Tradução e Adaptação:
Cristiano Roberto Rohling
O Professor Challenger estava com o pior humor possível. Enquanto
permaneci à porta de seu escritório, minha mão sobre a maçaneta e
meu pé sobre o tapete, ouvi o monólogo que se seguiu, as palavras
retumbando e reverberando pela casa:
— Sim, eu disse que esta é a segunda ligação errada. A segunda
nesta manhã. Imagine o que significa para um homem de ciência
ser distraído de seu essencial trabalho pela constante interferência
de algum idiota do outro lado dos fios telefônicos? Não estou
disposto a passar por isso. Mande essa reclamação ao gerente. Oh!
O senhor é o gerente. Então, por qual motivo não resolve meu
problema? Sim, o senhor certamente é capacitado a me distrair de
um trabalho que sua mente é incapaz de compreender. Quero o
superintendente. Ele não está? Devia ter imaginado. Vou arrastar os
senhores ao tribunal se isso acontecer novamente. Até galos que
cantam já foram julgados nas cortes. Eu mesmo fui o reclamante.
Se até os galos geram demandas, o que dizer de campainhas
estridentes? A situação é clara. Um pedido de desculpas por escrito.
Muito bem. Vou considerar. Bom dia.
Foi neste ponto em que me aventurei a fazer minha entrada. Era
certamente um momento infeliz. Estava em frente a ele quando
deixou o telefone — como um leão em sua ira. Sua enorme barba
negra estava eriçada, seu grande peito arfava com indignação, e
seus arrogantes olhos cinzas varreram-me de cima a abaixo quando
as ondas de sua fúria caíram sobre mim.
— Patifes excessivamente remunerados, infernais, desocupados!
— trovejou — Pude até ouvi-los a gargalhar enquanto fazia minha
justa reclamação. Existe uma conspiração para me atormentar. E
agora, jovem Malone, chega você para completar uma manhã
desastrosa. Você está aqui, deixe-me perguntar, por sua própria
conta ou seu jornaleco lhe incumbiu de obter uma entrevista? Como
amigo, você tem seus privilégios — mas como jornalista, certamente
passa dos limites .
Eu caçava em meu bolso a carta de McArdle quando
repentinamente uma nova queixa veio à sua memória. Suas
enormes e peludas mãos se atrapalharam em meio aos papéis
sobre sua mesa e finalmente encontraram um recorte de jornal.
— Você foi corajoso o suficiente ao aludir a mim em suas recentes
lamentações — disse ele, balançando o papel à minha frente — Foi
no curso de seus comentários um tanto idiotas a respeito da
descoberta de restos sauroides na planície de Solenhofen. Você
começa o parágrafo com as palavras: ‘Professor G. E. Challenger,
um de nossos maiores cientistas vivos...
— Mas, senhor? — perguntei.
— Qual o motivo dessas desagradáveis qualificações e limitações?
Talvez você deva mencionar quem são esses outros predominantes
homens de ciência a quem você imputa igualdade ou até mesmo
superioridade em relação a mim?
— Me expressei mal. Certamente, deveria ter dito: “Nosso maior
cientista vivo”. — admiti. Afinal, era minha crença sincera. Minhas
palavras transformaram seu inverno em verão.
— Meu bom e jovem amigo, não pense que estou sendo exigente,
mas cercado como estou por belicosos e irracionais colegas, acabo
por ser forçado a tomar meu próprio partido. A auto-afirmação é
estranha à minha natureza, mas tenho que me manter firme contra a
oposição. Venha agora! Sente-se aqui! Qual é o motivo da sua
visita?
Tive que pisar em ovos, pois sabia o quão fácil seria fazer o leão
voltar a rugir. Abri a carta de McArdle.
— Posso ler essa nota, senhor? É de McArdle, meu editor .
— Me lembro dele... não é um mau exemplar de sua classe.
— Ele tem, no mínimo, uma grande admiração por sua pessoa. Ele
se volta ao senhor de tempos em tempos, quando precisa de altas
qualificações em algum caso investigativo. Aliás, esta é a situação
atual .
— O que ele precisa?
Sob a influência da lisonja, Challenger se empinou como uma ave
desajeitada. Sentou-se com os cotovelos sobre a mesa, as mãos de
gorila juntas, a barba eriçada para a frente e seus grandes olhos
cinzentos, meio cobertos pelas pálpebras caídas, fixaram-se
benignamente em mim. Ele era enorme em tudo o que fazia, e sua
benevolência era ainda mais avassaladora que sua truculência.
— Lerei a nota por ele a mim confiada. Aqui diz:
“Por favor, contate nosso estimado amigo, o Professor
Challenger e peça sua cooperação nas seguintes
circunstâncias. Um cavalheiro letão de nome Theodore
Nemor, residente em White Friars Mansions, Hampstead,
afirma ter inventado uma máquina de caráter
extraordinário, capaz de desintegrar qualquer objeto
colocado em sua esfera de influência.
Com o uso deste engenho, a matéria se dissolve,
retornando à condição molecular ou atômica. Invertido o
processo, a matéria pode ser refeita. Tais alegações
parecem extravagantes, mas existem sólidas evidências
que apontam para sua veracidade, de modo que Nemor
parece realmente ter tropeçado em alguma notável
descoberta.
Não seria preciso ressaltar o caráter revolucionário de tal
invenção, nem sua extrema importância como potencial
equipamento bélico. Uma força capaz de desintegrar um
navio de guerra e de — mesmo temporariamente —
transformar um batalhão em um mero agrupamento de
átomos poderia certamente dominar o mundo. Por razões
sociais e políticas, todo o tempo gasto na tentativa de
chegar ao fundo deste assunto será bem aproveitado.
Nemor apregoa estar ansioso para vender sua invenção,
de modo que não serão encontradas dificuldades para a
aproximação. O cartão anexo abrirá as portas. Desejo
que você e o Professor Challenger se encontrem com ele
e que inspecionem sua invenção, escrevendo para o
Gazette um relato sobre o valor da descoberta. Espero
sua resposta para esta noite — R. McARDLE.”
— Estas são minhas instruções, Professor. — continuei enquanto
novamente dobrava a carta — Sinceramente, espero que o senhor
venha comigo, pois como eu, com minhas limitadas capacidades,
deveria agir diante de tal assunto?
— Verdade, Malone! Verdade. — ronronou o grande homem. —
Ainda que não destituído de inteligência natural, concordo contigo
que estarias sobrecarregado ao tratar do assunto que trouxestes a
mim. Essas terríveis pessoas ao telefone já arruinaram meu trabalho
matinal, de modo que gastar meu tempo com este caso não vai
fazer diferença. Estou empenhado em refutar àquele bufão italiano,
Mazotti, cujos pontos de vista sobre o desenvolvimento larval dos
cupins tropicais atraíram meu escárnio e desprezo, mas a exposição
deste impostor pode aguardar até a noite. Enquanto isso, estou a
seu dispor.
E foi assim que naquela manhã de outubro me vi no trem
subterrâneo com o Professor, acelerando para o norte de Londres
naquela que provou ser uma das experiências mais singulares da
minha notável vida.
Antes de deixar Enmore Gardens, eu havia averiguado pelo
famigerado telefone que nosso homem estava em casa, avisando-o
a respeito de nossa visita. Ele vivia em um confortável apartamento
em Hampstead, e nos fez esperar por meia hora em sua ante sala
enquanto continuava um animado colóquio com um grupo de
visitantes, cujas vozes, quando finalmente se despediram no salão,
apontavam para o fato de serem russos. Tive um vislumbre deles
através da porta semiaberta, pareciam homens prósperos e
inteligentes, com colarinhos de astracã em seus casacos e cartolas
brilhantes, toda aquela aparência de bem-estar burguês que todo
bem-sucedido comunista prontamente assume.
A porta do corredor se fechou atrás deles e, no instante seguinte,
Theodore Nemor entrou no cômodo onde estávamos. Ainda posso
vê-lo agora, iluminado pela luz do sol, esfregando suas longas e
finas mãos e nos examinando com seu largo sorriso e seus astutos
olhos amarelos.
Era um homem baixo e troncudo, e parecia ser portador de alguma
deformidade física, embora fosse difícil determinar em que parte do
corpo. Pode-se dizer que ele era um corcunda sem a corcova. Seu
rosto grande e liso se parecia com um bolinho de massa mal
passada, com a mesma cor e consistência úmida, enquanto as
espinhas e manchas que o enfeitavam destacavam-se ainda mais
agressivamente contra o fundo pálido. Seus olhos eram felinos,
assim como o fino, longo e eriçado bigode que encimava sua frouxa,
úmida e salivante boca. Tudo nele era baixo e repulsivo até que se
reparasse em suas sobrancelhas cor de areia. A partir destas havia
um esplêndido arco craniano, como raramente vi igual. Até o
enorme chapéu do Professor Challenger poderia facilmente ter
servido naquela magnífica cabeça. Alguns leriam Theodore Nemor
como um vil e rastejante conspirador, mas nesse ponto ele poderia
tomar parte entre os grandes pensadores e filósofos do mundo.
— Bem, cavalheiros… — disse ele, em uma voz aveludada quase
desprovida de sotaque estrangeiro — como entendi por nossa
breve conversa por telefone, os senhores vieram conhecer mais a
respeito do Desintegrador Nemor. Seria isso mesmo?
— Exatamente .
— Devo perguntar se representam o governo britânico?
— De forma alguma. Sou correspondente do Gazette, e este é o
Professor Challenger.
— Um nome honrado em toda a Europa. — seus caninos
amarelados brilhavam em uma obsequiosa amabilidade — Estava
prestes a lhes dizer que o governo britânico perdeu sua
oportunidade. Na verdade, logo descobrirão ter perdido bem mais
que isso. Possivelmente, até mesmo o Império. Estive preparado
para vender minha invenção ao primeiro governo que se dispusesse
a pagar o preço, e se agora ela está em mãos que os britânicos
desaprovam, a culpa é apenas de vocês.
— Então, o senhor vendeu seu segredo?
— Pelo meu próprio preço.
— O senhor pensa que o comprador terá o monopólio?
— Sem dúvidas, ele terá.
— Mas outros conhecem o segredo.
— Não, senhor. — ele tocou sua grande testa — Este é o cofre em
que o segredo está guardado com segurança — um cofre mais
eficiente que qualquer um feito de aço, e protegido por algo
substancialmente melhor que uma chave Yale. Alguns podem até
saber partes do segredo: outros, podem conhecer porções do
assunto. Todavia, ninguém no mundo sabe tudo sobre meu invento,
senão apenas eu.
— E também esses cavalheiros para quem o senhor vendeu.
— Não, senhor, eu não seria tolo a ponto de entregar o segredo
antes que o preço fosse pago. Além disso, eles compraram a mim, e
desta forma levarão este cofre — ele tocou novamente em sua
testa — com todo o seu conteúdo para qualquer lugar que
desejarem. Assim, minha parte na barganha será cumprida fiel e
impiedosamente. Depois disso, a história será feita .
Ele esfregou as mãos, e o sorriso que trazia fixo se contorceu em
algo semelhante a um rosnado.
— O senhor vai me desculpar — trovejou Challenger, que até
então permanecera sentado em silêncio, mas sua expressiva face
registrava a mais completa desaprovação de Theodore Nemor —
antes de discutir o assunto, deveríamos nos convencer de que haja
realmente algo a ser discutido. Ainda não nos esquecemos do
recente caso em que um italiano, que se propunha a explodir minas
à distância, sob investigação se provou um completo impostor. A
história pode muito bem se repetir. O senhor entenderá que tenho
uma reputação a zelar como homem de ciência — uma reputação
que, como o senhor mesmo descreveu, se estende por toda a
Europa, ainda que eu tenha razões para crer que não seja menos
visível na América. A precaução é um atributo científico, e o senhor
precisará nos mostrar provas antes que possamos considerar como
reais as suas afirmações.
Nemor lançou um olhar particularmente maligno para meu
companheiro, mas o sorriso de afetada genialidade se alargou em
sua face.
— O senhor faz justiça à sua reputação, Professor. Sempre ouvi que
o senhor seria o último homem do mundo que poderia ser
enganado. Estou preparado para oferecer uma demonstração real
que não falhará em lhe convencer, mas antes disso preciso dizer
algumas poucas palavras sobre os princípios gerais. O senhor
perceberá que o modelo experimental que erigi em meu laboratório
é apenas um protótipo, ainda que funcione admiravelmente dentro
de suas limitações. Não existiriam possíveis dificuldades em, por
exemplo, desintegrar sua pessoa para posteriormente remontá-la,
mas esse não seria motivo suficiente para que um grande governo
estivesse preparado para pagar um preço que chega aos milhões.
Meu modelo é um mero brinquedo científico. É apenas quando esta
mesma força é invocada em larga escala que os enormes efeitos
práticos podem ser atingidos.
— Podemos ver este modelo?
— O senhor não somente o verá, Professor Challenger, mas terá
possivelmente a mais conclusiva demonstração sobre sua própria
pessoa, isso se tiver coragem para tal.
— Se! — o leão começou a rugir — Seu “se”, meu senhor, é
ofensivo no mais alto grau.
— Certo, certo. Não tive a intenção de questionar sua coragem. Só
pretendia oferecer-lhe uma oportunidade para demonstrá-la.
Primeiramente, devo dizer algumas palavras sobre as leis
subjacentes que governam o assunto. Quando certos cristais, por
exemplo, o sal ou o açúcar, se dissolvem e desaparecem quando
postos na água, não seria possível saber se eles já estiveram lá.
Então, através da evaporação ou de alguma outra forma, quando é
diminuída a quantidade de água, ei-los de volta! Lá estarão seus
cristais novamente, visíveis uma vez mais e iguais a antes.
Consegue conceber um processo pelo qual o senhor, um ser
orgânico, se dissolveria do mesmo modo no cosmo para, depois,
por uma sutil reversão das condições, se reagrupar mais uma vez?
— A analogia é falsa — bradou Challenger — Mesmo que
aceitasse a monstruosa premissa de que nossas moléculas podem
ser dispersas por algum poder perturbador, por que as mesmas
deveriam se reunir exatamente na mesma ordem que antes?
— Sua objeção é das mais óbvias. Posso apenas responder que, ao
se remontar, as moléculas se remontam até o último átomo da
estrutura. Existe uma moldura invisível na qual cada tijolo voa para
seu devido lugar. Você pode rir, professor, mas sua incredulidade e
seu sorriso logo serão substituídos por outra e bem diferente
emoção.
Challenger encolheu os ombros.
— Estou completamente pronto para me submeter ao teste.
— Há ainda outro caso que gostaria de expor, senhores, e que
poderia ajudá-los a compreender a ideia. Os senhores
provavelmente já ouviram, tanto na magia oriental quanto no
ocultismo ocidental, sobre o fenômeno do aporte, no qual um objeto
é subitamente trazido de longe e aparece em um novo lugar. Como
poderia tal coisa ser feita salvo pelo afrouxamento das moléculas,
seu transporte sobre uma onda etérica e sua remontagem, cada
uma exatamente em seu próprio lugar, unidas por alguma lei
irresistível? Isso parece uma analogia justa com o que é feito por
minha máquina .
— Você não pode explicar uma coisa inacreditável citando outra
coisa do mesmo gênero — disse Challenger — Não acredito em
seus aportes, Sr. Nemor, e não acredito em sua máquina. Meu
tempo é valioso, e se quisermos fazer algum tipo de demonstração,
peço-lhe que prossiga sem mais cerimônias .
— Então o senhor terá o prazer de me acompanhar. — disse o
inventor. Ele nos levou, descendo a escada do apartamento e
atravessando um pequeno jardim que ficava por trás. Havia um
considerável anexo à residência, o qual ele destrancou para que
entrássemos.
Dentro havia uma grande sala pintada de branco com inúmeros fios
de cobre pendurados em rolos no teto e um enorme imã equilibrado
em um pedestal. À frente, havia o que parecia um prisma de vidro
com um metro de comprimento e um metro de diâmetro. À direita,
sobre uma plataforma de zinco, repousava uma cadeira com uma
tampa de cobre polida suspensa logo acima. Tanto a “tampa” quanto
a cadeira tinham pesados fios presos a eles, e ao lado havia uma
espécie painel de controle com ranhuras numeradas e uma
alavanca emborrachada que, no momento, marcava zero.
— Este é o Desintegrador de Nemor. — disse aquele estranho
homem, acenando com a mão para a máquina — Este é o modelo
que está destinado à fama, alterando o equilíbrio de poder entre as
nações. Quem detiver esse poder governará o mundo. Agora,
Professor Challenger, se assim posso dizer, o senhor me tratou com
alguma falta de cortesia e consideração neste assunto. Ousaria o
senhor se assentar àquela cadeira de modo a me permitir
demonstrar em seu próprio corpo as capacidades desta nova força?
Challenger possuía a coragem de um leão, e algo na natureza do
desafio o incitou a um instante de frenesi. Ele correu para a
máquina, mas eu o segurei pelo braço, puxando-o de volta.
— O senhor não deve ir. — falei — Sua vida é valiosa demais.
Isso é monstruoso. Que garantia de segurança temos? A coisa mais
próxima a esse aparelho que já vi foi a cadeira de eletrocussão em
Sing Sing.
— Minha garantia de segurança — disse Challenger — é que você
será testemunha, e Nemor certamente seria detido por homicídio
involuntário, no mínimo, se alguma coisa acontecesse comigo.
— Mas seria um péssimo consolo para o mundo da ciência, pois o
senhor deixaria inacabado seu trabalho, e ninguém além do senhor
poderia continuá-lo. Deixe-me ao menos ir primeiro, e depois,
quando a experiência se mostrar inofensiva, o senhor poderá
prosseguir.
O perigo pessoal nunca teria feito Challenger mudar de opinião, mas
a ideia de que seu trabalho científico pudesse permanecer
inacabado o atingiu em cheio. Ele hesitou e, antes que pudesse se
decidir, corri para frente e pulei na cadeira. Vi o inventor colocar a
mão na alavanca. Eu estava ciente de ter ouvido um clique. Então,
por um momento, houve uma sensação de confusão e uma névoa
diante dos meus olhos.
Quando terminou, o odioso inventor sorria diante de mim e
Challenger, com suas bochechas vermelhas drenadas de sangue e
cor, olhava por cima de meu ombro.
— Bem, vamos logo com isso! — falei.
— Já terminamos. O senhor respondeu admiravelmente. —
informou Nemor — Saia agora, e o Professor Challenger sem
dúvidas estará pronto para assumir seu lugar .
Nunca vi meu velho amigo tão preocupado. Seus nervos de ferro
tinham por um momento falhado completamente. Ele segurou meu
braço com a mão trêmula.
— Meu Deus, Malone, é verdade. — disse ele — Você
desapareceu. Não há dúvida disso. Houve uma névoa por um
instante e depois você sumiu .
— Por quanto tempo estive fora?
— Dois ou três minutos. Fiquei, confesso, horrorizado. Imaginei que
você não retornaria. Então ele levou a alavanca, se isto for
realmente uma alavanca, a outra ranhura e lá estava você em cima
da cadeira, parecendo um pouco desnorteado, mas do jeito que
sempre foi. Agradeci a Deus ao vê-lo! — Ele enxugou a testa
úmida com um grande lenço vermelho.
— Agora, senhor — disse o inventor — Ou talvez seus nervos não
o permitam?
Challenger visivelmente estava preparado. Ergui minha mão em
protesto mas ele a empurrou para o lado e se sentou na cadeira.
Quando a alavanca tocou no número três, o Professor desapareceu.
Devo ter ficado horrorizado com a perfeita frieza do operador.
— É um processo interessante, não é? — comentou — Quando
consideramos a tremenda individualidade do Professor, é estranho
pensar que ele agora está transformado em uma nuvem molecular
suspensa em alguma porção deste prédio. Ele está, é claro,
inteiramente à minha mercê. Se eu escolhesse deixá-lo em
suspensão nada no mundo poderia me impedir.
— Eu logo encontraria alguma forma de impedi-lo.
O sorriso novamente se tornou em um rosnado.
— O senhor nem poderia imaginar que tal pensamento poderia
passar por minha mente. Deus do Céu! Pense na permanente
dissolução do grande Professor Challenger, desaparecido no
espaço cósmico sem deixar traços! Terrível! Terrível! Ao mesmo
tempo, ele não foi cortês como deveria. Não acha que eu deveria
lhe aplicar uma pequena lição?
— Não, não acho.
— Bem, digamos que seria uma curiosa demonstração. Algo que
daria um interessante parágrafo em seu artigo. Por exemplo,
descobri que os pêlos do corpo vibram de forma totalmente diferente
dos demais tecidos orgânicos vivos, e podem ser incluídos ou
excluídos à vontade. Me interessaria ver o urso sem sua pelagem.
Ei-lo!
Houve o barulho da alavanca. Um instante depois Challenger estava
uma vez mais sentado na cadeira. Mas que Challenger! Um leão
tosquiado! Mesmo furioso com a peça que lhe foi pregada, mal
consegui conter o riso.
Sua enorme cabeça estava tão careca quanto a de um bebê e seu
queixo, liso como o de uma garota. Despojado de sua gloriosa juba,
a parte inferior do rosto estava fortemente avermelhada e em forma
de presunto, enquanto toda a sua aparência era de um velho
gladiador combativo, surrado e abaulado, com as mandíbulas de um
buldogue sobre um enorme queixo.
Pode ter a expressão de nossas faces — não tenho dúvidas que o
sorriso maligno de meu companheiro se alargou com a visão —
mas, seja como for, a mão de Challenger voou até sua cabeça e ele
se tornou consciente de sua condição . No instante seguinte, ele
saltou da cadeira, agarrou o inventor pelo pescoço e o jogou no
chão. Conhecendo a imensa força de Challenger, me convenci de
que o homem seria morto.
— Pelo amor de Deus, tenha cuidado. Se você o matar, nunca mais
consertaremos as coisas! — gritei.
Esse argumento prevaleceu. Mesmo em seus momentos mais
loucos, Challenger sempre permanecia aberto à razão. Ele se
levantou do chão, arrastando com ele o trêmulo inventor.
— Eu lhe dou cinco minutos. — ofegou ele em sua fúria — Se em
cinco minutos eu não for mais como era, sufocarei toda a vida deste
seu corpo miserável.
Furioso, Challenger não era exatamente uma pessoa segura para
se discutir. O mais valente dos homens poderia se encolher diante
dele, e não havia sinais de que o Sr. Nemor fosse um homem
particularmente corajoso. Pelo contrário, aquelas manchas e
verrugas em seu rosto de repente se tornaram muito mais evidentes
quando o rosto atrás delas se alterou da cor de massa, que era seu
normal, para a cor da barriga de um peixe.
— Sério, professor! — ele balbuciou, com a mão na garganta —
Esta violência é totalmente desnecessária. Certamente uma piada
inofensiva pode passar em branco entre amigos. Era meu desejo
demonstrar os poderes da máquina. Imaginei que você queria uma
demonstração completa. Sem ofensa, garanto-lhe. Professor, de
forma alguma!
Como resposta, Challenger subiu de volta na cadeira.
— Você vai ficar de olho nele, Malone. Não permita nenhuma
liberdade.
— Vou cuidar disso, senhor.
— Agora, resolva esse assunto ou assuma as consequências.
O aterrorizado inventor se aproximou de sua máquina. O poder de
integração foi ativado ao máximo, e em um instante, lá estava mais
uma vez o velho leão com sua crina emaranhada. Ele acariciou
afetuosamente a barba com as mãos e as passou sobre o crânio
para ter certeza de que a restauração estava completa. Então,
desceu solenemente de seu poleiro.
— O senhor tomou uma liberdade, senhor, que pode ter
consequências muito graves para si. No entanto, estou satisfeito em
aceitar a explicação de que você só fez isso para fins
demonstrativos. Agora, posso lhe fazer algumas perguntas diretas
sobre este notável poder que o senhor afirma ter descoberto?
— Estou pronto para responder a qualquer coisa, exceto qual é a
fonte de tal poder. Esse é meu segredo.
— E você nos informa seriamente que ninguém no mundo sabe
disso, exceto você?
— FIM —
1. A MÁQUINA DE DESINTEGRAÇÃO