Você está na página 1de 32

Está en:

OEI - Programación - CTS+I - Sala de lectura -

Ciência, Tecnologia e Sociedade


E o contexto da educação tecnológica

Walter Antonio Bazzo

CAPÍTULO 3

CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE E SUAS IMPLICAÇÕES

Neste capítulo, uma série de assuntos relacionados com as implicações da ciência e da


tecnologia junto à sociedade contemporânea ajuda a reforçar o contexto do trabalho. Neste
sentido, busca-se encaminhar algumas discussões para enfatizar a importância que tais temas
devem assumir nas escolas de engenharia. O compromisso de proporcionar análises reflexivas
sobre a relação que compromete o ensino desenvolvido e a atuação consciente do futuro
engenheiro na sua profissão é um dos meus objetivos centrais. Discutindo entre nós
professores a importância de uma sólida formação nesta área de conhecimento, pretende-se
atingir o estudante, incutindo nele a responsabilidade de refletir e de trabalhar as repercussões
de suas ações junto à sociedade. Paralelamente, através da colocação de algumas noções
conceituais básicas sobre as aplicações e as repercussões da ciência e da tecnologia ao longo
da história, objetiva-se demonstrar que a posse de assuntos desta natureza deve servir de
agente motivador para a permanência dos estudantes nos bancos escolares.

3.1 A IMPORTÂNCIA DO TEMA

A sociedade vive, mais do que nunca, sob os auspícios e domínios da ciência e da tecnologia,
e isso ocorre de modo tão intenso e marcante que é comum muitos confiarem nelas como se
confia numa divindade. Este comportamento ficou de tal forma arraigado na vida
contemporânea que fomos levados a pensar desta maneira durante toda nossa permanência
nos bancos escolares. A lógica primordial do comportamento humano é a lógica da eficácia
tecnológica; suas razões são as razões da ciência. As notícias do dia-a-dia exacerbam as
virtudes da ciência e da tecnologia; os produtos são vendidos calcados nas suas qualidades
embasadas em depoimentos 'científicos'. É uma relação tão profunda a que se estabelece
entre a sociedade e as máquinas que se traduz em incoerência e grave omissão as escolas de
engenharia não procurarem ter uma atuação mais presente nas análises de seus resultados.

As avaliações da ciência e da tecnologia e de suas repercussões na sociedade precisam


seguramente tomar rumos mais claros e intensos nas atividades didáticas. Estes debates e
discussões têm se tornado permanentes na grande maioria das instituições de ensino no
mundo todo, realçando a sua pertinência e reforçando a necessidade de seguir o mesmo
caminho nas escolas que trabalham a ciência e a tecnologia no Brasil. E não se trata de avaliar
apenas os possíveis impactos que fatalmente a ciência e a tecnologia causam e causarão na
vida de todos nós, mas sim, e principalmente, descobrir o irreversível a que tais usos nos
conduzirão.

Um dos motivos destes debates e discussões é, em parte, 'desmascarar' a ciência e a


tecnologia. Parece que, em função do tipo de comportamento que este assunto assume entre
os cidadãos, é urgente discuti-lo, para que a partir de tais análises possamos retirar a ciência e
a tecnologia de seus pedestais ina-baláveis da investigação desinteressada da verdade e dos
resultados generosos para o progresso humano. Estas análises devem ser processadas para
expor todos os seus compromissos e dependências em relação às diferentes forças sociais,
inclusive as menos favorecidas, que operam em nossa civilização. Dentro des-ta ótica, no
entanto, devemos ter cuidado para não produzir o que poderíamos chamar de ‘vulgarização
científica’, o que, longe de reduzir a alienação do homem com relação à ciência e à tecnologia,
contribuiria, na realidade, para aumentá-la, fornecendo a ilusão, perigosa, de ter ‘compreendido
o princípio’ sem entrar na essência da atividade da ciência contemporânea: sua complexidade,
sua coerência e seu esforço (Moles, 1995).

Na continuidade destas constatações, uma citação de Moles é importante porque procura


mostrar que, independente do conhecimento das implicações da ciência e da tecnologia na sua
vida cotidiana, o homem cultiva uma relação de dependência na tentativa de se ‘manter’
atualizado com os problemas contemporâneos:

“Quer ele penetre ou não dentro dos segredos do pensamento científico, este ‘pequeno
homem’ prefere para o seu conforto intelectual adorar as vacas sagradas da nova religião
contemporânea. Há muitas delas, há uma mistura da ‘relatividade’, Einstein, Oppenheimer, com
Monod e o inventor do náilon, os ‘laboratórios’ longínquos onde se destila a magia etc., em
torno de seres, de lugares e de coisas incompreensíveis. Ele coloca a seu alcance ao mesmo
tempo respeito e hostilidade. Certamente, ele tem maior respeito pela lista vertiginosa dos
miligramas de cátion com nome grego sobre a etiqueta de água mineral que ele consome em
sua mesa como indicações do doutor — em medicina: ele confunde alegremente a ciência do
professor que assinou a etiqueta com a saúde física que ele retirará de seu consumo — técnica
biológica. É, de maneira muito exata, o que se pode chamar de kitsch: os aspectos decorativos
do vocabulário químico-latino tomando o lugar de funções que ele não compreende e não se
espera mesmo que compreenda esse kitsch que se manifesta no jaleco branco ou no diploma
de doutor, que às vezes pode até ser perigoso. Não é necessário insistir aqui sobre o potencial
fenomenal da caixa de ressonância televisiva e de todas as mídias conjugadas para sustentar
uma visão científico-prática da virtude cívica — ‘façam tal coisa...’ — que se reduz dentro da
vida cotidiana a uma coleção de respeitos a proibições — ‘a carne grelhada dá câncer...’ —, de
imposições — ‘coloquem os cintos de segurança’ —, de admirações beatas — ‘Freud, Einstein,
Marx’ — em todos os pontos comparáveis às religiões das quais o homem tinha acreditado
libertar-se substituindo-as pela — deusa — Razão” (Moles, 1995, p. 358).

A propaganda que se faz da ciência e da tecnologia, provavelmente com vistas a melhores


resultados das questões de ordem econômica, é tão intensa que uma parcela significativa das
pessoas acredita que elas, em quaisquer circunstâncias, podem sempre ser tidas como amigas
leais, que arrastam consigo apenas benesses para a sociedade. Postman coloca, em relação à
tecnologia, duas razões para esse julgamento:

“Primeiro, a tecnologia é uma amiga. Torna a vida mais fácil, mais limpa e mais longa. Pode
alguém pedir mais de um amigo? Segundo, por causa de seu relacionamento longo, íntimo e
inevitável com a cultura, a tecnologia não convida a um exame rigoroso de suas próprias
conseqüências. É o tipo de amigo que pede confiança e obediência, que a maioria das pessoas
está inclinada a dar porque suas dádivas são verdadeiramente generosas. Mas é claro, há o
lado nebuloso desse amigo. Suas dádivas têm um pesado custo. Exposto nos termos mais
dramáticos, pode-se fazer a acusação de que o crescimento descontrolado da tecnologia
destrói as fontes vitais de nossa humanidade. Cria uma cultura sem uma base moral. Mina
certos processos mentais e relações sociais que tornam a vida humana digna de ser vivida. Em
suma, a tecnologia tanto é amiga como inimiga [...]” (Postman, 1994, p. 12) .

Essas colocações, aliadas a muitas outras que por questões óbvias não podem ser todas
expressas aqui, já são motivo suficiente para pensarmos estas implicações sob outros ângulos
nas questões educacionais. Sem nos deixarmos levar pelo passionalismo das análises
direcionadas por interesses individuais, sen-timos como inadiável semelhante tarefa, sempre
procurando deixar claro que não se pode, contudo, colocar a tecnologia como uma arma
perigosa, quem sabe como um míssil, apontada para a cultura ou para a sociedade como se
elas fossem um alvo ambulante frágil e desamparado. Estas ponderações precisam ser
constantemente trazidas à baila para não se cair na ingenuidade de achar que as técnicas vêm
de outro mundo, do mundo das máquinas, frio, sem emoção, estranho a todo significado e valor
humanos, como tende a pregar, em determinadas situações, uma certa tradição intelectual. Se
este questionamento ativo acontecer estaremos objetivando um estudo maduro nesta direção,
afirmando que não só as técnicas são imaginadas, fabricadas e reinterpretadas para uso dos
homens, mas que é a própria utilização intensiva das ferramentas que constitui a humanidade.

É um comportamento habitual entre parcela da sociedade — agravado principalmente pelo


‘bombardeamento’ de informações diárias — a consideração da ciência e da tecnologia como
libertadoras1 em si mesmas. Somada a isso, existe a visão linear de progresso científico-
tecnológico não só como um avanço do conhecimento, mas sim como uma melhoria real,
inexorável e efetiva em todos os aspectos da vida humana. Desta forma, a ciência e os
avanços tecnológicos fariam felizes os homens, independentemente das condições de suas
aplicações.

Esta visão, que é notória no entendimento do senso comum, felizmente tem-se alterado para
um número cada vez mais expressivo de pessoas que vêem nela um mito que precisa ser
trabalhado para a sua erradicação. Essas pessoas começam a ter clara a consciência de que a
ciência e a tecnologia têm feito o homem mais feliz, mas que, junto com isto, possuem a
capacidade de também destruí-lo. Inúmeras obras escritas com tais abordagens nas últimas
quatro décadas, entre as quais pode-se citar Um mundo feliz, de Aldous Huxley, são
testemunhas desta posição mais reflexiva de 'progresso' que se concede à ciência, não
somente como libertadora, mas sim, em determinadas situações, como desumanizadora e
escravizadora da vida humana.

Mesmo assumindo que no início, quando semelhantes discussões surgiram, tenha-se dado
lugar, na maioria das vezes, a severas críticas, inclusive muitas vezes infundadas, em relação à
ciência e à tecnologia, hoje tem-se a possibilidade e a razão suficiente para compreender as
suas riquezas e complexidades, as oportunidades que oferecem e, sem dúvida, também os
perigos que possuem. No entanto, apesar desta razão que surge, ainda existe uma certa
letargia por parcela dos seus usuários que pensam que elas só têm dados positivos a oferecer
e que as suas conseqüências são fatos cujo uso deve ser aceito como inevitável. Isto tem
contribuído para que se perca uma rica oportunidade para melhorar a sua compreensão.

Não se pode crer, no entanto, que apenas uma maior vontade de educar em ciência e
tecnologia seja suficiente para resolver os inúmeros problemas que estas questões arrastam
consigo. Principalmente quando, se é que isto efetivamente ocorre, esta vontade se apresenta
da forma como tem-se configurado nos currículos dos cursos de engenharia, perpetuando-se o
internalismo tecnicista2. Igualmente se estaria dando uma resposta vazia; fracassaria por não
levar em conta a estrutura inerente de valores ideológicos que a ciência e a tecnologia
carregam do contexto social.

O que se pretende, na realidade, é alcançar uma compreensão cada vez mais sofisticada dos
mecanismos internos e externos da ciência e da tecnologia e, por extensão, da engenharia,
situando tal compreensão no contexto de uma interpretação de ambas, ciência e tecnologia,
como processos sociais. Isto precisa ser feito verificando-se, em algumas situações, o caráter
ambiental3 e socialmente destrutivo de muitas das atividades inerentes a estes processos.
Neste objetivo é preciso reconhecer, como essencial para a própria sobrevivência da ciência e
da tecnologia, os danos4causados pela sua utilização, e não apenas minivalorizá-los como
efeitos secundários ou conseqüências não previstas.

Somente quando a 'alfabetização em ciência e tecnologia' for entendida neste contexto mais
amplo poderá haver uma esperança real de que a configuração do nosso mundo futuro será
traçada por um eficiente controle público, de modo que os processos científicos e tecnológicos
beneficiem verdadeiramente a humanidade. Porém, dentro desta tentativa de se proporcionar
uma alfabetização em ciência e tecnologia, é necessário antes procurar decifrar o que se
entende por analfabetismo científico-tecnológico. É a esta pergunta que Javier Gómez Ferri e
Juan F. Ilerbaig Adell procuram responder através do artigo ‘Ciencia, tecnología y sociedad.
Alternativas educativas para un mundo en crisis’. Eles dizem que:
“A tentativa para eliminá-lo passa, em primeiro lugar, por uma proposta que tem a finalidade de
fazer frente às necessidades e carências com que se encontra a sociedade devido ao rápido
avanço científico-tecnológico. A onipresença da tecnologia no mundo atual, aliada à sua maior
complexidade, dá lugar a uma situação bastante problemática [...]. Distintas propostas — mais
ou menos elaboradas — de alfabetização científico-tecnológica têm pretendido materializar a
crença amplamente estendida de que é através do âmbito educativo que se pode enfrentar esta
situação problemática” (Ferri & Adell apud Medina & Sanmartín, 1990, p. 135).

Cada uma destas propostas responde, em grande parte, a uma análise distinta onde pode ser
encontrada a chave do problema. Conforme menos simplistas sejam estas considerações,
menos ingênuos serão os tipos de alfabetização defendidos. Leonard Waks, em ‘Educación en
ciencia, tecnología y sociedad: orígenes, desarrollos internacionales y desafíos actuales’
(Medina & San-martín, 1990), defende a alfabetização tecnológica para a participação efetiva
dos cidadãos nas decisões de caráter político.

A expressão 'alfabetização científica e tecnológica' está sendo usada para denominar um


objetivo educativo fundamental em diversas análises e informes políticos. Quase todos os
autores que trabalham estes assuntos estão de acordo em que deveriam existir níveis mínimos
de aprendizagem sobre ciência e tecnologia para todos os estudantes, em que o estudo da
ciência deveria estar conectado ao de tecnologia e suas conseqüências sociais.

Não é mais possível, e muito menos indicado, que se fique, como alguns opinam, num estado
permanente de contemplação à espera do inexorável desenvolvimento científico-tecnológico.
Este comportamento apassivado leva ao pensamento de que a questão científico-tecnológica,
independentemente de suas repercussões, é inerente a esta fase de desenvolvimento humano,
e que, à medida que a própria ciência e a tecnologia se desenvolvam, os problemas por elas
causados serão automaticamente superados. É bastante claro que, potencializando os
conteúdos dentro desta área, nos mais distintos níveis educativos, conseguir-se-á incrementar
o grau de 'cultura científico-tecnológica'. Deste modo, será crescente o número de cidadãos
que se sentirão atraídos pela sua produção e, o que é mais importante, pela reflexão
permanente de seus resultados. Talvez desta forma, com análises bem fundamentadas, a
atração pelos campos da pesquisa em ciência e tecnologia será mais substancial, inclusive
como atividade profissional, e então sim os problemas causados por elas serão corrigidos por
uma ‘tecnologia melhor’.

Apesar de todas as boas intenções é necessário reconhecer as limitações que esta tarefa
impõe. Uma destas limitações vem da inexorabilidade da utilização de certos artefatos que
parece escapar da nossa escolha, ou do nosso controle, por estar sujeita a um
'entrincheiramento tecnológico'. Este termo, muito procedente para analisar este aspecto,
realça que as tecnologias entrincheiradas são aquelas profundamente arraigadas em nosso
tecido sócio-econômico e em nossas formas de vida.

O melhor argumento5, mesmo que anacrônico e defeituoso, com que parecem contar certas
tecnologias para seguir entre nós é que elas já se encontram no nosso meio e, ademais, seria
extremamente difícil sua erradicação. Nesta situação são incluídas algumas conquistas sociais
bem conhecidas, como a televisão, a energia elétrica, o rádio ou um sistema de transporte, já
inerentes à vida social. São tecnologias fortemente solidificadas em nossos contextos, no
sistema sócio-econômico e na organização social. Deste modo, parecem escapar à nossa
capacidade de escolha e controle. No entanto, uma avaliação com antecedência e a
monitorização do desenvolvimento de novas tecnologias6, assim como a promoção da
participação pública em tal controle, podem contribuir para a prevenção de novos
entrincheiramentos e seus conseqüentes efeitos negativos (González, López e Luján, 1996).

Quando realço este fato, que me parece inexorável, não pretendo colocá-lo como algo nocivo,
mas sim como algo posto ao comportamento humano e que carece apenas de algum controle
e, em certas situações, de adaptações para que continue socialmente aceitável.

Continuando neste raciocínio surge como surpreendente o fato de que quando se trata de uma
avaliação crítica literária ou teatral ou, mais ainda, quando se faz referência a qualquer obra de
arte, todas as pessoas envolvidas no processo entendem tal atitude como positiva. Um crítico
literário examina uma obra analisando sua abrangência, avaliando sua qualidade, buscando
uma apreciação mais profunda que possa ser útil para outros leitores do mesmo texto. Algo
similar acontece com os críticos musicais, teatrais, artísticos. Em geral eles desempenham um
papel valioso e claro, apontando situações importantes entre os produtores e seus
consumidores. No entanto, todos os que, de maneira semelhante, pensam em tecer
comentários acerca das questões científico-tecnológicas, que poderíamos chamar como uma
espécie de críticos de suas ações e repercussões, envolvendo-se nos modelos e problemas
básicos de nossa cultura, são tachados rapidamente de antitecnologistas, arautos do atraso da
evolução humana ou outros impropérios que os intimidam em suas ações, provocando, com
isso, a retirada imediata de semelhantes discussões da pauta das responsabilidades sociais
(Winner, 1987).

Este tipo de comportamento, que conduz a um conformismo e a uma falta de avaliação crítica
indispensáveis, torna-se mais agudo para nós brasileiros, como também para todos os outros
habitantes de países em desenvolvimento7, que vivemos em constantes dúvidas,
questionamentos e assombros quanto à utilização e ao desenvolvimento da ciência e da
tecnologia. Os problemas aqui são mais prementes. Uma pergunta, entre muitas outras, por
sua pertinência, se faz presente: é mais importante estar de acordo com os parâmetros
internacionais em termos de pesquisa de ponta, ou é mais importante nos recolhermos a um
contexto que ainda clama por soluções, muitas vezes rudimentares, de simples aplicações de
técnicas já prontas?

Este questionamento é ponto-chave neste assunto. E o é porque muitas vezes existe


precipitação, no afã de não se perder o 'trem da história', como alguns professores de
engenharia seguidamente comentam, e lança-se mão de polpudos recursos econômicos para
investir em projetos muitos dos quais possivelmente de utilidade duvidosa. Estes gastos podem
prejudicar o investimento na formação científico-tecnológica básica da população, o qual pode
constituir-se em predicado fundamental para futuras decisões de questões semelhantes.

O Brasil é rico em exemplos de projetos científico-tecnológi-cos8 que 'fizeram água' por terem
sido 'analisados' somente por burocratas fechados em seus gabinetes, destituídos portanto de
embasamentos realísticos que pudessem levá-los a uma decisão de caráter menos 'tecnicista'.
E o pior é que a engenharia nacional nem pode se queixar muito de semelhante situação, pois
as escolas não formavam, e ainda não formam, cidadãos críticos com trânsito suficiente nas
questões políticas e sociais para travarem semelhantes debates com a comunidade de
dirigentes da nação.

Sejam quais forem as justificativas, os poucos estudos realizados até hoje tendem a mostrar
que não existem autênticas comunidades científico-tecnológicas nos países em
desenvolvimento. O estímulo e a inspiração, quase sempre afastados das necessidades mais
prementes da população, na grande maioria das vezes são importados de países com outras
realidades.

Jacques Gaillard faz interessante análise em seu artigo 'A ciência do terceiro mundo entre dois
mundos' (Witkowsky, 1995), quando defende o surgimento de comunidades científico-tecnoló-
gicas contextualizadas às necessidades primeiras de sua população. Não defende no entanto
que estas comunidades fiquem alheias às mais recentes conquistas do mundo atual. Nesta
mesma referência, Xavier Richet com 'As políticas científicas nos regimes socialistas', Évelyne
Dourille, com 'A política japonesa de pesquisa-desenvolvimento', e Jacques Varet, com 'China,
uma pesquisa incerta', produzem semelhantes reflexões.

Quando a questão da utilização dos avanços tecnológicos em relação à sociedade é posta em


discussão, muitas dúvidas e questionamentos sacodem nossos sentimentos, na procura de
respostas a esta intricada relação que ainda deixa fora de seus benefícios a maior parte da
população. Tais questionamentos e dúvidas só poderão ser respondidos se todo cidadão — em
especial os engenheiros que terão grande influência neste processo — tiver oportunidade de
receber uma formação razoável nos preceitos científicos e tecnológicos e nas suas
conseqüências e repercussões. Com esta formação, poderão então fazer parte das decisões
que deverão alterar sobremaneira as relações sociais, principalmente nos países em
desenvolvimento.
3.2 UM COMPORTAMENTO CONFORMADO

A tecnologia, com maiores ou menores impactos, tem conformado nossa vida. Estamos à
mercê de sistemas interconectados, transistores, bytes, hardware, software e, o que é grave,
estamos nos sentindo subservientes à sua autoridade, moldando-nos ao seu funcionamento.
Isto nos converte, gostemos ou não, em participantes de uma nova ordem na história,
acantonando-nos num sistema tal que nos coloca face a face com uma cultura que podemos
chamar de 'tecnopolista'9, sujeitando-nos ao que Winner, pertinentemente, chamou de
‘sonambulismo tecnológico’.

Este sonambulismo vem ao encontro de tudo que exaustivamente é repetido ao longo destas
argumentações e tem estreita ligação com a forma como a sociedade se relaciona e se
comporta frente à tecnologia. Em corroboração a estes aspectos não é incomum que ainda não
se encontrem respostas para certas perguntas que constantemente estão postas à nossa
avaliação. Por que é tão difícil a elaboração de uma filosofia da tecnologia? Por que uma
cultura tão firmemente embasada em incontáveis instrumentos, técnicas e sistemas
sofisticados permanece imutável no que se refere à resistência em examinar os próprios
fundamentos de todos estes aparatos criados pela tecnologia? Winner parece colocar algumas
questões que podem começar a dar uma resposta a este sonambulismo tecnológico. Diz ele:

“Grande parte destas respostas pode-se encontrar na assombrosa influência da idéia de


‘progresso’ no pensamento social durante a era industrial. No século XX se acredita em geral
que os únicos meios confiáveis para o melhoramento da condição humana provêm das novas
máquinas, substâncias químicas e as mais diversas técnicas. Inclusive os recorrentes males
sociais e do ambiente que acompanham os avanços tecnológicos raras vezes têm afetado esta
fé. Ainda é um requisito prévio que a pessoa que queira postular um cargo público assegure
sua confiança férrea em que existe um laço positivo entre desenvolvimento técnico e bem-estar
humano e afirme que a próxima onda de inovações será nossa salvação” (Winner, 1987, p. 21).

Para contra-argumentar este sonambulismo ameaçador apontado por Winner, uma citação de
Munford, em Qué es la filosofía de la tecnología, de Carl Mitcham, ajuda a desmistificar a
supervalorização das potencialidades da tecnologia em detrimento dos valores humanos:

“Se todos os inventos mecânicos dos últimos cinco mil anos fossem apagados de repente,
haveria uma catastrófica perda de vida; mas o homem continuaria sendo humano. Por sua vez,
se se eliminasse a faculdade de interpretar [...] a terra inteira desapareceria mais depressa que
a visão de Próspero e o homem sumiria num estado mais desamparado e brutal que o de
qualquer animal: próximo à paralisia” (Munford apud Mitcham, 1989, p. 55).

Outros argumentos que Winner sustenta para justificar esta dificuldade em se avaliar com mais
crítica conseqüências da tecnologia têm estreita ligação com o comportamento do ensino
tecnológico:

“Existem outras razões para que a filosofia da tecnologia nunca tenha tido muita aceitação.
Segundo o ponto de vista convencional, a relação humana com os objetos técnicos é
demasiadamente óbvia para merecer uma reflexão séria. Causa decepção a noção razoável
que herdamos de tempos distantes e menos complicados: a que divide a gama de possíveis
interesses acerca da tecnologia em duas categorias básicas: fazer e utilizar. Na primeira a
atenção se centra em ‘como funcionam as coisas’ e em ‘fazer com que as coisas funcionem’.
Temos a tendência de pensar que esta é uma atração para certas pessoas em determinadas
ocupações, porém para ninguém mais. ‘Como funcionam as coisas’ é o terreno dos inventores,
dos técnicos, dos engenheiros, dos mecânicos de manutenção, etc., que preparam
instrumentos artificiais para a atividade humana e os mantêm sempre em bom funcionamento.
Se pensa que aqueles que não estão diretamente envolvidos com nenhuma das diversas
esferas do ‘fazer’ têm pouco interesse ou necessidade de conhecer os materiais, os princípios
ou os procedimentos que incluem estas esferas” (Winner, 1987, p. 21).

Uma razão forte e irrefutável que pode nos levar a tentar ‘acor-dar’ deste ‘sonambulismo
tecnológico’ vem novamente de Winner:
“[...] a experiência da sociedade moderna nos mostra algo, que as tecnologias não são simples
meios para as atividades humanas, e sim também poderosas forças que atuam para dar nova
forma à dita atividade e ao seu significado. [...] As alterações difundidas através das técnicas de
comunicação, transporte, fabricação, agricultura, etc., são em grande parte o que distingue
nossa época dos períodos anteriores da história humana. A classe de coisas que tendemos a
considerar ‘meras’ entidades tecnológicas se fazem muito mais interessantes e problemáticas
se começamos a observar que grande influência têm nas condições de vida social e moral”
(Winner, 1987, p. 22).

Na realidade, a ciência e a tecnologia não estão apenas conformando as nossas vidas para
melhor mas também, em muitas situações, fazendo-as mais perigosas. Percebemos a própria
realidade através de máquinas e artefatos, e também tanto o mundo externo como o que
termina dentro de nossos corpos e mentes. Concebemo-nos a nós mesmos da forma como em
grande parte de nossa existência nos foi posto e ensinado: como complexas máquinas físico-
químicas com um cérebro que, segundo investigações realizadas nas últimas décadas, tem
resultado análogo a um potente e complicado computador. Parece que a partir da Revolução
Industrial a própria construção coletiva da vida social está sendo conformada como se
conformaram as máquinas, seguindo um modelo instituído por Adam Smith e consubstanciado
na sociedade contemporânea (González, López e Luján, 1996).

Uma experiência da sociedade moderna ressalta esta moldagem a que estamos nos
submetendo quando mostra que estas tecnologias não são simples meios para as atividades
humanas, mas sim poderosas forças que atuam para dar uma nova forma a estas atividades e
ao seu significado. A introdução de um robô numa linha industrial não só aumenta a
produtividade mas, em grande parte, modifica radicalmente o processo de produção e, muitas
vezes, redefine o significado de trabalho neste lugar.

Quando se adota uma nova técnica ou instrumento sofisticado na medicina, transforma-se não
somente o que os médicos fazem mas também a forma de pensar das pessoas acerca da
saúde, da doença e da atenção médica. Todas estas alterações ajudam e nos empurram a
modelar nossa vida de acordo com o desenvolvimento científico-tecnológico.

Há muitos anos a ciência e a tecnologia vêm ditando os rumos e alternâncias do


comportamento social, tanto no plano industrial quanto nos setores individuais das pessoas.
Este fato, por mais paradoxal que possa parecer, pouco tem produzido de mudanças
substanciais na forma de construir conhecimentos neste campo. Esta mudança, decorrente de
satisfazer as necessidades cotidianas nas questões de sobrevivência, desenvolvimento, lazer,
geração de supérfluos, vem entupindo a sociedade de aparatos tecnológicos que na maioria
das vezes os usuários nem sequer imaginam como operar. Grande parcela dos cidadãos os
adquire mas geralmente ignora suas características de funcionamento, os seus riscos, as suas
vantagens ou outras possíveis conseqüências ou inconvenientes. Estas situações
contraditórias de riscos e vantagens que a ciência e a tecnologia apresentam requerem que se
tenha um maior conhecimento sobre os processos envolvidos no seu desenvolvimento e
produção.

Não é incomum, fundamentados nestas determinações, que muitas vezes nos comportemos
como as máquinas ou, ao menos, nos utilizemos de suas limitações para justificar nossas
falhas humanas. Algumas expressões10— e nas escolas que trabalham com tecnologia este
comportamento é muito mais presente — que usamos automaticamente relatam a nossa visão
de mundo, a auto-imagem como pessoas e outras razões importantes de nossas vidas, que
são traçadas, determinadas e, em certas ocasiões, até definidas pela valorização extremada
que se imputa às questões científico-tecnológicas.

Pacey, em La cultura de la tecnología, na tentativa de mostrar que apesar do comportamento


cultural as coisas não se estabelecem desta maneira, propõe uma interessante inversão de
análise quando faz uma radiografia rápida da revolução industrial, e argumenta que não foi a
máquina a vapor que introduziu essa revolução industrial. Foi sim um ambiente humano que
propiciou a utilização do vapor para se produzir uma verdadeira revolução nos costumes da
época, através da imposição de novos rumos na produção humana.
Apresenta-se, portanto, como central o fato de que a utilização e a repercussão da ciência e da
tecnologia estão sempre estreitamente relacionadas a aspectos humanos. Produzidas ao longo
dos tempos, pelos homens e para os homens, elas têm um largo espaço na história da
civilização. Afinal de contas, o ser humano sempre investiu sua inteligência para adquirir,
fabricar e utilizar ferramentas que prolongassem e multiplicassem seu conforto material para
além de seus sonhos. Mas talvez um dos grandes problemas que ele fabricou para si neste
empreendimento foi esquecer de investir semelhante esforço na direção de preparar-se,
também, para fazer frente às mudanças que tais ferramentas provocariam na sua vida. Estes
objetos, processos e toda sorte de técnicas, sem retirar qualquer de suas virtudes em função
de seus usos e de suas benesses, provocaram, provocam e provocarão sempre inquietações e
questionamentos sobre os seus altos custos de utilização para a civilização humana.

Na relação entre capital e trabalho o trabalhador ou operador individual é analisado quase


como uma peça componente de um equipamento industrial; é visto como um 'artefato sensor',
ligado a um 'mecanismo computacional' e a 'conexões mecânicas'. Isto é o que a indústria
moderna faz na sua parte de moldar a sociedade atual; o trabalho é usado como algo
intercambiável e o progresso é concebido para aumentar indefinidamente o número de tarefas
que podem ser efetuadas pela máquina. Neste embate constante o triunfo final é obtido quando
todos os componentes humanos tenham sido substituídos por seus similares mecânicos e
eletrônicos (Pacey, 1990).

Estas novas concepções levam-nos a indagar em que condições econômicas, políticas e


culturais estão sendo produzidas, mostrando que é preciso tornar possível o exame das
relações entre os saberes e as aplicações técnicas, entre as práticas tecnológicas e suas
repercussões, entre as políticas e as ideologias; que é preciso observar, para poder então
interferir, como esses saberes contribuem para a solução das questões éticas e humanas e,
ainda, de que forma a ciência e a tecnologia fazem parte do mundo contemporâneo.

O engenheiro, o advogado, o médico, enfim, o cidadão comum precisa saber das implicações
que tem o desenvolvimento tecnológico nas mudanças geradas na nossa forma de vida.
Precisam desmistificar, no seu cotidiano, a ‘pseudo-autoridade’ científico-tecnológica de alguns
iluminados que por terem tido acesso a uma educação mais apurada, por questão também de
oportunidade e não apenas de competência, decidem os destinos de todos os que, como eles,
fazem parte de uma sociedade. O homem comum, o usuário, deve também saber se é preciso
desenvolver ou adotar todas as tecnologias modernas — antes de apenas moldar-se a elas —
dominadas por outros países mais avançados, dentro de um contexto tão diferenciado. Ele
precisa inferir se as necessidades de um povo só serão alcançadas com tecnologias de ponta
ou, ainda, se o desenvolvimento tecnológico implica, necessariamente, desenvolvimento
humano.

Uma instrução11 adequada a respeito destas questões ensejaria o posicionamento político


consciente dos diferentes grupos e classes sociais em relação ao desenvolvimento científico e
tecnológico. Não se consegue este objetivo sem uma estratégia para que ele seja alcançado.
Se deixarmos esta responsabilidade para a mídia, grande parte atrelada aos sistemas de
poder, a mensagem continuará sendo direcionada em tratar a ciência e a tecnologia como
mágicas ou como um conjunto de expressões da moda e de domínio apenas daqueles 'bem-
dotados'. Se estas questões não forem refletidas caberá à sociedade, principalmente ao
homem comum, quando muito o direito de aceitar estas imposições científico-tecnológicas que
alterarão sua vida ao bel-prazer dos detentores dos artefatos. Se esta situação não for
revertida, continuaremos a ter um comportamento conformado de acordo com os ditames da
ciência e da tecnologia.

3.3 A QUESTÃO CULTURAL

Toda vez que a evolução da espécie humana é trazida a discussão, os marcos utilizados para
sua definição são evocados prioritariamente por questões técnicas — pelos artefatos —, que
parecem distantes das humanas. Recorre-se sempre a expressões como a 'era da pedra', a
'era do bronze', a 'era do ferro', a 'revolução industrial', a 'era do computador'. A existência
deste paradigma se apresenta clara. Ele não nasceu por uma questão de modismo temporário
e sim por uma questão inerente ao desenvolvimento cultural do ser humano. Esta
interpretação, de associar progresso humano linearmente ao desenvolvimento técnico,
configura-se em algo bastante complexo porque direciona a forma como a evolução da
civilização é abordada na sociedade e na escola. Por este motivo, a sua remoção pura e
simples de nossos métodos educacionais se reveste de extrema dificuldade. Querer incutir de
pronto que desenvolvimento técnico não significa necessariamente desenvolvimento humano,
entre os cidadãos, principalmente dentro de uma escola de engenharia, que foi criada sob esta
lógica, não parece ser a tática mais indicada. É necessário que se procure avaliar, em tais
escolas e na sociedade, o que realmente significa avanço e evolução humana.

Foi com muita tenacidade que grupos dominantes, sempre apoiados em uma ideologia
tecnocrática12, sentiram a necessidade de impregnar na sociedade contemporânea tal
comportamento. Mesmo com evidências contrárias do desenvolvimento humano e social ao
longo da história, a cultura que domina a sociedade continua atribuindo às questões científicas
e tecnológicas a razão maior da felicidade humana.

No Ocidente, o afã do homem moderno por construir máquinas e todo e qualquer artefato na
busca de conquistar a natureza lhe facultou a possibilidade de elaborar uma tese discutível
hoje, mas que sempre pareceu absolutamente incontestável desde a revolução científica. Ela
procura evidenciar que a construção e a utilização de ferramentas têm sido fatores
imprescindíveis e essenciais na evolução do homem. Esta tese, no entanto, parece
contraditória e não se baseia em aspectos empíricos, que são fundamentos determinantes do
cientificismo13. Estes aspectos refletem o fato de que os artefatos e ferramentas não são algo
perene e sempre se mostraram frágeis ao longo do tempo.

Tal teoria não é fundamentada em suposições, sendo proveniente de investigações baseadas


em restos arqueológicos; ela mostra que os fatores determinantes das civilizações foram as
relações ditadas pelo homem. As técnicas ferramentais não deixaram vestígios materiais
significativos, ao passo que os ritos, as linguagens, as organizações sociais, a par de toda a
cultura que quer colocar em discordância tal fato, foram os mais importantes dos 'artefatos' que
o homem elaborou ao longo da sua vida e da sua adaptação ao entorno a que tem estado
submetido. O aperfeiçoamento de ritos, símbolos, palavras, imagens, modos de conduta e a
contínua seleção de componentes para comer devem ter configurado as principais ocupações
do homem primitivo. Isto tudo parece ter sido mais importante, mesmo que a construção de
equipamentos e artefatos possa ter percorrido este caminho simultaneamente, para a
sobrevivência do ser humano do que a própria fabricação de ferramentas.

É motivo preocupante e de análise, a par do que foi exposto, o objetivo desta tentativa de
sempre valorizar mais o aspecto técnico — ou ferramental — do que os aspectos humanos no
desenrolar da história. Afinal de contas, neste desenvolvimento contínuo, a maior razão do
sobreviver do homem foi ele mesmo. Utilizando seus membros e órgãos corporais, combinados
com as mais diversas formas de cooperação, ele realizou um grande número de atividades
tecnológicas — atividade tecnológica assumida aqui como um comprometimento com outras
atividades humanas e não puramente como desenvolvimento de artefatos ferramentais — que
lhe permitiram possibilidades de ações diferentes no ambiente em que vem vivendo.

Esta visão — hoje felizmente não mais hegemônica — de considerar a criação de artefatos
como a principal causa do desenvolvimento humano tem algumas conseqüências graves.
Dentre elas, uma subestima as culturas arcaicas mas ainda contemporâneas — leia-se Terceiro
Mundo — em virtude do desenvolvimento mais frágil de suas técnicas de elaboração de
ferramentas e processos, mesmo que tenham isoladamente construído sofisticados sistemas
científicos, muitos dos quais intangíveis na prática.

Outra destas conseqüências é a constituição do que, como já foi comentado, Winner


denominou 'sonambulismo tecnológico', quando a sociedade se submete humildemente a cada
nova exigência da tecnologia14 e utiliza sem questionar todo novo produto, seja ele positivo ou
negativo para uma melhora real. Neste clima a tecnologia sempre é uma resposta, mesmo que
a sociedade não tenha feito nenhuma pergunta. Não importa que uma resposta tecnológica —
mesmo sem perguntas — possa criar problemas porque se confia que outra inovação lhe
prescreverá remédio. Para reforçar a afirmativa, pode-se dizer que, pelo menos na última
situação, gerou-se uma resposta a um problema existente, mesmo que ele seja decorrente de
uma resposta onde não havia pergunta (Revilla, Márquez e Stingl, 1993).

Alguns autores, talvez procurando ser mais enfáticos, utilizam o termo ‘determinismo
tecnológico’ e ainda ‘imperativo tecnológico’. Parece, no entanto, que o termo utilizado por
Winner reflete melhor esta ‘alienação’ em relação aos superpoderes que a ciência e a
tecnologia assumem em nossa vida. Por supor que Winner utiliza este termo na tentativa de
salientar com ênfase que a inovação tecnológica realmente não é a causa fundamental das
mudanças sociais e muito menos a razão única do desenvolvimento humano, e que por isso
não devemos sentar-nos e observar o desenrolar deste processo inevitável, posicionamento
com o qual concordo, prefiro usar uma noção mais reveladora, salientando que mesmo
conscientes — ao menos alguns de nós — de que a tecnologia não tem tal poder, continuamos
caminhando, ‘dormin-do’ voluntariamente, sem notar o processo de reconstrução das
condições da existência humana que ela vem produzindo. Este enfoque permite um maior
alento e reforça as convicções que assume-se com este trabalho: Por que não acordar?

O complexo conjunto de relações e interações que um ensino nesta direção requer conduz a
um problema que só parece ter uma solução através da interdisciplinaridade15 efetiva entre
vários campos de saber. Isto se configura numa aposta importante para quebrar a excessiva
rigidez existente entre as diversas comunidades profissionais que se agarram aos seus ditames
culturais, não dando guarida a uma provável renovação, consubstanciada no entrelaçamento
dos mais diferentes matizes do conhecimento. Fazer isto com êxito significa desenvolver uma
compreensão tanto de caráter geral — interdisciplinar — quanto com exemplos específicos —
preservando as características particulares de cada campo de conhecimento — acerca de
quais valores existem, como as pessoas podem sustentá-los e como eles evoluem no tempo.
Significa entender a gênese e a função das instituições sociais nos âmbitos político, econômico
e cultural. Significa, também, compreender, em sentido geral, a essência e o funcionamento
interno da ciência e da tecnologia. Significa ter uma familiaridade com o raciocínio científico e
tecnológico, com os principais conceitos e metodologias atuais — para aceitá-las ou rejeitá-las
—, com o projeto e a configuração de estratégias nas disciplinas estudadas. Significa ter uma
compreensão holística das complexas interações entre todos estes componentes. E, se isto
não for suficiente — e não o é —, importa também saber como neste complexo se reflete a
arte, a literatura, a filosofia e a história, assim como a análise política, econômica e sociológica.

Uma abordagem na tentativa de desmistificar a relação linear de desenvolvimento tecnológico


com evolução humana não significa transformar as escolas de engenharia em templos para
tornar seus alunos aprendizes de filósofos ou sociólogos. Não é necessária e nem desejável tal
atitude. Fazer isso requer apenas interdisciplinaridade que pode ser conseguida não através de
disciplinas estanques, como se procura configurar nas soluções atuais, mas sim através de
grupos de conhecimento formados pelos mais diversos professores com a adoção de novas e
diversificadas técnicas. Isto tudo, porém, sempre mantendo os olhos nas complexas inter-
relações holísticas, o que não é tão proibitivo quanto possa parecer.

Levando a argumentação para outro lado, não é necessário converter os estudantes de outras
áreas em tecnólogos ou engenheiros. Só é necessário, em ambos os casos, fazê-los entender
a necessidade de se ter consciência das relações entre ciência, tecnologia e sociedade. Esta é
uma compreensão que se pode conseguir de maneira geral em nível teórico e que pode ser
apoiada, na prática, com exemplos específicos e apropriados na área de engenharia, com
critério, para que possa refletir os problemas e questões que estão sendo considerados no
contexto (Cutcliffe apud Medina & Sanmartín, 1990).

Para isso é preciso acabar com o hiato existente principalmente entre o campo do
conhecimento tecnológico e o campo de conhecimento das ciências sociais. Nossa sociedade
sempre deixou transparecer a existência de uma crescente separação entre duas culturas16
que constantemente resultou num entrave para a aproximação indispensável entre os mais
diversos campos de saber.

A idéia de que o desenvolvimento humano é função linear do progresso técnico vem sendo
sustentada há muito tempo, querendo estabelecer que este progresso arrasta inexoravelmente
consigo a sociedade humana. E isto estabeleceu culturalmente o que se pode chamar de
'misticismo pela máquina'17, que influenciou sobremaneira o ensino de engenharia quanto aos
seus propósitos. Um destes propósitos tomou a direção de optar por especialistas em
determinados assuntos estanques da tecnologia. Isto se refletiu na formação de um profissional
que resolve os problemas com as mais complexas variáveis, também de ordem social, somente
na direção da eficiência da máquina. Foi esta concepção que gerou com graves repercussões
nas escolas de engenharia a cultura oculta que, como bem retratou Lewis Thomas, podemos
chamar de 'tecnologia insuficiente'18.

Toda esta mistificação da máquina e da tecnologia que parecia realmente ser os fatores
primordiais que definiam o progresso humano foi rompida pelas explosões das bombas
atômicas na Segunda Guerra Mundial, em Nagasáqui e Hiroshima. Estavam acesos os
estopins da inversão da discussão do lado apenas positivo e idealizado para a questão realista
da tecnologia. Um clima de crise e dúvida em relação a ela veio à tona19. Os grupos periféricos
ganharam espaço pregando que, junto com as benesses da tecnologia, vinham o napalm, os
desfolhantes, a radioatividade, a bomba atômica. A tecnologia passou a ser encarada também
como antivida e, em determinadas situações, como fora de controle. Nascia então a
necessidade do surgimento de uma nova área no campo de conhecimento que pudesse
interpretar e conhecer estas relações que começavam a definir novos rumos para a civilização.

Na ânsia de superar este aspecto cultural evidente, foi-se ao outro extremo do problema,
marcando presença forte o fato de que a maior parte da literatura nas décadas de 50 e 60 — e
assim permaneceu até meados dos anos 70 — era antitecnológica. Isso se refletiu em grande
parte nas propostas da primeira geração das conhecidas disciplinas CTS, que se preocupavam
com a ciência e com a tecnologia. Elas tentavam instruir os estudantes de ciências e
engenharia sobre o verdadeiro impacto social de seu trabalho, mas o faziam de forma um tanto
parcial, prejudicando as finalidades de tais projetos.

Muitos dos primeiros cursos e programas planejados para os estudos de CTS, apesar das suas
limitações e, em certas vezes, com abordagens equivocadas, começaram a despertar o
interesse em todas as áreas de conhecimento. Eram, a essa altura, dirigidos a todos os
estudantes, inclusive os da área de engenharia. Dada a diversidade de interesse, e a partir de
seus aprofundamentos, estes estudos partiam de uma interpretação que definia a ciência e a
tecnologia como processos humanos, sendo ambas fortemente influenciadas, conformadas e
desenvolvidas por valores sociais que, por sua vez, eram afetados pelos impactos derivados do
conhecimento científico e das inovações tecnológicas (Cutcliffe apud Medina & Sanmartín,
1990).

A impressão que se pode tirar do fato de outros campos de conhecimento terem tido a
preocupação na análise sociológica da tecnologia, e até certo ponto terem tomado a iniciativa
de tal ação, provocou algum espanto em parte dos tecnólogos, que se sentiram acuados em
seus conhecimentos tecnicistas e pro-curaram irrelevar a forte tendência da análise dos
impactos sociais da ciência e da tecnologia no início dos anos 70.

Faça-se um pouco de justiça: este acuamento não foi sem uma ponta de razão. A literatura
indica isso em vários trabalhos publicados na época, em que as análises dos sociólogos da
ciência eram, em muitas situações, feitas com uma dose de passionalismo, colocando sempre
a tecnologia no banco dos réus. É natural que um certo grau de 'defesa' surgisse entre aqueles
que trabalhavam no desenvolvimento de artefatos tecnológicos. Este comportamento foi o que
gerou a rivalidade classificada por Snow como as duas culturas e que, indubitavelmente,
proporcionou um atraso considerável nas análises necessárias dos impactos da ciência e da
tecnologia.

As discussões foram se avolumando e os currículos não conseguiam mais abarcar tamanho


volume de conteúdos. Na época atual, as transformações pós-industriais teriam saturado
completamente os eventuais programas CTS, que não dariam mais conta de tratar tantas
questões.

Dessa forma, na década de 90, ainda com a preocupação centrada nestes aspectos, porém
com as análises e reflexões bem melhor sedimentadas, alguns autores tentam fazer avaliações
sobre a tecnologia de uma forma diferenciada das comumente realizadas até então20,
propondo uma participação ativa e uma apropriação das tendências culturais das múltiplas
comunidades para fazer frente ao quadro social atual e futuro. Nesta realidade da situação,
Waks argumenta que os educadores deverão agora alocar menos tempo e atenção à educação
geral e mais a projetos para situações de aprendizagem especificamente direcionadas, tais
como programas de meio ambiente e serviço comunitário. Em suma, ele 'esquece' a
responsabilidade jogada somente para a escola tradicional, pregando que a solução para que
enfrentemos as questões da tecnologia estaria nas organizações populares.

Talvez esta análise de Waks possa ser reforçada pelas afirmações de Gérard Valeduc21, ao
analisar as respostas concedidas pelo grande público ao ser inquirido sobre questões relativas
a tecnologia e sociedade. A resposta mais veemente dada por este público — escolhido ao
acaso dentro de todas as camadas da população — se relaciona com a importância do ensino
formal neste processo todo, colocado em último lugar frente a outros como jornais, revistas,
televisões, na ajuda dispensada para poder influenciar nos rumos da ciência e da tecnologia.

As respostas e posicionamentos estampados nessa pesquisa servem de alerta e podem ajudar


a devolver, ou reacender, na comunidade de professores uma responsabilidade que sempre foi
sua e que hoje, apesar dos novos desafios culturais, parece ter fugido da alçada da escola.
Esta cultura de descrédito em relação ao ensino formal sedimentada na sociedade, reforçada
nas afirmações de Waks e nas pesquisas de Valeduc, precisa, pois, ser trabalhada na escola
com mais firmeza. A tarefa é inerente ao trabalho dos professores, que poderão catalisar este
processo. Para isso, tem que ser quebrado o paradigma, que ainda impregna a mentalidade de
alguns professores, de que o assunto não é para a escola mas para a sociedade —
entendimento movido por uma definição equivocada de que ambas têm obrigações e
atribuições diferenciadas.

A questão cultural, no entanto, felizmente parece estar se modificando em face de inúmeras


novas situações colocadas à civilização moderna, mostrando que é a escola quem deve ter por
objetivo proporcionar uma introdução ao estudo das dimensões sociais da ciência e da
tecnologia. Esta iniciação, então, proporcionará mais condições para que, como argumenta
Waks e demonstram as pesquisas de Valeduc, a população tenha mais argumentos para
reivindicar sua participação nas análises públicas da utilização da ciência e da tecnologia.
Quem sabe com estas condições e com a vontade demonstrada pela população de ir em busca
desta participação22 efetiva — sem ser tomada de surpresa quando em contato com a ciência
e a tecnologia no mundo real — nas decisões que poderão influenciar o destino da evolução
humana, esta cultura estabelecida há tanto tempo comece finalmente a ser revertida.

3.4 AS FACES DA CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA

Para não tomarmos posições impensadas de supervalorizar ou não os pontos positivos ou


negativos, os efeitos e repercussões da ciência e da tecnologia no comportamento humano, é
importante que tenhamos claras as diferentes faces que elas assumem nas suas estreitas
relações com a vida cotidiana de todos nós. Os aparatos, máquinas ou instrumentos, produtos
da atividade cientí-fica, não são maus nem bons, nem positivos nem negativos em si mesmos.
Nem poderíamos tomar este caráter irracional em tal análise porque estaríamos sendo
animistas e inconseqüentes, atribuindo a uma construção do próprio homem um
comportamento que não lhe é pertinente. O que se pode e se deve analisar, no entanto, é o uso
que se faz destes aparatos, máquinas e processos que, aí sim, pode resultar negativo ou
positivo, bom ou mau para a vida humana.

É inegável a contribuição que a ciência e a tecnologia trouxeram nos últimos anos. Porém,
apesar desta constatação, não podemos confiar excessivamente nelas, tornando-nos cegos
pelos confortos que nos proporcionam cotidianamente seus aparatos e dispositivos técnicos.
Isso pode resultar perigoso porque, nesta anestesia que o deslumbramento da modernidade
tecnológica nos oferece, podemos nos esquecer que a ciência e a tecnologia incorporam
questões sociais, éticas e políticas.

É
É importante ter sempre presente que nem tudo que se pode fazer tecnicamente, deve-se fazer
moralmente. Estas preocupações, estas relações e as diferentes interpretações que criamos no
tocante aos verdadeiros fins da tecnologia e o seu caráter neutro, que muitos lhes querem
atribuir no sentido de afastá-las das questões de ordem social e política, têm sérias
repercussões na forma como os conhecimentos são construídos nas escolas. Constituem, por
isso, a abordagem buscada neste item.

Uma relação de desconhecimento, medo e ufanismo

O medo da técnica ou da tecnologia não é assunto novo. É só recorrer à história recente da


humanidade para perceber isso. A revolução causada pela introdução da imprensa, no século
XV, fruto de consideráveis melhorias num antigo processo chinês, é um exemplo. O 'invento' de
Gutenberg, em 1450, que proporcionou a disseminação de conhecimento numa velocidade até
então desconhecida e que deu novo dinamismo à cultura e à ciência, teve também os seus
percalços. Os copistas, que na época pacientemente reproduziam os livros letra por letra, num
instante perderam sua importância. Desta forma uma nova máquina substituiu vários
indivíduos. A introdução da máquina a vapor, com as melhorias estabelecidas numa também
antiga invenção, por James Watt, em 1764, é outro exemplo. Aliada ao tear mecânico
multifusos, a máquina a vapor criou condições para a revolução industrial, que sacudiu a
humanidade.

Os choques provocados por essas e por muitas outras novidades e acontecimentos


relacionados à tecnologia23 podem ajudar a compreender o que se passa na sociedade atual.

Avião a jato, forno de microondas, tomografia computadorizada, clonagem, internet,


microcirurgia a laser, cateterismo, telefone celular, pentium. Poderíamos listar uma série
infindável de novidades que nos estonteiam e nos apequenam diante da nossa ignorância.
Como funcionam, quem as criou, para que servem, para onde nos leva tudo isso? Se
compararmos muitas dessas novidades ao impacto da aparentemente simples introdução da
agricultura na sociedade humana, há cerca de dez mil anos, talvez quase todas sumam em
importância. Mas a sua contemporaneidade com a nossa vida particular é que deve majorar o
seu impacto, elevando a sua importância relativa.

Sugestão para encarar as novas tecnologias e trabalhar os seus impactos sem medos e sem
ufanismos: cautela, uma boa dose de reflexão de suas vantagens e limitações, e acima de tudo
uma contextualização das suas implicações. Se a revolução industrial causa problemas até
hoje sentidos — poluição, degra-dação ambiental, acumulação de capital, exploração de
trabalho humano — ela também permite confortos de que ninguém quer abdicar —
medicamento, televisão, carro, telefone, geladeira. Se a imprensa desempregou os monges
copistas, ela também permite hoje que cada aluno tenha o seu livro, que todos possam ler
jornais diariamente e que se montem bibliotecas em cada cidade ou em cada escola.

O tipo de posicionamento colocando a ciência e a tecnologia como isentas dos outros


acontecimentos da vida, ao qual este ensaio busca contrapor-se, que tem influenciado e
dirigido em certa escala os sistemas de ensino das escolas de engenharia, teve uma das suas
fontes de origem nos escritos de Bacon, no século XVI, onde ele dizia ter a ciência somente
bondade e neutralidade, inerentes ao próprio processo, e que qualquer mal que ela causasse
seria conseqüência de sua má utilização. Tal tradição seguiu ganhando adeptos e foi reforçada
por Galileu, na mesma época, que dizia não poder e não dever a ciência estar sujeita a
nenhuma limitação. Deveria ter o seu caminho livre e desinteressado. Os cientistas deveriam
ter o direito de buscar e praticar a verdade científica sem se preocuparem com suas possíveis
conseqüências sociais perturbadoras. Por isso ela foi sempre tratada de maneira asséptica e
completamente afastada de outras variáveis que não dissessem respeito exclusivamente aos
resultados empíricos que confirmassem ou não os seus estabelecimentos teóricos
eminentemente racionais.

A defesa intransigente de tal comportamento da ciência vinha acompanhando o


desenvolvimento científico, e encontrava um forte adepto em Descartes, que tinha a ambição
de converter o homem em dono e possuidor da natureza. Descartes, no entanto, apesar de
defender a não-interferência de elementos externos no fazer ciência, reforçava que o ideal do
cientista não poderia ser apenas especulativo, curioso e desinteressado. Deveria, sim, ser
ligado ao conjunto de desenvolvimento da hoje conhecida civilização ocidental, da exploração e
da colonização, da conquista militar e da indústria.

A interpretação de Descartes pode direcionar o pensamento de que, apesar da veemência com


que se estabelece a cultura do método cartesiano como decorrente de uma interpretação
eminentemente mecanicista da ciência, começa a surgir, tenuamente, a questão da
neutralidade científica imposta à sua utilização mas não ao seu fazer. Este aspecto parece ser,
dentro do que está estabelecido nos seus currículos, o mais sensato e possível de ser
trabalhado no ensino de engenharia.

Em decorrência das interpretações dúbias que praticamente sempre estiveram presentes


nestas questões desde a revolução científica, um novo episódio importante vem estampado no
conceito de progresso ligado umbilicalmente ao desenvolvimento científico, que surge no
projeto da 'Enciclopédia' de Diderot, por volta do século XVII. Nela se buscava recompilar todo
o conhecimento que existia disperso sobre a face da terra, dar a conhecer a sua estrutura geral
aos homens e, além disso, transmiti-lo àqueles que viriam depois. Continuava vivo na cultura
humana que o progresso era irreversível e que a ciência só poderia ser benéfica. No século XIX
surge novo reforço a esta afirmativa, agora através de Marx e outros pensadores que tiveram
relevância no desenvolvimento econômico e social (Revilla, Márquez e Stingl, 1993).

A revolução industrial, entre os anos 1750 e 1830, significou a grande expansão da tecnologia
e deu motivos para um conjunto de suposições em torno dela, fundamentalmente a crença de
que a ciência se traduz em tecnologia, a tecnologia modifica a indústria e a indústria regula o
mercado para produzir o benefício social. Esta concepção simplista, que poderíamos chamar
de concepção positivista da evolução humana, parece ter contribuído para que a análise da
neutralidade passasse com mais vigor da ciência para a tecnologia, por dois motivos: primeiro
porque sendo a tecnologia uma aplicação da ciência, esta análise abarcaria também as
questões científicas; a outra porque, em função de suas a-plicações diretas, a tecnologia
estava muito mais próxima dos resultados sociais.

Porém, a tese e as perguntas continuavam a ser as mesmas que permeavam a questão


científica: a tecnologia é neutra? A neutralidade só existe na sua criação? Como se comporta
esta neutralidade quando utilizamos a tecnologia?

Depois desta suposta transferência de análise sobre a neutralidade, num período


compreendido entre os anos 1830 e 1890 — conhecido como a etapa da prosperidade —
consolida-se de fato a vinculação do progresso com a tecnologia, principalmente ostentada
num fato de repercussão universal na época: a primeira Exposição Mundial Industrial24,
realizada na Inglaterra. A idéia de progresso tecnológico associado ao desenvolvimento
humano, a partir deste evento, tornou-se definitivamente um artigo de fé para a humanidade.

Anos mais tarde, na seqüência destes arroubos de ufanismo, a Corporação de Tecnologias


Unidas dos Estados Unidos dizia aos quatro cantos do mundo: “Eticamente a tecnologia é
neutra, não há nada bom nem mau inerentemente a ela. É simplesmente um instrumento, um
servente para ser refinado, dirigido e utilizado por pessoas para qualquer propósito que
queiram conseguir”.

É uma afirmação que reforça o discurso contemporâneo acerca da tecnologia como uma
ferramenta neutra facilmente manipulável para o uso humano (Gana, 1995).

A civilização ocidental continuava embalada por este 'canto da sereia', acreditando em tempos
de progresso desenfreado abarrotado de saldos positivos. Todas as eventuais conseqüências
negativas seriam corrigidas pela própria tecnologia. Afinal, como sua repercussão dependia
apenas da forma de utilização, parecia inconcebível que qualquer resultado não-positivo
pudesse decorrer dela.

O grande impacto, já realçado anteriormente, surgiria com uma atitude política que viria a
abalar o mundo. O homem usava um artefato tecnológico para produzir uma das maiores
catástrofes da história contemporânea. O domínio da natureza serviria para, através de uma
forma de energia acumulada, ceifar milhares de vidas com uma arma idealizada e construída
pelo próprio homem.

A questão ética, a neutralidade, a utilização, a vulnerabilidade da ciência e da tecnologia em


relação a questões políticas infames começam a colocar em xeque o velho chavão do
desenvolvimento humano associado linearmente ao conceito de progresso científico-
tecnológico. Estes aspectos fazem a sociedade começar a questionar o conceito de que o
progresso tecnológico é suficiente para o desenvolvimento humano. E, mais do que nunca,
estas indagações começam a fervilhar nas mentes, agora também, dos homens comuns. Não
ainda com a intensidade necessária, porque a população mais dependente da tecnologia
continuava vivendo das benesses que ela oferecia.

Por mais hedionda que a explosão atômica tenha sido, ela ficou longe da análise crítica do
cidadão, porque também foi defendida, e sempre com a maestria peculiar daqueles
interessados em assim fazê-lo, como importante e boa por ter contribuído para estancar um
dos maiores conflitos humanos, a Segunda Guerra Mundial. Além disso, justificava-se a
expansão do desenvolvimento atômico como fundamental para a geração de energia limpa e
não-poluente. Continuava quase inabalável a crença na tecnologia como instrumento
imprescindível de desenvolvimento humano.

No século XIX, quando a civilização estava embevecida com o advento das novidades
tecnológicas, julgava-se ser a ciência uma grande aventura para o espírito humano e, mais do
que isso, um meio para libertar o homem da escravidão. Certamente precisávamos dela da
forma como nos era posta. Hoje, porém, e com as incertezas e suspeitas quanto aos efeitos da
ciência e da tecnologia, a crise de confiança e identidade sentida dentro dos próprios círculos
científicos é notável. Talvez — e é importante pensar assim — este aspecto seja devido à maior
preocupação dos próprios cientistas em escrever sobre a ciência e suas aplicações. Seus
resultados começam a não mais ficar circunscritos a poucos entendidos que decidem seus
destinos. Estas novas percepções estampadas dentro dos grupos que trabalhavam a ciência e
a tecnologia faziam nascer diferentes colocações sobre a representatividade destas atividades
na vida humana.

Como decorrência destes aspectos, nos anos 60 se registravam frases de ufanismos em


relação à ciência e à tecnologia, como esta, devida a Alvin Weinberg — diretor do Oak Ridge
National Laboratory, Tennessee —, reproduzida no livro Para que serve a ciência:

“Quando a história olhar para o século XX, verá a ciência e a tecnologia como seu tema [...]
Verá nos monumentos da Big Science — os enormes foguetes, os aceleradores de alta
energia, os reatores de pesquisa de alto fluxo — símbolos da era, tão certamente quanto Notre
Dame o é da idade média” (Weinberg apud Dixon, 1973, p. 2).

Porém, nos anos 70 esta unanimidade já começava a fazer água, quando outros cientistas
vislumbravam algumas possibilidades emergentes de destruição ocasionadas pela utilização
indiscriminada da ciência e da tecnologia. Alguns livros e ensaios, publicados em revistas
especializadas, começavam a ser editados na ânsia de segurar um pouco este ufanismo
desenfreado que, inconscientemente, procurava fazer ver a todos uma ciência e uma
tecnologia dissociadas dos problemas sociais que poderiam causar. Frases bombásticas —
talvez de cunho muito alarmante, também — surgiam na outra ponta do debate estabelecido e
que Dixon fazia questão de citar para reforçar seus argumentos de discutir com mais
profundidade semelhantes assuntos, constantes do seu ensaio. Uma delas era atribuída ao Dr.
Desmond King-Hele, em sua publicação The end of the twentieth century, quando se
perguntava: “Será que a nossa civilização não se destruirá antes do ano 2000?” (King-Hele
apud Dixon, 1973).

Essa modificação veio ocorrendo com o cidadão comum desde aquela época, provocando uma
primeira mas ainda, no entanto, pequena alteração cultural, transformando os medos, os
desconhecimentos e as dúvidas em constante busca de esclarecimentos sobre o que a relação
entre a ciência, a tecnologia e a sociedade poderia significar em sua vida. Apesar da admiração
pelos efeitos da ciência e da tecnologia, a preocupação é agora muito mais aguçada com as
conseqüências negativas dos seus usos, tanto nas questões do meio ambiente, do domínio de
armas poderosíssimas, quanto em relação às questões sociais decorrentes da minoria
dominante de todos estes conhecimentos.

Técnica, ciência e tecnologia, uma relação confusa

Existem diferenças entre ciência, técnica e tecnologia? Parece que responder diretamente a
esta pergunta é cair no reducionismo e não acrescenta muito em termos de interpretação de
sua evolução ao longo do desenvolvimento social. Mas, ao contrário, discutir diferenças e
separações se revestem de uma importância conceitual para além da semântica e que pode
mudar alguns posicionamentos em relação às suas abordagens no ensino tecnológico, tanto de
ordem sociológica quanto de ordem epistemológica. Uma reflexão é buscada neste item, com o
intuito de tentar mapear as repercussões sociológicas que tais posicionamentos ocasionam,
deixando a questão epistemológica para uma análise conjunta com os aspectos didáticos
contemplados no capítulo 6.

Pode-se dizer que nestas diferenças vem embutida a questão da neutralidade que elas
arrastam, quanto aos seus usos e aplicações, e que tanto confunde o posicionamento das
pessoas em relação a este aspecto. Essa confusão sobre a neutralidade é tão evidente que,
em diversas situações, cria nas pessoas um padrão equivocado de comportamento para
aqueles que trabalham, ou pretendem trabalhar, com a ciência e a tecnologia. O estereótipo
construído nesta perspectiva aponta que, para trabalhá-las com maior sucesso, o cientista ou
tecnólogo deve estar afastado das questões do comportamento humano.

Como ilustração desta constatação, a afirmação proferida por um jovem universitário de


graduação em área não tecnológica reflete bem a opinião do senso comum sobre a questão da
neutralidade da ciência e da tecnologia em relação ao comportamento de quem com elas
trabalha. Dizia ele, em linhas gerais, ao ser inquirido sobre um problema decorrente do sistema
de abastecimento de água de sua cidade: ‘Não sei responder sobre este assunto porque isto
não diz respeito a mim. É um assunto estritamente da alçada dos engenheiros responsáveis.
Ademais, mesmo que eu quisesse, quem sabe um dia, lidar com a tecnologia, não poderia
fazê-lo, pois sou uma pessoa muito sensível, emotiva até, e não poderia opinar sobre a sua
utilização pelo fato de não conseguir me manter neutro’.

Na procura de alguma informação para esta intrincada questão, se partirmos para uma revisão
nas definições clássicas acerca da técnica, parece que não existe diferença alguma entre ela e
a tecnologia. Elas sempre foram identificadas com utensílios, ferramentas, instrumentos e
máquinas. Mas, numa visão mais aprofundada, a técnica sempre é trazida para análise através
das transformações consecutivas dos diferentes artefatos utilizados pelo homem com o sentido
estrito de ferramenta. Sempre se refletiu uma explicação de técnica na história do homem
através de sua aplicação eminentemente instrumental. Ela vem sendo entendida como a arte,
produção e manutenção de instrumentos e, na maioria das vezes, para não dizer na sua
totalidade, nesse entendimento sempre procurou não levar em consideração as inter-relações
dentro do entorno que abrange o sistema e o ser humano. Suas definições e estudos excluem
o fator cultural, social e o meio ambiente desta técnica. A bibliografia sobre este tema, na
grande maioria de suas interpretações, tem trazido este posicionamento, apesar de atribuir à
técnica inúmeros desenvolvimentos sociais na história humana25.

A história da técnica é a história das grandes transformações dos artefatos caracterizadas em


dois tipos de mudanças: em primeiro nível, as mudanças que provocam alterações nos
artefatos e nos processos; e, em segundo nível, as mudanças na estrutura e na organização
social.

É importante notar que, apesar das mudanças sociais, os registros históricos procuram ser
enfáticos em querer mostrar que estas revoluções aconteceram independentemente das
repercussões e conseqüências sociais advindas da adoção das técnicas. Grande parte destes
registros enfatizam que as revoluções aconteceram estritamente em decorrência de um
movimento puramente material. Até por isso as dificuldades de interpretação surgem. E
quando, na busca de uma saída para este tipo de análise, os fundamentos se prendem a uma
separação que se supõe existir entre técnica e tecnologia, algumas afirmações26 de filósofos
da ciência fazem reacender a discussão da autonomia e neutralidade da técnica que é tida
como uma entidade sujeita à sua própria dinâmica interna de desenvolvimento alheia a
qualquer tipo de intervenção social. Estas independências de desenvolvimentos, baseadas
nestas declarações, então voltam a se comprometer.

Diante desse impasse pode-se tomar dois posicionamentos: revisar a noção tradicional da
técnica, reformular as perguntas fundamentais em matéria de seu desenvolvimento e, por
conseguinte, examinar o conjunto mais amplo que a técnica poderia fazer em termos de
contexto, seu entorno, seus riscos, impactos, vantagens, desvantagens e as modificações na
organização e no meio ambiente do homem; ou então estabelecer de pronto diferenças
marcantes entre técnica e tecnologia para fazer frente à atual diversidade do fenômeno
tecnológico, posicionando o domínio da técnica realmente em um nível de menor relevância27.

Gana, neste direcionamento, efetivamente estabelece algumas diferenças entre a técnica e a


tecnologia em função dos métodos e meios utilizados para realizar as modificações no entorno
que pode clarear esta questão. Diz ela que estas diferenças têm relação com o tipo de
conhecimento empregado, a metodologia estabelecida, o alcance, risco e impacto da prática
utilizada, o tipo de propagação, os requerimentos de sua implementação, os avanços,
vantagens e desvantagens e as mudanças sócio-culturais.

Em outras palavras, e até com a finalidade de uma separação de ordem metodológica, pode-se
dizer que a esfera de ação da técnica é mais reduzida e se posiciona em um nível de menor
complexidade em relação à tecnologia. Mas, apesar desta limitação, continua difícil uma
definição precisa, agora para o termo tecnologia28. No entanto, dentro da coerência que
procura este trabalho e assumindo como fundamental este posicionamento para a linha de
atuação adotada nesta tese, quando o termo tecnologia for utilizado ele o estará sendo no
seguinte sentido: “É uma parte do conhecimento humano que trata da criação e uso de meios
técnicos e suas inter-relações com a vida, sociedade e seu entorno, recorrendo a recursos tais
como as artes industriais, engenharia, ciência aplicada e ciência pura”. 29

Para ampliar o escopo deste entendimento do que tecnologia representa nesta abordagem,
novamente alguns tópicos do resumo que Gana realiza podem ser utilizados.

A tecnologia simboliza uma grande complexidade e qualquer intento por defini-la deveria
considerar que:

a. a tecnologia tem relação com a ciência, com a técnica e com a sociedade;


b. a tecnologia integra elementos materiais — ferramentas, máquinas, equipamentos
— e não-materiais — saber fazer, conhecimentos, informações, organização,
comunicação e relações interpessoais;
c. a tecnologia tem relações com fatores econômicos, políticos e culturais;
d. a evolução da tecnologia é inseparável das estruturas sociais e econômicas de
uma determinada sociedade.

Posto isso, o objetivo que se persegue neste tratamento da tecnologia é a evolução: a evolução
do ser humano. Fica claro que neste intento não se pode assumir a imagem de uma tecnologia
neutra e objetiva como fundamento e legitimação do desenvolvimento tecnológico. Pode-se até
admitir a existência e assunção, por parte de muitas pessoas, do ‘sonambulismo tecnológico’,
mas o mais importante é, paralelo a isto, e principalmente, também admitir que é possível
assumir um posicionamento crítico e reflexivo e passar a viver, dentro destes novos
parâmetros, com as mais diferentes alternativas sócio-técnicas.

Na tentativa de lidar com os confusos entendimentos da ciência, da técnica e da tecnologia, e


tendo cada vez mais claro que o tratamento sociológico da neutralidade é fator fundamental
para estabelecer os critérios de sua utilização junto à sociedade durante os últimos vinte anos,
os especialistas, os professores, os cientistas e os encarregados da gestão pública têm
reconhecido, na sua grande maioria, de forma crescente, que a ciência e a tecnologia — a
partir de agora estaremos utilizando apenas a palavra tecnologia tendo em conta as
diferenciações estabelecidas com a técnica nos itens anteriores — são processos sociais
carregados de valores. Nem a ciência e muito menos a tecnologia são empreendimentos
autônomos com vida própria, nem tampouco são instrumentos neutros que possam ser
facilmente modificados e utilizados para as necessidades ou interesses de plantão. São, na
realidade, complexos empreendimentos que têm lugar em contextos específicos configurados,
e por sua vez configuradores de valores humanos que se refletem nas instituições culturais,
políticas e econômicas. O interesse criado por parte dos consumidores, dos empresários, dos
governos, dos banqueiros, define os problemas e estabelece os parâmetros em que se deverão
buscar os resultados aceitáveis. Simultaneamente, a ciência e a tecnologia afetam a
configuração e a definição de valores e instituições, de forma que a relação é dinâmica, de
constantes e complexas relações recursivas (Sutcliff apud Medina & Sanmartín, 1990).
Teríamos que ser muito ingênuos para pensar que a aplicação e a produção da ciência e da
tecnologia se conformam como algo neutro.

Winner nos adverte sobre este ponto de vista, em certas situações definidor de um novo
comportamento social, quando novas e surpreendentes tecnologias são postas em uso:

“ [...] já temos começado a advertir sobre outro ponto de vista do desenvolvimento tecnológico,
que transcende os defeitos empíricos e morais dos modelos de causa e efeito. Inicia-se com o
reconhecimento de que, à medida que as tecnologias são construídas e postas em uso, já se
está produzindo alterações significativas nos padrões da atividade humana e das instituições
humanas. Estão sendo criados novos mundos. Não há nada de ‘secundário’ neste fenômeno.
De fato, é a conquista mais importante de qualquer nova tecnologia. A construção de um
sistema tecnológico que envolve seres humanos como parte de seu funcionamento requer uma
reconstrução dos papéis e das relações sociais. Muitas vezes isto é resultado das exigências
operativas próprias de um novo sistema: simplesmente não funcionam a menos que se
modifique a conduta para adaptar-se à sua forma e processo. Daí que somente o ato de utilizar
as classes de máquinas, técnicas e sistemas disponíveis gera modelos de atividades e
expectativas que logo se convertem em ‘instintivos’. É certo que ‘usamos’ os telefones, os
automóveis, a luz elétrica e os computadores no sentido convencional de tomá-los e logo deixá-
los. Mas nosso mundo logo se converte em um sistema no qual a telefonia, os automóveis, a
luz elétrica e os computadores são formas de vida no sentido mais poderoso: a vida seria
quase impensável sem eles” (Winner, 1987, p. 27).

Trabalhar a neutralidade ou a não-neutralidade da tecnologia na sociedade e, mais


especificamente na escola, passa a ser então uma questão de valores30.

E esta análise sociológica reveste-se de fundamental importância porque ela pode deixar clara
uma diferenciação importante na geração das novas tecnologias. Não se pretende, de forma
acrítica, limitar sua criação e sim, através destas reflexões, poder interferir na pertinência e
necessidades desta criação. Elas constituem duas coisas bem diferentes e por isso devem ser
tratadas de forma diversa. Quando se advoga o fato de dar-se oportunidade ao cidadão comum
para que ele entenda o discurso científico, defende-se enfaticamente a disponibilização de
condições para que ele possa discutir os rumos da ciência e da tecnologia como fator
importante na sua própria forma de vida. Este tipo de posicionamento promove a quebra de um
pensamento equivocado de que o fazer e entender estes ‘intrincados’ caminhos da ciência e da
tecnologia são de interesse apenas dos profissionais, parecendo ser deles também a definição
dos tipos de uso que poderão ser observados pela sociedade.

Estes questionamentos apresentam um importante desafio para todas as áreas de


conhecimento das quais as ciências sociais e as humanidades obrigatoriamente precisam fazer
parte. De fato, existe uma grande quantidade de historiadores, antropólogos, sociólogos,
psicólogos e também toda a espécie de artistas cujo trabalho ilumina diversas dimensões
humanas da tecnologia descuidadas por muito tempo. Reforça-se aqui, no entanto, que com
estas noções de ‘neutralidade’ e convictos de que a tecnologia é realmente um constructo
social, os engenheiros e outros profissionais técnicos, quando tiverem coragem suficiente para
ir mais além das categorias intransigentes de sua capacitação, terão muito mais a contribuir
para o desenvolvimento social e humano.

3.5 CIÊNCIA E TECNOLOGIA ATRAVÉS DOS TEMPOS

A ciência é um determinado tipo de conhecimento, porém não é o único. É um conhecimento


que busca leis explicativas gerais estabelecendo conexões entre fatos e fenômenos. Existe, há
muito tempo, como uma importante atividade humana. Desde os babilônios, os egípcios e
outros povos mais antigos era desenvolvida por curiosidade mas, a partir desta curiosidade, foi
gerando muitos resultados importantes até hoje utilizados pelo homem. Na Grécia e em alguns
outros povos na época clássica, a ciência surgiu em convivência paralela e estreita com a
filosofia31.

Apesar de todas as interpretações, que por motivos diversos na área de conhecimento


tecnológico são muitas vezes levadas a extremos, geralmente, tanto a ciência quanto a filosofia
são, em suas origens, a mesma coisa: a busca da racionalização do mundo e a tentativa da
eliminação do mito.

Ao longo de toda a história existiram pessoas, além dos gregos, que assumiram conjuntamente
entre as suas prioridades de estudos tanto a filosofia quanto a ciência, desenvolvendo, com
isso, capacidades de análise e reflexão extremamente acuradas. Entre eles poderíamos citar
os mais famosos da antigüidade representados nos nomes de Tales, Pitágoras, Platão, Epicuro,
entre outros.

A ciência sempre se constituiu numa atividade extremamente importante no desenvolvimento


da história. No entanto, apesar de todas as evidências desta importância para a civilização, até
o século XVII a ciência teve pouca relevância para a vida humana. Ela efetivamente se
implantou como saber e conhecimento e, no conceito dominante na época, capaz de
transformar a natureza e influenciar as reflexões dos homens, através de Galileu. Nesta
perspectiva, a ciência, desde os finais do século XVIII, tem se convertido em fator determinante
para o desenvolvimento e comportamento da sociedade contemporânea.

Nesta evolução é necessário fazer referência aos séculos XVI e XVII com a chamada
'Revolução Científica', em que aparece a ciência moderna proporcionando uma mudança
radical na forma de conceber seu comportamento e estrutura. Produz-se, então, talvez a maior
revolução num conceito já estabelecido pelo ser humano. A física se opõe à ciência grega que
dizia ser a Terra o centro do Universo. O modelo geocêntrico dá lugar ao modelo heliocêntrico,
abalando estruturas, costumes e convicções. Começa a se estabelecer, mesmo que não
admitida explicitamente, a dependência do comportamento humano aos desenvolvimentos
científicos e às suas interpretações.

Newton, ao utilizar as contribuições de Copérnico, Kepler e Galileu, parte para uma


sistematização de todos estes conhecimentos e conceitos, consolidando com isso a física
clássica e, por decorrência, estabelecendo o despertar de uma nova ciência.

De uma rápida descrição das origens da ciência e da tecnologia, dentro de diferentes


contextos, é essencial, para justificativa desta análise reflexiva, que se faça claramente uma
diferenciação dos procedimentos, digamos, desde a época medieval até a atual, para que se
possa defender enfaticamente as diferentes formas de abordagens que se deve assumir para
processar as reflexões sobre a sua influência nos homens e nas relações sociais.

Na era medieval, a física e as heranças da ciência grega dominavam as reflexões da época.


Naquele tempo era uma ciência qualitativa e não quantitativa, em função de uma demanda que
assim permitia. Hoje, com a ciência moderna — que gerou uma tecnologia assombrosa e que
constantemente se vê frente à responsabilidade de descrever relações entre fenômenos
quantificáveis, comprovar a regularidade de suas aparições e, ainda como decorrência de uma
nova ordem sociológica, decifrar as repercussões destes fenômenos na dinâmica do meio
ambiente e as conseqüências destas criações no desenvolvimento do ser humano — parece
que o método, as abordagens e as interpretações precisam mudar. Tanto na forma de fazer a
ciência e a tecnologia, quanto na forma de trabalhá-las no processo educacional.

A ciência e sua metodologia

Para justificar uma alteração que deva acontecer na forma de trabalhar a ciência e a tecnologia,
é fundamental saber como elas se comportaram e se comportam através de suas diferentes
abordagens e interpretações.
A atitude científica não é uma atitude espontânea. O modo de ver, a maneira de olhar e o
cuidado em vigilar o que acontece em seu entorno, por parte do cientista, se processa de forma
diversa da do homem do cotidiano que, por força de expressão, podemos chamar aqui de
'homem normal'. E mais ainda. A maneira de olhar do cientista, quando ele está imbuído desta
atividade, é até mesmo diferente daquela que ele possui no seu viver habitual. Pode-se
descrever um mesmo objeto com diferentes atitudes a partir de diferentes perspectivas. A
maneira 'científica' de ver o mundo supõe um esforço mental que se conhece por racional, e
atribui-se esta atitude científica como fruto de uma conquista histórica do homem ao longo dos
tempos.

A necessidade que se estabeleceu no homem para que ele conhecesse o mundo para nele
orientar-se, para nele viver, para tentar dominá-lo ou simplesmente para saber acerca dele, fez
com que as perguntas, os problemas, os fenômenos ganhassem relevância ímpar e, acima de
tudo, um estudo metódico de modo que sobre eles não pairassem dúvidas e merecessem
crenças seguras. Nasce o método científico como a chave para desvendar os segredos e
proporcionar a crença inabalável na ciência. Com ele se determina o que são verdadeiramente
as coisas e se procura a liberdade do homem através do conhecimento da realidade tal como
se apresenta. Esta foi sempre a aspiração do método científico. Ele sempre se destacou do
senso comum que procedia de uma atitude natural para se impor com sua racionalidade
através da 'infalível' atitude científica. A grande diferença, em tese, que se estabelece entre o
saber comum e o científico não está no conteúdo, na matéria ou na natureza, e sim na
organização, na sistematicidade; em suma, no método. Dentro desta ótica, o saber comum é a
acumulação imperfeita e incompleta de conhecimentos, enquanto a ciência se reconhece pela
contundência em tornar a natureza explícita por meio da elaboração de um sistema completo e
coerente de enunciados com suas explicações perfeitamente construídas e repletas de
'verdades'.

Ao longo de todo este processo de afirmação como conhecimento e, em certas ocasiões, pela
postura inflexível das pessoas que com ela trabalhavam como doutrina, a ciência recebeu
inúmeras classificações de acordo com sua utilização e pertinência. Uma delas é a distinção
entre ciências empíricas e formais. As empíricas são aquelas cujos enunciados se referem a
fatos, afirmando ou negando algo que acontece no mundo. As formais32 são aquelas cujos
enunciados não se referem a fatos, não afirmam e nem negam o que sucede no mundo e
portanto carecem de conteúdo factual. Elas se ocupam das relações entre elementos, sejam
estes o que sejam, existam ou não existam. No seu desenvolvimento e aplicação são utilizados
símbolos vazios de conteúdo, com os quais se realizam inúmeras operações de regras rígidas;
suas linguagens são próprias e servem de ferramentas imprescindíveis para o saber científico.

Na busca do domínio de todas estas possibilidades de verificações, verdades e outros


preceitos supostos da ciência, o homem sempre procurou o ‘melhor’ método. Dentre eles se
destacaram dois mais gerais: a indução e a dedução. Foram utilizados habitualmente como
forma de pensar e raciocinar e, trabalhados com rigor, constituem instrumentos indispensáveis
do fazer científico. Nas ciências naturais onde, a priori, devemos domar a natureza para colocá-
la a serviço do homem, combinam-se a indução e a dedução, fazendo nascer o método
hipotético-dedutivo33. Este método, que consta de uma série de passos34, vai desembocar
numa lei que, quando sistematizada, organiza-se estruturalmente, fazendo nascer as teorias.

Desta forma a ciência, com suas análises internalistas, foi se impondo, e poucas vezes, apesar
de suas contradições históricas, foi analisada de outra forma que não para supervalorizar seus
feitos e repercussões.

Em paralelo às ciências naturais surgem as ciências humanas, que procuram seguir o mesmo
modelo na psicologia, na sociologia, na economia e outras. São os dois tipos de ciência que se
unificam pelo método que utilizam. No decorrer do tempo se cria uma aproximação entre
ambas, e as dificuldades impostas às ciências humanas, por parte de um método linear e
inflexível, tende a estabelecer perguntas que, inapelavelmente, começam a atingir também as
ciências naturais.

Os fatos humanos se mostravam não tão fáceis de serem explicados como o podiam ser os
fenômenos da natureza. Não é a mesma coisa um fenômeno natural e um fato humano. É
necessário distinguir nestas diferenciações o 'explicar' e o 'compreender'. Parece que começam
a surgir aqui os primeiros respingos que poderão alterar a forma direcionada e não-reflexiva de
ver um método como absoluto na sua aplicação.

O entendimento de que não basta a aplicação simples de um método, como o hipotético-


dedutivo, por exemplo, nas ciências humanas, por enquanto faz surgir a necessidade de, em
paralelo, adotar-se o método hermenêutico, que tem a função de lidar com a interpretação para
o entendimento da ciência. Nesta perspectiva, parece estar hoje superada a forte dicotomia
entre explicação pura ou entendimento puro predominante no início do atual século. Já se
aceita, permitindo a mudança que me parece imprescindível, a presença de fundamentos
compreensivos nas atividades explicativas, assim como a necessidade da intervenção da
explicação na própria compreensão.

Estas importantes mudanças que começam a se processar no comportamento das ciências


têm repercussões diretas também nos processos de aprendizagem.

Uma nova atitude

O fato de que as ciências, tanto as naturais quanto as humanas, precisavam mais do que
métodos internalistas, que pareciam alheios a outros acontecimentos que poderiam influenciar
seus resultados para análises mais completas de seus funcionamentos, começava a ganhar
contornos bem definidos. A partir destas evidências tende-se a dar destaque aos elementos
contextuais, à história — principalmente a externa à ciência. Isto acontece com maior ênfase
em tempos mais recentes, a partir dos anos 60, com a presença constante dos elementos
históricos, contextuais ou compreensivos dentro da atividade científica.

Tornava-se lugar-comum, nas teorias que buscavam explicar o desenvolvimento da ciência, o


rechaço ao positivismo ou ao empirismo lógico35. O rechaço é contundente também nas suas
teses fundamentais, dentre as quais se destacam a existência de uma base empírica
teoricamente neutra, a importância exclusiva de contexto de justificação e também o caráter
cumulativo do desenvolvimento científico. Surge a partir disso um confronto com os positivistas
lógicos, pois estas novas teses passam a gerar uma imagem da ciência que não corresponde à
visão da ciência clássica dominante até o início do século XX. Para os empiricistas lógicos o
desenvolvimento da ciência se explica unicamente pela expansão de velhas teorias em outras.
Somente isso.

A contribuição de novos pensamentos

Esta revolução e borbulhamento na ciência fez surgir novas propostas teóricas que vieram à luz
nos anos 70, sob a influência incontestável do modelo kuhniano, mas também, e com
importantes contribuições, sob as mais diferentes abordagens de diversos outros autores36.

Segundo Agazzi (1996), o momento de nascimento desta concepção — sociológica — pode ser
situado com a publicação, em 1962, da obra de Thomas Kuhn37 A estrutura das revoluções
científicas, que rapidamente suscitou amplos debates ao contrastar categoricamente a
epistemologia do empirismo lógico e os pensamentos popperianos. Após a publicação desta
obra, tiveram início os debates entre kuhnianos e popperianos durante quase toda a extensão
dos anos 70 que vieram, mais tarde, a gerar o desenvolvimento das epistemologias de Lakatos
e Feyerabend.

Nestes debates epistemológicos surgiram as conseqüências do fato de se afirmar uma


dependência demasiado forte da ciência com respeito ao contexto social: relativismo radical,
anti-realismo, desaparecimento da noção de verdade e do conceito fechado de objetividade
científica. Além disso se torna evidente a dissolução dos critérios rígidos para estabelecer uma
preferência somente de uma teoria em relação a outra, incluindo neste terreno a forma de
conhecimento referente às pseudociências38.

Destas propostas mescladas pode ser enumerada uma série de teses que estes autores mais
ou menos compartem e que nos oferecem uma visão da ciência — talvez aqui já se possa
também incluir a tecnologia — que pode ser chamada de 'pós-empírica' (Ayarzagüena et al.,
1996):

a. A história da ciência é a principal fonte de informação para construir e colocar à


prova os modelos sobre a ciência; diante das análises lógicas adquirem
importância os desenvolvimentos históricos na compreensão do conhecimento
científico.
b. Não há uma única maneira de organizar conceitualmente a experiência; todos os
fatos da ciência estão carregados de teoria.
c. As teorias científicas se constroem e evoluem sempre dentro de marcos
conceituais mais amplos, são autênticos pressupostos que estabelecem 'uma
maneira de ver'. Recebem diferentes nomes segundo os mais variados autores,
como por exemplo: paradigmas, programas de investigação, teorias globais.
d. Os marcos conceituais mudam, e, por isso, buscam-se marcos os mais profundos
e duradouros possíveis.
e. A ciência não é um empreendimento totalmente autônomo.
f. O desenvolvimento da ciência não é linear e nem cumulativo.
g. A racionalidade da ciência não pode ser determinada a priori.
h. Os modelos de desenvolvimento científico não têm uma base neutra de
contrastação.

Para a continuidade desta análise, de trocas na abordagem da ciência a partir destes fatos, é
necessário que estabeleçamos mais algumas referências em relação aos modelos
desenvolvidos por Kuhn. No seu livro A estrutura das revoluções científicas39, ele marca um
ponto de partida tanto de uma nova imagem da ciência como de uma nova maneira de fazer
filosofia da ciência. Expõe, a partir de agora, uma concepção global alternativa à forma
tradicional de trabalhar a ciência. O modelo kuhniano estabelece uma série de etapas no
desenvolvimento de uma disciplina científica. Começa com uma etapa pré-paradigmática
criando corpo e consistência para depois, quando o campo de investigação se agrupa sob um
conjunto de conceitos básicos estabelecidos, nos colocar frente a um paradigma, o qual se
converte na base de toda a investigação que se processará neste campo de conhecimento.

O consenso acerca de um paradigma marca o início do que se conhece, na teoria de Kuhn,


como ciência normal. O paradigma vai então se articulando e se aperfeiçoando através do
trabalho rotineiro dos cientistas. O desenvolvimento da investigação na etapa da ciência
normal, por mais padronizada que possa ser, leva ao descobrimento de certas anomalias que
resistem a ser resolvidas mediante o uso do paradigma. Este fato leva a pensar que alguma
coisa está precisando ser alterada no paradigma porque ele não oferece mais capacidade de
solução através da aplicação simples da ciência dita normal. Ele passa então a entrar no
campo chamado de crise do paradigma, começando pelo que conhecemos por 'ciência
extraordinária', e passa a provocar a possibilidade de uma revolução científica. Esta ciência
extraordinária estará em ação enquanto algumas atividades se desenvolvem na busca de
caminhos alternativos, buscando resolver esta crise que surgiu dentro do paradigma. Esta crise
cessará se:

a. o paradigma posto em questão consegue se impor, ainda, e resolve as anomalias


em questão;
b. para a resolução das anomalias é obrigatório o surgimento de novas perspectivas
de solução a partir de um paradigma alternativo que, em função disso, começa a
ganhar novo consenso dentro da comunidade de especialistas. Estas mudanças
de paradigmas são chamadas, então, de 'Revoluções Científicas'.

O fato marcante da teoria de Kuhn que ajuda significativamente nesta análise e na defesa das
minhas posições é que ela permite abordar a ciência e a tecnologia de forma alternativa à
clássica estabelecida durante séculos, pois ela ataca os modelos confirmacionistas e a noção
de racionalidade que pressupõe.

A troca de paradigma é de fato uma revolução. Não uma revolução que possa ser resolvida
pela aplicação simples de um algoritmo neutro. Ele é enfático em afirmar que as anomalias não
se resolvem mediante a lógica ou a experiência isenta de todos os outros fatores 'externos' de
seu funcionamento. Ele rompe com a lógica dos empiricistas puros. Seu enfoque promove uma
mudança radical na noção de racionalidade científica. Sua teoria importa em certo relativismo.
As normas não são mais tão rígidas no tratamento da ciência. As mudanças científicas, ainda
que permaneçam racionais, não arrastam consigo princípios absolutos de racionalidade nos
marcos conceituais. Nenhum componente do empreendimento científico é imutável ou
absoluto. Em resumo, tudo na ciência está sujeito a alterações.

A compreensão de ciência que nos foi legada após as análises de Kuhn se apresenta bastante
diversa daquela dos princípios do século, que ainda, por incrível que pareça, é abordada nas
escolas de engenharia, relevando a importância ímpar do método hipotético-dedutivo. Segundo
estas análises, a compreensão da mudança científica tem de se realizar, inexoravelmente,
tendo-se em conta os pressupostos básicos dentro dos quais se desenvolvem as atividades
científicas. Porém, a partir de agora tende-se a pensar no caráter não-monolítico dos marcos
conceituais. Na avaliação de qualquer teoria científica tem-se de levar conta mais fatores do
que somente a evidência empírica. A partir deste marco, a avaliação e a construção da ciência
e da tecnologia passam a ser questões basicamente comparativas.

Uma função importante nos currículos

Em decorrência de todos os aspectos surgidos pelas mudanças conceituais dentro do


tratamento da ciência com suas diferentes abordagens, pode-se dizer que a partir de então a
ciência é uma atividade social, estando sujeita a mudanças estruturais, variações e, sem dúvida
alguma, permanecendo atrelada a uma infinidade de outros interesses. Segundo Ayarzagüena
et al. (1996), a construção social da ciência abarca uma ideologia que pode ser vista dentro de
três funções principais que servem de subsídios para sua futura compreensão dentro dos
processos de ensino:

a) 'Representação' do mundo — repetimos que queiramos ou não vivemos numa sociedade


científico-tecnológica —; a ciência é um dos elementos que nos definem como projeto social.

b) 'Legitimação' — neste mundo contemporâneo só se legitima o que passa pelo crivo


'científico' —; a ciência avaliza e se converte na única forma de 'dar razão' às coisas. Nos dias
atuais se confunde racionalidade científica com racionalidade e, acima de tudo, conhecimento
com conhecimento científico.

c) 'Encobrimento'. Chegamos a pensar, em muitas situações, que a única solução para os


problemas está na ciência. Esquecemos — ou nos fazem esquecer — que nem todos os
problemas são de caráter científico-tecnológico. Em suma, precisamos trabalhar o fato de que
mais ciência, mais técnica, não significa, necessariamente, 'vida melhor para todos'.

Este tripé, presente no jogo de interesses nos currículos, das escolas, das instituições, em
suma dentro da sociedade, possui conteúdo ideológico suficiente para justificar o
desenvolvimento de estudos em ciência, tecnologia e sociedade e, acima de tudo, a busca da
implantação de uma filosofia que nos permita tratar das questões da sociedade sem a
idealização de uma ferramenta mágica para pronta solução de todos os nossos problemas.

3.6 A NECESSIDADE DE UMA NOVA FILOSOFIA

É mais do que razoável supor que uma sociedade plenamente comprometida com a fabricação
de realidades artificiais que impõem dúvidas, medos e ufanismos pense com bastante
intensidade na natureza de tal compromisso. Seria mais do que lógico e natural pensar, por
exemplo, que uma filosofia da tecnologia pudesse aflorar exuberante dentro de uma escola de
engenharia, ge-rando discussões e debates entre professores, estudantes e todas as outras
pessoas que formam a comunidade acadêmica. A tese da dependência social da ciência e da
tecnologia vem ganhando adeptos e adquirindo uma presença cada vez mais forte, empurrando
as instituições que trabalham com estas áreas a buscar subsídios nos campos sociológicos e
epistemológicos que possam ajudar a desvendar e a resolver algumas pendências que
influenciam sobremaneira o aprendizado nas escolas de engenharia.
A filosofia da tecnologia, como a devemos entender, deve surgir como uma tentativa de
procurar respostas a alguns dos principais problemas de nossa época. Estes problemas têm a
sua origem nos impactos do fazer científico-tecnológico no âmbito da questão ecológica e da
questão social e cultural, pois a racionalidade científico-tecnológica nos conduz a mudanças e
crises, inclusive na forma de compreendermos a nós mesmos.

Esta filosofia, como todas as demais, vive e necessita de uma ampla interdisciplinaridade. Deve
elaborar suas reflexões a partir das experiências tecnológicas que constantemente vêm
alterando nossa visão de mundo. Este é um predicado importante, mas não o único. Ela deve
tratar, na realidade, de muitos outros temas, entre os quais pode-se enumerar: a busca de uma
definição clara do que seja tecnologia e o que realmente representa para o bem-estar do ser
humano; o estudo da vinculação entre progresso social e progresso tecnológico, envolvendo
todos os seus questionamentos e dúvidas; análises sobre as complexas relações entre a
ciência e a tecnologia; o questionamento e a elaboração de critérios de comportamento sobre a
problemática ética que comportam a ciência e a tecnologia dentro do seu entorno sócio-cultural.
A filosofia da tecnologia deve carregar consigo uma função crítica permanente, para estar
constantemente em sintonia com as novas imagens do homem que a ciência e a tecnologia
promovem dentro das estruturas sociais.

Com toda esta evidência, aqui restrita às escolas de engenharia mas certamente válida para
toda a sociedade, os problemas deveriam estar bem definidos, merecedores de profundos
estudos e alvo de investigações. Mas não é isso que acontece. Winner é taxativo ao afirmar
que, nesta época avançada no desenvolvimento de nossa civilização industrial-tecnológica, a
observação mais exata que se poderia fazer com respeito à filosofia da tecnologia é que na
realidade ela não existe40.

Para ele, a tarefa fundamental da filosofia tecnológica consiste em examinar, de forma crítica, a
natureza e o significado das ajudas artificiais para a atividade humana. Este é o terreno
adequado de investigação que deveria advir da filosofia da ciência. No entanto, continua ele, se
recorrermos aos escritos dos filósofos do século XX, nos surpreenderemos ao descobrir a
pouca atenção que se tem dado a perguntas desta natureza.

Na verdade, parece ser um pouco extremada a posição de Winner ao afirmar que não existe
nenhuma bibliografia ou escritos que comecem a tratar com rigor deste tema. Muitos
autores41vêm abordando com profundidade tal assunto, juntando para estes estudos as
questões da condição humana, através dos enfoques da epistemologia, da metafísica, da
estética, da ética, das leis. A ciência, a tecnologia e a sociedade tornam-se cada vez mais
importantes como tópicos dignos de investigação na busca de uma filosofia tecnológica.

Existem, indubitavelmente, inúmeras questões que merecem ainda muitas investigações.


Algumas de caráter conceitual que podem interferir, inclusive, na forma de abordar estes
estudos. Uma delas diz respeito ao fato de que na filosofia atual ainda continua a existir uma
ambigüidade no uso dos termos 'técnica', 'tecnologia' e 'ciência', embora esteja se
generalizando a idéia de utilizar 'técnica' como um termo genérico e 'tecnologia' para referir-se
às técnicas industriais com base na ciência e no entorno social, como já discutido.

Tradicionalmente, a relação entre ciência e a tecnologia tem sido: a ciência faz as descobertas
e a tecnologia as aplica. Então, dizem alguns, é como se a ciência fosse a teoria e a tecnologia
a sua aplicação. Muitos afirmam que seria importante que houvesse uma relação contínua
entre a ciência e a tecnologia. Seria perfeito, na visão destes defensores, se a ciência criasse
as teorias, as testasse com experiências simples, produzisse conjuntos de fatos, e os
tecnólogos os usassem para nos tornar mais ricos e confortáveis. Esta seria a visão dos
idealistas que veriam esta relação linear como o desejo do homem de ter sempre a natureza,
independente de sua utilização, a serviço de seus anseios. Infelizmente não é tão simples
assim. Este conjunto de questionamentos, e muitos outros, tornam cada vez mais evidente a
necessidade do aparecimento de uma 'filosofia' que se ocupe destes problemas.

Este tipo de preocupação começou a ganhar contornos bem definidos através do pensamento
marxista 'não-ortodoxo' que trazia à tona a importância de um enfoque sociológico bem definido
para a utilização e também para a interpretação dos valores da ciência no desenvolvimento da
sociedade contemporânea. Esta linha marxista advogava a defesa intransigente da
dependência social da ciência, especialmente em relação ao terreno das atividades, das
aplicações e compromissos com o poder — pela questão do pragmatismo. Seguramente, já
nessas discussões embutia-se o novo termo tecnologia.

Esta característica evidente esteve também bastante presente no debate acerca da


neutralidade — a ciência dependia dos aspectos sociais, econômicos e políticos envolvidos no
seu desenvolvimento —, fazendo com que esta linha de pensamento tomasse, obviamente,
posição fechada contra este posicionamento. Ainda nos anos 60 os neomarxistas europeus
desenvolviam estas teses, através de alguns escritos da teoria crítica da Escola de Frankfurt.
Nos anos 70, no entanto, sempre em busca de respostas a esta intrincada problemática,
começava-se a desenvolver uma nova concepção sociológica da ciência, principalmente no
mundo anglo-americano, que desde então não tem cessado suas análises. Todas estas
evidências tornavam cada vez mais acesa a necessidade de uma filosofia que se ocupasse da
ciência e, por decorrência, da própria tecnologia.

Dentro deste mundo em constante mutação deve-se, apesar de seu arrefecimento dentro das
discussões acadêmicas, salientar a forte contribuição que teve a cultura do marxismo na
Europa, e também da cultura sociológica dentro dos países anglo-americanos durante os
últimos trinta anos na procura de decifrar os inúmeros enigmas da relação complexa entre
ciência, tecnologia e sociedade. Estas influências ainda continuam vivas nos estudos desta
área de conhecimento, permitindo novas investidas e novos importantes conceitos para a
criação desta nova filosofia.

Naturalmente, junto a estas análises, na tentativa de busca de uma possibilidade de reflexão


desapaixonada, é necessário adendar uma gama enorme de novos estudos a esta área,
dando-nos conta das novas implicações que os tempos modernos impingem a estes
acontecimentos. Por isso é positivo introduzir a dimensão histórica e social na compreensão da
ciência e da tecnologia e também submetê-las a estudos sociológicos, pois as informações que
se podem obter poderão ser interessantes e iluminadoras. Porém há que se ter um cuidado
imenso nestas novas visões, para que não se reduza o conhecimento científico-tecnológico a
nada mais que um produto estritamente social, às vezes, por incrível que pareça, independente
dos conhecimentos específicos. As radicalizações têm sempre conduzido a análises
equivocadas, por levarem em consideração posicionamentos de ordem pessoal que prejudicam
o aparecimento de uma filosofia que possa analisar com profundidade as implicações da
ciência e da tecnologia dentro do meio social.

A filosofia da tecnologia surge em função de uma nova dinâmica que move o ser humano, em
que os problemas filosóficos estão mesclados com as técnicas industriais de base científica e
com as suas repercussões sobre o meio ambiente e o meio social que delas farão uso. Apesar
das colocações de Winner, os compêndios da história destacam que a técnica sempre mereceu
sim a atenção dos filósofos em suas reflexões sobre a ação humana. O que se pode dizer, no
entanto, é que somente nas últimas décadas vem se configurando como uma área
especializada da filosofia, apesar de muitos engenheiros, tecnólogos e cientistas insistirem que
ela é dispensável para seus propósitos. No entanto, esta mudança é incontestável e deve-se,
sem dúvida, à própria transformação experimentada pela ciência e pela tecnologia — aliás,
transformação devida àqueles mesmos que negam a importância de uma análise não tão
mecanicista sobre suas criações — e ao destaque que adquiriram no mundo atual.

A transformação retumbante iniciou-se com a Revolução Industrial nos séculos XVIII e XIX. A
partir daí, graças principalmente ao modelo capitalista e à alta dependência da produtividade
industrial, a influência da técnica foi decisiva no comportamento social. Hoje em dia este
aspecto, guardada a devida proporção, é talvez mais exacerbado em função da velocidade com
que a tecnologia toma conta de nossas vidas. É a eletrônica, a informática, os projetos
genéticos que podem mudar completamente a civilização humana, os novos materiais, a
tecnologia nuclear, enfim toda sorte de artefatos que nos fazem dependentes e usuários de
maravilhas que muitas vezes nos tiram a racionalidade da análise de seus resultados. Dentre
estas preocupações, os traços que mais influenciam no aparecimento de uma 'filosofia
tecnológica' sem dúvida são os relacionados com o sistema cultural de nossos tempos, sua
indiscutível vinculação ao conhecimento científico, sua forte potência de transformação da
realidade, e a forma aparentemente autônoma e imperativa de seu acelerado ritmo de
desenvolvimento.

3.7 APOSTANDO NO PROCESSO EDUCATIVO

O cientista e o usuário desta ciência que a transforma em tecnologia — podemos incluir aqui o
professor de engenharia ou o pesquisador engenheiro — começam a sofrer rechaços da
opinião pública dado o seu posicionamento equivocado em fingir que seus trabalhos, de
alguma forma, são independentes do resto de suas vidas. Este posicionamento tem lhes trazido
uma espécie de hostilidade do público geral, em decorrência de suas próprias faltas. Nós,
professores, engenheiros, tecnólogos e cientistas, deixamos a cargo de uma imprensa não
especializada a conscientização dos resultados positivos e negativos desta ciência que não
raro, através de sensacionalismo, trata a questão de forma equivocada.

Esta interferência indubitável começa a atingir a nossa vida familiar e os processos


educacionais com uma intensidade nunca antes vista. Nossos filhos, animados pelo uso de
todas as grandes realizações e confortos, dos quais nós pais e avós somos os mentores,
tornam-se indefesos quais crianças que se vissem de um momento para outro enfrentando a
dura realidade de um mundo cada vez mais agressivo em constante mutação para o
desconhecido. Sentimos a necessidade inadiável de criar ambiente para que os problemas com
os quais eles se defrontarão sejam estudados, refletidos e, quem sabe, resolvidos. Apresenta-
se-nos cada vez mais claro que as questões educacionais devem procurar perder o excesso de
paternalismo com que 'cuidam' desta juventude. Passa despercebido, em função das inúmeras
atribuições que a vida moderna nos incute, que a escola, para cumprir seus ditames formais,
força os alunos a exercerem atividades bastantes para ocupar-lhes toda a semana de trabalhos
rotineiros, castrando sua capacidade de criar e refletir.

Simplesmente (agora numa reflexão de ordem pedagógica) na qualidade de professores nos


julgamos muito mais capazes de observar, corrigir e refletir por eles e medir o aprendizado
através mais de exercícios de repetição do que de qualquer outra atividade abstrata que lhes
desenvolva o raciocínio. Parece-nos mais fácil e mais seguro, só que, em vista de todas as
revoluções e mutabilidades sobre as quais venho alertando até aqui, sob tais condições
estaremos pondo em risco a oportunidade para progredir e também a própria possibilidade da
construção de conhecimentos, tornando impossível uma mudança nesta característica cultural
que se arrasta há tanto tempo.

Se não queremos que esta relação de aprendizado de ciência e tecnologia se perpetue,


carregando consigo os medos, os ufanismos e o desconhecimento, não podemos alimentar o
conformismo, a ponto de não permitirmos que os estudantes estruturem seriamente uma nova
idéia e não busquem sempre novas reflexões. Temos que discutir a possibilidade de no início
nem sempre compreendermos aquilo que queremos fazer. De não sabermos como devemos
fazê-lo. O caminho que conduz ao aprendizado inclui sucessivos erros. A precisão e a ordem
vêm depois. Devemos usar a dúvida como uma ferramenta importante e não como uma mazela
que deve ser prontamente extirpada do processo construtivo do aprendizado. É comum, entre
nós professores, querer poupar os estudantes de reflexões críticas, concedendo-lhes com isso
mais tempo para tarefas mais 'relevantes' na formação do engenheiro. Tal postura é
imensamente cerceadora da liberdade do pensamento que vai, inclusive, refletir na própria
formação mecanicista que tanto está consumindo a criatividade de nossos alunos. Procuramos
usar com eles um 'código' de comunicação que facilite a sua tarefa de 'não precisar pensar'.
Fourez trata muito bem deste assunto quando separa estes códigos entre restrito e elaborado
nesta citação:

“Consideremos como a noção de ‘ciência’ é utilizada no código restrito e no código elaborado.


O código restrito é aquele utilizado na maior parte dos cursos de ciências [também o é nos
cursos de engenharia]. Supõe-se saber do que se fala, e não se exige reflexão ulterior. Porém,
caso se procure fazer uma idéia do que seja ‘em definitivo’ a ciência, isto é, dar uma
interpretação que faça ‘sentido’ para nós, a tarefa se faz mais complexa. Todas estas
interpretações não são equivalentes. Nesse nível interpretatório, a noção que se tem da ciência
será ligada, graças a uma linguagem elaborada, a outros conceitos, tais como a felicidade dos
humanos, o progresso, a verdade etc. Essa linguagem elaborada — essa filosofia da ciência —
permitirá uma interpretação daquilo que a linguagem restrita diz a respeito da ciência. Além
disso, a palavra ‘ciência’ pode por vezes ‘aprisionar’, por exemplo, quando alguns passam a
impressão de que, uma vez que se falou de cientificidade, não há nada mais a fazer senão se
submeter a ela, sem dizer ou pensar mais nada a respeito. Um filósofo ‘crítico’ ou
‘emancipatório’ da ciência procurará portanto compreender como e por que as ideologias da
cientificidade podem mascarar interesses de sociedade diversos” (Fourez, 1995, p. 21).

São estas preocupações que têm levado alguns cientistas e profissionais ligados ao ensino de
ciência e tecnologia — eu aqui me incluo com este trabalho — a desempenhar um papel ativo
na busca de tornar públicas estas questões que influenciam nossa vida. Porém, muitos
continuam com suas posições imutáveis, pensando e falando como antes, incapazes de
compreender as circunstâncias — na grande maioria não por desconhecimento, mas sim por
vontade própria, para poder usufruir de certos privilégios que esta postura proporciona —
radicalmente mudadas, nas quais prosseguem com sua profissão. Por que será que alguns
professores e cientistas não se conformam com estas mudanças e não acrescentam a esta
realidade outras ferramentas que tanto contribuiriam na sua própria atuação junto aos seus
alunos e à sociedade? Será que é a sua posição dogmática do infalível que estará caindo por
terra? Querem continuar como 'mágicos' na busca de 'repassar' conhecimentos que fatalmente
levarão ao maior conforto humano independentemente de a quem estão servindo?

Bernard Dixon já detectava há vinte anos, com muita propriedade, este problema de
intocabilidade de certos profissionais nas suas atuações e que se mantém, em muitos casos,
até hoje:

“De repente os cientistas estão sendo analisados. Enquanto os artistas profissionais — poetas,
pintores e compositores — prosseguem seu trabalho numa posição social segura — se bem
que mal paga; enquanto encanadores continuam a consertar encanamentos; enquanto médicos
continuam a curar doenças, os cientistas enfrentam dúvidas crescentes quanto a seu papel na
sociedade. Não sabemos ao certo se gostamos da nossa civilização tecnocrata, e duvidamos
se queremos mais e melhores engenhocas e teorias mais brilhantes que nos levem adiante na
mesma estrada. O que quer que possa acontecer no futuro, continuaremos a precisar da
ciência e dos cientistas, nem que seja só para resolvermos os problemas que eles criaram.
Mas, no momento, os cientistas passam por uma menopausa coletiva, acometidos de
ansiedade sobre como sair dela. Alguns sairão ilesos, e até rejuvenescidos do processo.
Outros não” (Dixon, 1976, p. 8).

Esta citação mostra que o problema não é novo. Para nós talvez seja, pois nossas escolas que
trabalham na formação dos futuros profissionais que atuarão neste campo nem sequer
produzem discussões que possam trazer à tona semelhantes preocupações. Estamos no final
dos anos 90. E este problema não está só ligado a nós professores que lidamos com
tecnologia. O 'outro lado' — os humanistas, os filósofos da ciência, os sociólogos... —, que nas
críticas dos tecnologistas só fica a procurar as mazelas da ciência e da tecnologia, também não
atacou a fundo semelhantes questões. Enquanto bisbilhotavam alegremente os outros
aspectos da sociedade — ainda que importantes — relutavam em examinar os efeitos e as
conseqüências da ciência e da tecnologia na mutação social do ser humano. Dixon volta à
carga quando comenta este aspecto, agora ligado aos sociólogos e quem sabe aos filósofos e
historiadores:

“Algumas das razões — para não se preocuparem com a ciência — são muito claras — sua
complexidade intimidadora e seu jargão, o sabor irreal e sufocadamente intelectual da disciplina
acadêmica conhecida como ‘filosofia da ciência’, e a exclusão patológica do conteúdo real dos
assuntos científicos de publicações e periódicos especializados. Mas, a negligência dos
sociólogos a esse respeito continua sendo uma omissão surpreendente e lastimável” (Dixon,
1976, p. 8).

Parece ser, agora, uma preocupação mais sólida a discussão sobre estes aspectos. Aqui
encontramos vários autores — que estarão seguidamente citados ao longo deste ensaio — que
nos dão subsídios para análises bem sedimentadas sobre a inclusão destes assuntos dentro
das academias que lidam com o ensino tecnológico. Morin, Sanmartín, Schatzman, Postman,
Holton, Fourez, Prigogine, Pacey, Winner, Luján e outros possibilitam este tipo de estudo. O
tempo em que vivemos aparentemente nos propicia um ambiente favorável para atacarmos
estes problemas e preocupações. Precisamos aproveitar esta possibilidade, agora que a
unanimidade sobre os resultados da ciência e da tecnologia como apenas bons resultados para
os seres humanos findou.

A existência desta nova concepção e desta atuação crescente em direção aos problemas
gerados pelo ressentimento compreensível de que foi permitida à comunidade científica uma
autonomia de vôo exacerbada, em que os cidadãos tiveram pouca ou nenhuma influência, está
proporcionando discussões mais abertas, mais críticas e mais conscientes. Elas devem frear
esta conduta internalista e, por outro lado, analisar com mais propriedade as suas
conseqüências externas. Este procedimento poderá realmente contribuir para um
desenvolvimento científico-tecnológico imbricado ao desenvolvimento de toda a sociedade.
Como um importante começo nesta mudança de cultura, ainda fortemente presente em nossa
civilização, precisamos, de certa maneira, no ensino tecnológico, além da adoção de uma nova
abordagem epistemológica, levar em consideração outros aspectos fundamentais. Para isso a
educação nas escolas de engenharia não pode pensar apenas em ‘equipar’ os estudantes com
conhecimentos e habilidades para que eles 'consigam' empregos na sua vida de adulto. Ela
precisa muito mais: precisa tornar os jovens criativos e críticos em relação às realizações da
ciência e da tecnologia que, em inúmeras situações, eles próprios ajudaram a criar; precisa
ajudá-los a pensar com respeito às aspirações de seus colegas e de todos os cidadãos; precisa
torná-los cuidadosos com a sua saúde — hoje fortemente dependente de muitos resultados
tecnológicos — e, acima de tudo, precisa levá-los a pensar, num processo coletivo, nos
resultados e conseqüências dos artefatos científico-tecnológicos. A educação deve, sobretudo,
apontar na direção do pensamento crítico da riqueza dos valores culturais e das dimensões
morais e espirituais da vida. Ela precisa ser levada a todos os jovens, com estes pressupostos,
independente de sua bagagem de conhecimento, sexo, credo, raça ou cor.

Notas

(1) Distintos argumentos têm sustentado a idéia de que a ciência e, em maior parte, a tecnologia conduziram o
homem unilateralmente a um engrandecimento devido ao seu poder libertador. Ayarzagüena et al. (1996), lista
alguns deles que procuram, quando analisados de forma linear e acrítica, colocar este caráter libertador da ciência
e da tecnologia. São eles: a) a atividade técnica é o que diferencia o homem dos animais, de tal forma que sem a
técnica não haveria ser humano; enquanto o animal tem que se adaptar ao meio por suas necessidades naturais,
o homem, graças a esta prerrogativa, pode adaptar o meio a ele; a técnica é assim libertadora; b) a ciência e a
tecnologia nos liberam de incômodos; os benefícios materiais que proporciona o progresso tecnológico nos
permitem 'viver melhor'; o progresso científico-tecnológico tem proporcionado assim bem-estar e tempo livre,
ambos necessários para a felicidade humana; c) os avanços científico-tecnológi-cos em relação aos transportes e
à comunicação têm permitido ao homem um mais amplo conhecimento do mundo; estes aspectos, junto com a
informática, proporcionam uma maior liberdade política.

(2) Agazzi (1996) comenta que, em particular, é muito forte esta tendência sociológica que tem alimentado uma
extenuante polêmica entre aqueles que propugnam uma abordagem 'interna' e os que defendem uma abordagem
'externa' da ciência. Hoje em dia isto parece estar esgotado pela inércia, mas também porque, em substância, uma
abordagem da ciência não pode ignorar nem os aspectos externos — pela sua alta dependência dos valores
sociais — e nem os aspectos internos — por causa de sua própria metodologia de abordagem. Nesta análise,
realizada no capítulo 2 desta referência, o autor, além de suas procedentes avaliações, traz um grande número de
indicações bibliográficas sobre o assunto.

(3) David Elliot em Energy, society and environment traz um estudo bem atual — ano de 1997 — sobre as
implicações do uso de energias decorrentes do desenvolvimento científico-tecnológico, no comportamento do meio
ambiente na sociedade contemporânea. Entre os inúmeros assuntos abordados nessa obra, pode-se destacar as
questões da alternativa nuclear, a tecnologia sustentável, o desenvolvimento sustentável e uma perspectiva global
sobre um futuro também sustentável.

(4) Isso é particularmente evidente no fenômeno da contaminação industrial. Na maior parte dos casos, os
produtos e os dejetos industriais nocivos poderiam ser neutralizados perfeitamente por meio de dispositivos
técnicos apropriados. Mas tais meios não são aplicados por parte dos que produzem a contaminação, sobretudo
com o objetivo de economizar dinheiro, deixando por conta da 'natureza' semelhante responsabilidade. Em outros
termos, o controle da ciência e da tecnologia pela própria ciência e tecnologia tem necessidade de uma decisão
explícita e de um compromisso que não vêm impostos por elas mesmas, mas que implicam uma responsabilidade
moral e social localizadas em outro âmbito, ou melhor dizendo, uma vontade pública ou privada. Continuando na
análise podemos falar dos efeitos de uma inovação tecnológica que podem permanecer desconhecidos durante
grande tempo e escapar assim da possibilidade de serem submetidos a um rigoroso controle. Pode-se lembrar, por
exemplo, a quantidade de casos em que o câncer tem-se revelado como uma possível conseqüência de alguns
produtos químicos ou de alimentação (Agazzi, 1996).
(5) Semelhante argumento o filósofo escocês David Hume realizava com um fino e irônico comentário sobre
Henrique VII, que na tentativa de justificar a sua continuidade como rei usava a estapafúrdia justificativa: a melhor
razão para conservar a coroa, e continuar sendo rei da Inglaterra, era que já a possuía. Ser rei, assim, implica
seguir sendo. Este comentário e comparação com a justificativa da tecnologia está em González, López e Luján
(1996), à página 23.

(6) Em ‘The role of controversy in engineering design’, Oliver Todt (1997) incursiona na área de avaliação da
tecnologia analisando as necessidades atuais da participação pública na produção de novas tecnologias. Outra
importante contribuição pode ser encontrada no artigo ‘ Evaluación de tecnologías’, (Sanmartín et al, 1992). Nele,
José Sanmartín e Ángel Orti fazem algumas perguntas sobre o tema: O que é? Em que contribui para clarear as
relações entre tecnologia e sociedade? Quais são suas limitações? Quais alternativas? ‘Nuevas tecnologías,
evaluación de la innovación tecnológica y gestión de riesgos’, também em Sanmartín et al (1992), é uma análise
bem sedimentada sobre o assunto, realizada por Manuel Medina. A segunda parte de Superando fronteras —
estudios europeos de Ciencia-Tecnología-Sociedad y evaluación de tecnologías (Sanmartín & Hronzsky, 1994)
busca responder o que é avaliação de tecnologias através de alguns estudos de casos. Dentre eles pode-se citar
‘Hacia una reapertura? La maldita presa del Danubio desde la perspectiva CTS’, de Imre Hronszky. Manuel Medina
faz também um estudo de caso em ‘Estudios de ciencia y tecnología para la evaluación de tecnologías y política
científica. Ainda, ‘Enseñando evaluación social de tecnologías. Una guía de los estudios de evaluación de la
ingeniería genética humana (GenÉtica)’, de José Sanmartín, contribui bastante nesta análise.

(7) Maria Teresa Santander Gana (1995) identifica este aspecto quando faz uma série de reflexões em torno do
uso da tecnologia e suas repercussões nas periferias de cidades do Chile. Este trabalho se configura num estudo
de caráter inovador na América do Sul. Sobre esta questão Margarita Peña Borrero em 'Los estudios de ciencia,
tecnologia y sociedad en el contexto latino-americano', dentro do livro Ciencia, tecnología y sociedad (Medina &
Sanmartín, 1990), também traz excelentes contribuições.

(8) Alguns exemplos de projetos faraônicos desenvolvidos no Brasil a partir da década de 60 que até hoje
consomem parte da riqueza nacional, sem trazerem os resultados esperados. Entre eles, a Transamazônica, a
Ferrovia do Aço, as usinas nucleares. O modelo tecnocrático só se preocupou em consultar o público na hora de
pagar a conta. Por outro lado, projetos que deveriam fazer parte de um processo de desenvolvimento urgente à
época — e ainda hoje —, pelo mesmo motivo da falta do debate público, nunca aconteceram. Cabe aqui citar os
indispensáveis projetos de irrigação para produção de alimentos, os sistemas de processamento de lixo, os
sistemas de água e esgoto que permitiriam um mínimo saneamento básico, e os sistemas de transporte de massa,
que até hoje penalizam seus usuários, e que, talvez por falta de um assessoramento de pessoas que analisem
seus efeitos e repercussões, nunca foram colocados como prioridade até os dias atuais.

(9) Em Tecnopólio, a rendição da cultura à tecnologia (Postman, 1994), o autor traz um interessante ensaio sobre
os comportamentos humanos atuais. Apesar da obra ser fundamentada para a sociedade americana, por sua
atualidade e pertinência pode ser estendida a todos os países do mundo. É um texto incisivo e, algumas vezes,
sarcástico. Postman, porém, sempre se mostra otimista em relação à reversão deste tecnopólio, desde que algo
seja feito nos campos político e educacional.

(10)Wittgenstein diz que a linguagem atual reflete o conteúdo da prática tecnológica. No que Winner (1987)
confirma que, se ele está correto, não é de estranhar que se usem expressões como estas, relacionando-nos aos
computadores: 'necessito ter acesso a seus dados; não estou programado para isso; devemos melhorar nossa
interface; a mente é o melhor computador que temos'. Se quisermos estender esta constatação para outro tipo de
aparato tecnológico, muito presente no cotidiano das pessoas, basta trazer o exemplo para o campo da nossa
relação com os automóveis, onde é comum ouvir frases desta natureza: 'eu iria com você, mas estou com um
pneu furado; é uma pena, mas estou sem gasolina'.

(11) John Durant, no artigo 'Acabar com o analfabetismo científico?’ (Witkowski, 1995), questiona que tipos de
conhecimentos deveriam ser pensados e discutidos com o público geral para que ele saiba das conseqüências
que isto acarreta em sua vida. O que deve aprender o cidadão médio para não viver como um cego numa
sociedade cada vez mais complexa? Em que a ciência e a técnica são predominantes? Estas são perguntas que
ele procura responder através da análise que ele denomina 'cultura científica'.

(12) Com a nova concepção da ciência que se impõe a partir do século XVII, surge a versão moderna das antigas
concepções filosóficas: a tecnocracia. Em Nova Atlantis de Bacon encontramos a primeira visão de uma sociedade
tecnocrática. O governo de um país está, na realidade, nas mãos de sábios, agrupados na 'casa de Salomão'. No
modelo baconiano, como no platônico, consigna-se o poder político à minoria que possui a sabedoria. No entanto,
o conhecimento científico já não procede da contemplação teórica da justiça nem do bem, e sim da operação da
investigação operativa. Este trecho foi extraído de ‘La filosofía de la tecnocracia’ (Mitcham, 1989), onde Manuel
Medina faz uma ampla análise da tecnocracia dentro da ciência moderna.

(13) Em La cultura científica, mito y realidad (Sorell, 1993), o autor diz que o cientificismo consiste em atribuir
demasiado valor à ciência em comparação aos outros ramos do saber ou da cultura. Diz ele que na filosofia isto
tem se constituído numa tentação persistente desde a época de Descartes, proporcionando sérios enfrentamentos
com a religião e também com outras linhas da própria filosofia.

(14) Sobre este tema, que leva em consideração a falta de análises reflexivas sobre a ciência e a tecnologia, dois
artigos bastante inquietadores são publicados em Witkowski (1995): no primeiro, 'The technological order', Jacques
Ellul toma o lugar de um antitecnologista para ultimar suas conclusões. Considera a tecnologia completamente
autônoma e autodeterminada, portanto fora do controle humano. Diz ainda que a tecnologia destrói a liberdade e
torna a busca dos valores éticos e espirituais completamente dispensáveis. Em 'In praise of technolgy', o segundo,
Samuel Floman argumenta que o problema central não é o crescimento da tecnologia, mas a acelerada demanda
de seus benefícios e da nossa inabilidade para satisfazer esta demanda. Para ele a solução deste problema não é
restringir a tecnologia, mas tornar seus benefícios mais amplamente avaliados.

(15) Segundo Stephen H. Cutcliffe em ‘Ciencia, tecnología y sociedad: un campo interdisciplinar’ (Medina &
Sanmartín, 1990), fazer estudos nesta direção requer interdisciplinaridade, que se pode conseguir através da
soma de perspectivas, de grupos de professores ou da adoção de outras técnicas que não as triviais, mas sempre
mantendo a visão no complexo holista das inter-relações. É preciso fazer os estudantes, e mais ainda os
professores, conscientes e conhecedores das relações entre ciência, tecnologia e sociedade. Que eles tenham
uma compreensão buscada de maneira geral em nível teórico, e que possa ser apoiada com exemplos específicos
e apropriados, muito bem escolhidos de modo que reflitam os problemas ou as questões que se estão
considerando.

(16) C.P. Snow, em conferência proferida em Notre Dame, no ano de 1959, detonou esta polêmica quando dividia
a sociedade em duas culturas: a dos cientistas — a qual hoje pode ser adicionada à dos tecnólogos — e a dos
humanistas. Ainda no estudo deste assunto, Snow escreveu um ensaio constante no livro As duas culturas e uma
segunda leitura (Snow, 1995).

(17) Em El mito de la máquina (Munford, 1969), o autor já tentava extrair da concepção do senso comum, e
também do ambiente acadêmico, o exacerbado valor que se dava à contribuição da máquina no desenvolvimento
social e humano.

(18) Em La cultura de la tecnología (Pacey, 1990), o autor atribui a Lewis Thomas a criação da seguinte definição
sobre o que seja 'tecnologia insuficiente': é o resultado de problemas compreendidos insuficientemente, abordados
na sua superficialidade por terem sido mal compreendidos. Isto leva ao descobrimento rápido de formas 'precisas'
e de 'custo factível' para abordá-los. Mas, ao contrário do que possa parecer, estas formas precisas e de custo
factível são a indicação de que a busca de melhores soluções requer intensificação das investigações. Outros
campos de conhecimento, portanto, devem ser explorados.

(19) Como conseqüência, e até para dar uma satisfação política para os cidadãos, os governos, através de suas
assessorias em educação, começavam a investir nas chamadas disciplinas CTS — ciência, tecnologia e
sociedade — para discutir e entender suas repercussões junto à sociedade. Foi nesta fase que elas ganharam
certa ênfase nos currículos.

(20) Leonard J. Waks (1994) é um deles. Ele divide a história da tecnologia, ou do estudo de suas repercussões,
em três 'eras'. Na primeira, afirma, tivemos a tecnologia com um valor implícito e acrítico. As questões de
tecnologia estavam ausentes nos currículos, por serem invisíveis. Nessa época, a economia industrial funcionou
como uma matriz para a sociedade, sendo a base para as questões de valores sociais. Depois, estas questões,
pelo imenso apelo dos grupos que se formavam em defesa do meio ambiente e outros assuntos relacionados com
os efeitos da tecnologia, vieram a ter uma atenção enorme dentro dos currículos escolares. Finalmente, na terceira
'era', pelo absoluto descontrole e quantidade excessiva de assuntos correlatos, as discussões começaram a fugir
dos esquemas escolares.

(21) Em palestra proferida em Valência, Espanha, no dia 19 de fevereiro de 1997, com o tema versando sobre
ampla pesquisa de opinião realizada na Bélgica durante a realização de seus estudos e que levava como título:
Ciencia, tecnología y gran público: desde la comunicación hacia el debate.

(22) Foi também com esta preocupação que Bruno Latour (1992), em Ciencia en acción, tentou minimizar o
impacto que sofrem os engenheiros quando passam diretamente da Universidade ao duro mundo da ciência e da
tecnologia como realmente é, o que às vezes, em suas palavras, transforma estes profissionais em cínicos, devido
ao grande contraste que encontram entre as imagens da ciência e da tecnologia que recebem na escola e a dura
realidade política da ciência e da tecnologia em ação. Esta obra, por outro lado, procura também oferecer uma
sensível introdução para os estudiosos sociais sobre os aspectos interessantes da ciência e da tecnologia. De
acordo com a interdisciplinaridade, ele afirma que a sociedade está composta em grande medida por fatos e
máquinas; quem quiser estudá-la, portanto, não pode ignorá-los, porque eles redefinem os laços sociais.

(23) Uma relação extensa destes acontecimentos pode ser encontrada em Gonzáles et al. (1996), onde se
descreve seu aparecimento a partir de 1945, com a explosão da primeira bomba atômica, em teste realizado no
Novo México (EUA). Toda essa seqüência de eventos importantes ocorridos no desenvolvimento científico-
tecnológico, relatados no mencionado trabalho no item ‘Activismo social y consolidación institucional del
movimiento CTS: 1945-1995’, encerra-se em 1995 quando, após o término da Guerra Fria, produz-se o primeiro
encontro no espaço entre a estação russa MIR e o transportador norte-americano Discovery.

(24) Nesse acontecimento marcante dizia-se que a partir daquele instante a ciência descobre, a indústria aplica e o
homem se conforma. E nesta conformação vinha embutida a sua possibilidade evidente de melhora de vida. Em
função desta imposição tecnológica, José Sanmartín faz muitas restrições a esta máxima no artigo ‘La ciencia
descubre. La industria aplica. El hombre se conforma. Imperativo tecnológico y diseño social’ (Medina &
Sanmartín, 1990). Dentre as suas principais análises, diz: as inovações técnicas parecem ser a causa principal das
melhoras das ordens sociais e, em último extremo, da própria democracia. Determinam — independentemente das
teorias ou ideologias — uma sociedade cada vez mais rica, mais livre e mais participativa. A questão é, então:
como pode esta afirmação casar com os evidentes descumprimentos que ao longo da história têm tido as
promessas técnicas?
(25) Gana (1995) lista algumas destas inovações: a pólvora, a bússola, o arado, a imprensa, a máquina a vapor; e
algumas revoluções: a revolução neolítica, a revolução paleolítica, a revolução industrial. Todas mudanças
revolucionárias que provocaram significativas variações na sociedade.

(26) Gana (1995) traz algumas delas. Munford: A técnica deriva do homem inteiro em seus intercâmbios com cada
parte do meio ambiente, utilizando todas as atitudes que existem nele para tirar o máximo proveito de seus
potenciais biológicos e ecológicos. Ortega y Gasset: A técnica é a reforma da natureza; A técnica é o contrário da
adaptação do sujeito ao meio, posto que é a adaptação do meio ao sujeito; Um homem sem técnica, assim por se
dizer, sem reação contra o meio, não é um homem.

(27) A tecnologia encerra a técnica e que ambas progridem, formando dois mundos separados mas relacionados,
às vezes convergentes, outras divergentes; sem excluir a prática da tecnologia utilizando a técnica, ambas
complementadas em retroalimentação (Gana, 1995).

(28) É um conjunto de instrumentos, procedimentos e métodos empregados nos distintos ramos industriais
(Garcia-Pelayo). Um método, um processo, etc. para manejar um problema técnico específico (Webster New
World Dictionary). A soma dos meios com os quais os grupos sociais se auto-abastecem dos objetos materiais de
sua civilização (Random House Dictionary de la Lengua Inglesa). Estas são algumas outras definições constantes
em Gana (1995) e que parecem não atender o propósito dos nossos objetivos. Em Ensino de Engenharia, na
busca de seu aprimoramento (Pereira & Bazzo, 1997), no capítulo 2, quando discutem a questão tecnológica, os
autores trazem outros conceitos de ciência e de tecnologia, extraídos de diversas fontes de referência.

(29) Esta definição praticamente coincide com a definição de tecnologia constante no Webster New Collegiate
Dictionary, Merrian Company Springfield [NY], 1987, p.1217.

(30) Um livro de leitura obrigatória para quem pretende discutir os aspectos da relação entre ciência, tecnologia e
sociedade foi organizado por Alonso, Ayestarán e Ursúa (1996), e tem como título Para compreender ciencia,
tecnología y sociedad. Nele Leonard J. Waks, no artigo ‘Las relaciones escuela-comunidad y su influencia en la
educación en valores en CTS’, faz uma extensa explanação sobre a relação dos valores com a responsabilidade
de cada cidadão. Neste estudo ele aponta pelo menos dez pautas relacionadas a valores que devem ficar
identificadas para o êxito de uma disciplina em CTS.

(31) Por esta razão, até há pouco tempo a opinião geral era de que as civilizações clássicas — incluídas aqui a
helênica e a romana — não tiveram êxito do ponto de vista tecnológico. Porém, como têm colocado alguns críticos,
esta opinião é exagerada. Em primeiro lugar houve alguns avanços tecnológicos importantes na época clássica e é
possível que a sua importância tenha sido subvalorizada pelos poucos testemunhos literários e arqueológicos que
ficaram. Em segundo lugar, tinha-se a noção de que a ciência, mais que ser simplesmente admirada, deveria
também ser aplicada a objetivos concretos. Parecia, entretanto, e aqui pode residir o aspecto mais forte desta
afirmação, que outros valores eram mais considerados pelos gregos e romanos. Mas é certo que as áreas da
ciência que mais lhes interessavam lograram grandes e profícuos êxitos (Mokyr, 1993).

(32) De muita importância para o processo de construção de conhecimento na profissão da engenharia pode-se
citar a matemática e, com muito menos freqüência, em currículos de algumas escolas, a lógica.

(33) Estes assuntos estão discutidos e analisados com bastante profundidade em A ciência como atividade
humana (Kneller, 1980). Outra abordagem que pode ser interessante para melhor conhecimento do assunto pode
ser encontrada nestas duas obras: O que é ciência afinal? (Chalmers, 1993) e A fabricação da ciência (Chalmers,
1994). É claro que outros autores, pela pertinência do tema e pela sua importância no desenvolvimento da ciência
ao longo dos tempos, fazem estudos sobre este assunto, inclusive alguns constantes da bibliografia desta tese. No
entanto, pela extensão do seu conteúdo, julgo que a leitura destes dois autores esclarece satisfatoriamente a
evolução e o comportamento destes métodos dentro da história da ciência.

(34) São eles: a) observação, onde se descreve uma variedade de fenômenos; b) a formulação de uma hipótese,
onde começam realmente as explicações científicas através de uma solução provisória; c) dedução das
conseqüências a partir da hipótese e, finalmente, d) a comprovação, onde se comprova e, na eventualidade do
êxito, se formula a lei.

(35) Quase a unanimidade dos epistemólogos contemporâneos começam a desenvolver suas teorias com uma
certa concordância sobre a necessidade de análises que sempre levem em consideração os aspectos históricos,
sociais e políticos na fabricação da ciência. Entre eles Kuhn, Feyerabend, Hanson, Toulmim. Mais recentemente
pode-se colocar nesta relação, dentre outros: Kneller, Chalmers, Fourer, Morin.

(36) Os mais notáveis, quando se fala em novos conceitos epistemológicos dos anos recentes, realmente parecem
ser Kuhn, Feyerabend, Bachelard — apesar de sua maior antigüidade, suas idéias vieram à tona apenas nessa
época —, Lakatos e o próprio Popper.

(37) Apesar do incontestável valor da obra de Kuhn é necessário que se faça justiça a um epistemólogo que
praticamente deu início às idéias abraçadas por Thomas Kuhn. Este epistemólogo, chamado Ludwick Fleck, um
médico de origem polonesa, já antes da Segunda Guerra Mundial discutia estas questões relacionadas à ciência.
Talvez a partir de suas proto-idéias é que surgiram os paradigmas de Kuhn, que revolucionaram a epistemologia
contemporânea. As idéias de Fleck talvez não tiveram a mesma repercussão, por se tratar de um autor que não
pertencia ao mundo ocidental e, adicionado a isso, quando do surgimento de seus estudos, a ciência ainda gozava
de seu prestígio de infalível e geradora incontestável das criações que beneficiavam a humanidade. O livro La
génesis y el desarrollo de un hecho científico (Fleck, 1986) é de leitura obrigatória para quem pretende
compreender a revolução científica processada a partir dos escritos de Kuhn.

(38) Neste aspecto tiveram fundamental importância os escritos de Feyerabend, que através de seu
posicionamento intencionalmente provocador — na sua obra de maior relevância, Contra o método (Feyerabend,
1989) — gerou as mais diferentes reações, colocando o imutável método científico desnudo frente às mais
variadas interpretações. Em diversas situações, muitos estudiosos permaneceram divididos em relação ao próprio
posicionamento de Feyerabend. Alguns diziam que ele assumia todos estes posicionamentos epistemológicos e
outros que ele os levava apenas como provocações para suscitar discussões mais abertas sobre a ciência. Este
fato ficou desvendado quando o autor, um pouco antes de sua morte, escreveu a sua autobiografia, Matando o
tempo (Feyerabend, 1996), onde revelou que mesmo ele era contra muitos dos posicionamentos epistemológicos
defendidos em seus estudos. Sempre teve como objetivo provocar polêmicas. Indubitavelmente conseguiu com
maestria alcançar seu intento.

(39) É indispensável a leitura de tal obra para conhecer os pensamentos de Kuhn em relação ao novo tratamento
que se deve dispensar à ciência a partir destes novos pressupostos. Além disso, inúmeros trabalhos foram
desenvolvidos analisando as conseqüências destas novas abordagens nos estudos de ciência, tecnologia e
sociedade, dentre os quais vale a pena ler ‘Una revolución en las estructuras conceptuales de la ciencia: la obra de
Thomas S. Kuhn’, de Cristóbal Torres (Alonso et al., 1996). Neste trabalho ele mostra as principais teses e
argumentos deste epistemólogo, apontando os seus acertos e desacertos. Comenta a reviravolta sócio-histórica
nos estudos da ciência.

(40) A Enciclopédia de Filosofia, que consta de seis volumes, um compêndio de temas importantes em diversas
tradições do discurso filosófico, não contém nenhum vocábulo na categoria tecnologia (Winner, 1987).

(41) Além de toda a bibliografia reunida neste trabalho, destaca-se especificamente com este conteúdo e com uma
análise muito bem fundamentada o livro ¿Qué es la filosofia de la tecnología? (Mitcham, 1989).

Índice Libro Sigue

Formulario de suscripción gratuita a las Novedades del Programa CTS+I

Sala de lectura CTS+I


Ciencia, tecnología, sociedad e innovación

Organización de Estados Iberoamericanos


Buscador | Mapa del sitio | Contactar
| Página inicial OEI|

Você também pode gostar