Nasceu a 6 de Fevereiro de 1608, em Lisboa; o pai, escrivão num tribunal em Lisboa, parte para
o Brasil em 1609, por motivos de trabalho, deixando em Lisboa o filho António e a mãe que,
entretanto, lhe foi ensinando a ler e a escrever.
O pai de António Vieira regressa a Lisboa em 1612 e volta a partir para o Brasil dois anos
depois, em 1614, levando com ele a famíia, agora acrescida de mais um filho.
A família instala-se na cidade da Baía que era na época a capital do Brasil, colónia portuguesa.
(O Brasil foi descoberto em 1500 pelo navegador português Pedro Álvares Cabral).
Aos 15 anos, o jovem António Vieira decide integrar a Companhia de Jesus (a ordem religiosa
designada habitualmente por Jesuítas). A motivação para esta decisão está relacionada com a
audição de um sermão sobre os castigos do Inferno que impressionou Vieira.
A Companhia de Jesus foi criada no século XVI por um padre espanhol (Inácio de Loyola) com o
objectivo principal de combater os protestantes, principal preocupação da Igreja Católica. Os
padres jesuítas viam-se como soldados da Igreja e achavam que deviam infiltrar-se em todas as
actividades sociais e culturais com o fim de eliminar aqueles que pusessem em causa os
princípios do Catolicismo.
Os Jesuítas chegaram ao Brasil em meados do século XVI e fundaram alguns colégios cuja
finalidade era a catequese de adultos, jovens e crianças de todas as classes sociais. Ensinavam
os analfabetos a ler, escrever e contar e tinham cursos de nível superior para os que
desejavam prosseguir estudos; a estes ensinavam, durante 3 anos, Filosofia, Retórica,
Gramática, Humanidades, Física, Metafísica, Matemática, Latim e Grego. O ensino jesuítico era
público e gratuito.
Nesta época, os padres jesuítas foram os principais agentes culturais da colónia portuguesa (a
sua influência foi marcante a nível das primeiras produções intelectuais e arquitectónicas do
Brasil) e não hesitavam em embrenhar-se pelos matos em busca de índios para converter à fé
católica e “civilizar” de acordo com as ideias da época.
Regressando à vida de António Vieira:
Quando Vieira decide integrar a Companhia de Jesus, esta não o recebeu com grande
entusiasmo porque não admitia menores, mas, uma vez que os pais se responsabilizavam por
esta decisão, Vieira acaba por ser recebido como noviço (padre em formação) na Companhia e
enviado para uma aldeia de indígenas com o fim de ajudar os missionários que aí trabalhavam.
Pouco tempo depois, António Vieira assiste ao cerco da cidade da Baía por piratas Holandeses
que cobiçavam a colónia portuguesa do Brasil. Esta invasão impressiona-o bastante e conclui,
no sermão que escreve motivado por este acontecimento trágico, que se trata de um castigo
divino contra os Portugueses, povo eleito que estava a ser punido por Deus com esta
calamidade devido à corrupção dos magistrados vindos da metrópole:
Excerto do
Sermão IX
Entretanto, António Vieira mostra-se incansável na actividade missionária que exerceu junto
dos ameríndios (Índios da América do Sul) e escravos negros, cujas vidas e direitos defenderá
ao longo de toda a sua vida futura;
Os sermões proferidos pelo Pe António Vieira tornaram-no célebre, não só devido à defesa
intransigente dos direitos de todos os marginalizados e explorados pelos colonos portugueses
no Brasil e dos cristãos-novos em Portugal, como também devido à riqueza da sua linguagem,
à sua prodigiosa imaginação, à capacidade argumentativa, à arte de impressionar e comover,
através de afirmações patrióticas e enérgicas aliadas a um ritmo encantatório, qualquer
auditório.
Era brilhante na escrita e possuía ideais nobres que defendia entusiasticamente.
Para celebrar a libertação da Baía dos atacantes holandeses, escreveu 2 sermões, um dos quais
foi o Sermão de Santo António aos Peixes. Ao todo, escreveu cerca de 200 sermões (isto é,
chegaram 200 sermões até aos nossos dias) e dedicou os últimos 20 anos da sua vida a
imprimi-los.
Vieira: um visionário:
* Uma obra profética (ou texto profético) é aquela em que o autor relata as suas visões,
sonhos ou premonições/ intuições de acontecimentos futuros, considerando que é um
emissário ou porta-voz de Deus que o escolheu para que anunciasse aos homens comuns o
que irá acontecer num país, por exemplo. O profeta é, assim, o escolhido por Deus para
transmitir as Suas mensagens.
***Daniel foi um profeta do Antigo Testamento que profetizou a vinda de um quinto império
após os quatro já conhecidos: o babilónico, o persa, o grego e o romano.
As cartas escritas por António Vieira são também importantes para se conhecer o pensamento
do autor e acontecimentos de carácter político e social que o marcaram.
«(…) Muito estimo encomendar-me V. Revª que faça visitar mais vezes as aldeias do
Maranhão. O que nisto se faz é que na casa do Maranhão e Pará não reside ordinariamente
mais que um só sacerdote. Todos os mais estão divididos pelas residências, onde cada um tem
três e quatro aldeias à sua conta, e algum há que tem onze; (…) O serviço de Índios é qual V.
Revª tem experiência. Necessitamos muito de tapanhunos que já temos pedido à Província,
mas não sei se chegaram as cartas porque nem respostas delas se recebeu até agora (…)»
O Pe António Vieira viveu uma boa parte da sua vida sob o domínio filipino, na sequência da
perda da independência portuguesa após o desastre de Alcácer-Quibir. A independência é
recuperada em 1640, tendo sido eleito rei de Portugal o Duque de Bragança, futuro rei D. João
IV. Este período da vida política nacional é conhecido pela época da Restauração (Portugal foi
restituído aos Portugueses após 60 anos de domínio castelhano).
Quando a notícia da Restauração chega ao Brasil, António Vieira é enviado pela Companhia de
Jesus a Lisboa para homenagear o novo rei em nome da colónia brasileira. Entre Vieira e D.
João IV desenvolveu-se uma forte amizade que durou até à morte do monarca. A vida de
pregador da corte e de diplomata no estrangeiro está para breve. António Vieira é nomeado
pregador régio e torna-se conselheiro do rei e passa a ser político e diplomata.
Possivelmente por inveja do sucesso que o pregador tinha alcançado em Lisboa, a Companhia
de Jesus mostra-se disposta a expulsá-lo. O grande amor de Vieira à Companhia de Jesus e a
protecção de D. João IV evitam a expulsão indesejada.
Regressado do Brasil, o Pe António Viera constata em Lisboa que o reino tinha perdido o brilho
da época gloriosa das Descobertas: Portugal era constantemente atacado nas colónias
ultramarinas, facto que enfraquecia a economia. Pensou, então, em aconselhar o rei e seu
amigo D. João IV, a reintegrar os judeus expulsos de Portugal no tempo do rei D. Manuel I já
que estes eram hábeis nos negócios e em lidar com o dinheiro.Os judeus constituíam grande
parte da burguesia emergente que, pelo seu poder financeiro, provocavam a inveja de nobres
e clero. Estas expulsões foram extremamente prejudiciais para os reinos ibéricos visto que
dinamizavam a economia. Ricos e inteligentes, os judeus da Península eram odiados pelo
Tribunal do Santo Ofício que tudo fez para os condenar à morte em nome de Cristo. Neste
contexto, o Pe António Vieira foi muito ousado ao defender o seu regresso ao país agora
empobrecido, junto do rei de Portugal, porque os padres inquisidores dominavam toda a
sociedade que, por sua vez, os temia. António Vieira argumenta em defesa dos judeus dizendo
que a sua expulsão ia contra a caridade cristã e que, segundo as profecias do Bandarra, a
fundação do futuro quinto império comandado por Portugal seria da responsabilidade de
judeus. Esta defesa valeu-lhe a antipatia dos padres do Santo Ofício que, mal puderam, se
vingaram, prendendo-o.
Depois destas missões diplomáticas regressa a Lisboa; a corte não o recebe com bons olhos
embora D. João IV continue seu amigo. Face a esta indiferença por parte da grande nobreza
portuguesa, decide regressar ao Brasil e continuar a sua missão evangelizadora junto dos
indígenas, no estado brasileiro do Maranhão.
Os maus tratos aos indígenas e negros escravizados na colónia do Brasil levam o Pe A.Vieira a
apresentar várias queixas ao rei, contra os colonos portugueses que, longe de Lisboa, faziam as
suas próprias leis de acordo com as suas conveniências.
O Sermão de Santo António aos Peixes foi escrito na véspera da partida de A. Vieira para
Lisboa (13 de Junho de 1654) com o objectivo de denunciar de viva voz a D. João IV o drama
dos ameríndios.
Chegado a Lisboa após uma viagem marítima bastante acidentada, profere dois dos seus
sermões mais famosos: o Sermão da Sexagésima e o Sermão do Bom Ladrão.
D. João IV ouviu-lhe as queixas e toma medidas para proteger os indígenas ordenando que
este fiquem doravante a cargo dos padres jesuítas. Os colonos não apreciaram esta decisão
que punha em causa a mão-de-obra barata que viam no trabalho indígena e expulsam-no do
Brasil depois de assaltos à Companhia de Jesus. Regressa doente a Portugal.
Entretanto morre D. João IV e o Pe António Vieira, sem a protecção real, fica à mercê dos
muitos inimigos que foi criando ao longo da vida devido à defesa constante dos mais fracos,
fossem índios, negros ou judeus, devido, também, à fama que tinha conquistado como
pregador, tanto em Portugal como no estrangeiro, e às missões diplomáticas em que tinha
participado e que lhe tinham dado prestígio. Era odiado na Corte e pela Igreja.
Os padres do Santo Ofício esperavam uma oportunidade para o prender e tiveram-na quando
descobrem que António Vieira não só defendia o mito sebastianista como também que seria D.
João IV o tal rei “encoberto” que, ressuscitado, iria conduzir Portugal ao esplendor perdido,
chefiando o Quinto Império; os padres inquisidores vêem nesta crença de A. Vieira um
atentado à fé cristã e declaram-no réu num processo que se prolongará e irá contribuir para
enfraquecer a saúde do pregador que contava nesta altura 56 anos.
No período da contenda com o Santo Ofício começa a escrever a “História do Futuro”, obra
que mostra a crença sebastianista do autor e profetiza o Quinto Império para Portugal (época
áurea vindoura). Esta obra não teve impacto na sociedade portuguesa e tendo sido apreendida
pelo Tribunal do Santo Ofício, leva Vieira à prisão por ordem dos padres inquisidores que
consideravam escandalosas as ideias sebastianistas de Vieira. A Inquisição proibe-o de pregar e
condena-o a prisão domiciliária.
Algum tempo mais tarde, é-lhe permitido assistir em Roma à canonização de um padre jesuíta
que tinha sido assassinado. Acaba por ficar 6 anos em Roma onde veio a ser aclamado pelos
seus dotes de pregador e convidado para vir a ser o confessor da rainha Cristina da Suécia,
convite que A. Vieira não aceita. É em Roma que consegue que o Papa interceda por ele junto
do Santo Ofício.
Após a sua partida para o Brasil, os estudantes de Coimbra e os padres da inquisição queimam
a sua imagem na praça pública.
No Brasil, e apesar da velhice e de estar quase cego, Viera continua a ler, escrever, a
interessar-se pelo que ia acontecendo no mundo e fiel à crença sebastianista que tantos
problemas lhe tinha causado.
Aos 86 anos a sua saúde já debilitada piora após uma queda numa escada de pedra.
«(...) Há perto de quinze dias, como tenho escrito e outras, que estou sustentando à capa
nesta Quinta a grandes tempestades de catarros, que com pleurises, e sem outra febre mais
que a sua natural, ouço que fazem grandes destroços em todas as sortes de vidas e idades.
Enfim me resolvo a deixar este deserto e ir para o Colégio, ou para sarar como homem com os
remédios da medicina, ou para morrer como religioso entre as orações e braços de meus
padres e irmãos. (…)» Carta CCXC, 1696 (excerto)
O contexto político, religioso, social e cultural em que viveu e escreveu o Pe António Vieira:
– Ao longo dos 3 anos do domínio filipino após a morte de D. Sebastião em Marrocos, sem
deixar sucessor para o trono português, a política castelhana foi desrespeitando os
compromissos assumidos com Portugal (agora província castelhana). Esta situação criou
intabilidade a todos os níveis, contribuindo para aumentar o número de sebastianistas.
Os focos de rebelião contra Castela terminaram a 1 de Dezembro de 1640, com a morte dos
representantes do governo castelhano em Lisboa, seguida da aclamação de D. João IV como rei
legítimo de Portugal.
O reinado de D. João IV não foi nada fácil: a riqueza nacional derivada das colónias
ultramarinas estava em decadência assim como o prestígio de que Portugal tinha gozado na
restante Europa com as Descobertas. Para este enfraquecimento das finanças nacionais
contribuíram os ataques permanentes dos ingleses e holandeses às colónias portuguesas nos
diversos continentes, cuja riqueza cobiçavam.
2. O contexto religioso:
No século XVII, Portugal foi dominado pelo espírito de um movimento religioso designado por
Contra-Reforma. Como o nome sugere, a Igreja Católica quis reformar uma reforma imposta
pelo padre alemão Lutero (1483-1546) e pelo monge holandês Erasmo de Roterdão (1466-
1536). Estes pensadores, verdadeiros gigantes intelectuais europeus e hummanistas,
estiveram ligados à fé católica numa fase inicial, acabando por pô-la em causa, não porque
tivessem perdido a fé, mas porque viam com maus olhos os vícios, a hipocrisia e vida
excessivamente dedicada aos prazeres mundanos do Papa e da grande maioria dos membros
do clero da época. Manifestam-se, então, contra a Igreja de Roma argumentando que esta
não respeitava o Evangelho porque apenas lhe interessava o luxo, a ociosidade e uma vida
pecaminosa.
Assustado com os argumentos dos apoiantes da Reforma da Igreja Católica, o clero peninsular
desenvolve um movimento de Contra-Reforma; foi este apego do clero que não queria perder
os privilégios que tinha há séculos à tradição católica apostólica romana que originou os
excessos cometidos pela Inquisição e as tragédias que muitos inocentes viveram, apoiantes ou
não de Lutero. Bastava que tivessem uma maneira de viver e de pensar pouco ou muito
diferente daquela que era considerada como a “correcta”, para pagarem essa diferença com a
morte nos autos-de-fé do Santo Ofício, cujo poder se manifestava no país inteiro e sobre todos
os cidadãos, fossem nobres ou populares.
3.4 Medo: todos poderiam vir a ser vítimas da Inquisição, bastando para tal uma denúncia de
um vizinho mal disposto. A Inquisição não poupava nem as mulheres nem as crianças; no que
respeita aos encarcerados e mortos, confiscava-lhes os bens.
Para além do terror que as práticas da Inquisição espalhavam entre as populações, estas
manifestaram a consciência dolorosa da efemeridade da vida, facto que levou à existência de
modos de vida que oscilavam entre a tristeza depressiva e a tendência para uma vida
desregrada.
3.5 Ignorância generalizada. Galileu Galilei, Pascal, Newton, Descartes eram praticamente
desconhecidos em Portugal.
3.4 O poder real tornou-se absoluto e a corte um centro de vaidade e de luxo, onde a nobreza
ociosa se divertia em serões palacianos em que se recitava poesia ao som do cravo.
no século XVII surge uma nova corrente estética – o Barroco – que vai dominar a literatura, a
pintura e a escultura. O movimento artístico do Barroco nasceu em Itália e propagou-se nos
restantes países europeus, atingindo o apogeu em Espanha.
A palavra “barroco” vem de “barrueco” que significa pérola imperfeita. “Barroco” foi, durante
muito tempo, uma designação pejorativa para caracterizar modos de escrever, pintar e
esculpir considerados, pelos amantes da simplicidade como de mau gosto, demasiado
excêntricos, extravagantes e teatrais. A arte barroca é espectacular e faustosa, estando, por
isso, longe a simplicidade da época do Renascimento.
A pintura barroca
O século XVII teve pintores brilhantes, como Caravaggio, Rubens, Rembrandt, Vermeer,
Velasquez, Murillo, Zurbaran. O mais influente entre todos foi certamente o italiano
Caravaggio, famoso pelas pinturas religiosas. Em Espanha, a pintura atingiu um grande nível
artístico com Velasquez, Murillo e Zurbaran. Distinguiram-se ainda o pintor holandês
Rembrandt e o flamengo Vermeer. Trata-se de uma pintura caracterizada pelo contraste claro-
escuro, luz-sombra, mistura de tons quentes, formas cheias de sensualidade, valorização da
emocionalidade sobre a racionalidade, tentativa de impressionar os sentidos do espectador
através das cores (vermelho, dourado, amarelo) e formas arredondadas que sugerem a ligação
à terra. Sendo profundamente católica e produto do espírito da Contra-Reforma, a arte
barroca exprime, frequentemente, mensagens religiosas (cenas bíblicas, retratos de santos,
passagens das suas vidas, etc.)
O tema central da pintura barroca reside na antítese vida/morte e os artistas manifestam por
um lado o prazer de viver e, por outro, a dor face à efemeridade da vida e ao tempo que tudo
destrói. A expressão latina «carpe diem» (aproveita o momento presente) é um dos temas
frequentes na arte deste século.
A escultura barroca:
foi na estatuária e na talha dourada que o Barroco teve uma das manifestações mais ricas. A
talha dourada (madeira talhada e dourada de modo a parecer ouro) é abundante em muitas
igrejas portuguesas. Esta manifestação artística exprime o gosto pelo luxo e opulência da Igreja
que queria, assim, impressionar os fiéis. São vulgares, nas igrejas barrocas, colunas e altares
ornamentados com anjinhos, cachos de uvas, conchas, tudo pintado em dourada. Para além da
talha dourada, Portugal distinguiu-se, ainda, na azulejaria.
A Literatura barroca:
A produção literária do século XVII está a cargo de uma elite social e cultural que, impedida de
ser livre devido ao Tribunal do Santo Ofício, se refugia numa escrita recheada por vezes de
frases ou versos difíceis de compreender devido ao recurso excessivo a figuras de estilo
(metáforas, hipérboles, antíteses, alegorias, …).
Em termos gerais, é uma escrita muito imaginativa, extravagante e fútil nos temas,
nomeadamente na poesia, arte vista como divertimento de e para nobres, marcada por
complicados e imaginativos jogos de linguagem. Por este motivo, poucos são os poetas
portugueses desta época que passaram à posteridade.
Na prosa, o nome de vulto é o Pe António Vieira, cujo prestígio chegou aos nossos dias. Foi a
ele que Fernando Pessoa chamou « Imperador da Língua Portuguesa».
Música barroca:
A música está intimamente associada com a vida religiosa. Entre os grandes compositores
barrocos, incluem-se Bach, Haendel, Scarlatti e Monteverdi.
1. Introdução
O Pe António Vieira é considerado o maior orador sacro português e domina todo o século XVII
pela sua personalidade vigorosa que capta a atenção dos ouvintes.
Destaca-se, ainda, pela coragem evidenciada na luta, através das palavras, contra a exploração
dos povos oprimidos e pelo patriotismo evidenciado na luta pela manutenção da
independência nacional, numa época instável como foi a da Restauração.
O sermão inspira-se na lenda medieval segundo a qual Santo António, numa das pregações
destinadas a emendar o comportamento dos homens, decide falar aos peixes ao constatar que
os homens não lhe prestam atenção. Compreensivos e atentos, os peixes levantam as cabeças
à superfície das águas, comprovando a força da palavra do santo.
António Vieira imitá-lo-á visto que também não é ouvido pelos colonos do Maranhão que
exploram os ameríndios e os escravos negros; à semelhança do santo que tanto venera, falará
aos “peixes” – alegoria dos colonos. Deste modo pode criticá-los sem temer represálias.
O sermão tem uma missão social (salvar os ameríndios da cobiça e exploração, isto é, salvá-los
da antropofagia que era a prática comum entre os homens na sociedade), e é também um
instrumento de intervenção na vida política do país;
tem também uma missão espiritual: divulgar a palavra de Cristo, o Evangelho e histórias de
santos como exemplos de condutas a imitar.
1ª parte do sermão:
Que pretende dizer o pregador aos seus ouvintes do Maranhão? O sal preserva os alimentos
impedindo-os de se estragarem (era assim que antigamente a carne e o peixe eram
conservados); ora, tal como o sal preserva os alimentos da corrupção, o mesmo faz a palavra
de Cristo a quem a ouve, visto que a palavra divina transmitida pelos pregadores (eles são o
sal) impede que os colonos (a terra) se afastem do caminho do bem. O conceito predicável é
uma verdade intemporal que tem raízes bíblicas e que, por esse facto, dá credibilidade à
pregação já que ninguém se atreve a contestar a palavra de Cristo.
É uma parte importante porque é através dela que o pregador capta a atenção dos ouvintes,
logo, tem que prender e agradar.
Resumidamente: no exórdio Vieira diz que se as palavras do pregador (o sal) não cumprem a
sua função de impedir a corrupção entre os homens, duas questões devem ser analisadas:
será que o defeito está nos pregadores cujas palavras não convencem porque dizem uma coisa
e fazem o contrário do que pregam? A solução para este caso consiste em deitar fora o sal
porque não presta: «é lançá-lo fora como inútil para que seja pisado de todos.» (cap.I)
Mas também pode acontecer que o pregador ou sal seja bom e a terra ou colonos o
desprezem: «E à terra que não se deixa salgar, que se lhe há-de fazer?» (cap.I)
«Este ponto não resolveu Cristo Nosso Senhor no Evangelho; mas temos a sobre ele a
resolução do nosso grande português Santo António.»
Assim sendo, Vieira opta por imitar Sto António que deixou os homens e se virou para
melhores ouvintes: os peixes.
O Exórdio termina com uma invocação à Virgem Maria ou Domina Maris (Senhora do mar)
para obter a inspiração necessária à pregação convincente que deseja.
No que respeita à organização do discurso e linguagem figurada, notar alguns exemplos de:
– paralelismo sintáctico ou estrutural: «ou é porque (…) ou é porque (…) ou é porque (…)»;
– repetição da conjunção coordenativa disjuntiva “ou” que inicia várias frases com estrutura
idêntica.
– enumeração e gradação crescente: «sempre com doutrina muito clara, muito sólida, muito
verdadeira»
2ª parte do sermão
Assim, se existe o Bem e o Mal, o sermão, a partir do cap.I, será dividido em 2 partes, a saber:
– louvores aos peixes em particular, no cap. III: serão louvados o Santo Peixe de Tobias, a
Rémora, o Torpedo e o peixe Quatro-Olhos.
Para defender as suas ideias, Vieira recorre a uma argumentação cerrada, a uma linguagem
alegórica* de modo a tornar claras e facilmente compreensíveis determinadas realidades
abstractas (os vícios e as virtudes humanas) e a citações bíblicas e ou de padres famosos/
santos para melhor convencer acerca da pertinência das suas ideias.
* a alegoria é uma figura de estilo através da qual se refere ideias abstractas recorrendo a
exemplos comuns do mundo material; os vários peixes elogiados e repreendidos são alegorias
da maldade e bondade humanas.
– seguidamente, Vieira informa que quer pregar com a mesma imparcialidade que Santo
António usou nas suas pregações porque essa é a atitude que deve manifestar qualquer
pregador digno desse nome: «Uma é louvar o bem, outra repreender o mal: louvar o bem para
o conservar e repreender o mal para preservar dele.», isto é, o louvor das virtudes (humanas)
influencia a continuidade das mesmas e a crítica aos vícios (humanos) leva a que quem os
pratica se consciencialize dessa prática errada.
– Vieira justifica, com novos argumentos, o elogio das virtudes em geral dos peixes:
foram os primeiros animais criados por Deus, são os animais mais numerosos e com maiores
dimensões, são ordeiros, tranquilos e ouviram com atenção e devoção a mensagem de Santo
António, contrariamente aos homens que a desprezaram «tão furiosos e obstinados».
Jonas, personagem do Antigo Testamento a quem Deus encarregou de cumprir uma missão,
foi deitado ao mar pelos homens e salvo por uma baleia.
os peixes vivem retirados do convívio com os humanos, facto que revela a sua sensatez pois
são independentes e livres:
«Quanto mais longe dos homens, tanto melhor; trato e familiaridade com eles, Deus vos
livre!»
«Vede, peixes, quão grande bem é estar longe dos homens.» Como eles procedeu Santo
António, cuja biografia é sumariamente narrada na antítese que termina este capítulo: «e por
fim acabou a vida em outro deserto, tanto mais unido com Deus, quanto mais apartado dos
homens.»
Neste capítulo, o pregador passa à enumeração dos peixes que serão elogiados e das razões
que levam a esses elogios. Cada peixe representa, alegoricamente, virtudes humanas.
1º peixe elogiado: o peixe de Tobias, personagem do Antigo Testamento que, no momento em
que ia lavar os pés ao rio, é surpreendido por «um grande peixe com a boca aberta em acção
de que o queria tragar. Gritou Tobias assombrado (…)»
Acontece que este peixe assustador ia, afinal, salvar Tobias com as suas entranhas: «o fel era
bom para salvar da cegueira e o coração para lançar fora os demónios.»
2º peixe elogiado: a rémora «peixezinho tão pequeno no corpo e tão grande na força e no
poder»; a rémora é alegoria da energia e força de vontade que devem ser o “leme”/ a
orientação das acções humanas. A rémora representa todos os que são imunes, como Santo
António, à «fúria das paixões», guiando-se na vida pela racionalidade.
3º peixe elogiado: «aquele outro peixezinho, a que os latinos chamam torpedo»; este peixe
produz uma descarga eléctrica que passa para a mão do pescador, fazendo-lhe tremer o braço.
Isto quer dizer que a virtude deste peixe contagia o ser humano, sendo essa virtude a energia
para lutar contra a atracção pelo mal. Com esta nova alegoria Vieira critica os padres
pregadores que se interessam apenas por falar sem atender à qualidade das suas mensagens
evidenciando ausência de espírito crítico e descuido relativamente aos fiéis que “pescam” com
os respectivos discursos. Isto nunca acontecia com os sermões de Santo António visto que
aqueles que os ouviam “tremiam” de tanta emoção que, «tremendo, confessaram seus furtos;
(…) todos enfim mudaram de vida e de ofício e se emendaram.»
Tantos olhos num único peixe (2 virados para o céu e 2 virados para baixo) devem-se ao facto
de serem muito perseguidos no mar e no ar, pelas aves marítimas. Deste facto o pregador
conclui que este peixe ensina os homens a olharem para o céu para praticarem a virtude e a
não esquecerem o inferno sempre que olham para a terra.
O capítulo III termina com um elogio a todos os peixes que alimentam os pobres (as solhas); já
os salmões alimentam os ricos. Devido a esta boa acção dos peixes, o pregador deseja que se
reproduzam em abundância: «Crescei, peixes, crescei e multiplicai, e Deus vos confirme a sua
benção.»
5.6 capítulo IV – síntese das ideias
Neste capítulo, Vieira repreende os peixes em geral porque os peixes grandes comem os
pequenos (alegoricamente é referida a antropofagia social, isto é, os homens poderosos
aniquilam os mais frágeis, os marginalizados da sociedade: os ameríndios e negros do Brasil).
Assim sendo, a terra parece «um açougue» ou matadouro, já que os marginalizados vão
morrendo de cansaço, fome e doença, diante da indiferença dos colonos. Mas os homens
também se comem uns aos outros mesmo dentro da mesma classe social, porque cobiçam os
bens uns dos outros, são interesseiros:
«Pois tudo aquilo é andarem buscando os homens como hão-de comer e como se hão-de
comer. Morreu algum deles, vereis logo tantos sobre o miserável a despedaçá-lo e a comê-lo.
Comem-nos os herdeiros, comem-no (…) ainda o pobre defunto o não comeu a terra, e já o
tem comido toda a terra.»
Os homens deviam preocupar-se em lutar pela independência da sua terra atacada pelos
piratas ingleses e holandeses em vez de se perderem em lutas por bens menores sem
objectivo que as justifique.
Os peixes comem-se uns aos outros no mar por razões de sobrevivência, mas os seres
humanos aniquilam-se e desprezam-se por amor excessivo ao dinheiro. Esta constatação leva
a uma 2ª repreensão geral aos peixes alegoria dos homens: estes dão a vida por
insignificâncias, «um retalho de pano», mas os bens terrenos são ilusórios e fonte de
discórdias; o costume de se aproveitarem dos bens dos naufragados é condenável: «Pode
haver maior ignorância e mais rematada cegueira que esta?» Deviam seguir o exemplo de
Santo António que, tendo nascido rico, abandonou tudo para imitar Jesus Cristo.
«Descendo ao particular, direi agora, peixes, o que tenho contra alguns de vós»
Os peixes criticados são alegorias dos piores vícios humanos, ainda que haja uma gradação
nesta enumeração porque o polvo será o “peixe” mais criticado.
1º peixe repreendido:
o roncador – é a alegoria dos homens arrogantes e vaidosos que prometem e não cumprem
porque «o muito roncar antes da ocasião, é sinal de dormir nela»; «Assim que, amigos
roncadores, o verdadeiro conselho é calar e imitar a Santo António. Duas cousas há nos
homens que os costumam fazer roncadores, porque ambas incham: o saber e o poder.»
2º peixe repreendido:
3º peixe repreendido:
o peixe voador – é a alegoria dos sempre insatisfeitos com a vida e ambiciosos porque não se
contentando em nadar no mar, querem voar como os pássaros: «Dizei-me, voadores, não vos
fez Deus para peixes? Pois porque vos meteis a ser aves? (…) Peixes, contente-se cada um com
o seu elemento. (…) À vista deste exemplo, peixes, tomai todos na memória esta sentença:
quem quer mais do que lhe convém, perde o que quer e o que tem.»
4º peixe repreendido:
o polvo, alegoria da hipocrisia e da traição, os vícios piores entre todos. Contra o polvo
ergueram-se as vozes de dois santos importantes: S. Basílio e Santo Ambrósio porque o polvo
aparenta ser aquilo que não é:
«com aquele seu capelo na cabeça, parece um monge; com aqueles seus raios estendidos
parece uma estrela; com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura, a
mesma mansidão.»
Percebemos o alcance da crítica ao polvo: como ele, também os monges enganam os fiéis,
passando por homens piedosos quando não passam de homens imorais e interesseiros que
utilizam a palavra de Deus para melhor conseguirem os seus verdadeiros intentos.
Através de anáforas, frases paralelísticas e comparações, Vieira descreve a aparência
enganadora o polvo que, devido ao mimetismo, se disfarça para melhor enganar os inocentes
e que é pior traidor do que foi Judas, o traidor de Cristo.
«Se está nos limos faz-se verde, se está na areia, faz-se branco, se está no lodo, faz-se pardo
(…) E daqui que sucede? Sucede que outro peixe, inocente da traição, vai passando
desacautelado (…) Fizera mais Judas? Não fizera mais, porque não fez tanto. Judas abraçou a
Cristo, mas outros o prenderam; o polvo é o que abraça e mais o que prende.»
Para além das razões já invocadas contra o polvo, Vieira refere o contraste entre a “sujidade”
moral do polvo e a transparência do elemento natural em que habita – o mar:
«Oh que excesso tão afrontoso e tão indigno de um elemento tão puro, tão claro e tão
cristalino como o da água, espelho natural não só da terra, senão do mesmo céu!»
Vieira intui os argumentos que os peixes/ homens empregariam, se pudessem falar, para
rebater as acusações contra o polvo:
«Vejo, peixes, que pelo conhecimento que tendes das terras em que batem os vossos mares,
me estais respondendo e convindo, que também nelas há falsidades, enganos, fingimentos,
embustes, ciladas e muito maiores e mais perniciosas traições. (…) Mas ponde os olhos
António, vosso pregador, e vereis nele o mais ouro exemplar da candura, da sinceridade e da
verdade, onde nunca houve dolo, fingimento ou engano.»
Isto é, é verdade que a terra está infestada de traidores e não apenas o mar onde vivem os
peixes acusados, sobretudo o polvo, pior entre os piores. Mas também é verdade que há
habitantes da terra que se destacam pela pureza de coração e amor à verdade, como é o caso
de Santo António a quem Vieira imita e cita frequentemente no seu sermão. Que se há-de
então fazer, já que Santo António é inimitável? Para Vieira, basta que os portugueses do seu
tempo se mantenham fiéis aos valores morais e éticos que outrora existiam em Portugal e que
agora parecem estar arredados das intenções dos colonos do Maranhão:
«E sabei também que para haver tudo isto em cada um de nós, bastava antigamente ser
português, não era necessário ser santo.»
O capítulo V termina com uma censura àqueles que roubam os bens dos náufragos que dão à
costa e avisa:
«Para os homens não há mais miserável morte, que morrer com o alheio atravessado na
garganta.»
No último capítulo, Vieira quer “consolar” os peixes, eles que para além de terem sido alvo de
duras críticas, também foram excluídos do terceiro livro da Bíblia – O Levítico. Esta
desconsideração feita aos animais marinhos num livro sagrado deve-se a esta razão:
«(…) foi porque os outros animais podiam ir vivos ao sacrifício |entenda-se que se tratava de
uma oferenda a Deus que passava por sacrificar animais, tal como era habitual nas práticas
religiosas ancestrais| e os peixes geralmente não, senão mortos; e cousa morta não quer Deus
que se lhe ofereça, nem chegue aos seus altares.»
Ora, tal como os peixes que morrem antes de chegar a Deus, também «quantas almas chegam
àquele altar mortas (…) estando em pecado mortal!»
No entanto, os peixes estão em vantagem relativamente aos humanos já que nem chegam a
aproximar-se de Deus, não o podendo ofender; opostamente, os homens chegam a Deus
cheios de pecados, facto que leva o pregador a exclamar:
«Peixes, dai muitas graças a Deus de vos livrar deste perigo, porque melhor é não chegar ao
sacrifício, que chegar morto.»
Mas as vantagens dos peixes não se resumem apenas ao que foi referido antes: o pregador
também é humano e dotado de razão, contrariamente aos peixes que agem segundo as leis da
natureza. Assim sendo, o pregador inveja «a bruteza» dos peixes porque estes não ofendem a
Deus já que nem pensam nem têm vontade própria.
Vieira termina reconhecendo, numa atitude humilde, as fraquezas inerentes aos seres
humanos que falham perante Deus porque a inteligência destrói a inocência e pureza que os
peixes, seres irracionais, conservam e o livre-arbítrio que falta aos peixes nem sempre o
conduz à prática mais cristã :
«Vós fostes criados por Deus para servir ao homem, e conseguis o fim para que fostes criados;
a mim criou-me para o servir a ele, e eu não consigo o fim para que me criou.»
Acrescenta a esta confissão da sua indignidade face a Deus, o pedido aos peixes para que
louvem a Deus, criador da vida e a quem tudo se deve.
Introdução
O Pe António Vieira escrevia e pregava o que escrevia em público, nas igrejas, a partir do
púlpito ou lugar destinado na igreja aos pregadores. Para que a sua pregação produzisse o
efeito pretendido pelo orador, tornava-se necessário agradar aos ouvintes e conseguir prender
a atenção destes durante o tempo da pregação. Assim, nenhuma parte dos longos discursos
era deixada ao acaso mas, pelo contrário, minuciosamente trabalhada previamente.
Vieira conseguia seduzir os ouvintes à custa dos seus dons oratórios ou capacidade para se
expressar oralmente com convicção, através do recurso a figuras de estilo ou de retórica, do
encadeamento lógico dos raciocínios, das imagens sugeridas através das associações de
vocábulos seleccionados para esse efeito, do recurso a argumentos difíceis de contestar pelos
ouvintes.
Para ter sucesso na pregação e convencer os ouvintes a alterar a mentalidade e modos de agir,
Vieira serve-se de variados recursos; para além da argumentação (consulta a página seguinte
sobre este assunto), emprega largamente citações bíblicas, normalmente em latim, faz
referências à vida de Santos e Doutores da Igreja (Santo António, São Basílio, Santo Ambrósio,
Santo Agostinho, São Mateus), refere passagens conhecidas do Antigo Testamento (o episódio
de Jonas, no cap.I;o episódio do Dilúvio e a arca de Noé, no cap. I; o episódio de Tobias a quem
apareceu o Arcanjo Rafael, no cap. II; passagens da vida do rei David, cap. II, o episódio vivido
por Jesus Cristo no Horto, cap.V; a fuga de Jesus para o Egipto, cap. V;…); referências a
filósofos e pensadores (Aristóteles, p.ex.); referências à mitologia greco-latina; referências à
variedade da fauna marítima e terrestre, a zonas geográficas, à sabedoria popular, …
Ex. «Os peixes, pelo contrário, lá se vivem nos seus mares e rios, lá se mergulham nos seus
pegos, lá se escondem nas suas grutas» – cap. II
Ex2. «Vedes vós todo aquele bulir, vedes todo aquele andar, vedes aquele concorrer às praças
e cruzar as ruas, vedes aquele subir e descer as calçadas, vedes aquele entrar e sair sem
quietação nem sossego?» – cap. IV (nota os verbos antitéticos aqui presentes)
Ex3. «Se está nos limos, faz-se verde; se está na areia, faz-se branco; se está no lodo, faz-se
pardo» – cap. V
3. Apóstrofes
Ex2. «Vede, peixes, quão grande bem é estar longe dos homens» – cap.I
4. Antíteses
Ex. «Uma é louvar o bem, outra é repreender o mal» (paral. sintáctico + antítese)
Ex2 «tanto mais unido com Deus, quanto mais apartado dos homens» – cap. II
Ex6 «e visse na terra os homens tão furiosos e tão obstinados e no mar os peixes tão quietos e
tão devotos» – cap. II
Ex7 «não condeno, antes louvo muito aos peixes este seu retiro» . cap. II
5. Anadiplose (repetição de uma palavra nos segmentos de uma enumeração para sugerir uma
reacção em cadeia)
Ex. «De maneira que, num momento, passa a virtude do peixezinho, da boca ao anzol, do anzol
à linha, da linha à cana e da cana ao braço do pescador.» – cap. III
Ex2 «E daqui que sucede? Sucede que outro peixe, inocente da traição, (…)» – cap V
5. Enumerações
Ex.2 «(…) que também nelas há falsidades, enganos, fingimentos, embustes, ciladas e muito
maiores e mais perniciosas traições» – cap. V
Ex. «sempre com doutrina muito clara, muito sólida, muito verdadeira» – cap.I
Ex3 «Estes e outros louvores, estas e outras excelências de vossa geração e grandeza (…)» –
cap. II
Ex5 «de um elemento tão puro, tão claro e tão cristalino como o da água» – cap.V
7. Comparações
Ex. «Rodeia a nau o tubarão nas calmarias da Linha com os seus pegadores às costas, tão
cerzidos com a pele, que mais parecem remendos» – cap. V
Ex2 «O polvo com aquele seu capelo na cabeça, parece um monge; com aqueles seus raios
estendidos parece uma estrela (…)» – cap. V
8. Metáforas
Ex. «e esse fel que tanto vos amarga (…) uma é alumiar e curar as vossas cegueiras, e outra
lançar-vos os demónios fora de casa» – cap. III
Ex2 «Quem dera aos pescadores do nosso elemento (…) Tanto pescar e tão pouco tremer!» –
cap. III
Ex3 «onde permite Deus que estejam vivendo em cegueira tantos milhares de gentes» – cap.
III
Ex4 «porque a fome que de lá traziam, a fartavam em comer e devorar os pequenos» – cap. IV
Ex5 «Com aquela corda e com aquele pano, pescou ele muitos» – cap IV
9. Quiasmo
Ex. «mas neste caso os homens tinham a razão sem o uso e os peixes o uso sem a razão» – cap.
II
«Que faria logo? Retirar-se-ia? Calar-se-ia? Dissimularia? Daria tempo ao tempo?» – cap. I
«Oh grande louvor para os peixes e grande afronta e confusão para os homens!» – cap. II
«Pois a quem vos quer tirar as cegueiras, a quem vos quer livrar dos demónios perseguis vós?»
– cap. III
«Oh quão altas e incompreensíveis são as razões de Deus, e quão profundo o abismo de seus
juízos!» – cap. III
11. Repetições
Ex. «Vós virais os olhos para os matos e para o sertão? Para cá, para cá; para a cidade é que
haveis de olhar» – cap. IV
12. Trocadilhos
Ex. «Dizei-me: o espadarte porque não ronca? (…) Contudo que lhe sucedeu naquela noite?
Tinha roncado e barbateado Pedro (…) O muito roncar antes da ocasião, é sinal de dormir
nela.» – cap. V
«Eis aqui, peixinhos ignorantes e miseráveis, quão errado e enganoso é este modo de vida que
escolhestes.» – cap. V
Ex. «Vede, peixes, quão grande bem é estar longe dos homens.» – cap. II
Ex3 «Vedes vós todo aquele bulir, vedes todo aquele andar (…) Morreu algum deles e vereis
logo tantos sobre o miserável» – cap. IV
Ex4 « Vede um homem desses que andam perseguidos de pleitos (…) e olhai quantos o estão
comendo. (…) E para que vejais como estes comidos na terra são os pequenos (…)» – cap. IV
Ex5 «Vede o vosso Santo António, que pouco o pode enganar o mundo» – cap. IV
Ex6 «Vê, voador, como correu pela posta o teu castigo.» – cap. V
«Porque cá, no Maranhão, ainda que se derrame muito sangue (…)» – cap. IV
17. Aforismos
«Quem quer mais do que lhe convém, perde o que quer e o que tem» – cap. V
18. Ironia
«Mas esta dor é tão ordinária, que já pelo costume quase se não sente.» – cap II
a) Referências a filósofos e pensadores : «Falando dos peixes, Aristóteles diz que só eles, entre
todos os animais, se não domam nem domesticam», cap.I
a propósito dos peixes: «porque há filósofos que dizem que vós não tendes memória» – cap. I
«Olhai como estranha isto Santo Agostinho» , cap. II
b) Conhecimentos bíblicos: «No tempo de Noé sucedeu o dilúvio que cobriu e alagou o
Mundo» – cap.I;
«Lá diz a Escritura daquela famosa árvore, em que era significado o grande Nabucodonosor,
que (…)», cap. V
c) História natural: referências a animais exóticos: o bugio (macaco), tigres, leões, papagaio
referências a peixes diversos conhecidos possivelmente nas viagens marítimas que fez:
«navegando daqui para o Pará (…)» cap.II: rémora, voadores, quatro-olhos, baleia, tubarão, ….
«Comerem-se uns animais uns aos outros é voracidade e sevícia e não estatuto da natureza.
Os da terra e do ar que hoje se comem, no princípio do Mundo não se comiam, sendo assim
conveniente e necessário para que as espécies se multiplicassem», cap. IV
«Se o rio Jordão e o mar de Tiberíades têm comunicação com o Oceano, como devem ter, pois
dele manam todos.», cap. V;
«Vai o xaréu correndo atrás do bagre, como o cão atrás da lebre, e não vê o cego que lhe vem
nas costas o tubarão» , cap. IV
d) mitologia: «o canto das sereias» (Odisseia de Homero), cap. I; «O que é a baleia entre os
peixes, era o gigante Golias entre os homens.», cap. V;
«depois que Ícaro se afogou no Danúbio não haveria tantos Ícaros no Oceano», cap. V;
e) sociedade:
«e os bonitos, ou os que querem parecer, todos esfaimados aos trapos, e ali ficam engasgados
e presos, com dívidas de um ano para outro ano, e de uma safra para outra safra, e lá vai a
vida. Isto não é encarecimento. Todos a trabalhar toda a vida, ou na roça, ou na cana, ou no
engenho, ou no tabacal; e este trabalho de toda a vida quem o leva? Não o levam os coches,
nem as liteiras (…)? No triste farrapo com que que saem à rua, e para isso se matam todo o
ano.» – cap. IV
«São piores os homens que os corvos. O triste que foi à forca, não o comem os corvos senão
depois de executado e morto; e o que anda em juízo, ainda não está executado nem
sentenciado, e já está comido.» , cap. IV
«Porque os grandes que têm o mando das cidades e das províncias, não se contenta a sua
fome de comer os pequenos um por um, ou poucos a poucos senão que devoram e engolem
os povos inteiros.», cap. IV
«Os mais velhos, que me ouvis e estais presentes, bem vistes neste Estado, (…) que os maiores
que cá foram mandados, em vez de governar e aumentar o mesmo Estado, o destruíram; (…)
Assim foi; mas, se entre vós se acham por acaso alguns dos que, seguindo a esteira dos navios,
vão com eles a Portugal e tornam para os mares pátrios, bem ouviriam este lá no Tejo que
esses mesmos maiores que cá comiam os pequenos, quando lá chegam, acham outros maiores
que os comam também a eles»
cap. IV
«A vaidade entre os vícios é o pescador mais astuto e que mais facilmente engana os
homens.», cap. IV
«Nesta viagem, de que fiz menção, e em todas as que passei a Linha Equinocial, vi debaixo dela
o que muitas vezes tinha visto e notado nos homens, e me admirou que se houvesse estendido
esta ronha e pegado também aos peixes. (…) Este modo de vida, mais astuto que generoso, se
acaso se passou e pegou de um elemento a outro, sem dúvida que o aprenderam os peixes do
alto, depois que os nossos portugueses o navegaram.», cap. V
O Texto Argumentativo
1. Argumentar: o que é?
Assim, é a posse da capacidade argumentativa oral ou escrita que nos permite participar na
sociedade na medida em que, graças a ela, o que pensamos e sentimos é exteriorizado ao ser
verbalmente expresso.
Para haver recurso à argumentação é preciso que haja perspectivas diferentes sobre uma
questão. Se há acordo total entre o Emissor e o Receptor, o acto de argumentar não tem
cabimento.
Por exemplo, se eu sou vegetariana e tu também és, não se torna necessária qualquer
argumentação; mas se tu achas que o consumo de carne é imprescindível para que a
alimentação seja equilibrada e saudável, “obrigas-me” a explicar-te as razões que me levam a
rejeitar o consumo de carne na minha alimentação. As razões em que me vou basear são os
meus argumentos. Tu, evidentemente, vais contrapor os teus, tentando levar-me a concordar
contigo. A opção que fizemos para fazer valer os nossos pontos de vista é a tal via
argumentativa que é indício da nossa pertença a uma civilização que se serve do raciocínio e
da palavra para encontrar soluções em vez do recurso à força física.
2. Argumentação, o que é?
É preciso não esquecer que uma argumentação pode ser racional e credível sem que por isso
convença o Receptor ou auditório. Nesse caso, a argumentação empregue é má. Por outro
lado, uma argumentação que encante o Receptor ou auditório baseada em falácias e em
argumentos disparatados e irracionais, é igualmente má e, pior ainda, um embuste.
A argumentação deve ser racional (não pode ferir a inteligência do interlocutor), deve seduzir
ou convencer criando no outro interesse em ouvir ou ler os nossos argumentos (exclui as
relações de mando ou poder, evita a repetição dos mesmos argumentos, evita ferir a
sensibilidade do outro, não é manipuladora; opostamente, é lógica sem ser seca ou
excessivamente fria e analítica, é tolerante, é agradável de ouvir ou ler porque é
linguisticamente irrepreensível e emprega argumentos variados que surpreendem o receptor),
tem em conta o perfil psicológico, social e cultural do destinatário e, por último, tem em conta
o contexto situacional.
Nota: os argumentos não têm que expressar a verdade acerca de uma questão mas, sim,
convencer alguém de que temos razão acerca da questão a ser debatida.
3. Meios de persuasão
O orador ou aquele que argumenta diante de um público ouvinte como é o caso do Pe António
Vieira, tem que passar uma mensagem de credibilidade para quem o ouve/ lê:
mostrar-se sensato e tolerante, parecer sincero, criar um clima de empatia com os ouvintes,
ter boa presença física ou aspecto cuidado, saber usar o tom de voz adequado às partes da sua
argumentação, adequar o discurso ao contexto situacional (quem o ouve? quem o vai ler?, que
cultura têm os ouvintes/ leitores? em que lugar profere o discurso? em que contexto político,
social e económico se insere o que diz?), deve ir ao encontro dos valores morais e éticos da
comunidade para a qual fala ou escreve, deve ser respeitado pela comunidade e reconhecido
pela sua imparcialidade (ainda que aparente), espírito de justiça, inteligência, conhecimentos e
experiência de vida.
Assim, o domínio da arte da Retórica (hoje a Oratória ou arte de falar em público e persuadir
veio tomar o lugar da antiga Retórica) é fundamental na argumentação. Em paralelo com a
organização dos argumentos, são importantes também os processos estético-estilísticos que
contribuem para embelezar o discurso e os códigos para-linguísticos (voz, dicção, entoação e
gestos).
4. O texto argumentativo
para cada tese ou ideia a ser apresentada, é necessário expor um conjunto de argumentos
(razões, provas, ideias) que a sustentem.
o encadeamento lógico dos argumentos é imprescindível porque é graças a ele que os ouvintes
podem acompanhar o discurso.
O discurso escrito exige uma estrutura sintáctica e lexical e uma correcção morfológica e
ortográfica. As palavras isoladas não possuem um verdadeiro sentido comunicativo e, por esta
razão, o significado de uma mensagem decorre da disposição das palavras nas frases e da
articulação destas em períodos e parágrafos.
Mas há outros factores a ter em conta quando redigimos a nossa mensagem, seja um texto de
tipo argumentativo ou de outro tipo:
Estas intenções que prevalecem ao acto verbal são os actos ilocutórios directos que já
conheces: assertivo, expressivo, directivo, compromissivo, declarativo e declarativo assertivo.
Mas pode acontecer que a comunicação verbal expresse ideias diferentes daquelas que quero
comunicar: neste caso, os actos ilocutórios são indirectos.
Imagina que, no decurso de uma conversa telefónica que se alonga, tu dizes a certa altura ao
teu interlocutor que lhe telefonas mais tarde para acabar a conversa pela razão de que alguém
está a tocar à porta.
O que tu de facto queres dizer é: Estou farto/a desta conversa interminável! No entanto, para
preservar a tua imagem social, é improvável que digas a verdade ao interlocutor. O teu
discurso será, então, um acto ilocutório indirecto já que afirmas algo diferente daquilo que
efectivamente dizes.
Depois, cabe ao interlocutor inferir aquilo que não dizes, isto é, reconhecer a mensagem
implícita/ subentendida na interacção verbal e, respeitando os princípios de cortesia e de
cooperação necessários à vida em sociedade, vai responder à situação de acordo com a
mensagem implícita, ou seja, vai respeitar a tua decisão.
– A coerência textual é a propriedade do texto que permite que ele seja compreendido. A
coerência manifesta-se tanto na frase como na globalidade do texto. O texto que não revela
esta propriedade (a coerência) não é texto, mas um amontoado de frases sem nexo lógico.
Então, o texto é coerente quando respeita 3 princípios:
As flores do jardim (tópico discursivo) estão bem tratadas; o jardineiro rega-as com cuidado.
Gosto de passear no jardim florido quando chega a Primavera. Nas noite de Verão, o cheiro
das rosas e do jasmim (hipónimos do hiperónimo “flores”) sente-se por toda a parte.
6.1 capítulo II
Argumentos a favor desta pregação bipartida (elogia e repreende): Santo António assim
procedeu; o grande doutor da Igreja, S. Basílio, está de acordo; no Evangelho, os apóstolos de
Cristo (pescadores) recolheram os peixes bons e devolveram ao mar os que não prestavam;
assim sendo, «há que louvar e que repreender».
Arg.3: Moisés, “cronista da criação”, distinguiu-os exclamando: «Peixes graúdos e tudo o que
se move nas águas bem dizei ao Senhor»
Arg.4: os peixes são obedientes, ordeiros, sossegados e atentos à palavra de Deus difundida
nos sermões de Sto António.
Arg.5: os peixes parecem ter inteligência, ao contrário dos homens que sendo racionais não o
querem mostrar.
Arg.6 Uma baleia salvou Jonas da maldade dos homens que o atiraram ao mar.
Arg.7 O filósofo Aristóteles disse que entre todos os animais eles são os mais independentes
(não se domam nem domesticam)
Arg.8 Os peixes não se deixam inflenciar porque vivem isolados dos outros animais.
Arg.9 Quando se deu o Dilúvio, os peixes salvaram-se todos; Santo Ambrósio disse que esta
salvação se ficou a dever ao facto de habitarem longe dos homens.
Arg.10 Deus decidiu castigar os animais que viviam perto dos homens e poupar os que viviam
longe deles.
Arg.11 Santo António também procedeu como os peixes, afastando-se da família e indo viver
num deserto.