
correntes do seu funcionamento.
- alínea c): Negócios anteriores ao contrato de sociedade, que neste sejam expressamente
mencionados e ratificados – falamos de negócios anteriores ao contrato de sociedade e que este
assume em nome da sociedade. Se isto constar do contrato, a partir do seu registo a sociedade assume
a responsabilidade. E os sócios podem exigir da sociedade o que tiverem pago. Se não constar, os
sócios suportam a despesa.
Em suma, nos casos das 4 alíneas estudadas, os negócios têm de estar expressamente
previstos no contrato para que a sociedade seja responsabilizada. O que pode não ser fácil, porque
o contrato não está registado.
Para além dos casos do nº1, o artigo 19º/2 acrescenta: “Os direitos e obrigações decorrentes
de outros negócios jurídicos realizados em nome da sociedade, antes de registado o contrato, podem
ser por ela assumidos mediante decisão da administração, que deve ser comunicada à contraparte
nos 90 dias posteriores ao registo.”
Portanto, fora dos casos do número 1, a administração pode deliberar que a sociedade vai
assumir as obrigações decorrentes de outros negócios, desde que comunique essa decisão à
contraparte nos 90 dias posteriores ao registo. Este prazo de 90 dias serve para proteção da sociedade,
e não do terceiro. Isto porque a sociedade não pode ser surpreendida com uma decisão do conselho de
administração que resolva assumir uma obrigação. Isto significa que o terceiro não pode invocar a
invalidade ou ineficácia dos contratos com fundamento na não-assunção do contrato naquele período,
mas apenas que se o prazo não for respeitado ele apenas pode exigir o cumprimento das obrigações às
pessoas referidas no art. 40.º, e não á sociedade.
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i. Vantagens especiais;
i. Procedimento:
– Prazo: 2 meses (15.º/2); o pedido intempestivo faz com que sejam devidos
emolumentos em dobro (19.º);
ii. Efeitos
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- Para além disso, com o registo definitivo a sociedade assume, se ainda não
assumiu, todos os negócios mencionados no art. 19.º, dos quais já falaremos a propósito da
responsabilidade pelas dívidas contraídas no período de formação Como veremos, essa
assunção tem efeito retroativo, e libera as pessoas mencionadas no art. 40.º – ou seja,
permite-lhes exigir à sociedade a restituição do que eventualmente tiverem pago
2) Publicação
− Efeitos: inoponibilidade dos atos a terceiros enquanto a publicação não for efetuada
(168.º/2); há um “período de graça” de 16 dias a favor dos terceiros, previsto no 168.º/3.
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Mas o contrato de sociedade não gera apenas efeitos inter partes, mas cria uma instituição.
Nessa medida, sendo igualmente um instrumento que cria regras conformadoras de relações com
terceiros que não participaram na sua elaboração, a interpretação das suas cláusulas terá de ser
expurgada de qualquer carga subjetiva, porque aqueles terceiros não podem ficar vinculados a uma
vontade negocial que não seja clara e objetivamente apreensível pela leitura dos estatutos. Por isso,
temos de ter cuidado na forma como aplicamos o artigo 236º, especialmente no que diz respeito à
vontade real dos reclamantes. Assim, é preciso, para proteger as expectativas de terceiros, temos de
considerar a vontade hipotética das partes e cingir-nos à letra da lei ao máximo. Em suma, sempre que
esteja em causa o carácter normativo do pacto social, mais do que o seu carácter de negócio concluído
entre partes, deverá prevalecer uma interpretação e integração que se alheiem da vontade hipotética
dos autores do clausulado, e privilegie a proteção das expectativas de quem contrata com a sociedade.
Também temos de ter em atenção que esta invalidade parcial pode referir-se, por sua vez, a
dois aspetos diversos:
− a uma cláusula do contrato que não se conforme com normas legais imperativas –
neste caso, apenas a cláusula que não é conforme à norma imperativa é que é expurgada,
mantendo-se o remanescente do contrato;
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Neste ponto, já existe um contrato, mas ainda não existe a pessoa jurídica que esse contrato
pretende criar. Mas o contrato já é válido.
i - Invalidades totais: art. 41.º remete para as normas gerais sobre negócios nulos
ou anuláveis
A regra geral é a de que aplicamos as causas de invalidade do Ccivil. Não as consequências são
regidas deplo 52º.
A única ressalva é quanto aos efeitos, que não serão os previstos no Cciv mas sim os do art.
52.º, e que se traduzem em a sociedade entrar em liquidação.
Se um contrato é declarado nulo ou anulado, os sócios não vão ser restituídos de tudo o que
entregaram. Portanto, a invalidade não tem o efeito previsto no artigo 289º CCiv., porque a sociedade
já celebrou negócios com terceiros, já investiu parte do seu património. Por isso, os sócios, nos termos
do artigo 41º, estão obrigados a entrar em liquidação. A liquidação implica, de forma muito básica,
que a sociedade tem de pagar aos credores o que lhes deve; encerrar a atividade; e repartir entre os
sócios o património que porventura sobrar. A entrada em liquidação, nos termos do artigo 41º que
remete para 52º, é a consequência da invalidade total antes do registo.
- Os sócios vítimas de vício de vontade (ex.: coação) ou usura podem apenas opor a invalidade
daí decorrente aos outros sócios, mas já não a terceiros.
Para as SQ, SA e SComA vigora um regime de estrita taxatividade das causas de invalidade
do contrato, imposto pela 1ª diretiva sobre sociedades para proteção dos terceiros que entretanto
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tenham contratado com os sócios. O objetivo é limitar as causas de invalidade do contrato já registado,
que já criou uma nova pessoa jurídica. A diretiva pretendeu delimitar a possibilidade de cada EM
introduzir novas causas de invalidade do contato, para que haja uma uniformização das causas de
invalidade. Isto significa que APENAS os factos aí previstos podem levar à invalidade do contrato.
Muitas vezes, a interpretação dessas causas não é linear. Os legisladores podem optar por
excluir algumas causas de invalidade. mas não podem exceder o leque comunitário.
A nossa doutrina e os nossos tribunais têm recusado qualquer interpretação extensiva destes
preceitos, uma vez que isso constituiria uma violação do direito comunitário.
Coutinho de Abreu defende mesmo essa solução para a “falta de menção da sede”, apesar da
ressalva do n.º 2. O autor refere que no artigo 42º/2 não está previsto na diretiva, pelo que dificilmente
é aceite como causa de invalidade. Qualquer socio pode contestar essa causa de invalidade com base
no Direito comunitário.
- Alínea a) - O que a lei exige não é a observância do mínimo legal, mas a presença de
pelo menos 2 sócios – Portanto, o que a lei diz não é que o contrato é nulo se não estiver cumprido
o mínimo legal de 2 sócios. Mas será nulo se não estiverem presentes 2 sócios no registo. Sem
prejuízo da sociedade ser intimada a corrigir sob pena de dissolução. isto poderia levantar um
problema curioso relativamente a uma SComA com apenas 2 sócios, sendo ambos comanditários
ou comanditados, mas o 473.º/2 acaba por tornar essa questão irrelevante. Se isso acontecer, ainda
que a sociedade tenha 2 sócios do mesmo tipo, os efeitos são os mesmos, ou seja, a entrada da
sociedade em dissolução.
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– numa SQ não for entregue, por cada sócio, pelo menos 1€: 199.º / b).
ii - Invalidades parciais
a) Vícios da vontade e usura: são justa causa de exoneração (nº1): o sócio pode sair da sociedade,
se assim o desejar, recebendo em troca o valor da sua participação no momento em que o requerer. O
ónus de desvalorização da participação social corre por conta do sócio. Quanto mais tempo decorrer
entre o contrato e invocação do vício, maior é o risco de desvalorização.
Qual a diferença entre sócios capazes mas vítimas de vícios da vontade e usura, e os sócios
incapazes?
Como acontecia com as relações anteriores ao contrato, esta diferenciação de regimes justifica-se
pela ponderação da distribuição do risco assumido pelos sócios e por terceiros:
No 1.º caso, o sócio vítima de vício de vontade ou usura pode reagir de imediato, tornando menos
relevante o tempo decorrido entre o contrato e o pedido de exoneração. Por isso deve ser ele a suportar
o risco de perda de valor da sua participação (que depende da rapidez da sua reação), e não os terceiros
a suportarem o risco de insuficiência do património social em virtude da restituição integral da entrada
realizada. O contrato de sociedade implica a prática de atos que se repercutem na esfera de terceiros,
que necessitam de proteção. O legislador entendeu que o risco deve correr por conta do sócio vítima
de vícios de vontade ou usura. Isto não impede que o sócio proponha uma ação de responsabilidade
civil contra outros sócios que o forçaram a entrar no contrato e lhe causaram prejuízo. Mas isso não
interessa aos terceiros.
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No 2.º caso, e porque estamos perante incapazes, não podemos partir desse pressuposto, podendo
decorrer muito tempo entre os dois momentos (o contrato e o pedido de exoneração), e a participação
social desvalorizar-se drasticamente. Por essa razão, os interesses dos terceiros na conservação do
património da sociedade cedem perante os do incapaz, tendo de ser restituído a este tudo aquilo que
deu de entrada. Se entretanto a sociedade já não tiver património, porque entretanto foi todo perdido,
parece dever entender-se (apesar de a lei não o dizer expressamente) que os outros sócios serão
solidariamente responsáveis pela satisfação do seu crédito.
i - Possibilidade de sanação de alguns dos vícios que conduzem à invalidade total: 42.º/2 Só é
possível mediante deliberação que obedeça aos requisitos (nomeadamente à maioria) exigidos para a
alteração do contrato. Portanto, em relação aos vícios previstos na alínea b) do artigo 42º/1, o número
2 diz que os sócios, pela maioria prevista para a alteração do contrato, podem sanar a invalidade
alterando o contrato incluindo esta menção. Numa sociedade por quotas: 75% dos votos
correspondentes ao capital social; numa sociedade anónima ou sociedade em comandita por ações: 2/3
dos votos emitidos em assembleia convocada para esse efeito.
− Prazo: 3 anos para a generalidade dos interessados, a qualquer tempo para o MP;
− Sendo o vício sanável, a interposição da ação tem de aguardar 90 dias após a interpelação da
sociedade para proceder à sanação. Até para não sobrecarregar os tribunais.
O MP deve interpelar a sociedade para regularizar o contrato em prazo razoável, sob pena de
ser requerida a sua liquidação judicial, quando a invalidade se fundar em:
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No fundo, o contrato não é tratado como um contrato inválido, e as causas de invalidade são na
verdade causas de entrada da sociedade em liquidação.
Uma cláusula inválida por ofender uma norma legal imperativa considera-se:
− substituída pelo regime supletivo se esse regime existir (v.g., uma cláusula que impeça
o sócio de participar nos lucros), ou
− pura e simplesmente não escrita se esse regime não existir (v.g., uma cláusula que
preveja prestações suplementares que não consistam em dinheiro – cfr. 210.º/2);
Normalmente aplicar-se-ia aqui o regime da redução, previsto no 292.º CC: o contrato poderia
ser anulado, nos ternos gerais, demonstrando-se que não teria sido concluído sem a parte viciada. Mas
claro que nos contratos a que se aplica o art. 42.º este raciocínio só é válido antes do registo, uma vez
que depois disso o contrato só pode ser anulado com base nas causas aí expressamente referidas.
O mesmo raciocínio vale para a invalidade da declaração de um dos sócios: só pode levar à
invalidade do pacto se a sociedade deixar de ter dois sócios fundadores (42.º/1-a). Mas claro que se o
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projeto deixar de interessar aos demais sócios em função da saída de um deles, os efeitos práticos da
invalidade podem ser alcançados facilmente mediante uma deliberação de dissolução (142.º), que
também tem como consequência a entrada da sociedade em liquidação (146.º/1). Ex: Se a entrada de
um socio A era fundamental para a sociedade, porque tinha património, ideias, conhecimentos. B e C
só entram para a sociedade por causa de A. Por isso, D coage A a entrar para a sociedade. Se A invalida
a declaração, B e C não podem invalidar a sua declaração nem podem invalidar o contrato.
D - Acordos parassociais
i. Acordos celebrados entre sócios, ou entre os sócios e terceiros (apesar de o CSC não
se referir a estes, caem dentro dos limites gerais do art. 405.º Cciv.). São acordos paralelos ao
contrato de sociedade, acompanham a vida da sociedade sem fazerem parte dela (na medida
em que incluem os sócios enquanto sócios),
iii. cujo objeto se prende com a posição jurídica dos sócios, enquanto tais (ainda que
envolvendo aqueles terceiros) relativamente à sociedade,
iv. mas com efeitos circunscritos às relações inter partes, e não afetando a validade dos
atos societários, salvo em circunstâncias muito particulares.
− sendo o seu incumprimento sancionado com uma mera obrigação de indemnizar, nos
termos gerais do direito civil.
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O art. 17.º CSC reconhece a sua existência e efeitos, não prevendo, por via de regra, nenhuma
forma ou formalidades para a sua celebração, apenas não podendo (como sempre seria) ter um
conteúdo contrário à lei. Mas há casos especiais: vejamos dois exemplos.
– Obrigação de um sócio vender as ações que detém, em caso de OPA feita pela contraparte;
– Votar num determinado sentido, indicado pela contraparte, em matérias como (por exemplo)
a eleição dos membros dos órgãos sociais, a alteração do contrato ou a distribuição de lucros. O socio
obriga-se antecipadamente a votar favoravelmente àquilo que a contraparte indicar. Não obriga a
sociedade. se A se obriga perante B a votar favoravelmente a alteração do contrato proposta por B.
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Posteriormente, A vota contra e a alteração não é aprovada porque A votou contra. B não pode reagir
com base no contrato de sociedade. Mas A pode ter de responder com base no acordo parassocial.
b) Acordos que tenham por objeto defraudar proibições estabelecidas na lei, v.g.:
− Compromisso de votar no sentido indicado por um sócio que esteja impedido de votar
(v.g., “A votará sempre negativamente qualquer deliberação tendente à exclusão de B.”: cfr
251.º-1/d).
c) Acordos pelos quais um sócio que integra o órgão de administração se obriga a adotar
determinado comportamento enquanto administrador (17.º/2). O objetivo desta proibição é
garantir que sejam preservadas as funções próprias de cada órgão. E claro que é especialmente
relevante nas SA, onde os sócios não podem deliberar sobre matérias de gestão (373.º/3).
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apresentadas por aqueles órgãos. Novamente a garantia de preservação das funções próprias de
cada órgão, mas agora num sentido diferente do do 17.º/2;
− al. c): proibição da “compra de voto”: é difícil determinar o que constitui uma
“contrapartida ou vantagem especial”, mas claramente não estão abrangidos os casos em que:
− possuem mera eficácia inter-partes, não podendo a sociedade ficar vinculada ao seu
conteúdo: Os acordos parassociais só são eficazes inter-partes e não produzem efeitos
relativamente à sociedade. A sociedade não pode ficar obrigada a cumprir de acordo com que
o acordo diz. Apenas as partes presentes nos acordos podem exigir um do outro o cumprimento
do mesmo;
− a sua inobservância gera uma mera obrigação de indemnização: Também não podem as
partes, em cumprimento do acordo, impugnar atos sociais. Não podem, por exemplo, impugnar
as deliberações da AG com base no conteúdo do acordo parassocial. Portanto, as partes não
podem invocar que um socio se comprometeu a votar favoravelmente a um projeto de
investimento e em AG votou contra. O primeiro socio não pode impugnar a deliberação porque
o outro socio não votou a favor (e incumpriu o acordo parassocial). Ele pode pedir uma
responsabilidade do sócio que incumpre o AP, para o indemnizar pelo valor do prejuízo (danos
emergentes e lucros cessantes).
Em algumas circunstâncias, no entanto, parece defensável (e foi defendido, v.g., por Maria da
Graça Trigo) que as coisas não sejam exatamente assim. A eficácia do acordo pode-se estender à
sociedade: esta pode ficar vinculada, mediante algumas circunstâncias, a atuar de acordo com o
acordo. Vejamos:
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Dois exemplos:
acordo entre o sócio único de uma SuQ e um terceiro (em que, v.g., o sócio único se
compromete a garantir pessoalmente uma obrigação da sociedade para com esse terceiro,
sob pena de essa obrigação se vencer imediatamente) - portanto, o sócio único compromete-
se a garantir uma obrigação da sociedade (enquanto fiador ou avalista), de forma a que esta
não se vença antecipadamente. Se ele se recusa a garantir pessoalmente a obrigação, era
um abuso de direito invocar que a sociedade não está relacionada com essa obrigação. O
tribunal pode dizer que há um abuso de direito neste caso, o socio incumpre deveres de boa
fé contratual, invocando posições diferentes para justificar atitudes diferentes num caso e
no outro. Pelo que podemos imputar consequências deste incumprimento a atos sociedades,
antecipando o vencimento da obrigação.
acordo entre todos os sócios de uma sociedade e um terceiro (v.g., em que todos se
comprometem a votar favoravelmente a autorização para que um deles lhe transmita sua
quota) - Imaginemos uma sociedade familiar, em que todos os sócios se comprometem a
votar favoravelmente à autorização para que um deles transmita a quota (há um acordo com
um terceiro). Se o D quiser transmitir a quota a F, então B e C comprometem-se a autorizar
a transmissão. Se todos já se comprometeram previamente a autorizar, isto pode ser
invocado perante a sociedade, na medida em que é uma manifestação antecipada de
declaração de voto.
Estes são casos que não são fáceis de definir, são casos de fronteira.
B - Quanto à mera obrigação de indemnizar – também não choca que pontualmente possa
recorrer-se à execução específica (830.º Cciv). Se a obrigação não é de indemnizar, afeta a sociedade
e não é inter-partes. Se não queremos recorrer a uma indemnização, podemos executar o acordo. Por
isso, é possível recurso à execução especifica, com os efeitos que daí decorrerem para a sociedade.
Alguns exemplos:
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- Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial – Parte II: Sociedades, 7ª ed.,
Almedina, Coimbra, 2021, págs. 95-160;
- Pedro Maia, Maria Elizabete Ramos, Alexandre Soveral Martins e Paulo de Tarso Domingues
(Coord. Jorge Manuel Coutinho de Abreu), Estudos de Direito das Sociedades, 12ª ed., Almedina,
Coimbra, 2015, pp. 41-84;
- Aa.Vv. (Coord. Jorge Manuel Coutinho de Abreu), Código das Sociedade Comerciais em
Comentário, 7 vols., Almedina, Coimbra, 2011 (anotações aos artigos relevantes).
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A partir do registo do contrato, passa a existir uma nova entidade no tráfego jurídico, com
direitos e deveres.
Importa agora perceber melhor quais as decorrências concretas desse facto, e em que medida a
posição dos sócios e de terceiros pode ser por ele afetada.
Vamos então olhar para algumas questões muito próximas, mas distintas:
i. o que muda, nas relações da sociedade com sócios e com terceiros, com a aquisição de
personalidade jurídica?
iii. sendo a capacidade de gozo uma decorrência natural da aquisição de personalidade jurídica,
de que particularidades se reveste a capacidade jurídica das sociedades?
Claro que aquelas decorrências não são exclusivas deste tipo de pessoa coletiva, e muitas não
dependem (pelo menos integralmente) do registo definitivo do ato constitutivo.
Por exemplo: como vimos, e nos termos dos arts. 36º/2 e 40º, o património colocado em comum
pelos sócios pode responder (em primeira linha ou solidariamente com o de alguns sócios) por dívidas
contraídas em nome da sociedade ainda antes do contrato e/ou do registo. Ou seja, a sociedade em
formação (e ainda sem personalidade) já é responsável (ainda que de forma limitada e não exclusiva)
pelas suas obrigações, sendo nessa medida já um “sujeito de relações jurídicas”. Nomeadamente,
importa o disposto nos artigos 36º/2 e 40º.
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Faculdade de Direito da Universidade do Porto
Por esta razão, Coutinho de Abreu acaba por atribuir mais importância ao conceito de
subjetividade do que ao de personalidade jurídica, e critica uma conceção “absolutizadora” do conceito
e dos atributos da personalidade jurídica das sociedades comerciais – atribuindo-lhe uma importância
normativa residual, sobretudo relevante em termos da interpretação e integração do direito. A
sociedade é um sujeito de relações jurídicas, ao qual são imputados direitos e obrigações
independentemente de já existir ou não.
Por isso se diz que as entradas dos sócios se podem reconduzir a transmissões e aquisições de
dinheiro, de bens ou de direitos. Por exemplo: se um sócio entra para a sociedade com uma empresa
de que é proprietário, essa entrada reconduz-se a um trespasse – devendo nomeadamente, para evitar
quaisquer problemas, ser notificado ao senhorio nos termos já estudados.
Isto se o direito de propriedade for transmitido à sociedade. A entrada pode não consistir na
transmissão de direito de propriedade: pode ser um direito real limitado, direito obrigacional, um
crédito, direito de uso de prédio, etc.. Desde que tenha valor económico, pode ser qualquer direito.
Portanto, a sociedade pode não ser proprietária de todo o seu património.
Para além disso, tudo o que a sociedade adquire (novos equipamentos, por ex.), são lucros
gerados e revertidos a favor da sociedade (e só no fim do ano é que podem ser distribuídos aos sócios
– passando a estar no património pessoal dos sócios).
II - Os sócios são assim apenas titulares de participações sociais (i.é, de frações ideais do
capital social), não podendo utilizar o património da sociedade para fins que sejam alheios ao seu
objeto. A participação é um bem móvel que integra o património do sócio – ainda que no património
da sociedade se incluam bens imóveis.
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sociais (quotas para as SQ, ações para SA). Por isso, apenas indiretamente é que os sócios podem usar
o património da sociedade. Eles não podem usar o património social em benefício próprio. Apenas em
benefício da sociedade e em cumprimento do objeto social. Se o usarem em benefício próprio, podem
ser responsabilizados pelos prejuízos que causarem à sociedade.
A participação é um bem móvel integrado. Este direito que o sócio tem sobre a sua participação
social é um direito com valor patrimonial (que depende do valor que sociedade detiver).
Independentemente do valor nominal da participação, o seu valor real depende da sociedade. Se 4
sócios constituem uma SQ com património de 4000€, sendo que cada um entra com 1000€.
Imaginemos que o negócio teve alguma expansão nos últimos anos. Sendo certo que o capital social é
o mesmo, a sociedade vale hoje 1 000 000€. Se assim é, a quota de casa socio vale ¼ de 1 000 000€.
Apesar do valor nominal da sociedade ser de 4 000€, porque o capital social nunca foi aumentado. Se
algum dos sócios quiser sair e quiser vender a sua participação, ele não vai considerar os 1 000€ com
que entrou (não o valor nominal inscrito no contrato), mas sim vender pelo valor real (por 250 000€,
ou seja o ¼ de 1 000 000€). Portanto, valor real difere de valor nominal. Isto é muito visível na bolsa
de valores: as ações têm valor real a ser alterado, em virtude da procura, etc. Portanto, ao sócio interessa
o valor real (de mercado) quando quer realizar o valor da sua participação.
Como veremos no próximo capítulo, o sócio pode realizar o valor patrimonial dessa
participação, transmitindo-a ou exonerando-se da sociedade, mas apenas nos casos em que isso lhe
seja permitido pela lei, pelo contrato, pela sociedade ou pelos outros sócios (consoante os casos).
Mas já sabemos que o inverso nem sempre é verdadeiro. Em função do tipo societário e do que
esteja estipulado no pacto, e com exceção dos acionistas e comanditários (271.º, 465.º/1, 1ª parte), os
sócios podem ter de responder perante os credores da sociedade por obrigações desta: 175.º, 198.º/1,
465.º/1, 2ª parte. Depende da responsabilidade dos sócios nos diferentes tipos pessoais. Os sócios das
SNC e os sócios comanditados nas SCom são responsáveis perante credores sociais. Os sócios das SQ
também podem assumir essa responsabilidade. Podem haver também casos especiais, como em
sociedades coligadas, em que há essa responsabilidade externa.
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Em certos casos parece justificar-se (sobretudo para quem defende uma perspetiva não-
absolutizante desta matéria) que o conceito de personalidade jurídica das S.C. seja encarado com
alguma maleabilidade, permitindo quer:
− a atribuição à sociedade de alguns atributos próprios das pessoas jurídicas ainda antes do
registo definitivo do ato constitutivo (antecipando aquela atribuição), quer
Estes casos de desconsideração não são novidade, e têm vindo a ser identificados desde há mais
de 100 anos pelos tribunais (sobretudo nos EUA). No entanto, os tribunais portugueses continuam algo
renitentes em reconhecê-los.
A cautela compreende-se, uma vez que em alguns casos pode estar a pôr-se de lado um dos
mais importantes atributos da personalidade jurídica societária, e a principal razão pela qual os sócios
decidiram constituí-la: a separação entre o património societário e o património pessoal dos sócios, e
a responsabilização destes por dívidas daquela.
Este é um mecanismo que tem de ser usado com cautela e em relação aos quais os tribunais
têm relutância em aderir (sobretudo os tribunais menos habituados a criar Direito). Não é fácil delimitar
com rigor em que casos se justifica o recurso a este mecanismo, porque pode significar uma limitação
muito grave ao princípio fundamental do Direito societário (e também da organização empresarial dos
Estados onde as sociedades são constituídas.). Isto porque a maior parte das empresas mais importantes
constituem-se a partir de sociedades comerciais, sobretudo em SQ. Praticamente, deixou de existir
comercio em nome individual. O privilégio de desresponsabilização atribuído aos sócios faz com que
os empresários se sintam mais à vontade para investir e para lançar economia, criar empresas, emprego,
riqueza, fazer circular riqueza e produção, etc. Limitar o princípio da limitação da responsabilidade é
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pôr isto tudo em causa. É uma arma que tem de ser usada com parcimónia e cautelas. Tem de ser um
mecanismo absolutamente excecional. Pode não haver razoes para alterar o que resulta da lei e da
composição de interesses de quem contrata com a sociedade (e também a proteção do investimento e
empreendedorismos e dos incentivos para que se criem empresas).
Por isso, tenhamos sempre presente que se trata de uma solução dotada de laivos de
excecionalidade, e não um expediente a que possamos recorrer por via de regra, para resolver qualquer
problema que não nos pareça estar devidamente tratado pelas regras gerais. Assim, a doutrina e os
tribunais têm dividido os casos em dois grandes grupos:
2. A responsabilização dos sócios por obrigações sociais, quando seja de entender que o
contrário consubstanciaria um abuso de direito - responsabilizar os sócios por obrigações
contraídas em nome da sociedade perante terceiros, quando seja de entender que os sócios estariam a
abusar da separação entre personalidade dos sócios e da sociedade (e quando os sócios tiverem fugido
aos seus deveres de salvaguarda do património social).
A – Casos de imputação
Imaginemos que A trespassa a sua empresa a B. A fica obrigado a não concorrer com B durante
um período de tempo. Mas A, para se furtar a essa obrigação, constitui uma sociedade unipessoal: pelo
que é a sociedade que é concorrente, e não ele. Apesar de ele ser o único sócio daquela sociedade,
teoricamente, é a sociedade que tem um negócio concorrente. Isto ofende o princípio de justiça e
equidade. Pelo que este comportamento da sociedade tem de ser imputado pessoalmente ao socio.
Ademais, a sociedade fica sujeita à obrigação de não concorrência (que supostamente, apenas seria
imputável a A). A sociedade tem de ficar obrigada a não concorrer. Caso contrário, seria fácil defraudar
a lei e ultrapassar a obrigação de não concorrência.
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Quando um trespasse se faz não através da venda do estabelecimento, mas através da venda
das participações sociais da sociedade proprietária do estabelecimento. Importa aqui a diferença entre
os asset deals e os share deals:
A diferença é que, no segundo caso (dos share deals), a empresa não se transmite
juridicamente, ela é propriedade de uma sociedade comercial. A empresa continua na propriedade da
sociedade. O que se transmite é a titularidade da participação. Para efeitos económicos, há um
trespasse. O adquirente quer exercer os direitos que a participação social lhe confere, que é gerir o
património social da empresa.
Para efeitos económicos, os asset deals e share deals transmitem empresas, mas através de
meios diferentes. A maior parte dos trespasses é feita através de share deals.
A própria lei procede, em alguns casos, a esta equiparação. O Novo Regime do Arrendamento
Urbano consagra no artigo 28º/3:
3 - Em relação aos arrendamentos para fins não habitacionais, a antecedência a que se refere
a alínea c) do artigo 1101.º do Código Civil é elevada para cinco anos quando:
b) Sendo o arrendatário uma sociedade, ocorra transmissão inter vivos de posição ou posições
sociais que determine a alteração da titularidade em mais de 50 %.
116
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Ou seja, os sócios transmitem as participações a terceiros, pelo que praticam um ato que não
tem uma repercussão imediata na titularidade jurídica da empresa. Mas a empresa não muda de
titularidade, continua a pertencer à sociedade. A sociedade é que passa a ter novos sócios. A lei entende
que se deve equiparar este caso ao caso de transmissão direta da empresa e retira daí consequências,
desconsiderando a personalidade da sociedade.
iii - Nas mesmas circunstâncias do ponto anterior, é justo que os transmitentes das
participações respondam nos termos no 905.º CC, no caso de as qualidades da empresa estarem
afetadas e o seu valor diminuído. Mais uma vez, ainda que a empresa não tenha mudado de mãos e
continue a ser património social, este trespasse (económico) vai ser imputado aos sócios.
Mais uma vez, imputa-se aos sócios a responsabilidade por uma transmissão que não existiu.
iv - O mesmo se diga se um pai ou avô vender algum bem (uma empresa, um prédio, um
automóvel) a uma sociedade constituída por alguns dos seus filhos ou netos, para contrariar a
proibição do 877.º CCivil. Neste caso, será de imputar à sociedade o impedimento que afetaria os
sócios, sendo a venda anulável nos mesmos termos.
O mesmo acontece se um pai ou avô pretender contornar o artigo 877º, e vender um bem a uma
sociedade constituída por alguns filhos ou netos.
Imaginemos que um pai pretende beneficiar um filho, e vende um bem à sociedade da qual o
filho é sócio. Há uma fraude a lei. Imputa-se à sociedade o impedimento de receber aquela venda.
v - Imaginemos que a sociedade X vende certa mercadoria a A, que paga com uma letra
de câmbio; se a mercadoria não for entregue, o sócio B, a quem a sociedade entretanto endossou a
letra, não pode invocar perante A a natureza mediata da sua relação com A para efeitos do art 17.º
LULL, porque deve ser-lhe imputado o conhecimento de que a obrigação subjacente não foi cumprida,
desde que esse conhecimento fosse igualmente imputável à sociedade.
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Há uma exceção do não cumprimento. Se X endossa a letra a um socio ou gerente seu, X não
pode invocar perante A a natureza mediada da relação. Ele tem conhecimento de que a mercadoria não
foi entregue ou foi entregue com defeito, pelo que este endosso teria como objetivo contornar a exceção
do não cumprimento e a proteção do devedor cambiário. Este conhecimento tem de lhe ser imputado.
É como se não houvesse endosso e a letra estivesse na posse da sociedade.
vii - Imaginemos que A, sócio da sociedade X, controla a sociedade Z, também ela sócia de
X. Se na AG de X se discutir um assunto relativamente ao qual A esteja impedido de votar (por
exemplo, a sua destituição como gerente: 250.º/1-f), esse impedimento é extensível aos votos de Z,
uma vez que devem ser imputadas a esta as circunstâncias ou qualidades que determinam os
impedimentos de A.
B - Casos de responsabilidade
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Quais os termos desse acordo implícito? O sócio não é responsável nas relações externas da
sociedade. Como contrapartida, tem de respeitar algumas obrigações de comportamento, sob pena de
não beneficiar do privilégio inerente a este acordo.
i - Mistura de patrimónios: mesmo fora dos casos do 84.º (responsabilização do sócio único),
se os sócios não respeitam a separação entre o património pessoal e societário (porque utilizam na sua
vida pessoal bens da sociedade, utilizam o cartão da sociedade para pagar despesas pessoais, etc.), a
invocação do benefício dessa separação em sentido contrário – isto é, para se desresponsabilizarem
das dívidas sociais – constitui um abuso de direito, e deve ser negada.
Se o sócio mistura patrimónios, também se podem misturar responsabilidades. Por isso, sujeita-
se a responder perante credores sociais, porque está a abusar do direito a ter património isolado da
responsabilidade pelas dividas da sociedade. Havendo um abuso de direito, o património pessoal pode
vir a responder perante credores sociais.
Ou seja, os sócios, ao se aperceberem que a sociedade já não tem salvação económica (já não
tem credito, não tem procura, os fornecedores não fornecem o suficiente, etc.) podem tentar retirar o
máximo de património da sociedade, e depois esse património é aplicado a outra sociedade ou negocio,
para que a primeira se dissolva sem património e para que isso não beneficie os credores.
Se for demonstrado que foram transmitidos ativos da sociedade (às vezes até intangíveis, como
contratos e clientes), esses sócios devem ser pessoalmente responsabilizados, porque rompem o acordo
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Quando os sócios não dotam a sociedade de meios financeiros suficientes para que ela consiga
prosseguir o seu objeto e o seu fim, pelo que induzem em erro os credores (sem necessariamente
quererem prejudicar os credores). Os credores, ao tomarem conhecimento do capital social que até
pode ser elevado, são levados a crer de que sociedade dispõe de meios financeiros.
Aqui, o nexo de causalidade entre o facto e o dano pode ser mais difícil de demonstrar. Mas
demonstrado, há um abuso de personalidade que leva à responsabilidade pessoal.
Em suma…
Estas situações são excecionais, e devem ser encaradas sempre como tal.
O contrário será pôr em causa o princípio da separação patrimonial, que está na base de todo o
ordenamento societário e, portanto, de toda a organização do tecido empresarial.
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É o que nos diz o art. 6.º/1 CSC: “A capacidade da sociedade compreende os direitos e as
obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim, exceptuados aqueles que lhe sejam
vedados por lei ou sejam inseparáveis da personalidade singular.”
Sabendo-se que, nos termos do 980.º CC, o fim da sociedade é a obtenção de lucro para
posterior distribuição pelos sócios, a medida pela qual se há de aferir a capacidade de uma S.C. para
praticar um ato é então a aptidão desse ato para gerar lucro: os que a tiverem, cabem na capacidade
societária; os que a não tiverem, por princípio não cabem, e por isso são nulos nos termos gerais do
294.º CC. Este é o critério de delimitação de capacidade.
Isto significa que esse critério deve ser a aptidão de ato para gerar lucro. Ou seja, o princípio
geral é de que a sociedade tem capacidade para praticar atos que tenham aptidão para gerar um
lucro. Não tendo essa aptidão, são atos que contrariam uma norma imperativa, pelo que são atos nulos.
Qualquer ato que contrarie o fim da sociedade é um ato nulo. Portanto, um ato que não seja apto a
gerar lucro e não se enquadre nas exceções, é um ato nulo.
Atenção: esta questão não se confunde com a do objeto social. Uma sociedade pode praticar
atos ultra vires (isto é, fora do seu objeto) mas perfeitamente aptos a gerar lucro – e assim
compreendidos na sua capacidade. Por exemplo:
− sociedade que explora uma papelaria compra um imóvel para revenda, porque isso constituía
um bom negócio - esta compra e venda não tem a ver com o objeto social da papelaria. A sociedade
tem por objeto a compra e revenda de material de papelaria. Não acabe aí a compra e venda de imoveis
para revenda. No entanto, esses atos cabem na capacidade da sociedade, porque lhe podem trazer lucro.
Neste caso, imaginemos que ela revenda por um preço superior ao da compra.
− sociedade de restauração compra uma participação numa sociedade que explora lavandarias,
porque sabe que esta está a crescer e isso constitui um bom investimento – os negócios são distintos,
não parece haver complementaridade. Mas tratando-se de negócio que traz lucro à sociedade, cabe na
sua capacidade jurídica, pelo que é um negócio valido. A sociedade tem capacidade para o praticar,
porque pode vir a lucrar com este investimento.
121
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O que interessa é criar um critério perfeitamente uniforme. Qualquer ato que seja oneroso é
sempre válido sob o ponto de vista do fim social.
− a sociedade pode invocar a sua não vinculação perante terceiros que desconhecessem o
caráter ultra vires do ato praticado (260.º/2);
− os gerentes podem ser responsabilizados (72.º) e destituídos com justa causa (257.º/4), uma
vez que violaram o dever legal de não ultrapassar o objeto social (259.º).
Que atos não têm, ou podem não ter, então, aquela aptidão? Apenas aqueles que, mesmo
em abstrato, sejam de todo inaptos a produzirem um lucro para a sociedade. De uma maneira genérica,
estes atos enquadram-se em duas grandes categorias:
A – Liberalidades
Diz o 6.º/2 do CSC que “as liberalidades que possam ser consideradas usuais, segundo as
circunstâncias da época e as condições da própria sociedade, não são havidas como contrárias ao
fim desta.” Qual a finalidade desta norma? Certas liberalidades “usuais” inserem-se com naturalidade
no fim da sociedade, uma vez que têm unicamente por finalidade potenciar a sua capacidade lucrativa,
não tendo verdadeiro caráter altruístico. Ou seja, inserem-se no fim social na medida em que têm como
objetivo dar a conhecer a sociedade, fazer publicidade, cativar público alvo e clientes, tornar a
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sociedade comercial simpática aos olhos da comunidade. Ainda que liberalidades, são liberalidades
interessadas, inseridas em campanhas de marketing.
Por exemplo:
− brindes promocionais;
Ninguém no seu perfeito juízo contesta que qualquer destes exemplos (como é claro, desde que
usados com razoabilidade) contribui para que a sociedade seja mais conhecida, tenha melhor imagem
junto dos clientes e do público em geral ou funcionários mais dedicados. Tudo isso, sem dúvida,
potencia a sua capacidade lucrativa e a sua aptidão para prosseguir o fim que a lei lhe atribui.
Ou seja, estas liberalidades sempre se incluiriam na sua capacidade genérica, não sendo
necessária qualquer norma especial habilitante para as autorizar. Sendo assim, e para que o 6.º/2 seja
interpretado de forma útil, deve entender-se que ele tem por objeto apenas as liberalidades
verdadeiramente altruísticas, ou seja, aquelas de que não resulte para a sociedade qualquer posterior
(e meramente potencial) benefício patrimonial.
Um exemplo recente: a iniciativa tomada por uma empresa de fabricar gel desinfetante com o
álcool extraído da cerveja para posteriormente o doar às instituições de saúde, neste período de
pandemia.
O critério para destrinçar as liberalidades permitidas consta do 6.º/2, e deve considerar dois
aspetos:
123
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A regra é, portanto, muito simples: uma sociedade não pode ser garante de dívidas alheias.
Mas há exceções:
a - Justificado interesse próprio da sociedade comercial: não basta que a garantia sirva o
propósito de um ou mais sócios, ela tem de ser objetivamente justificada pelo interesse social. Tem de
ser um interesse da sociedade. Vejamos dois exemplos de escola:
− funcionário que é deslocado para outra cidade, e precisa de um fiador para o contrato
de arrendamento da sua nova casa: é do “justificado interesse da sociedade” que ele possa
instalar-se para poder trabalhar;
Claro que no juízo de adequação temos de ter em conta vários fatores, como sejam:
− a sua situação financeira, e portanto o risco implícito de a garantia vir a ser exercida;
Claro que uma garantia onerosa (pela qual a sociedade seja efetivamente remunerada) está
excluída do âmbito do art 6º, por ter aptidão para produzir lucro.
pela estratégia de grupo. Recorde-se que as diretoras podem dar instruções, até desvantajosas, às
subordinadas.
Nas relações de grupo, a questão coloca-se em termos menos dramáticos para os credores,
porque a sociedade diretora, para além de dar instruções à subordinada, responde para com os credores
da subordinada. Isso não acontece nas relações de domínio.
Isto é um raciocínio que faz sentido, mas pode gerar dificuldades de aplicação. A lei não
distingue uns casos dos ouros. O credor da sociedade diretora ou dominante acreditou que o seu crédito
estava garantido pela dominada ou subordinada. Para que o credor pudesse efetivar a responsabilidade
da dominada / subordinada era preciso que a dominante / diretora não tivesse património suficiente. O
que significa que provavelmente a subordinada já não teria património também. Na prática, é uma
disposição que não terá aplicação.
Já sem qualquer relação com o fim social, a parte final do 6.º/1 sublinha o que é uma evidência:
que uma sociedade não tem capacidade para atos cuja natureza esteja exclusivamente relacionada com
a qualidade de pessoa singular de quem os pratique.
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- se uma sociedade comercial adotar uma criança, refugiada por ex., concedendo excelentes
condições de vida. Em contrapartida, usa a criança nas campanhas promocionais de Marketing. As
campanhas foram um sucesso e a sociedade conseguiu promover o seu negócio. Neste caso, a adoção
seria permitida? Não, a sociedade está limitada pela natureza de pessoa coletiva. Um ato deste género
não pode ser praticado por uma pessoa coletiva.
- Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial – Parte II: Sociedades, 7ª ed.,
Almedina, Coimbra, 2015, pags. 161-204;
- Pedro Maia, Maria Elizabete Ramos, Alexandre Soveral Martins e Paulo de Tarso Domingues
(Coord. Jorge Manuel Coutinho de Abreu), Estudos de Direito das Sociedades, 12ª ed., Almedina,
Coimbra, 2015, pp. 85-112;
- Aa.Vv. (Coord. Jorge Manuel Coutinho de Abreu), Código das Sociedades Comerciais em
Comentário, 7 vols., Almedina, Coimbra, 2011 (anotações aos artigos relevantes).
Participação Social
Noção e tipos
Contidos na participação social, estão todos os direitos e deveres que o sócio tem enquanto tal ou
pode vir a ter (na decorrência da sua qualidade de socio daquela concreta sociedade). Das clausulas
que os sócios aceitaram quando assinaram o contrato ou que decorrem da lei, surgem direitos e
obrigações que integram o património do sócio. É um conjunto com valor próprio, que pode ser
calculado de várias formas. É um conceito polissémico. É um conjunto de direitos e deveres com valor
próprio que integra o património pessoal do sócio (seja ele pessoa singular ou coletiva). Isso terá
consequências, por ex., se o sócio se tornar insolvente e se o património não for suficiente para cumprir
as suas obrigações e a sua participação vir a ser executada pelos credores: a sociedade é obrigada ou
não a admitir como sócios os que adquiriram a participação do sócio insolvente em venda executiva?
Logo estudaremos isso.
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No entanto, nem sempre a participação tem um valor nominal e será computada no capital:
não o terá quando a entrada do sócio consistir em indústria, o que apenas é permitido nas SNC e, nas
SCom, quanto à entrada dos sócios comanditados (9.º/1- j), 178.º/1, 468.º). Quando um sócio entra
para uma sociedade com indústria (ou seja, quando não sejam bens, dinheiro ou direitos), o que só é
possível nas SNC, e nas SCom para os sócios comanditados, a participação correspondente a essa
entrada não é contabilizada no capital social. Pode ter um valor, mas não é contabilizado, porque isso
era dar uma falsa indicação aos credores. Não podemos incluir no valor de capacidade financeira e
solvabilidade valores que têm como espelho prestações intangíveis: serviços, trabalho, ideias,
contactos, etc. Isso pode ter muito valor e pode ser essencial numa sociedade comercial, mas pode não
valer nada em termos económicos. Pelo que o legislador, não admite que estas entradas sejam
contabilizadas no capital social. Só as entradas que têm como contrapartida a entrega de bens, direitos
e dinheiro são contabilizadas. Hoje em dia, podem ser emitidas ações sem valor nominal: a sociedade
pode optar por as suas ações terem ou não valor nominal.
Recorde-se que quando a participação tiver valor nominal, esta NUNCA PODE EXCEDER
O VALOR DA ENTRADA DO SÓCIO (25.º/1). No momento em que a sociedade é constituída, ou
no momento em que há um aumento de capital, ou seja, no momento em que emite participações
sociais, a contrapartida que os sócios dão em relação à participação nunca pode ser inferior ao valor
nominal da participação. Porque assim o património da sociedade seria inferior ao valor nominal do
capital social, o que ia enganar os credores. Ex.: A sociedade tinha um capital de 5 000€, mas apenas
recebia 2000€ dos sócios. Isso iria enganar os credores sociais. Pelo que é proibido pelo 25º/1 CSC.
- “parte social” às dos sócios das SNC e das SComS, e ainda às dos sócios comanditados das
SComA;
Passando agora a referir-nos apenas às ações, estas podem ter várias modalidades:
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A ação titulada consta de um título físico. A ação escritural consta de um registo em conta, e à qual
não corresponde um título propriamente dito.
Sendo certo que as ações transacionadas em bolsa são valores mobiliários sujeitos ao CVM.
ii. Ordinárias: as ações ordinárias atribuem aos seus titulares os direitos que a lei consagra
genericamente. As ações especiais pertencem a uma categoria especial de ações que o contrato tem de
criar, e preveem mais ou menos direitos do que aqueles que a lei genericamente prevê. Estas últimas
confundem-se com o conceito de direito especial.
Quando aquela categoria de ações prevê mais direitos do que aqueles que a lei atribui em geral,
por ex.: quando uma ação dá ao titular o direito de vetar certas deliberações da AG (o direito que o
Estado tinha quando era titular de ações microscópicas de várias SA, tinha direito de vetar
determinadas posições da sociedade), falamos de ações privilegiadas que atribuem mais direitos do
que a lei prevê.
Pode acontecer que uma ação seja diminuída, ou seja, tenha menos direitos do que aqueles que
a lei atribui normalmente. Por ex.: uma ação que não atribui direito de voto. Em Portugal, temos ações
preferenciais sem direito de voto. Estas ações atribuem um direito preferencial ao lucro (os titulares
recebem lucro com preferência face a outros sócios titulares de ações ordinárias). Ademais, em
liquidação da sociedade, os titulares das ações preferenciais sem direito de voto, têm direito a
pagamento preferencial. Contudo prescindem do direito de voto. O publico alvo destas ações são os
pequenos investidores, destinam-se a ser adquiridas por quem quer investir pequenas quantidades de
capital e não esteja interessado em exercer alguns direitos geralmente inerentes à participação social,
nomeadamente o direito de voto. Por ex.: um sócio que invista 2 000€ numa sociedade: não lhe
interessa participar em AG’s. Por isso, troca esse direito por um direito preferencial ao lucro. São uma
forma de impedir que novos acionistas possam alterar o equilíbrio de poderes dentro da AG: a
sociedade financia-se no mercado, e ao mesmo tempo, não se altera o equilíbrio de forças porque os
direitos de voto mantêm-se como já existiam.
iii. Com ou sem valor nominal: consoante representem ou não uma fração do capital social.
Na segunda hipótese, terão de ter sempre um valor de emissão (276º).
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Isto está relacionado com a possibilidade da sociedade se financiar com recurso ao aumento de
capital (financiamento bolsista da sociedade).
- emitir empréstimos obrigacionistas – emite obrigações que fica obrigada a reembolsar com juros;
- aumentos de capital – falamos de capitais próprios (não é divida, não é debt equity). Emitem mais
capital sob a forma de ações que é colocado no mercado (na bolsa ou instituições de crédito) para que
os interessados adquiram as ações.
Nos termos do artigo 298º/1: “É proibida a emissão de acções abaixo do par ou, no caso de acções
sem valor nominal, abaixo do seu valor de emissão”. Isto tem de ser conjugado com o artigo 276º/4.
Ou seja, uma sociedade que queria emitir capital para se financiar, não pode emitir ações colocando
a sua venda por valor inferior ao nominal. Esse valor nominal pelo qual essas novas ações vão ser
emitidas não pode ser inferior ao valor inicial de quando foram emitidas. Temos aqui um limite ao
valor pelo qual as ações são emitidas.
Imaginem uma sociedade que tem um capital social de 100 000€ dividido em 100 000 ações: cada
ação tem valor nominal e 1€. Por razões de mercado ou crise financeira etc., o valor de cotação dessas
ações está abaixo do valor nominal, e as ações são transacionadas por 0.8€ (abaixo do valor nominal).
Essa sociedade precisa de se capitalizar, e a melhor solução em termos financeiros é fazer um aumento
de capital. Mas não pode emitir ações a 1€, porque elas no mercado estão a ser vendidas a 0.80€ (pelo
que se fossem emitidas a 1€, não iam ter procura). Mas podem transformar as ações em ações sem
valor nominal (sempre com atenção ao artigo 276º/2). Se a sociedade emitir ações sem valor nominal,
vai emitir capital de 20 000 ações e vai atribuir a essas ações o valor nominal que não é inferior ao
valor de transação das ações em bolsa e podem ter colocação dentro dos subscritores. Portanto,
contornam o 298º/1: podem emitir ações que não sejam a abaixo do par (do valor nominal). Existe um
valor de emissão que resulta da divisão do capital social pelo nº total de ações. O valor de emissão não
corresponde exatamente ao valor nominal.
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O valor de uma ação é muito importante (sobretudo mais do que o valor das quotas que é referido
no momento em que sociedade é constituída ou quando o sócio quer sair da sociedade e vender a sua
participação). Nas ações, o valor é mais importante, porque há muita transação de ações.
i. Valor nominal – fração do capital social que a participação representa, e que não pode ser
superior ao valor da entrada (25º/1).
ii. Valor de emissão – o valor atribuído à ação no momento em que é emitida, represente ela ou
não uma fração do capital social: se não representar, obtém-se dividindo o capital social pelo número
total de ações. É útil sobretudo no caso de ações sem valor nominal.
iii. Valor de subscrição – valor (em dinheiro ou em bens) que a sociedade recebeu em troca da
participação: correspondente ao valor da entrada entregue pelo sócio. Isto refere-se apenas a dois
momentos: momento em que a sociedade é constituída e as participações são criadas ex novum; e
momento em que há aumentos de capital, quando as participações são adquiridas por novos sócios ou
por sócios já existentes. O valor de subscrição corresponde ao valor da entrada entregue pelo socio no
momento de criação da sociedade ou no momento em que houve um aumento de capital.
Este valor pode não corresponder ao valor nominal ou ao valor de emissão, na medida em que pode
incorporar um ágio, ou seja, um sobrepreço pago pelo sócio relativamente ao valor nominal (ou de
emissão), que fica obrigatoriamente sujeito ao regime da reserva legal (295º/2+3).
Apesar deste artigo se integrar no título das SA, é pacifico que se refere também a SQ. Os ágios
emitidos nas quotas ficam sujeitos ao regime da reserva legal, porque há remissão para o regime das
SA. O número 3 al. a) do artigo 295º: “Os ágios a que se refere a alínea a) do número anterior
consistem: a) Quanto à emissão de acções, na diferença para mais entre o valor nominal e a quantia
que os accionistas tiverem desembolsado para as adquirir ou, no caso de acções sem valor nominal,
o montante do capital correspondentemente emitido”.
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b) Para cobrir a parte dos prejuízos transitados do exercício anterior que não possa ser coberto
pelo lucro do exercício nem pela utilização de outras reservas;
c) Para incorporação no capital.
Portanto, as reservas só podem ser utilizadas para cobertura de prejuízos, sejam de balanço ou
transitados do exercício anterior, ou para a incorporação no capital. Quando estamos a dizer que as
reservas só podem ser utilizadas para estes fins, referimo-nos à utilização contabilística. Ou seja,
quando o CSC determina que os sócios não podem usar verbas necessárias à cobertura do capital social
ou as verbas de reserva legal etc., está-se a dizer que a sociedade não pode distribuir estes valores aos
sócios a título de lucros e reservas. Se uma sociedade procede a um aumento de capital e nesse aumento
realiza 1M de euros em ágios, esses ágios podem ser usados pela sociedade na sua atividade normal
(ex: comprar equipamentos, pagar salários, pagar dívidas, etc.). Mas não pode incorporá-lo no lucro e
distribuir aos sócios. A obrigação de conservação do capital social e reservas refere-se à proibição de
distribuição a título de lucros, e não à utilização produtiva desses valores.
iv. Valor contabilístico – que se confunde bastante com o valor real: o valor da participação em
função da fração que representem do património da sociedade em cada momento, e que será quase
necessariamente diferente do valor do capital social.
O valor nominal é aquele que é atribuído à participação no contrato e que corresponde à fração do
capital social. O valor real da sociedade, dado pelo seu património, varia diariamente, consoante
negócios, dividas, etc. O valor contabilístico é a fração do património da sociedade em determinado
momento. Se uma sociedade tem um capital social de 10 000€, com duas quotas de 5 000€; mas que
vale 1M de euros, porque teve muito sucesso. O valor real ou contabilístico da participação não é de
5 000€, mas sim de 500 000, porque o valor real é de 1M€.
Este valor contabilístico vai ser o elemento preponderante que vai influenciar decisivamente o
valor de transação: o valor que o mercado atribui à participação, e que, no caso das ações negociadas
em bolsa, designamos por cotação. Uma sociedade com um capital de 50 000€ dividido em 50 000
ações (cada ação tem o valor nominal de 1€), isto não significa que todos os dias em bolsa essas ações
sejam transacionadas por 1€. Elas serão transacionadas consoante o valor real da sociedade, e a
perceção que os investidores têm do valor real e da sua evolução. Ex.: Se um investidor sabe que as
ações de uma sociedade com valor nominal de 1€ estão a ser transacionadas a 1.5€. O valor percebido
pelos investidores é de 1.5€ x valor do capital social. mas se o investidor sabe que a sociedade se
prepara para fazer um investimento valioso e que vai trazer lucros, e está a vender muito e no fim do
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exercício vai ter muitos lucros para distribuir, o investidor sabe que o valor real da sociedade vai
aumentar a curto prazo tal como o valor de transação das ações. As ações podem passar a valer 1.8€,
por ex., porque a procura dessas ações vai aumentar.
Este valor que os investidores percebem da sociedade pode muitas vezes estar dissociado do valor
nominal e do valor real da sociedade. Ex: Há uns anos, o BES tinha ido fazer um investimento
altamente subscrito. Os investidores pensavam que era um investimento seguro, o que não aconteceu.
Portanto, a perceção nem sempre acompanha a realidade e leva os investidores a investirem mal. E a
pagarem por uma ação o que ela não vale. Porque havia dividas escondidas. Foi criada uma ilusão de
investimento e crescimento que não correspondia à realidade.
Ambas têm um valor mínimo de emissão: 1€ para as quotas (219º/3), 1 cent. para as ações
(276º/3). Não podem haver ações e quotas a valerem menos do que estes valores. Não há limite
máximo;
As quotas podem ter valor diverso entre si (219º/3), as ações têm de ter todas o mesmo valor
(276º/4). Pode haver ações com direitos e obrigações diferentes, mas têm de ter o mesmo valor (seja
valor de emissão ou nominal). Por isso, a criação de ações sem valor nominal facilita os aumentos de
capital.
As quotas podem ser divididas (221º), as ações não (276º/6) – não se pode dividir ações, porque
têm de ter o mesmo valor nominal. Por outro lado, um socio de uma SQ pode ceder parte da sua quota.
Ex: um sócio tem uma fração de 40% do capital social e cede 20% a algum outro sócio ou a um terceiro.
Ou então, o socio entende que a sociedade tem muito capital social e amortiza parte do capital social
e parte da quota.
Tendencialmente, cada sócio tem apenas uma quota (219º), mas uma pluralidade de ações –
atenção ao 212º/2: Em caso de divisão de quotas ou de aumento de capital, a cada sócio só pode caber
uma nova quota. Na última hipótese, todavia, podem ser atribuídas ao sócio tantas quotas quantas as
que já possuía. Neste caso, o sócio pode ficar com duas quotas, ou pode uni-las numa quota única.
Pode acontecer que a quota que adquiriu tenha um direito especial relativo apenas a parte do capital
referente a essa quota.
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No caso de ações, a menos que a ação tenha um valor muito elevado ou a que a essa ação
corresponda um direito especial, quase sempre o socio terá várias ações e não apenas uma.
Quando seja titular de mais do que uma participação, e salvo situações mais ou menos
excecionais, os direitos (e obrigações) do sócio são aferidos por referência à totalidade das
participações subscritas – um sócio é titular de 1000 ações numa SA que valem 1€ cada, pelo que não
vai aferir o direito de voto por referencia a cada uma das ações em particular. O direito de voto afere-
se unitariamente relativamente ao conjunto de ações. Tal como o direito de lucro.
A maioria dos direitos contidos na PS são direitos gerais, no sentido de serem comuns a todos os
sócios, embora a sua medida concreta dependa em geral do valor nominal da participação de cada um
– que, insista-se, nunca pode ser superior ao valor da entrada. Se o contrato não disser nada em
contrário, são uma função direta do valor da participação do sócio. Se o contrato for omisso quanto
existência destes direitos ou da existência de ações especiais sem direito de voto, se um sócio tem 15%
capital social tem 15% do direito de voto e do direito de lucro.
Há certos direitos que em alguns tipos, sobretudo nas SA e Com por ações, só existem se o socio
tiver uma determinada percentagem de capital social: direitos de participação em AG, direitos de
informação, etc. Para alguns casos, algumas dimensões destes direitos estão reservadas a sócios que
tenham uma percentagem mínima no capital social: são sócios que têm um interesse societário
consistente para justificar que possam convocar uma AG, votar, estar presentes na AG, etc. A lei ou
estatutos podem impor algumas limitações decorrentes do montante da participação.
Portanto, os direitos gerais são os que a lei prevê de forma tendencialmente unitária para todos os
sócios e que se mantêm se o contrato nada disser em contrário.
- direito ao lucro (em princípio na proporção da sua participação) - a menos que o contrato preveja
sanções adicionais para a mora na realização de entrada. Se isso acontecer, o sócio pode ficar privado
do direito ao lucro se o contrato previr expressamente essa possibilidade. Ou seja, em regra, salvo que
o contrato estipule em contrário, um sócio de uma SQ tem sempre direito ao lucro. Numa SA, isto não
acontece: um sócio em mora deixa de ter direito ao lucro.
133
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Isto não é o acontece sempre com os sócios de uma SA, porque o sócio pode não ter isoladamente
acesso pleno a todas as dimensões do seu direito de voto e direito à informação, porque não preencher
o patamar mínimo de capital social que a lei impõe em certos aspetos para possa exercer esse direito.
Sucede, muitas vezes, que o contrato de sociedade preveja um ou mais direitos de que apenas são
titulares os sócios expressamente identificados (se essa for a vontade dos sócios, e se não contrariar
normas legais imperativas), com exclusão de todos os outros – presentes ou futuros. A estes direitos,
chamamos direitos especiais (DEs), e vêm previstos no art. 24.º. Vejamos alguns traços do seu
regime:
i. Têm sempre de constar do contrato de sociedade, sob pena de se terem por não escritos –
ou seja, de inexistência (24.º/1) - Estes direitos só existem se constarem do contrato de sociedade. Se
forem acordados, em AG, direitos especiais ao lucro para determinados sócios, esses direitos não
existem. O conteúdo dessa deliberação é nulo, porque contraria uma normal legal imperativa. Estes
direitos só podem ser criados pelo contrato.
ii. Salvo norma legal ou cláusula contratual em contrário, só podem ser limitados ou
suprimidos com o consentimento do titular (24.º/5); na falta desse consentimento, a deliberação
de alteração do contrato que os limite ou suprima será ineficaz para todos: 55.º - A menos que o
contrato diga algo em contrário, um direito especial só pode ser limitado ou suprimido com o
consentimento expresso do seu titular. O seja, não pode ser deliberado nem por unanimidade dos outros
sócios a supressão ou limitação de um direito especial.
Imaginem que um sócio tem um direito vitalício à gerência e é gerente para sempre enquanto não
renunciar ou não houver justa causa para destituição (isto porque um direito especial não pode imunizar
um socio contra a sociedade: se o sócio com direito especial praticar um ato lesivo para a sociedade,
esse direito terá de ceder). Não vigora a regra da livre destituição, porque todos os sócios acordaram
no contrato reconhecer àquela pessoa aquele direito especial à gerência. Não podem, nem por
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unanimidade nem mediante indemnização, destituir aquele gerente. Apenas mediante o consentimento
do titular do direito especial é que este pode ser suprimido ou limitado. Enquanto não houver esse
consentimento, qualquer deliberação que suprima ou limite o direito especial é ineficaz para todos. O
artigo 55º prevê a ineficácia de deliberações sociais.
Isto não acontece se, nos termos do artigo 86º/2, for deliberada uma alteração do contrato e essa
alteração envolver o aumento das prestações impostas pelo contrato aos sócios. Neste caso, essa
alteração apenas será ineficaz para os sócios que não consentiram.
No caso do artigo 24º, na limitação ou supressão de um direito especial, a regra é a do artigo 55º:
ineficácia para todos os sócios enquanto não for prestado o consentimento. Isto compreende-se.
Imaginem o caso do sócio gerente: se a alteração que suprime esse direito à gerência não for ineficaz
para todos, ele deixava de ser gerente para alguns sócios, mas continuava a ser para outros? Isso não
faz sentido. Portanto, esta ineficácia é geral enquanto não for prestado o consentimento.
iii. Nas SA, são consagrados por categorias de ação, e não atribuídos individualmente (24.º/4);
ex: ações preferenciais sem direito de voto (341.º ss.) - nas SA, os direitos especiais não são
atribuídos por cabeça, são atribuídos por categorias. Algumas ações (podem estar todas na titularidade
do mesmo socio) que atribuem um direito acrescido ao lucro, por ex. Todas as outras ações são
reduzidas proporcionalmente. Esse direito é um direito para os titulares da ação daquela categoria.
Pode ser só 1 socio que inicialmente seja titular daquelas ações, mas se ele transmite as ações a vários
terceiros, cada um deles tem o direito corresponde. É um direito patrimonial, pelo que é sempre
transmitido.
– nas SNC: intransmissíveis (24.º/2); é também o regime para as SComS (474.º) e para os sócios
comanditados das SComA;
– nas SQ: salvo indicação em contrário no próprio contrato, apenas os direitos de natureza
patrimonial se transmitem com a quota (24.º/3). Os direitos de natureza patrimonial transmitem-se
naturalmente. Outros direitos não se transmitem, como o direito à gerência. O que os sócios acordaram
foi que aquele sócio A pode ser gerente vitalício, e não a pessoa a quem ele transmitiu a quota (porque
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esse terceiro pode ser incompetente, desonesto, etc.). Mesmo que se trate daqueles casos em que a
transmissão da participação social é livre!
– nas SA: na falta de regra especial, transmitem-se naturalmente com a ação. Sejam de natureza
patrimonial ou não.
Questiona-se em que condições pode um direito especial ser introduzido no contrato através
de uma alteração: esta dúvida tem a ver com o facto de esse direito vir alterar o equilíbrio estabelecido
entre os sócios, colocando um ou mais entre eles numa posição de privilégio.
Parte da nossa doutrina (Raul Ventura, Brito Correia) entende que isso apenas é possível se a
alteração for votada por unanimidade, em decorrência do princípio da igualdade de tratamento dos
sócios: privilegiar um ou mais sócios sem que todos os outros estejam de acordo será uma violação
deste princípio.
Outros autores (v.g., Paulo Olavo Cunha) entendem que se a lei não requer a unanimidade, bastará
a maioria qualificada que é exigida para se proceder à alteração do contrato para que um direito
especial seja validamente criado.
Fora destes casos excecionais, entende Coutinho de Abreu que vale a unanimidade segundo o
princípio da igualdade de tratamento, sendo inválidas as deliberações de alteração do contrato que não
o respeitem.
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Ao lucro: 22º/1 - pode haver um preceito especial que estabeleça que um sócio recebe mais do
que os outros. Se um recebe 3%, só sobram 70%, que serão divididos pelos outros sócios. A este direito
corresponde uma retração do direito ao lucro dos outros sócios. Mas é um direito que tem de ser aceite
por todos.
Ao voto duplo: 250º/2 – é um direito especial de contabilização dos votos que existe apenas
para sócios das SQ. Imaginem que uma SQ é constituída por 5 sócios, cada um deles com 1000€. Cada
sócio tem 100 000 votos. Cada um dos sócios tem 20%, pelo que um deles por ex., pode ter
reconhecido como direito especial o facto de cada cêntimo do seu capital valer 2 votos. Apesar de
todos terem uma quota com o mesmo valor nominal, enquanto os outros sócios têm 100 000, ele tem
200 000 votos. Isto só é possível até 20% do capital.
À gerência: 257º/3 - se o gerente praticar atos lesivos à sociedade, pode ser suspenso e
destituído pelo tribunal. Não podem ser os sócios a destituí-lo. Tem de ser o tribunal a reconhecer a
justa causa de destituição.
À designação de gerente: 83º - um sócio pode ter um direito especial a designar quem é que
pretende que seja gerente. Portanto, pode ser previsto no contrato o direito de 1 ou mais sócios
designarem um gerente. Por norma, o contrato prevê a seguinte cláusula: “A gerência é composta por
X e X, e pela pessoa que o sócio A indicar”.
Atenção: embora seja por vezes considerado como tal, não deve (em princípio) ser considerado
como um direito especial a cláusula nominativa que obriga à intervenção de um gerente (que
normalmente é o sócio maioritário) para vincular a sociedade: o que está aí em causa é o modo de
funcionamento da gerência, e não um direito de um sócio – até porque o gerente cuja intervenção é
exigida pode nem sequer ser sócio, e por essa razão a questão nem sequer fazer sentido. Os gerentes
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podem não ser sócios: não sendo sócios, não têm direitos especiais. Isto é muito comum,
principalmente nas SQ. Por norma, a cláusula diz o seguinte: “A sociedade X obriga-se, pela assinatura
de dois dos gerentes, sendo um deles o gerente A”.
No entanto, é sempre necessário interpretar o contrato e apurar a vontade das partes, tentando
perceber, nomeadamente, se essa cláusula nominativa pretende consagrar um direito especial à
gerência. Portanto, no caso de o gerente em causa ser sócio, temos de aferir o sentido que os sócios
quiseram atribuir a essa cláusula: ou seja, se quiseram atribuir um direito especial ou não. Só por
interpretação do contrato e com todas as cautelas de integração de lacunas do contrato é possível
determinar isto. Contudo, têm de haver alguns limites à interpretação de contrato, porque existem
expectativas de terceiros a proteger.
Última questão: pode um direito especial ser consagrado a favor de todos os sócios? Embora
pareça contranatura, parece que sim por duas ordens de razões:
− maior proteção desse direito, ainda que geral, uma vez que assim apenas pode ser suprimido
mediante o consentimento do beneficiário. Se todos os sócios numa sociedade quiserem garantir o seu
direito à gerência, concordam no contrato em nomear-se todos gerentes vitalícios. E sabem que só
podem ser destituídos por justa causa. Mas não podem todos ter direito especial ao voto ou ao lucro,
porque esses direitos não são elásticos;
− privilégio relativamente a sócios futuros, que (a não ser que isso seja expressamente acordado)
não gozarão destes direitos “gerais”. Imaginemos que existem 3 sócios numa sociedade, sendo os 3
gerentes vitalícios. Isto garante que no futuro, os novos sócios que vão entrar na sociedade, e que até
podem integrar a gerência, não vão ter este estatuto especial. Podem ter um estatuto menos garantístico.
Há muitas classificações possíveis dos direitos dos sócios; esta é apenas uma, que atende à sua
função.
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dos sócios visa garantir é o direito ao dividendo. O socio quer que o seu direito ao lucro no fim do seu
exercício ano não seja prejudicado (por não poder votar, ser destituído, não ter informação, etc.). O
direito ao dividendo é a componente subjetiva do fim social (980º CCivil), pelo que é o direito que,
em última instância, a lei pretende garantir, e todos os outros direitos são instrumentais a este.
i. Direito ao lucro (22.º/1) – o artigo 22º/1 dispõe: “Na falta de preceito especial ou
convenção em contrário, os sócios participam nos lucros e nas perdas da sociedade segundo
a proporção dos valores das respectivas participações no capital.”;
ii. Direito à quota de liquidação (156.º) - se a sociedade cessar a sua atividade, o sócio
tem direito a receber o ativo restante: o ativo da sociedade que sobra depois de pagos os
credores e de satisfeitas todas as obrigações da sociedade. É um direito de caráter patrimonial
inerente à condição de sócio, porque ele continua a ser sócio.
i. Na assembleia geral – estes direitos não são inerentes à condição de sócio, até porque
nas SA nem todos os sócios não têm este direito.
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4. Direito sui generis – normalmente incluído nos direitos de caráter patrimonial, mas que
sobretudo permite ao sócio manter a sua posição relativa dentro da sociedade. É um direito de
preferência no aumento de capital (266.º, 458.º). Permite que um socio mantenha a sua posição na
sociedade (que a sua posição não seja prejudicada em termos do equilibro de poder societário)
quando haja um aumento de capital. Ou seja, para que os seus direitos de voto e ao lucro não
fiquem diminuídos em relação a outros sócios, por ex. É um direito que, não sendo de natureza
patrimonial, está ligado a questões patrimoniais (a aumentos de capital), pelo que é reconhecido
aos sócios como mecanismo para não perder poder relativo na sociedade.
1. Direito a transmitir a participação (228.º, 326.º ss) – segundo as regras que constarem da
lei e do contrato.
2. Direito de exoneração (240.º) – quando a lei ou o contrato atribuam esse direito. Não é um
direito livre.
− Direito a participar nas deliberações sociais (i.é, na AG), antecipando parte do conteúdo relativo
às deliberações, que estudaremos ;
− Direito à informação;
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− Direito à exoneração.
Sendo as deliberações dos sócios a forma normal de exprimir a vontade da sociedade (com a
ressalva das SAs, em que essa vontade se exprime quotidianamente sobretudo através do órgão de
administração), é natural que o direito dos sócios a tomar parte na formação dessa vontade seja um dos
mais importantes. Isto não obsta a que haja matérias de gestão que são deliberadas pelo Conselho de
Administração (373º/3), e em relação às quais a AG não tem competência.
Para conseguirmos entender isto temos antes de mais de fazer uma primeira aproximação à noção
e formas das deliberações sociais porque nem todas estão disponíveis em todos os tipos legais de
sociedade ou são aprovadas da mesma forma – nomeadamente, podem dispensar uma “reunião”.
Em termos de qualificação, a maioria da nossa doutrina (Coutinho de Abreu, Pedro Maia, Lobo
Xavier, Menezes Cordeiro) qualifica a deliberação social como um negócio jurídico da sociedade,
constituído por declarações de vontade emanadas dos sócios, que não são todas necessariamente no
mesmo sentido (embora seja vulgar que sejam convergentes).
Existe diferentes tipos de deliberação, que são tipos taxativos (p. de taxatividade estrita das
deliberações sociais). Os sócios não podem criar formas novas de aprovar deliberações, porque isso
prejudicaria a previsibilidade da conduta da sociedade, sobretudo em relação a terceiros que não
saberiam se aquela decisão é ou não uma deliberação e se tem ou não poder de vincular a sociedade.
O CSC prevê quatro formas de deliberar, sujeitando as deliberações a um princípio de estrita
taxatividade: é muito importante perceber-se desde já que não há deliberações válidas (e, portanto,
vinculantes) fora deste quadro, mesmo que o contrato de sociedade o preveja: 53.º/1
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São as mais vulgares, as mais comuns, as mais complicadas e aquelas em que o regime do código
é mais minucioso, precisamente porque são as mais complexas e as que levantam mais questões.
Vamos deixar estas deliberações para depois, quando estudarmos em especial a assembleia geral e as
invalidades das deliberações. Veremos depois com algum pormenor, o procedimento deliberativo em
assembleia geral convocada.
Para já, fica apenas a ideia de que implica um conjunto de formalidades de convocação, de seleção
dos assuntos para discussão e de realização que nas outras formas não atingem um grau comparável
de complexidade.
Este tipo de deliberação está previsto na parte geral, pelo que se aplica a todos os tipos societários.
É uma forma de deliberação da qual todas as sociedades se servem da mesma forma. As deliberações
em AG convocada também se aplicam a todos os tipos societários, mas não exatamente com as mesmas
regras. O regime por defeito é o das SA, mas existem regras especiais para SQ e SNC e SCom. Cada
tipo tem algumas especificidades relativamente a AG convocadas. O que não acontece na AU.
Tal como as anteriores, são tomadas numa reunião presencial dos sócios (ou de representantes
seus); no entanto, essa reunião não é precedida de uma convocação formal, como acontece ali. Sendo
assim, a lei impõe alguns requisitos especiais para que esta reunião se possa deliberar validamente:
– Presença de todos os sócios - estas AU são necessariamente presenciais: todos os sócios têm
de estar presentes, por isso é que são assembleias universais. Não dispensa a troca de impressões e a
presença de todos os sócios. Uma das características que distingue a AU é que todos os sócios têm de
estar presentes. Na AG convocada isso não acontece, a menos que as deliberações exijam uma maioria
que os sócios presentes não têm. O único sócio presente numa AG convocada pode deliberar sozinho
sobre todas as matérias da OT. A menos que seja necessária uma maioria de 75%, ele pode deliberar
sozinho;
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Ex: Todos os 3 sócios de uma sociedade vão almoçar. Um deles diz que deviam deliberar sobre
a aquisição de um terreno nos termos o 246º/2, que é uma matéria que tem de ser deliberada em AG.
E acordam os 3 em deliberarem aquela matéria à hora de almoço. Portanto, forma-se uma AU: nenhum
sócio foi convocado, e todos manifestam a vontade em realizar uma assembleia. A partir daqui,
aplicam-se regras gerais das AG. Nomeadamente, as regras relativas à contagem dos votos.
– Vontade unânime de que esta assembleia assim constituída delibere sobre determinado
assunto – os sócios têm de estar todos de acordo em que a aquela assembleia delibere sobre uma
matéria. Mas não é exigível que haja unanimidade relativamente ao conteúdo das deliberações
propriamente ditas. Não é necessário que votem todos no mesmo sentido. Quanto ao conteúdo,
aplicam-se as maiorias exigidas na lei ou no contrato societário.
MUITO IMPORTANTE: depois de dados os três passos descritos atrás, a AG passa a funcionar
e a deliberar segundo as regras gerais, tal como previstas para as AG convocadas; isto significa,
nomeadamente, que irá deliberar sobre o assunto em discussão pela maioria exigida no código ou no
contrato, que muito raramente exigirá a unanimidade.
Ex.: Um dos sócios A (do exemplo anterior) estava convencido de que todos os outros eram
contra aquela compra do terreno. O sócio A votou contra. Mas os outros 2 sócios votaram a favor. Se
todos concordaram em reunir em AU, e o sócio A só tem 40% do capital social, e os outros (que juntos
detêm 60% do capital social) votam favoravelmente, a deliberação vincula a sociedade. É uma
deliberação válida, mesmo que o sócio A tenha votado vencido a contar que os restantes sócios
votassem no mesmo sentido.
O sócio A não se pode servir do facto de a deliberação ter sido aprovada unanimemente para
impugnar a validade da deliberação. Se a AG tivesse sido regulamente convocada e todos tivessem
comparecido, o resultado material seria o mesmo. Por isso, manda-se seguir, depois da deliberação em
AU, as regras gerais.
Este mecanismo pode ser muito útil para sanar a irregularidade de uma convocação, (por
exemplo, enviada sem observância do prazo legal de 15 dias, imposto para as SQ), no caso de todos
os sócios estarem presentes e terem vontade de deliberar. Ex.: os sócios foram convocados por carta
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registada para uma AG, mas a convocação não respeitou os 15 dias de antecedência. Não é preciso
fazer nova convocação para uma nova AG. Aproveita-se a presença de todos os sócios, e realiza-se
uma AU. Todos eles podem concordar em que, não obstante a irregularidade, se constitua validamente
uma AU nos termos do 54º.
Sendo a deliberação unânime (ou seja, estando todos os sócios de acordo quanto ao seu sentido)
faz sentido que a lei lhes permita dispensar o “método de assembleia”, uma vez que provavelmente
não iria resultar dali nenhuma discussão que alterasse o sentido de voto de algum dos sócios.
Se todos os sócios estão de acordo, reduzem previamente a escrito a deliberação, deixam esse
documento na sede, e todos os sócios assinam. Prescinde-se do método de assembleia. Porque estão
todos de acordo e não vai haver discussão. Por isso, não há necessidade de reunir os sócios.
iv. Deliberações por voto escrito: 247.º – na letra da lei, só para as SQ e SNC (cfr. 472.º para as
SC)
Fará sentido proibi-las hoje para as SA, sobretudo tendo em conta que são admitidos os votos por
correspondência (384.º/9)? Mesmo sendo coisas diferentes, ambas podem ter o mesmo efeito:
dispensar a colegialidade da deliberação.
Portanto, admite-se que os sócios prescindam do método de assembleia. Nos termos do 247º, é um
método exclusivo das sociedades por quotas. Admite-se que analogicamente aplicáveis às SA, porque
não há uma razão que obrigue à colegialidade nas SA.
Importante: ambas podem ser afastadas pelo contrato de sociedade (247.º/2, 384.º/9). O contrato
pode impedir este tipo de deliberação.
Apesar de também dispensar o método de reunião, têm um processo muito mais exigente do que o
previsto no 54.º/1, e que é resumidamente o seguinte:
– Pedido de dispensa de reunião por carta registada, e que tem de ter aprovação unânime (o silêncio
tem valor de concordância);
– Envio de proposta de deliberação, que tem de ser votada sem quaisquer alterações – não podem
haver propostas de alteração;
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– A deliberação considera-se aprovada se reunir os votos suficientes nos termos da lei (ou do
contrato), contando-se como abstenções a falta de resposta de um ou mais sócios.
– Para as SA (e SComA): sócios com 5% do capital (375.º/2 + 478.º). Nos termos do art.
375.º/2: “A assembleia geral deve ser convocada quando o requererem um ou mais acionistas que
possuam ações correspondentes a, pelo menos, 5% do capital social”. Esta norma é aplicada por
remissão do art. 478.º às sociedades em comandita por ações.
– Para os outros tipos: qualquer sócio tem este direito (248.º/2 + 189.º/1, 474.º). Portanto, a
regra do artigo 248º/2 para as SQ aplica-se às SNC e às SCom simples por remissão do artigo 474º.
ii. Direito a requerer a inclusão de assunto na ordem do dia: exercitável nos precisos termos do
direito a requerer a convocação de AG (378.º/1; 248.º/2). Ou seja, aplica-se a maioria dos 5% do capital
(375.º/2).
iii. Direito a estar presente na AG e a participar nas discussões: consiste no direito a interrogar os
proponentes de propostas de deliberação sobre o que entender necessário para votar informadamente.
– Para as SA (e SComA): qualquer acionista com direito de voto; os outros acionistas podem
estar presentes se o contrato não impedir (379.º/1 e 2). O contrato pode impedir a presença dos outros
acionistas, portanto, até para limitar a participação em AG’s;
– Para os outros tipos: qualquer sócio, ainda que não possa votar: (248.º/5). Portanto, todos os
sócios, mesmo que estejam impedidos de exercer o direito de voto (ex.: em conflito de interesses com
a sociedade), tem direito a participar. Não pode votar se houver esse conflito de interesses, mas tem
direito a participar na AG.
iv. Direito de voto: tem uma extensão bastante diferente em cada tipo social:
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a. SNC: 190.º/1 - Voto personalístico (um voto por cabeça, por sócio), a não ser que o contrato
estabeleça outro critério. O direito de voto não pode ser suprimido, mas o contrato pode atribuir um
peso diferente ao voto de cada um;
b. SQ: 250.º/1 Em regra, o voto conta-se de forma capitalística: 1 cent. no valor nominal da
quota = 1 voto; mas há a possibilidade de estabelecer voto duplo até 20% do capital, como direito
especial previsto no contrato: 250.º/2 – ou seja, 1 cent. pode valer por 2 votos, sendo nesse caso o n.º
total de votos superior ao n.º total de cêntimos.
Se um sócio de uma SQ com o capital social de €10.000 tem uma quota de €1 000, ou seja,
10% do capital social, ele vai ter 100 000 votos. Não vamos dizer que ele tem 10% dos votos, porque
isso depende da presença ou não de todos os sócios. Apenas se contam os votos emitidos e não as
abstenções. Assim, se estiverem apenas presentes 70% dos sócios, o seu voto vai valer mais do que
10% do total: os seus 100 000 votos não vão ser 10% dos votos totais, porque há 300 000 votos que
vão estar de fora daquela votação (porque não estão presentes na reunião). Logo o seu peso relativo
vai ser maior. Por isso, não se conta por percentagem, mas por cêntimo. A não ser quando a própria
lei o diz (a propósito, por exemplo, da alteração do contrato social) que ele só pode ser alterado por
votos correspondentes a ¾ de capital social. A forma de contar os votos não deixa de ser por cêntimo,
mas eles têm de corresponder sempre a uma determinada percentagem de capital.
A propósito do direito especial de voto nas sociedades por quotas, é permitido, pelo art. 250.º/2,
a título de direito especial, o voto duplo. O voto duplo consiste em contar-se dois votos por cada
cêntimo em vez de um voto por cada cêntimo. É permitido que o contrato de sociedade atribua a um
ou mais sócios. Não pode é o conjunto dos direitos especiais de voto exceder 20% do capital social.
Por ex..: numa dada sociedade, os sócios exerceram esta prerrogativa; temos 10 sócios cada um com
€1.000 e sociedade com capital social de €10.000; dois desses sócios têm voto duplo e em vez de cada
um ter 100.000 votos, têm 200.000 votos; isto significa que aquela sociedade que teria normalmente 1
milhão de votos no total, em vez de os ter, tem 1 milhão e 200.000 votos; cada cêntimo do seu capital
vale por dois votos; o cêntimo destes sócios vale o dobro dos votos do que valem os cêntimos dos
outros sócios.
c. SA: 384.º
− Todos os votos têm de ser usados no mesmo sentido: 384.º/5. Portanto, sendo um sócio
de uma SA titular de várias ações (o que é muito comum nas SA), o que interessa é o conjunto
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unitário de direitos que resultam do conjunto dessas participações sociais. O 384º/5 prevê: “É
proibido estabelecer no contrato voto plural”. Portanto, são proibidos votos plurais (um voto em
propostas diferentes): o sócio não pode usar parte das suas ações para votar num sentido, e outra
parte das suas ações para votar num sentido diferente. Por ex.: o sócio não pode dizer que vota com
60% das suas ações favoravelmente à aquisição de um imóvel, mas que vota com 40% das suas
ações desfavoravelmente. Por ex.: na eleição de membros para órgãos sociais, os sócios com várias
ações não podem votar com 50% das ações numa lista e 30% das ações noutra lista. Os sócios têm
de usar todos os votos no mesmo sentido.
• Ações preferenciais sem voto: 341.º ss - categoria especial de ações que confere um
direito preferencial ao lucro e por troca o sócio prescinde do seu direito ao voto;
• Limites ‘por baixo’: 384.º/2-a) (mas cfr. o 379./5: representação comum). O contrato
pode prever que apenas é atribuído um voto por cada 500€ de capital. Se isto for previsto, e um
sócio tem apenas 100€ de capital, não tem direito de voto. Tem de ter pelo menos 500€, desde
que todo o capital seja abrangido. Contudo, nos termos do 379º/5: se um sócio apenas tem 100€
de capital, pode agrupar-se com mais sócios que em conjunto perfaçam 500€ de capital, e
nomear um representante, que tem direito a estar presente na AG e votar (em representação dos
sócios agrupados). Individualmente, o sócio não pode votar, mas em grupo pode.
• Limites ‘por cima’: 384.º/2-b); pode ser restrita a algumas categorias (n.º3). Por
exemplo, o contrato pode estabelecer que limites máximos de voto: se um sócio tem 1M€ em
ações, a partir de 100 000€, não se contam os votos. Apenas pode usar 100 000 ações para
votar. Nos termos do nº3, esta limitação pode ser estabelecida para todas as ações ou para
categorias de ações (e não para acionistas concretos). Por ex.: Os titulares de ações da categoria
X só podem votar até 100 000 ações.
d. SCom: 472.º/1: os sócios comanditados não podem ter menos de metade dos votos
atribuídos aos comanditários: ou seja, nunca podem ter menos do que 1/3 dos votos totais. É uma
garantia de que os primeiros, que têm responsabilidade pessoal perante terceiros, e são os únicos que
podem ser gerentes, mantêm algum controlo sobre a AG, pelo menos quanto ao bloqueio de
deliberações que exijam maiorias reforçadas.
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a. Mora: apenas para as SA (384.º/4) – a mora não consiste na situação em que o socio não
realiza a sua entrada aquando da constituição da sociedade, ou não realiza dentro do período a que tal
se obrigou no contrato de sociedade (quando difere o cumprimento de parte da sua obrigação de
entrada). Apenas a partir da interpelação para cumprimento é que o sócio entra em mora, nos termos
gerais. Enquanto o sócio não for interpelado, não está em mora. Só a partir da interpelação, e apenas
no caso das SA, é que o sócio fica sem direito de voto. Nas SQ, isso não acontece: não há impedimento
de voto, ou só há impedimento de voto quando o contrato o previr expressamente (27º/3). Portanto,
nas SQ, o sócio em mora mantém o seu direito de voto.
O sócio deve ser impedido de votar se o seu interesse pessoal na deliberação conflituar com o
da sociedade: permitir o contrário poderia ser gravemente lesivo do interesse social. Este impedimento
está regulado de forma autónoma para as SQ e SA.
É uma manifestação, que a nossa lei consagrou, de uma obrigação genérica para qualquer sócio
de lealdade para com a sociedade. Esse dever traduz-se na obrigação de o sócio não sobrepor os seus
interesses pessoais aos interesses da sociedade, aproveitando-se da sua condição de sócio para tal. Um
sócio não pode usar informações obtidas enquanto sócio para se beneficiar em relação à sociedade.
Uma das manifestações deste conflito é o impedimento de votar quando o interesse pessoal possa
colidir com o interesse social.
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É necessária alguma cautela ao interpretar estes artigos: deve partir-se do princípio de que o
sócio pode votar, e não o contrário. Só há impedimento quando existir um interesse conflituante entre
o sócio e a própria sociedade – não com os outros sócios. O sócio só fica impedido de votar quando a
lei ou o contrato o prevejam ou quando haja um interesse conflituante.
O conflito de interesses tem de ser entre o sócio e a sociedade. E não entre sócios: estes conflitos
entre sócios resolvem-se nas votações em AG. Os sócios têm perspetivas diferentes quanto a algumas
questões da vida da sociedade (ex.: distribuição de lucros, negócios com terceiros, quem deve ser
gerente, etc.): esses conflitos sobre estas matérias resolvem-se em AG.
Numa SQ, a regra é de que é necessário o consentimento da sociedade para que um sócio possa
transmitir a sua quota a terceiro. Mas será que o sócio que quer transmitir a sua quota deve poder votar
na deliberação que vai incidir sobre a transmissão? Esta questão não é muito líquida.
A primeira reação é dizer que não, porque há um interesse pessoal, pelo que deve ser impedido
de votar.
Mas o conflito aqui pode ser entre o sócio e outros sócios: é aos outros sócios que interessa que
aquele sócio não saia e para o seu lugar venha um terceiro que eles não conhecem. Por isso, CA entende
que não há impedimento, e que o sócio deve poder votar, na medida em que não há um interesse da
sociedade, mas sim dos sócios que querem controlar a entrada de terceiros.
Pedro Maia e João Labareda entendem que sim, porque é do interesse da sociedade que aquele
substrato subjetivo não se altere. Ver acórdão do STJ de 8 de fevereiro de 2011.
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Mas pode haver conflito de interesses entre a sociedade e os outros sócios, porque quanto maior
a remuneração ou gratificação atribuída ao gerente, menor será o lucro da sociedade (porque há mais
custos), pelo que menor será o lucro distribuído. Pode interessar aos outros sócios pagar o menos
possível ao gerente para que recebam mais dividendos.
Atenção: nestas situações, e mesmo impedidos de votar, os sócios podem sempre participar da
AG e da discussão (a não ser que, tratando-se de sócios de SA, o contrato de sociedade o impeça). Eles
podem ouvir as propostas, pedir a palavra para dar a sua opinião, tentar influenciar o sentido de voto
dos outros sócios, etc.
Uma situação é a deliberação ser anulável por uma causa autónoma. Outra situação é a
deliberação ser anulável porque o socio não podia votar e vota, ainda que o seu voto não tenha sido
decisivo para o resultado final da deliberação. Um sócio A com 10 % dos votos vota em sentido
negativo a sua exclusão da gerência, mas a deliberação é aprovada com 70%: é defensável que a
deliberação seja anulável porque houve um vício de procedimento, mesmo que o voto do sócio A não
tenha sido decisivo. Não é uma deliberação abusiva, porque tinha sido aprovada na mesma, mas há um
vício de procedimento que pode inquinar a deliberação e levar à sua anulação.
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Apesar de o art. 384.º ter uma redação aparentemente taxativa, Coutinho de Abreu entende que
algumas alíneas do 251.º, que não têm correspondência no artigo 384º, se aplicam analogicamente às
SA:
− Votar a sua exclusão (para quem entenda, como parece dever entender-se, que a figura
existe na SA): 251.º-d) – a exclusão é uma figura que só vem expressamente prevista para as SQ. E
não para as SA. O que parece não ter sentido que seja uma figura totalmente arredada das SA. Para
quem entender que esta alínea é aplicada às SA (e a maior parte da doutrina entende que sim), parece
que, havendo um fundamento de exclusão que está relacionado com o comportamento ou
circunstâncias pessoais do sócio, ele não pode votar na deliberação da sua exclusão.
Em todos os tipos de sociedade, os sócios podem ser representados por um terceiro no exercício
do direito de participar na AG e de votar:
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− SQ: 249.º/5 – mantém o mesmo princípio, mas permite que o contrato expressamente admita
outros representantes;
Nessas circunstâncias em que um sócio representa mais do que 5 acionistas, cada procuração:
− é sempre revogável;
B- Direito à informação
• Direito ao lucro – de forma a que o sócio saiba qual a dimensão do seu direito ao dividendo;
• Direito de participação nas deliberações – para que o sócio possa votar informadamente. Pleno
conhecimento dos factos que estão a ser discutidos: consultar documentos, saber os valores em causa,
razões do negocio com aquela empresa em específico, etc.
• Direito de ação judicial - direito de propor uma ação de responsabilidade contra gerentes, de
exigir que a SC adote uma determinada deliberação, de agir criminalmente contra gerentes,
administradores ou titulares de órgãos de fiscalização;
Mas o caráter instrumental não lhe retira importância nem autonomia dogmática: é essencial
dotar os sócios de mecanismos que lhes permitam aceder de forma célere e completa à informação
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relativa aos negócios e à situação patrimonial da sociedade, sob pena de não poderem fazer valer
eficazmente aqueles direitos.
Há sanções bastante pesadas para a violação deste direito por parte dos titulares dos órgãos
sociais: 518.º e 519.º, que punem com penas de prisão ou multa a recusa ilícita de informações e a
prestação de informações falsas.
Essas pessoas podem ainda ser civilmente responsáveis pelos prejuízos que vierem a causar,
nos termos gerais dos arts. 72.º e 77.º CSC. Se um sócio sofrer um prejuízo decorrente da não obtenção
de informações importantes, e se provar que há um nexo de causalidade entre a falta de informação ou
informação incorreta e o prejuízo, os gerentes podem ser civilmente responsáveis e terem de
indemnizar o socio e a sociedade.
ATENÇÃO: este dever de informação não se confunde com deveres especiais de comunicação
que as sociedades ou os sócios têm, por força de outras disposições, e que se referem sobretudo às
sociedades coligadas e às emitentes de valores mobiliários:
Comecemos por olhar para as 3 dimensões do direito de informação (em sentido amplo):
− para simplesmente recolher informação relativa à sociedade, ou para preparar uma AG, ou
− durante o decurso da AG, para esclarecer algum ponto da ordem do dia que esteja a ser
discutido.
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a. Fora de AG:
− SA (291.º/1) + SComA (478.º): apenas sócios com 10% do capital social podem
requerer informações, que serão prestadas por escrito; a informação só pode ser recusada nos
casos previstos no n.º 2 e nas 3 alíneas do nº 4. Portanto, para além dos casos do nº 2, a
informação só pode ser recusada quando:
Importante: este direito tanto pode ser exercido por um único sócio que tenha 10% do
capital, como por um conjunto de sócios que reúnam essa percentagem, e que serão
representados por um deles na AG – a epígrafe do 291.º (“direito coletivo”) é enganadora
quanto a isto!
b. Em AG:
Previsto apenas para as SA no 290.º, mas aplicável a todos os tipos sociais por se referir
ao funcionamento das AG (apesar de estar previsto noutra parte do código): 248.º/2.
Pode ser exercido por todos os sócios presentes na AG, mesmo os que não puderem
votar.
O art. 290.º/3 refere que a violação deste direito constitui uma causa especial de
anulabilidade das deliberações sociais, diferente da prevista no 58.º/1-c).
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a. Fora da AG:
Sociedades Anónimas e Sociedades em Comandita por ações (A. 288º CC) aqui
é mais restrito. Há uma justificação muito evidente para o regime do direito à informação nas SA ser
mais restritivo do que nas SQ, que é o grande número de sócios que pode ter uma SA. Se permitíssemos
a todos os sócios das SA terem um acesso pleno/irrestrito a toda a documentação, à contabilidade, às
contas, etc., poder na sede social consultar esses documentos e pedir informações por escrito ou
oralmente aos administradores, teria que ser criado um “gabinete” só para prestar informações aos
sócios, poderia tornar-se inviável ou poderia facilmente perturbar o funcionamento da sociedade, os
pedidos contínuos de informação; por isso mesmo, é que nas SA o exercício do direito à informação é
quase sempre limitado, fora da AG, a sócios que possuam uma participação de um determinado valor:
neste caso específico do direito à consulta de documentos, diz o art. 288.º/1 (é o chamado direito
mínimo à informação): “Qualquer acionista que possua ações correspondentes a, pelo menos, 1% do
capital social pode consultar, desde que alegue motivo justificado, na sede da sociedade:” o conjunto
de documentos no artigo elencados. O elenco previsto no 288º apenas pode ser exercido:
Sociedades por Quotas (A. 214º/2 CSC): o sócio não pode ser impedido desse
direito de aceder a informações se elas se destinarem à preparação de uma AG.
Sociedades Anónimas (A. 289º CSC): qualquer sócio, mesmo que não tenha direito
de voto e não possa estar presente na AG, pode exercer este direito. Pergunta-se se este regime é
aplicável às sociedades por quotas? José Reis diria que sim, por ser uma norma materialmente
inserida na regulamentação das AG’s e, portanto, incluída na remissão genérica do A. 248º/1 CSC.
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Como a amplitude do A. 214º CSC é maior do que este, parece ser uma questão com pouca importância
prática.
NOTA O incumprimento deste dever é um fundamento de anulabilidade
autónomo da anulabilidade das deliberações (A. 58º/1/c + 4 CSC). O Ac. do STJ de 18/03/1997
vem, no entanto, dizer que não se pode ir demasiado longe pois, não é por faltar um pequeno
documento que uma deliberação que já está a produzir efeitos deve ser anulada, prejudicando
as expectativas de terceiros e credores sociais [do referido Acórdão podem retirar-se algumas
passagens nesse sentido: “Por isso, na caracterização dos elementos mínimos de informação atípicos,
terá de haver "a maior circunspeção", devendo "fugir-se à tendência para se sacrificar a segurança
e a estabilidade das deliberações dos sócios a simples bagatelas"].
Sociedades Anónimas, não está expressamente previsto, mas pode sê-lo no contrato
de sociedade.
-Coutinho de Abreu entende que não, diz que não há identidade entre os
2 regimes que justifica a aplicação analógica, pelo que os sócios não o podem exercer.
-José Reis diria que sim. O professor não percebe porque é que essa
identidade não existe, ainda que se diga que só sócios com mais de 1% do capital social possam exercer
este direito (p.e.—um sócio com uma percentagem significativa do capital social de uma sociedade
anónima que não pode verificar o estado da sociedade parece ao professor que deve ter esse direito).
Outros aspetos:
1— Primeiro, a possibilidade de este regime ser regulamentado pela sociedade (A. 214º/2
CSC). Nestes casos, nunca pode este direito ser impedido, seja em que vertente for. Tem que estar
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prevista a regulamentação no contrato (não pode ser aprovada por deliberação, a não ser que seja
uma deliberação para alteração do contrato). Não pode restringir demasiadamente o âmbito das
informações ou documentos a consultar, nem pode impedir o seu exercício efetivo através de
normas procedimentais (p.e, através da previsão de prazos de resposta excessivamente longos que
tornem inútil a informação entretanto obtida). Não pode haver limitações quanto a documentos que
têm de ser disponibilizados por força da lei.
ii. Segundo, os sócios (nas sociedades por quotas, sociedades em nome coletivo e sociedades
em comandita simples) podem fazer 2 coisas: que é provocar a deliberação da AG, portanto pedir à
AG que ordene ao órgão de administração que preste aquela informação (A. 215º/2 CSC). Porém,
isto não vale nas sociedades anónimas porque é uma matéria de gestão, o órgão de administração é
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que tem de avaliar se causa um prejuízo sério à sociedade [assim, a AG não pode dar ordens ao
conselho de administração que é soberano em matéria de gestão (A. 373º/3 CSC)];
iii. Por último, podem requerer um inquérito judicial à sociedade (A. 181º/6; 216º e 292º
CSC), isto é, requerer que o tribunal ordene um inquérito à sociedade e apure as informações que lhe
foram recusadas.
3— Terceiro, quando haja o uso indevido de informação pelo sócio: nos termos dos A. 181º/6,
214º/6 e 291º/6 CSC, o sócio é responsável civilmente pelos prejuízos que causar aos outros sócios,
à sociedade ou a terceiros (p.e.— segredos comerciais relativos a clientes ou fornecedores). O sujeito
que violar este dever fica sujeito a exclusão (dá direito a que o sócio possa ser excluído da sociedade;
isto só está previsto para as sociedades por quotas e sociedades em nome coletivocontudo, admite-
se a exclusão nas sociedades anónimas analogicamente, o que não é pacífico doutrinalmente).
Desde logo, o interesse da sociedade pode ser conflituante com o interesse individual de 1
ou + sócios (p.e.— um sócio explora um café e é simultaneamente sócio de uma sociedade que explora
vários cafés o interesse do sócio vai mais no sentido de dinamizar o seu próprio café do que os cafés
da sociedade). Não obstante, não se pode exigir aos sócios que sacrifiquem, em quaisquer
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circunstâncias, o seu interesse pessoal ao interesse social porque não foi isso a que se
comprometeram. Porém, pode-se exigir que atuem segundo os ditames da boa-fé + e que não se
aproveitem das circunstâncias decorrentes da sua qualidade de sócio (como o acesso a informação
privilegiada). Compreende assim que falamos de um dever com um conteúdo negativo (dever que
configura, sobretudo, em obrigações de non facere).
Acresce que a definição do que seja o interesse social varia muito consoante a perspetiva que
se adote, e é sempre muito difícil de definir em concreto:
1— Desde logo, corresponde apenas aos interesses dos sócios ou da sua maioria
(perspetiva contratualista)? E apenas sócios atuais, ou também de de sócios futuros? Ainda que seja
assim, como se define o interesse da sociedade? É pela maximização do seu valor de mercado da
empresa (shareholder value) enquanto bem do património de cada sócio através das respetivas
participações sociais? Ou pela máxima distribuição de lucros por esses mesmo sócios, em
cumprimento do fim da sociedade?
Tudo isto para dizer que a noção de interesse social é muito difícil de definir com certeza. Se
não sabemos o que é o interesse social, não sabemos dizer muitas vezes o que é um comportamento
contrário ao interesse social. No entanto, por vezes ele é definível de forma mais ou menos clara (ou
melhor, o que não é contrário ao interesse social é definível em certos casos).
Ora, o dever de lealdade com a sociedade é um dever de todos os sócios em relação a todos os
tipos de sociedade. Contudo, quanto mais personalístico for o caráter da sociedade, mais este dever
se manifesta e verifica-se com mais intensidade nos sócios que disponham de participações
maiores (porque conseguem exercer mais influência na sociedade). Este dever geral tem um conteúdo
eminentemente (ou quase exclusivamente) negativo e não positivo, compreendendo sobretudo
obrigações de non facere. Assim, veja-se alguns exemplos deste dever:
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1- A proibição de deliberações abusivas (A. 58º/1/b CC) um sócio não pode votar
num sentido que seja apto a prejudicar a sociedade ou algum sócio (o uso abusivo do direito de voto),
sendo a sanção para essa deliberação a anulabilidade.
5- A sua violação pode ser fundamento de exclusão judicial dos sócios (A. 242º CSC);
No entanto, pode acontecer (por razões que que podem ser da mais variada ordem) que um
sócio decida votar contra, ou se abstenha de votar (sendo o seu voto essencial) em deliberações que
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são do manifesto interesse da sociedade, e que podem ser essenciais à sua sobrevivência. Alguns
exemplos de escola:
− sócio que se recusa a votar um aumento de capital necessário para que a sociedade não fique
insolvente;
− sócio que vota contra a entrada de novo sócio, que irá trazer um ativo essencial (dinheiro,
patente, marca, etc.) para a sociedade;
Os votos desse sócio possam declarados nulos aplicando-se cláusula geral do Abuso de
Direito (não devem ser contabilizados, devem ser descontados no cômputo final dos votos para o
apuramento do resultado da deliberação);
Se for necessário emitir esses votos (p.e.— A. 265º CSC) poderão os sócios requerer a
execução especifica do seu dever de votar se este for conforme com o interesse social,
nomeadamente através:
- da sua emissão por terceiros (por não se tratar de uma prestação infungível; A. 828º
CCivil); ou
- mediante sentença judicial (isto é, que o juiz substitua ao sócio na emissão do voto,
sendo este voto imprescindível para que o interesse social seja cumprido; A. 830º CCivil).
B – A obrigação de entrada
Primeira e fundamental obrigação de todos os sócios: “entrar para a sociedade com bens
suscetíveis de penhora”, nos termos do artigo 20º/ al. a).
Deve ficar já claro que devemos interpretar esta norma em conformidade com o art. 7.º da 2ª
Diretiva sobre sociedades, que permite (embora apenas para as SA) que os sócios entrem com
quaisquer ativos “suscetíveis de avaliação económica”. Portanto, devemos entender que são admitidas
quaisquer entradas suscetíveis de avaliação económica e não apenas as que são suscetíveis de penhora.
Isto é importante para a admissibilidade de alguns tipos de entrada, como já veremos.
Regra fundamental do 25.º/1, que nunca é demais repetir: NUNCA, mas NUNCA, o valor da
entrada pode ser inferior ao valor nominal da participação. Ou seja, é possível que o valor nominal
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da participação seja inferior ao valor da entrada (ex.: uma quota de 10 000€ corresponda a uma entrada
de 20 000€: o sócio entra com 20 000€ para receber uma quota com valor nominal de 10 000€). Mas
já não é possível que o sócio entre com 10 000€ para receber uma quota com valor nominal de 20 000€.
Logo, NUNCA, mas NUNCA, o património inicial da sociedade (ainda que seja parcialmente
constituído apenas por créditos, se alguma das entradas em dinheiro tiver sido diferida) pode ser
inferior ao capital social.
− Empresas;
− Direitos obrigacionais (de gozo): o art. 25.º/4 parece não deixar dúvidas
quanto à sua admissibilidade, mas aqui coloca-se a tal questão da “impenhorabilidade”.
Ou seja, são bens suscetíveis de avaliação económica, mas não são penhoráveis.
Imaginem que um sócio entra para a sociedade (SQ) com um direito de a sociedade usar
o seu prédio urbano gratuitamente por um período de 10 anos. Não há um direito real
de gozo, nem um direito de arrendamento. É apenas um direito obrigacional atípico de
utilização desse prédio. Este direito não é penhorável. Mas parece, segundo o artigo
25º/4, que não há razoes para recusar a sua admissibilidade. Este artigo fala da
impossibilidade superveniente da prestação, pelo que temos de considerar aqui entradas
que se traduzem em prestações continuadas. Pode um terceiro vir a impedir essa
prestação, ou essa prestação tornar-se impossível. Portanto, parece que estes direitos
são admissíveis para entrada em SC: esta impenhorabilidade deve ser interpretada de
acordo com a 2ª diretiva, no sentido de ser suscetível de avaliação económica;
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iii. Indústria: trabalho, serviços, know-how, carteira de clientes, ideia não registada, etc;
só para sócios de responsabilidade ilimitada, e nunca numa SQ ou SA. Repetindo, isto
apenas vale para as SNC e para os sócios comanditados das SCom.
ii. Entradas em espécie: 28.º - Todas as entradas têm de ser avaliadas por um revisor
oficial de contas. Não pode ser o sócio que faz a entrada a dizer que o bem vale x, tem de ser o
ROC que tem conhecimentos próprios para avaliar o bem.
− Sem interesses na sociedade – caso contrário, pode inflacionar o valor das entradas,
para dar a entender que a sociedade tem uma capacidade financeira que não corresponde à
verdade. Existe uma ordem dos ROC que o irá punir disciplinarmente se ele, de forma dolosa
ou negligente, fizer uma avaliação erradamente e for apresentada queixa junto da ordem
profissional. Mas, para além disso, o legislador decidiu impor este requisito: desinteresse na
sociedade;
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estão a ser aplicadas as regras do contrato (que ainda não foi redigido): nº de votos, saber quem
pode ou não votar, etc. Portanto, isto gera dúvidas. Nomeadamente, podemos questionar-nos
do que acontece caso o sócio, que está impedido de votar nesta deliberação, vote. A deliberação
é impugnável nos termos dos artigos 55º e ss.? O professor tem dúvidas quanto à impugnação
desta deliberação nesses termos. Mas não vamos aprofundar este ponto agora;
− Impedimento do ROC para exercer cargos sociais nessa sociedade (ou sociedade com
ela coligada) durante dois anos – artigo 28º/2. Isto porque o ROC passou a ter um interesse
nessa sociedade, a partir do momento em que avaliou uma entrada e contribuiu para a aquisição
de património pela sociedade.
O ROC pode-se enganar na avaliação, às vezes até sem culpa (pode ser induzido em
erro, por ex.). Neste caso, quando há erro na avaliação do ROC, o sócio é responsável até ao
valor nominal da sua participação. É importante ler com atenção o 25.º/3 para compreender
bem o regime da responsabilidade pela diferença: a diferença é em relação ao valor nominal da
participação, e não ao valor declarado da entrada. Isto significa que essa responsabilidade não
existirá se o valor real da entrada, ainda que inferior ao declarado no contrato, for ainda assim
igual ou superior ao valor nominal da participação. Portanto, esta responsabilidade pela
diferença só obriga o sócio enquanto tal a reembolsar a SC se o valor real da sua entrada for
inferior ao valor da sua participação. Ainda que o valor real de entrada seja substancialmente
inferior ao valor declarado da entrada, se ele for igual ou superior ao valor nominal da
participação, não há responsabilidade do sócio.
Isto pode ser fonte de desigualdades graves: imaginemos que 3 sócios entram para uma
sociedade com 50.000€ cada, sendo que dois deles entregam essa quantia em dinheiro, e o outro
com um bem que supostamente, segundo a primeira avaliação, vale 50 000€, mas que vem
depois a ser reavaliado em 20.000€. Portanto, houve um prejuízo de 30 000€ para a sociedade.
Imaginemos que o valor nominal de cada quota é de 10.000€, caso em que o remanescente seria
levado a ágios: 295.º/3-a (aplica-se o regime da reserva legal). O valor real da entrada do sócio,
ainda que 30 000€ abaixo do valor declarado, é superior ao valor nominal da sua participação.
Parece que aquele sócio não tem de compor o valor da sua entrada, uma vez que mesmo depois
de reavaliada aquele valor continua a ser superior ao valor nominal da quota – ficando por essa
razão o sócio favorecido relativamente aos demais.
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A alternativa que resta aos outros sócios é exigir àquele uma indemnização, nos termos
gerais, por incumprimento daquilo a que se obrigou perante eles no contrato de sociedade. O
contrato de sociedade é um contrato: os sócios obrigam-se a determinados comportamentos,
prestações, etc. Portanto, os restantes sócios podem exigir uma indemnização de 30 000€
relativamente ao incumprimento do contrato de sociedade. Ele não está obrigado a indemnizar
a sociedade, mas sim a indemnizar os restantes sócios (porque está em incumprimento do
contrato que celebrou com eles). Mas atenção: isso está à margem da sua obrigação enquanto
sócio, o que significa que os direitos emergentes da participação social não podem ser
prejudicados caso ele não cumpra.
Importante aqui o regime da proibição de aquisição de bens aos sócios (29.º, imposto
pela 2ª Diretiva): não permitir que os sócios frustrem o regime da avaliação obrigatória,
vendendo à sociedade bens não avaliados e recebendo de volta o dinheiro com que tinham
entrado (as chamadas “entradas dissimuladas”). Vale apenas para as SA, embora seja uma
restrição que não parece fazer muito sentido. Verificadas as condições descritas nas alienas a),
b), c) do 29º/1, a aquisição de bens de uma sociedade aos seus sócios tem de ser precedida da
deliberação da AG. Isto pretende evitar as “entradas dissimuladas”: que os sócios entre com
uma quantia em dinheiro, e depois vendem à sociedade por uma verba não controlada por um
ROC que de outra forma teriam dado como entrada por um valor superior ao que consta do
relatório do ROC. Isto prejudica tanto a sociedade como os credores sociais.
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de ‘objeto social’ por ser necessário ou conveniente à prossecução da atividade que a sociedade
se propõe exercer, já que qualquer sociedade precisará de veículos.
Esta proibição pode ser sempre suprida por deliberação de AG. O 29º prevê que esta
aquisição tem de ser previamente aprovada em AG. Pretende evitar que um sócio gerente
compre um bem a si mesmo, em prejuízo da sociedade.
Acontece o mesmo com alguns direitos de gozo (v.g., o “direito a utilizar o prédio X,
que pertence ao sócio A”), mas nesse caso o direito já terá de estar constituído a favor da
sociedade no momento do contrato.
Imaginem que o sócio entra para a sociedade com um direito de gozo que tem sobre um
imóvel, e esse imóvel arde num incêndio. Neste caso, o sócio, por ato que não lhe é imputável,
não pode cumprir a sua obrigação de entrada nos termos em que se comprometeu. Mas, uma
vez que o bem é economicamente avaliável, o sócio passa a estar obrigado a realizar a sua
participação em dinheiro.
ii. Entradas em espécie: parece (é a solução que faz mais sentido) que devem estar
realizadas no momento da celebração do contrato; mas o art. 202.º/4 e 6 (e o 26.º/2) não é
conclusivo quanto à impossibilidade de serem realizadas até ao final do exercício. Para o Prof.
José Reis, podemos interpretar estes artigos de forma mais extensiva de forma a abranger as
entradas em espécie. Seria uma derrogação ao artigo 26º/1.
− É sempre possível nas SQ, sem que isso tenha de constar do contrato:
26.º/2, 202.º/ 4 e 6. Isto não tem sequer de constar do contrato de sociedade.
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Recorde-se que pelo menos 1€, correspondente ao valor mínimo da quota (199.º-
b), terá sempre de ser realizado até esse momento, não podendo ser diferido, sob
pena de nulidade do contrato (42.º/1-d);
− Não é possível nas SA: 277.º/2 e 3. Neste caso (mas não no das SQ),
as entradas têm ainda de ser depositadas a favor da sociedade: 277.º/3, 4 e 5.
Várias possibilidades:
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c. Nas entradas em dinheiro, quando esta tiver sido diferida e não realizada nos termos
acordados; vamos ver este regime com cuidado.
− Crime de falta de cobrança das entradas: 509.º; nos casos mais graves aplica-
se-lhe a pena para o crime de infidelidade (224.º CP), que é de prisão até 3 anos.
ii. SQ
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− O sócio apenas entra em mora (e fica privado do dto. ao lucro) após ser
interpelado para pagar num prazo entre 30 e 60 dias: 203.º/3. A maior parte das
situações de incumprimento da obrigação de entrada decorrem das situações em que há
diferimento das entradas em dinheiro e o prazo de diferimento não é cumprido. Se o
sócio não cumprir esse prazo, ele não entra automaticamente em mora. Há um ónus da
sociedade em agir, em interpelar o sócio: de forma a comunicar-lhe que já terminou o
seu período de diferimento e que a partir daí tem um prazo para cumprir.
− Se não cumprir dentro desse prazo (e já em mora), será avisado (pela 2ª vez)
de que passados 30 dias poderá perder a quota e ser excluído: 204.º/1.
iii. SA
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− Sanção adicional após a mora: perda do direito de voto: 384.º/4. Nas SA, existe
por força da lei uma sanção adicional para o socio em mora, e que consiste na perda do
direito de voto. Para além disso, temos outras consequências da mora, previstas no
artigo 27º/4 + 6;
170
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Por vezes o contrato prevê obrigações adicionais, que acrescem à obrigação (inicial e
fundamental) de entrada. Consoante o objeto dessas obrigações e as consequências que desejem
atribuir ao seu incumprimento, os sócios podem escolher entre dois regimes: o da obrigação de
prestações acessórias ou suplementares. São obrigações de financiamento, na maior parte das vezes.
Os sócios podem escolher uma ou outra obrigação consoante o conteúdo da obrigação em causa e as
consequências que desejem atribuir ao incumprimento.
I. Obrigação de prestações acessórias: 209.º / 287.º (previstas tanto para as SQ como para
as SA)
a. Podem ter qualquer conteúdo, desde que não proibido por lei. Por exemplo, prever a
obrigação de:
− ceder à sociedade algum bem ou direito (por exemplo, um prédio, uma marca,
uma patente…). Aliás, no contrato de sociedade, o sócio pode estipular: “Sendo
necessário, cedo o prédio X à SC”;
171
Faculdade de Direito da Universidade do Porto
Coutinho de Abreu entende que a cláusula é nula (tal como a obrigação), por
violar a regra (imperativa) que impõe a fixação das condições. Portanto, o sócio não
fica obrigado a cumprir essa obrigação. Parece a melhor solução, uma vez que:
Desta forma, cabe aos sócios reformular a cláusula com o sentido que seja
querido por todos. O 287.º/3 impõe, para as SA, que sendo a prestação onerosa o valor
172
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a. Vêm previstas apenas para as SQ, mas entende-se que o regime é aplicável por
analogia às SA. Ou seja, nada impede que numa SA o contrato preveja estas obrigações e que
os sócios deliberem torná-las exigíveis, e o regime aplicável a essas obrigações é o que está
previsto para as SQ.
b. Contrariamente às anteriores (que podem ter qualquer tipo de conteúdo), têm sempre,
e necessariamente, dinheiro por objeto (210º/2).
173
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c. Para além da previsão no pacto, é sempre necessária uma deliberação que torne
exigível a obrigação, da qual deve constar, pelo menos, o montante global tornado exigível,
sob pena de invalidade (210.º/3 e 211.º). A previsão destas obrigações no pacto não é
autossuficiente, têm de ser concretizadas numa deliberação. Se não houver uma deliberação
com este conteúdo, a obrigação não pode ser exigida e não se podem extrair consequências
jurídicas pelo incumprimento. A deliberação tem de especificar o montante global tornado
exigível: isto é obrigatório.
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− a sociedade não pode transmitir o seu direito (212.º/4) – sendo que a obrigação
se transmite com a participação, nos termos gerais. O direito de exigir prestações
suplementares é intransmissível.
− Só pode ser feita após realização integral da obrigação de entrada pelo sócio
credor (213.º/1) – aqui é necessário que o socio que realizou a prestação (e que pretende
que esta seja restituída) realize a obrigação de entrada para haver restituição;
− Não pode ser feita se, em seu resultado, o património social líquido (ativo –
débitos) se tornar inferior à soma do capital social e reservas indisponíveis (reserva legal
e reserva estatutária) (213.º/1), nem (como é claro) após a sociedade ser declarada
insolvente (213.º/3);
A par das obrigações que acabámos de ver, é frequente os sócios emprestarem dinheiro (ou,
menos frequentemente, outra coisa fungível) à sociedade. Por ex., um sócio de uma sociedade de
construção civil tem uma empresa de cimento, e empresta à sociedade alguns sacos de cimento
(portanto, há um empréstimo de uma coisa fungível). Por norma, os suprimentos são empréstimos de
dinheiro.
Verificando-se certas condições, esses empréstimos vão ser tratados como um substituto mais
fraco de novas entradas de capital, uma vez que podem ser sintomáticos de uma descapitalização
material da sociedade e da necessidade de esta encontrar novas formas permanentes de financiamento.
Por essa razão estes empréstimos (a que se chama suprimentos) têm um regime especial, mais
penalizador dos sócios-credores que o regime geral do mútuo.
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Este regime é um regime que é desfavorável ao sócio; é um regime que visa a proteção do
património social, dos credores sociais e é desfavorável aos sócios porque os suprimentos são um
indício de insuficiência patrimonial da sociedade, são um indício de que a sociedade está a precisar de
ser recapitalizada, dado estar sem dinheiro, por isso recorre a empréstimos junto dos sócios ou, por
isso mesmo, os sócios prescindem de cobrar créditos que tenham sobre a sociedade, para não piorar a
sua situação patrimonial. Portanto, os suprimentos têm um caráter supletivo do capital social: em vez
de os sócios fazerem novas entradas, transferindo dinheiro ou outros bens economicamente avaliáveis
para o património da sociedade os quais responderiam diretamente perante os credores sociais; em vez
disso, emprestam dinheiro à sociedade, não transferem definitivamente essas verbas, que depois
esperam reaver mais tarde.
Apesar de apenas virem previstos para as SQ, entende-se mais ou menos unanimemente que o
regime é aplicável a todos os outros tipos. No caso das SA, há quem entenda que ele se aplica a todos
os sócios (Coutinho de Abreu) ou apenas aos “acionistas empresários” (Paulo de Tarso, Raul Ventura).
Se um pequeno acionista emprestar 1M€ à SA, provavelmente não será tratado da mesma forma que
um grande acionista. Imaginem o pequeno investidor é um banco: parece duvidoso que lhe seja
aplicável o regime do suprimento.
Estes empréstimos podem ser feitos voluntariamente ou resultar de uma obrigação assumida
perante a sociedade:
− em acordo parassocial.
Um empréstimo seguirá o regime dos suprimentos ainda que não se auto-intitule como tal,
desde que o crédito do sócio tenha caráter de permanência (243.º/1). Sendo presunção relativa desse
caráter (243.º/4):
176
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− o não exercício pelo sócio, durante o mesmo período, do direito já vencido a exigir da
sociedade o reembolso do seu crédito ou a entrega de outras quantias – v.g., lucros cuja distribuição já
tenha sido deliberada (243.º/3).
Os credores podem ainda demonstrar que, apesar de aqueles prazos não terem sido
ultrapassados, o caráter de permanência existe. Porque, v.g.:
− não foi estabelecido prazo de reembolso inicialmente, mesmo que em concreto o sócio tenha
exigido o pagamento antes de decorrido um ano. Portanto, perspetivava-se esse credito como forma
de fazer face a um problema estrutural da sociedade.
− os sócios repetem sucessivamente empréstimos, ainda que com prazo inferior a um ano.
Assim, eles serão mais facilmente reembolsados.
i. Juros: apenas vencem se for expressamente estipulado. Isto porque tratando-se de um tipo
contratual autónomo, não lhes é aplicável a presunção de onerosidade do mútuo;
ii. Reembolso:
− Fixação judicial do prazo, se não tiver sido estipulado (245º/1) – aplica-se o artigo
777º/2 CCivil;
• não podem servir para compensar créditos da sociedade sobre o sócio: 245.º/3-
b) – o sócio não pode exigir o reembolso dos créditos antes dos outros créditos estarem
pagos, mas fica na mesma obrigado a cumprir as obrigações que tenha para com a
sociedade;
177
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Nas SQ, um sócio que, “por si ou juntamente com outros”, possua votos suficientes para alterar
o capital, pode comunicar aos demais a conversão em capital dos suprimentos que tenha feito à
sociedade e estejam registados em balanço. Isto só é válido para suprimentos registados em balanço.
A gerência comunica este facto aos outros sócios, que podem opor-se no prazo de 10 dias.
Muito importante: o 89.º/4 basta-se com a declaração de TOC ou ROC de que o crédito existe,
não sendo necessário avaliá-lo. Isto levanta problemas: um suprimento pode não ser em dinheiro, pode
ser em coisa fungível. Esse suprimento em coisa fungível tem de ser avaliado.
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− este é um regime previsto na parte geral, mas os suprimentos apenas estão previstos para as
SA. Contudo o artigo 87º/4 apenas se refere a SQ. Portanto, há aplicação analógica às SA? Já há
jurisprudência nesse sentido, embora aponte para a limitação aos acionistas empresários. Mas parece
uma interpretação claramente contra-legem (visto que o CSC refere-se literalmente às SQ). Contudo,
faz sentido que esta possibilidade seja alargada a todas as sociedades em que os sócios possam fazer
suprimentos;
− “…por si ou conjuntamente com outros…”: o que quer isso dizer? Os “outros” têm de
participar no aumento? E anuir na conversão? Parece querer dizer que os outros sócios terão de não se
opor a esta conversão.
− possível imprescindibilidade do relatório do ROC exigido pelo 28.º: o suprimento pode ser
numa “coisa fungível” diferente de dinheiro (v.g., metal precioso, um veículo) e por isso carecer de
avaliação.
A participação do sócio na sociedade não tem de durar por toda a vida desta, ou daquele: por
muitas razões, ele próprio, os outros sócios ou terceiros podem, verificados certos pressupostos, decidir
pôr termo àquela relação. Um casamento pode não durar para sempre, pelo que o contrato de sociedade
também pode não ser vitalício. Desse conjunto de circunstâncias, as mais significativas são as
seguintes:
1. Transmissão;
2. Execução da participação;
3. Amortização;
4. Exoneração do sócio;
5. Exclusão do sócio.
1. Transmissão
179
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2. Execução da participação
Sendo a participação um ativo que se integra no património do sócio, os credores pessoais deste
– que nunca poderiam agir sobre o património social (há uma separação de património entre sócio e
sociedade que nos diz que só em casos excecionais é que os credores podem agir sobre o património
dos sócios) – têm, em geral, o direito a requerer a execução desse elemento. Uma vez que a participação
se integra no património geral do sócio, o credor pode fazer-se pagar através da execução dessa
participação. No entanto, e como se compreende, o regime não é idêntico em todos os tipos legais de
sociedade.
− O credor pessoal do sócio não pode executar a participação, apenas o seu direito aos
lucros e à quota de liquidação. Porque isso implicaria que entrasse outrem para o lugar daquele
sócio, que eventualmente não oferecesse garantias de solvabilidade. Mas pode requerer, nas
circunstâncias do n.º 2, que a parte seja liquidada.
180
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As eventuais cláusulas que limitem a transmissão de ações (328.º/2) não podem ser invocadas
em processo executivo.
3. Amortização da participação
Consiste na extinção da quota (232.º/1) por deliberação social (234.º/1), mediante a entrega ao
sócio de uma contrapartida – a não ser que o contrato permita que ocorra sem contrapartida (235.º/1).
Essa contrapartida é calculada nos termos do 105.º/2, que remete para o 1021.º Cciv: “estado
da sociedade à data em que ocorreu ou produziu efeitos o facto determinante da liquidação; se houver
negócios em curso, o sócio ou os herdeiros participarão nos lucros e perdas deles resultantes.”. é com
base no estado da sociedade à data em que ocorre o facto determinante da amortização, é que se calcula
o valor da quota do socio.
A amortização pode ser compulsiva ou consentida pelo sócio. Tem sempre de ser fundada na
lei ou no contrato, quer seja compulsiva ou consentida pelo sócio (232.º/1). A lei é mais exigente nos
casos de amortização compulsiva (que operam com ou sem a vontade do sócio): não basta que esta
venha genericamente prevista, o facto concreto que lhe dá causa deve constar expressamente do pacto
(233.º/1).
Salvo em caso de redução do capital, nunca podem ser amortizadas quotas não integralmente
liberadas: aliás, isso é crime (232.º/3, 511.º).
181
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– aumento proporcional das quotas dos outros sócios – cada um deles cobre a redução
do capital social, que acresce aos 5 000€ que cada um deles tinha; Ou
– passar a quota a figurar no balanço como quota amortizada – que pode posteriormente
ser substituída por nova quota destinada a ser alienada.
Deve a amortização ser tida como uma alteração do contrato, nomeadamente para o efeito
da maioria necessária para a deliberar? Envolvendo uma modificação subjetiva, e não objetiva, do
contrato, parece que apenas deve ser tida como tal quando envolver a redução de capital, que de
qualquer forma (pelo menos, no entender de Coutinho de Abreu) é uma deliberação autonomizável da
deliberação de amortização. Mesmo no aumento proporcional das quotas dos outros sócios, não há um
aumento de capital, nem a quota é amortizada. Pelo que não corresponde a uma alteração do contrato.
i. “Amortização-reembolso” (346.º):
− não tem de estar prevista no contrato, mas se não estiver terá de ser deliberada pela maioria
exigida para a sua alteração (2/3 dos sócios presentes em AG);
− implica o reembolso (total ou parcial) aos sócios do valor nominal da ação, mas não a sua
extinção;
− passam a constituir uma categoria própria, denominada “ações de fruição”, e com um direito
limitado ao dividendo (346.º/4). Conferem ao acionista direitos limitados, com estatuto próprio;
182
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Só pode ter lugar se for “imposta ou permitida” pelo contrato de sociedade (deixando ou não à
Administração uma margem de discricionariedade quanto a este ponto) e desde que ocorram os factos
que ele preveja como fundamento, e que podem ser, por exemplo:
– a insolvência do sócio;
− permitir aos sócios que deliberem a amortização no prazo previsto no pacto ou, na sua falta,
em 6 meses (n.º 5).
4 – Exoneração do sócio
Consiste na desvinculação do sócio por sua própria iniciativa, com fundamento na lei ou no
pacto.
Está prevista para alguns casos específicos, aplicáveis a todos os tipos sociais, e em especial
para as SQ no art. 240.º. Relativamente às SA, nada se diz; no entanto, e pelo menos nos casos em que
esse direito resulta de uma norma constante da parte geral, não pode deixar de se reconhecer essa
possibilidade. Nesse caso parece que será de se lhes aplicar analogicamente as regras previstas para as
SQ.
– Mudança da sede efetiva para o estrangeiro, para o sócio que não a tenha votado
favoravelmente (3.º/5) – exige uma maioria de 75% dos votos em qualquer dos tipos
societários. O sócio que não votou favoravelmente deixa de ter a possibilidade de se dirigir à
sede para consulta de documentos, de poder estar presente nas AG’s, etc.;
183
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– Fusão, cisão e transformação, para o sócio que tenha votado contra – mas só se o
contrato o previr (105.º/1, 120.º, 137.º/1);
Para além destes casos, aplicáveis a todos os tipos sociais, são causas de exoneração,
em especial, nas SQ. Ainda não é líquido se estas causas previstas especialmente para as SQ se
aplicam analogicamente aos restantes tipos societários. O Prof. José Reis entende que parece
difícil defender esta aplicação analógica, uma vez que o legislador previu estas causas apenas
para as SQ.
Ou seja, e nos termos do número 1, o sócio tem de votar expressamente contra. Não
basta que se abstenha, ou que falte à AG em que se discute esta matéria. E se a votação for
secreta, ele tem de requerer para que consta expressamente da ata que ele votou contra. Caso
contrário, ele perde o direito à exoneração.
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50% do capital existente, e vão entrar novos sócio na SQ, significa que a posição dele vai passar
a valer menos com o novo capital social;
– Mudança de objeto (240.º/1-a) – por ex.: uma sociedade deixa de fabricar sapatos,
para começar a fabricar chapéus;
– Prorrogação do prazo da sociedade (240.º/1-a) – quando uma SC, que foi constituída
para perdurar 20 anos (foi a este tempo que o sócio se comprometeu), resolve prorrogar a sua
vigência. O sócio tem direito à exoneração, findos os 20 anos;
– Não exclusão de sócio, havendo justa causa (240.º/1-b) – a não exclusão de um sócio,
havendo justa causa para que ocorra e contra o voto expresso desse sócio, confere a esse sócio
a possibilidade de se exonerar;
– Cláusula do pacto que proíba a cessão de quotas (229.º/1) – a lei confere aos sócios
das SQ uma liberdade relativamente à autorização ou proibição da cessão de quotas. O nº 1
prevê que passados 10 anos sobre o ingresso de um socio numa SC cujo contrato proíba a
cessão de quotas, o sócio tem sempre direito a exonerar-se.
O contrato pode prever outros factos que justifiquem a exoneração, ou até mesmo uma cláusula
indeterminada (v.g., a existência de “justa causa”), desde que esta seja sindicável (ou seja, causas que
possam ser alegadas pelo sócio em tribunal).
Importante: o contrato não pode admitir a exoneração por “vontade arbitrária do sócio” (n.º
8). O sócio tem 90 dias para requerer por escrito a exoneração, contados desde o conhecimento do
facto que lhe dá fundamento (n.º 3). Depois de ocorrer alguma das causas de exoneração, o sócio tem
um prazo, não pode invocar essas causas passados 5 anos, por ex. O fundamento do direito de
exoneração é permitir-se ao socio que escape de uma situação que lhe é desconfortável, depois de
ocorrer algum destes factos contrários ao compromisso que ele assumiu no contrato. Se o sócio não
reage tempestivamente a essas causas, parece que aceita aquelas condições. Até porque a exoneração
representa custos para a sociedade.
Depois disso, a sociedade deve fazer uma de 3 coisas no prazo de 30 dias, sob pena de o sócio
poder requerer a sua dissolução (n.º 4 do 240º):
185
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− Adquirir a quota – a SC fica sócia de si própria. É uma situação complexa, pelo que o
legislador limita estas situações. A SC está a cobrir capital social com o seu próprio património, pelo
que há uma diminuição de garantia para os credores;
A contrapartida é calculada em termos idênticos aos da amortização (n. 5), nunca podendo ser
inferior nos casos previstos na lei (n.º 8). Também vale o que se disse a propósito da amortização
sobre:
– quotas não liberadas (n.º 2) - um sócio que não tenha liberado integralmente a sua quota não
tem direito à exoneração;
5- Exclusão de sócio
− e sempre com base no comportamento ou na situação pessoal desse sócio, que se tornou
incompatível com o fim social.
O artigo 242º/1 refere-se à exclusão judicial de sócios, e determina que o critério da exclusão
é o da potencialidade do comportamento lesivo do sócio vir a causa prejuízo para a SC (ou seja,
interfere com o fim social da SC, que é o lucro).
186
Faculdade de Direito da Universidade do Porto
1. Os sócios têm competência exclusiva (246.º/1-c) para deliberar a exclusão em dois tipos de
situações:
Não basta a previsão de uma “justa causa” genérica e não devidamente concretizada,
sendo necessário especificar as circunstâncias ou comportamentos concretamente visados –
v.g.:
− Incapacidade;
− toxicodependência ou alcoolismo;
− assédio sexual;
187
Faculdade de Direito da Universidade do Porto
A contrapartida é, também aqui, calculada por referência aos termos previstos para a
amortização: 242.º/4. Não é feita qualquer referência a casos de exclusão relativamente às SA; no
entanto, para alguns casos pode justificar-se a aplicação por analogia do regime das SQ – v.g., se o
contrato previr:
188
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Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial – Parte II: Sociedades, 7ª
ed., Almedina, Coimbra, 2015, pags. 205-418;
Pedro Maia, Maria Elizabete Ramos, Alexandre Soveral Martins e Paulo de Tarso
Domingues (Coord. Jorge Manuel Coutinho de Abreu), Estudos de Direito das Sociedades,
12ª ed., Almedina, Coimbra, 2015, pp. 113-150;
Aa.Vv. (Coord. Jorge Manuel Coutinho de Abreu), Código das Sociedades Comerciais em
Comentário, 7 vols., Almedina, Coimbra, 2011 (anotações aos artigos relevantes).
1. Capital Social
Noções gerais
Importa começar por definir capital social (CS), e distingui-lo do conceito de património social.
Qualquer SQ ou SA, bem com qualquer sociedade em comandita, tem necessariamente de possuir
capital social; apenas as entradas em indústria não são computadas no CS: 178.º/1, 9.º/1-f.
O CS é antes de mais uma cifra abstrata, no sentido de ser um valor ideal, e não um conjunto de
bens concretos com que os credores sociais se possam fazer pagar. Não tem um substrato concreto que
os credores possam usar em seu favor. Essa cifra, sempre expressa em Euros (14.º), está
obrigatoriamente inscrita no contrato de sociedade, e nessa medida é tendencialmente estável.
Essa estabilidade significa que o CS apenas pode ser alterado mediante o procedimento de
alteração do pacto, com respeito pela maioria necessária (que será sempre qualificada), ou mesmo por
algum direito especial de veto relativamente a essa deliberação: 265.º/1,2. E a exigência de que a
deliberação seja aprovada por uma ampla maioria dos sócios justifica-se quer esteja em causa um
aumento, quer uma redução do CS. Na medida em que consta do contrato de sociedade, essa cifra só
pode ser alterada mediante alteração ao contrato de sociedade, desde que preenchidos os requisitos
(inclusive as maiorias para aprovação). Exige-se uma maioria de 2/3 dos votos expressos em AG no
caso das SA e uma maioria de ¾ no caso das SQ. Esta maioria de 2/3 nas SA refere-se aos sócios que
comparecem à AG. Nas SQ, o artigo 265º/1 prevê: “As deliberações de alteração do contrato só
podem ser tomadas por maioria de três quatros dos votos correspondentes ao capital social ou por
189
Faculdade de Direito da Universidade do Porto
número ainda mais elevado de votos exigido pelo contrato de sociedade”. Ou seja, pode não bastar
uma maioria de ¾ dos votos expressos em AG: se faltarem algum sócio com quota superior a 25%,
essa deliberação nem sequer pode ser tomada. O nº 2 do mesmo artigo determina: “É permitido
estipular no contrato de sociedade que este só pode ser alterado, no todo ou em parte, com o voto
favorável de um determinado sócio, enquanto este se mantiver na sociedade.”. Ou seja, pode haver
um sócio com uma contribuição muito importante para a SC que tenha o poder para impor esta
prerrogativa contra os outros sócios. Imaginem 3 sócios, cada um com 26% dos votos cada um,
perfazendo 78%, e outro sócio com 22% dos votos. Esse sócio pode também ter uma contribuição
importante para a sociedade, e, por isso, ser-lhe reconhecido o direito de veto. Isto releva porque:
− Se se tratar de um aumento por novas entradas (ou seja, há novas entradas de capital às
quais correspondem novas quotas ou ações), a mudança pode alterar o equilíbrio de poderes que os
sócios tinham em vigor, ainda que estes tenham preferência sobre estranhos à sociedade no caso de o
aumento ser realizado através de entradas em dinheiro (26.º, 458.º). Isto porque alguns sócios podem
não ter condições financeiras para realizar aquelas entradas, subscrever as novas participações e
acompanhar o aumento, e, portanto, podem não conseguir evitar a erosão da sua posição relativa. Um
aumento de capital pode sempre provocar um desequilíbrio dos poderes: havendo novas participações,
o valor da participação de cada socio dilui-se pelo total. Se o aumento for por novas entradas em
dinheiro, o sócio pode não conseguir acompanhar esse aumento. E se assim for, a sua posição de sócio
degrada-se: a sua participação no CS vai valer relativamente menos. Por isso, o CSC permite que o
sócio tenha direito de veto e exige uma maioria qualificada.
− Nos casos de redução do CS, a lei preocupa-se sobretudo com a tutela dos interesses dos
credores. Quanto mais pequeno o CS, mais isso poderá indiciar uma insuficiência de património para
o cobrir. Atenção: estes interesses podem significar que a sociedade fique impedida de distribuir lucros
ou reservas disponíveis: 96.º. Acresce que a redução do capital pode servir para forçar a saída de sócios
minoritários através daquilo a que se chama a ‘operação acordeão’ (a SC encolhe, para depois voltar a
expandir):
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• reduzir o capital social ao mínimo possível – porventura, ao mínimo legal. Por isso,
isto só faz sentido em SA, e não em SQ. Reduzem o valor relativo das participações de cada
socio;
• os sócios que não acompanharem o aumento verão o valor relativo da sua participação
ficar muito reduzido comparativamente com os restantes, e possivelmente optarão até por sair
da sociedade.
A cifra do CS é igual à soma do valor nominal das participações sociais a que não correspondam
entradas em espécie. Porque essas entradas não são contabilizadas no CS. Sendo certo que o valor
nominal da participação de um sócio nunca pode ser superior ao valor da sua entrada (25.º/1), o capital
social (soma do valor nominal das participações) nunca pode ser superior ao património social
inicial (soma do valor das entradas). O que não significa que as entradas tenham de estar todas
realizadas: o crédito sobre um sócio que ainda não realizou a entrada por completo pertence ao
património da sociedade. Claro que o que acontece depois depende apenas do sucesso económico da
atividade da sociedade: se os negócios correm mal, o património pode tornar-se de facto inferior à cifra
do CS.
Por vezes, fala-se até de ‘CS real’, como contraponto àquele conceito de CS nominal, para
significar uma fração ideal do património da sociedade que é necessária para a cobertura da cifra
inscrita no contrato. Neste sentido, não podem ser distribuídos bens ou lucros aos sócios se (entre
outros requisitos) o CS real não estiver assegurado – o que é o mesmo que dizer, se o CS nominal não
estiver coberto pelo património da sociedade: cfr. 32.º e 33º.
A - Funções do CS
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a) Funções internas
Porque é que existe uma obrigação de entrada como sinalagma da participação social?
O CS representa a soma do valor nominal das participações sociais, que por sua vez são a
contrapartida da obrigação de entrada dos sócios. Isto significa que quanto mais elevado for o valor do
CS, mais elevado será também, em princípio, o valor do conjunto das entradas que os sócios trazem
para a sociedade; e portanto, mais elevado será o património da sociedade no momento em que é
constituída. O valor das entradas pode ser igual ou superior, mas não inferior ao valor nominal das
participações sociais (art. 25º/1); ou, no caso de ações sem valor nominal, ao capital social
correspondentemente emitido (art. 25º/2). Assim se consegue que o valor do património social inicial
seja pelo menos idêntico ao CS. E os bens deste património referido ao CS são naturalmente um meio
de financiamento próprio da sociedade.
Ora bem, para a sociedade poder iniciar a atividade a que se propôs, ela carece de meios
materiais, desde logo, de dinheiro para pagar aos funcionários, aos bancos ou aos fornecedores. E
sendo o CS a contrapartida do património social inicial, é com esse património que a sociedade
começará a realizar a atividade que corresponde ao seu objeto. A SC tem de fornecer garantias
patrimoniais de que tem condições financeiras para iniciar atividade.
Os sócios também podem recorrer a garantias bancárias. Por ex., quando um sócio é avalista
de uma sociedade. Mas não é tão comum.
No limite, é isto que permite à sociedade cumprir o seu fim: obter lucros com aquela atividade,
e distribuí-los pelos sócios. O CS cumpre assim uma primeira e fundamental função interna: a de
financiar a produção da atividade económica da sociedade.
ii. Medida dos direitos e deveres dos sócios (distribuição do poder intra-societário)
Se a cifra do CS corresponde ao valor global das participações, é por referência a esse valor
que vamos medir o poder relativo que cada sócio detém dentro da sociedade, comparativamente com
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os demais. O CS aparece na lei como critério para determinação da medida dos direitos e obrigações
dos sócios, a existência de certos direitos na titularidade de sócios, e dos quóruns deliberativos.
Desde logo, a percentagem de CS que um sócio detém determina em princípio a parcela dos
lucros que lhe será distribuída, quer no fim de cada exercício, quer em caso de dissolução: 22º/1,
156º/2. Em regra, os sócios participam nos lucros e nas perdas sociais segundo a proporção dos valores
das respetivas participações no capital. Mas acrescentam-se outros preceitos: para as SQ importa o
artigo 250º/1 + para as SA importa o artigo 384º/1.
Além disso (e também em princípio), essa percentagem quantifica o seu poder de voto – ou
seja, a sua capacidade para influenciar e determinar o desenrolar da vida societária. Esta influência vai
fazer-se sentir, nomeadamente, através da eleição/nomeação dos membros do órgão de administração,
que terão um papel fulcral na condução quotidiana dos destinos da sociedade. Um sócio com mais
votos tem mais capacidade de influenciar os destinos da sociedade.
Nas SQ, certas deliberações exigem quórum deliberativo qualificado: maioria de pelo menos
¾ dos votos correspondentes ao capital social (265º/1; 270º/1). Nas SA, como quórum constitutivo de
AG de primeira convocação, é exigida a presença ou representação de acionistas que detenham, pelo
menos, ações correspondentes a 1/3 do CS (383º/2).
A um outro nível, serve como valor de referência para determinar a existência de certos direitos
(ou obrigações), quando estes dependam da detenção de uma determinada percentagem de CS:
Dto. “coletivo” à informação, nas SA: 291º/1 – direito de requerer informações por escrito
ao Conselho de Administração só pode ser exercido por 1 ou mais sócios que perfaçam 10% do CS;
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Existência (ou termo) de uma relação de coligação ou de grupo (com os deveres e direitos
inerentes): 483º, 485º, 486º/2-a), 489º/4;
São direitos / obrigações cuja existência se determina por referência à percentagem do CS que
o sócio tem.
b) Funções externas
Esta comparação é importante para vários efeitos que já vimos ou veremos melhor a seguir.
Por exemplo, para:
− saber se podem distribuir-se lucros ou bens: 32.º, 33.º - quando se diz “bens”, referimo-nos a
reservas que resultaram de exercícios anteriores e que passam a pertencer ao património;
− gerar um dever de informação a terceiros, se o valor do património for inferior a 50% da cifra
do CS: 35.º + 171.º/2 – se uma SC constituída com CS de 100 000€, e hoje o seu património for inferior
a 50 000€, há um dever de informação a terceiros (clientes, fornecedores, etc.) o facto de estar em
situação de descapitalização;
− permitir uma deliberação de redução do CS: 95.º/1 – “A redução do capital não pode ser
deliberada se a situação líquida da sociedade não ficar a exceder o novo capital em, pelo menos,
20%”.
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Ainda neste âmbito, diz-se que o CS serve como demonstração de um “limiar mínimo de
seriedade” por parte dos sócios. Quer isto dizer que a cifra do CS transmite para o exterior uma certa
imagem da sociedade, e do compromisso financeiro dos sócios na sua atividade: ainda que não seja
minimamente decisivo em termos de garantia patrimonial, um CS mais elevado transmite por regra
mais confiança a quem contrata com a sociedade.
Em relação com a função anterior, é costume dizer-se que o CS funciona como uma salvaguarda
dos credores: estes teriam sempre a garantia de que no património social existiriam sempre bens (ou
dinheiro) suficientes para cobrir aquela cifra. Isto é um disparate: se fosse assim, nenhuma sociedade
ficaria insolvente, porque o seu património líquido (a diferença entre o ativo e o passivo) seria sempre
positivo.
O que nos diz o princípio da intangibilidade é que os sócios não podem utilizar o património
social em proveito próprio, distribuindo lucros de exercício (se os houver) ou outros bens do
património social, se isso puser em causa a cobertura do capital. Só nesta medida dizemos que o CS é
uma cifra de retenção: os arts. 32º e 33º apenas obrigam os sócios a reter no património social as verbas
necessárias àquela cobertura na medida em que os proíbem de as distribuir entre si, sendo a violação
dessa proibição um crime: 514.º. Nada impede os sócios de usarem o património social para
desempenhar a atividade da SC; não pode é ser distribuído pelos sócios se isso afetar a cobertura do
capital social pelo património.
Portanto, os credores sociais estão protegidos pela proibição de património social líquido se
tornar inferior ao valor do capital e reservas legais e estatutárias em virtude de distribuições de bens
aos sócios. Só os lucros são distribuíveis. O CS funciona como uma cifra de retenção.
Fora disto, a sociedade está sujeita à fortuna do mundo dos negócios, podendo o seu património
aumentar ou diminuir consoante:
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Assim, o CS, só por si, não garante rigorosamente nada aos credores sociais: não será por ter
um CS muito alto que a sociedade terá necessariamente solvabilidade. Um exemplo recente: na altura
em que se deu a sua derrocada, o BES tinha um CS superior a €6000 milhões, e tinha acabado de
encaixar mais de €1000 milhões com um aumento de capital.
No entanto, e como é necessário tomar algumas medidas para proteger os credores caso a
situação se deteriore, o art. 35.º vem prever algumas medidas a tomar em situações de alarme
financeiro. Nos termos desta norma, com a epígrafe “perda de metade do capital”, os gerentes têm o
dever convocar uma AG, para informar os sócios e propor medidas adequadas, quando constatarem
que o património social líquido (a que o n.º 2 dessa norma chama “capital próprio”) não superar 50%
do CS nominal. A omissão deste dever constitui crime, punível com prisão até 3 meses e multa até 90
dias pelo 523º. Note-se que este artigo mantém as remissões para a anterior redação do 35.º, que hoje
não fazem sentido.
− Dissolução da sociedade;
− Redução do CS;
A partir daqui o seu dever está cumprido, ainda que os sócios rejeitem as propostas e não
adotem qualquer deliberação. Na versão inicial do CSC, os sócios tinham de aceitar pelo menos uma
das propostas. Hoje em dia, isto não acontece.
Atualmente, a única consequência real que decorre para a sociedade da constatação desta
descapitalização é a obrigatoriedade de incluir essa informação em quaisquer atos externos da
sociedade, nos termos do 171.º/1 e 2. E, por outro lado, a única consequência do incumprimento desse
dever é a condenação da sociedade em coima entre 250€ e 1500€: 528.º/2 – isto pode ser bastante
menos gravoso do que os danos reputacionais decorrentes da publicitação da sua situação financeira.
Por isso, compensa mais não cumprir o dever de informação, e pagar a coima.
Por isso mesmo, Coutinho de Abreu e Paulo de Tarso defendem que um credor deve poder
responsabilizar civilmente os gerentes, nos termos gerais, se demonstrar que desse incumprimento
resultou um prejuízo. Como princípio a ideia tem todo o mérito, mas será preciso demonstrar que o
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credor apenas negociou com a sociedade, e sofreu os prejuízos daí decorrentes, porque esta omitiu a
informação nos termos em que esta é exigida por lei. Esta prova pode ser extremamente difícil de
conseguir.
B – Reservas
− provenientes de lucros não distribuídos aos sócios ou de prémios de emissão pagos por estes,
− que ficam retidos no património social, por imposição da lei ou do contrato ou em resultado
da vontade dos sócios,
− e que servem como primeira proteção (“almofada”) do capital social contra as perdas sofridas
em resultado dos riscos da atividade económica exercida pela sociedade.
i. da lei;
iv. da vontade dos sócios, manifestada em deliberação (que pode ter por trás um acordo
parassocial);
Existem as reservas livres: dependem da vontade dos sócios manifestada em AG. O lucro
podia ter sido distribuído pelos sócios mas optou-se por retê-lo. Desde que respeitado o art. 32.º os
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sócios podem deliberar distribuir o excedente que não seja necessário à cobertura das reservas legais
(importam também os artigos 217º/ e 294º/1). As reservas estão na plena disponibilidade dos sócios.
Porque constituídas livremente, nada impede que em momento posterior, por deliberação adotada com
maioria simples dos votos, sejam distribuídas aos sócios enquanto parte do lucro de balanço.
Entretanto, são utilizadas para potenciar a atividade societária, cobrir perdas ou incorporar no CS.
Existe uma menção no art. 33.º/3 às reservas ocultas: “As reservas cuja existência e cujo
montante não figuram expressamente no balanço não podem ser utilizadas para distribuição aos
sócios”. Ocultas porque estão escondidas por uma subavaliação do ativo ou sobre avaliação do passivo.
O balanço tem de refletir a realidade económica da sociedade. Portanto, se um balanço omite uma
verba no ativo ou inclui uma verba fictícia no passivo; ou/e subvaloriza bens do ativo ou sobrevaloriza
o passivo, o património líquido da SC aparece com um valor inferior ao valor real. a diferença entre
um e outro valor constitui reserva oculta. As deliberações que aprovem constas com reservas ocultas
são nulas.
As SQ, as SA e as SComA devem constituir reserva leal, nos termos dos artigos 218º, 295º/1 e
478º.
As RL são as únicas cuja exigência não depende, em nenhum momento, da vontade dos sócios,
uma vez que são impostas pelo CSC ou por outras leis avulsas, v.g.:
A razão de ser desta reserva é precisamente evitar que perdas por parte da sociedade, em
determinado exercício, possam afetar imediatamente a cobertura do CS pelo património social. Tal
como o CS, a RL funciona como uma cifra adicional de retenção: a sociedade fica impedida de
distribuir pelos sócios bens ou lucros (ou de pagar a contrapartida de uma exoneração ou amortização)
se a perda de património implícita nesse ato fizer com que a cifra resultante da soma do CS e da RL
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fique “a descoberto”. Tenta com isto garantir-se que aquela cifra (abstrata) tenha correspondência
(concreta) no património social.
a) Constituição
Para a constituição da reserva, pelo menos 5% dos lucros (descontados os valores destinados à
cobertura de perdas transitadas, se existirem) ser-lhe-ão afetados, até que ela corresponda a 20% do
CS.
Portanto, e nos termos do 295º (previsto para as SA, mas aplica-se em quase tudo às SQ), a RL
constitui-se:
− 5% do lucro de exercício (desde que este tenha existido) – há uma minoria de autores que
não interpretam este artigo desta forma. Entendem o artigo 295º literalmente: a primeira coisa a fazer
é tirar 5% dos lucros para a reserva legal, e só depois é que se cobrem os prejuízos transitados com o
que remanescente da RL. O Prof. José Reis não concorda com esta posição. Porque o artigo 33º parece
estabelecer uma ordem prioritário de operações: em primeiro lugar cobrem-se os prejuízos transitados,
em segundo lugar forma-se a RL, e em terceiro lugar forma-se a reserva estatutária.
− até que, em resultado dessa acumulação sucessiva, esteja alocada à RL uma cifra
correspondente a 20% do CS, cifra que no caso das SQ terá um mínimo de €2500 (218º/2). Isto só se
aplica se o CS da SQ for inferior a 12 500€. Porque se o CS for de 12 500€ ou mais, os 20% do CS
são sempre 2 500€ ou mais. Por ex.: se uma SQ tem um CS de 10 000€, os 20% seriam 2000€. Mas o
mínimo estabelecido pelo artigo 218º/2 é de 2 5000€, pelo que não poderia haver RL de 2000€. Se o
CS da SQ ultrapassar os 12 500€, aplica-se os 20%, e é esse critério que prevalece. Por ex.: o CS é de
20 000€, a RL é de 4 000€, aplicando-se a regra dos 20%.
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Ou seja: ao lucro de exercício retira-se primeiro a verba necessária para cobrir aqueles
eventuais prejuízos, e só depois se retira, ao remanescente, 5% para levar à RL.
Atenção: prejuízos transitados não são quaisquer prejuízos que tenha havido em exercícios
passados, mas apenas aqueles que não tenham sido já cobertos por lucros de outros exercícios, e que
por isso mesmo ponham em causa a cobertura do capital.
O artigo 295º/2 prevê quais as reservas que ficam sujeitas ao regime da reserva legal.
Vejamos isto melhor com dois exemplos, imaginando sempre uma SQ com um CS de 15.000€.
Hipótese 1:
Como o prejuízo do 1º ano foi integralmente coberto pelo lucro do 2º, o lucro do 3º ano já não
tem de o cobrir. E ainda sobra dinheiro. O prejuízo de 3 000€ não transita para o 3º ano, pois foi coberto
pelo lucro do 2º ano.
Portanto:
− no 2º ano vamos levar à RL 5% de 2000€: ao lucro de 5000€ deduzimos 3000€ para cobrir
os prejuízos transitados = 100. Estes 100€ vão ser levados à RL;
− esta verba soma-se aos 100 que tinham sido levados no ano anterior; no final do 3º ano já
levámos assim €500 à RL;
− faremos isto todos os anos até atingir €3000, que corresponde a 20% de €15.000 (o CS);
− (importante: este exemplo pressupõe que não existissem ágios, de que falaremos a seguir;)
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− atingida aquela verba, os sócios não podem continuar a levar verbas à RL a não ser que o
contrato determine que esta corresponde a mais de 20% do CS. Uma vez que só o contrato o pode
fazer, parece que qualquer deliberação que o faça sem base contratual é nula.
Hipótese 2:
Apesar de o lucro do 2º ter coberto parte do prejuízo do 1º, ainda transitou para o 3º um prejuízo
de 2000 que tem de ser coberto com o lucro de anos posteriores.
Portanto:
A RL é assim uma cifra de constituição sucessiva: vai sendo preenchida ao longo dos vários
exercícios até se atingir o limite mínimo fixado pela lei, ou um limite superior se o contrato (e só ele)
assim o determinar. O contrato (só ele) pode também determinar que a verba anual a retirar ao lucro
do exercício seja superior a 5%: 295º/1, in fine. Se isto não estiver previsto no contrato, essa
deliberação será nula: o artigo 69º/3 assim o prevê. Este artigo não se refere apenas às regras da
constituição da RL cuja finalidade seja a proteção de credores, mas sim a quaisquer regras relativas a
constituição ou reforço da RL. Até porque só assim é que a norma tem utilidade. A violação de
qualquer norma imperativa numa deliberação social, produz a nulidade dessa deliberação. Para que
esta norma do 68º/3 tenha efeito útil, tem de se aplicar a normas não imperativas (porque isso já
decorreria das regras gerais de invalidade das deliberações). As regras dispositivas sobre a RL são as
que permitem aos sócios alterar o montante máximo e a percentagem de lucros alocados à RL. Se os
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sócios mudam esses valores sem alteração do contrato, essa deliberação é nula. Essa deliberação não
é anulável como decorreria das regras gerais: porque a violação de uma regra dispositiva apenas leva
à anulabilidade, nos termos gerais.
A verba que for sendo acumulada, nestes termos, tem de estar coberta pelo património para
que, em cada exercício, possa deliberar-se qualquer distribuição de lucros ou bens: 32º e 33º. Este é o
principal efeito da constituição da RL: uma reserva reúne-se todos os anos, que se vai somar à cifra do
CS, e determinar o património que os sócios não podem distribuir os lucros. Não se trata de impedir
os sócios de aplicar produtivamente aquele património. Os sócios podem aplicar esses valores como
entenderem, desde que seja para a atividade produtiva (salários, equipamentos, empréstimos ao banco,
etc.). Só não o podem distribuir pelos sócios.
b) Utilização da RL
Sempre que a RL seja utilizada para algum daqueles fins, as verbas utilizadas terão de ser
novamente repostas durante os exercícios seguintes, sempre pelo mesmo processo já descrito. A
RL tem de reposta exatamente nos mesmos termos já estudados. Os sócios têm de voltar a descontar
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5% do lucro anualmente, para constituir RL. A menos que, entretanto, haja um aumento de CS, e nesse
aumento sejam realizados ágios, e esses ágios sejam levados à RL. Ou que se realizem outro tipo de
verbas do 295º/2. Por ex.: quando é feita uma doação à SC, essa doação segue o regime da RL nos
termos do 295º/2 al. c, e pode ser deliberado pelos sócios levar esse valor à conta da RL. Mais uma
vez: isto significa que aquelas verbas não podem ser deslocadas do ponto de vista contabilístico, e,
portanto, terão de ter cobertura patrimonial para que possa deliberar-se validamente a distribuição de
lucros.
Importante: o 69/3º prevê, como regime especial sobre deliberações, a nulidade de qualquer
deliberação de que resulte a violação das regras sobre a RL ou destinadas a proteger os credores sociais.
Para além disso, o administrador (ou gerente) que distribua ilicitamente bens sociais fica sujeito ao
regime penal do art. 514º: multa de 60 a 120 dias, ou pena prevista para o crime de infidelidade. É
necessária alguma cautela para assegurar que a distribuição de bens ou lucros que é proposta respeita
o regime dos artigos 32º e 33: não pode pôr em causa a cobertura do CS, reservas e prejuízos transitados
antes de serem distribuídos os lucros. Porque ao fazê-lo estão a prejudicar os credores sociais.
c) Os ágios
Por ex.: uma ação tem valor nominal de 5€ e valor de subscrição de 7€, tem um ágio de 2€
incorporado. Isto significa que muito embora aquela diferença possa ser utilizada pelos sócios na vida
da sociedade, ela tem de estar coberta pelo património social no fim do exercício sob pena de não
poderem ser distribuídos bens ou lucros da sociedade.
Os ágios ficam sujeitos ao regime da RL até ao montante desta: 295º/2-a + 3. Apesar do artigo
apenas se referir a ações, entende-se que este regime também se aplica às SQ. Um sócio que entrou
numa SQ com 10 000€ e recebeu uma quota no valor nominal de 5 000€, tem um ágio de 5000€. Mas
o ágio só fica sujeito ao regime da RL até ao montante da RL. Ex.: 3 sócios subscrevem quotas de
5 000€ e entram cada um de 5 000€, realizam ágios de 15 000€. Esses ágios só ficam sujeitos ao regime
das RL até 3 000€ (20% do CS da SQ de 15 000€). Os restantes 12 000€ são livremente disponíveis,
podendo até ser distribuídos. A remissão do 295º/2-a importa a remissão para todo o regime da RL.
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Sendo o fim da SC a obtenção de lucro, e o fim dos ágios não transferir reservas para a SC, parece que
estes valores devem integrar o lucro de balanço.
Estamos a referir-nos aos ágios no momento de entrada para a SC. Os sócios normalmente
entram para a SC com o valor correspondente ao valor nominal da sua participação. Até porque lhes
interessa mostrar um CS elevado aos terceiros. Mas pode acontecer que haja uma diferença entre estes
valores, constituindo-se ágios. Os ágios existem na maior parte dos casos nas SA, quando há
subscrições públicas, e sobretudo nos aumentos de CS. E foi principalmente para os aumentos de CS
que o regime dos ágios foi pensado. Imaginem uma SA com CS de 100 000€ dividido em 1000 ações
com valor nominal de 100€ cada. O património dessa SC, hoje em dia, em virtude de bons negócios,
ascende a 500 000€. Cada ação, tem valor nominal de 100€, mas tem valor real de 500€, porque
representa uma fração do património (se o património aumenta, o valor real da ação aumenta). A SC
vai emitir novas ações, com o intuito de fazer um aumento de capital. As ações são emitidas ao valor
nominal de 100€ cada. Se terceiros estiverem interessados em entrar para a SC (os newcomers), vão
comprar ações por 100€, mas com valor real de 500€ (vão pagar um custo inferior ao valor real da
ação). Imaginemos que a SC vai duplicar o seu CS, que passa a ser de 200 000€, pela emissão de 1000
novas ações pelo valor nominal de 100€ cada. Portanto, o património sobre de 500 000€ para 600 000€.
O valor real de cada a ação deixa de ser 500€ para ser 300€, porque vão passar a haver 2000 ações
pelas quais vão ser divididos os 600 000€ de PS. Ou seja, os sócios antigos tinham ações que valiam
500€ que passam a valer 300€; os sócios novos compram ações por 100€ que passam a valer 300€.
Isto põe em causa o princípio da igualdade entre os antigos e os novos sócios. Isto pode ser minimizado
pela forma gestão do aumento de capital. Se for um aumento de capital por entradas em dinheiro, os
sócios antigos têm preferência na subscrição das ações. Mas podem, por ex., naquele momento, não
ter capacidade financeira para acompanhar aquele aumento de CS e não conseguir subscrever novas
ações. Para obviar a esta desigualdade entre antigos e novos sócios, criam-se os ágios: a nova emissão
de CS é feita com o valor nominal de 100€ por ação, mas as ações terão de ser compradas por 500€.
Os novos sócios têm de comprar as ações pelo valor real, e não pelo valor nominal. O que significa
que o património da SC vai crescer em 500 000€: as novas ações duplicam o capital e o património da
SC. Mesmo que os antigos sócios não comprem novas ações, o valor das suas ações já adquiridas não
vai diminuir.
Portanto, não é vulgar a situação em que os sócios entram com valores superiores à sua
participação. Por isso, não é da essência do ágio ficar integralmente adstrito ao regime da RL. Assim,
é legitimo entender que só fica sujeito ao regime da RL até ao valor da RL. O que significa que tudo
o resto é património livremente disponível pelos sócios.
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Temos de distinguir duas situações. Uma coisa é os ágios estarem sujeitos ao regime da RL.
Outra coisa é os ágios integrarem a RL. O facto de os ágios seguirem o regime da RL não quer dizer
necessariamente que substituam a RL. Mas é a posição maioritária que, se os sócios deliberarem nesse
sentido, as verbas resultantes de ágios sujeitas ao regime da RL integram a RL. Os sócios estão
dispensados de constituir a reserva do zero e podem partir do montante já realizado através de ágios.
Isto é favorável aos sócios, porque os dispensa de reservar os 5% do lucro exercício seguinte. Mas é
preciso que os sócios deliberem nesse sentido. Caso contrário, há uma duplicação de reservas sujeitas
ao regime da reserva legal: ágios sujeitos ao regime da RL (até ao valor da RL) e obrigação de constituir
RL.
Segundo entende uma parte importante da nossa doutrina (Paulo de Tarso, Pedro Maia) as
verbas resultantes de ágios integram a cifra da RL tal como prevista no 295º, não se lhe adicionam.
Assim, tendo sido constituído ágios, o seu montante tem de ser tido em conta no cálculo do
preenchimento da RL, não começando esta a ser constituída a partir do zero, mas adicionando-se aos
ágios a verba anual resultante da aplicação da taxa de 5% ao lucro distribuível.
Qual a justificação? Tendo a sociedade por fim a distribuição de lucros pelos sócios, não faz
sentido privá-los desse lucro se a verba cuja retenção é imposta por lei já se encontra integralmente
reunida, ainda que por um processo diverso do previsto no 295º/1. Pode discutir-se se este regime
interfere com a proteção dos credores sociais, mas não é uma situação líquida.
Mas repita-se: para isso (e no entendimento de parte da doutrina) será necessária uma
deliberação dos sócios. A não existir essa deliberação, a parte do ágio correspondente à RL só poderá
ser usada para as finalidades do 296º; e para além disso, os sócios ficam obrigados a constituir uma
RL de igual montante, nos termos gerais – o que obviamente não lhes interessa, porque limita o seu
direito ao dividendo. Quanto à parte do ágio que exceda a RL, como se disse é livremente disponível,
integrando o lucro de balanço.
Hipótese 3
Imaginemos que naquela SQ com CS de 15.000€, cada um dos dois sócios entrou com 8500€,
e tem uma quota de 7500€. Isto significaria que o valor das entradalteas ultrapassou a cifra do CS em
2000€ (17.000€ - 15.000€), e que essa verba constitui um ágio que é integralmente levada à RL por
força da lei. Assim, os sócios terão apenas de levar mais 1000€ à RL nos exercícios seguintes para a
preencher completamente. Se levarem mais do 1000€, essa deliberação é nula: os sócios não podem
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deliberar, a menos que o contrato o preveja expressamente, que a RL tem um valor superior a 20% ou
2 500€ nas SQ.
Hipótese 4
Se cada sócio tivesse entrado com 10.000€, haveria ágios no valor de 5000€. O CS é de 15 000€
e o PS de 30 000€. Uma vez que essa verba preenchia completamente (até ultrapassava) 20% do CS,
os sócios poderiam distribuir todo o lucro de exercício (se existir, claro) logo no 1º ano.
Hipótese 5
Havendo €2000 de verbas disponíveis, parece que essa verba terá de servir para cobrir a parte
correspondente do prejuízo. Os sócios não podem distribuir este valor.
Quanto aos €1000 remanescentes, os sócios podem deliberar, nos termos que já veremos já a
seguir, se pretendem que sejam cobertos com a parte do ágio adstrita ao regime da RL ou se preferem
fazê-los transitar para o exercício seguinte, em que serão cobertos pelo lucro de exercício (se existir).
Mais uma vez, isto não altera o património da SC.
É muito discutida, entre nós e no estrangeiro, a questão de saber se, havendo perdas a cobrir e
não havendo lucros de exercício ou outro património social que não esteja não adstrito à cobertura do
capital ou da reserva legal:
− a lei impõe a cobertura daquelas perdas com recurso à RL (podendo o órgão de administração
aprovar uma deliberação que se limita a executar esse imperativo legal), ou se
Repetindo, isto é uma operação contabilística, não interferindo com o património social,
embora tenha repercussões na capacidade de distribuição de lucros no ano seguinte.
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Paulo de Tarso e Cassiano Santos exigem uma deliberação dos sócios, por ser a eles que a lei
atribui o poder genérico de decidir sobre a distribuição de bens. Desde que esteja assegurada a
cobertura da RL e do CS pelo património. Repare-se que se trata apenas de alocar verbas do ponto de
vista contabilístico, uma vez que o património da sociedade não será (pelo menos neste exercício)
minimamente afetado por essa decisão. É uma questão de afetação interna de rubricas de balanço, e
não de afetação real do património da SC.
Ou dizendo de outra forma: é praticamente indiferente, deste ponto de vista, saber se aqueles
prejuízos:
− Vão ser imediatamente compensados, nas contas da sociedade, pelas verbas que estavam
afetas à RL, sendo depois necessário reconstitui-la nesse montante. Neste caso, os sócios podem
distribuir os lucros com maior liberdade, ficando apenas obrigados a descontar 5% do lucro de
exercício; ou se
− Vão transitar para o exercício seguinte como resultados negativos transitados, sendo depois
cobertos pelos lucros que futuramente forem gerados – e aqui, sem que os sócios possam já pronunciar-
se quanto a essa cobertura.
− se os prejuízos forem imediatamente cobertos pela RL, os lucros que futuramente vierem a
ser gerados podem ser distribuídos sem terem de servir para os compensar, tendo apenas de se lhes
retirar 5% para reintegrar a RL;
− se os sócios decidirem fazer transitar o resultado, a RL fica intacta mas os prejuízos terão de
ser cobertos assim que haja lucro de exercício – que portanto, e nessa medida, não poderá ser nessa
altura distribuído.
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integralmente, da vontade dos sócios – ou pelo menos dos sócios que tenham poder para alterar o
contrato. Não há limite de montante mínimo e máximo, percentagem de lucro levado à reserva, etc.
A qualquer altura, portanto, o contrato pode ser alterado no sentido de as modificar (quanto ao
montante, finalidade ou forma de constituição) ou eliminar. Podem também os sócios criar uma RE
por alteração do contrato? Em princípio (e quase sempre) sim; mas devemos ter em atenção a
possibilidade de isso configurar uma limitação excessiva do direito ao lucro, e eventualmente um abuso
de maioria em prejuízo de sócios minoritários: v.g., estabelecer uma reserva de 10M€ a que se levam
75% dos lucros distribuíveis.
Pode acontecer que, da interpretação do contrato, se entenda que os sócios quiseram impedir a
distribuição de lucros, por ex. Imaginemos que há uma alteração ao contrato, aprovada com 85%, e há
1 sócio com 15% que vota contra. Essa alteração ao contrato estabelece que é estabelecida uma RE,
pela qual se leva 100% do lucro de exercício disponível à reserva até de atingirem os 300 000 000€.
Isto significa que, até se atingir este valor, os sócios não poderão distribuir lucros. Isto pode ser um
abuso de maioria: tática para excluir esse socio da SC. Se isto acontecer, esta deliberação pode ser
impugnada por ser abusiva: há um abuso dos sócios em prejuízo de outro sócio, porque eles pretendem
prejudicar um sócio no seu direito ao dividendo. Mas, salvo este limite decorrente das regras gerais,
existe plena liberdade na conformação das RE.
Salvo a situação anterior, os sócios podem determinar que a percentagem que entenderem do
lucro de exercício é levada à RE para a finalidade que entenderem (reforço da situação financeira SC,
incorporar no capital, investimento futuro, abrir uma sucursal, etc.).
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para cobrir prejuízos transitados ou para formar ou reconstituir reservas impostas pela lei ou pelo
contrato de sociedade.”. Portanto, as RE têm de estar asseguradas antes dos sócios poderem distribuir
outros bens.
O lucro de exercício tem de cobrir, pela ordem indicada, as seguintes verbas: (1º)
Prejuízos transitados; (2º) RL; (3º) RE. Só depois de cobertas estas verbas, é que pode haver
distribuição de lucros pelos sócios. Portanto, o remanescente, depois destas 3 operações, é lucro
distribuível.
O desrespeito pelas regras do contrato que obrigam a levar verbas à RE, tem normalmente
como efeito a anulabilidade das deliberações, nos termos do 58º/1-a), in fine. O artigo 69º/3 a
contrario, assim o prevê.
No entanto, e porque neste caso o desrespeito pela regra do contrato é também um desrespeito
pelas regras imperativas dos 32º e 33º, Coutinho de Abreu entende que a sanção deverá ser a da
nulidade. Contudo, e a ser assim, o Prof. José Reis entende que a regra do 69º/3 (que estabelece um
regime especial de invalidade) deixa de fazer muito sentido.
3. As reservas contratuais
Apesar de muitas vezes se referir as reservas estatutárias como contratuais, é mais correto
deixar esta designação para reservas que sejam impostas por contratos celebrados com terceiros, com
a intenção de criar uma garantia adicional relativamente à satisfação dos seus créditos. Não são
reservas indisponíveis, não vêm previstas noas artigos 32º e 33º. Desde que não estejam vertidas em
cláusulas do contrato de sociedade, o incumprimento desta obrigação em nada afetará a validade de
deliberações que não a respeitem. A menos que se considere que a deliberação é abusiva, e que os
sócios tentaram prejudicar a SC. Imaginem que a SC contrai um empréstimo junto de um banco, e o
banco impõe que a SC levasse todos os anos 10% do lucro distribuível a uma reserva especial destinada
a garantir o cumprimento do contrato. A lei não impede os sócios de distribuírem esse lucro.
Mas se não a respeitar, tal configura um incumprimento do contrato celebrado com aquela
entidade e pode acarretar consequências graves, v.g.:
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4. Reservas ocultas
Por outro lado, são ocultas porque apenas são percetíveis por quem esteja em condições de
comparar aquelas duas realidades, o que pressupõe um acesso a informação reservada, que poucas
pessoas poderão ter. Daí que a única referência que o CSC lhes faz seja para determinar a proibição da
sua utilização para distribuição pelos sócios: não pode deliberar distribuir-se o que não tem suporte
contabilístico. Uma deliberação que o faça será, claro, nula.
5. Reservas livres
Finalmente, esta reserva corresponde ao lucro do exercício que seja distribuível (ou seja, que
não seja utilizado para cobrir prejuízos transitados, integrar a RL ou a RE) mas que os sócios
deliberaram não distribuir, retendo-o no património da sociedade para que esta o utilize na sua
atividade.
Sendo reservas criadas por deliberação, estas reservas podem igualmente ser eliminadas por
deliberação em que os sócios decidam distribuir o lucro que tinham anteriormente decidido reter.
Essa deliberação apenas tem de respeitar o 32º: assegurar que, no momento em que for
aprovada, a distribuição destas reservas não ponha em causa a cobertura do capital e das reservas
indisponíveis. O que é o mesmo que dizer: desde que a sociedade apresente nesse momento lucro de
balanço. A estas reservas aplica-se, assim, o que iremos aprender no próximo ponto sobre distribuição
de lucros.
C - Lucros
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Sendo certo que o direito ao lucro é um (i) direito (ii) irrenunciável (iii) de todos os sócios (iv)
cuja medida depende, por via de regra, da medida da sua participação social. Esta afirmação tem de
ser devidamente dissecada. Vamos a isso.
i. “Direito”
É conferido em abstrato pelos arts. 980º CC e 21.º CSC, mas só se torna efetivo após um ato
de concretização, que por sua vez só é possível se a sociedade tiver condições financeiras para tal – ou
seja, se estiver assegurada a cobertura do capital e das reservas indisponíveis. Só há direito ao lucro se
existir lucro e se a maioria dos sócios entender distribuí-lo. Normalmente (e quase sempre) essa
concretização vai ser feita através de uma deliberação dos sócios, aprovada em AG: 31.º. É uma
competência imperativa dos sócios, que não pode ser delegada na administração: 246º/1-e), 376º/1-b).
Essa deliberação irá normalmente incidir sobre o relatório de gestão apresentado pelo órgão de
administração, nos termos dos arts. 65º, 66º e ss. CSC. Mas nada impede que sejam apresentadas
diferentes propostas para a aplicação dos resultados. A apresentação, por parte de membro do órgão
de administração, de proposta de distribuição ilícita de património social é crime, nos termos do 514º.
Pode acontecer que a aprovação daquela deliberação se mostre impossível, por exemplo:
− porque uma maioria inferior a 75% quer distribuir menos de metade do lucro.
Se isto acontecer, suspende-se o direito ao lucro. Permitir que o direito ao lucro fique suspenso
da aprovação dessa deliberação seria permitir que uma maioria inferior a 75% dos votos prive deste
direito os sócios minoritários, ao abrigo do que mandam os arts. 217.º e 294.º. imaginem que há 60%
dos sócios que pretendem distribuir menos de metade do lucro, a maioria não chega, mas os 60%
votam contra uma proposta de distribuição de mais de metade dos lucros. Portanto, nenhuma das
propostas é aprovada. Assim, e nos termos do art. 67.º, não estando as contas aprovadas nos prazos
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legais, qualquer sócio pode requerer ao tribunal que tome as providências adequadas para o efeito. Em
casos limite, o tribunal nomeará um ROC para examinar as contas apresentadas, e procederá ele
próprio à aprovação. Estando as contas aprovadas sem deliberação quanto à distribuição de lucros,
parece (segundo, v.g., Cassiano Santos) que qualquer sócio poderá exigir a distribuição de metade do
lucro distribuível, passados 30 dias sobre aquela aprovação, por aplicação do critério do nº 2 dos arts.
217º e 294º.
ii. “irrenunciável”
O sócio não pode ser privado, nem sequer por um ato de vontade sua, do direito a quinhoar nos
lucros. O princípio geral é assim o de que o sócio não pode abdicar desse direito para o futuro, e a sua
expressão máxima é a proibição do pacto leonino, que temos no 22.º/3 CSC. Naturalmente que há
circunstâncias especiais em que, por força da lei, de contrato ou de ato do próprio sócio ou de terceiro,
este princípio conhece algumas exceções.
Há outros casos (além dos já referidos) em que não sócios podem ter o direito a quinhoar nos
lucros. Isso é relativamente vulgar, v.g., relativamente a:
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− trabalhadores.
Estamos a falar de um lucro como parte da remuneração destas pessoas. O conceito de lucro
aqui é diferente do lucro de que temos falado. Só depois de liquidados esses dividendos especiais
relativos a remunerações, é que chegamos a um lucro distribuível.
iv. “cuja medida depende, por via de regra, da medida da sua participação social”.
Como vimos já, é esse o critério supletivo estabelecido no 22º/1 CSC, que pode ser afastado
pelos sócios no ato constitutivo desde que o critério por eles escolhido não tenha como resultado afastar
algum ou alguns do exercício efetivo do direito.
Se isso acontecer, e para os sócios cujo lucro seja majorado, isso constitui um direito especial,
sujeito ao regime do art. 24.º; e claro que para isso acontecer, terá de haver outros sócios cujo direito
seja diminuído relativamente à percentagem que têm no CS.
2. Tipos de lucro
i. Lucro final ou de liquidação (156º) é o que se apura quando a sociedade cessa a sua
atividade, se nessa altura dispuser de património – o que não será vulgar em sociedades constituídas
por tempo indeterminado. Uma sociedade com lucro, por norma, prossegue a sua atividade. Por isso,
é menos usual que haja lucro final;
ii. Lucro de balanço é, grosso modo, o que a sociedade gerou desde a sua constituição até um
determinado momento da sua vida – o momento da elaboração do balanço a que esse lucro respeita, o
que por regra (não necessariamente) acontece numa base anual. Obtém-se subtraindo ao património
social líquido (ativo menos passivo) a verba necessária para cobrir as cifras indicadas no 32º
(cifras indisponíveis):
− capital social;
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É com base neste montante que sabemos o montante máximo de bens ou dinheiro que os sócios
podem distribuir, seja a título de lucros de exercício, seja por conta de outro património social gerado
em exercícios anteriores, e que os sócios entenderam não distribuir nessa altura. Isto significa que
ainda que tenha sido gerado lucro em determinado exercício, ele só será distribuível na medida em que
esteja contido no lucro de balanço – ou seja, na medida em que a cobertura daquelas verbas estiver
assegurada pelo património social.
Por outro lado, pode ser distribuído património social (em bens ou dinheiro) mesmo quando
num determinado exercício se tenha registado prejuízo, desde que o património acumulado em
exercícios anteriores seja suficiente para cobrir aquelas verbas depois dessa distribuição. Ou seja: em
função do que resultar quanto ao lucro de balanço,
iii. Lucro de exercício é o que é gerado durante um exercício económico, que em regra
coincide com o ano civil. É com base neste lucro que se constitui a reserva legal (295º), e por regra
também as reservas estatutárias ou contratuais.
Como já vimos, nem sempre todo o lucro gerado num exercício pode ser distribuído pelos
sócios; isso só é possível quanto à parcela desse lucro que sobrar após serem subtraídas as verbas
suficientes para cobrir as cifras do 33º. Como também sabemos, essas cifras são, por ordem:
b. após retirar essa verba, 5% do remanescente (ou uma percentagem maior, mas apenas
se o contrato o previr) para levar à reserva legal, até que esta atinja 20% do CS;
c. após retirar essa verba, e apenas se e nos termos em que o contrato o previr, o
necessário para levar à reserva estatutária.
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Ao lucro de exercício que sobrar após aqueles cálculos é aplicável o disposto nos arts. 217º
(SQ) e 294º (SA): obrigatoriedade de distribuir pelo menos metade entre os sócios, exceto se:
− os sócios deliberarem, por maioria de 75% dos votos correspondentes ao CS, distribuir um
montante inferior, independentemente do que diga o contrato de sociedade. Portanto, exige-se um
quórum constitutivo, e um quórum deliberativo; ou
− o contrato de sociedade autorizar que se delibere distribuir um montante inferior àquele por
uma maioria inferior àquela – e claro está, desde que tal deliberação seja efetivamente aprovada.
A regra é que a distribuição do lucro de exercício ocorra anualmente, vencendo-se o seu direito
30 dias após a deliberação (ou, se os sócios das SQ ou o órgão de administração das SA o deliberarem,
até mais 60 dias: 217º/2, 294º/2). O 297º abre uma exceção, ao permitir que em certas circunstâncias
a sociedade possa adiantar aos sócios o pagamento de parte dos seus dividendos.
− elaboração de balanço intercalar, certificado por ROC, do qual resulte existir lucro
distribuível nos termos dos 32.º e 33.º;
− o adiantamento não exceder 50% das verbas que seriam distribuíveis. Até porque a situação
da SC pode-se alterar, e haver menos lucros do que se pensava.
Apesar de a lei apenas falar expressamente em ‘acionistas’, é pacífico na nossa doutrina que a
regra se aplica à generalidade dos tipos de sociedade.
− cláusula que estabelece que pelo menos determinada percentagem será sempre distribuída,
sem prejuízo de posteriormente os sócios deliberarem uma distribuição superior;
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Coutinho de Abreu entende que todas são válidas, uma vez que mesmo a previsão de não
distribuição periódica dos lucros do exercício não impede que os sócios, sempre que o entendam,
distribuam parte do lucro de balanço, e não põe assim em causa o direito de todos os sócios ao
dividendo.
É uma matéria relativamente à qual a doutrina se encontra muito dividida, sendo que para Paulo
de Tarso aquelas cláusulas são, em princípio, nulas – a não ser quando estabelecida por períodos
limitados, destinando-se a garantir a consistência do património social (neste caso, o contrato prevê:
“Nos primeiros 3 exercícios, a sociedade não vai distribuir lucros”). Isto porque o CSC parece ser
perentório na exigência de deliberação dos sócios quanto a esta matéria, não deixando margem para
permitir que o contrato possa decidir antecipadamente sobre uma matéria tão dependente de
contingências muito variáveis.
Também é regra que a distribuição seja feita em dinheiro; no entanto, nada impede que se faça
em espécie (v.g.,: ações, fundos, PPRs). Às vezes, isto acontece para contornar a não distribuição de
lucros por falta de lucro de exercício, por ex. Paulo de Tarso questiona se nestes casos, e para evitar
uma erosão do património da sociedade, não deve aplicar-se sempre, inversamente, o princípio do 28º:
obrigar a que os bens sejam sempre alvo de relatório de um ROC. Também defende que o sócio tem
de concordar com esta forma. Coutinho de Abreu é mais exigente na admissibilidade deste tipo de
distribuição: só será possível havendo cláusula estatutária habilitante e deliberação unânime dos
sócios. O Prof. José Reis entende que esta posição de Coutinho de Abreu é excessiva.
Havendo distribuição irregular de bens (os sócios receberam bens aos quais não tinham
direito, porque houve uma avaliação errónea, etc.), e além da responsabilidade criminal de que já se
falou (514º), os membros da administração são civilmente responsáveis perante a sociedade e perante
os credores sociais pelos prejuízos que lhes causarem: 72º, 78º e 79º. E em relação aos sócios que
beneficiaram da distribuição? Art 34º: o sócio apenas terá de restituir o que recebeu a título de lucros
ou reservas se a sociedade (ou algum credor: nº 3) provar (nº 4) que ele conhecia, ou não podia ignorar,
aquela irregularidade (nº 1). Importante: o requisito de má-fé não existe para outras distribuições de
bens, em que o facto objetivo da distribuição irregular é suficiente para gerar a obrigação de restituição:
nº 1. Atenção: este regime de restituição é também aplicável a outros benefícios não reconduzíveis a
uma distribuição de bens (v.g., um erro pelo qual se extinguiu uma dívida sua para com a sociedade):
nº 5. Além disso, é oponível a terceiros a quem tenham sido transmitidos os bens ou direitos recebidos
indevidamente pelo sócio: nº 2. Imaginem que o sócio A recebe ações como forma de pagamento de
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lucros, vende as ações a um terceiro, esse terceiro não pode ser obrigado a restituir as ações à SC
mesmo que elas tenham sido distribuídas indevidamente ao sócio A.
Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial – Parte II: Sociedades, 7ª
ed., Almedina, Coimbra, 2015, pags. 419-457;
Paulo de Tarso Domingues, O financiamento societário pelos sócios, Almedina, Coimbra,
2021;
Pedro Maia, Maria Elizabete Ramos, Alexandre Soveral Martins e Paulo de Tarso
Domingues (Coord. Jorge Manuel Coutinho de Abreu), Estudos de Direito das Sociedades,
12ª ed., Almedina, Coimbra, 2015, pp. 151-222;
Aa.Vv. (Coord. Jorge Manuel Coutinho de Abreu), Código das Sociedades Comerciais em
Comentário, 7 vols., Almedina, Coimbra, 2011 (anotações aos artigos relevantes).
1 - Procedimento deliberativo
Procedimento deliberativo
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como modelo supletivo para todos os tipos societários – através de remissões diretas, como acontece
com as SQ (248º/1) e SCA (478º), ou indiretas, como com as SNC (189º/1) ou SCS (474º). É para esse
regime (das SA) que vamos agora olhar brevemente, fazendo referência às particularidades que se
encontram no regime das SQ
i. Competência
− SQ: qualquer gerente (248º/3). Muito importante: se a convocação for assinada por quem
não tenha competência para tal nos termos da lei, todas as deliberações aprovadas nessa AG são nulas,
nos termos do 56º/2. Não há para todos os efeitos uma AG devidamente convocada.
− a lei o determine (375º/1): por exemplo, nos casos do art. 35.º (perda de metade do capital);
• qualquer sócio de SQ (nem que tenha uma quota de 0,1% do capital social), com as
mesmas exigências de forma (248º/2);
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a. SA
− publicação em sítio da Internet (377º/2, 167º), com pelo menos um mês de antecedência da
última divulgação em relação à data da AG (377º/4);
− se requerida por acionistas: publicação do aviso deve ocorrer nos 15 dias seguintes à receção
do requerimento; a AG deve ter lugar até 45 dias depois da publicação (375º/4);
• substituir publicações por cartas registadas ou e-mail com recibo de leitura (21 dias de
antecedência: 377º/4).
b. SQ: 248º/3
a. SA: 378º
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− Pode ser requerida por qualquer sócio(s) que possa(m) requerer a convocação: nº 1 (que tenha
5% dos votos ou um conjunto de sócios que representem 5% do capital social);
− Requerimento escrito dirigido ao presidente da mesa nos cinco dias após a última
publicação (nº 2) isto porque a reunião já está convocada, logo é necessário que seja publicada ordem
do dia para que se saiba que é preciso lá incluir outros assuntos; os assuntos devem ser comunicados
aos sócios nos prazos do nº 3 (consoante a forma do aviso convocatório o prazo para a comunicação
será mais ou menos longo)
− Sendo indeferida (porque por exemplo o prazo não foi respeitado ou o presidente entende
que a matéria em causa não é da competência dos sócios), o sócio pode requerer a convocação de nova
AG: nº 4 (o que só fará sentido se o que estiver em causa for um vício de forma na medida em que se
o problema for o conteúdo o presidente pode voltar a indeferir);
b. SQ
− Pode ser requerida por qualquer sócio (248º/2) uma vez que os direitos atribuídos nas SA a
uma minoria de sócios podem ser exercidos por qualquer sócio de uma SQ.
− A lei não determina o prazo para este requerimento; aplicando os prazos do 378º/2 e 3,
parece que o sócio tem até cinco dias após a receção do aviso para o enviar ao presidente da mesa, e
este deverá expedir novas cartas com a indicação dos novos assuntos até cinco dias antes da
reunião: prazo com pouca margem, e o seu desrespeito pode gerar a anulabilidade das deliberações
aprovadas, a propósito destes assuntos (não dos que tiverem sido atempadamente comunicados).
Importância crucial da ordem do dia: informar os sócios de tudo o que vai ser discutido e
sujeito a votação, permitindo-lhes decidir se estarão ou não presentes, e preparar com cuidado a reunião
(nomeadamente requerendo informações) sem correrem o risco de serem apanhados de surpresa por
assuntos inesperados.
Por isso, o desrespeito pelas regras sobre inclusão de assuntos gera sempre a anulabilidade
das deliberações afetadas (em princípio, só essas); v.g., uma deliberação sobre um assunto não
incluído, ou cuja inclusão foi comunicada aos sócios fora do prazo previsto na lei ou nos estatutos.
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prejuízo de na AG serem propostas redações diferentes para as mesmas cláusulas ou serem deliberadas
alterações de outras cláusulas que forem necessárias em consequência da alteração das cláusulas
mencionadas no aviso. Porque se trata de uma alteração de fundo existe um cuidado acrescido com as
informações que têm de constar do aviso convocatório, não basta dizer que se trata de uma deliberação
com vista à alteração do contrato.
II. Reunião
O 56º/2 considera nulas as deliberações cujo aviso não indique o local da reunião, mas esta
quase imposição da lei sugere que essa sanção só se aplique se a reunião tiver lugar em local diverso
da sede – no entanto isto não é pacífico, contudo parece ser de admitir que a falta de menção do local
de realização da reunião não será um motivo de nulidade, a menos que se venha a realizar num local
diverso da sede social. O Dr. Pedro Maia já entendeu o contrário, que mesmo nesses casos o sócio tem
de ser informado do local porque pode por exemplo no caso de uma SA não haver condições para
albergar todos os sócios pelo que se mostra necessário informar em cada caso concreto do local em
que se vai realizar a reunião. Mas isto pode pôr em causa a validade de todas as deliberações entretanto
aprovadas, colocar em causa a validade de atos praticados com base naquelas deliberações.
Imaginem que é convocada uma AG para o dia 30 de maio, pelas 10h, sem indicar o local de
reunião. O 377º/6-a) estabelece que, supletivamente, a reunião terá lugar na sede da SC. O Prof.
entende que a falta de indicação do local não é uma causa de nulidade da deliberação. Apenas será
causa de nulidade se a reunião ocorrer noutro local. O 56º/2 tem de ser interpretado restritivamente:
apenas há nulidade da deliberação cuja convocatória não mencione o lugar de reunião quando a reunião
ocorra em local que não é a sede da SC (ou seja, quando não é respeitado o critério supletivo).
− SA: 379º
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− SQ: 248º/5
a. SA
Em grande maioria das deliberações, não se exige quórum constitutivo nem deliberativo.
− Exceções:
- caso contrário tem de haver 2ª convocação (pelo menos 15 dias depois), já sem esta
exigência formal de quórum constitutivo: 383º/2 a 4;
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• Quóruns e maiorias especiais previstos na lei: alteração da sede para o estrangeiro (3º/5);
distribuição de menos de metade do lucro distribuível (294º/1): 75% do CS. Aplica-se às SA e SQ.
• Eleições para órgãos sociais em que haja várias propostas: é aprovada a que tiver mais votos,
mesmo que não tenha 50% (386º/2). Imaginem que uma lista reúne 40% dos votos, e as outras duas
listas reúnem cada uma 30%. A lista que reuniu 40% dos votos é eleita, mesmo que não tenha os 50%.
b. SQ:
Em geral, as regras são iguais às das SA, aplica-se supletivamente o regime das SA:
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− Exceções:
• Alteração do pacto (265º), fusão (103º), cisão (120º), mudança de sede (3º/5), distribuição de
menos de 50% do lucro (217º/1): têm de ser aprovadas por 75% do CS (atenção: aplica-se o 386º/5,
pela remissão geral do 248º/1);
• Estranhamente, não se exige maioria reforçada para a transformação nem (sobretudo) para a
dissolução: 133º, 141º. Estas deliberações podem ser tomadas por maioria simples (50% + 1);
• Mais uma vez: contrato pode sempre exigir quóruns, e criar ou reforçar (mas não eliminar
nem diminuir) maiorias (cfr. 265º/1). Quando a lei diz que uma deliberação tem de ser aprovada por
75%, os sócios não podem prever no contrato que essa deliberação teria de ser tomada por 60%.
O CSC prevê, nos arts. 55º e ss., disposições que visam garantir aos sócios que sempre que
uma deliberação não respeite as regras estabelecidas no próprio código ou nos estatutos elaborados
pelos sócios, estes dispõem de mecanismos que, se devidamente acionados, as impedirão de produzir
os efeitos pretendidos.
Muito esquematicamente, pode dizer-se que aquele desrespeito pode reconduzir-se a três
grandes tipos:
a) Não obtenção do acordo de um sócio, em deliberação para a qual esse consentimento seja
exigido pela lei ou (em alguns casos) pelo contrato;
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Veremos que cada um destes três tipos tem as suas nuances próprias, e que pelo menos uma
causa particular de invalidade de deliberações não se reconduz a nenhum deles.
Ainda assim, não é disparatado dizer que, na grande maioria dos casos, às invalidades do 1º
tipo corresponderá a sanção da ineficácia, e às do 2º tipo a da anulabilidade.
Quanto às do 3º tipo referido, e consoante (i) a fonte (legal ou estatutária), e (ii) a natureza
(imperativa ou dispositiva) da norma desrespeitada, a deliberação será em princípio, respetivamente,
nula ou anulável.
I - Deliberações ineficazes
Nos termos do 55º, são ineficazes as deliberações “tomadas sobre assunto para o qual a lei
exija o consentimento de determinado sócio (…) enquanto o interessado não der o seu acordo,
expressa ou tacitamente”. Atenção: nesses casos, a ineficácia é absoluta, sendo as deliberações
“ineficazes para todos”. Não basta que a ineficácia seja relativa aos sócios que votam contra. Porque,
caso contrário, aquela ineficácia não surtiria qualquer efeito, como já veremos.
− Supressão ou limitação de direitos especiais (24º/5) – imaginem que um sócio tem um direito
especial à gerência, e os outros sócios deliberam destituí-lo da gerência sem justa causa;
− Alteração do pacto que dificulte a transmissão de quotas (229º/4) - uma maioria dos sócios
entende alterar o contrato da sociedade dificultando a transmissão das quotas. Esta deliberação
depende do consentimento de todos os sócios. Caso contrário, a deliberação é ineficaz para todos os
sócios, e esta alteração do pacto não é aplicável.;
− Amortização não compulsiva (233º) – é a amortização que tem de ser consentida pelo sócio
para ser eficaz;
Portanto, a exigência de consentimento tem de estar prevista na lei, e não apenas no contrato:
é ao legislador que compete proceder a esta ponderação de interesses, e concluir que o consentimento
é absolutamente necessário para melhor salvaguardar os interesses em causa. Não é o contrato que
exige este consentimento. O artigo 55º reserva esta ineficácia para os casos em que o legislador
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entendeu ser fundamental o consentimento e esse consentimento não foi obtido. Caso contrário, pode
ser posto em causa o equilíbrio interno da SC e os direitos dos sócios.
Nesses casos estaremos sempre perante uma violação dos estatutos, que leva à anulabilidade
da deliberação (58º/1-a). A grande diferença é que neste caso o sócio terá de tomar a iniciativa (e
suportar a despesa) de propor ação de anulação da deliberação para impedir que esta produza efeitos.
Se o sócio deixou passar o prazo para propor a ação, a deliberação torna-se inatacável
O consentimento tem de ser exteriorizado ativamente, não bastando, v.g., que o sócio se
abstenha na votação. A menos que o sócio, mais tarde, manifeste a sua concordância com a deliberação,
seja de forma expressa ou tácita.
Um exemplo de consentimento tácito: sócio que não deu o seu acordo expresso para a
introdução, em alteração ao pacto, de uma obrigação de prestação suplementar (210º + 86º/2). Portanto,
esta deliberação seria ineficaz para o sócio que não deu o seu acordo. No entanto, mais tarde vota
favoravelmente a deliberação que torna a prestação exigível (211º). Ele aceita os efeitos da alteração
quando aprova a deliberação que torna a prestação exigível, sanando a causa de ineficácia relativa da
deliberação anterior (funcionando o 55º in fine).
Este art. 86º/2 é um caso especial de ineficácia. Como vimos, a ineficácia prevista no 55º é
absoluta: vale para todos os sócios enquanto o consentimento não for obtido. E esta solução faz sentido
para a maior parte dos casos.
Já no caso do 86º, tratando-se do aumento de prestações para um ou mais sócios, basta que este
não o aceite para que nunca seja forçado a sofrer as consequências de não o cumprir. E assim não
226
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impede outros sócios, que a isso estejam dispostos, de aceitarem esse aumento de prestações em
benefício da sociedade. Impor a recusa a todos seria uma porta para permitir abusos de minoria, de que
já falámos: dar a um sócio o poder de impedir que outros sócios financiem a sociedade.
A sanção da ineficácia adequa-se bem ao tipo de factualidade que a fundamenta, e que não
justificaria a invalidade da deliberação por várias ordens de razões:
− o conteúdo da deliberação não afronta a lei nem o contrato, apenas pode não ser desejado por
um ou mais sócios, ou seja, não se trata de um vício de conteúdo mas antes de um caso especial de
vício de procedimento, pelo que a nulidade seria claramente excessiva;
− por outro lado, considerá-la anulável seria mais oneroso para o sócio afetado, que como se
viu, teria nesse caso de propor ação de impugnação. Esse sócio fica assim consideravelmente mais
protegido com a sanção da ineficácia do que com a da anulabilidade.
Uma última questão: será a ata da reunião da AG verdadeira condição de eficácia das
deliberações aprovadas ou simples meio de prova dessas deliberações, que serão eficazes mesmo
na sua falta?
A questão tem efeitos práticos importantes: imaginemos que, após a reunião e a votação das
deliberações, o presidente ou secretário da SA não elaboram ou assinam a ata (388º/6), ou que nem
todos os sócios presentes na AG de uma SQ a assinam (248ª/6). Isso significa que as deliberações
aprovadas não produzem efeitos, e, portanto, não podem ser executadas pelo órgão de administração?
Uma vez que o procedimento deliberativo se concluiu sem que se verifique algum dos factos a
que a lei atribui o efeito gerador de invalidade, não faz qualquer sentido falar (como já se falou e por
vezes ainda se fala) de inexistência, nulidade ou anulabilidade. Mas mesmo quanto à ineficácia, o
melhor entendimento parece ser o que a reserva para as deliberações sujeitas a registo, e mesmo nesse
caso apenas em relação a terceiros.
Em todos os outros casos, o papel da ata (e diga-se que não é pouco importante: há direitos do
sócio em que importa o sentido do seu voto, por ex.) é o de registo escrito do que ocorreu, do que se
disse e de como se deliberou na reunião, certificado pelas pessoas a quem a lei atribui essa
competência. Ou seja, é um meio de prova cuja falta, não se contestando o que foi deliberado ou sendo
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Faculdade de Direito da Universidade do Porto
esse conteúdo atestado por outros meios suficientemente concludentes, não pode prejudicar a execução
das deliberações.
Assim, a afirmação do 63º/1 segundo a qual as deliberações “só podem ser provadas pelas atas”
é manifestamente exagerada: no limite, essa limitação poderia ser usada contra o sócio que
legitimamente pretendesse impugnar uma deliberação, por não conseguir prová-la apesar de ela ser
executada pela administração. Imaginem que há uma deliberação da qual não houve ata, essa
deliberação está a ser executada, e um sócio quer impugná-la mas não pode porque não há ata. Isso
não faz sentido.
Assim, parece dever entender-se que se a sociedade não apresentar a ata se inverte o ónus da
prova relativamente aos factos alegados (a SC tem de demonstrar que a deliberação não existe), ou que
pelo menos o juiz deverá apreciar livremente essa recusa para efeitos de determinação da matéria de
facto.
II - Deliberações nulas
A nulidade está reservada, naturalmente, para os casos mais graves de inobservância das regras
legais, sejam elas procedimentais ou substantivas. O art. 56º CSC identifica alguns grandes conjuntos
de casos em que, considerando o grau de dano que a deliberação poderia causar (aos sócios, a terceiros
ou à ordem jurídica), se entendeu dever cortar-se de imediato qualquer possibilidade de essa
deliberação vir a produzir resultados. Vejamos cada um deles.
1) Vícios de procedimento
Uma vez que se referem apenas ao processo deliberativo e não ao conteúdo da deliberação,
apenas em casos extremos deve ponderar-se a sanção da nulidade para estes casos. São os casos em
que o vício em questão impossibilitou a participação do sócio no procedimento, por lhe ter ocultado a
existência ou certos elementos fundamentais da reunião, indispensáveis para que ele pudesse nela
tomar parte, e que vêm descritos nas als. a) e b).
228
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iii. não podendo a nulidade ser invocada se o sócio manifestar depois, e por escrito, a sua
concordância com a deliberação (nº 3).
b) Tratando-se de deliberação por voto escrito (247º/2 a 8), ela apenas será nula por questões
procedimentais se:
ii. exceto se todos tiverem efetivamente votado – se o socio não recebeu a carta que o
informasse da deliberação, mas votou na mesma, não há nulidade.
iii. aplicando-se igualmente o ponto iii descrito atrás, quanto às deliberações em AG. Ou
seja, se ele não votou, mas mais tarde manifestar por escrito a sua concordância com a deliberação,
esta não será nula.
Importa ter presente que nestes casos de nulidade procedimental estamos a proteger o direito
do sócio a ser formalmente informado da reunião, direito do qual ele pode livremente dispor porque,
v.g.,
Por isso se diz ser esta uma nulidade atípica (resultante de vícios de procedimento), cujos
efeitos podem ser neutralizados (ou seja, de algum modo sanados) por diversas vias:
i. Pode a AG constituir-se como assembleia universal, nos termos que já vimos e que vêm
prescritos no art. 54º (nº 1, in fine). Imaginem que um sócio não foi convocado: pode haver uma AU
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(mesmo não tendo sido respeitadas as regras de procedimento), desde que se verifiquem os requisitos
do artigo 54º. É necessário que estejam presentes todos os sócios, e que todos concordem em constituir
uma AU para deliberar um determinado assunto.
− para que a AU se constitua é necessário que todos os sócios estejam presentes e concordem
em constituir-se como tal: e se um sócio (o único) não convocado estiver presente na reunião (por
exemplo, porque se dirigiu por acaso à sede) mas não concordar com a constituição de AG, porque
não teve tempo para se informar sobre os assuntos em discussão? O 56º/1-a) exclui a nulidade, porque
todos compareceram. Se o sócio está presente, não se aplica o artigo 56º/1-a). Mas a deliberação será
anulável, porque a falta de convocação constitui sempre um vício de procedimento. Todos os vícios
de procedimento que não caibam no âmbito do artigo 56º, levam à anulabilidade da deliberação (a
menos que se tratem de meras irregularidades);
− Se na AG de uma SA faltar um sócio sem direito de voto? Como o seu direito a estar presente
não é absoluto (poderia ter sido excluído pelo contrato), é defensável (embora não seja pacífico) que
isso não afete a sanação da nulidade. Como os sócios podiam decidir no contrato a exclusão desse
sócio, parece que a sua não convocação não deve conduzir à nulidade da deliberação. Ainda assim,
haverá anulabilidade da deliberação;
− Se faltarem (todos) os membros dos órgãos de administração e fiscalização, que “devem estar
presentes” (379º/4)? Como o 56º/1-a) não lhes faz referência, parece que a sua falta não afetaria a
sanação. Muitas vezes, a AG delibera sobre assuntos que só podem ser esclarecidos pelos órgãos de
administração ou fiscalização (ex.: aprovação de projetos de investimentos, aquisição de participações
noutras SC, etc.). Se nenhum destes órgãos estiver presente, parece que, mesmo assim, a validade da
deliberação não seria afetada. Mas Pedro Maia entende que, tratando-se de uma formalidade destinada
a garantir o direito dos sócios à informação, será fundamento de anulabilidade das deliberações.
ii. O reconhecimento pelo sócio (nº 3) – “A nulidade de uma deliberação nos casos previstos
nas alíneas a) e b) do n.º 1 não pode ser invocada quando os sócios ausentes e não representados ou
não participantes na deliberação por escrito tiverem posteriormente dado por escrito o seu
assentimento à deliberação”;
230
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A deliberação pode ser substituída por uma outra posterior, à qual se atribui eficácia retroativa,
com a ressalva de eventuais direitos de terceiros que não podem ser prejudicados por essa renovação.
Este mecanismo vem eliminar a causa que gerou a nulidade da deliberação, não prejudicando os efeitos
que essa deliberação produziu entretanto.
2) Vícios de conteúdo
a) Deliberações cujo conteúdo esteja “excluído por natureza” da competência dos sócios:
56º/1-c)
Há quem entenda que se trata, no caso das SA, de situações em que os sócios deliberam sobre
matérias de gestão. Mas são deliberações que violam normas imperativas relativa às competências dos
órgãos. Por isso, seria inútil.
Outros autores dizem que são deliberações sobre matérias fora da capacidade da SC (como
doações, por ex.). Mais uma vez, tornar-se-ia inútil, porque este sentido já está coberto por outra norma.
Coutinho de Abreu entende que todos os possíveis sentidos estão cobertos por outras normas,
e que a norma é pura e simplesmente inútil, e parece ter razão.
b) Deliberações cujo conteúdo seja ofensivo dos bons costumes: 56º/1-d, 1ª parte;
Para além da dificuldade em determinar o que são “bons costumes”, em cada momento e local,
na maioria dos casos em que tem sido invocada esta norma sobrepõe-se a outros fundamentos de
invalidade:
− se invocada contra deliberações que favorecem os sócios à custa da sociedade, choca com o
regime das deliberações abusivas, de que já falaremos e que tem como sanção a anulabilidade e não a
nulidade;
231
Faculdade de Direito da Universidade do Porto
− Se invocada para sancionar casos em que a sociedade aliena ficticiamente o seu património
para prejudicar os credores, provavelmente acabará por configurar uma violação da sua capacidade de
gozo (serão atos subsumíveis a liberalidades), sendo nula por violação da norma legal imperativa
constante do art. 6º.
Ou seja: tal como acontece com a al. c), o conteúdo desta norma parece ser em larga medida
redundante e inútil.
A principal dificuldade que pode existir na interpretação e aplicação desta norma será avaliar
o caráter imperativo ou não da regra violada, que normalmente é claro, mas que pontualmente pode
levantar dúvidas.
De uma maneira geral, conseguimos distinguir as normas legais imperativas (na medida em
que estas não permitem aos sócios disporem sem sentido diferente, nem no contrato nem em
deliberações).
Importante: como já vimos em relação ao contrato de sociedade, a norma em questão não tem
de ser uma norma de Direito societário. Podem ser quaisquer regras legais imperativas.
Exemplo: deliberação em que os sócios decidem proceder a vendas com prejuízo (cfr. art. 5º
do DL 166/2013, de 27/12). A deliberação viola uma regra do Direito da Concorrência, e é nula.
As deliberações anuláveis vêm previstas no art. 58º CSC, e tal como nos casos de nulidade
abarcam vários tipos de situações diferentes. Vejamos cada uma delas isoladamente.
1) Deliberações ilegais
Nos termos do 58º n.º 1, al. a), 1ª parte, as deliberações ilegais são aquelas que “Violem
disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artigo 56.º(…)”. Uma
deliberação ilegal será anulável sempre que não for nula – a não ser, claro, que se trate de uma
insignificância à qual não deva atribuir-se o efeito de invalidar uma deliberação. Daqui podemos tirar
duas consequências:
232
Faculdade de Direito da Universidade do Porto
− Discussão de assunto não incluído na ordem do dia - só poderiam fazer isto se, estando todos
presentes, todos concordassem em deliberar sobre esse assunto. Porque aplicavam-se as regras do
artigo 54º.
Mais uma vez: se, por exemplo, os votos indevidamente contados forem irrelevantes para o
resultado final, esse facto é uma mera irregularidade, que não deve ser considerada para estes efeitos.
Ainda relativamente aos vícios de procedimento por violação da lei, cabe fazer aqui referência
a dois casos particulares, que já vimos antes e se prendem com a falta de fornecimento de elementos
de informação:
ii. informação requerida por sócio durante a AG, e injustificadamente recusada: 290º/3. Esta
causa especial não se confunde com a do artigo 58º/1 al. c, na medida em que se refere ao pedido de
uma informação durante a AG.
b) Deliberações cujo conteúdo viole uma norma legal dispositiva, sempre que (mas só quando)
resultar da lei que apenas o contrato pode alterar o regime supletivo. Isto consta do artigo 58º/1 in fine.
Isto apenas se refere a normas legais dispositivas (até porque a violação de normas imperativas
determina a nulidade). Só resulta a consequência da anulabilidade se a lei disser que aquela norma
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dispositiva só pode ser alterada pelo contrato. Se a lei admitir a alteração daquela norma por
deliberação, não haverá anulabilidade por este motivo. Recorde-se que nos termos do 9º/3, é essa a
regra: salvo quando o contrário resulte da lei, e mesmo na falta de indicação expressa, apenas o contrato
pode derrogar normas supletivas.
Mais uma vez a título meramente exemplificativo, pensemos numa deliberação que, no silêncio
do contrato:
− distribua os lucros em proporção diversa da que resulta do valor das participações (22º/1) –
o Prof. José Reis entende uma deliberação não pode alterar a distribuição dos lucros. Apenas o contrato
o poderá fazer;
− impeça um sócio de transmitir a sua quota ao filho (228º/2) – só o contrato o pode fazer;
− havendo mais do que um gerente, confira a um deles poderes para, sozinho, vincular a
sociedade (261º/1). Portanto, na falta de preceito contratual especial, tem de intervir a maioria dos
gerentes para vincular a SC. Esta regra do artigo 262º não é imperativa, pode ser derrogada pelo
contrato. Assim, não se lhe aplica o artigo 56º/1 al. d).
2) Deliberações anti-estatutárias
Nos termos do artigo 58º/1 al. a) in fine, são deliberações anti-estatutárias aquelas que “Violem
disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artigo 56.º, quer do
contrato de sociedade”. Se a deliberação contrariar uma norma dos estatutos ela será sempre anulável,
quer se trate de um vício de procedimento ou de conteúdo.
Por exemplo:
− se do contrato constar que a convocação deve ser expedida com 3 semanas de antecedência
e for apenas com 15 dias (248º/3). Se o contrato estabeleceu um prazo mais longo e a deliberação não
o cumprir, essa deliberação será anulável;
− se for deliberada uma remuneração ao gerente de SQ, estando isso excluído pelos estatutos
(255º/1), qualquer dessas deliberações é anulável. O conteúdo desta deliberação viola uma regra
estatutária: delibera uma remuneração que não esta prevista no contrato.
Uma ressalva importante, que consta do 58º/2: se o contrato se limita a reproduzir uma norma
legal, é esta última que se considera violada, e não a norma dos estatutos, sendo aplicável a sanção que
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corresponde a essa violação. Claro que isto interessa sobretudo relativamente a normas imperativas,
uma vez que quanto às supletivas a sanção é idêntica.
3) Deliberações abusivas
O artigo 58º/1 al. c) determina que são deliberações abusivas aquelas que “Sejam apropriadas
para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto,
vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou
simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido
tomadas mesmo sem os votos abusivos”.
Trata-se de deliberações através das quais um ou mais sócios pretendem dolosamente (muito
embora o dolo possa ser meramente eventual) atingir um de dois resultados:
Para anular uma deliberação com este fundamento é assim necessário demonstrar:
ii. a aptidão da deliberação para atingir a finalidade pretendida – o nexo de causalidade entre o
facto (a deliberação) e o resultado final;
iii. a não verificação da chamada “prova de resistência” (parte final do nº 1-b): o(s) voto(s)
abusivos terão de ter sido determinantes no resultado da votação. Se o sócio que quer prejudicar a SC
tem 5% dos votos, vota dolosamente num sentido para prejudicar a SC, mas ainda assim os seus votos
não são determinantes na deliberação: isso não pode ser causa de anulação da deliberação.
Os sócios que tenham votado abusivamente (ou seja, com dolo) são solidariamente
responsáveis pelos danos causados à sociedade ou aos outros sócios (nº 3). A norma não distingue os
sócios que agem com dolo dos sócios que agem sem dolo. Apesar de a norma não distinguir, parece
ter de entender-se que os sócios que tenham contribuído para formar aquela maioria, mas tenham agido
sem dolo não podem ser responsabilizados, até porque não parecem verificar-se os requisitos da
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ilicitude e culpa geradores de responsabilidade civil. Imaginemos que um socio propõe à SC a venda
de um terreno da SC a um filho do sócio por um preço inferior ao valor de mercado. O sócio vota
favoravelmente. Outro socio com 15% vota favoravelmente, porque pensava que o valor de venda do
terreno correspondia ao valor de mercado. Este segundo sócio não deverá ser responsabilizado: ele não
agiu com culpa.
Impugnação de deliberações
Nos termos do 57º, o órgão de fiscalização (nas SQ, e na sua falta, qualquer gerente: nº 4) tem
o dever de:
− suscitar a nulidade da deliberação, sempre que verifique verificar-se alguma causa, para que
os sócios:
• a renovem, se possível;
− sócios;
− gerentes e administradores;
− terceiros: v.g., credores, trabalhadores, membros de órgãos sociais destituídos sem justa
causa.
Os efeitos da nulidade são diversos, consoante a pessoa ou entidade sobre quem se produzem:
236
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b) Em relação a terceiros de boa fé (ou seja, que desconhecessem sem culpa os fundamentos
de nulidade), os direitos que tenham adquirido em decorrência da execução de deliberação nula não
podem ser postos em causa pela declaração de nulidade, sendo certo que na maioria dos casos os efeitos
produzir-se-ão mesmo sem deliberação: cfr. 260º/1 e 409º/1, interpretados corretivamente.
2) Ação de anulação
a) Ao órgão de fiscalização (ou gerentes das SQ: cfr. 57º/4, que pode aplicar-se
analogicamente);
b) A qualquer sócio que não tenha votado no sentido que fez vencimento, nem tenha
posteriormente aceite o seu resultado de forma expressa ou tácita: cfr. o n.º 6 para os casos de voto
secreto. Caso contrário, haveria um abuso de direito, nomeadamente um venire contra factum
proprium;
237
Faculdade de Direito da Universidade do Porto
− da data em que o sócio teve conhecimento da deliberação, se esta for sobre assunto que não
constava da convocatória;
Relativamente aos efeitos, são em geral semelhantes aos que foram apontados às deliberações
nulas.
O 62º/2 refere que a renovação faz cessar a anulabilidade, desde que a nova deliberação “não
enferme do mesmo vício”, ressalvando-se a possibilidade de um sócio garantir a não produção de
efeitos da deliberação inválida no período compreendido entre as duas deliberações. Durante o período
que mediou entre a primeira e segunda deliberação, o sócio pode requerer que a deliberação inválida
não produza efeitos.
Exemplo: um sócio-gerente destituído por deliberação anulável que depois é renovada terá
interesse em manter o seu direito à remuneração, ou a produção de efeitos dos atos praticados durante
esse período.
Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial – Parte II: Sociedades, 5ª
ed., Almedina, Coimbra, 2015, pags. 435-512;
Pedro Maia, Maria Elizabete Ramos, Alexandre Soveral Martins e Paulo de Tarso
Domingues (Coord. Jorge Manuel Coutinho de Abreu), Estudos de Direito das Sociedades,
12ª ed., Almedina, Coimbra, 2015, pp. 223-254;
Aa.Vv. (Coord. Jorge Manuel Coutinho de Abreu), Código das Sociedades Comerciais em
Comentário, 7 vols., Almedina, Coimbra, 2011 (anotações aos artigos relevantes).
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Os membros do órgão de administração (OA) podem ser designados por muitas formas
diferentes. As mais vulgares, e que o próprio CSC trata como tal nos arts. 252º/2 (SQ) e 391º/1 (SA),
são a da designação através de:
ii. deliberação da AG, que formaliza a sua eleição por esse órgão. Se o contrato for silente, há
uma deliberação para eleições de gerentes ou administradores;
iii. Nos termos do 392º (1 a 5), para as SA, o contrato pode determinar regras especiais de
eleição: pode ser feita separadamente, para até 1/3 do total de administradores, entre pessoas
constantes de listas que sejam subscritas por grupos de acionistas que terão de representar entre 10%
a 20% do CS. Não são eleitos em bloco, são eleitos separadamente. O objetivo é garantir que as
eleições não sejam controladas pelos acionistas maioritários;
iv. O contrato pode ainda prever (392º/6) que uma minoria de acionistas (sempre com uma
percentagem de pelo menos 10% do CS) que não tenha vencido a eleição nos termos descritos tenha o
direito de eleger pelo menos um administrador.
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vi. Relativamente aos administradores que “representam” o Estado, ou outras pessoas de direito
público equiparadas, enquanto sócios de sociedades comerciais, o 392º/11 remete para a legislação
aplicável;
vii. O contrato pode prever um direito especial a designar administrador ou gerente (83º/1);
viii. Nas SNC, a gerência é inerente (e restrita) à qualidade de sócio, salvo disposição em
contrário dos estatutos (191º). Só os sócios podem ser gerentes, e, em princípio, todos os sócios são
gerentes;
ix. Nas sociedades em comandita, essa função é restrita (mas já não inerente) à qualidade de
sócio comanditado, mais uma vez salvo cláusula do pacto em contrário (470º). O objetivo é blindar a
gerência aos sócios comanditários, para preservar o poder da SC nos sócios comanditados. Mas nem
todo o sócio comanditado é necessariamente gerente. O contrato tem de prever quais sócios
comanditados são gerentes.
x. Sendo o sócio uma pessoa coletiva, é a ela que compete nomear a pessoa singular que exerce
essa função (390ª/4).
Substituição
Um administrador pode ser designado, e depois pode ser substituído. Por várias razões: morte,
incapacidade superveniente, renúncia ao cargo, incompatibilidade superveniente, etc. Isto está
relacionado sobretudo a ver com as SA. Isto porque o Conselho de Administração deve ter um nº certo
de membros, que tem de estar expresso no contrato, até porque isso é importante em termos de
representação. Na gerência, não é absolutamente necessário que o contrato indique o número de
gerentes. Ademais, o mandato dos administradores tem uma duração máxima de 4 anos, e no caso dos
gerentes não há duração máxima. A regra é a de que os gerentes não têm um prazo para o exercício
das suas funções. Por isso, as regras de substituição são mais importantes nas SA do que nas SQ, onde,
faltando um administrador, a sociedade pode sobreviver com os administradores que ficarem.
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A falta definitiva de administrador deve ser sempre declarada pelo OA. Depois de declarada a
falta definitiva de administrador (393º/2), e antes de se proceder a nova eleição, devem ser seguidos,
por esta ordem, os seguintes procedimentos (nº 3):
Atenção: nos termos do nº 7, as als. b) e c) não se aplicam aos administradores eleitos pelas
regras especiais do art. 392º. Neste caso, há apenas a chamada membros suplentes, e se estes não
existirem, há nova eleição.
Pode ser requerida por qualquer acionista, se se verificar uma de duas situações:
− insuficiência de membros efetivos que impossibilite, por mais de 60 dias que o Conselho
reúna. É uma situação improvável de acontecer, ou
− decurso de mais de 180 dias do termo de funções do CA, sem que tenha havido nova eleição.
Não é necessário que o CA tenha parado o exercício das suas funções.
Cessação de funções
O termo de funções de um administrador pode ocorrer por várias ordens de razões, que
suscitam, cada uma, problemas diferentes.
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Faculdade de Direito da Universidade do Porto
financeira pelo termo dessas funções. Atenção: se este acordo incluir uma compensação financeira
dada pela SC ao administrador, essa compensação não pode ultrapassar os limites que a lei impõe ao
cálculo da indemnização que a SC tem de pagar ao administrador destituído.
ii. Renúncia ao cargo por parte do administrador: 258.º, 404º. O administrador entende que
não quer continuar a exercer aquele cargo ou não tem condições para tal. Esta forma de cessação da
relação de administração por ato unilateral do administrador coloca alguns problemas práticos
importantes.
− SQ: “à sociedade” (258º/1), ou seja, e por essa ordem, devem ser comunicados
“outro gerente (…), órgão de fiscalização, ou (…) qualquer sócio.” (260º/5);
b) Eficácia da declaração
− SQ: “oito dias depois de recebida” (258º/1). No caso das SQ, essa eficácia é
diferida para 8 dias após a comunicação;
− SA: “final do mês seguinte àquele em que tiver sido comunicada”, salvo
designação de substituto durante esse período (404º/2). Em geral, as SA têm uma maior
dimensão, maior capacidade financeira, negócios de maior volume, etc., pelo que a
gestão é mais complexa. Por isso, é mais difícil encontrar um bom administrador para
uma SA.
Importante: nas SQ o prazo de eficácia (8 dias) pode não ser suficiente para
nomear atempadamente um substituto. Se tal acontecer e a renúncia não se fundar em
justa causa, o administrador cessante pode ser obrigado a indemnizar a sociedade pelos
prejuízos causados com essa comunicação tardia: 258º/2. Temos, por isso, de distinguir
o prazo de eficácia da antecedência mínima. O administrador fica obrigado a continuar
a exercer as suas funções durante este período de pré-aviso (que não vem
242
Faculdade de Direito da Universidade do Porto
imperativamente fixado na lei). Nas SA, atendendo ao prazo de eficácia mais longo,
muito dificilmente isso poderá ser alegado com sucesso.
Para além de a sua verificação excluir o dever de indemnizar com base no 258º/2, pode
ainda (preenchidos os demais pressupostos da RC, nomeadamente a ilicitude e a culpa) ser
causa de um pedido indemnizatório contra a sociedade (no caso dos fundamentos da justa causa
preencherem os requisitos da responsabilidade civil).
iii. Caducidade
A cessação por caducidade dá-se quando a lei ou o contrato a apontam como consequência
imediata de certas circunstâncias, como por exemplo:
− SQ: não existe prazo máximo nem supletivo, sendo os gerentes, por regra,
nomeados por tempo indeterminado (256º).
Importante: nas SA, a caducidade não opera por mero decurso do prazo, mas
apenas com a designação do novo membro: 391º/4. Não parece ser de aplicar
analogicamente esta regra às SQ, por não ser em regra necessária a substituição (salvo
quando é gerente único).
243
Faculdade de Direito da Universidade do Porto
O administrador não vai ser destituído, apenas é declarado o termo das funções.
− uma inibição judicial de exercer funções por um ano (189º/2- c, CIRE) implica
caducidade imediata das funções – assim, se ele está inibido durante 1 ano, é impossível que o
administrador consiga sanar a incompatibilidade no prazo de 30 dias;
244
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Idade – por ex., se o contrato determinar que a partir dos 65 anos não é
possível exercer funções de administrador;
iv. Destituição
A regra, quer para as SQ, quer para as SA, é a da livre destituição dos gerentes e
administradores, a todo o tempo e independentemente de justa causa, por deliberação da AG (257º/1,
403º) ou do CGS (430º/1). A exceção são os administradores que (no modelo anglosaxónico) façam
igualmente parte da Comissão de Auditoria, que apenas podem ser destituídos por justa causa: 423º-
E/1. Estes membros do Conselho de Administração são membros do CA sem poderes executivos e que
apenas são integrados no CA para terem um acesso mais facilitado a todas as decisões do CA. Estes
apenas podem ser destituídos com justa causa.
Esta questão está na base daquilo a que Coutinho de Abreu chama, sobretudo nas SA, “o dilema
do administrador”:
− gozam de uma quase total autonomia funcional face aos sócios (que não podem deliberar
sobre matérias de gestão: 373º/3);
− têm o dever legal de atender “aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os
interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus
trabalhadores, clientes e credores” (64.º1-b);
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− MAS sabem que podem ser destituídos a todo o tempo, se não agradarem aos sócios
maioritários. Aliás, mais do que isso, podem ser destituídos sem justa causa.
Isto ocorre porque, como já vimos, a propriedade e a gestão das sociedades não estão
necessariamente concentradas nas mesmas pessoas. Podemos ter sócios gerentes, e gerentes que não
são sócios. E a consequência deste regime é, naturalmente, a de os administradores das SA verem a
sua independência ser, de facto, muito coartada por esta constante ameaça de destituição. Mas isto é
uma questão apenas para o direito a constituir: perante o CSC, é inequívoco que qualquer administrador
pode ser destituído a todo o tempo – mas atenção: há muitas questões a tratar, e a existência ou não de
justa causa está muito longe de ser irrelevante.
Coutinho de Abreu tem uma posição sui generis relativamente à possibilidade de deliberações
de destituição abusivas. Entende que essas deliberações nunca serão anuláveis, ainda que preencham
os requisitos do 58º/1-b) (tenham apenas por intenção prejudicar a sociedade ou algum sócio),
justamente por aplicação da regra geral da livre destituição. Mas se, na sequência dessa destituição, a
sociedade tiver de indemnizar o administrador, poderá então servir-se do 58º/3 para ser ressarcida
desse prejuízo pelos sócios que votaram a favor. Sendo esta deliberação abusiva, apesar de não ser
anulável, pode dar origem a uma obrigação de indemnizar por parte dos sócios relativamente ao
prejuízo que causaram à SC obrigando-a a indemnizar o administrador destituído.
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− SQ: sim, nos termos do 257º/2 (“outros requisitos”) – nestes “outros requisitos” é fácil incluir
a justa causa;
− SA: Coutinho de Abreu entende que apesar do caráter aparentemente imperativo do 403º/1,
não há interesses suficientemente fortes que justifiquem uma limitação da autonomia contratual dos
sócios.
− 450º/4: administrador destituído por abuso de informação não pode ser reeleito nos cinco
anos subsequentes;
− Para outras situações: a lei nada diz quanto à reeleição. Apesar do silêncio da lei parecer
indicar que nada impede essa reeleição, Coutinho de Abreu defende que a reeleição de um
administrador destituído por, v.g., abuso de bens da sociedade, violações graves do dever de lealdade
ou por factos criminosos relacionados com as suas funções (509º ss), poderá ser impugnada por ela
própria traduzir uma violação do dever de lealdade dos sócios para com a sociedade. Os sócios estariam
a recolocar na SC alguém que já demonstrou que não tem qualidades para ser administrador.
É um direito de todo o membro de OA destituído sem justa causa, e que decorre do princípio
geral segundo o qual as funções de gerente (255º/1) e administrador (399º) são remuneradas.
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− nas SA, as remunerações em falta até ao final do mandato – o mandato será no máximo de 4
anos, se ele cumpriu 1 ano, terá direito a remunerações de 3 anos em falta;
− a mesma regra nas SQ, salvo se a nomeação tiver sido por prazo indeterminado, caso em que
o limite serão as remunerações correspondentes a 4 anos;
Atenção: trata-se apenas de limites máximos, que podem ser reduzidos caso a sociedade
demonstre que o dano sofrido em virtude da destituição foi inferior: v.g., se o administrador iniciou
imediatamente outras funções igualmente remuneradas.
Questão dos danos não patrimoniais: Coutinho de Abreu entende que não são indemnizáveis,
porque a possibilidade de destituição livre faz parte das condições gerais de exercício do cargo.
O Prof. José Reis tem muitas dúvidas que deva ser assim: pense-se num gestor altamente
conceituado, para quem uma destituição mal explicada pode constituir uma mancha profissional difícil
de apagar. Ainda que se diga que nesse caso se trata de danos patrimoniais indiretos (traduzidos na
maior dificuldade em encontrar funções correspondentes), parece uma distinção demasiado ténue, e
em que a prova só poderia ser feita a posteriori.
Pode o contrato prever que qualquer destituição, mesmo com JC, confere o direito à
indemnização? Parece dever entender-se que essa cláusula será inválida na parte em que obrigasse a
indemnizar administradores destituídos por ato culposo – uma vez que poderia até incentivá-los a
forçar a destituição para terem direito à indemnização. Mas já será válida se se referir apenas a causas
objetivas – v.g., doença ou acidente incapacitante.
Apesar de Brito Correia defender o contrário, parece claro que, salvo quando a lei diga
expressamente o contrário (75º/2, 376º/1-c, 455º/2 e 3) os sócios não podem validamente deliberar a
destituição de um administrador ou gerente se o assunto não constar da convocatória para a AG.
Coutinho de Abreu defende que mesmo quando aquela deliberação seja possível sem que conste da
ordem do dia, o administrador terá sempre direito a ser ouvido.
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Embora o princípio do contraditório seja uma base essencial de qualquer processo, pode
colocar-se a questão de o administrador a destituir não estar presente na AG, apesar de ter esse dever
(379º/4), e haver conveniência em que ele seja imediatamente destituído. Não parece que nesse caso a
falta de contraditório possa ser invocada como fundamento de invalidade da deliberação. O contrário
seria permitir que um ato do próprio administrador pudesse retirar o efeito útil ao 455º/3.
d) A destituição judicial
Consiste na destituição feita pelo tribunal. Está prevista para diversas situações diferentes:
− Destituição de sócio gerente de uma SQ com apenas dois sócios: 257º/5 – não basta a AG,
na medida em que apenas estariam presentes dos 2, e um deles estaria impedido de votar (na medida
em que se ia votar a sua destituição);
Tomada de deliberações em matéria de gestão – por maioria dos seus membros (261º para
as SQ + 410º e ss.).
a) Atos escritos (260º + 409º) – a regra é a representação por ato escrito. Acórdão de 6 de
dezembro de 2001: “A indicação da qualidade de gerente prescrita no n. 4 do art. 260, do
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C.S.C., pode ser deduzida, nos termos do art. 217, do C.Civ., de factos que, com toda a
probabilidade, a revelem.”;
b) Atos não escritos.
Representação passiva
a) Disjunto – cada um dos gerentes ou administradores tem poderes suficientes para vincular
sozinho a sociedade. imaginem um CA composto por 5 gerentes, cada um deles tem poderes
para vincular a SC apenas com a sua assinatura.
b) Conjunto – pode ser minoritário, maioritário ou unânime. É minoritário se previr um nº de
membros inferior à maioria (imaginem que existem 5 gerentes, e o contrato diz que basta a
intervenção de 2 deles), mas superior a 1 membro. O submodelo maioritário é o regime
supletivo para as SQ e SA (261º/1 para as SQ + 408º para as SA). Se o contrato nada disser,
o CA e a gerência vinculam a SC se a maioria dos administradores ou gerentes intervierem
no ato de representação (se a maioria assinar o contrato, a SC está vinculada). É unanime
se o contrato exigir a intervenção da totalidade dos gerentes ou administradores. Para as
SA, esta previsão contratual apenas tem eficácia interna (e não perante terceiros).
Na representação passiva, há uma norma imperativa no artigo 261º/3 para as SQ: “As notificações
ou declarações de terceiros à sociedade podem ser dirigidas a qualquer dos gerentes, sendo nula toda
a disposição em contrário do contrato de sociedade.” Existe a mesma regra no artigo 408º/3 para as
SA. Isto significa que a representação passiva é imperativamente disjunta: qualquer gerente ou
administrador tem poderes para, sozinho, ser recetor de uma declaração de um terceiro. O contrato não
pode estipular o contrário: por ex., não pode prever que 2 dos 5 gerentes sejam notificados para que a
SC se considere notificada.
Representação ativa
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Embora haja doutrina em sentido contrário (nomeadamente, Lavo Cunha): que, em defesa dos
interesses de terceiros, entende que a SC deve ficar vinculada pelo ato de qualquer gerente ou
administrador. Ainda que o contrato exige a intervenção de uma maioria, a SC fica sempre vinculada
perante terceiros quando algum dos seus gerentes ou administradores atue.
O Prof. José Reis diz que esta é uma posição discutível. É uma solução quase contra legem,
que, com base na proteção de terceiros, desacautela a posição da SC. Se a SC for prejudicada por um
ato de um gerente (excluem-se daqui as situações de conluio com terceiros, de administração danoso,
ou quando o terceiro não pode deixar de ter conhecimento de que a SC está mal representada), a SC
fica desprotegida da falta de ponderação de alguns dos gerentes, porque a SC exigiu um determinado
nº para a intervenção. Assim, o Prof. entende que há eficácia externa da clausula do contrato de
sociedade que obriga à representação por um nº mínimo de gerentes ou que obriga à intervenção
de um determinado gerente.
Cláusulas nominativas - são aquelas que exigem, para que a gerência funcione correta e
validamente, a intervenção de um concreto e nominado gerente. Por ex., é a cláusula que prevê: “A
sociedade considera-se vinculada com a assinatura do gerente A, e mais dois gerentes.” Esta cláusula
tem eficácia interna e externa. Isto porque, nas SQ, o contrato de sociedade é soberano.
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Mas já não será assim nas SA. O artigo 408º/1 estabelece uma limitação muito importante: “Os
poderes de representação do conselho de administração são exercidos conjuntamente pelos
administradores, ficando a sociedade vinculada pelos negócios jurídicos concluídos pela maioria dos
administradores ou por eles ratificados, ou por número menor destes fixado no contrato de
sociedade.” Portanto, o legislador foi cauteloso na possibilidade que deu aos sócios de alterar o regime
supletivo. Porque proibiu os sócios de estipularem com eficácia externa no contrato que para a
sociedade se vincular é necessária uma maioria superior à maioria simples. Por ex.: o CA de uma SA
é composto por 7 administradores. Por aplicação da regra legal supletiva, basta a intervenção de 4
administradores para a SA ficar vinculada. O contrato exige a intervenção de 5 administradores. Num
determinado contrato, apenas 4 administradores representam a sociedade. A SA invoca a ineficácia
desse contrato perante si, porque não foram observadas as regras contratuais. Mas o artigo 408º/1
estabelece um limite imperativo que os sócios têm de observar, impedindo-os de serem mais exigentes
do que a regra geral supletiva. Portanto, neste caso, bastava a intervenção de 4 administradores, e o
contrato não poderia exigir uma maioria superior. E se mesmo assim o contrato previr uma maioria de
5 administradores e apenas assinarem 4 deles? Em primeiro lugar, a SA está vinculada, porque a
assinatura dos 4 foi suficiente para cumprir a regra legal. A cláusula contratual que exige a intervenção
de 5 administradores é ineficaz, mas não é inválida, na medida em que produz efeitos internos. Os
administradores que assinaram o contrato com terceiro à revelia do contrato, estão a incumprir os seus
deveres contratuais. Eles obrigaram-se perante os sócios e perante a SA a não representarem a SA a
menos que estejam presentes 5 administradores. Se o fizerem, o contrato com terceiro é externamente
eficaz (há um contrato válido, do qual o terceiro se pode fazer valer), e os administradores são
responsáveis perante a SA pelos prejuízos que lhe causaram. Imaginem que os administradores
vendem um prédio, que se valoriza imediatamente após a venda a terceiro. Eles serão
responsabilizados pelos prejuízos causados à sociedade. Além de poder consistir numa justa causa de
destituição do cargo de administradores, na medida em que eles incumpriram os seus deveres
contratuais. Neste caso concreto, a lei proíbe aos sócios que sejam mais exigentes na redação do
contrato do que a regra geral supletiva.
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administradores serão responsabilizados e poderão ser destituídos com justa causa. É uma posição do
Prof. José Reis e do Prof. Paulo Tarso, mas com a qual Coutinho de Abreu não concorda.
Portanto, a liberdade de conformação dos poderes de representação não é igual nas SQ e nas
SA.
Possibilidade de ratificação:
Temos uma ampla proteção dos interesses de terceiros que contratam com a SC. Importam os
artigos 260º para as SQ e 409º para as SA. As regras para as SQ e SA são praticamente idênticas.
3 - O conhecimento referido no número anterior não pode ser provado apenas pela publicidade
dada ao contrato de sociedade.”
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Isto acontece, por ex., relativamente ao objeto social. Se o contrato diz que uma SC se dedica
à atividade de lavandaria, e a SC compra participações sociais de uma livraria, os dois objetos sociais
são inconciliáveis. Pelo que as limitações constantes do objeto da SC adquirente seriam oponíveis ao
terceiro se não existissem uma regra legal em contrário. Por isso, essas limitações não são oponíveis,
porque há uma regra legal que assim o determina.
ii – O artigo 260º/1 prevê: “Os actos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro
dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações
constantes do contrato social ou resultantes de deliberações dos sócios.”
Os gerentes estariam obrigados a respeitar o objeto social. Mas essa limitação do objeto social
não é impeditiva da vinculação da SC.
Mas o artigo 246º que estabelece as competências da AG prevê que há um conjunto de atos que
dependem imperativamente de deliberações e outro conjunto de atos que dependem supletivamente de
deliberações dos sócios.
Ou seja, nos casos dos atos previstos no nº 1 (que são praticamente todos atos internos), só os
sócios é que podem deliberar. Nos casos do nº 2, o contrato pode prever que os gerentes podem
deliberar nessas matérias. Importam sobretudo as matérias das alíneas c) e d): alienação ou oneração
de bens imóveis, a alienação, a oneração e a locação de estabelecimento; + subscrição ou aquisição de
participações noutras sociedades e a sua alienação ou oneração. Se o contrato nada disser, só os sócios
é que podem deliberar sobre as matérias do nº2. Se o contrato atribuir essa competência aos gerentes,
serão eles competentes para deliberar sobre as matérias do nº 2.
Imaginemos que o contrato nada diz, são os sócios os competentes para deliberar. Mas 2 de 3
gerentes de uma SC decidem alienar um bem imóvel a um terceiro de boa fé sem uma deliberação dos
sócios. Parece que os gerentes estariam a agir fora dos poderes que a lei lhes confere. Mas a nossa lei
resulta da transposição da 1ª Diretiva, e essa diretiva foi mal transposta. O que a lei devia prever no
artigo 260º/1 seria: Os actos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes
que a lei lhes confere ou devia conferir, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações
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constantes do contrato social ou resultantes de deliberações dos sócios. De acordo com o principio da
interpretação conforme ao Direito Comunitário, a interpretação da lei deve seguir a letra da diretiva
ainda que esta tenha sido incompletamente transposta. Por isso, temos considerar, na interpretação do
artigo 260º/1, os poderes que a lei devia conferir. Esses poderes incluem o âmbito do artigo 246º/2,
porque este permite que o contrato confira aos gerentes estes poderes. Portanto, se aqueles gerentes
alienarem um imóvel sem previa deliberação dos sócios, a SC fica vinculada. Os gerentes serão
responsabilizados perante sociedade pelos prejuízos que lhe causaram e poderão ser destituídos com
justa causa.
O artigo 260º/2 e 409º/2 preveem: “A sociedade pode, no entanto, opor a terceiros as limitações
de poderes resultantes do seu objecto social, se provar que o terceiro sabia ou não podia ignorar,
tendo em conta as circunstâncias que o acto praticado não respeitava essa cláusula e se, entretanto,
a sociedade o não assumiu, por deliberação expressa ou tácita dos sócios.”
Um ato que não respeite o objeto social pode ser oponível perante terceiros se a SC demonstrar
que o terceiro sabia ou não poderia ignorar essa qualidade do ato como ultra vires. A SC teria de provar
que o terceiro sabia (e estava a agir com dolo) ou que não devia ignorar (e estava a agir com
negligencia). Por ex.: se uma lavandaria compra participações a uma livraria. Dificilmente o terceiro
não saberia do carater ultra-vires daquele ato.
Coloca-se a questão de saber se os sócios devem ser considerados terceiros para estes efeitos.
Parece que se deve entender que não, porque apesar de os sócios poderem agir como terceiros, pelo
menos numa SQ, todos os sócios conhecem o objeto social e têm o dever de saber quando há um ato
ultravires. Salvo no caso dos sócios que não sejam de controlo nas SA: um pequeno investidor não tem
de conhecer em pormenor o objeto social.
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Atenção: estes casos de abuso dos poderes de representação não se confundem com os que
estão previstos no artigo 58º/b.
Abuso evidente – quando um gerente, mesmo não estando em conluio com terceiro, contrata
com esse terceiro e este deva saber ou não devesse ignorar esse abuso.
Coutinho de Abreu entende que, pelo menos no caso de conluio, o negócio é nulo por ser
contrário aos bons costumes, e não pode ser ratificado. Entende também que, no caso do abuso
evidente, a ratificação por parte da SC é abusiva por violação dos deveres de lealdade e, assim, é
anulável. O Prof. José Reis entende que esta última posição é uma duvidosa, até porque este negócio
até se pode revelar benéfico à SC.
Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial – Parte II: Sociedades, 7ª
ed., Almedina, Coimbra, 2015, pags. 547-610;
Paulo de Tarso Domingues, A vinculação das sociedades por quotas no CSC, Revista da
FDUP, ano I (2004), pp. 277-307.
Aa.Vv. (Coord. Jorge Manuel Coutinho de Abreu), Código das Sociedades Comerciais em
Comentário, 7 vols., Almedina, Coimbra, 2011 (anotações aos artigos relevantes).
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